peso 2

3
  População da freguesia  No quadro seguinte podemos o bservar a evolução populacional do Peso nos últimos 130 anos. 1  Quanto à evolução da população verifica-se que houve um decréscimo provocado  pelas desanexações das novas freguesias, bem como devido ao en orme fluxo emigratório. Em 2015, altura em que resumimos este trabalho, não há, certamente, 700 habitantes no Peso. Memórias do Peso 2  Recordo o Peso da nossa infância, rodeado pelo verde matizado das serras, em que se destacavam a urze florida e cheirosa, a giesta de verde e amarelo vestida, a esteva de flor  branca e o pinheiro forte e altivo.  Não esqueço os ribeiros pujantes de águas cristalinas que corriam sobre leitos de calhaus milenários, musguentos aqui e além, e ervas de verde profundo que das margens trepavam pelas paredes que o homem ao longo dos temp os levantara. Lembro as searas de pão dos alqueves que se estendiam em largas faixas ondulantes, verde primeiro, douradas depois entre matos e pinheirais. Não esqueço a humanização que então dava vida às nossas serras. A actividade era grande. Era o pastor que saía cedo da corte com o seu rebanho, fizesse frio ou calor; era o cavador que nos vales e encostas logo cedo se ouvia cavando ou regando a terra; era o bater característico do podão dos forneiros caindo sobre pinheiros e mato; era o murmurar das azenhas, moinhos e lagares. Era uma serra humanizada, fervilhante de vida e de sons só seus. O resto era ar puro e silêncio que só o cuco, a gralha e o gaio de quando em quan do rompiam. Era este o arco vivo que envolvia o Peso de Nascente a Poente. E as Sul? Ah! A Sul era o rio. Que beleza, que saudade! Como Zêzere conhecido, para nós foi sempre, e ainda é, simplesmente o rio. Era um mundo à parte, só nosso, tão amado por todos. Temeroso, mas  benfazejo, em tempos de grandes cheias, manso e idílico após a chegada da Primavera. Oferecia-se, então, em toda a sua plenitude. O lodo das cheias tinha fertilizado as terras que o ladeiam, os arbustos e árvores das margens tinham fortalecido o seu porte, em alguns casos majestoso, e acentuado o brilho da sua folhagem, indo dos tens verde cinzento do salgueiro 1  Instituto Nacional de Estatística. 2  Carta que me dirigiu o meu cunhado Jaime Serra Sardinha, em Setembro de 2001, quando do lançamento da Colectânea de Poesia   Poetas do Peso.  ANO HABITANTES FOGOS 1881 1078 301 1890 1292 331 1900 1248 301 1930 1751 421 1940 1919 478 1970 1312 421 1986 2094 488 1991 0753 440 2001 0780 520 2011 0736 556

Upload: aldeiadopeso

Post on 04-Nov-2015

59 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

:Peso 2

TRANSCRIPT

  • Populao da freguesia No quadro seguinte podemos observar a evoluo populacional do Peso nos ltimos

    130 anos.1

    Quanto evoluo da populao verifica-se que houve um decrscimo provocado

    pelas desanexaes das novas freguesias, bem como devido ao enorme fluxo emigratrio.

    Em 2015, altura em que resumimos este trabalho, no h, certamente, 700 habitantes

    no Peso.

    Memrias do Peso2 Recordo o Peso da nossa infncia, rodeado pelo verde matizado das serras, em que se

    destacavam a urze florida e cheirosa, a giesta de verde e amarelo vestida, a esteva de flor

    branca e o pinheiro forte e altivo.

    No esqueo os ribeiros pujantes de guas cristalinas que corriam sobre leitos de

    calhaus milenrios, musguentos aqui e alm, e ervas de verde profundo que das margens

    trepavam pelas paredes que o homem ao longo dos tempos levantara.

    Lembro as searas de po dos alqueves que se estendiam em largas faixas ondulantes,

    verde primeiro, douradas depois entre matos e pinheirais. No esqueo a humanizao que

    ento dava vida s nossas serras. A actividade era grande. Era o pastor que saa cedo da corte

    com o seu rebanho, fizesse frio ou calor; era o cavador que nos vales e encostas logo cedo se

    ouvia cavando ou regando a terra; era o bater caracterstico do podo dos forneiros caindo

    sobre pinheiros e mato; era o murmurar das azenhas, moinhos e lagares. Era uma serra

    humanizada, fervilhante de vida e de sons s seus. O resto era ar puro e silncio que s o

    cuco, a gralha e o gaio de quando em quando rompiam.

    Era este o arco vivo que envolvia o Peso de Nascente a Poente. E as Sul? Ah! A Sul

    era o rio. Que beleza, que saudade! Como Zzere conhecido, para ns foi sempre, e ainda ,

    simplesmente o rio. Era um mundo parte, s nosso, to amado por todos. Temeroso, mas

    benfazejo, em tempos de grandes cheias, manso e idlico aps a chegada da Primavera.

    Oferecia-se, ento, em toda a sua plenitude. O lodo das cheias tinha fertilizado as terras que o

    ladeiam, os arbustos e rvores das margens tinham fortalecido o seu porte, em alguns casos

    majestoso, e acentuado o brilho da sua folhagem, indo dos tens verde cinzento do salgueiro

    1 Instituto Nacional de Estatstica. 2 Carta que me dirigiu o meu cunhado Jaime Serra Sardinha, em Setembro de 2001, quando do lanamento da

    Colectnea de Poesia Poetas do Peso.

    ANO HABITANTES FOGOS

    1881 1078 301

    1890 1292 331

    1900 1248 301

    1930 1751 421

    1940 1919 478

    1970 1312 421

    1986 2094 488

    1991 0753 440

    2001 0780 520

    2011 0736 556

  • 2

    aos verdes sedosos e profundos dos freixos e amieiros. As guas barrentas e lodosas do

    Inverno tornavam-se num espelho de prata coleante3 que no incio da Primavera deixava a nu

    largos espaos de areal primevo l para os lados do Ortigal, encostando-se quase sempre

    margem Norte onde os dias de estio apenas se formavam as olas4 que eram as piscinas do

    povo de ento. O peixe era abundante.

    No Vero o rio era quase s areal, mas a gua que restava, chegava para os peixes,

    para a rega dos milheirais que se estendiam em ambas as margens por quilmetros e

    quilmetros de lodeiros e ainda servia como refrigrio e factor higinico de corpos. Era

    tradio que os jovens, que iam s sortes,5 tomassem na vspera, banho no rio. Poderiam eles

    ter j nadado muitas vezes nas olas, mas banho com sabo e toalha, para muitos, os das sortes,

    seria o primeiro.

    Como esquecer a vida, as actividades do homem no rio? Desde o lavrar das terras,

    das sementeiras, das sachas, das mondas, das desfolhadas, do tirar e do malhar do milho nas

    eiras, todo um ciclo longo e duro de muito trabalho s amenizado pelas belas cantigas que no

    cimo das rodas e nas eiras se cantavam. Quantos poemas de amor, uns tristes, outros alegres,

    o milho ouvia, enquanto as guas corriam nas levadas e tornadouros.

    E o colorido dos estendais de roupa que as mulheres iam lavar no rio. Para alm do

    almoo e da merenda tomados sob a sombra amiga de um salgueiro, a miudagem pescava a

    boga e a enguia e nadava nos charcos e olas. Pescava-se com cestos de vime e tambm com

    redes quando se sabia que o guarda-rios no andava por perto. Para alm disso havia matanas

    feitas com bombas de foguetes, o que trazia tona de gua centenas de peixes de todos os

    tamanhos. Uma estragao na maior parte dos casos.

    Mas o rio era tambm um obstculo natural para os povos do Peso e do Pesinho. No

    havendo ponte,6 recorria-se aos meios mais antigos conhecidos pelo homem.

    No Inverno, em tempo de cheias e grandes caudais, havia um barco em forma

    triangular, largo e comprido. De fundo chato, movido a partir da r por longas varas

    empunhadas por um ou dois barqueiros, profundos conhecedores do rio. O barco partia do

    paredo das Tbuas,7 subia o rio at prximo da Pontaria,8na margem do Peso, sendo

    depois levado pela corrente ao longo da margem do Pesinho at ao ponto oposto ao paredo

    das Tbuas. Para regressar ao Peso fazia-se o inverso. O barco pertencia Confraria das

    Almas do Peso, mas foi operado durante muitos anos pelo Ti Z Augusto, homem forte e de

    poucas falas que habitava no Peso, l para o fundo do povo. Ainda recordo ouvir na Ladeira,

    em noites de chuva e vento, vozes aflitas chamando do lado do Pesinho: Oh Ti Z Augusto!

    Oh Ti Z Augusto! E l ia o Ti Z Augusto, sozinho ou acompanhado, rio acima, rio abaixo,

    passar algum que se havia atrasado em negcios ou em comezainas l para os lados do

    Pesinho.

    Na Primavera, com os caudais mais mansos, mas que ainda no podiam ser

    atravessados a p, a mesma Confraria montava um passadio feito de tbuas e de troncos, com

    3 Significa serpeante, que corre como uma serpente. 4 Significa remoinho na gua. Na tradio oral diziam golas. 5 Significa inspeo militar 6 Carlos Pinto, Presidente da Cmara Municipal da Covilh, na presena do Primeiro-Ministro, Jos Manuel

    Duro Barroso, e do Presidente da Cmara Municipal do Fundo, Manuel Frexes, inaugurou, no dia 27 de Julho

    de 2003, a Ponte Peso-Pesinho. 7 Atualmente situa-se neste preciso local a Ponte Peso-Pesinho. 8 A Pontaria situava-se a cerca de 50 metros a jusante do local aonde est atualmente o poo de captao de gua

    para os depsitos. Entre a Pontaria e as Tbuas so cerca de alguns 150 metros.

  • 3

    um nico apoio para as mos a montante. Era um passadio estreito e frgil que nem toda a

    gente ousava atravessar e que muitas vezes foi gua abaixo, sempre que os caudais

    aumentavam.

    Hoje, no rio, no h rodas de regar, nem barcos, nem tbuas, nem areia e julgo que

    no fora o Zeca Afonso e outros pesquisadores culturais, tambm todas as cantigas do rio

    teriam desaparecido. O que se salvou uma pequena amostra da grande quantidade de velhos

    poemas de amor e de trabalho cuja sonoridade era to prpria da Beira Baixa e patrimnio da

    gente do nosso rio. Actualmente, no nosso rio, h apenas buracos lodoso com gua poluda e

    muita porcaria volta. Tudo est mudado, para pior, infelizmente.

    Da aldeia propriamente dita e das suas gentes muito haveria que dizer, apesar de os

    poetas do livro9tocarem o tema aqui e ali. Para mim, que nasci em 1938, a vida do Peso

    comea nos anos 40 e estende-se pelas dcadas de 50 e 60, anos de grandes transformaes

    sociais provocadas pelo fim da grande guerra de 1939/45, e pela simultaneidade dos fluxos de

    emigrao para a Europa e das guerras do Ultramar.

    9 Refere-se ao livro Poetas do Peso propriedade da AJP Associao da Juventude do Peso, apoiado pelo IPJ de Castelo Branco, editado em Setembro de 2001.