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PEQUENOS MONUMENTOS QUE ATESTAM O INÍCIO DA POSSIBILIDADE

Ana Rito & Hugo Barata

07.07.2015 – 01.08.2015

Sala do Veado — Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Para a Maria

PEQUENOS MONUMENTOS QUE ATESTAM O INÍCIO DA POSSIBILIDADE

Ana Rito & Hugo BarataRealtà dell`imagine

1. Cinema-Theater (draft)Bestiarium Theater and Garden of Violence, War and Happiness (1986), ensaio escrito por Rüdiger Schöttle no qual concebe e descreve Theatergarden - projecto herdeiro da mise-en-scéne característica dos jardins barrocos dos séculos XVII e XVIII, no seio dos quais uma combinação de mundos aparentemente contrários emerge: elementos natu-rais e artificiais mesclados numa espécie de cacofonia operática - está na origem de uma instalação colaborativa Theatergarden Bestiarium, onde participam treze artistas entre os quais Dan Graham, Juan Muñoz, Hermann Pitz ou James Coleman, apresentada em 1989 no Institute for Contemporary Art, P.S.1. A criação de uma plataforma (com design do próprio Schöttle e produzida por Chris Dercon) on going, permite observar em si-multâneo as várias intervenções (que deveriam imanar umas das outras numa espécie de fluxo contínuo, não resultando numa simples justaposição ou collage mas antes ob-servando e relevando o processo de desenvolvimento e articulação de conceitos) assim como um mecanismo de fusão em tempo real de música, arquitectura, escultura, teatro, fotografia e filme. A proposta curatorial aponta assim para uma realidade multíplice e participativa na qual o espectador é convidado a percorrer um rasto - por entre plantas, fontes, lagos ou esculturas barrocas transportadas para a contemporaneidade através de projecções de imagens de pinturas, de stills de filmes ou de diapositivos - sobre este plateau construído a várias mãos: jardins, montanhas e vales em miniatura desenhados por Christian-Philipp Müller e Alain Séchas, gotas de água e uma cascata por Hermann e Marin Kasimir e música de Glenn Branca. Após esta sua primeira apresentação, Thea-tergarden Bestiarium (exposição-performance-ambiente) foi exibida noutras situações, mantendo a ideia de site-specificity e obrigando a algumas alterações no seu formato e intervenientes: Teatro Lope de Vega em Sevilha, Chateau d’Oiron ou Le Fresnoy / Studio National des Arts Contemporains. Atento ao ressurgimento do conceito de jardim-teatro neste projecto, Dan Graham cria Cinema-Theater (1986) como uma síntese engenhosa do Jardim de Versailles e do de-sign de Hollywood e propõe uma nova configuração e um novo entendimento, sobre o qual discorre longamente no ensaio do catálogo desta exposição intitulado The Garden as Theater as Museum (O Jardim como Teatro como Museu). O artista associa uma sala de cinema (movie-theater) ao espaço do jardim (garden-theater) onde o ecrã de projec-ção é substituído por vidro espelhado (dupla-face) no qual é projectado o filme The Rise of Louis XIV de Roberto Rossellini. Em vários textos autorais que abordam as evoluções da forma teatral, Graham apoia o seu projecto num conjunto de referentes históricos e contemporâneos, em que os trabalhos de Manfredo Tafuri (ou Teatrino de Pino Pascali de 1965) ocupam um lugar essencial, criando ligações teóricas entre a percepção do espaço, o poder e o lugar do sujeito.Pequenos monumentos que atestam o início da possibilidade aproxima-se (com a devi-da distância) desta dimensão experimental e colaborativa de Theatergarden Bestiarium,

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Ana Rito & Hugo Barata

manifesta na performatividade inerente a todo o processo de criação e exposição de conceitos, no delinear de uma estratégia investigativa: situar a prática artística e curato-rial entre noções diversas de palco e de ecrã no reposicionamento dos seus mediadores - privilegiando (elasticizando e definindo) uma “zona de contacto” que se efectiva quer no espaço expositivo quer, mais concretamente, na experiência da instalação/ambiente que posta em cena o corpo de um espectador movente e activo na condução do seu próprio processo perceptivo. Não saber se a pintura de Hugo Barata antecede o vídeo de Ana Rito, ou vice-versa, re-sulta de uma sensação de abandono a um presente contínuo, onde o gesto de efectiva, onde a coisa se dá a ver, onde não se sabe o passado ou o futuro, apenas se assiste à aparição da imagem.Estas ficções experimentais revisitam os universos e as imagéticas pessoais de cada artis-ta, num entrecruzar de discursos e possibilidades interpretativas onde a pintura, a foto-grafia, a literatura, a arquitectura ou a performance coabitam e despoletam uma dinâmi-ca introspectiva e envolvente, permitindo ao espectador a deambulação pelos espaços psicológicos, emocionais, conceptuais e mesmo físicos que o trabalho constroi. A própria Sala do Veado permite expandir o processo de metamorfose, na produção de uma nova forma de descontinuidade narrativa que convoca o espaço físico: a arquitec-tura torna-se elemento estruturante do projecto, pondo em relação uma diversidade de componentes áudio-visuais – imagens em movimento, sonoras ou mudas (sequências e loops) e imagens fixas. É construído um mundo guiado segundo um princípio de repe-tição-variação que afecta a linguagem, os corpos e os lugares, na reunião essencial de várias expressões e no confronto de universos de matérias a partir dos quais estabelece esta proposta, criando formas a partir de formas já existentes, corpos a partir de corpos, espaços a partir de espaços. As imagens, os sons, os movimentos ou as palavras são reinventadas, re-mediadas desde o seu interior, mais especificamente nos seus “interva-los” - de um conceito para outro, de um artista para outro, de uma disciplina para outra - criando constelações (zona de contacto) em trânsito constante, onde a contaminação de elementos resulta numa narrativa fragmentada (e consequentemente incompleta). A natureza on-going (e profundamente ficcional) do projecto manifesta-se sobretudo na Residência para Autores proposta por Ana Rito, no decurso da qual o texto analítico ou descritivo é substituído pelo “texto aberto” (que assume várias configurações), de carác-ter iminentemente criativo, num exercício de índole investigativa e “laboratorial” (assim como a apresentação de uma nova peça conjunta no final do projecto).

2.As estátuas também vivem/ Les statues vivent aussiLe Mot et le Fântome/A Palavra e o Fantasma (2015) e Amatoria (2015) de Ana Rito são

uma colecção de poesia, silêncios e duas estruturas cinematográficas, que exploram no-ções de vida e morte. O alinhamento dos filmes corresponde à leitura de quatro poemas (inaudíveis) que, apesar de se debruçarem sobre conteúdos diferentes, aproximam-se através de um sistema complexo de significados, onde a palavra, o texto dito, irrompe por entre a obscuridade da metáfora ou alegoria. A mise en scène remete-nos para uma sala escura, sem demarcações arquitectónicas: um negro do qual irrompe um corpo que sussurra, embala e se enamora. É no silêncio que se adivinham as palavras, as estórias, a lenga-lenga, que parece ecoar na escuridão. Escuridão essa que faz nascer o fantasma. Fantasma esse que torna à tenebra, mas só depois de, candidamente, assombrar o já morto, assombrar a própria morte, fixa na pedra. Da mesma série (a que Ana Rito intitula de Petits Poèmes Visibles), Le Buste (2015) apresenta uma espécie de corpo-escultura habitado ou animado por uma voz-off (a de Jean Cocteau numa gravação do poema homónimo de 1929) que se lhe dirige. Esta voz é poluída pela sonoplastia de Pleura (2015) convocando a artista uma espécie de cacofonia assistida, intervalada por largos períodos de suspensão/pausa que activam o próprio respirar do espectador. O grão da voz encontra eco nas concavidades do corpo e seus esconderijos, convocando quer o sussurrar, a mudez (aglossia) ou a polifonia atroante. Num espaço dominado também pelo negro, em Le Buste, o foco do espectador é conduzido para o rosto da actriz e para o gesto inexistente de um busto petrificado, estático, que materializa esta voz quasi-físi-ca, pesada mas vivente, discursiva mas metamorfoseada pela banda sonora abstractiza-da de Pleura (a escultura parece resgatar para si o som, o ruído do mar, transferindo-o para o seu interior outrora vazio e mudo) que acentua o carácter experimental das peças. É examinada a possibilidade escultórica do som, a presença física da voz que constrói o seu próprio lugar: a voz é deslocada da boca, garganta, tórax e pulmões para os ombros, para os olhos, na edificação de todo um novo ser comunicante. Estas duas peças de Ana Rito exploram a musicalidade do silêncio, ou das acções silenciosas através de três rela-ções primárias: o potencial interpretativo associado à “estaticidade” do corpo, criação de vocabulário sonoro-gestual-visual (e a sua não coincidência) e uma espécie de narrativa omnipresente ao mesmo tempo que secreta e indiscernível. A fotografia The Dead Poet (2015), still de um filme super 8 não editado, parece fechar este círculo.Paisagem Demorada (Hugo Barata, 2015). Demorada porque expandida. Demorada por-que fragmentada, porque dispersa, porque espaçada. O artista acentua a horizontalida-de da narrativa com o travelling a que obriga o espectador, quebrando-a na figura de um plinto que exibe um livro de colecção (da sua colecção particular), da década de 1950, no seio do qual se encontram cinco fotografias de arquivo intervencionadas e colocadas cirurgicamente com o auxílio de pequenos pedaços de gesso. Estas fotografias resultam de um trabalho minucioso de recolha e arquivo de imagens onde o mar surge como uma espécie de personagem, humorado, animado. O livro, referente a reproduções de pinturas e esculturas clássicas, reúne um conjunto de gravuras do qual Hugo Barata terá elegido duas: uma mulher e um homem que decide afastar do âmago da instalação para os colocar na entrada da Sala do Veado, como observadores, como interlocutores de toda a trama. Ao homem sobrepõe o mar, submerge-o nas águas negras. À mulher deixa só, como pilar de todas as imagens.

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Ana Rito & Hugo Barata

There exist what we call images of things,Which as it were peeled off from the surfacesOf objects, fl y this way and that throught the air…I say therefore that likenesses or thin shapesAre sent out from the surfaces of thingsWhich we must call as it were their fi lms or bark1.

A materialidade de uma imagem, e a iminência do toque, manifesta-se na superfície ten-sional do mundo e das coisas, transportando-nos, de quando em vez, para locais inaces-síveis, implausíveis e imensuráveis. Para Lucrécio a imagem é uma coisa fl utuante, em trânsito, que deixa rastro, abre fendas e ostenta cicatrizes, como uma pele, como uma pe-lícula. A “inelutável modalidade do visível” (ineluctable modality of the visible) sugerida por Joyce em Ulisses, aponta a invasão, o “encavalgamento” entre o olhado/tocado e o que olha/toca como se a tactilidade fosse prometida, de uma certa forma, à visibilidade. Cada trabalho é uma pesquisa e acarreta consigo outras possibilidades de investigação, logo é precisamente no interstício das coisas que o pensamento fl ui e que outras ima-gens são chamadas. O molde de gesso ao fundo indicia a natureza transitiva de Peque-nos Monumentos.The Reference (another small fi re), de 2015. O que acontece quando observamos uma pintura que nos conduz a uma fotografi a, ou o que aparenta ser uma fotografi a? E se essa fotografi a, agora pintura, estiver a meio de um processo de destruição, em ruína? Hugo Barata coloca o espectador no âmago de um processo ambíguo que resulta de uma constante migração entre estados e territórios distintos e comprometidos com as suas “falas” e agentes: fi guras espectrais que se repetem, nos mesmos enquadramentos, nos mesmos gestos, no mesmo silêncio das suas pinturas, desenhos e fi lmes (e algumas esculturas). Esta permanência entre dois planos e entre dois actos - entre a mão e a vi-são - parecem coincidir com o jogo subtil (e revertível) entre movimento e estaticidade que o artista permite ao seu espectador (que, na sua própria mobilidade, percepciona a pequena fi gura quieta e em sombra – a iluminação é desenhada de forma a não revelar totalmente a imagem-coisa). A tensão activada pela intersecção destes estados acciona a potencialidade do instante. A imagem (no seio da nossa investigação) opera no sentido em que esta direcciona a atenção do espectador para um momento específi co no tempo - em direcção ao real e construído por si – mas através de mecanismos ilusórios ou fi ccio-nados, utilizando-se precisamente da dialéctica estabelecida por intervalos perceptivos distintos e de natureza oposta. Este “corpo a corpo”, manifesto em forma de encontro, este “momento da visão”, provém da interseção (intuitiva) entre a ilusão e a realidade, o real e o virtual, resultando numa “sensação momentânea de presença”, no seio de um qualquer cinema-theather.

AnaRito&HugoBarata, Julho de 2015

1 Titus Lucretius Carus, DE RERUM NATURA (On the Nature of the Universe: a new verse translation by Sir Ronald Melville). Oxford: Claredon Press, 1997, p. 102.

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Ana Rito & Hugo Barata

Hugo Barata, 2015, The Reference (another small fire), óleo sobre linho, 25x30.

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Ana Rito & Hugo Barata

Vista da Exposição

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Ana Rito & Hugo Barata

Still videoAna Rito, Pleura, 2015. Vídeo 4k transcrito para full HD, p/b, som, 14’ 17´´, [loop]. Dim. Variáveis. 1/3.

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Ana Rito & Hugo Barata

Still videoAna Rito, Pleura, 2015. Vídeo 4k transcrito para full HD, p/b, som, 14’ 17´´, [loop]. Dim. Variáveis. 1/3.

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Ana Rito & Hugo Barata

Still videoAna Rito, Pleura, 2015. Vídeo 4k transcrito para full HD, p/b, som, 14’ 17´´, [loop]. Dim. Variáveis. 1/3.

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Ana Rito & Hugo BarataJOSÉ BRAGANÇA DE MIRANDA

Ana Rito: uma metafísica do vídeo

Aidons l’hydre à vider son brouillard.MALLARMÉ, Divagations

Todos os verdadeiros acontecimentos estão envoltos do pequeno mistério a que se cha-ma acaso ou um deus qualquer. Entra-se na Sala do Veado, banhada por uma lumino-sidade difusa, quase não-eléctrica, qualquer coisa acontece. O olhar dispersa-se pelas obras de Ana Rito e de Hugo Barata. É preciso detê-lo, por exemplo sobre Pleura, um vídeo projetado numa das paredes. Também as paredes mostram o passar do tempo, a ruína que serão. Vagueia pelas outras e regressa a essa, depois, com outro olhar, ligado à escrita ou ao pensar.

A exposição procura pensar “o início das possibilidades”. Que melhor maneira de fazê-lo senão por um ingresso na “história natural”, num museu que a apresenta em cristais e minerais com formas caprichosas, informes ou sem forma reconhecível? Se é que uma história natural ou da natureza é possível, quando estamos sempre do lado de lá da Physis, quando tudo o que fazemos passa por pô-la à distância, numa tarefa infindável e votada ao fracasso. As forças elementares embatem como ondas no “círculo fechado” dos “monumentos” e do monumental, batem às portas da cidade, arruínam as muralhas, confundem as leis.

Tal como as antigas almas criavam os corpos, também são as imagens que criam a histó-ria e permitem comunicar com essa exterioridade absoluta a que chamamos “natureza”. Elas são embaixadoras da Physis no seio da história e a mesma matéria do pensar. Espe-cular é pensar com imagens, dizia Giordano Bruno. Sabia-o bem Lucrécio, e a exposição coloca-se sob o seu sortilégio, esse poeta-pensador que atravessou subterraneamente todo o pensamento ocidental, oculto pela demasiada evidência da linha principial que vai de Platão a Hegel, e de que temos dificuldade em desenvencilharmo-nos. Nem a fisiologia do olhar conseguiu abolir esta velha estória sobre a separação das imagens e das coisas (e das palavras, decerto, porque não existe história sem palavras e o conceito depende delas), a criação de uma pele ou de uma casca que fazem sentido entre si, que criam uma superfície. Pura cosmética diria o velho metafísico, exigindo a saída da caver-na das imagens, para ir às coisas - ao absoluto.

Mas para Lucrécio as imagens são as coisas e as coisas são imagens. De facto só existe

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Ana Rito & Hugo Barata

superfície, a qual se dobra e desdobra como uma espécie de trança de Moebius, onde não há diferença entre interior e exterior, entre superfície e profundidade. Diante da den-sidade da matéria e da carne, as criações dos humanos, as suas laboriosas construções, as cidades e os seus subterrâneos, as estações orbitais e os satélites, a diferença deixa de contar, tudo parece uma delegada película, uma pleura. Dada distância ao núcleo da terra, tudo o que construímos equivale bem aos milímetros da pele. Como disse Walter Benjamin: “Os insignificantes cinco milénios do homo sapiens correspondem, em com-paração com a história da vida orgânica na Terra, a qualquer coisa como dois segundos no fim de um dia com vinte e quatro horas. E toda a história da civilização humana, se a inseríssemos neste registo, mais não seria do que um quinto do ultimo segundo da ultima hora”. Vistas bem as coisas, uma mera improbabilidade que se realiza.

É o milagre do improvável que alimenta a especulação lucreciana. De facto, as coisas dividem-se, as superfícies dos lagos criam imagens, os desfiladeiros sons e os animais outros animais. Fantástica reprodução esta, que o olhar pensamento captura e que a poesia fixa. E se a poesia foi a primeira técnica de produzir o impossível – e ela esteve sempre ao trabalho - novas possibilidades surgem quando a técnica se separa da poesia. A sua essência pode ser pensada à imagem do Deus Jânus - esse deus dos batentes e das portas - articulando entre natureza e história. Por um lado, extrai objetos ou partes da “natureza” e envia-os para a história. A técnica subtrai à natureza e mobila a história. Com o aumento da mobília no mundo parece que a natureza está longe, fica ao longe. Erro.

Daí o espanto provocado pela fotografia no século XIX. Não menor do que o provocado pela pintura nos metafísicos, mas com outro peso. Indicia uma mutação decisiva quer da nossa poética quer da técnica. A fotografia implica uma peculiar “anatomia das imagens”, para desviarmos uma fórmula de Hans Bellmer. Como bisturi penetra na carne, divide-a, separa as suas camadas sobrepostas, também a fotografia se introduz entre o olhar e as coisas. É um escalpelo do real. Ao introduzir-se entre o olhar e as coisas subtrai imagens, como se deu conta Balzac, com terror, e acrescenta coisas, produz novos objetos, e com isso cria novas possibilidades. O que esteve sempre dissimulado pela poesia dos tem-pos, “o início das possibilidades”, revela-se fisicamente, ganha nova consistência.

Subtraídas à natureza, aos corpos, as imagens adicionam-se-lhe de novo, numa espé-cie de segunda produção, a que se seguem outras. Assim, o Apolo de Belvedere é um acrescento, através do qual se estabelecem ligações de todo género e se criam novos espaços. São ligações míticas, teológicas, poéticas. Originadas no desejo de eterno que elas próprias suscitaram, são impotentes: o mármore continua a desfazer-se, o que é

um fazer outro da natureza, perdendo a forma para ganhar outras, inumanas e brutais. Bataille falaria aqui de informe. Se tudo vem da Physis e a ela regressa, como pode haver acrescentos e adições? Como produzir algo “novo”? Talvez seja porque a arte (a poesia) cria um espaço em suspenso, imune à natureza mas sustentado por esta, onde podem iniciar-se possibilidades. Mesmo se impossíveis, como animais imortais, corpos pesados que voam, anjos e deuses.

Trata-se de pura produtividade que quando junta ao poder cria o fenómeno inverso. O de um espaço delirante, mas absolutamente racional, ficando-se aprisionado nas “ima-gens” e no “cinema” que elas dominam. Os sacrifícios astecas ou os sacrifícios cristãos são racionais dentro de um mundo coeso e fechado da imagem e do seu cinema. As suas ligações fortes e obsidiantes. Foi esse “o erro de Narciso”, segundo Lavelle, e o de todo o espelho e espelhismo. A capacidade de fixação da fotografia revela a lógica da fixação histórica. A criação de espelhos que criam a realidade aparentando reproduzi-la. Mallar-mé define o espelho, num belo verso, como “Eau froide par l’ennui dans ton cadre gelée”, onde os sonhos resvalam e as sombras são aprisionadas. O poeta prefere às superfícies frias e ao gélido espelho a água, aquela que liberta Narciso pela morte. Mas o espelho está sempre a fender-se, o gelo também, e o sonho cristaliza-se numa poética histórica, que atravessou os tempos inconscientemente. A vontade de fixar o sonho ou o delírio não impede que, na sua relação subterrânea com a Physis, a água por exemplo, outras possibilidades livres estejam presentes.

No fundo, entre o platonismo e Hegel instalou-se uma forma especulativa do mundo, de que o capital especulativo é um sintoma, que se baseia na oposição entre devir e estático, e na implantação de formas estáveis a partir dessa oposição. O vídeo de Ana Rito intervém profundamente nesse espaço metafísico. De facto, o especulativo criou as categorias e as oposições, centrando-se em torno do movimento e do devir, e não do parado. A ideia de que a metafísica quer o estático é ilusória. O estático funda-se numa interpretação do devir e do transiente. O famoso rio de Heráclito está sempre a fluir, mas não a palavra rio, que a fluir o faz apenas poeticamente. O devir é uma palavra e um conceito que não fluem, mas que têm uma relação ao movimento imparável da Physis.

Nas “filosofias” do transiente ou do estático, enquanto tais elas fazem parte da mesma estratégia, persistem momentos incontroláveis e que têm de ser libertos. A arte moder-na tem aí um papel. Assim, no especular estão as coisas sem porquê, os reflexos e as sombras ainda antes de haver vida e animais e muito menos humanos. Algo de primitivo como o som dissonante e brutal que irrompe da superfície da água de Pleura e que gostaríamos de atribuir ao terror pânico que origina a deusa. O simples ver (ou ouvir ou tocar) as coisas divide-as, cria imagens e todas as réplicas e repetições, sem que a per-mitividade inicial seja abolida. Dada a plasticidade das imagens a sua ligação é quase imediata, as sereias surgem, pois elas são a matéria do pensar, e na busca de incorporar--se criam os seus adoradores, os seus místicos, que as sonham e criam “filme” com elas.

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Ana Rito & Hugo Barata

Depois, num terceiro momento, quer-se sair do mundo do sonho ou do pesadelo e co-meçar em busca do real, domina a produção e a realização, o tornar real das imagens. É esse o momento culminante do especulativo ocidental, bem perigoso pela sua vontade em realizar o absoluto: a imortalidade pela religião ou a medicina, o bem pela sabedoria ou o direito, etc.Tal como a fotografia revelava o primeiro momento, o de um descolar das imagens e a sua plasticidade, o cinema revela o segundo. Deste ponto de vista, percebe-se como estava errado Bergson quando descreve o cinematógrafo como modelo da metafísica ocidental, opondo mais uma vez o movimento puro e o movimento falso do mecâni-co. Diz ele: “Em vez de nos prendermos ao devir interior das coisas, postamo-nos fora delas para recompor artificial- mente seu devir. Tomamos vistas quase instantâneas da realidade que passa e, como elas são características dessa realidade, basta-nos enfieira--las ao Iongo de um devir abstrato, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecimento, para imitar o que há de característico nesse devir ele próprio. Percepção, intelecto, linguagem, geralmente procedem assim. Quer se trate de pensar o devir, quer de exprimi-lo, quer mesmo de percebê-lo, não fazermos realmente nada além de acionar uma espécie de cinematógrafo interior. O mecanismo de nosso conhecimento usual é de natureza cinematográfica” (Evolution Creatrice). Bergson não se dá conta de que o cinema por contar estórias revela a natureza mítica da Grande História, e que só com essa nova mecânica isso era pensável, abrindo a outras possibilidades do programa especulativo. Nesta perspectiva o vídeo constitui algo de novo. É isso mesmo que Pleura nos permite pensar, apontando para uma fina película e relendo Lucrécio e toda a nossa metafísica. É a água que alimenta a imaginação mate-rial de Ana Rito e que reverte o especulativo às suas origens. À primeira vista ainda nos manteríamos na oposição metafísica do fluir e do parado característico da estratégia bergsoniana, a que Gilles Deleuze deu a configuração mais influente na contemporanei-dade. A estátua dentro de água e o seu permanente escorrer parecem indicá-lo. O vídeo consistiria em pensar por imagens as velhas oposições do fluxo, do devir e do estatuir ou do monumental. Seria o velho cinema, a que se opõe o vídeo. É certo que a superfície da água nalguns momentos ocupa todo o ecrã, mas o seu exterior confina-a e mesmo se aprisionada no frame, teima em escorrer, embora escorra como a água de Poe (The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket), que se podia cortar à faca, agora isso é feito fotograma a fotograma, pixel a pixel. Mesmo a estátua de uma deusa, a do outono, só está ilusoriamente parada, dividindo-se ou cindindo a sua aparente paragem. Assim as dobras e pregas das vestes estão em movimento invisível relativamente ao corpo, não precisando de ser uma estátua sublime à Winckelmann, pois toda a estátua e todo o ob-jeto inclui movimento, nem que seja o da entropia e arruinamento de tudo.

Bergson usa a fotografia para criticar o cinema e este para demolir a metafísica. Ana Rito em Pleura usa o vídeo para salvar ambos, fotografia e cinema. E ao mesmo tempo recu-perar a força iniciante da metafísica, ou seja, a anti-fisicalidade das imagens. Através do vídeo constrói uma cena improvável, uma estátua mergulhada na água, posta em movi-mento pelas pequenas ondas, que a refletem, ao mesmo tempo que é refratada e ondu-lada pela camada de água. Ondula a pedra enquanto que em breves cenas o rio aparece completamente fechado no frame, que o captura impossivelmente, pois ele cai para a foz, para o fim, arrastado pela sua pulsão natural. Será possível inverter o movimento do rio, pará-lo, deixando que os pixéis das pequenas ondas coincidissem com os pixéis da imagem-vídeo. Mas é na cena final, onde surge a cabeça da estátua, e não o corpo ou os pés ondulantes, a qual pensativamente se vira para a origem do contramovimento que constitui o humano.

Duas direções opostas, a da água a escorrer dominada para o fim, e a da estátua a olhar os princípios. Pleura retraça toda a metafísica, revela-a e reverte-a. Revela a força, mas também a inexequibilidade de fazer da água a imagem do devir, onde se fundam o de-sejo de absoluto e de eternidade. Como refere Beckett ‘You’re on earth, there’s no cure for that’ (Endgame). Na encenação do fluir de Pleura existe um poder convulsivo que revela o essencial. O devir é a tradução poética do movimento da Physis, feito de ruína, da entropia, de catástrofe. Todo o mistério da metafísica não está em inventar um outro movimento, mas de parar. Eis o que o vídeo revela, na sua desconstrução da metafísica, é na impossibilidade de parar, no saber disso, que nasce o humano.

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Ana Rito & Hugo Barata

Isabel Sabino, 2015, Búzio (Isabel com Ana, Germaine e Sophia), técnica mista s/papel, 29,7 x 21 cm.

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Ana Rito & Hugo BarataMARIA TERESA CRUZ

Mo(nu)mentos e PossibilidadesDiálogos da arte consigo mesma e com o tempo

As obras de Ana Rito e de Hugo Barata vestem a sala em cimento do Museu da Ciência como uma pele (Ana Rito). Os filmes, as fotografias, os desenhos e objetos, produzem um conjunto cromático e espacial de grande rigor e sintonia, integrando a seu favor a forte severidade da sala, que às vezes se torna mais exuberante do aquilo que nela é mostrado. Não se tratando da apresentação de uma instalação, trata-se contudo de uma exposição verdadeiramente instalada, onde o gesto curatorial dos próprios ar-tistas se torna tão relevante como o gesto artístico, com enorme mestria plástica, visual e espacial.

No conjunto de imagens projetadas que compõe três núcleos videográficos, invoca-se especialmente este encontro entre a pedra, a pele e as imagens, que são ou-tras tantas películas do mundo. Nesses vídeos invoca-se a estatuária, o corpo e o molde em gesso e as interfaces que entre eles se produzem, como lugares onde a arte nego-ceia alguns dos seus grandes mistérios: o da relação entre ideia e matéria, vida e forma, superfície e profundidade, fixidez e o movimento, eternidade e tempo. Em torno destas injunções jogaram-se alguns dos elementos estruturantes da arte clássica, como se joga-ram também algumas da mais importantes ruturas do moderno, e se jogam ainda hoje algumas das possibilidades em aberto pelas imagens contemporâneas. Mobilizadas pela atualidade, a performatividade e o movimento, em contraste com aquelas outras, clássicas, aprisionadas pela forma, a fixidez e o desejo de eternidade, também elas pro-curam, desde o moderno, a sua relação ao tempo.

Nada evocará melhor o desejo antigo de intemporalidade da arte do que a pedra e o monumento. E nada denunciará melhor a ambição do classicismo ocidental do que a vontade de fixar, nessa petrificação, a mais perfeita harmonia das coisas, no-meadamente a do humano. A arte clássica é, por definição, uma busca da imortalidade, mas também um ideal que torna a natureza e a transcendência comparáveis com a vida humana. Aquela arte que faz monumentos aos deuses com a escala e a sensualidade do corpo humano, e dá aos humanos a forma perfeita de Deuses em imagens de pedra. O lugar deste encontro entre imortalidade e vida é, para quase todos, o das estátuas gregas e renascentistas. Elas invocam, melhor do que qualquer irrepreensível fachada ou objeto arquitetónico, o ideal da beleza clássica. Na estatuária clássica insinua-se o sangue que corre nas veias de um corpo, a sensualidade de uma pose, a expressividade de um gesto e a nobreza do carácter. Sendo verdade que nenhum destes elementos chega a perturbar a beleza ideal e a superfície lisa da pedra, é também verdade que faz

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Ana Rito & Hugo Barata

Je suis belle, oh mortels, comme un rêve pierre.Et mon sein, où chacun s’est meurtri tour a tour,Est fait pour inspirer au poète un amourEternel et muet, ansi que la matirère.(,,,)Les poètes, devant mes grandes attitudesQue j’ai ‘air d’emprunter aux plus fiers monuments,Consumeront leurs jours em d’austéres étudesCar j’ai, pour fasciner ces dociles amants,De purs mirroirs qui font toutes choses plus bellesMes yeux, mes larges yeux, aux clartés éternelles.

Que a arte não é pura imitação da realidade, sabiam-no já os gregos, que por isso hesitavam quanto às imagens. O ideal que desde então aprisiona as imagens na fixidez de uma forma vem contudo ainda através da matéria, como bem mostra o molde em gesso que cobre parcialmente o corpo da atriz no vídeo “Le Buste” (2015), e no qual se ouve o poema com esse título de Jean Cocteau. Os gessos, que Ana Rito filma no pró-prio depósito da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, são a evidência dessa negociação entre corpo e estátua, entre vida e matéria inerte, entre imagem e ideal, onde um corpo ideal literalmente toma forma a partir de um corpo particular. Como um corpo intermé-dio, entre o ideal e o particular, deixa-se tocar e contaminar por essa imagem concreta e vivente para a aprisionar e imobilizar numa forma. As várias significações comuns do termo “forma” mostram que este está longe de ser uma mera generalidade ou abstração, consistindo antes num dispositivo para estancar a desordem e a entropia, a instabilidade, a palpitação e o constante movimento das coisas. E por isso a pedra é, na arte clássica, uma matéria-forma preferencial das obras de arte, arte da qual nos enamoramos como quem se enamora de um quinhão de eternidade e não apenas da sua imagem, enamo-ramento não menos fixante do que o de Narciso, como parece mostrar o video “Le mot et le fantôme” (2015)

aflorar nelas uma tensão e um mistério irresolúveis, que a arte clássica, na verdade, não deseja aprofundar: o mistério das imagens, sempre concretas e particulares e porém reflexo das ideias. Num dos seus célebres sonetos, Charles Baudelaire descreve a beleza clássica como uma estátua, um “sonho de pedra (…) eterno e mudo como a matéria”, cujo cânone é talvez possível estudar e de imitar; mas que permanece, ainda assim, em contacto com o insondável mistério da vida, que entra pelos olhos dentro e que os olhos devolvem depois através do espelho da alma.

O moderno, como sabemos, inverteu o desejo de intemporalidade da arte clás-sica no desejo inverso de atualidade, o desejo de se deixar marcar, como dirá também Baudelaire, no célebre ensaio «O Pintor da vida moderna» (1863), pelo efémero e pelo transitório, sem o qual a arte não poderia justamente atingir, segundo Baudelaire a sua dimensão de eternidade. Inscrito na obra como marca de uma inevitável morte, o novo e o atual são, ao mesmo tempo, o garante do caráter singular de cada obra de arte moder-na, aquilo que a torna irrepetível, única e, nessa medida, “eterna”. A arte moderna con-voca pois a própria temporalidade para produzir uma espécie de espécie de ontologia negativa ou uma “ontologia da atualidade” (como dirá Foucault, respondendo também ele à pergunta “O que é o Iluminismo?”, 1984).

A dinâmica, o movimento e a mutação estão no centro de uma nova metafí-sica – a metafísica da história, do novo e da superação, que tende a capturar todas as imagens para o interior de uma irresistível “mobilização infinita” (como dirá Sloterdjk num conhecido ensaio de 1989). Esta dá afinal expressão à potencialidade que encerra a técnica moderna, não surpreendendo por isso que o cinemático se tenha tornado na condição dominante da cultura contemporânea, através da crescente dominância das imagens em movimento, da performatividade, da interatividade, da conectividade, etc... A transformação crescente do dispositivo tecnológico, social e cultural do cinema e a sua expansão em várias formas de presença, nomeadamente no espaço das artes plásticas e visuais, está no centro de um dos mais profícuos debates atuais. Estará o cinema des-tinado a ser o medium por excelência da espiritualidade contemporânea e as imagens em movimento a arte que lhe está mais próxima? Terá a arte abandonado o desejo de forma e abraçado radicalmente o fluxo, o devir e o instável? Mas não tem sido ainda a arte do cinema o desejo de fixar imagens fortes que resistam justamente à torrente dos fluxos audiovisuais da cultura moderna, à sua sedução e ao seu transporte imaginário? É certamente por isso que o cinemático entra no espaço da arte em regimes específicos e experimentais: de uma temporalidade repetitiva e circular (em loop), ou tão longa que não conseguimos acompanhá-la, ou ainda suscitando a sua própria ativação pelo rece-tor, conforme tem assinalado, por exemplo, Boris Groys.

No video “Pleura” (Ana Rito, 2015), que de certa forma domina a sala, projetado em grande formato numa paredes, está de algum modo encenado um diálogo entre o clássico e o contemporâneo, entre imagem fixa e imagem em movimento, entre pedra e fluxo, entre intemporalidade e temporalidade. Uma escultura de grande porte ergue-se acima de uma paisagem de água que apenas flui, em plano fixo. O contraste entre a verticalidade da escultura e a horizontalidade das águas, entre a imobilidade da estátua e o movimento das águas, entre o branco desta e os tons cinza das águas, entre o fluxo dessas águas e o plano fixo da própria imagem, produzem um diálogo de uma economia visual e de um rigor discursivo admiráveis, não isento porém de pequenas perturbações.

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Ana Rito & Hugo BarataEMÍLIA FERREIRA

Da secreta respiração das pedras

Na paisagem, melancolia e beleza espelham o rosto do tempo. Esse rosto tem um fluir duplo, de corpo existente e de corpo em devir. Outrora simplesmente rochedo, condensação de aglomerados de instantes, a pedra de-veio escultura. Será que algum dia se tornará de novo água e enfim corpo de sal que se ergueu em rocha? Nas suas duas faces, o tempo é implacável. Sabemos que, se es-perarmos o suficiente, se nos dedicarmos à imobilidade, ele se apoderará de nós. Para sempre.De dentro de água, como Afrodite da espuma, a pedra que já foi rocha informe e agora se ergue, como deusa de forma humana, recorda-nos a luta contra o desaparecimento, recorda a nossa pulsão de manter uma sombra erecta contra o fulgor do sol, contra a luz excessivamente branca que tudo apaga. Uma sombra não é apenas um lugar esquecido. É sobretudo uma forma resistente, um logos. Há que amar essas formas que outrora foram, se esperarmos que o futuro traga mãos e bocas que nos sussurrem os sons do vento e de tudo o que é ainda móvel, que nos ofereçam a carícia da maré e do hálito do mundo que a empurra. Erecta dentro de água como forma informe, a pedra é aos poucos descoberta numa es-sência formal como se a água moldasse com o seu movimento o corpo dos deuses. Não deixa de nos surpreender sempre o modo como algo tão suave — na maioria das vezes até imperceptível — como um toque materno ou a carícia de um tímido amante, pode causar tão determinada modelação, tão definidos corpos. Dentro de água esperamos, em silêncio e imóveis, fundir-nos com a sua fluidez, desapa-recer. E tememos, simultaneamente, o desaparecimento, o esquecimento que ele sem-pre arrasta. Tentação do abismo, a beleza, como o tempo, tem essas duas faces.A água e o vento que envolvem a escultura e a recortam na sua plenitude corporal, são os mesmos elementos que a modelam, imperceptivelmente. São também esses elemen-tos que inscrevem o tempo sobre o corpo de carne. Testemunho do modo como cres-cemos a partir da paisagem, como carne que é barro e ao barro volta, olhamos para a pedra nela reconhecendo corpos que se deixaram estar até passarem a ser, até a intem-poralidade os habitar para sempre. Há uma nostalgia em nós na sua contemplação, uma suspeita de que dentro deles ainda alguma coisa se move e respira. Por isso, sentimos que temos de amar esse corpo passado, perceber que nele, antes, já alguém esteve. Como se assegurássemos o nosso futuro contra o esquecimento, contra a invisibilidade. E que, agora, no instante antes de também nós nos transformarmos em pedra, de nos abandonarmos até ao ponto de sermos pedra, há que ter a consciência desse fluir. Por ora apenas ainda contamos segredos às pedras, sussurramos-lhes palavras misteriosas, palavras de amor ou de consolo, antes mesmo de o nosso corpo se transformar no seu

O cinema é aqui desprovido de imagens. O fluxo visual não traz senão, continuamente, uma mesma imagem, ou uma imagem que se torna quase uma abstração, a das águas em movimento. E estas não correm, como esperariam talvez os nossos olhos, da es-querda para a direita, no vetor que geralmente emprestamos ao sentido do tempo que passa. A corrente parece ser, na verdade, em sentido contrário, ou simplesmente ambí-gua, sem nos empurrar adiante. E o corpo impassível da estátua, (contrastando com o performer de uma obra anterior, que orquestra os movimentos do mar – Ana Rito,Semi Panoramic Sea-Concert, 2010) não está em sintonia com a dinâmica da imagem, antes lhes opõe uma serena resistência minimal, não sendo levado na torrente nem se deixan-do mover pelo fluxo das águas. O equilíbrio de forças traz solenidade tanto ao movimen-to das águas como ao monumento sem fundação que sobre elas se ergue, mostrando que várias possibilidades estão talvez de novo em aberto, no diálogo da arte consigo mesma e com o tempo.

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Ana Rito & Hugo BarataISABEL NOGUEIRA

Ana Rito e a escultura de silêncio

Ficou registado no Antigo Testamento que Ló, ao decidir abandonar Sodoma – cidade pecaminosa e vil – com as suas duas filhas e a sua mulher, tinha sido previamente avisado de que ninguém poderia olhar para trás. Quem o fizesse sofreria a retaliação divina. Mas a sua mulher olhou, e foi imediatamente transformada numa estátua de sal. Bizarro destino e inquietante episódio. A mulher que se transforma numa estátua, talvez por não ter abandonado com decisão a vida passada. Mas a mulher de Ló pode também evocar a dificuldade em vestir uma outra pele, ou em largar a pele que já não serve. E tudo fica num silêncio estranho. As imagens que Ana Rito nos mostra poderiam remeter-nos para este episódio. Ou para um outro da Antiguidade Clássica, mas em versão invertida. Vejamos. Pigmalião, o exímio escultor, não encontrando nenhuma mulher digna de sua dedicação, faz uma estátua, de seu nome Galateia, por quem se apaixona. Um dia, implora a Afrodite – deusa do amor – que a estátua ganhe vida. O pedido é ouvido. Imaginemos que, nas imagens de Ana Rito, Pigmalião é uma mulher que cria uma obra: a escultura de um homem. O homem idealizado que ganha vida. E depois, uma vez mais, silêncio. Há um silêncio e um apontamento de mistério nestas imagens. Um silêncio que nos propõe o fora de campo cinematográfico, isto é, a possibilidade de narrativa, de ima-ginar o que não nos é dado a ver. E faz-nos conceber uma história, uma pequena acção, dar nomes a personagens. Ana Rito torna-se ela própria escultora. De um inquietante silêncio.

corpo para todo o sempre. Antes de cruzamos os braços e de acolhermos como nosso o corpo que há muito se não move. Por isso, no escuro, insistimos em embalar corpos de pedra. Uma mulher sussurra-lhes ao ouvido, tal como faria ao ouvido de mortos queridos. Lava-lhes a alma como lavaria o corpo dos mortos. Conta-lhes estórias para que não se esqueçam de ter sido. Dá-lhes memória e, com essa tessitura de palavras, prepara-se ela mesma para se entregar ao tempo; conta já essas estórias a si mesma. A voz que sussurra palavras ao ouvido das esculturas relembra-nos que há corpos que ainda respiram. A pedra, não o esqueçamos, é o corpo cuja respiração ficou presa num instante. Ou em sequências de instantes, linha infinita de segundos.Por fim, imóvel, também ela se une ao uno. No escuro, o corpo de pedra reúne-se ao ar, respirando em silêncio. A mulher que já contou todas as estórias pára atrás da ruína de um corpo. Une-se a esse tempo passado e assim faz-lhe a oferenda de um presente, de um futuro. Devém o próprio ser contínuo. Interrompe a dicotomia corpo/natureza. Um e outro revelam-se no tempo absoluto, perenidade e efemeridade tecem um corpo único relacional. E chegamos à suspeita final. Talvez esse seja o papel da beleza no mundo, a dádiva da serenidade de ser, um equilíbrio entre as formas do corpo, a sua perenidade em pedra e a sua efemeridade em pele (mar, vento), e o que passa à sua volta e o modela. Mas a be-leza é um sonho, algo tão intangível como o vento. Poderá ser belo algo que, enquanto puro e intocado, enquanto momento captado no fluir constante do tempo, terá um des-tino sempre trágico? Será a beleza um instantâneo? O captar de um momento perfeito, quando o mundo era jovem e intocado? Algo destinado a desaparecer? Será possível a sua existência no tempo contínuo? Ou existirá apenas com a morte do instante? Com a sua petrificação?Seja o que for, desejamo-lo captado num momento irrepetível, mas desejamos que ele perdure, que seja para sempre. Mas nem a pedra é para sempre. Também nela o tempo se infiltra, para apagar. O tempo, outro nome da morte, é a nossa promessa de renova-ção, de voltar ao princípio, de recuperar a pureza. A beleza talvez seja, afinal, apenas o olhar que, com cuidado, depositamos na sua efémera pele.

Lagos, 17 de Julho de 2015

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Ana Rito & Hugo Barata

Vista da Exposição

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Ana Rito & Hugo Barata

Still vídeo Ana Rito, 2015, Le Mot et le Fantôme, 2015. Vídeo HD, p/b, s/som, 4´20´´’, [loop]. Dim. Variáveis

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Ana Rito & Hugo Barata

Still vídeo Ana Rito, Amatoria, 2015. Vídeo HD, p/b, s/som, 4´20´´’, [loop]. Dim. Variáveis. 1/3.

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Ana Rito & Hugo Barata

Ana Rito, 2015, The Dead Poet, still de filme 8mm impresso em papel fine art, p/b, 40x50, 1/1.

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Ana Rito & Hugo BarataCARLOS VIDAL

Ana Rito e Hugo Barata nesta exposição têm várias referências, de várias épocas e pro-pósitos (podemos falar em Lucrécio, Cocteau, ainda e sobretudo Tadeusz Kantor mas também Artaud, um segredo bem guardado e que aqui parece não ser explicitamente convocado), todas essas referências apontando para um lugar que é também o lugar essencial, digamos em expressão apressada, da arte. Porque só da arte podemos dizer, na sua presença, que ela não existe (porque, como sabemos, é produto de um medium que nunca ninguém viu ou pode ver, pois a arte é a obra, julgamos nós, mas não, ela é um medium, uma medialidade pura, um meio sem fi -nalidade, e a arte não existe porque diante do medium, se pudéssemos assim estar, esta-ríamos sem obra e no terreno da loucura: nunca há medium e obra ao mesmo tempo!!). Por isso os paradoxos (que não o são) se podem acumular como as verdades que só a arte pode fazer viverem: o teatro não o é porque é vida e real, mas um real que vem do real equivalente e exprime-o sem temer ser contaminado pelo real-real (Lacan?). A vida pode ser um conceito que pode ser representada ou “justifi cada” através da sua ausên-cia (já estou a referir-me ao manifesto “O Teatro da Morte” de Kantor, 1975), porque é a morte que sinaliza ou nos mostra a singularidade da vida ou do vivido, que sem esse olhar de espanto que a morte provoca e obriga a ter, a vida é o indistrinçável (ligação morte-individualidade, o ser completa-se na morte porque ela é a sua morte e cada mor-te é a “original” e diferente, própria). Só esse olhar para a morte pode recriar o primeiro olhar, ou a primeira vez que um es-pectador olha para um actor (na tradução inglesa do citado manifesto de Kantor: “It is necessary to re-establish the essential meaning of the relationship: Viewer and Actor. It is necessary to recover the primeval force of the shock taking place at the moment when opposite a man (the Viewer) there stood for THE FIRST TIME [sublinhado meu] a man (the Actor) deceptively similar to us, yet at the same time infi nitely foreign, beyond an impassable barrier).Artaud di-lo a seu modo: “Trata-se portanto de fazer do teatro [ou de uma instalação], no sentido próprio da palavra, uma função; algo de tão preciso e localizado quanto a circulação do sangue pelas artérias ou o desenvolvimento, aparentemente caótico, das imagens do sonho no cérebro, e isto através de um encadeamento efi caz, um verdadeiro aprisionamento da atenção”. É disto que se trata, claro!“Pleura” é, neste particular, uma obra emblemática. Trata-se de uma curta metragem (14 minutos), recria o “Panoramic Sea Happening” (o “The Sea Concert” é uma primeira par-te), de Kantor em 1967, um maestro dirige, do seu púlpito, as águas. “Pleura” não mostra o maestro, mas mostra as águas e uma estátua branca nas águas. A estátua, como a es-tátua vingadora do Comendador no Don Juan (Tirso de Molina ou Lorenzo da Ponte) é a

VIDA MORTE, ARTE VIDA MORTE

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Ana Rito & Hugo Barata

morta mais viva que podemos imaginar. Manequim (talvez) que transporta o sinal da morte, mas coisa viva que nos faz pensar na morte, vivos que estamos. Ela contempla-nos e nós a miramos do ponto de vista do maestro que dirige as águas. No meio está o olhar, o espectador é burlado e absorvido para as águas por uma figura absorta (como Michael Fried, a partir de Diderot, descreve as figuras de Chardin, elas só contam com elas e estão assim absortas, mas a elas ficamos presos, ficamos presos a quem nos ignora). Obra de arte mínima (água e estátua) à beira da inexistência. Mas a mais existente e insistente de todas as obras de arte, pois mostra um morto que vem buscar os vivos. Implacavelmente. E nós, ali, sem defesa.

ANA CRISTINA CACHOLA

Curador Do Latim (curator, -oris) remete para olhar por guardar, cuidar, tomar conta de. Inicialmente, identifica aqueles que tinham a seu cargo trabalhos públicos de manutenção e saneamento básico, comunicações e segurança. Depois acumula competências jurídicas – que mantém até hoje – na administração de bens do ausente ou de pessoas que por condicionamentos físicos e/ou psíqui-cos se mostrem incapazes de gerir o seu património, ou como guardião legal de crianças. Representante da Igreja – cura – responsável pela orientação e cuidado espiritual, aquele que cuidava as almas.

(Na Irlanda chegou a designar aquele que num bar guardava e servia bebidas espirituosas). Cura assume-se posterior-mente como superação de afectações patológicas através de procedimentos médicos, mas também mágicos e ritua-lísticos. (Ainda hoje, em certas regiões do Brasil, curador é sinónimo de curan-deiro). É nesta constelação polissémica que integra dimensões administrativa, ju-rídica, religiosa e médica que se filia a significação artística do termo que con-substancia as várias valências adquiridas nesta genealogia. A partir do século XVI, começam a designar-se por curadores os responsáveis pela ordenação, con-servação e organização de bibliotecas e outros espaços, como os gabinetes de curiosidades, onde se guardavam e ex-punham artefactos (artísticos) e objectos raros. Com o surgimento e normalização dos museus, os curadores ganham nova relevância e novas funções. Paralela-mente à conservação e administração destes espaços expositivos, cabe aos curadores a selecção das obras e objec-tos que devem fazer parte das colecções destas instituições, acumulando assim uma missão de arbitragem estético-cul-tural e promovendo o seu reconheci-mento enquanto autoridades no âmbito historiográfico. Com a crescente aqui-sição de dimensão pública por parte

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Ana Rito & Hugo BarataSARA FRANQUEIRA

Um Pensamento cenográfico in.verso ao corpo

Preposição 1 = 1 texto + 0 imagem

Pensar em algo é construir uma possibilidade de futuro. Cada um dos nossos pensamen-tos, uma vez formulados e chegados a um estado de surdina no interior de nós mesmos cria um rasto possível para o que não existia até esse momento. Quando pensamos em algo, é quase como se uma pequena parte do futuro já estivesse contido nesse pensamento.Pensar tem qualquer coisa de antecipatório, como se de facto o pensamento depois de se reconhecer e ser reconhecido fosse uma alternativa para outros cursos dentro do curso, portanto pequenas possibilidades de futuro.Mas o pensamento deslumbra-se por várias sentidos e por causa dele podemos pensar no presente - neste instante… em que tu; seguras um suporte deste texto…Podemos pensar no futuro - no que acontecerá depois deste instante…será que estas palavras acompanharão outros pensamentos?Mas também podemos pensar no passado - quer dizer… num molde em que o nosso pensamento se permite questionar sobre se o presente antes de ser desta forma tivesse sido de outra? Pensar portanto para trás, no sentido contrário do tempo. E se antes de ter sido decidido que o espaço de escrita destas palavras fosse este elas tivessem requisitado um outro lugar? E se fossem lançadas de avião sobre pequenos monumentos? E escritas nas janelas de todos os que atestem o início da possibilidade-…e se não fossem escritas, mas faladas ao ouvido de quem entrasse na exposição, ou gritadas a todos os que a não quisessem ver… Como seria? Seria difícil? Seria importan-te? Seria possível?Este tipo de pensamento é um pensamento sobre o passado, não sobre o que aconteceu mas sobre o momento antes de qualquer coisa acontecer quando ainda poderia ser de outra forma.Este pensamento, mais que o pensamento no futuro é um pensamento que cria futuro, abre um espaço de possibilidade para recrear o mundo.No momento em que questionamos o presente e lhe descobrimos novas formas pensa-mos: e se…qualquer coisa que é agora…não fosse? E em seguida: O que muda? E em continuação: o que esta nova proposta diz do mundo? E em consequência: Que outros olhares pode construir?O pensamento cenográfico, matéria para a criação de inúmeros espaços cenográficos é definitivamente um pensamento sobre o passado porque antes de criar novas possi-bilidades, antes de nos poder oferecer novos mundos põe em causa o mundo como o presente nos difunde.

dos museus, o trabalho de organização expositiva começa a exigir dos curado-res um cuidado pedagógico-didáctico na apresentação das colecções que, na maioria dos casos, eram tuteladas pelo Estado ou pela Igreja. Neste sentido, os curadores ocupavam também um lugar político, na medida em que controlavam aquilo que se inscrevia e reproduzia no regime sensível, organizando o olhar do espectador e contribuindo para a insti-tuição de regimes escópicos. A função implicava, assim, não só uma predispo-sição estética mas também ética na pro-dução de visões do mundo. Contudo, é só a partir da segunda meta-de do século XX que a figura do curador se torna tão presente quanto controver-sa no sistema da arte (contemporânea). A viragem curatorial coloca ênfase na figura do curador que deixa de estar obrigatoriamente a ligado a estruturas institucionais e passa a assumir-se como agente independente que, de forma nómada, estabelece condições e narra-tivas de eventos expositivos. O curador insinua-se como autor – autoridade au-toral – que produz narrativas e instâncias discursivas que instituem e contextuali-zam as obras (de artes) e as relações en-tre os diversos objectos (artísticos). Com a falência das grandes narrativas – que se concretizavam visualmente através dos dispositivos de exibição dos gran-des museus – o curador de arte contem-

porânea tende a encontrar as histórias paralelas e alternativas inscritas na cultu-ra visual. O curador constrói manchas de conhecimento, elabora práticas discursi-vas através de distintos aparatos exposi-tivos e formações visuais dialógicas que (inter)medeiam a criação e a percepção/recepção.

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Ana Rito & Hugo Barata

O pensamento cenográfico, para o qual uma mesa nunca é simplesmente uma mesa e uma qualquer mesa tem na sua especificidade toneladas de informação pegadas á sua matéria, começa a colocar as suas questões antes das coisas serem coisas…Mesmo quando o pensamento cenográfico se concretiza em matéria tangível, é como se ele se situasse sempre no interstício do real, ele nunca é bem real e dessa condição de dúvida pode com a sua existência questionar as lógicas do espaço real, do espaço do presente.

De alguma forma este lastro parece-me contrariar o que a presença de um corpo me sugere. Um corpo em cena comparece de certa forma unido ao presente, o momento da sua revelação é sempre o começo de algo iniciático, ele cria ação, ele instaura uma ordem, não se questiona antes do vínculo dessa presença e mantém esse vínculo no aqui e agora.O pensamento cenográfico, ao pensar espaços questionadores instaura uma condição de impermanência e desvio traçando assim um movimento inverso á afirmação do cor-po. Um movimento contracorrente que destabiliza o presente como é normalmente con-sumido em ordem de instaurar diversas outras possibilidades de presente. Estas outras

possibilidades de presente, de real, não são sugeridas com o intuito dirigista de encon-trar uma espécie de paraíso prometido definitivo, mas sim de lançar o presente num perpétuo movimento de interrogação.As possibilidades que resultam de colocar-nos nesse lugar em que uma mesa ainda não é uma mesa são possibilidades de um presente apenas prometido e portanto só capazes de ser escutadas pela linguagem reversa do real, a linguagem da poesia. Os espaços cenográficos trazidos pelo pensamento cenográfico são assim in verso.Mas este é ainda um pensamento perigoso porque se tudo poderia ser de outra forma é também um pensamento de abismo. O que o resgata desse abismo é muitas vezes a mão do corpo. Numa junção alquímica de um presente sublinhado por um corpo – que parece querer delinear o futuro - e de um espaço que se lança no passado - subvertendo o presente - nasce o palco.

Preposição 2 = 1 texto + 1 imagem

Quando a Ana Rito me convidou para uma colaboração foi clara: Gostaria que imagi-nasses um espaço cénico para uma das minhas obras (vídeos) para integrar esta exposi-ção… (Pequenos Monumentos que Atestam o Início da Possibilidade).Na verdade, mais do que isso eu ouvi: foi criado um espaço de diálogo onde o pen-samento cenográfico pode responder ao programa de uma artista visual, pensando-o no seu interior mas servindo-se das suas próprias ferramentas, problemas e obsessões sobretudo do insaciável questionar do presente voltando ao passado, voltando ao início da possibilidade.As obras no espaço desvelaram a solução que sempre ali esteve á espera de ser olhada. A “coisa” material que uma peça de vídeo não dispensa para existir é o dispositivo que a permite dar a ver, neste caso o projetor e como sempre colocado numa relação mate-mática com a imagem que pode produzir. Mas a única razão da sua presença é o que ele terá no seu interior e que magicamente terá de corporizar no seu exterior. É como se ele ali não estivesse, só queremos ver o que dele sairá. Mas ele está lá… e o meu olhar que está habituado a ver o palco como o espaço total de referências em inter-relação não o consegue deixar de ver, até porque, nada por acaso, o toque prometido á visão por estas imagens trá-las para junto de mim como corpo.Não se trata de afirmar um presente edificado como os corpos que lá habitam mas um espaço prévio de questionamento, um espaço derivante de um pensamento cenográfico – o meu espaço cénico são os plintos, ora suporte de obra, ora suporte de máquina/cor-po que dá a ver outros corpos. Curiosamente o meu pequeno espaço cénico inscreve-se numa família milenarmente proposta pelas artes plásticas como palco, curiosamente ou não.

Preposição 3 = 0 texto + 1 imagem

Preposição 4: As preposições 1, 2 e 3 dizem a mesma coisa através de intervenções diferentes.

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Ana Rito & Hugo Barata

Vista da Exposição

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Ana Rito & Hugo Barata

Vista da Exposição

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Ana Rito & Hugo Barata

DIANA V. ALMEIDAAmor secreto

. açãoNo limiar do jardimo porteiro guiadá bilhete a zeroscontando números,avanço por corredoresna geometria do museude ciência natural.

. espaçoA sala projeta beijos e estátuas.

. falhaDo mármore pelerugas e outras lições passageiras,a mão contra a pedraentre sombra e arvolteio sussurro canções de silêncioafloro teu rosto lavrado,outras mãos o acalentaram...

. textoGosto de te ler ao ouvidolivro roçando barbagosto do teu sorriso fértil:êxtase suspenso!

. psicologiaMeu amor vindouro,já te seigrande e formoso como um sol,firme desejo.

. desabafoA técnica tende a transformar mercadoria em fetiche, o cânone de beleza ocidental e as agruras da história de arte,petrificada.

. reptoQuem dirá, pois,o amor secreto das estátuas?

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Ana Rito & Hugo Barata

Ana Rito, Le Buste, 2015. Vídeo HD, p/b, som, 4´20´´’, [loop]. Voz de Jean Cocteau, gravação de 1929. Dim. Variáveis. 1/3. Plinto desenhado por Sara Franqueira. Filmado no Acervo de Gessos da FBAUL.

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Ana Rito & Hugo BarataJACINTO LAGEIRA1.

Cette unité pour le regard n´existe que sous la forme d`effets qui transforment tou-tes les mesures concrètes en valeurs relationnelles; nous ne la possédons comme représentation visuelle que sous cette forme. Les représentations de contours abs-traits et de leur situation réciproque qui incombent à la forme d`existence, ne peu-vent exister comme représentations visuelles qu`à titre d´expression d`une relation et donc de grandeurs relatives. La représentation de la forme parvient ainsi à une sorte d`abstraction, étant donné qu`elle fixe la sensation de valeurs spatiales qui ne peuvent être réalisées que sous le vêtement de relations individuelles de grandeur. L`effet de l`image éloignée est le seul dont nous puissions abstraire de façon homo-gène les valeurs formelles, car c`est là seulement que les éléments de l`apparition surgissent de la même façon net en même temps. (…) La fixation de telles valeurs d`impression enferme en elle-même la signification de représentation par opposi-tion à la perception directe at au pur souvenir de la perception2.

Pas d`apparition sans apparaître, pas de représentation sans presence réelle, et sans présence réelle pas d`apparition ni d`apparaître. Ce qui se profile chez Hildebrand et les tenants du courant de la visibilité pure qui s`intéres-sent aux relations de l`haptique et de l`optique est finalement la mise au jour progressive de la possibilité d`une esthétique de la situation réelle de l`oeuvre dans un espace réel où per-ceptibilité et passivité du récepteur sont une partie de l`oeuvre d`art, car toutes ces instances s`apparaissent les unes aux autres, existent les unes pour les autres dans le même «champ de présence». Cela dans tous les objects que nous fabriquons, mais d`autant plus dans les oeu-vres d`art qui nous reproduisent en négatif ou en creux, prolongent nos corps et nos capacités, en sont inéluctablement des excroissances, ou plus exactement, deviennent les doubles de notre être psychophysique dans la mesure où ells en sont les réceptacles, les modélisations, les reconfigurations. Ces autres formes ne sont pas étrangères à notre forme. Les objets que nous concevons et réalisons sont informés par la forme que nous sommes, que nous leur im-primons et transmettons inéluctablement. Le monde des choses et des objets n`est donc aucu-nement inerte, sans vie, un monde devenu amorphe ou informe parce que nous cherchons à le réifier totalement pour mieux le soumettre et l`utiliser. Il n`est que le résultat de la projection de nos corps. L`objet n`est certes pas un être ou une personne, mais gardant la trace en creux de la personne qui l`a conçu et réalisé, il faut aussi percevoir en lui la forme de la personne qui l`a créé – en dernière instance la forme de tout être humain -, et, pour cette raison, nous permet de retrouver en l`objet une forme qui nous parle, fait sens, une forme où l`on peut à notre tour se projeter. Plus l`objet est complexe, plus le processus de ses appréhensions formelles est riche, et, comme l`explique Victor Chklovski, plus le procédé de l`art est «le procédé d`”étran-gisation” des objets, un procédé qui consiste à compliquer la forme, qui accroît la difficulté et la durée de la perception, car en art, le processus perceptif est une fin en soi et doit être

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prolongé3», plus nous éprouverons psychophysiquement l`objet comme une forme qui nous résiste comme un tout autre, mais dans lequel nous reconnaissons pourtant le «semblable dans le dissemblable». Lorsque Robert Morris signale que ses «formes unitaires» se donnent immédiatement, sont perçues et comprises aussitôt en raison de la forte prégnance et évidence de leur Gestalt, c`est pour ajouter aussitôt que «l`énergie que procure la gestalt» excède en fait leur présence concrète. C`est une des leçons de la Gestalttheorie que d`avoir expliqué que le tout est plus que la somme de ses parties. En termes hildebrandiens, la forme d`existence peut être simple, directe, immanente, immédiate alors que sa forme d`effet, ses représentations possibles peu-vent s`avérer plus complexes que ne laisse supposer leur simple apparaître. Ainsi que l`écrit Robert Morris:

La caractéristique d`une gestalt est qu`une fois établie, toutes les informations la concernant en tant que gestalt sont épuisées. (On ne cherche pas, par exemple, la gestalt d`une gestalt). De plus, une fois établie, elle ne peut se désintégrer. On est alors libéré de la forme et lié à elle. Libéré, ou affranchi, à cause de l`épuisement des informations la concernant, en tant que forme, et lié à elle parce qu`elle demeure constante et indivisible. La simplicité de la forme ne se traduit pas nécessairement par une égale simplicité dans l`expérience. Les formes unitaires ne réduisent pas les relations. Elles les ordonnent4.

En dernière instance, le lie udu croisement de toutes ces formes, configurations et paramè-tres, du plus simple au plus complexe et inversement, est en fait cette Gestalt ordonnatrice, à la fois émettrice et réceptrice, qu`est notre corps vécu. Nous nous projetons dans les formes, mais ces formes reviennent et se réintègrent à nous par le simple fait que, selon Merleau-Ponty:

Mon corps est une Gestalt, et il est co-présent dans toute Gestalt. Il est une Gestalt; lui aussi et éminemment il est signification lourde, il est chair; le système qu`il cons-titue est ordonné autour d`une charnière centrale ou d`un pivot qui est ouverture à…, possibilité liée et non pas libre – Et en même temps il est composante de toute Gestalt. La chair de la Gestalt […] est ce qui répond à son inertie, à son insertion dans un «monde», à ses préjugés de champ5.

Les objets non seulement redoublent ma Gestalt mais en sont aussi l`envers, comme l`autre côté de ma Gestalt qui ne m`est devenu visible que par inscription dans leur Gestalt. Dans une note de travail du Visible et l`Invisible concernant l`événement historique, fulgurante comme nombre d`autres, Merleau-Ponty écrit pour lui-même:

Outre que la dimension historique, politique et morale est structurellement liée à la percep-tion – dimensions régulièrement omises par les exégètes, alors qu`elles font intégralement partie de l`ontologie que se proposait d`écrire Merleau-Ponty -, au même titre que la question d`autrui, du langage, de l`amour ou de la sexualité7, l`auteur affirme ainsi constamment que la fondation ou le principe sur lequel repose cet ambitieux projet philosophique est une onto-logie de et par la perception. Celle-ci s`est considérablement enrichie et diversifiée depuis la Phénoménologie de la perception, mais la dimension perceptive demeure l`aiguille de la bou-ssole de notre être au monde. Comme elle, la perception pointe toujours dans la direction qui permet la reconnaissance de notre situation. Qu`elle soit sociopolitique, éthique, langagière, esthétique, l`exposition du corps esthésiologique se présente alors comme le point d`ancrage et le champ qui instruit tous les autres, leur donne forme et sens. Si l`ontologie «indirecte (l`être dans les étants) est seule conforme à l`être8», il faut alors comprendre que la perception des étants est l`ontologie première. Désormais mieux connues grâce aux études publiées sur les inédits9, les célèbres notions merleau-pontiennes de chiasme, d`entrelacs, de pli, d`empiètement, d`enroulement, de dou-blure, de noeud, ne sont pas de simples métaphores ou d`audacieuses tentatives poétiques pour saisir à sa source l`être des choses et du monde. Véritables topologies de l`être, des cho-ses, du monde et du corps, ces idées fragmentaires et inachevées semblent pourtant d`une richesse quasiment inépuisable – cela sans doute excessivement -, surtout pour l`esthéticien confronte à ce «corps esthésiologique» d`où tout émane, irradie, part et revient10. L`ontologie du sensible aura été pour Merleau-Ponty le rempart opposé à cette «diplopie de l`ontologie» à l`origine de toutes sortes de dualismes. Comme pour mieux les contrer sur leur propre terrain, il oppose à cette diplopie persévérante ses propres dédoublements, réversibilités et retourne-ments, lesquels peuvent êtres distingués, décomposés, mais ne sauraient subir de dichotomie. Pour la raison que je sais et sens que je peux être sujet et objet esthésiologique, que je n`ai pas deux corps ou deux processus sensibles mais que ce dédoublement est dedans et dehors, en-vers et avers de moi-même, moi-même me retournant sur ma propre sensibilité et à l`intérieur d`elle par un acte de réflexivité naturelle, car déjà contenue dans la nature même du sensible. Cette co-extension et co-présence du sensible par le sensible n`est pas véritablement pensée sur lui, la réflexivité étant le sensible même:

[L]es problèmes de savoir quel est le sujet de l`État, de la guerre, etc. exactement du même type que le problème de savoir quel est le sujet de la perception: on ne résoudra philosophie de l`histoire qu`en résolvant problème de la perception [sic].6

Le sentir qu`on sent, le voir qu`on voit, n`est pas pensée de voir ou de sentir, mais vision, sentir, expérience muette d`un sens muet. Le redoublement quasi «réflexif», la réflexivité du corps, le fait qu`il se touche touchant, se voit voyant, ne consiste pas à surprendre une activité de liaison derrière le lié, à se réinstaller dans cette activité constituante […] l`expérience que j`ai de moi percevant ne va pas au-delà d`une sorte d`imminence, elle se termine dans l`invisible, simplement cet invisible est son invisible, i.e., l`envers de sa perception spéculaire, de la vision concrete que j`ai de

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Défi nir l`esprit comme l`autre côté du corps – Nous n`avons pas idée d`un esprit qui ne serait pas doublé d`un corps, qui ne s`établirait pas sur ce sol - «L`autre côté» veut dire que le corps, en tant qu`il a cet autre côté, n`est pas descriptible en termes objectifs, en termes d`en soi, - que cet autre côté est vraiment l`autre côté du corps, déborde en lui, empiète sur lui (Ueberschreiten), est caché par lui, - et en même temps a besoin de lui, se termine en luis, s`ancre en lui. Il y a un corps de l`esprit, et un esprit du corps et un chiasme entre eux12.

Le corps esthésiologique n`étant pas un visible parmi tant d`autres visibles, «un perçu parmi les perçus» mais «le mesurant de tous»13, on comprend qu`il s`agit d`un corps transcendantal qui mesure, pour ainsi dire, sa relation au monde et aux autres, mais redouble par là même ce simple fait que les autres, les choses et le monde, étant faits de la même chair que moi, possè-dent eux aussi leur visible et leur invisible, leur paraître et l`envers de ce paraître:

Chiasme moi-le monde; moi-autrui. Chiasme mon corps-les choses, réalisé par le dédoublement de mon corps en dedans et dehors – et le dédoublement des choses (leur dedans et leur dehors). C`est parce qu`il y a ces 2 dédoublements qu`est possi-ble: l`insertion du monde entre les 2 feuillets de mon corps, l`insertion de mon corps entre les 2 feuillets de chaque chose et du monde. Ceci n`est pas un anthropologis-me: en étudiant les 2 feuillets on doit trouver structure de l`être14.

À considérer le corps esthésiologique comme l`accès privilégié à ces dédoublements, plis et déplis, enroulements et déroulements, et étant donné le caractère muet et pré-réfl exif du sensible, autrement dit sa passivité, Merleau-Ponty fait donc de celle-ci l`autre côté de l`activité, puisque:

Le chiasme, la réversibilité, c`est l`idée que toute perception est doublée d`une con-tre-perception, est acte à deux faces, on ne sait plus qui parle et qui écoute. Circu-larité parler-écouter, voir-être vu, percevoir-être perçu, (c`est elle qui fait qu`il nous semble que la perception se fait dans les choses mêmes). Activité = passivité15.

1 JACINTO LAGEIRA, «Regard Oblique – Essais sur la perception», Collection Essais La Lettre Volée, 2013, p. 30–35. Excerto gentilmente cedido pelo autor.

2 ADOLF VON HILDEBRAND, «Le problème de la forme dans les arts plastiques», loc. cit., p. 124-125. Souligné par Hildebrand.

2 VICTOR CHKLOVSKI, L`Art comme procédé (1917), trad. Régis Gayraud, Paris, Allia, 2008, p.23-24.4 ROBERT MORRIS, «Notes sur la sculpture», loc. cit., 1ére partie, p.88.

5 MAURICE MERLEAU-PONTY, Le Visible et l`Invisible, op. cit., «Note de travail – septembre 1959», p.259.

6 Ibid., «Note de travail – 20 mai 1959», p.249.

7 «La vraie formulation n`est pas tout est sexuel, mais: il n`est rien qui ne soit sexuel, rien n`est asexué, le dépassement du genital n`est pas distinction ou coupure absolue, caractère ontologique de la sexualité, i.e., elle est contribution majeure à notre rapport avec l`être» (MAURICE MERLEAU-PONTY, Notes de cours du Collège de France (1959-1961), Paris, Gallimard, «Bibliothèque de philosophie», 1996, p.150-151. Souligné par Merleau-Ponty).

8 MAURICE MERLEAU-PONTY, Le Visible et l`Invisible, op. cit., février 1959, p.233.

9 Cf. EMMANUEL DE SAINT AUBERT, Du lien des êtres aux éléments de l`être, Paris, Vrin, 2004; Le Scénario cartésien, Paris, Vrin, 2005; Vers une ontologie indirecte, Paris, Vrin, 2006.

10 Cf. ISABEL MATOS DIAS, Merleau-Ponty, une poïétique du sensible, Toulouse, Presses universitai-res du Mirail, 2001; MARIE CARIOU, RENAUD BARBARAS et ÉTIENNE BIMBEN (s.l.d), Merleau-Ponty, aux frontières de l`invisible, Milan, Mimesis, 2003.

11 MAURICE MERLEAU-PONTY, Le Visible et L´Invisible, op. cit., «Notes de travail», mai 1960, p.303. Souligné par Merleau-Ponty.

12 Ibid., juin 1960, p. 312–313. Souligné par Merleau-Ponty.

13 Ibid., mai 1960, p. 302.

14 Ibid., 16 novembre 1960, p. 317.

15 Ibid., novembre 1960, p. 318.

La vision ou le toucher de moi-même par moi-même est à la fois concrète, effective, de même que l`image ou mon double dans un refl et est tous aussi tangible, mais tout dédoublement vi-sible comporte son invisible qui le suit et le complète nécessairement, puisqu`il est son envers. Il faut alors, écrit Merleau-Ponty:

mon corps dans le miroir11.

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Vistas da Exposição

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Hugo Barata, 2015, Paisagem Demorada, fotografias, gravuras, desenho, livro, moldes de gesso, plinto de madeira. Dim. Variáveis.

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Ana Rito&Hugo Barata, 2015, Luz de Cima, Fotografia impressa em papel fine art, p/b, 80 x 60cm.

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Ana Rito & Hugo BarataBiografia dos Artistas

ANA RITO (1978) Desenvolve a sua actividade entre a prática artística, a curadoria, a investigação e a do-cência. Desde 2002 que participa em várias exposições enquanto artista e enquanto curadora. Em 2007 participa na exposição colectiva Faccia Lei, comissariada por Elena Agudio no SpazioTetis-Arsenale, 52ªBienal de Veneza. Apresenta em 2010 PUPPE PRO-JECT, na Galeria MAM Mario Mauroner Contemporary Art, Viena, comissariada por Fa-brizio Plessi no âmbito do Festival Art&Film, There is no World when there is no mirror, PalácioPombal, inserida no Festival Temps d´Images e produzida pela Fundação Calouste Gulbenkian e participa na mostra A Culpa não é minha – Colecção António Cachola, Museu Colecção Berardo, seguida depois de O Museu em Ruínas, MACE–Elvas. Entre 2009 e 2011 co-comissaria com Hugo Barata e Jean-François Chougnet She is a Femme Fatale#2, Faculdade Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Campus de Caparica, 2010, She is a Femme Fatale#1, Museu Colecção Berardo, Lisboa, Observado-res – Revelações, Trânsitos e Distâncias, Museu Colecção Berardo e em 2013 organiza o projecto CURATING THE DOMESTIC – Images@home, Trienal de Arquitectura de Lisboa. É curadora da exposição A Visão Incorporada/The Embodied Vision – Performance para a câmara (com Jacinto Lageira), no Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado em 2014. É actualmente Bolseira da FCT, encontrando-se a realizar Doutora-mento na especialidade de Instalação-vídeo, em torno da performatividade da imagem movente.

HUGO BARATA (1978) Artista/Curador. Vive e trabalha em Lisboa. Frequenta o Mestrado na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, vertente Pintura. Expõe o seu trabalho desde o início dos anos dois mil, tendo participado em diversas exposições individuais e colectivas. O seu trabalho desenvolve-se sobretudo nas áreas da pintura, escultura e vídeo, e está incluído em diversas colecções particulares e públicas, em Portugal e no estrangeiro. Desenvolve também trabalho de investigação e de curadoria independente de exposi-ções, em instituições museológicas e em plataformas alternativas. Dos últimos projectos expositivos destacam-se as exposições The Age of Divinity, Plataforma Revólver, Lisboa, DIG, DIG: Digging for culture in a crashing economy, Plataforma Revólver, Lisboa, 2012, e Uma ideia nova declina-se forçosamente com uma definição inédita, (artista/curador) Plataforma Revólver, Lisboa, 2012. Dos projectos de curadoria independente recente destacam-se Curating the Domestic – Images at home, Trienal de Arquitectura de Lisboa, OBSERVADORES – Revelações, Trânsitos e Distâncias, Museu Colecção Berardo, Lisboa, 2011, Sucking reality, BES – Arte e Finança, She is a Femme Fatale#2, Faculdade Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Campus de Caparica, 2010, e She is a Femme Fatale#1, Museu Coleção Berardo, Lisboa, 2009. Membro associado do Teatro do Silêncio, com Direcção Artística de Maria Gil. Trabalha também de forma assídua e profunda na educação artística.

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Ana Rito & Hugo BarataAgradecimentos:Pedro Vaz, António Câmara Manuel, Daniel Miranda, Isabel Sabino, Jacinto Lageira, José Bragança de Miranda, Maria Teresa Cruz, Carlos Vidal, Ana Cristina Cachola, Diana Almei-da, Emília Ferreira, Isabel Nogueira, Dr. Vítor dos Reis (Presidente da FBAUL), João Pinto de Sousa, Cristina Gameiro, Francisco Barbosa, Nicholas Kilford, Luisa Caldeira, Pedro Bernardes, David Rato e Frederico Albuquerque Mendes, Marta Frade, Sara Franqueira, Rita Lucas Coelho, Alexandre Coelho e Sofia Marçal. Um agradecimento especial a Raquel Melgue, Miguelangelo Veiga e João Pinto de Sou-sa.

Ficha técnica da exposição:Artistas | Ana Rito & Hugo BarataProdução | Dupla CenaApoio técnico e montagem| Alexandre Coelho, Sara Franqueira, Miguelangelo Veiga Catálogo – Design e Edição| Raquel Melgue

Apoio à produção da exposição:

Parceiro institucional: