parcelamento popular municipal em áreas non aedificandi e app

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO I miii mil mil mil um mi um um mi m *03596780* Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9170307-87.2007.8.26.0000, da Comarca de Barueri, em que é apelante MINISTÉRIO PUBLICO sendo apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE BARUERI. ACORDAM, em 4 a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO DA MUNICIPALIDADE E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM DETERMINAÇÃO. V. U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI STOCO (Presidente), OSVALDO MAGALHÃES E FERREIRA RODRIGUES. São Paulo, 13 de junho de 2011. RUI STOCO PRESIDENTE E RELATOR

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Page 1: Parcelamento popular municipal em áreas non aedificandi e APP

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

A C Ó R D Ã O I miii mil mil mil um mi um um mi m *03596780*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

Apelação n° 9170307-87.2007.8.26.0000, da Comarca de

Barueri, em que é apelante MINISTÉRIO PUBLICO sendo

apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE BARUERI.

ACORDAM, em 4a Câmara de Direito Público do

Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte

decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO DA

MUNICIPALIDADE E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO APELO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO, COM DETERMINAÇÃO. V. U.", de

conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra

este acórdão.

O julgamento teve a participação dos

Desembargadores RUI STOCO (Presidente), OSVALDO

MAGALHÃES E FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 13 de junho de 2011.

RUI STOCO PRESIDENTE E RELATOR

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO N.° 12.319/11.

4a Câmara de Direito Público

Apelação Cível n.°: 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO APELADO: MUNICÍPIO DE BARUERI

EMENTA: Apelação Cível. Ação Civil Pública. Loteamento

irregular. Legitimidade do Ministério Público. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Agravo retido não provido. Decreto n.° 4.872/2001, do Município de Barueri, que desafetou bem de uso comum do povo, transformando-o em dominical, com o fito de permitir sua alienação nos termos do plano de parcelamento popular municipal. Ausência de inconstitucionalidade. Possibilidade de afetação ou desafetação de bem público, seja qual for sua natureza. Medida no mais que atende ao interesse público (construção de moradias populares). Loteamento de área que serviria à recreação de outro loteamento. Possibilidade. Equipamento comunitário que não compõe a infraestrutura obrigatória do loteamento, nos termos da Lei n.° 6.766/79. Área ocupada por moradores de rua. Parcelamento popular iniciado para regularizar a posse desses moradores sobre a área e que, no entanto, padece de inúmeras irregularidades. Construções erigidas em áreas non aedificandi e de preservação permanente (beira de córrego). Ausência de licenciamento ambiental. Águas servidas despejadas no próprio córrego canalizado, sem qualquer planejamento/estudo hidrológico. Condições precárias do loteamento que não sobrelevam as mazelas expiadas por aqueles que se encontram despojados de qualquer abrigo, fadados à perambulação sem rumo ou à habitação de vias e logradouros públicos. Mera e simples remoção dos indivíduos que não se coaduna com os valores constitucionais que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro. Inviabilidade, por outro lado, de legitimar a promoção desajustada do parcelamento popular. Tutela da pessoa humana (CF, art. Io, inc. III). Solução proposta: estabelecer que qualquer providência tendente à remoção dos habitantes da área - ainda que se relacione à regularização ambiental e urbanística - dependerá de alternativa viável à moradia, a ser providenciada pela Municipalidade. Absoluta nulidade dos compromissos de compra e venda dos lotes. Devolução dos valores já pagos - e cessação de quaisquer outras obrigações pecuniárias oriundas desses contratos - que é medida adequada ao retorno das partes ao status quo ante. Condenação genérica, nos termos do art. 95, do CDC, sujeita a posterior liquidação. Ação julgada improcedente na origem. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.

VISTOS,

Tratam os autos de Ação Civil Pública proposta pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra o MUNICÍPIO DE

BARUERI. <T)

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2

Segundo consta, o Ministério Público ingressou com a presente

ação, impugnando parcelamento popular em processo de instalação em região do

Município de Barueri.

Sustentou que a área parcelada era antes parte de um loteamento

("Parque dos Camargos") e funcionava como sistema de recreio, há muito, ocupada por

desabrigados.

Esclareceu que por conta dessa situação fática foi editado o Decreto

Municipal n.° 4.872/2001 que desafetou a área, antes com predestinação de bem público de

uso comum, passando a bem dominical, suscetível de ser alienada como forma de

cumprimento de programa habitacional.

Aduziu a inconstitucionalidade desse ato administrativo, assim

como a irregularidade do parcelamento, por se tratar de área de risco (sujeita a inundação e

excessiva umidade) e por promover a ocupação de área de preservação permanente.

Com esses fundamentos requereu a procedência da ação, para que:

(a) fosse declarado inconstitucional o Decreto Municipal n.° 4.872/2001; (b) fosse

decretada a devolução dos valores já pagos e a cessação das obrigações pecuniárias

acarretadas aos habitantes, por força da celebração de compromisso de compra e venda de

lotes ali situados; (c) a remoção dos habitantes das áreas de risco, garantindo-lhes

alternativamente "direito real de moradia".

Contestação a fls. 89/106. A Municipalidade interpôs agravo retido

a fls. 178/184. Laudos periciais a fls. 216/248 e 266/286.

A r. sentença de fls. 331/341 julgou improcedente a ação.

O Ministério Público, inconformado, apelou a fls. 347/360.

Contrarrazões a fls. 363/384.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do

recurso a fls. 391/398.

É o relatório.

II - Preliminarmente, impõe-se apreciar o agravo retido interposto

pela Municipalidade, cuja análise foi reiterada em contrarrazões de apelação.

A legitimidade do Ministério Público para a propositura da

presente ação funda-se no art. Io, inc. III, da Lei n.° 7.347/85 c.c. art. 81, inc. III e art. 82,

inc. I, ambos do CDC.

Questão parelha a dos autos já foi dirimida pelo Superior Tribunal

de Justiça nos seguintes termos: Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri 7

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Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade Ativa. Regularização de loteamento para moradias populares. -"1 . O Ministério Público tem legitimidade para propor Ação Civil Pública em defesa de interesses coletivos ou individuais homogéneos, visando a regularização de loteamento destinado à moradias populares. 2. É no pólo ativo das demandas que o Ministério Público cumpre, de forma mais ampla, seu nobre papel de fiscal da lei. 3. O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige: a repetição de processos idênticos. 4. Recurso provido" (STJ - Ia T. -REsp. 404.759 - Rei. Humberto Gomes de Barros - DJ 17.2.2003).

Ademais, nenhum dos pedidos mostra-se impossível, eis que não se

verifica impertinência entre as providências solicitadas e o que o ordenamento pátrio

permite efetivar.

III - A pretensão é complexa e de difícil intelecção e solução.

O Ministério Público, ao mesmo tempo em que parece pretender a

desocupação da área - que alega de risco - , pede a manutenção dos indivíduos lá já

assentados, devendo ser a eles reconhecido direito real de moradia sobre os imóveis.

A ação não visa a demolição das construções, pelo fato de terem

sido erigidas à margem de córrego e, por isso, irregulares sob o ponto de vista da legislação

ambiental. Tampouco se destina à recuperação de área de preservação, ou mesmo à

regularização das construções perante o DAEE ou outro órgão de fiscalização.

Mesmo diante desse canhestro e paradoxal quadro desenhado nos

autos, à luz do entendimento propugnado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, "os

pedidos devem ser interpretados, como manifestações de vontade de forma a tornar efetivo,

o acesso à Justiça. (Precedente: REsp 625329/RJ, Relator Min. LUIZFUX, DJ

23.08.2004)" (STJ - IaT. - REsp. 807.863/RJ - Rei. Luiz Fux - 20.6.2006).

Com base nesse raciocínio e algum esforço interpretativo, se dá ao

pedido constante da inicial sentido mais concertado com a tão colimada efetividade da

jurisdição, e considera-se que a medida tem por objetivo o reconhecimento da

irregularidade do parcelamento popular em processo de instalação naquela região, com a

respectiva cessação das obrigações pecuniárias acarretadas aos habitantes, por força da

celebração de compromisso de compra e venda de lotes ali situados, com base:

(a) na inconstitucionalidade do ato administrativo

que estabeleceu essa finalidade;

(b) por se situar o loteamento em área de risco

(sujeitas a inundação e excessiva umidade);

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri

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(c) por ser irregular a sua implementação,

principalmente, por promover a ocupação de área de preservação

permanente.

No que respeita às áreas de risco e àquelas insuscetíveis de

regularização, parece mais lógico admitir que o pleito ministerial dirige-se à remoção dos

habitantes dessas áreas, garantindo-se aos demais, por força das irregularidades que recaem

sobre os lotes alienados, direito à concessão especial de uso gratuito dos imóveis em que

residem.

Com a devida vénia, parece ser de palmar clareza que o pedido

mais concertado com a função institucional do Ministério Público seria no sentido de

apuração e, se possível, de regularização dos aspectos considerados inadequados no

loteamento.

De qualquer forma, sem prejuízo de que pretensão desse jaez seja

deduzida em ação autónoma, os pedidos formulados no presente processo não se afiguram

como impossíveis e, como já asseverado, não carece ao Ministério Público legitimidade ou

interesse em pleitear a remoção de famílias de área que reputa em risco ou do impedimento

de instalação de loteamento que reputa irregular.

IV - Faz-se necessário, entretanto, tecer alguns esclarecimentos

preambulares sobre o contexto no qual surgiu esse loteamento.

O Decreto Municipal n.° 4.872/2001 parece ter vindo regularizar

uma situação fática já há algum tempo consolidada.

A área parcelada era antes parte de um loteamento ("Parque dos

Camargos") e funcionava como sistema de recreio, ou seja, espécie de equipamento

comunitário, nos termos do § 2o, do art. 4o, da Lei n.° 6.766/79.

Foi, há muito, ocupada por desabrigados, o que despertou alguma

sensibilização da Municipalidade com relação a situação dos lá residentes, o que culminou

na alteração da destinação da área.

V - Primeiramente, deve-se esclarecer que, não obstante a estranha

irresignação quanto ao Decreto Municipal n.° 4.872/2001 que, no entender deste Relator é

digno de encómios, pois se traduz em salutar implementação de política pública - que visa

à concreção do direito constitucional de moradia - é plenamente possível a alteração, por

afetação ou desafetação, da destinação de bens públicos em geral.

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri

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Como salienta JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, "até

mesmo os bens de uso comum do povo podem sofrer alteração em sua finalidade, como é o

caso, por exemplo, de uma praça pública que desaparece, em razão de projeto urbanístico,

para dar lugar a uma rua e a um terreno público sem utilização. Nesse caso, o bem que era

de uso comum do povo converteu-se, parte em outro bem de uso comum do povo (a nova

rua) e parte em bem dominical (o terreno sem utilização). Poder-se-á dizer, na hipótese,

que houve desafetação parcial, pois que parte do bem que tinha finalidade pública passou a

não mais dispor desse fim (o terreno)" {Manual de Direito Administrativo, 23 ed., Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 1249).

O autor complementa sua brilhante explanação, acrescentando que

"a afetação e a desafetação constituem fatos administrativos, ou seja, acontecimentos

ocorridos na atividade administrativa independentemente da forma com que se apresentem.

Embora alguns autores entendam a necessidade de haver ato administrativo para

consumar-se a afetação ou desafetação, não é essa realmente a melhor doutrina em nosso

entender. O fato administrativo tanto pode ocorrer mediante a prática de ato administrativo

formal, como através de fato jurídico de diversa natureza" (ob. cit.).

Ainda que concordando com ilustre doutrinador, é de salientar que

no caso dos autos, a Municipalidade foi além: contou com autorização legislativa para o

estabelecimento da destinação da área (art. 10, da Lei Municipal n.° 865/1993 - fls. 30),

complementada por ato administrativo formalmente praticado com esta finalidade,

veiculado pelo Decreto n.° 4.872/2001.

Nenhuma inconstitucionalidade, portanto, tisna o ato impugnado,

pelo que não procede a pretensão neste aspecto.

VI - Embora a iniciativa municipal, quanto à sua intenção, seja

digna de encómios, o mesmo não se pode dizer da sua concretização.

Com efeito, a implantação do loteamento padece de uma série de

irregularidades.

Nenhuma delas, entretanto, está relacionada com o fato de se ter

utilizado sistema de recreio de outro loteamento.

No caso, como esclarecido, houve alteração de destinação do

equipamento comunitário do loteamento "Parque dos Camargos", o que também é

legítimo.

É que o denominado "equipamento comunitário" ("equipamentos

públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares", nos termos do § 2o, do art. 4o, da Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri

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Lei n.° 6.766/79) não integra a infraestrutura obrigatória do loteamento, que é composta

por "equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública,

esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar

e vias de circulação" (Lei n.° 6.766/79, art. 2o, § 5o).

Nada obstante, há que se ponderar a respeito das condições do

parcelamento. Afinal, mesmo em se tratando de parcelamento popular e, nesta condição,

promovido pelo próprio ente federativo, o loteamento não escapa aos regramentos

constantes da Lei n.° 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano).

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes do Superior

Tribunal de Justiça:

Processual Civil e Administrativo. Legitimidade do Ministério Público. Ausência de interesse em recorrer. Loteamento. Parcelamento do solo. Regularização. Casas populares. Registro imobiliário. Incidência da lei 6.766/79. Precedente. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público pelo acórdão recorrido, falece interesse ao órgão ministerial para recorrer quanto ao tema. A Lei 6.766/79 disciplinadora dos parcelamentos do solo não distingue aqueles destinados à indústria, ao comércio, às residências de luxo ou às casas populares, homenageando sempre os valores urbanísticos e ecológicos. O registro imobiliário regulado pelo art. 18 da Lei 6.766/79 é necessário para a segurança dos imóveis adquiridos. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - 2a T. - REsp. 247.261 - Rei. Francisco Peçanha Martins - DJ 16.6.2003).

Administrativo. Parcelamento do solo. Casas populares. Empresa pública. Incidência da Lei 6.766/79. I - A Lei 6.766/79 não exclui de sua regência os parcelamentos (tanto loteamentos quanto desmembramentos) efetuados para construção de casas populares. Tampouco, deixa ao largo aqueles executados por empresas públicas (nem o poderia fazer, face ao preceito constitucional do Art. 173, § Io). II - É que a disciplina dos Parcelamentos foi concebida em homenagem valores urbanísticos e ecológicos (arts. 2° a 17). O respeito a tais interesses é fundamental - nada importa que o parcelamento se destine a indústria, comércio, residências de luxo ou bairros populares. III - Outro interesse tutelado através da lei 6.766/79 é a segurança dos registros públicos (Art. 18). A disciplina do registro imobiliário homenageia, sobretudo as pessoas que adquirirão os lotes resultantes do parcelamento. É necessário que as pessoas - sobretudo aqueles mais pobres - tenham em perpétua segurança a propriedade que adquiriram. (STJ - Ia T. - REsp. 126.372 - Rei. Humberto Gomes de Barros - DJ 13.10.1998).

A primeira vistoria realizada na região não verificou a ocorrência

de qualquer risco aos habitantes do local.

Foi a seguinte a conclusão do primeiro vistor judicial: "Conforme

vistoria efetuada in loco, verificou-se que não existem residências em situação de risco ou

insalubres, pois o córrego foi canalizado sob a Passagem Helena, que trata-se de uma via

pública, não havendo possibilidade de contato com o referido córrego" (perito Ariovaldo

Merlin, fls. 219). Apelação Cível n.° 917030?'-87.2007.8.26.0000 - Barueri <7

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7

Por seu turno, o perito Samir Soliaman obteve os seguintes dados

(fls. 285/286):

"Não resta dúvida de que no local em questão existem edificações sem as devidas condições de salubridade e segurança, entretanto, isto se deve a forma pela qual as mesmas foram construídas e não guardam relação com as obras de canalização do córrego.

Tal afirmativa prende-se no fato de que a grande maioria das edificações, se não a totalidade, não possuem projeto de construção aprovado pela municipalidade, ou seja, não obedecem a legislação vigente no que tange ao uso e ocupação do solo e, ainda, em parte delas não foram tomados os devidos cuidados na execução de suas estruturas e fundações.

Esses fatores combinados, ou mesmo independentes, contribuem para o surgimento das anomalias constatadas nas edificações, não apenas na quadra em estudo, como também, na região.

Vale lembrar, que o local não é dotado de rede de esgotos, conforme relação de benfeitorias informada pela Prefeitura as fls. 212, assim sendo, as águas servidas são despejadas diretamente no córrego canalizado. Esse fato, além de poluir as águas pluviais, a longo prazo, pode contribuir para o entupimento do córrego canalizado.

Em relação à canalização do córrego propriamente dita, fica claro que a mesma se deu de forma empírica e que não foi elaborado nenhum estudo hidrológico de modo a dimensionar as tubulações em fundação da bacia de contribuição.

Entretanto, mesmo de forma empírica, a obra surtiu efeitos positivos na medida em que resolveu os problemas das enchentes na quadra em questão, conforme declarações dos moradores, e não pode ser apontada como responsável pelas anomalias existentes nas edificações."

Enfim, inúmeras são as irregularidades evidenciadas no loteamento

em análise. E nem mesmo a conclusão positiva quanto à incidência de enchentes no local

permite conclusão diversa.

A ausência de planejamento e licenciamento ambiental,

obviamente, inquina o parcelamento em tela, permitindo sua rotulação como "medida

paliativa" que não se coaduna com o disposto na Constituição Federal.

Isto porque, tão importante quanto o direito à moradia (CF/88, art.

6o) é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF/88, art. 225), ou seja, ao

estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam o ecossistema (vegetação, clima,

solo água, ar) e que são suscetíveis de desestabilização pela ação humana.

E esse direito - ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - é

garantido às "presentes e futuras gerações", consagrando o denominado princípio da

responsabilidade intergeraçoes.

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri 9

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8

Como assinala PEDRO AFFONSO LEME MACHADO, "O

princípio da responsabilidade ambiental entre gerações refere-se a um conceito de

economia que conserva o recurso sem esgotá-lo, orientando-se para uma série de

princípios" {Direito ambiental brasileiro, 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 137).

Dentre eles, é possível enumerar o princípio do desenvolvimento sustentável, que por

propugnar a observância de ações que visem a preservar processos e sistemas essenciais à

manutenção do equilíbrio ecológico, abarca a função sócio-ambiental que deverá nortear a

fruição do direito de propriedade.

Na ponderação entre a moradia e o meio ambiente equilibrado, não

se evidencia relação de prevalência, mas sim, de conformação, consubstanciada no

condicionamento do uso daquela (moradia) ao respeito deste (meio ambiente), o que se

traduz no cumprimento da já mencionada função sócio-ambiental da propriedade.

Nesse diapasão, o simples fato de inexistir licenciamento ambiental

adequado ao parcelamento, implica na sua flagrante irregularidade.

Com efeito, a própria Municipalidade reconhece que "não existem

projetos de implantação da viela e do córrego canalizado, bem como autorização do DAEE

e DPRN" (fls. 212). Vale dizer, foi completamente ignorada a legislação ambiental

aplicável.

As obras haveriam de ser autorizadas pelo DEPRN, atual CETESB,

com respectiva outorga de aproveitamento pelo DAEE.

Ademais, de fato, como se infere das plantas de fls. 43/44 e 213, a

canalização, assim como as construções foram erigidas em áreas non aedifwandi, nos

termos do inc. III, art. 4o, da Lei do Parcelamento do Solo (Lei n.° 6.766/79), in verbis: "ao

longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e

ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edifícável de 15 (quinze) metros de

cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica".

Da mesma forma, parece ter sido atingida área de preservação

permanente (APP), nos termos do art. 2o, "a", do Código Florestal (Lei n.° 4.771/65), ainda

em vigor neste momento

"Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal [...]".

Veja-se que a área protegida tem sua importância justificada, nos

termos do art. Io, § 2o, inc. II, desse mesmo diploma: "área protegida nos termos dos arts.

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri <?

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2S e 3S desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de

preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o

fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações

humanas".

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, em emblemático julgado,

assentou o seguinte:

Ambiental. Área de Preservação Permanente. Mata ciliar. Corte. Art. 2o do Código Florestal. Mata Atlântica. Decreto 750/93. Supressão de vegetação em violação aos termos da licença ambiental expedida. 1. Exceto nos casos de comprovada utilidade pública ou interesse social, a Lei 4.771/65 (Código Florestal) literalmente proíbe a supressão e o impedimento de regeneração da Mata Ciliar, qualquer que seja a largura do curso d'água. 2. A proteção legal como Área de Preservação Permanente ciliar estende-se não só às margens dos "rios", mas também às que se encontram ao longo de "qualquer curso d'água" (Código Florestal, art. 2o, "a", grifei), aí incluídos riachos, córregos, veios d'água, brejos e várzeas, lagos, represas, enfim, todo o complexo mosaico hidrológico que compõe a bacia. 3. O regime jurídico das Áreas de Preservação Permanente ciliares é universal, no duplo sentido de ser aplicável à totalidade dos cursos d'água existentes no território nacional - independentemente da sua vazão ou características hidrológicas - e de incidência tanto nas margens ainda cobertas de vegetação (Mata Ciliar, Mata Riparia, Mata de Galeria ou Mata de Várzea), como naquelas já desmatadas e que, por isso mesmo, precisam de restauração. 4. Ao juiz descabe afastar a exigência legal de respeito à manutenção de Mata Ciliar, sob o argumento de que se está diante de simples "veio d'água", raciocínio que, levado às últimas consequências, acabaria por inviabilizar também a tutela das nascentes ("olhos d'água"). Mais do que nos grandes rios, é exatamente nesses pequenos cursos d'água que as Matas Ciliares cumprem o papel fundamental de estabilização térmica, tão importante à vida aquática, decorrente da interceptação e absorção da radiação solar. 5. A Constituição Federal ampara os processos ecológicos essenciais, entre eles as Áreas de Preservação Permanente ciliares. Sua essencialidade decorre das funções ecológicas que desempenham, sobretudo na conservação do solo e das águas. Entre elas cabe citar a) proteção da disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro, sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos, e b) a manutenção de habitat para a fauna e formação de corredores biológicos, cada vez mais preciosos em face da fragmentação do território decorrente da ocupação humana. 6. Seria um despropósito tutelar apenas as correntes mais caudalosas e as nascentes, deixando, no meio das duas, sem proteção alguma exatamente o curso d'água de menor volume ou vazão. No Brasil a garantia legal é conferida à bacia hidrográfica e à totalidade do sistema ripário, sendo irrelevante a vazão do curso d'água. O rio não existe sem suas nascentes e multifacetários afluentes, mesmo os menores e mais ténues, cuja estreiteza não reduz sua essencialidade na manutenção da integridade do todo. 7. O Município, contrariando a legislação vigente e os termos da licença expedida, desmatou a Mata Ciliar. 8. A ilegalidade do desmatamento provocado pela Prefeitura de Joinville é patente. A licença expedida pelo Ibama previa, textualmente, que a supressão de vegetação poderia ser feita, desde que "respeitados rigorosamente o disposto na letra 'a' do artigo 2o do Código Florestal, Lei 4.711/65, com as alterações introduzidas pela Lei n. 7.803/89, ficando o responsável pela execução dos trabalhos de exploração com a obrigação de preservar a faixa marginal do curso d'água existente na

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri

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propriedade". 9. O descumprimento das exigências da legislação ambiental para a hipótese de supressão da Mata Atlântica é causa de nulidade das autorizações eventualmente concedidas e dos atos praticados (art 10 do Decreto 750/1993), sendo devida a recomposição ambiental da área afetada. 10. Recurso Especial provido. (STJ - 2a T. - REsp. 176.753/SC - Rei. Herman Benjamin - DJE 11.11.2009).

No mais, como preceitua o inc. I, do parágrafo único, do art. 3o, da

Lei n.° 6.766/79, "não será permitido o parcelamento do solo: I - em terrenos alagadiços e

sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento

das águas".

A ratio da determinação legal parece óbvia: "o terreno encharcado,

pantanoso não pode ser loteado. Da mesma forma o terreno sujeito a inundação ou situado

à beira de cursos d'água e que periodicamente é invadido pelas cheias não poderá ser

loteado. Locais onde as águas pluviais se acumulam, onde não haja escoamento devido,

somente poderão ser loteados se corrigida a situação. Evita-se, portanto, agrupar indivíduos

em locais inundáveis, com o consequente perigo para a vida e saúde da população e com

resultados danosos para a economia dos compradores" (PAULO AFFONSO LEME

MACHADO. Direito ambiental brasileiro.\% ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 429).

Como apontado na vistoria, a canalização não contou com nenhum

projeto de dimensionamento hídrico, a fim de dimensionar adequadamente a tubulação ao

volume de escoamento necessário.

Canalização de águas nesses termos, nem de longe atende à

exigência legal de "providência para assegurar o escoamento das águas". Não passa, na

esteira do que já esclarecido, de medida paliativa que não cumpre os requisitos de

sustentabilidade e prolongamento entre gerações.

Mas o pior aspecto de todas as mazelas já descritas é o despejo de

águas servidas no próprio córrego canalizado, o que pode redundar na poluição das águas

em caráter irreversível.

Sabe-se que a Lei n.° 9.785/99, incluindo o § 6o, no art. 2o, da Lei

n.° 6.766/79, "diminuiu as exigências para os parcelamentos situados nas zonas

habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS), onde deverão existir, no

mínimo: 'I - vias de circulação; II - escoamento de águas pluviais; III - rede de

abastecimento de água potável; e IV - soluções para esgotamento sanitário e para a energia

elétrica domiciliar'. Assim, como norma geral exige-se a implantação prévia de rede de

abastecimento de água e rede de esgoto sanitário. A exceção para a ZHIS - Zona

Habitacional de Interesse Social é a exigência de soluções para o 'esgotamento sanitário'

Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Barueri 9

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que não sejam através de uma rede, como, por exemplo, fossas sépticas" (MACHADO,

Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, 18 ed. São Paulo: Malheiros,

2010, p. 433).

Logo, não obstante a legislação de regência não exija rede de

esgotamento sanitário, ressuma de clareza palmar que o loteamento em questão não conta

nem mesmo com "soluções para o esgotamento sanitário".

Enfim, não há dúvida de que se trata de parcelamento

absolutamente irregular e que, nos termos em que implantado - em que pese a boa intenção

- , pode redundar na responsabilização ambiental do próprio município, aplicação de

sanções de ordem cível e política (improbidade administrativa), assim como de natureza

penal.

VII - Sendo assim, embora o loteamento, em si, não constitua

iniciativa ilegítima, o deficitário plano diretor Municipal, as parcas disposições acerca da

infraestrutura básica necessária a loteamentos desse jaez, assim como a omissão pública na

implementação de medidas sustentáveis, implica, de fato, inexorável risco aos habitantes.

Há que se ponderar, portanto, se as condições precárias

evidenciadas sobrelevam as mazelas expiadas por aqueles que se encontram despojados de

qualquer abrigo, fadados à perambulação sem rumo ou à habitação de vias e logradouros

públicos.

Com efeito, isto não se pode afirmar.

Nada obstante, é necessário esclarecer que esta Egrégia Corte não

pode legitimar a promoção desajustada do parcelamento popular. Sabe-se que o direito

constitucional à moradia não se satisfaz com qualquer compartimento suscetível de

albergar um ser vivo. Relaciona-se, isto sim, ao abrigo que permita ao ser humano nele

habitar com dignidade (CF, art. Io, inc. III).

E esse requisito em particular não está inteiramente atendido pela

iniciativa pública em questão.

Mesmo assim, deve-se reconhecer que o parcelamento, na forma

como efetuado, já constitui o início da concreção do direito real de moradia e representa

uma significativa melhoria na qualidade de vida dos habitantes beneficiados, como se

infere de fls. 117/123.

A mera e simples remoção dos indivíduos lá situados, devolvendo-

se às ruas aqueles que já lograram encontrar habitação, sob esse prisma, não se coaduna

com os valores constitucionais que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro. Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Baruerí V

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De outra banda, não é possível admitir a concessão especial de uso,

o que implicaria análise individualizada do caso de cada um dos habitantes - do que não se

fez prova nos autos - devendo-se até mesmo questionar a legitimidade processual do

Ministério Público para tal pedido.

Entretanto, ressuma claro que se faz imperiosa a adoção de

medidas que se destinem à regularização da área, seja sob o ponto de vista ambiental, seja

sob o ponto de vista urbanístico. Lastimavelmente - como já asseverado - tais medidas não

foram requeridas na presente ação, fenecendo a esta Egrégia Câmara poderes para

determinações nesse sentido.

De qualquer forma, o que se pode garantir aos moradores é um

meio termo, que se por um lado não implica disposição patrimonial definitiva da

propriedade pública, por outro assegura sua existência digna.

Trata-se de estabelecer que qualquer providência tendente à

remoção dos habitantes da área - ainda que se relacione à regularização ambiental e

urbanística - dependerá de alternativa viável à moradia, a ser providenciada pela

Municipalidade.

Solução dessa espécie já foi adotada em precedente do Tribunal

Regional Federal da 4a Região:

Ação Civil Pública. Direito Ambiental. Direito à moradia. Direito internacional dos direitos humanos. Desocupação forçada e demolição de moradia. Área de preservação permanente. Posse antiga e indisputada. Aquiescência do poder público. Disponibilidade de alternativa para moradia. Terreno de marinha. Desnecessidade de perícia judicial. Proteção à dignidade humana, despejo e demolição forçadas para proteção ambiental. Prevenção de efeito discriminatório indireto. 1. Não há nulidade pela não realização de perícia judicial quanto à qualificação jurídica da área onde reside a autora como terreno de marinha, à vista dos laudos administrativos e da inexistência de qualquer elemento concreto a infirmar tal conclusão. 2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente. 3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e demolição da moradia depende da disponibilidade de alternativa à moradia. 4. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos. 5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e direito à moradia. 6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (The Right to adequato housing (art. 11.1): forced evictions: 20/05/97. CESCR General comment 7), implica que "nos casos onde o despejo forçado é considerado

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justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade" (item 14, tradução livre), "não devendo ocasionar indivíduos "sem-teto" ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível." 8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade. 9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atinge mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ónus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais. (TRF 4 - 3 a T. - Ap. 2006.72.04.003887-4 - Rei. Roger Raupp Rios - DJ 10.6.2009).

Em caso parelho e imbuído desse mesmo conteúdo humanístico,

este Tribunal, em precedente por mim relatado, já vetou a remoção desprovida de

planejamento, de propriedade pública:

Agravo de Instrumento. Reintegração de Posse. Insurgência do Município de São Paulo contra a determinação do Juízo de origem, que condicionou sejam adotados, pela exequente, os meios necessários para abrigar as crianças deficientes eportadores de "Síndrome deDown", que estão alojadas em pequena e insignificante área pública, como condição para a efetivação da ordem de reintegração na sua posse. Decisão mantida. Recurso não provido. — "O Estado não é — e não pode ser — um fim em si mesmo. Também não se admite que esse mesmo Estado coloque a propriedade de bens públicos como valor que supere a vida humana e o bem-estar das pessoas que lhe outorgaram a prerrogativa de as proteger. Ademais, a invasão de terras improdutivas ou não aproveitadas convenientemente ou a ocupação de "sobras" mal utilizadas ou não utilizadas pelo Poder Público, por parte de pessoas doentes e desamparadas, está a revelar um desacerto social, um desvio de rumo e um indício de que alguma coisa não vai muito bem na distribuição de renda e no cumprimento dos objetivos do Estado, estabelecidos expressamente na Constituição Federal" (TJSP - 3a C. Dir. Público - AI 335.347-5/0 - Rei. Rui Stoco - j . 21.10.2003).

O pedido, então, comporta parcial acolhimento, para o fim acima

especificado.

VIII - O Ministério Público também requer a devolução dos

valores já adimplidos pelos promitentes compradores do lotes, produtos do parcelamento

ora impugnado.

A pretensão procede nesse ponto.

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Com efeito, em se tratando de loteamento absolutamente irregular,

a alienação dos lotes apresenta-se como negócio jurídico eivado de flagrante nulidade (CC,

art. 166, incs. II, VI e VII) - cujo reconhecimento é antecedente lógico do pleito de

devolução dos valores expendidos pelos adquirentes (e respectiva cessação das obrigações

pecuniárias que ainda se protraem no tempo) - , o que impõe o retorno das partes ao status

quo ante.

Legitima-se, portanto, a atuação do Ministério Público na defesa

dos direitos individuais homogéneos de que trata o art. 81, inc. III, do CDC (CDC, art. 82,

inc. I).

O presente provimento jurisdicional deve, assim, atender ao

disposto no art. 95, do CDC, limitando-se à condenação genérica, apenas fixando a

responsabilidade da Municipalidade pela devolução dos valores.

A liquidação - e respectiva individualização - do valor devido a

cada promitente-comprador deverá ser processada nos termos dos arts. 97 e seguintes do

CDC.

Obviamente, por força do reconhecimento da nulidade dos

compromissos, cessa qualquer outra obrigação pecuniária deles decorrente, sem prejuízo,

entretanto, de que, regularizado o loteamento, torne a Municipalidade a alienar os

respectivos lotes.

IX - Em razão do exposto, negam provimento ao agravo retido da

Municipalidade e dão parcial provimento ao apelo do Ministério Público para reformar a r.

sentença recorrida e julgar procedente em parte a Ação Civil Pública proposta,

reconhecendo que os promitentes-compradores dos lotes oriundos do parcelamento popular

impugnado - por força da nulidade que eiva os compromissos firmados - têm direito à

devolução dos valores que pagaram até então.

Reconhece-se, outrossim, que não obstante não lhes assista

qualquer direito real sobre o imóvel, qualquer medida tendente a promover a desocupação

da área - seja pelo motivo que for - dependerá de alternativa à moradia a ser providenciada

pela Municipalidade, facultado ao juízo encarregado do cumprimento do presente julgado a

fixação de multa adequada a assegurar a sua efetividade.

Para fins de pagamento dos valores devidos, consigna-se que os

anteriores à vigência do atual Código Civil deverão ser corrigidos, desde a data de cada

adimplemento, pela Tabela Prática deste Tribunal, e serão acrescidos de juros de mora de

6% ao ano, a contar da citação. A partir da vigência do atual CC/2002, os juros moratórios Apelação Cível n.° 9170307-87.2007.8.26.0000 - Baruerí

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incidirão à taxa SELIC, que já abrange a correção (STJ - Ia S. - REsp. 1.155.125/MG -

Rei. Castro Meira - DJE 6.4.2010).

No entanto, A partir de 29.06.2009 os juros e correção monetária

deverão obedecer ao disposto no art. 1°-F da Lei n.° 9.494/97, com redação da Lei n.°

11.960, de 29.06.2009.

Em razão da modificação, as custas e despesas processuais serão

repartidas pelas partes.

Por fim, expeça-se oficio à CETESB e ao DAEE, com cópias do

laudo de fls. 266/286 e também deste acórdão, a fim de que procedam à fiscalização e, se o

caso, adotem as medidas que entenderem adequadas para compelir o ente Municipal à

regularização da área em questão.

Expeça-se, ainda, com as mesmas • cópias, oficio ao Ministério

Público do Meio Ambiente. / " V '

RUI poço — Rdlator/^-

(1-2.35) / / cvj / /

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