parafernÁlias, cuidado, educaÇÃo especial, saÚde ... · (poema visual criado ... quando ver é...

13
PARAFERNÁLIAS, CUIDADO, EDUCAÇÃO ESPECIAL, SAÚDE MENTAL, LITERATURA E ETCÉTERAS Daniele Noal Gai UFRGS - [email protected] Elisandro Rodrigues UFRGS - [email protected] #1_Parafernálias: do que se trata este texto? Este trabalho traz argumentos da educação, da filosofia, da literatura e das artes para afirmar a escola como espaço de aprendizagem por encontros e compartilhamento, cuidado e criação. Descreve-se a articulação necessária entre o que se aprende no currículo escolar com/no contemporâneo, com a vida, as mídias, as tecnologias, as artes. Tal engendramento torna-se possível por um encontro, e pelo aprofundamento com elementos dos mais simples, pequenos, triviais, da vida diária, iconográficos, aos mais complexos das artes. Não se pretende resgatar fontes e realidades, tampouco, aproximar-se e estacionar naquilo que o aluno traz para dentro da escola. Quer-se pensar o que pode, para além do bem e do mal (NIETZSCHE, 2008), uma educação, um corpo, um projeto, uma vida. Transmuta-se de uma informação breve, um enunciado de literatura contemporânea ou mesmo de exposição de arte, para a complexificação do visto e do vivido. Breve mas não rápida. Breve mas não dura. Breve mas não sem sentido. Br[l]eve breve leve. Breve que marca uma experiência, isso que me passa, isso que nos atravessa, aquilo que nos captura, o que nos afecta (LAROSSA, 2011). Pela experimentação em oficinasaulas entramos em contato com a variação nas artes. Não nos detemos na linguagem, no signo, mas na significância e na experienciação plena das artes: visuais, teatrais, midiáticas, contemporânea, musicais, relacionais. Entra-se na obra, absorve-se o conteúdo, arranja-se formas de expressão e impressão frente à produção de outros. Cada oficineiro ou “auleiro” traz a sua arte, as suas artes, as suas artimanhas e nos mobilizam a pensar e produzir em nós outros corpos. Outros corpos de sensações resultam da experiência, que é aprendizado de si. Fazemo-nos artistas. Inventamos em nós a arte. Conversamos no coletivo o que pode a obra de arte em meio às vidas ali postas. Experimenta- se: outros autores, outras autorias, outros artistas, a si. Assim dá-se uma composição, pelo encontro de afetos, sentidos, sensações, enunciados. Há ali um movimento alteritário. Um Corpo Vibrátil (ROLNIK, 1989) abre-se.

Upload: phungkhue

Post on 06-Dec-2018

230 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PARAFERNÁLIAS, CUIDADO, EDUCAÇÃO ESPECIAL, SAÚDE MENTAL,

LITERATURA E ETCÉTERAS

Daniele Noal Gai UFRGS - [email protected]

Elisandro Rodrigues UFRGS - [email protected]

#1_Parafernálias: do que se trata este texto?

Este trabalho traz argumentos da educação, da filosofia, da literatura e das artes para

afirmar a escola como espaço de aprendizagem por encontros e compartilhamento, cuidado e

criação. Descreve-se a articulação necessária entre o que se aprende no currículo escolar

com/no contemporâneo, com a vida, as mídias, as tecnologias, as artes. Tal engendramento

torna-se possível por um encontro, e pelo aprofundamento com elementos dos mais simples,

pequenos, triviais, da vida diária, iconográficos, aos mais complexos das artes. Não se

pretende resgatar fontes e realidades, tampouco, aproximar-se e estacionar naquilo que o

aluno traz para dentro da escola. Quer-se pensar o que pode, para além do bem e do mal

(NIETZSCHE, 2008), uma educação, um corpo, um projeto, uma vida.

Transmuta-se de uma informação breve, um enunciado de literatura contemporânea ou

mesmo de exposição de arte, para a complexificação do visto e do vivido. Breve mas não

rápida. Breve mas não dura. Breve mas não sem sentido. Br[l]eve – breve leve. Breve que

marca uma experiência, isso que me passa, isso que nos atravessa, aquilo que nos captura, o

que nos afecta (LAROSSA, 2011).

Pela experimentação em oficinasaulas entramos em contato com a variação nas artes.

Não nos detemos na linguagem, no signo, mas na significância e na experienciação plena das

artes: visuais, teatrais, midiáticas, contemporânea, musicais, relacionais. Entra-se na obra,

absorve-se o conteúdo, arranja-se formas de expressão e impressão frente à produção de

outros. Cada oficineiro ou “auleiro” traz a sua arte, as suas artes, as suas artimanhas e nos

mobilizam a pensar e produzir em nós outros corpos. Outros corpos de sensações resultam da

experiência, que é aprendizado de si. Fazemo-nos artistas. Inventamos em nós a arte.

Conversamos no coletivo o que pode a obra de arte em meio às vidas ali postas. Experimenta-

se: outros autores, outras autorias, outros artistas, a si.

Assim dá-se uma composição, pelo encontro de afetos, sentidos, sensações,

enunciados. Há ali um movimento alteritário. Um Corpo Vibrátil (ROLNIK, 1989) abre-se.

Falamos aqui de um projeto de pesquisa e extensão, chamado Parafernálias, que é para

experimentar, projeto que convoca, nele há um movimento de troca, de mistura, de artistagem

(CORAZZA, 2004), de invenção, de escritura. Busca-se um movimento de abertura de uma

vida, trata-se de Parafernálias.

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2013)

#2_O que é o Parafernálias?

Projeto de pesquisa e extensão realizado de modo cartográfico, artístico e crianceiro.

Onde juntam-se, reúnem-se, enrolam-se, encontram-se professores em formação,

semanalmente, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Uma proposta aproxima: produzir pensamento, criações, artistagens, tendo como disparador

os processos de reflexão e prática na educação especial, na saúde mental, na escola comum,

nos espaços de saúde, na literatura, com imagem e etcéteras.

(Poema visual criado nas Oficinaulas, Parafernálias - Arquivo, 2014)

O projeto parte da necessidade de criação de planos de aula, de outros modos de criar

e fazer aulas. Dessa forma pensa-se em encontros que sejam mais que oficinas, que sejam

uma mescla de oficinas e aulas. Retomamos a oficina como um espaço de criação, onde o

processo de trabalho se dá de forma manual e artesã. Se nos lembrarmos o termo oficina vem

do latim “opificius”, artesão, com a junção de “opus”, obra e “facere”, fazer – fazer de forma

artesanal uma obra. Aula por sua vez nos remete a imagem de uma sala de aula, com cadeiras

em linhas verticais até o quadro negro/verde, a uma professor e um processo de

aprendizagem. Proveniente também do latim, aula, e no grego aulé, remetiam aos palácios,

onde aconteciam as lições, lugares onde se recebia o conhecimento.

Ao colarmos os termos produzimos uma variação, um movimento, uma parafernália,

que chamamos de Oficinaulas. Um “entre” que funciona na produção de conhecimento e

aprendizagem, como na construção da vida como obra de arte. As oficinaulas se prestam à

criação de instrumentos, de dispositivos, de ferramentas para o trabalho com crianças e

adolescentes, jovens e adultos. As oficinaulas versam sobre escola, aula, planos

diversificados, inventos inclusivos, atividades compartilhadas, docência compartilhada,

ludicidade, riso, contemporaneidade na vida e na escola. Em grande medida as oficinaulas

tratam da diferença, da pessoa com deficiência, daquele que vive em fuga, por linhas de fuga.

Para tanto, conceitualiza-se esse espaço de encontro, essas oficinaulas no

Parafernálias, dentro de uma Pedagogia dos Pormenores (RODRIGUES, 2011). Pensar uma

Pedagogia dos Pormenores é estar atento aos pequenos in[a]cidentes cotidianos/ou de uma

vida, onde o menor se potencializa nos movimentos sutis de escuta e escrita.

Nesse espaço habitualmente unário, por vezes (mas, infelizmente, raras vezes) um

<<pormenor>> chama-me a atenção. Sinto que a sua presença por si só modifica a

minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um

valor superior. Este <<pormenor>> é o punctum (aquilo que me fere). Do ponto de

vista da realidade (…) toda uma causalidade explica a presença do <<pormenor>>

(…) o pormenor é dado por acaso e mais nada. (BARTHES, 2009, p. 51).

Trabalha-se com os microacontecimentos, com aquilo que foge ao olhar, a escuta, ao

som, a escrita. Aqueles pequenos restos, sobras que não se tem por importante, com aquilo

que se escapa, com as vidas que escapam e escoam. Olhar para esse pormenor, deixar que ele

nos afete, que ele escape para a gente. De maneira que o ato de aprender se engendre

potencialmente com novas possibilidades de vida e a outros modos de criação e denominação

do que se enfrenta de forma corriqueira. Pormenores e Parafernálias que afirmam um

processo intensivo de aprendizagem, composto num fluxo de linhas desejantes capaz de fazer

variar os modos habituais com que os corpos se articulam: no contrassenso, no dissenso, na

divergência, no inusitado, no paradoxal, no hábito.

Abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais veremos - ou

melhor, para experimentar que o que não vemos com toda a evidência (a evidência

visível) não obstante nos olha como uma obra (uma obra visual) de perda. Sem

dúvida, a experiência familiar do que vemos parece na maioria das vezes dar ensejo

a um ter: ao ver alguma coisa, temos em geral a impressão de ganhar alguma coisa.

Mas a modalidade do visível torna-se inelutável - ou seja, votada a uma questão do

ser - quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa, isto é: quando ver é

perder. Tudo está aí. (DIDI-HUBERMAN, 1998, p.34)

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2014)

Encontra-se na literatura de Kafka e Dostoiévski elementos para pensar a emergência

da exceção, dos detalhes, do cuidado, da atenção, do simples, do cotidiano, do que escapa e se

perde, daquilo que queremos encontrar numa vida romântica, trágica, cômica, produzida na

mistura, contemporânea.

Acompanhamos essa solicitação ao dar espaço, abertura e presença à

literatura, como pudermos e suportarmos. Suportar a certeza de ser um corpo

outro que forma alguma define. Jogar e representar: a ludicidade como

verdade do texto. Infinitos modos de jogar com ele e, quem sabe, nos

descobrirmos música, bicho, silêncio, grão, mulher, criança, inumano. Ah...

porque cansamos do aprisionamento desses corpos de palavras e de mãos que

inscrevem aqui. Queremos poder dissecá-los e levá-los ao extenuamento,

para que se invente outra coisa. A escrita literária nos arrasta com força para

outros mundos da educação. Não os conhecemos, mas tateamos, pegamos no

escuro e os sentimos em pleno vigor de se tornarem o que desejarmos, nos

espaços e tempos que quisermos. Rimos disso e nos encaramos: nossos

sonhos virarão crianças que brincam com restos de ossos, plantando vidas,

em dias e noites de desertos sem fim. Lambemos as próprias feridas, chagas

eternamente abertas, enquanto vivos. É um permitir-se, queimar-se, debater-

se, inventar modos de existência, resistência. Arder. E, corajosos, enfrentar o

deserto quente, árido, impassível e cheio de vidas secas, escondidos durante o

dia, inflamando à noite em busca de algo que não sabemos o que é. Resistir,

leves, e deixar-nos viver em deserto povoado, bem vivido. Fazer nascer

outras coisas, enquanto abortos de outros ocorrem. Quem sabe de que sonhos

somos feitos, até vivê-los? Não somos nem nunca fomos o que carregamos

como crença de nós mesmos. Ainda não pensamos a vida-educação como um

processo. Somos aprendizes. (DALMASO e OLIVEIRA, 2014, p.79).

O referencial teórico baseada nas artes e na filosofia da diferença sustentam a

afirmação da inclusão pela disjunção, pelo que opera unindo, juntando, justapondo,

entrecruzando e separando, simultaneamente. Ou seja, entendemos as aulas, as escolas e os

alunos, sejam eles pessoas com ou sem deficiência, sem cisão entre a potência, a ação, o

desejo, o intelecto, o corpo. A pessoa com deficiência tem por hábito a potência de saber, agir,

aprender, compor-se com outros (SPINOZA, 2011). Não afirmamos a falta, a ausência, a

dificuldade, o atraso, a insanidade, o déficit: fazemos parafernálias que afirmam a vida pelo

cuidado alteritário.

Muito além do que o informe assinala como não apropriado, e muito além

também do que se deveria fazer, o certo é que em nossos países da América

Latina apenas de 1 a 5% da população com deficiência em idade escolar está

no sistema educacional. Como pensar neste dado? O que significa ética e

educativamente que apenas entre 1 e 5% deste grupo (por mais irregular que

seja o conjunto destas pessoas) esteja dentro do sistema educacional dos

países em questão? E não se trata apenas de proclamar políticas de acesso

universal às instituições, quanto à entrada irrestrita de todas as pessoas com

deficiência nas escolas, mas também, e no mesmo ato, criar um pensamento e

uma sensibilidade relacionados ao que significa estar juntos, o “para que”

desse estar juntos, qual o conceito desse estar juntos. Alguém poderia

argumentar, e com sua justa razão, que primeiro se trata de “forçar” de uma

vez o ingresso desta população nas instituições educacionais. Depois, caberia

desenvolver estratégias de formação, didáticas, programas e currículos

adequados para que a convivência e a inclusão sejam significativas. Não

acredito, honestamente, que sejam processos diferentes e/ou consecutivos,

ou, derivados um do outro. Não acredito que primeiro seja necessário

“incluir” e depois pensar do que se trata o “habitar e o estar juntos na escola”.

(SKLIAR, 2015, p.16-17).

#3_Cuidado, educação especial, saúde mental: o que as parafernálias têm com isso?

Este projeto de extensão parte das demandas apresentadas pelos estudantes dos cursos

de licenciatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul quanto à educação de pessoas

com deficiência em espaços escolares comuns. As necessidades dos acadêmicos de graduação

aproximam-se daquelas apresentadas por professores das redes de ensino que atuam em

escolas comuns de ensino, com turmas de alunos com deficiência e outros sem deficiência.

Ambas as queixas tem relação à frágil formação para atuação pedagógica frente a

multiplicidade de modos de aprender, frente às pessoas com deficiência, diante daquele que

incomoda e provoca pensar a deficiência.

Considerando tais reivindicações, de produção de intervenções pedagógicas inclusivas,

compõe-se o grupo Parafernálias. Reunimo-nos, então, a fim de pensar, organizar, planejar e

produzir aulas no ensino comum para alunos com deficiência. O objetivo deste projeto,

através deste grupo, tem sido de estudos, pesquisas e intervenções, que potencializem,

especialmente, a escolarização de alunos com a marca da deficiência mental, aqueles com

deficiência visual, outros alunos que são cegos, os alunos surdocegos, as pessoas com

paralisia cerebral, aqueles alunos com transtornos globais do desenvolvimento, aqueles com

outras síndromes, aqueles que vivem a infância, outros alunos adultos, os alunos de todos os

professores, qualquer infância, os devires outros, a potência do humano em nós...

O Parafernálias volta-se para as vidas que pulsam nas escolas e que estão sob o rótulo

da “não aprendizagem”. Ou seja, queremos pesquisar e intervir de modo a colaborar com

aprendizagens possíveis, entendendo que todos podem aprender desde que, inventados

estrategicamente e com compromisso interdisciplinar, meios para tanto. Há condições de

aprendizagem em todos os corpos. Há possibilidades de aprendizagem em cada um. Remexe-

se em vida aquele que a experimenta pelas suas próprias vias de descoberta, invenção,

curiosidade, criação, dedicação, retomada, revisão, antropofagia... O Parafernálias propõe

uma cartografia do desejo, pois que concentra-se nas relações intensivas de produção e na

força da diferença, por onde se esvai qualquer tentativa de normalização, classificação e

hierarquização das coisas, dos seres e das ideias.

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2013)

Assim o que queremos e estamos a abrolhar neste projeto: as metodologias; os

procedimentos; os recursos; os livros didáticos; o material didático; as ferramentas

mediadoras de aprendizagens; os intercessores do ensino e da aprendizagem; as parafernálias

didáticas; as adaptações curriculares; os mapas curriculares; os jogos educativos; os jogos

tecnológicos; os brinquedos; as brincadeiras; o espírito lúdico; as ações pedagógicas; os

portfólios; as artes, etc.

Configura-se no grupo Parafernálias a interlocução entre diferentes licenciaturas, com

ênfase na diferença. Ambicionamos a potencial criação de um espaço de confluência entre

ciência, filosofia, artes e coisas de escola. Desobrigados, textos e autores. Por abandono de

referências. Catando moldes justos. Necessário à curiosidade. Metodológico na medida do

credo. Prescritivo se assim for manuseado. Didático sim. Por parafernálias epistemológicas.

Por poesias abertas e desobjetivas (BARROS, 2010). “Toda mistura de corpos será chamada

de afecção”, diz Deleuze (2002) em sua aula sobre Spinoza.

O desejo: fazer qualquer coisa que repercuta diferente. Que tenha o óbvio e outras

respostas para o óbvio nem tão óbvio assim. Que lide e trate do simples na educação, dos

menores, de uma Pedagogia dos Pormenores. Que lide e trate do alegre na educação. Que lide

e trate por essas vias a diferença. Assim como quem opta pelo barro, pelos pincéis, por

retalhos e tinta em contrapartida do tédio, do catatonismo, da apatia, da prostração, da

indisposição, do entorpecimento, da indiferença, da exclusão. Uma vida pulsa, no menor

movimento, na menor contração, nos encontros que provocam, e nos que não provocam. O

Parafernálias preocupa-se com o que pulsa.

#4_Do entre(gar-se)

O Projeto Parafernálias é feito de encontros, e é um encontro.

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2012)

Iniciou-se com passos tímidos em 2012/2, com rodas de conversa, num conhecer-se,

de tatear e abrir lentamente o desconhecido. Travando conversas com autores que compõe a

filosofia da diferença, com conhecidos que já mergulhavam nessas leituras. Teve como

objetivo a publicação dos referentes teóricos que auxiliaram como disparadores na criação dos

materiais didáticos e dos cadernos de ações. Teve como objetivo a atuação em oficinas e

cursos de extensão, contíguo à comunidade universitária e comunidade escolar da região de

Porto Alegre. Um início de um corpo vibrátil, mas ainda frágil.

O ano de 2013 possibilitou a criação de um território existencial, de uma

desterritorialização de redes públicas de educação, percorreu-se os municípios de Novo

Hamburgo, Sapucaia do Sul e Porto Alegre juntamente com os professores das redes. Queria-

se nesse ano pensar em materiais didáticos, ou adidáticos, que levasse em consideração as

possibilidades de acessibilidade, aprendizagem e inclusão.

As Oficinaulas ganhavam corpo: dialogavam em zonas de aproximação de um corpo

dançante a uma política de cuidado na educação e na saúde; dos processos de aprendizagem

da docência aos currículos possíveis; dos achadouros de sentido aos processos de inclusão e

conversações fotográficas. Encontros que se davam presencialmente a cada quinze dias e

virtualmente, criou-se um espaço de leitura, estudo, experimentação e aprendizagem inventiva

através da Plataforma Moodle da UFRGS, chamou-se Atelier de Criações Pedagógicas.

Visitas às escolas foram realizadas; troca de cartas entre alunos de escolas e participantes

aproximavam e davam corpo a uma Pedagogia dos Pormenores. O que é menor tem a

potência de estar em muitos lugares ao mesmo tempo, e um livro-invento e um (in)vento

soprou o livro “Parafernálias I – Artes, Diferença, Educação”. Um Entre(gar-se) aos processos

de criação e invenção.

As visualidades, os portfólios, os materiais didáticos inventados, dão a pensar a

educação, ampliando e harmonizando sentimentos e expectativas em relação à atuação em

educação inclusiva, favorecendo modestamente a formação profissional e inserção num

trabalho condigno à ética na educação. Arte contemporânea, poesia, contrassensos, nexos e

educação: apostamos na exploração de artefatos das artes para a inversão de axiomas e

proposições para a educação e, quem sabe, para uma tal inclusão. Definimos que

“Parafernálias é tudo que couber e que não tiver cabimentos”. Temos neste grupo espaço para

a poesia, para olhares tímidos, para cadeirantes, para dançantes, para genialidades, para

dúvidas, para corpos outros, para corpos da diferença. Principalmente para perguntas como:

“aonde podem nos levar esses saberes que não cabem no currículo?”; “quantas irrupções no

ato de ensinar gerarão outro currículo?”; “há currículos possíveis sendo fabricados para a

escola, porém, fora dela?”; “parafernálias são todas as coisas que compõem um currículo não

conteudista, mas, absolutamente aprofundado em suas formas de expressão e conteúdo?”; etc.

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2012)

Os encontros continuaram no ano de 2014 tendo como temas os jogos; as cores do

pensamento; os processos de captura de imagem (fotografia, audiovisual, cinema) e a

educação; deficiência e poesia; literatura surda e EJA; As máscaras que nos compõem e as

percussões que fazem nossa vida e nosso corpo vibrar; de como nos colocamos no mundo

pela performace, teatro, capoeira e arte circence.

Construímos no ano de 2014 participações em encontros de extensão interno a

UFRGS, atividades regionais de extensão universitária, encontros em outros estados,

assistimos filmes ao ar livre, com projeção nas fachadas de prédios e com grande e variados

públicos, com o “cine parafernálias”. Os Inventos continuaram com picnic, livros, filosofia,

rock and roll, circo, capoeira e o lançamento do livro “Parafernálias II – Currículo, cadê a

poesia?”.

Um ano de ampliações dos encontros, de idas e vindas, muitas apostas com bergamota

e chimarrão. Nesses três anos passamos por alguns autores que nos ajudam a pensar a

docência, a contemporaneidade, os jogos e os recursos para a educação e a acessibilidade.

Dentre eles: Giorgio Agamben, tratando do "Homem sem conteúdo" do "O que é o

contemporâneo?"; Barthes com os livros "Mitologia" e "Prazer do Texto"; Galeano em vídeo

e em texto tratando do tema "Alunos", em seu livro "De pernas para o ar: a escola do mundo

ao avesso"; a desbiografia de Manoel de Barros também foi curtida através do Documentário

"Só dez por cento é mentira"; Larrosa em seus textos “Estudar” e “Palavras desde o limbo”

nos fez desconstruir ideias sobre aula, estudo e pesquisa em educação.

Utilizamos o origami para criar jogos, trilhas, cenas e cartas. Usamos folhas A3 e

canetas hidrocor para arquitetar “salas de aula para todos”. Estabelecemos conversações com

convidados. As apresentações, leituras conjuntas e pontuação de textos foram incrementando

as discussões e delimitando uma postura de argumentação e fundamentação teórica para

nossas produções. Incomodamo-nos com algumas das dinâmicas, tendo em vista nosso foco

não ser dinâmica de grupo, também nos desacomodou algumas brincadeiras excessivamente

pedagogizadas. Ficaram nossos suspiros e os olhares quando algum participante do grupo não

nos capturou com suas proposições, com seus jogos ou nem ao menos tentou apresentar-nos

algo. Maravilhamo-nos com aquilo que foi bonito!

Para tudo! Todos os movimentos foram bonitos. É isso, essa inexatidão e divergência

que nos é própria, que é do contemporâneo, de um tempo de fazer-se professor, de um fazer-

se escola contemporânea. Compartilhar destas multiplicidades e se afectar por elas é um

desafio, o nosso desafio. É, para o Parafernálias, muito mais importante a existência do grupo

e a permanência de todos nos processos e invenções. Importamo-nos com os laços de afeto, de

camaradagem, de graça, de ludicidade, de empolgação, de inquietação, de descoberta, e, em

meio a isto, a compreensão dos textos e dos autores estudados e posterior materialização em

materiais acessíveis para a educação de pessoas com deficiência. Não necessariamente nesta

ordem.

Tem sido importante pararmos para assistir um filme ou escutar uma música, fazermos

os nossos diários de Parafernálias, os esquemas dos ateliers de ensino e, ali, imprimir desde as

cenas do filme, as poesias dos encontros, às lágrimas, ao doce dos olhos do personagem.

Vimos muitos possíveis para pensar a arte, a educação e a deficiência, desde que em grupo.

Pois que é possível xilografar memórias potentes para um fazer-se gente. Somos outros após

ver um filme que nos tira o chão e faz pensar. Somos mais do que éramos quando lemos um

bom livro, somos mais um pouquinho de trecos e cacarecos quando curtimos músicas diversas

e divergentes.

Fizemos quebra-cabeças pensando e seguindo passo-a-passo-a-passo os nossos

devaneios e nossos devires infâncias. Manipulamos colas, tesouras, fios, folhas, fitas, giz,

pincéis, canetões, grampeadores, tecido, etc. Rasgamos, olhamos para o lado, levantamos e

sentamos, falamos juntos, gritamos, competimos, invertemos a ordem das falas, falamos

baixinhos, tivemos chorinhos em sala de aula, tivemos bebezinhos sendo gestados e cuidados

por nós. Entre os coordenadores das oficinaulas, pesquisadores, colaboradores e participantes,

o Parafernálias conta com especialistas em Audiodescrição, Libras e Acessibilidade. São

pessoas que experimentam a existência em meio à deficiência.

#5_Parafernálias, literatura e etcéteras: para conclusões transversais

Os conceitos filosóficos são também para aquele que os inventa ou os libera, modos de vida e

modos de atividade. (DELEUZE, 1985, p. 80.)

(Oficinaulas Parafernálias - Arquivo, 2014)

Compomo-nos num viver-juntos e ali, nesta abertura, nesta zona, que inventamos

nossas regras e as instituímos. Contamos com o nosso entusiasmo, e daqueles que querem

pensar Parafernálias para a educação, de pensar o que não é uma aula, e sabemos que o

Parafernálias não é, mas, pode ser uma, ou devir uma oficinaula. Criamos modos. De vida. De

escrita. De pensar a deficiência. De pensar a saúde. De pensar a Educacão. De brincar. De

chorar. De cuidar. De ler. De artistar. De criar. De intuir. De divulgar. De convidar. De sair.

O projeto completa 4 ano em 2015. As alterações, as mutações e nossa composição

ainda estão acontecendo. Teremos uma prova, um vídeo, mais textos e convidados. Ainda

vamos plantar balões. Nosso piquenique na Redenção está confirmado! A excursão para as

escolas estão logo ali. Faltam-nos os passeios de bicicleta, as visitas às brinquedotecas, a

investigação em lojas, etc. Até o fim deste “jogo de parafernálias” seremos outros. Somos

pontuais. Não desmarcamos agendas. Temos inúmeros parceiros. Sempre há que possa

assumir a palavras. Não temos uma autoria, mas co-autorias do Parafernálias. Tem-se o desejo

de duração, justamente por isso aqui registramos um pequeno número de palavras que

atualizam nossa proposta. Para duração é preciso memória e atualização. Seguimos com

novos membros no grupo, com bolsistas e pesquisadores, assim como interessados da

comunidade. Os espaços que percorremos são variados, exigem atenção, preparação,

adequação, cuidado. Essas são nossas proposições, prospecções e investimentos, e delas nos

ufanamos por vezes.

Teremos ainda nossas Óperas, onde operaremos com os conceitos do que é o

Parafernálias. Que dispositivo, que ferramenta é essa? O que são nossas oficinaulas? Teremos

Saraus para cartografarmos a cidade. Cinema ao ar livre. Muita cor. Imagem. Conversa e

Encontros. Tudo o que queremos é dar língua para os movimentos do desejo, para os afetos

que pendem passagem, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido é

bem vindo (ROLNIK. 1989).

Quer-se com o Parafernálias, mais do que lattes, pontos, felicidade: epifania e graça!

Quer-se: encantamentos, palavras por fazer, lugares para ocupar, lufada e magia, pormenores

e tintas. Quer-se-ser imagens vaga-lumes que no “limiar do desaparecimento, sempre movidas

pela urgência da fuga, sempre próximas daqueles que, para realizar seu projeto, se escondiam

na noite e tentavam o impossível” (DIDI-HUBERMAM, 2014, p. 156). Imagens-lampejo

sempre a brilhar nas noites escuras, emitindo possíveis, de poesia e de criação.

#_REFERÊNCIAS

BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

CORAZZA, Sandra. Currículo: artistagem de educadores culturais. In: Currículo: textos

reflexivos. São Paulo, 2004.

DALMASO, Alice & OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Proliferar leituras em educação (ou

sobre aprender a costurar palavras para sermos outros). In: GAI, Daniele Noal & FERRAZ,

Wagner. Parafernálias II - Currículo, cadê a poesia?. Porto Alegre: Indepin, 2014.

DELEUZE, Gilles. As praias da imanência. In: LYOTARD, François, CAZENAVE, Annie

(orgs.) L´art des confins. Mélanges offerts à Maurice De Gandillac. Paris: PUF, 1985, p. 79-

81 (tradução de Tomaz Tadeu da Silva).

DIDI-HUBERMAM, Georges. O que vemos, O que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.

LAROSSA, Jorge. Experiência e Alteridade em Educação. Revista Reflexão e Ação. Santa

Cruz do Sul, v.19, n.2, p.4-27, dez. 2011.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Porto

Alegre: L&PM, 2008.

RODRIGUES, Elisandro. Pedagogia dos Pormenores: Rendi[o]lhando foto[car]tografias de

formação. Porto Alegre: UFRGS, 2011. Monografia (Especialização em Educação em Saúde

Mental Coletiva, PPGEDU/EducaSaúde/UFRGS) – Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, Porto Alegre.

ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Transformações contemporaneas do desejo.

Editora Estação Liberdade: São Paulo, 1989.

SKLIAR, Carlos. Incluir as diferenças? Sobre um problema mal formulado e uma realidade

insuportável. In: Revista Artes de Educar. Volume 1, Número 1. UERJ: 2015.

SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.