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PEDRO TAVARES DE ALMEIDA
Sociologia Poltica
RELATRIO
Programa, contedos e mtodos
2012
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Relatrio sobre o programa, contedos e mtodos da
unidade curricular Sociologia Poltica, apresentado
no mbito das provas de agregao requeridas no
ramo de Cincia Poltica, na especialidade de Elites
e Comportamentos Polticos.
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NDICE
1. Prembulo 1
2. Metodologia pedaggica e avaliao 2
2.1. Aulas tericas
2.2. Aulas prticas
2.3. Repertrio bibliogrfico
2.4. Materiais de apoio didctico
- Recursos multimdia
- Recursos electrnicos
2.5. Regime de avaliao
3. Programa 7
3.1. Estrutura
3.2. Distribuio dos tempos lectivos
3.3. Sinopse descritiva
Tema 1: O estudo da poltica
Tema 2: Modernidade, modernizao e democracia
Tema 3: Eleies e comportamentos eleitorais
Tema 4: Princpios e modos de organizao da aco colectiva
Tema 5: As elites polticas
4. Bibliografia: roteiro temtico e comentado 38
Anexo:
Prova escrita presencial - exemplos de perguntas 60
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SOCIOLOGIA POLTICA
Relatrio
1. Prembulo
Ao abrigo do disposto no despacho reitoral n 20995/2008, de 1 de agosto, que
reformula os ramos e especialidades aplicveis para a obteno do ttulo de agregado na
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (vd. Dirio
da Repblica, 2 srie, n 154, de 11 de agosto de 2008), requeremos as provas de
agregao no ramo de Cincia Poltica, na especialidade Elites e Comportamentos
Polticos.
De harmonia com o disposto na alnea b) do artigo 5 do Decreto-Lei n
239/2007, de 19 de junho, cumpre-nos apresentar um relatrio sobre uma unidade
curricular no mbito do ramo do conhecimento ou especialidade em que so prestadas
as provas (vd. Dirio da Repblica, 1 srie, n 116, de 19 de junho de 2007).
A escolha da unidade curricular Sociologia Poltica justifica-se por duas ordens
de razo fundamentais. Por um lado, tem uma funo de charneira no grupo de
disciplinas de Cincia Poltica que compem a Licenciatura em Cincia Poltica e
Relaes Internacionais (CPRI) da FCSH-UNL, fazendo a articulao e estabelecendo
pontes entre os contedos programticos de vrias unidades curriculares especializadas.
De frequncia obrigatria, desempenha assim um papel importante na formao
cientfica de base dos estudantes do actual curso de 1 ciclo em CPRI, introduzindo-os
nos diferentes modos de pensar a poltica e fornecendo-lhes uma viso alargada e
integrada de temas fundamentais na construo da identidade e no desenvolvimento
terico-metodolgico deste campo disciplinar. Acresce ainda que nesta unidade
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curricular, que preexiste criao da Licenciatura em CPRI, estando inicialmente
ancorada na Licenciatura em Sociologia, que o signatrio tem o mais longo e contnuo
magistrio, constituindo esse capital de experincia docente o molde em que foi vazado
o presente Relatrio sobre o programa, os contedos e os mtodos de ensino terico e
prtico das matrias da disciplina.
Por outro lado, no plano epistemolgico, as teorias e as investigaes empricas,
quer sobre as minorias organizadas com poder e influncia (as elites) quer sobre as
determinantes da aco colectiva (os comportamentos polticos, em particular o voto),
que configuram a rea de especialidade disciplinar, esto na prpria gnese e no cerne
da Sociologia Poltica.
2. Metodologia pedaggica e avaliao
2.1. AULAS TERICAS
Em termos gerais, a orientao cientfico-pedaggica da unidade curricular
baseia-se numa concepo plural e aberta, que visa familiarizar os alunos com as
diversas perspectivas tericas e tradies analticas na abordagem dos temas
leccionados, incentivando-os a confrontarem argumentos e a desenvolverem a
capacidade de reflexo crtica fundamentada.
Uma outra directriz essencial a importncia atribuda ao mtodo comparativo,
quer como instrumento heurstico, quer como instrumento de controlo cientfico. Por
um lado, a comparao um poderoso meio de descoberta - Compare yourself with
others! Know what you are!, j proclamava Goethe (Torquato Tasso, 1790)1 - e de
explicao, nomeadamente conferindo inteligibilidade s relaes de causalidade -
nous navons quun moyen de dmontrer quun phnomne est cause dun autre, cest
de comparer les cas o ils sont simultanment presents ou absents, postulava Emile
Durkheim em Les rgles de la mthode sociologique (1895). Por outro, permite testar a
validade das generalizaes e singularizar o que verdadeiramente excepcional,
actuando como antdoto de muitas falcias universalistas e particularistas. Deste
modo, o repertrio bibliogrfico da unidade curricular tende a privilegiar os estudos
1 Citado por Thomas Mann em epgrafe ao seu livro Reflections of a Nonpolitical Man (New York, 1985)
[ed. original, em alemo: Berlim,1918]. Mantivemos a frase na verso em lngua inglesa.
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empricos que fazem uma abordagem comparativa das instituies, dos actores ou dos
comportamentos polticos.
Para cada um dos temas do Programa, o docente traa a evoluo do estado da
arte, sumariando as principais teorias e hipteses explicativas e os intentos de
validao emprica. Nesse mbito, feita a apresentao crtica de um elenco
seleccionado de obras clssicas e fundamentais - assim definidas pelo seu estatuto
pioneiro e/ou impacto decisivo no desenvolvimento do conhecimento e no estmulo
investigao sobre certos temas. A prioridade dada ao estudo dessas obras seminais e
inspiradoras os pilares mais slidos e duradouros, amide revisitados e no raro fonte
de inesgotveis controvrsias tanto mais justificvel quanto a literatura especializada
cada vez mais vasta e torna necessria uma triagem criteriosa.
A exposio oral das matrias leccionadas frequentemente ilustrada com
representaes grficas dos modelos tericos e analticos escrutinados - por exemplo, o
diagrama sistmico de David Easton, o mapa conceptual da Europa ou a tipologia
das estruturas de clivagem e dos sistemas de partidos de Stein Rokkan, ou ainda o
funil de causalidade das decises de voto de Angus Campbell et al. (Escola de
Michigan) - e documentada com a apresentao de dados estatsticos que permitem
comprovar hipteses e fazer comparaes no tempo e no espao.
2.2. AULAS PRTICAS
Nas aulas prticas, pelo menos a primeira parte da sesso sempre destinada
apresentao e discusso pelos alunos dos textos de leitura obrigatria indicados no
incio do semestre (vd. Programa Sinopse descritiva). A apresentao de cada texto
feita, de modo breve (15 minutos, mximo), por um ou dois alunos previamente
seleccionados. No debate, o docente desempenha o papel de moderador, fazendo o
balano final e sublinhando as conexes mais pertinentes com a matria leccionada nas
aulas tericas. H 14 textos de leitura (integral ou parcial) obrigatria, que perfazem
cerca de 250 pginas, uma extenso conforme s recomendaes do relatrio
justificativo dos crditos ECTS do actual plano de estudos do curso de licenciatura.
Em algumas das aulas prticas, a segunda parte da sesso utilizada para a
apresentao e explorao de alguns recursos multimdia e electrnicos com interesse
cientfico-pedaggico para a aprendizagem em curso (vd., adiante, a relao dos
Materiais de apoio didctico).
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2.3. REPERTRIO BIBLIOGRFICO
A extensa lista de livros e de alguns artigos de revistas que acompanha o
Programa da disciplina justifica-se por trs motivos. Por um lado, visa facultar aos
alunos o conhecimento do acervo bibliogrfico que serve de suporte s lies
ministradas pelo docente nas aulas tericas, bem como facilitar-lhes a identificao dos
autores e dos textos expressamente citados. Por outro lado, disponibiliza aos alunos um
variado leque de escolhas na seleco das obras que podero ser objecto da recenso
prevista no regime de avaliao da unidade curricular. Finalmente, pode constituir um
guia til para futuros trabalhos acadmicos. Assinalamos com um asterisco (*) a short
list que recomendamos como bibliografia de base.
Em conformidade com a estrutura do Programa, a bibliografia est organizada
em cinco grandes divises temticas, que comportam algumas subdivises. Em geral,
feita tambm a distino entre os estudos pioneiros e a literatura especializada
subsequente.
Em virtude da prpria interconexo das matrias leccionadas, h vrias
referncias bibliogrficas que no se confinam a um nico tema. Todavia, por um
critrio de simplicidade e economia descritiva, cada obra apenas registada uma vez.
Na maioria dos casos, a sequncia expositiva dos assuntos determinou a localizao
preferencial da referncia bibliogrfica por exemplo, o livro de Robert Michels figura
nos estudos pioneiros dos partidos polticos [TEMA 4], apesar de ser tambm uma
das obras fundadoras da teoria das elites [TEMA 5].
As obras clssicas e mais relevantes so, por vezes, acompanhadas por breves
comentrios que sumariam o seu principal contributo terico ou emprico, ou elucidam
pormenores editoriais teis.
Sempre que estejam disponveis e tenham qualidade, so indicadas as tradues
em lngua portuguesa dos ttulos inventariados.
2.4. MATERIAIS DE APOIO DIDCTICO
Nas aulas prticas, quer como complemento enriquecedor da apresentao de
alguns textos, quer como fonte selectiva de materiais empricos, so utilizados alguns
recursos multimdia e electrnicos.
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Recursos multimdia:
Visionamento de uma parte do debate sobre o conceito de mltiplas
modernidades, organizado por ocasio da atribuio a S.N. Eisenstadt do Holberg
International Memorial Prize (Universidade de Bergen, 2006), bem como da curta
entrevista sobre o tema feita ao premiado. No debate participam, entre outros, Jack
Goldstone, Jeffrey Alexander e Luis Roniger [TEMA 2, 1 aula prtica].
Recursos electrnicos:
Os indicadores sociais publicados pela United Nations Statistics Division
(UNSD Statistical Databases) [http://unstats.un.org/unsd/databases.htm] e no OECD
Statistics Portal [http://www.oecd.org/statistics/] servem para ilustrar e comparar as
caractersticas descritivas (S.N. Eisenstadt) ou os nveis de mobilizao social
(Karl Deutsch) de diferentes sociedades modernas ou em processo de modernizao
[TEMA 2, 1 aula prtica].
A pgina electrnica do International Institute for Democracy and Electoral
Assistance (IDEA) [http://www.idea.int/] inclui ligaes para vrias Databases and
Networks, em alguns casos com componentes interactivas, que tm materiais (sries
estatsticas, mapas, relatrios, etc.) teis para documentar ou comprovar alguns
postulados sobre a democracia, os sistemas eleitorais e o voto.
o State of Democracy Network: vd., por ex., o documento Assessing the Quality of Democracy (2008), onde definido um elenco de questes
que devem orientar a investigao sobre o tema [TEMA 2, 2 aula
prtica]
o Electoral Systems Design: vd, por exemplo, o documento World Chart of Electoral System Type, um mapa actualizado e interactivo com a
distribuio planetria dos vrios tipos de sistemas eleitorais [TEMA 3,
1 aula prtica].
o Voter Turnout: a mais completa srie das estatsticas da participao eleitoral desde 1945, organizada por pas; inclui tambm os mais
recentes indicadores sobre Desenvolvimento Humano e literacia, que
permitem testar empiricamente a assuno de que h uma correlao
positiva forte entre os nveis de desenvolvimento socioeconmico e
cultural e a participao eleitoral [TEMA 3, 2 aula prtica].
http://www.oecd.org/statistics/
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A pgina electrnica da Inter-Parliamentary Union [http://www.ipu.org/] faculta
informao actualizada sobre a representao feminina nos parlamentos nacionais
escala global (Women in National Parliaments), permitindo quantificar e comparar as
diferenas de gnero no recrutamento das elites polticas [TEMA 5, 2 aula prtica]. Para
o estudo dos mapas cognitivos (percepes, preferncias e atitudes) das elites
polticas, no stio web do Projecto IntUne, sediado no portal da Universidade de Siena
[http://www.intune.it/research-materials/elite-group], esto disponveis alguns dados e
relatrios preliminares da primeira vaga de inquritos realizada em simultneo aos
parlamentares de 18 paises, entre Janeiro e Maro de 2007, com uma srie de questes
sobre a identidade e a integrao europeias. Na pgina do European Election Studies
(EES), do Leibniz-Institut fr Sozialwissenschaften [http://www.ees-homepage.net/],
est prevista uma seco designada Elite Surveys, ainda em construo.
2.5. REGIME DE AVALIAO
De acordo com o novo Regulamento de Avaliao em vigor na FCSH (vd.
Despacho n 38/2011, de 12 de julho), no 1 ciclo obrigatrio que um dos elementos
de avaliao seja presencial e escrito. Um regime equilibrado, que permite testar e
valorizar diferentes competncias dos estudantes, consiste na aplicao de trs
elementos de avaliao individual dois principais e um acessrio - que, em termos de
classificao final (expressa na escala numrica de 0/20 valores), tm a ponderao a
seguir indicada:
(i) Uma prova escrita presencial (teste), no final das aulas, sobre os temas do programa leccionado (40%).
A prova tem a durao mxima de duas horas e os alunos tm de responder a
duas perguntas escolhidas de entre um leque de trs (vd., no anexo final,
exemplos do enunciado das perguntas).
(ii) Uma pequena recenso de um livro, seleccionado pelo aluno no repertrio bibliogrfico da disciplina (40%).
O trabalho deve contemplar uma exposio concisa e rigorosa das principais
hipteses, argumentos e concluses da obra, seguida de uma reflexo crtica.
Extenso mxima: c. 13 mil caracteres (com espaos) .
(iii) Intervenes orais nas aulas prticas, tanto na apresentao como na discusso dos textos de leitura obrigatria (20%).
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3. Programa
3.1. ESTRUTURA
1. O estudo da poltica: tradies analticas e mudanas de paradigma
1.1. As instituies como objecto de estudo: a abordagem clssica.
1.2. A poltica como processo: a revoluo behaviorista e a teoria sistmica.
1.3. Novas abordagens: a teoria da aco racional e o neo-institucionalismo.
1.4. Cincia poltica (velha e nova), sociologia da poltica e sociologia poltica.
2. Modernidade, modernizao poltica e democracia
2.1. A natureza e dinmica das sociedades e sistemas polticos modernos.
2.2. Estabilidade, mudana e protesto: consenso vs. conflito.
2.3. Democracia e democratizao: requisitos e trajectrias histricas.
2.4. Modelos democrticos: democracia maioritria vs. democracia consensual.
3. Eleies e comportamentos eleitorais
3.1. Cidadania, eleies e estruturao do espao poltico nacional.
3.2. Os sistemas eleitorais e os seus efeitos polticos.
3.3. As teorias explicativas do voto: dos pioneiros actualidade.
3.4. As dinmicas eleitorais: da era do alinhamento era do desalinhamento.
4. Princpios e modos de organizao da aco colectiva
4.1. Zweckrationalitt ou racionalidade funcional: o fenmeno burocrtico.
4.2. Burocracia e partidos polticos: os estudos seminais de Ostrogorski e de Michels.
4.3. Gnese e desenvolvimento dos partidos polticos.
4.4. Estrutura de clivagens e sistemas de partidos: a tipologia de Lipset e Rokkan.
5. As elites polticas
5.1. As teorias clssica e pluralista das elites: as premissas de base.
5.2. Elites e desenvolvimento poltico.
5.3. Padres de recrutamento das elites polticas (parlamentares e ministeriais).
5.4. A transformao das elites polticas: principais tendncias e variaes.
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3.2. DISTRIBUIO DOS TEMPOS LECTIVOS
O plano de estudos do curso de licenciatura (1 ciclo) em Cincia Poltica e
Relaes Internacionais da FCSH-UNL est organizado por semestres (seis, ao todo) e o
tempo lectivo de cada unidade curricular de 64 horas, o que equivale a 32 aulas com a
durao de 2 horas cada. A distribuio do nmero de aulas tericas e prticas
varivel, dentro de certos parmetros, consoante a natureza especfica da disciplina. Por
norma, o tempo lectivo atribudo s componentes terica e prtica de cerca de 60% e
de 40%, respectivamente.
______________________________________________
Aulas
Contedos ___________________________
programticos Tericas Prticas Total*
______________________________________________
Apresentao 1
Tema 1 2 1 3
Tema 2 6 3 9
Tema 3 4 2 6
Tema 4 4 2 6
Tema 5 4 2 6
Prova escrita 1 1
Total:
N 19 12 31 (+1)
% 61 39 100
______________________________________________
* Horas de aula = 64 horas (cada aula, 2 horas) - Tericas = 38 horas
- Prticas = 24 horas
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3.3. SINOPSE DESCRITIVA
TEMA 1
Aulas tericas:
As vrias narrativas da histria intelectual da Cincia Poltica (CP) tm um
ponto de partida comum: o estudo das instituies (i.e., o complexo de estruturas, regras
e procedimentos estandardizados) do Estado a marca gentica da disciplina e um seu
indelvel legado. Este paradigma terico inicial e unificador, que constituiu a CP como
Staatswissenschaft (cincia do Estado), foi crucial no processo de autonomizao
cientfica e de legitimao social do novo saber disciplinar a partir do ltimo quartel do
sculo XIX [vd., em particular, Favre (1989)], ao construir um objecto prprio e
reconhecido como relevante. Por um lado, identificou a poltica com uma realidade
delimitada e visvel, a ordem institucional e jurdica formalizada - as estruturas e
papis especializados de governo e administrao, e as normas que os enquadram e que
regulam a vida colectiva (as leis constitucionais, por exemplo). Por outro, privilegiou
uma dimenso central da vida poltica, pois o Estado a instituio das instituies
(Maurice Duverger), o detentor do poder soberano (o poder supremo) ou, na
consagrada frmula weberiana, do monoplio da violncia (ou coaco) fsica legtima
que se exerce sobre uma colectividade inscrita num dado territrio. Num contexto de
afirmao ou consolidao dos Estados nacionais, que tendiam a centralizar os
instrumentos de poder e a concentrar recursos, a busca da racionalidade da aco
administrativa conferia uma utilidade (e legitimidade) acrescida a um conhecimento
vocacionado para o seu estudo.
A abordagem institucional clssica padecia, no entanto, de um vcio redutor e de
um excessivo formalismo legal (fruto do conbio com o Direito Constitucional),
ignorando ou neglicenciando as instituies polticas no estaduais e os processos
reais. Como escreveu Moisei Ostrogorski (1912: IX), fazendo um diagnstico crtico
precoce da ortodoxia dominante, jusquici on stait trop exclusivement appliqu
ltude des formes politiques. La mthode dobservation elle-mme [] s est exerce
de prfrence sur les institutions, sur les lois, en ngligeant presque totalement, pendant
lontemps, les hommes concrets qui les crent et les mettent en oeuvre.
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Consequentemente, postulava a necessidade de combinar o estudo das formas
polticas com o das foras polticas.
A reviso crtica e, depois, a rejeio das premissas do velho institucionalismo
conduziu a um novo paradigma, ancorado no conceito mais inclusivo de poder. Na curta
e incisiva definio de Harold Lasswell (1936), um pioneiro no estudo das elites, a CP
visa estudar a formao e a distribuio do poder (who gets what, when and how). O
universo da poltica deixa de confinar-se s instituies formais de governo, alargando-
se a todos os processos (actividades, comportamentos) orientados numa perspectiva de
poder ou que afectem a sua lgica distributiva. O estudo da poltica , assim,
socialmente contextualizado: visa a compreenso de todos os problemas relacionados
com o poder e com o uso que dele se faz em contextos sociais [Dowse e Hughes
(1972)]. A chamada revoluo behaviorista, que ocorreu nos EUA aps a II Guerra
Mundial, a par da introduo de programas de pesquisa emprica com metodologias
quantitativas cada vez mais sofisticadas, deu um grande impulso a este enfoque
sociolgico, nomeadamente na anlise dos comportamentos eleitorais e das
determinantes sociais (e psicolgicas) da aco poltica. Como escreveram Seymour
Lipset e Reinhard Bendix, a CP (agora rebaptizada Sociologia Poltica) comea na
sociedade e examina a forma como esta afecta o Estado [cit. in Dowse e Hughes
(1972: 23)].
Esta reconceptualizao da poltica, ao mesmo tempo que permitiu uma viso
mais integrada e dinmica, comportou riscos de diluio do objecto e suscitou
problemas de identidade disciplinar. A ambivalncia do conceito de poder que tanto
designa o poder de facto, socialmente difundido, como o poder legtimo, que
singulariza o que especificamente poltico [vd., em particular, Dahl (2003)] e a
deriva sociologista de algumas abordagens contextuais que reduziram a poltica a
uma mera varivel dependente ou um subproduto da sociedade - conduziram, com
alguma frequncia, a uma sociologia da poltica e no a uma sociologia poltica, na
subtil e pertinente distino proposta por Giovanni Sartori (vd. Lipset, dir., 1969, cap.
4).
A abordagem sistmica da poltica [vd. Easton (1953)] no s introduziu um
maior rigor e refinamento conceptuais (por ex., a distino clara entre poder e
autoridade ou a incorporao da linguagem da ciberntica), como permitiu conceber o
seu objecto de estudo em inter-relao com o ambiente societal, sem perda de
identidade ou diluio de fronteiras. Na verdade, o conceito de sistema poltico define
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a poltica simultaneamente como um domnio especfico - onde se localiza um
conjunto de instituies e papis especializados, e se desenrolam os processos
decisrios essenciais - e como um atributo presente nas vrias interaces sociais que
afectam o funcionamento daquele. Nas palavras de D. Easton, a vida poltica um
sistema de actividades inter-relacionadas que influenciam o modo como as decises
investidas de autoridade so formuladas e postas em prtica numa sociedade. A nfase
posta na anlise dos fluxos contnuos de interaco (inputs, outputs e feedback)
concorreu, no entanto, para a desvalorizao do estudo das prprias instituies
polticas.
Em reaco a estas tradies analticas, emergiram duas teorias que dominam
actualmente a agenda das investigaes politolgicas [vd. Marsh e Olsen (1989),
Goodin e Klingemann, dir. (1996), Rhodes et al., dir. (2007)]: a teoria da aco
racional, baseada nos trabalhos pioneiros de Kenneth Arrow e Anthony Downs, e a
teoria neo-institucional. A primeira, recorrendo a modelos econmicos e a frmulas
lgico-matemticas, uma teoria dedutiva com um elevado nvel de abstraco, que
interpreta a poltica a partir das preferncias individuais e do jogo de clculos
instrumentais (relao custos/benefcios); a racionalidade dos comportamentos dos
indivduos baseia-se em estratgias que visam maximizar a sua utilidade. Teve especial
impacto nos estudos eleitorais, da competio partidria e dos processos de deciso. A
segunda, que acolhe algumas variantes, recolocou as instituies no centro da vida
poltica resgatando a importncia do conceito de Estado (bringing the state back in)
[vd. Evans et al. (1985)] -, postulando no essencial que elas tm uma autonomia relativa
e produzem efeitos independentes. Se bem que tendo pressupostos distintos, ambas as
teorias acabaram por encontrar uma zona de interseco, ao reconhecerem que as
caractersticas institucionais geram diferentes oportunidades e constrangimentos, e,
como tal, afectam a avaliao estratgica que os actores fazem das suas aces. Como
afirmam James March e Johan Olsen, institutions empower and constrain actors
differently and make them more or less capable of acting according to prescriptive rules
of appropriateness [Elaborating the New Institutionalism, in Rhodes et al., dir.
(2007: 3)].
Fruto de outras confluncias, o neo-institucionalismo ramificou-se ainda nas
variantes sociolgica e histrica [vd. Hall e Taylor (1996)]. Esta ltima sublinha
que as instituies no so estticas, mas o modo como se transformam e o sentido da
mudana no so inteiramente independentes da sua trajectria histrica (path
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dependence). O desenvolvimento institucional no est prisioneiro dos legados do
passado, mas tambm no pode fazer tbua rasa desse mesmo passado. Alm disso, a
dinmica institucional no linear ou irreversvel, e pode ocorrer atravs de adaptaes
incrementais ou de mudanas drsticas e repentinas, estas associadas a conjunturas
crticas. O neo-institucionalismo sociolgico procura situar as instituies polticas no
seu contexto societal, demonstrando que a mudana social e o desenvolvimento
institucional so processos interactivos [vd., por exemplo, Skocpol (1979)].
Neste conspecto geral, de cunho propedutico, so assim descritos e examinados
os diferentes modos de formalizao conceptual da poltica e as suas implicaes
analticas e metodolgicas. Num balano crtico, procuramos sensibilizar os alunos para
as virtualidades de modelos tericos que no estabelecem dicotomias rgidas e artificiais
(por exemplo, entre estrutura e aco (agency), instituies e comportamentos,
interesses e ideais) e potenciam uma viso mais complexa e dinmica dos fenmenos
polticos - contextualizando-os socialmente, mas reconhecendo igualmente a sua
especificidade e autonomia relativa. Nessa medida, e como advoga Giovanni Sartori, as
perspectivas sociolgica e politolgica devem cruzar-se, formando um hbrido
interdisciplinar que combina as variveis explicativas sociais e polticas.
Aula prtica (1): textos de leitura obrigatria.
Giovanni SARTORI, Da Sociologia da Poltica Sociologia Poltica, in S.M. Lipset, dir., Poltica e Cincias Sociais, Rio de Janeiro, 1972, pp. 106-112 e 138-148.
B. Guy PETERS, Political Institutions, Old and New, in R. Goodin e H.-D. Klingemann, dir., A New Handbook of Political Science, Oxford, 1996, pp. 205-218.
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TEMA 2
Aulas tericas:
A natureza e dinmica da sociedade e dos sistemas polticos modernos, as
principais trajectrias e desafios da modernizao poltica, as novas estruturas de
clivagem e padres de protesto (conflito) e os mecanismos de integrao (consenso)
ou, noutros termos, a combinao entre mudana e estabilidade -, e, por ltimo, a
democracia (requisitos sociais e modelos institucionais), constituem o entrelaado
feixe temtico a abordar neste segundo mdulo.
Cronologicamente, e sem ignorarmos o significado percursor de outros factos e
dinmicas anteriores, a civilizao moderna irrompe nos finais do sculo XVIII: a
revoluo industrial inglesa, as Grandes Revolues americana e francesa, e as reformas
burocrticas prussianas constituem as experincias histricas decisivas que lanaram os
seus alicerces materiais, polticos e organizacionais. Acontecimentos esses que esto,
assim, tambm na gnese das problemticas fundadoras das cincias sociais.
No plano analtico, e sem prejuzo do reconhecimento de que a modernidade se
cristalizou em distintas configuraes estruturais e culturais, que no so meras
variantes locais de um modelo nico e da a relevncia conceptual das mltiplas
modernidades [Eisenstadt (2007)] -, possvel identificar um conjunto de princpios
bsicos ou propriedades genricas que lhe so comuns: (i) diferenciao, que se traduz
em diversificao estrutural e especializao funcional crescentes, tornando as
sociedades cada vez mais complexas; (ii) individualismo, a emancipao dos indivduos
de vnculos grupais rgidos e de carcter adscritivo, e que se traduz na inveno da
cidadania; (iii) racionalidade, o primado da razo e do esprito cientfico, que se
concretiza no desenvolvimento das organizaes burocrticas e da tecnologia; (iv)
expanso, o impulso contnuo para a inovao e a sua difuso, que, para alguns, tem
como eptome o fenmeno contemporneo da globalizao [vd., em particular,
Sztompka (1993)].
Estes traos qualitativos so objectivveis e mensurveis num conjunto de
caractersticas descritivas ou indicadores de mobilizao social (na frmula
consagrada de Karl Deutsch), como sejam o rendimento per capita, a urbanizao, a
mobilidade geogrfica e ocupacional, a literacia e a exposio aos mass media [vd.
Eisenstadt (1990)].
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Na literatura clssica sobre o tema, que alberga sofisticadas elaboraes tericas
e valiosas pesquisas empricas [vd. Harrison (1997)], os atributos fundamentais da
sociedade moderna so geralmente definidos por antinomia ou contraste com os da
sociedade tradicional. Assim o testemunham, entre outras, as clebres distines de
Ferdinand Tnnies entre Gemeinschaft (comunidade tradicional) e Gesellschaft
(associao ou sociedade moderna), de Emile Durkheim entre solidariedade mecnica
e solidariedade orgnica, de Max Weber entre autoridade tradicional e autoridade
racional-legal, ou ainda o elenco de variveis padro (pattern variables) enunciadas
por Talcott Parsons (1951) status adscritivo vs. status adquirido (ascription vs.
achievement); papis difusos vs. papis especficos; particularismo vs. universalismo,
etc.). Estes tipos ideais, se bem que teis para sinalizarem o sentido da mudana,
foram amide confundidos com generalizaes factuais, cristalizando em categorias ou
esquemas analticos dicotmicos. Assim, tradio e modernidade tenderam a ser
(erradamente) concebidas como realidades antitticas e mutuamente exclusivas [vd.,
para uma reviso crtica, Bendix (1964) e Eisenstadt (1990)]. O paradigma clssico dos
estudos sobre a modernidade (que inclui os contributos tanto dos pais fundadores das
cincias sociais, como de uma vasta pliade de estudiosos nas dcadas de 1950-60)
enferma, alis, de outros pressupostos equvocos, de que destacamos aqui dois deles.
Por um lado, o evolucionismo, que se expressa na viso dos processos de modernizao
como sendo lineares (uma sequncia universal de etapas), irreversveis e orientados
numa direco comum (vd., por exemplo, a teoria da convergncia das sociedades
industriais ou, na actualidade, a noo de fim da histria), o que posto em cheque
pela tese de Barrington Moore Jr. (1966; trad. port., reed., 2010) sobre as diferentes
vias de modernizao das sociedades (com distintos corolrios institucionais e
polticos) ou pelos conceitos de colapsos da modernidade e de mltiplas
modernidades cunhados por S.N. Eisenstadt (1990 e 2007). Por outro lado, a
idealizao da modernidade, que se traduz na sua sinonmia com a ideia de progresso
e na prevalncia de narrativas optimistas sobre os seus efeitos (por exemplo, a ideia de
que a modernizao conduzir inevitavelmente democracia), quando o balano
histrico ambivalente [vd. Giddens (1990) e Sztompka (1993)].
No que diz respeito ao significado da modernidade na esfera poltica, podem
apontar-se trs caractersticas ou dimenses fundamentais:
(i) A racionalizao da autoridade, com a emergncia de um princpio de
legitimidade secular (a soberania nacional ou soberania popular, em
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18
vez da soberania divina ou Mandato do Cu) e o estabelecimento de
mecanismos de responsabilizao ideolgica e/ou institucional (atravs
do sistema eleitoral) dos governantes perante os governados.
(ii) O desenvolvimento de estruturas (instituies de governo, partidos,
etc.) altamente diferenciadas e a concomitante especializao (e
profissionalizao) das funes polticas. Uma dinmica em conexo
com o incremento do poder infra-estrutural do Estado [Mann (1993)] e
a crescente penetrao do centro na periferia.
(iii) O aumento da participao poltica de grupos cada vez mais vastos
da sociedade, nomeadamente atravs do processo de incluso cvica que
culmina no sufrgio universal adulto. De assinalar, como bem advertiu
Norbert Elias, que a massificao poltica no se traduziu necessa-
riamente num maior controlo dos governantes pelos governados.
Pode tambm identificar-se um conjunto de crises ou desafios cruciais que,
integral ou parcialmente, os sistemas polticos enfrentam no seu processo de
modernizao. Desafios comuns e interligados, que no obedecem a uma sequncia
linear e rgida, e podem suscitar respostas diferentes, com consequncias igualmente
diferentes. Na sistematizao proposta por um grupo de cientistas polticos americanos
[vd. Binder et al. (1971)], so cinco: (i) identidade: a criao de lealdades e sentimentos
de pertena a uma comunidade poltica unificada e mais vasta, o Estado nacional, um
desafio que ganha maior acuidade em contextos societais mais heterogneos e
segmentados; (ii) legitimidade: a adeso s novas instituies e smbolos centrais e a
construo da confiana entre governantes e governados - transformando assim a fora
em direito e a obedincia em dever (J.-J. Rousseau); (iii) participao: a incorporao
cvica das massas e a extenso do sufrgio; (iv) penetrao: o pleno exerccio da
autoridade territorial do Estado, quebrando (por meios coercivos ou pela negociao) as
resistncias de poderes perifricos; (v) distribuio: o acesso a recursos valiosos e
desigualmente repartidos, em conexo com a extenso dos direitos sociais da cidadania
[vd. tambm Marshall (1950; 1992)].
Modernizao significa mudana e transformao, e os impulsos de mudana
so contnuos, tornando-se tanto mais intensos e acelerados quanto mais modernas so
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19
as sociedades. Transformaes essas que geram frequentemente inadaptaes,
resistncias, divises e antagonismos. E ao induzirem tanto uma maior diferenciao de
interesses que podem cristalizar em novas linhas de clivagem - como uma maior
participao poltica, as sociedades modernas potenciam inegavelmente o conflito. O
protesto , por isso, uma dimenso central e estruturante das sociedades modernas [vd.
Andrain e Apter (1995)], e os seus diferentes padres (protagonistas sociais, modos de
organizao e orientaes simblicas) so um importante factor de diferenciao das
mltiplas modernidades [Eisenstadt (2007)]. Por isso, uma das pistas para decifrar a
singularidade americana reside na famosa interrogao do opsculo de Werner
Sombart, Why Is There No Socialism in the United States? (1906). A capacidade de
absoro dos impulsos de mudana e a necessidade de garantir a paz civil exigem,
por sua vez, estabilidade institucional e mecanismos de contratualizao social e de
pacificao da luta poltica. Consenso e conflito so assim dimenses fundamentais. E
h dois modos distintos de os conceptualizar. As teorias monistas, em que se filiam as
solues polticas autoritrias, postulam que so polaridades inconciliveis, porquanto o
conflito um fenmeno disfuncional e perturbador da harmonia e coeso sociais, e,
como tal, indesejvel e deve ser reprimido. Inversamente, as teorias pluralistas, em
que se fundam as instituies e valores democrticos, no s reconhecem que o
descontentamento e o protesto so realidades endmicas nas sociedades modernas,
como valorizam os seus efeitos positivos enquanto fontes de inovao e criatividade
sociais, advogando por isso que possvel e desejvel a coexistncia do consenso e do
conflito, desde que este ltimo se subordine a regras institucionais e controlos
normativos que neutralizem os potenciais riscos de violncia, privando os contendores
(ou adversrios) do recurso a meios destrutivos. Os conflitos institucionalizados ou
regulados, que no implicam a ruptura de compromissos bsicos, desempenham
assim um importante papel integrador e pacificador, sublimando e canalizando as
tenses e antagonismos. O sistema eleitoral, ao fomentar uma competio pacfica em
que ningum permanentemente vencedor ou vencido, mantendo as alternativas em
aberto, tornou-se assim um dispositivo institucional privilegiado na regulao dos
conflitos polticos [vd. Simmel (1908; 1986), Coser (1956), Dahrendorf (1957; 1976),
Luhman (1980) e Lipset (1985)].
A relao entre modernidade e democracia um dos temas proeminentes da
investigao de politlogos, socilogos e historiadores, e tem originado uma vasta
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20
literatura2. Partindo de uma clarificao conceptual sobre a definio de democracia [vd.
Schumpeter (1943) e Collier e Levitsky (1997)], seguida de um breve excurso
comparativo sobre algumas trajectrias histricas dos processos de democratizao [vd.
Weber (1921-22; 1978), Moore (1967), Grew (1978), Stephens (1989), Luebbert
(1991), Rueschemeyer et al. (1992), Ertman (1998), Bermeo e Nord, dir. (2000), e
Bermeo (2003)], focaremos e esmiuaremos depois sobretudo as teses de Seymour M.
Lipset (1960 e 1968) sobre os requisitos sociais da democracia e de Robert A. Dahl
(1999) sobre as condies essenciais e favorveis democracia. Ambos os
contributos so submetidos a uma avaliao crtica com base noutros estudos [vd.,
Lijphart (1977 e 2008), Diamond et al., dir. (1995), Przeworski e Limongi (1997),
Przeworski et al. (2000), Boix (2003) e Acemoglu e Robinson (2005)] e discutidos
numa aula prtica.
O modelo explicativo de Lipset assenta em duas premissas essenciais, em parte
inter-relacionadas. Em primeiro lugar, na existncia de uma forte correlao positiva
entre desenvolvimento econmico e a institucionalizao da democracia (The more
well-to-do a nation, the greater the chances it will sustain democracy). O incremento
da riqueza mdia, a difuso do bem-estar e a expanso das oportunidades (sociais,
educacionais...) no s moderam a intensidade dos conflitos distributivos, como
aumentam a confiana na eficcia de instituies e prticas baseadas na negociao e no
compromisso. Em segundo lugar, no impacto favorvel de um sistema de estratificao
social mais aberto e flexvel, bem como das clivagens cruzadas (cross-cutting).
Quanto mais fluidos forem os canais de mobilidade social, favorecendo o declnio das
desigualdades socioeconmicas e a formao de uma vasta classe mdia, maior a
probabilidade de a democracia singrar [uma tese corroborada pelas anlises empricas
recentes de Boix (2003)]. Do mesmo modo, quando as diversas linhas de clivagem
horizontais (classe social) e verticais (lngua, religio, etnia) no se sobrepem e
convergem, reforando-se mutuamente, mas antes originam frentes cruzadas de conflito,
maior a eficcia dos dispositivos de regulao desse mesmo conflito. As lealdades
cruzadas, como tambm sublinhou Luhmann (1980), tornam as fronteiras entre aliados
e adversrios mais porosas, inibindo a fractura da comunidade poltica entre amigos e
inimigos, bem como o florescimento de ideologias radicais e sectrias. Lipset
2 Uma viso mais completa dessa bibliografia, sobretudo a que incide sobre os processos de
transio para as democracias da 3 vaga, na frmula consagrada de Samuel Huntington,
apresentada numa outra unidade curricular da licenciatura, designada Teoria da Democracia.
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acrescenta ainda dois outros factores complementares favorveis estabilidade
democrtica: a resoluo histrica dos conflitos, ou seja a no acumulao de
velhos e novos conflitos; e o bipartidarismo, baseado em partidos de
representao (i.e., que agregam e expressam interesses heterogneos).
Por seu turno, Robert Dahl enumera as premissas de base da democracia
(dirigentes eleitos; eleies livres, justas e frequentes; liberdade de expresso; fontes de
informao alternativas e independentes; autonomia associativa; cidadania inclusiva),
estabelecendo a distino entre condies essenciais (subordinao dos militares ao
poder civil; inexistncia de ameaa externa de interveno estrangeira; uma cultura
poltica arreigada a crenas e valores democrticos) e favorveis (sociedades mais
homogneas, com um pluralismo cultural fraco, e uma economia capitalista de
mercado desenvolvida) sobrevivncia do que designa como democracias
polirquicas. Retomando no fundamental (e refinando) os argumentos de Lipset, no
deixa todavia de equacionar a problemtica relao entre o capitalismo de mercado e a
democracia, desfiando e sopesando os pr e os contra.
A assuno de que existe uma associao virtuosa entre modernizao
econmica e democracia foi submetida por Adam Przeworski a um extenso teste de
validao emprica. Fazendo a distino clara entre condies de emergncia e de
estabilidade da democracia, as suas concluses contrariam a existncia de um
determinismo econmico: The emergence of democracy is not a by-product of
economic development . [...]. Only once it is established do economic constraints play a
role: the chances for the survival of democracy are greater when the country is richer.
Yet even the current wealth of a country is not decisive []. If they succeed in
generating development, democracies can survive even in the poorest nations
[Przeworski e Limongi (1997: 177)].
No que diz respeito aos efeitos negativos da heterogeneidade social, Arend
Lijphart contraps que o funcionamento e a estabilidade das instituies polticas no
so mecanicamente condicionados pela estrutura de clivagens prevalecente, e que
aquelas podem adaptar-se com xito a contextos societais adversos. Pondo a nfase no
papel dos actores polticos e das reformas institucionais, argumenta que a estabilidade
democrtica vivel em sociedades mais hetergeneas, desde que as elites polticas
cooperem e adoptem dispositivos eficazes de regulao do conflito (por exemplo, o
federalismo onde h clivagens territoriais ou a representao proporcional onde h um
pluralismo partidrio polarizado ou minorias activas).
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A reflexo crtica de Lijphart conduz-nos descrio e anlise da sua tipologia
das democracias contemporneas - as maioritrias (segundo o modelo de Westminster)
e as consensuais -, que estabelece a ponte com a matria leccionada no mdulo
seguinte.
Aulas prticas (3): textos de leitura obrigatria.
(1)
Shmuel N. EISENSTADT, Mltiplas modernidades: problemtica e enquadramento de base, in S.N. Eisenstadt, Mltiplas modernidades. Ensaios, Lisboa, 2007, pp. 13-22 e
39-48.
(2)
Robert A. DAHL, Condies favorveis e desfavorveis, in Robert A. Dahl, Democracia, Lisboa, 1999, pp. 167-203.
(3)
Arend LIJPHART, O modelo democrtico consensual, in A. Lijphart, As democracias contemporneas, Lisboa, 1984, pp. 39-58.
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TEMA 3
Aulas tericas:
As eleies so uma instituio fundamental nos processos de modernizao e
democratizao polticas. Se bem que no constituam propriamente uma inovao
institucional (as tradies electivas remontam Grcia e Roma clssicas), no sculo
XIX, com o triunfo do liberalismo e a consagrao do governo representativo (John
Stuart Mill), que as eleies se difundem e assumem um papel central nos sistemas
polticos, desempenhando um conjunto de funes muito importantes3. Destaquemos as
trs mais relevantes: (i) legitimao, quer concretizando o novo princpio de
responsabilizao dos governantes perante os governados (tornando-se um dos
principais canais de influncia dos cidados nas democracias consolidadas), quer como
uma arena privilegiada de controlo social e/ou de regulao do conflito; (ii)
recrutamento, assegurando a seleco e a circulao da classe poltica e da elite
governante; (iii) integrao, contribuindo para a nacionalizao do espao poltico,
em ntima conexo com o desenvolvimento dos Estados-nao e a formao das
identidades nacionais [vd., Bendix (1964), Rokkan (1961, 1970 e 1999) e Caramani
(2004)]. Como sublinhou Stein Rokkan (1961: 133), uma referncia incontornvel
nestes assuntos, the development of the channels for mass politics was an important
element in the growth and integration of territorially defined nation-states.
Numa perspectiva histrica, h duas dimenses que sobressaem no processo
geral de democratizao poltica. Por um lado, a progressiva incorporao cvica das
massas, mediante a ampliao do direito de voto (abolio das barreiras censitrias,
capacitrias e de gnero), um processo que teve dinmicas e ritmos diversos consoante
os pases, e que culmina no sufrgio universal adulto. Por outro, a igualizao das
condies de voto a eliminao do sufrgio indirecto e do voto plural, bem como o
estabelecimento efectivo do segredo de voto e de rcios eleitores/deputados idnticos
em todos os crculos - , cujo terminus ad quem a consagrao do princpio um
eleitor, um voto, o mesmo valor. Esta democratizao da instituio eleitoral tanto
3 Concentramo-nos aqui nos regimes liberais e democrticos, no ignorando que nos regimes
autoritrios, apesar de desfiguradas (des lections pas comme les autres: no-concorrenciais,
sem liberdade de expresso, nem garantias legais), as eleies tm um papel que no deve ser
negligenciado. Sobre as eleies em contextos autoritrios, vd. o estudo pioneiro de Guy
Hermet et al., Des lections pas comme les autres (1978), e mais recentemente Andreas
Schedler, dir., Electoral Authoritarianism: The Dynamics of Unfree Competition (2006).
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24
resultou de presses vindas de baixo, da mobilizao poltica dos excludos, como de
iniciativas a partir de cima, fruto da competio inter-elites e/ou de estratgias
preventivas4 [vd. Rokkan (1961;1970), Collier (1999), Zibblat (2006) e Przeworski
(2008)].
A institucionalizao do sufrgio universal igualitrio - verdadeira esfinge dos
tempos modernos, no aforismo do historiador Pierre Rosanvallon - teve vrias
implicaes. Criou eleitorados nacionais social e culturalmente mais diferenciados e
hererogneos, potenciando assim a traduo na esfera poltica das principais divises e
clivagens existentes nas sociedades. Induziu a reformulao das molduras institucionais
da aco poltica, em particular as organizaes partidrias (substituio dos partidos
de notveis pelos partidos de massas, e sua crescente burocratizao). Estimulou o
aumento da competio eleitoral e partidria, associada tambm a uma maior
polarizao ideolgica.
A relevncia institucional e poltica das eleies reside igualmente nos
potenciais efeitos estruturantes dos mecanismos de escrutnio os sistemas eleitorais,
stricto sensu. Os sistemas eleitorais de representao maioritria (RM) dominam quase
em exclusivo a paisagem poltica at viragem do sculo XIX para o sculo XX. Os
sistemas de representao proporcional (RP), uma inovao tardia introduzida em
eleies parlamentares nacionais na Blgica em 1899 e a seguir na Finlndia em 1906 -,
s se difundem na Europa por alturas da I Guerra Mundial. De acordo com a
interpretao cannica de Stein Rokkan, a tendncia que se manifesta ento para a
substituio da RM pela RP tem origem em pases com maior heterogeneidade cultural,
mas acentua-se sobretudo devido crescente diferenciao socio-econmica de
eleitorados nacionais massificados: the pressures for [PR] increase with the ethnic
and/or religious heterogeneity of the citizenry and [...] with the increased economic
differentiation generated through urbanisation and the monetisation of transactions
[Rokkan et al. (1970: 88)]. Em vrios pases h, alis, uma perfeita sincronia na
adopo do sufrgio universal e da RP. Ainda segundo Rokkan, o fascnio ento
exercido pela RP, ditado mais por clculos instrumentais do que por razes idealistas de
justia eleitoral, decorre da sua ambiguidade funcional: reivindicada inicialmente por
minorias polticas radicais, tambm apropriada por elites conservadoras empenhadas
em resguardar a sua influncia num contexto de sufrgio de massas.
4 Na formulao clebre de Earl Grey (1831), I am reforming to perserve [] to prevent the necessity of
revolution.
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25
A avaliao das consequncias dos sistemas eleitorais - e, numa perspectiva
mais normativa, das suas vantagens e inconvenientes para a democracia e o bom
governo , desde o ltimo tero do sculo XIX, um tema importante e recorrente no
debate poltico e cientfico. Os contornos essenciais desse debate foram de algum modo
delineados pelas opinies de John Stuart Mill (1861) a favor da RP e pela reaco
crtica de Walter Bagehot (1867). O primeiro - que acolheu entusiasticamente o sistema
de RP inventado pelo seu compatriota Thomas Hare (1857 e 1859) - destacou duas
vantagens essenciais do novo mtodo de escrutnio: (i) a representao das minorias
suficientemente expressivas, assegurando assim a justia eleitoral e a formao de
assembleias parlamentares plurais e dinmicas; (ii) a substituio da representao
territorial5 pela representao pessoal
6, o que favorece a ligao ideolgica entre
eleitores e eleitos e a elevao dos padres de qualidade (intelectual e moral) no
recrutamento parlamentar. Por sua vez, Walter Bagehot contra-argumenta apontando
trs consequncias negativas principais da RP: (i) inaco parlamentar e governos
fracos: a representao matematicamente exacta das minorias conduz a uma paralisia do
processo de deciso legislativo, prejudicando a eficcia e estabilidade governativas; (ii)
radicalismo poltico: a representao independente de mltiplas opinies e interesses
diferenciados encoraja os comportamentos sectrios e egostas, minando um dos pilares
do regime parlamentar (o esprito de moderao); (iii) tirania dos partidos: a
eliminao dos pequenos crculos eleitorais refora o papel das organizaes partidrias,
com a consequente perda de independncia dos parlamentares.
Esboado o panorama da reflexo clssica sobre os sistemas eleitorais - onde
so convocados mais alguns contributos interessantes, de Antnio Cndido (1881) e
Victor dHondt (1882) a Ferdinand Hermens (1941) -, procedemos ento ao exame
crtico do debate cientfico contemporneo, aps a II Guerra Mundial, quando as
generalizaes ou hipteses tericas so baseadas numa pesquisa emprica cada vez
5 Segundo Mills, os pequenos crculos eleitorais de base territorial acentuam o localismo
poltico e favorecem o clientelismo: the only persons who can get elected are those who
possess local influence, or make their way by lavish expenditure (1991: 158). 6 No sistema proposto por Hare, o apuramento final dos votos faz-se num crculo nico
nacional. Assim, como explica Mills, any elector would be at liberty to vote for any candidate,
in whatever part of the country he might offer himself, o que estimularia os eleitores a votarem
by selection from all the persons of national reputation on the list of candidates with whose
general principles they were in simpathy (1991: 153).
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mais ampla, em termos geogrficos e temporais. Podem identificar-se trs orientaes
analticas principais.
A abordagem institucional clssica, que tem como expoente mximo Maurice
Duverger, postula que os sistemas eleitorais tm um efeito poltico decisivo, porquanto
so a varivel independente que determina a configurao do sistema de partidos e o
prprio modelo de organizao dos partidos. O politlogo francs [1950 e 1951]
enunciou mesmo trs leis sociolgicas, a seguir reproduzidas na sua formulao
inicial: (i) a representao proporcional conduz a um sistema de partidos mltiplos,
rgidos e independentes; (ii) o escrutnio maioritrio a duas voltas conduz a um sistema
de partidos mltiplos, flexveis e independentes; (iii) o escrutnio maioritrio a uma s
volta leva ao dualismo dos partidos [vd. traduo portuguesa in Braga da Cruz, org.
(1998: 116)]. Esta , alis, uma das teses mais famosas da Cincia Poltica, que no s
tem alimentado infindveis controvrsias, como foi objecto de alguns importantes
refinamentos crticos [vd., por exemplo, Rae (1967 e 1971)].
A abordagem sociolgica tende, por sua vez, a minimizar o impacto dos
sistemas eleitorais no formato das constelaes partidrias, valorizando o papel
determinante das clivagens socioestruturais [vd. Lipset e Rokkan (1967) ou Rokkan et
al. (1970)]. Nessa medida, tanto os sistemas eleitorais como os sistemas de partidos so
tratados como variveis dependentes; acresce ainda que as reformas eleitorais nem
sempre antecedem, mas antes confirmam as alteraes nas dinmicas partidrias.
Por ltimo, a abordagem neo-institucional faz uma espcie de sntese das duas
anteriores, advogando que os sistemas eleitorais so importantes, mas a sua influncia
tende a variar consoante as circunstncias. O mesmo dizer: depende dos factores ou
variveis contextuais [Nohlen (2007:55)]. Assim, embora possam identificar-se
diferentes efeitos tendenciais dos sistemas de RM e RP (vd. quadro sinptico), um
mesmo sistema eleitoral pode ter consequncias distintas consoante as circunstncias
sociais e polticas concretas.
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Os sistemas eleitorais: tipos fundamentais e efeitos tendenciais
______________________________________________________________
Efeitos tendenciais RM RP
______________________________________________________________
Bipartidarismo Sim No
Maioria absoluta de um s partido Sim No
Estabilidade do governo Sim No
Alianas de governo No Sim
Atribuio unvoca da responsabilidade poltica Sim No
Representao justa No Sim
Oportunidades para novas tendncias polticas No Sim
____________________________________________________________
Fonte: Nohlen (1995: 51).
Um outro aspecto inquirido sobre os sistemas eleitorais o do seu impacto nos
comportamentos e atitudes eleitorais. Harold Gosnell (1930) foi talvez o primeiro a
sugerir, ainda que com uma escassa evidncia emprica, o impacto positivo da RP na
participao eleitoral, uma hiptese confirmada por estudos recentes [vd. Lijphart
(1997) e Rose (1997)]. Por seu turno, Maurice Duverger (1950 e 1951) introduziu a
importante distino entre os efeitos mecnicos e os efeitos psicolgicos dos sistemas
eleitorais, explicando estes ltimos o fenmeno do chamado voto til, um tema que
ganhou acuidade no contexto actual de maior volatilidade eleitoral e em conexo com o
modelo do cidado racional, e que deu lugar a sofisticadas anlises sobre o que hoje
se designa por voto estratgico [vd., em particular, Cox (1997)].
O estudo da participao eleitoral, das determinantes e motivaes do voto (ou
da absteno), no quadro das democracias contemporneas constitui um dos grandes
temas de investigao da sociologia poltica. Compreensivelmente, pois como adverte
Anthony Downs (1957: 269), participation in elections is one of the rules of the game
in a democracy [] without it democracy cannot work. Assim, na parte final deste
mdulo expomos os lineamentos essenciais das teorias explicativas do voto e o sentido
da evoluo recente das dinmicas eleitorais7.
7 Os alunos que prosseguem a sua formao acadmica na rea de especializao em Cincia
Poltica, inscrevendo-se no curso de mestrado (2 ciclo), tero oportunidade de aprofundar estes
temas na unidade curricular Estudos Eleitorais.
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28
Comeamos, uma vez mais, por sinalizar os contributos dos pioneiros o
francs Andr Siegfried (a geografia eleitoral: os temperamentos polticos regionais),
o americano Harold Gosnell (a busca das causas da absteno) e o sueco Herbert
Tingsten (percursor das explicaes sociolgicas do voto) 8
. Segue-se, ento, a descrio
dos postulados dos trs principais modelos tericos, ou ortodoxias [Catt (1996)], que
se sucederam e rivalizaram a partir de meados da dcada de 1940:
(i) O modelo sociolgico, enunciado de modo eloquente por Paul
Lazarsfeld e os seus colegas da universidade nova-iorquina de Columbia
na seguinte assero: a person thinks, politically, as he is, socially.
Social characteristics determine political preference (1944; reed., 1968:
27].
(ii) O modelo sociopsicolgico (ou modelo de Michigan), graficamente
representado por um funil de causalidade, que postula a preeminncia
das identificaes partidrias na determinao do voto [Campbell et al.
(1960)].
(iii) O modelo do eleitor racional, formulado inicialmente por Anthony
Downs (1957) mas cuja difuso foi mais tardia, que postula ser o homo
politicus um cidado racional e, como tal, procura maximizar a utilidade
do seu voto, fazendo uma ponderao dos custos e benefcios [vd.
tambm a noo conexa do eleitor responsvel, cunhada por Key
(1966)].
As controvrsias tericas (e metodolgicas) sobre a explicao do voto [vd.
Natchez (1985) e Niemi e Weisberg (1993)] no so alheias ao sentido da evoluo dos
comportamentos eleitorais nas democracias Ocidentais no aps-Guerra. relativa
estabilidade dos alinhamentos eleitorais nas primeiras dcadas, ditada pela aparente
fossilizao das clivagens estruturais e sua projeco em sistemas de partidos robustos,
sucedeu a partir de meados da dcada de 1970 uma nova era, pautada por uma maior
absteno [vd. Lijphart (1997), Rose (1997) e Franklin (2004)] e uma crescente
instabilidade ou volatilidade eleitoral [vd. Dalton et al., dir. (1984) e Martin (2000)],
8 Vd. os comentrios s obras destes autores na bibliografia final (seco 3.3).
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29
associada a uma orientao mais individualista no exerccio da cidadania, que se
atribui quer ao declnio de certos marcadores rgidos do passado - o voto de classe,
o voto religioso, as identificaes partidrias -, quer emergncia de novas linhas
de clivagem e de uma outra cultura poltica (ps-materialista) [vd. Dogan (1995),
Broughton e Martien, dir. (2000), Leduc, dir. (2002) e Klingemann, dir. (2012)].
Dinmica eleitoral essa que interage com o desenvolvimento dos partidos e se repercute
na estrutura da competio poltica e partidria um tema a aflorar no mdulo seguinte.
Aulas prticas (2): textos de leitura obrigatria.
(1)
Adam PRZEWORSKI, Conquered or Granted? A History of Suffrage Extensions, British Journal of Political Science, 39, 2008, pp. 291-321.
(2)
Dieter NOHLEN, Duverger, Rae, Sartori e os efeitos nomolgicos dos sistemas eleitorais, in D. Nohlen, Os sistemas eleitorais: o contexto faz a diferena, Lisboa,
2007, pp. 42-52.
Mattei DOGAN, Le dclin du vote de classe et du vote religieux en Europe occidentale, Revue internationale des sciences sociales, 146, Dezembro 1995, pp. 601-
616.
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TEMA 4
Aulas tericas:
Como afirmou em tempos Michel Crozier (1963: 215), fazendo-se eco de uma
opinio partilhada por muitos especialistas, le phnomne bureaucratique constitue un
des problmes clefs de la sociologie et de la science politique moderne.
O triunfo da Zweckrationalitt9 ou racionalidade funcional no mundo
moderno manifesta-se precisamente no desenvolvimento de organizaes burocrticas
em todas as esferas da sociedade. Os antecedentes histricos e os pressupostos
(econmicos, culturais e tecnolgicos) desse fenmeno, bem como as suas
consequncias, so magistralmente descritos e analisados nos escritos fundadores de
Max Weber (1922; trad. inglesa, 1978). Se Marx viu na separao do produtor dos
meios de produo a chave da emergncia do capitalismo, Weber postula, por analogia,
que na esfera do Estado a separao do administrador ou funcionrio dos meios de
administrao10
foi o processo fulcral na transio da burocracia patrimonial ou
tradicional para a burocracia racional ou moderna. Os atributos essenciais desta ltima,
fixados no tipo-ideal weberiano - hierarquia (com mecanismos de subordinao e
controlo), especializao funcional, recrutamento meritocrtico e profissionalizao dos
funcionrios, regras objectivas e impessoais, rotinizao dos procedimentos -, conferem
s instituies uma superioridade tcnica e eficcia administrativa mpares. Na prtica,
porm, as consequncias da burocratizao so ambivalentes, e h tambm lugar a
disfunes e patologias por um lado, a rotinizao inibidora da capacidade de
adaptao criativa s circunstncias, e, por outro, a impessoalidade das normas e os
constrangimentos hierrquicos so fautores de desumanizao e opresso [vd. Merton
(1936), Crozier (1963) e Blau e Meyer (1971)].
Na esfera poltica, e como assevera o prprio Weber (1978: 969), the big state
and the mass party are the classic field of bureaucratization. Uma dinmica que foi
9 Max Weber distingue dois tipos, ainda que interligados, de racionalidade: a Zweckrationalitt,
a dimenso formal e organizacional, associada ao processo de diferenciao estrutural, e a
Wertrationalitt, que se manifesta na esfera simblica e dos valores. Na traduo de Karl
Manheim corresponde distino entre racionalidade funcional e racionalidade
substantiva. 10
In principle, the modern organization of the civil service separates the bureau from the
private domicile of the official and, in general, segregates official activity from the sphere of
private life. Public monies and equipment are divorced from the private property of the official.
This condition is everywhere the product of a long development. Nowadays, it is found in
public as well as in private enterprises [Weber (1978: 957)].
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31
estimulada pela contnua expanso (quantitativa e, sobretudo, qualitativa11
) dos recursos
e capacidades administrativas dos Estados nacionais, bem como pelas novas exigncias
organizacionais criadas pela progressiva massificao do sufrgio [vd. LaPalombara,
dir. (1967) e Mayntz (1985)]. Questo crucial aqui, sem dvida, a da complexa relao
entre burocracia e democracia, pois uma e outra tanto convergem12
e se reforam, como
se entrechocam [vd. Etzioni-Halevy (1985) e Page (1992)]. Um dilema que inquietou
Weber e que suscitara precocemente as reflexes pessimistas de dois contemporneos
seus, o russo Moisei Ostrogorski (1902) e sobretudo o alemo Robert Michels (1911;
trad. port., 2001). Ambos elegeram os partidos polticos, enquanto modos preferenciais
de organizao da aco colectiva nas democracias modernas, como o observatrio
privilegiado das consequncias das tendncias burocrticas. Embora as instituies
partidrias j tivessem sido objecto de algumas valiosas descries morfolgicas [vd.,
em particular, Bryce (1889) e Lowell (1896)], Ostrogorski e Michels foram mais longe,
dissecando a sua anatomia e formulando hipteses gerais sobre a lgica do seu
funcionamento. Nessa medida, so considerados os verdadeiros fundadores do estudo
cientfico dos partidos.
Segundo Ostrogorski, cuja investigao emprica incidiu sobre os EUA e
Inglaterra, os mtodos de aco e organizao dos partidos polticos tinham-nos
convertido em mquinas centralizadas e disciplinadas (exrcitos regulares)
vocacionadas exclusivamente para a conquista e exerccio do poder, atrofiando o espao
de afirmao espontnea da cidadania e despojando-a da sua fora de intimidao
social. Especificando, identifica trs malefcios essenciais do tipo ento dominante de
partidos: (i) so uma fonte de dogmatismo e intolerncia, impondo aos seus membros
uma obedincia e lealdade incondicionais, ao mesmo tempo que encorajam as
animosidades sectrias contra os adversrios; (ii) so uma fonte de empobrecimento do
debate poltico, confinando-o aos temas que se inscrevem num quadro de divergncias
reconhecidas; (iii) so instrumentos de tirania e corrupo, ao converterem-se num
fim em si-mesmo, usurpando o poder soberano das massas, e ao subordinarem a
11
Como sublinha Weber (1978: 971), bureaucratization is stimulated more strongly, however,
by intensive and qualitative expansion of the administrative tasks than by their extensive and
quantitative increase. 12
Bureaucracy inevitably accompanies modern mass democracy [...]. This results from its
characteristic principle: the abstract regularity of the exercise of authority, which is a result of
the demand for equality before the law in the personal and functional sense hence, of the
horror of privilege, and the principled rejection of doing business from case to case
[Weber (1978: 983)].
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gesto dos recursos pblicos a critrios de distribuio clientelares13
. Na opinio de
Ostrogorski, o predomnio dos partidos permanentes e rgidos no todavia uma
inevitabilidade, podendo dar lugar a uma espcie de partidos ad hoc, temporrios, que
seriam benficos para a vida democrtica: Le parti entrepreneur gnral des nombreux
et varis problmes rsoudre [...] ferait place des organisations spciales, limites
leurs objets particuliers. Il cesserait dtre un amalgame de groupes et dindividus runis
dans un accord fictif [...] et ferait place des groupements qui se formeraient et se
reformeraient librement selon les problmes changeants de la vie et les jeux dopinions
que ceux-ci amneraient. Des citoyens qui se seraient spars sur une question feraient
route ensemble sur une autre question (1912, pp. 647-48).
O diagnstico crtico de Michels, ancorado sobretudo no exemplo do Partido
Social-Democrata alemo, mais radical. Postula que as exigncias organizacionais e a
dinmica burocrtica das modernas sociedades de massas engendram a inelutvel
degenerescncia oligrquica dos partidos (uma lei de ferro) e inviabilizam a
democracia. O aumento do volume e da complexidade das tarefas administrativas nas
organizaes em larga escala implica uma crescente especializao funcional e
hierarquia de posies, que conduz profissionalizao dos dirigentes e a uma estrutura
de poder fortemente assimtrica e restritiva. Uma tendncia estrutural que seria ainda
agravada quer pela psicologia das massas - apatia congnita, necessidade (religiosa)
de venerao dos chefes, etc. -, quer pelas estratgias de reproduo no poder utilizadas
pelos dirigentes. Nas palavras de Michels (2001: 54-55), a democracia entra em fase
de declnio medida que aumenta o nvel de organizao, pois quem diz organizao,
diz tendncia para a oligarquia.
Escritas numa poca em que os modernos partidos de massas, densamente
burocratizados e profissionalizados, ainda estavam na sua infncia, as teses de
Ostrogorski e de Michels, no obstante os exageros, tm sobretudo interesse pelo seu
carcter premonitrio - o que explica, alis, a sua redescoberta nas dcadas de 1960-
70, quando se intensificam as crticas partidocracia.
Os partidos polticos so, inegavelmente, actores institucionais omnipresentes
nos sistemas polticos modernos ou em vias de modernizao, tanto democrticos como
autoritrios, o que decerto significa que emergem whenever the activities of a political
system reach a certain degree of complexity, or whenever the notion of political power
13
Le parti formant une troupe montant lassaut du pouvoir pour se partager les dpouilles
[Ostrogorski (1912: 643)].
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comes to include the idea that the mass public must participate or be controlled [
LaPalombara e Weiner (1972: 3)]. Nas democracias consolidadas o protagonismo dos
partidos bem visvel em duas arenas institucionais. Por um lado, e em conexo com o
papel fulcral que desempenham na integrao e mobilizao do eleitorado
estruturando a catica vontade pblica (Sigmund Neumann) -, monopolizam a
representao poltica nos seus mltiplos nveis (local, regional, nacional e
supranacional). Por outro, controlam o poder executivo o governo de partidos a
norma.
O universo dos partidos , porm, variado e dinmico, tendo conhecido algumas
mudanas significativas ao longo do tempo. As vrias tipologias ou classificaes dos
partidos evidenciam essa diversidade gentica e as metamorfoses ocorridas na sua
trajectria histrica: partidos de notveis e partidos de massas (Max Weber), partidos de
origem interna e partidos de origem externa (Maurice Duverger), partidos catch-all
(Otto Kirchheimer), partidos cartel (Richard Katz e Peter Mair) 14
.
A par da abordagem institucional dos partidos, h uma outra, de cariz
sociolgico, que privilegia a anlise das linhas de diviso ou clivagens socioestruturais
que alimentam os principais contrastes e antagonismos partidrios nos sistemas
polticos modernos. Destacamos aqui, pela sua relevncia analtica e impacto na
literatura especializada, a tipologia da estrutura de clivagens proposta por Seymour
Lipset e Stein Rokkan para explicarem a gnese e desenvolvimento dos sistemas de
partidos na Europa. Identificam uma constelao de quatro tipos bsicos de clivagens,
associadas a duas transformaes revolucionrias. Assim, as Revolues Nacionais
i.e., os movimentos que, sob o impulso da Revoluo Francesa, conduziram formao
dos Estados-nao criaram ou acentuaram15
duas clivagens: (i) clivagem territorial,
que tem a ver com a resistncia de regies e identidades culturais (por exemplo,
minorias lingusticas) perifricas ao processo de integrao nacional conduzido pelas
elites do centro; e (ii) clivagem religiosa, que se prende com o conflito entre Estado e
Igreja, nomeadamente sobre o controlo da educao. Por seu turno, a Revoluo
14
A descrio e anlise crtica dos desenvolvimentos recentes nos modelos de organizao e nos
perfis ideolgicos dos partidos polticos feita, de modo aprofundado, na unidade curricular do
1 ciclo Partidos Polticos e Organizaes de Interesses. Aqui limitamo-nos a traar um breve
panorama da transformao dos partidos, sublinhando a sua interaco com mudanas ocorridas
na esfera eleitoral (j abordadas no final do anterior mdulo temtico) e nos padres e lgicas de
recrutamento poltico (a aflorar no prximo mdulo temtico). 15
Nalguns pases, as clivagens territoriais e religiosas podem ter origem em processos iniciais
de construo dos Estados (aps Vesteflia) ou nas guerras religiosas.
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Industrial gerou outras duas clivagens: (iii) clivagem urbano-rural, que radica no
conflito de interesses entre os sectores primrio e secundrio da economia; e (iv)
clivagem de classe, que est ligada ao conflito entre capital e trabalho.
Segundo Lipset e Rokkan, este modelo analtico no prescreve qualquer
determinismo sociolgico, na medida em que a constelao de clivagens no se projecta
mecnica e automaticamente na formao dos sistemas de partidos. Acresce, alis, que a
intensidade e persistncia do conflito gerado por uma clivagem inicial pode inibir o
impacto poltico de novas linhas de clivagem por exemplo, em alguns pases a
clivagem religiosa subalternizou a clivagem de classe16
. Salientam tambm que as trs
primeiras clivagens (territorial, religiosa e funcional) foram as que tiveram maior
impacto na diferenciao entre os sistemas partidrios dos vrios pases europeus
(existncia ou no de partidos regionais, cristos ou agrrios); pelo contrrio, a clivagem
classista teve um efeito de convergncia, pois surgiram partidos de trabalhadores
(socialistas e comunistas) em todos os pases europeus. Sublinham, por ltimo, que a
difuso da representao proporcional na fase final de massificao do sufrgio nos
comeos do sculo XX contribuiu para estabilizar e congelar (freeze) o sistema de
alternativas partidrias em vrios pases - the party systems of the 1960s reflect, with
few but significant exceptions, the cleavage structures of the 1920s [Lipset e Rokkan
(1967: 50)]. Uma proposio que descrevia correctamente a realidade visvel, mas no
antecipava as mudanas latentes que iriam manifestar-se a partir de meados da dcada
de 1970 (declnio das identificaes partidrias, volatilidade e realinhamentos
eleitorais).
Aulas prticas (2): textos de leitura obrigatria.
(1)
Max WEBER, Bureaucracy, in M. Weber, Economy and Society: An Outline of Interpretive Sociology, vol. 2, Berkeley, Calif., 1978, pp. 956-963 e 973-985.
(2)
Stein ROKKAN, Party Systems and the Model of Europe, in S. Rokkan,. State Formation, Nation-Building and Mass Politics in Europe, Oxford, 1999, pp. 320-340.
16
The deeper and more persistent the church-state conflicts, the greater the fragmentation of
the working class [Rokkan (1999: 44)].
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TEMA 5
Aulas tericas:
O termo elite foi incorporado no vocabulrio cientfico17
no dealbar do sculo
XX por Vilfredo Pareto (1901), que forma com Gaetano Mosca (1896; 1939) e Robert
Michels (1911) a trade fundadora da chamada teoria clssica das elites. Esta assenta
em quatro premissas de base. Primeiro, o domnio de uma minoria (as elites) sobre a
maioria (as massas) uma inevitabilidade, pois no se trata de uma mera contingncia
histrica, mas de uma constante da estrutura de poder em todas as sociedades. Segundo,
as elites (governantes) detm o monoplio dos recursos vitais de poder e dos lugares
estratgicos de deciso, no estando subordinadas a um controlo efectivo das massas,
independentemente da existncia de rituais democrticos. A formulao mais eloquente
desta incompatibilidade insanvel entre elites e democracia porventura a da lei de
ferro das oligarquias de Michels, atrs enunciada. Terceiro, em todas as sociedades h
uma distribuio desigual dos recursos que tende a ser cumulativa - a vantagem das
positions dj prises (Mosca) - e, nessa medida, riqueza, status social e poder poltico
tendem a concentrar-se e a reforar-se mutuamente, o que estimula o carcter
monoltico, exclusivista e auto-reprodutivo das elites. Quarto, as elites so grupos
coerentes (sociologicamente), coesos (em termos organizacionais) - tanto Mosca como
Michels sublinharam o contraste decisivo entre os recursos organizacionais das elites e a
desorganizao das massas - e unidos (i.e., com uma vontade comum para a aco).
Trata-se, na formulao clssica de James Meisel (1958: 16), do predomnio dos trs
Cs: goup cohesion, consciousness, conspiracy the unity of being, thought, and
purpose. Acrescente-se, por ltimo, a proposio paretiana de que as elites esto
expostas a um movimento contnuo de renovao - a circulao das elites -, cuja
amplitude e intensidade varivel, e que constitui um mecanismo indispensvel de
equilbrio social, prevenindo a estagnao ou fossilizao das sociedades.
A reviso crtica destes postulados, inspirada na definio de democracia
proposta por Joseph Schumpeter18
(1943), deu origem teoria pluralista das elites ou
elitismo democrtico, que tem em Robert Dahl pela sua elaborao terica (conceito
17
Para um til inventrio dos usos prvios do termo elite na linguagem comum, vd. Genieys (2012: 15-
18]. 18
An institutional arrangement for arriving at political decisions in which individuals [as
elites] acquire the power to decide by means of a competitive struggle for the peoples vote
(Schumpeter, 1976: 269). Vd. referncia bibliogrfica na seco 2.3.
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de poliarquia) e pesquisa emprica sobre who governs? na cidade americana de New
Haven (1961) uma das figuras mais proeminentes. Esta nova teoria sustenta que as
desigualdades existem, mas so dispersas e no cumulativas, no existindo assim uma
correlao necessria entre as hierarquias de riqueza, status e poder19
; por outras
palavras, o controlo de um recurso de poder no implica o controlo de outros recursos
de poder, gerando assim elites mais diferenciadas e hetergeneas, cujos interesses
podem no ser coalescentes, mas divergentes ou at contraditrios. Como sublinhou
Robert Putnam (1976: 213), a crescente diferenciao estrutural e especializao
funcional das sociedades modernas tende a reduzir a integrao e coeso das elites. Por
sua vez, a competio poltica, em particular na arena eleitoral, permite ao cidado
comum intervir no processo de seleco da elite governante e escrutinar regularmente
a sua aco ou seja, as elites no se furtam a um controlo democrtico. A discusso e
validao das proposies de ambas as teorias estimulou a investigao emprica sobre
as elites, nomeadamente sobre as suas caractersticas sociais e processos de
recrutamento.
Na literatura especializada h hoje um vasto consenso no sentido de considerar a
estrutura e aco das elites20
como uma varivel importante, quando no mesmo
decisiva, na explicao da dinmica das sociedades e sistemas polticos modernos. Uma
assuno que se baseia no seu papel activo na concepo e construo das instituies,
na formao de coligaes de poder, na produo de smbolos e valores centrais, em
suma, na tomada de decises vitais. Os estudos sobre modernizao sublinharam o
papel das elites modernizadoras e das lideranas carismticas nos processos de
mudana social e poltica [vd., por exemplo, Lasswell e Lerner (1965), Eisenstadt21
(1990) e Diamond et al., dir. (1995)], e a literatura recente sobre mudanas de regime e
as transies para a democracia tem destacado, com maior ou menor nfase, a
preeminncia das estratgias, orientaes e pactos das elites polticas [vd. Higley e
Gunther (1992), Dogan e Higley, dir. (1998), Collier (1999) e Higley e Burton (2006)].
No significa isso, porm, que as elites sejam os nicos protagonistas influentes e,
muito menos, que tenham uma espcie de papel demirgico nas transformaes
19
Na proposio incisiva de Geraint Parry (2005: 107), a powerful man is not necessarily wealthy, a
wealthy man not necessarily powerful. 20
Sobre a estrutura das elites, e o seu impacto na configurao e dinmica dos regimes polticos, vd. a
classificao tripartida proposta por J. Higley e M. Burton (1989 e 2006): elites ideologicamente
unificadas; elites consensualmente unidas; elites desunidas. 21
Vd. tambm a introduo de S.N. Eisenstadt colectnea de textos de Max Weber, On
Charisma and Institution Building (1968).
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histricas. A mobilizao de massas, os movimentos sociais, a opinio pblica so
igualmente importantes, no raro condicionando as aces e o poder decisrio das elites,
ou forando a sua destituio ou substituio. Uma viso integrada, polidrica, do
desenvolvimento histrico pressupe o estudo contextualizado dos vrios actores sociais
e polticos e das suas relaes mtuas.
Para desfazer alguns equvocos persistentes, que os alunos amide reproduzem,
conveniente esclarecer o significado conceptual do termo elite na cincia (ou
sociologia) poltica contempornea. Genericamente, as elites so assim definidas por
ocuparem as posies de topo (formais ou informais) nas vrias hierarquias funcionais
da sociedade. O termo elite , pois, despojado de uma conotao normativa, no
identificando um escol ou uma minoria superior ou virtuosa: as elites podem ser
medocres, incompetentes, corruptas ou imorais22
. Em que medida o acesso s posies
de mando e influncia aberto ou fechado, a circulao da elite permevel ou no
aos canais democrticos, o que deve ser investigado e tem um efeito revelador23
das
caractersticas da estrutura social e das relaes de poder numa dada sociedade [vd.
Seligman (1964), Putnam (1976), Eldersveld (1993) e Etzioni-Halevy (1993)].
O estudo dos padres de recrutamento das elites polticas quem so, quais as
suas credenciais, como so seleccionadas e por quem constitui, de facto, um tema
privilegiado nas pesquisas empricas das ltimas dcadas. Se as perspectivas mais
sociolgicas focam preferencialmente as caractersticas sociodemogrficas (classe
social, educao, profisso, idade, gnero, etc.) e os itinerrios de carreira poltica,
procurando perceber em que medida podem influenciar as atitudes e comportamentos
das elites, o neo-institucionalismo tem vincado a importncia dos contextos
institucionais nas lgicas de recrutamento i.e., as normas jurdico-constitucionais, o
sistema eleitoral e o sistema de partidos modelam uma determinada estrutura de
oportunidades (e constrangimentos) que afecta o mercado do recrutamento poltico,
tanto do lado da oferta (motivaes e recursos dos candidatos) como do lado da procura
22
Ao examinar o recrutamento da elite poltico-partidria americana em finais do sculo XIX, j James
Bryce (1896) procurou compreender Why the best men do not go into politics. 23
Como escreveu L.G. Seligman (1964: 612), the elite recruitment pattern both reflects and affects the
society. As a dependent variable it expresses the value system of the society and its degree of consistency
and contradictions, the degree and the type of representativeness of the system, the basis of social
stratification and its articulation with the political system, and the structure and change in political
roles. E acrescenta: As a factor which affects change, or as an independent variable, elite recruitment
patterns determine avenues for political participation and status, influence the kind of policies that will be
enacted, accelerate or retard changes, affect the distribution of status and prestige, and influence the
stability of the system.
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(critrios de quem selecciona) [vd., em particular, Norris, dir. (1997: 1-14)]. Assim, por
exemplo, as regras legais e/ou o sistema eleitoral (magnitude dos crculos, tipo de lista)
podem favorecer ou inibir as candidaturas a deputados de independentes e de
mulheres.
A descrio e anlise das principais continuidades, descontinuidades e mudanas
no perfil das elites polticas contemporneas, em especial na Europa24
, so feitas nas
aulas a partir de uma seleco dos estudos comparados recentes mais relevantes sobre o
recrutamento parlamentar [Norris, dir. (1997), Cotta e Best, dir. (2000 e 2007)] e
ministerial [ Blondel e Thibault, dir. (1991), Almeida, Pinto e Bermeo, dir. (2003;
2012) e Dowding e Dumont, dir. (2008)].
As transformaes ocorridas nos padres de recrutamento no se processaram de
modo linear, homogneo e sincrnico, mas na longa durao sobressaem duas
tendncias comuns principais [Cotta e Best, dir. (2000 e 2007), Borchert e Zeiss, dir.
(2003), e Alcntara Sez (2012)]. Por um lado, a democratizao, com a abertura e
diversificao dos canais de seleco, de que so notrios testemunhos quer o declnio
das origens aristocrticas e plutocrticas, e a actual preeminncia das classes mdias,
quer a incorporao, ainda que tardia e lenta, das mulheres quebrando-se assim uma
aparente lei de ferro da androgenia, como ironiza Putnam (1976: 33). Por outro lado,
a profissionalizao, profetizada por Max Weber, com a ascenso dos polticos a
tempo inteiro, com longas carreiras partidrias, para quem a poltica uma vocao
permanente e uma actividade remunerada. Duas tendncias com lgicas distintas,
potencialmente conflituais: enquanto a primeira socialmente inclusiva, a segunda tem
um efeito segregador, demarcando uma linha divisria entre os insiders e os outsiders.
Num sentido contrastante, ainda que com um menor grau de generalizao, e observvel
sobretudo na formao das elites ministeriais, o protagonismo crescente