peso 4

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Peso 4

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  • Infncia e adolescncia

    Aos 7 anos de idade havia uma importante fase na vida infantil, o ir para a escola

    primria. No Peso, a primeira escola primria surgiu nos finais da dcada de 40. Na dcada de

    50 j havia trs escolas: uma para o sexo masculino, outra para o sexo feminino e a terceira

    para classes mistas, porque nem todas as crianas concluam a escola primria; os pais

    precisavam dos filhos para trabalharem, de modo a poderem contribuir para o sustento da

    casa.

    A sua importncia na vida da aldeia foi enorme, pois os pais que eram analfabetos

    sentiam um grande orgulho em que os seus filhos pudessem saber ler e escrever; por outro

    lado retardavam a iniciao nos trabalhos mais pesados da lavoura aos rapazes, j que as

    raparigas no escapavam a ter de executar trabalhos domsticos.

    O crisma e a comunho solene eram outras cerimnias para as quais se inclinavam a

    ateno da populao.

    Aps uma preparao prvia no catecismo, bem como uma iniciao nas regras de

    conduta moral e cvica que cada jovem devia possuir, vinha o Bispo da Guarda fazer a

    Confirmao ou Crisma, unindo desta forma o adolescente Igreja de Deus.

    Esta formalidade tinha um caracter festivo na povoao visto que era uma ilustre

    personagem que vinha ao Peso, e que todos gostavam de ver.

    O acolhimento de boas-vindas ao Bispo era feito logo entrada principal da terra, no

    local agora conhecido por Cilindro. Quando a viatura que transportava o mais importante

    representante de Deus na Terra, residente na nossa regio, chegava, havia logo foguetes e a

    populao que se apinhava fazia soar uma estrondosa salva de palmas, com muitas vivas ao

    Sr. Bispo da Guarda, a Salazar, a Portugal e ao Peso.

    Contava-me o meu av materno, que um dia veio o Bispo da Guarda ao Peso, quando

    ele era rapazote. Como a estrada do Peso ao Tortosendo era em terra batida (macadame), o

    Bispo teve de vir a cavalo. Quando este parou no Peso para o Bispo se desmontar, houve uma

    pessoa que se dirigiu ao Bispo nestes termos:

    -h senhor Bispo, no se importa que o seu cavalo tire o p de cima da minha pata?

    As pessoas riram-se, mas isto era o exemplo vivo da pouca cultura da populao, e

    principalmente o medo de represlias em que as pessoas viviam.

    Ambiente domstico

    O local mais apreciado da casa era, sem dvida, o canto da lareira.

    Ao redor da lareira se comia, e a famlia reunia-se. O fogo que dali emanava, aquecia

    os corpos e os espritos dos residentes, e presenciava os acontecimentos mais interessantes da

    vida familiar. Naquele local se abordavam os problemas familiares, econmicos e sociais. Ali

    mesmo se verificava a manifestao de religiosidade, com oraes dirias, recordaes dos

    entes que j tinham partido, pedidos de aes de graa para os presentes, familiares e amigos;

    narravam-se histrias antigas de lobisomens, de almas errantes que vagueavam

    desatinadamente pelo facto de terem feito promessas que no foram cumpridas; tambm

    histrias de santos que gozavam as delcias da eternidade, depois de se arrependerem das

    maldades cometidas, e depois passaram a proceder corretamente no resto da vida. Esta forma

    de vivncia tinha como objetivo fazer interiorizar nas pessoas, o quanto necessrio

    proceder-se de forma correta com toda a gente neste mundo, e de praticar aes a fazer o bem.

  • O Social na Comunidade do Peso

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    2

    As refeies eram simples, no dia-a-dia; eram servidas geralmente na cozinha, numa

    pequena mesa com uma gaveta aonde se guardava o po e o queijo, quando o havia.

    O pequeno-almoo do homem que saa de manh para o trabalho era servido numa

    malga1 denegrida pelo uso e tambm por alguma falta de asseio, aonde se migava po rijo

    com caf de cevada torrada, que acompanhava, quando havia, um bocado de carne gorda de

    porco, assada nas brasas, e que se metia num bocado de po centeio. Por vezes, quando no

    forno das padeiras se cozia uma panela enorme de feijo grande, e a famlia no tinha comido

    tudo na vspera, ento o homem tinha direito a ir bem comido com uma malgada2 de feijo

    do forno, temperado com azeite da lavoura, acompanhada de cascas de cebola crua.

    Na realidade a alimentao no era abundante. O conduto3 era exguo. Quando havia

    sardinha assada, esta era dividida por trs pessoas, como era hbito fazer-se. A carne

    escasseava ao longo do ano, exceto quando havia matana de porco no final do ano, nas festas

    quando se abatiam cabras, ou ento quando algum da famlia adoecia que se matava um

    coelho ou uma galinha. Costumava-se at dizer, quando algum estava muito doente:

    Coitada, j est s a caldos de galinha, era sinal de morte pr-anunciada.

    A base da alimentao era originria daquilo que a terra produzia em abundncia,

    como as batatas, os feijes, gros, ervilhas, hortalias e frutas. Quando havia possibilidade

    financeira, l se a mercearia comprar arroz ou massa, para meter na sopa, e desta forma

    tornar o caldo rico.

    Como no havia eletricidade, tambm no havia arcas congeladoras para conservar

    os alimentos. Os alimentos como a carne eram conservados em salgadeiras, isto , em arcas

    de madeira com grandes quantidades de sal grosso. Os enchidos, como a chouria de carne, as

    morcelas de arroz, as mouras,4 farinheiras,

    5 antes de serem colocados nos potes de barro

    vidrados, passavam pelo fumeiro, isto , por cima do local aonde se acendia o lume na

    cozinha, durante algumas semanas, at ficarem secas, para ento serem depositadas para

    conserva.

    Estes trabalhos culinrios eram sempre feitos da mesma forma, a tcnica era sempre

    a mesma, mantendo-se assim uma tradio ancestral.

    1 Tigela ou prato fundo de loua, em barro, em que se servia a sopa, ou caldo. 2 Malga bem cheia de comida. 3 O que se come depois da sopa; segundo prato com carne ou peixe. 4 Chourias grossas preparadas com sangue, carne gorda dos porcos, e vinho branco. 5 Enchido semelhante no tamanho e na forma chouria, mas que contm carne gorda de porco, farinha ou miolo

    de po, para alm dos temperos.