paisagens imaginárias. o processo criativo: linguagens de representação do espaço

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PAISAGENS IMAGINÁRIAS O PROCESSO CRIATIVO: LINGUAGENS DE REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO Trabalho Final de Graduação de Julia Lopez da Mota Professor orientador Giorgio Giorgi Jr. FAU/USP 2012

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caderno de Trabalho Final de Graduação Julia Lopez da Mota

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Page 1: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

PAISAGENS IMAGINÁRIASo processo criativo: linguagens de representação do espaço

Trabalho Final de Graduação de Julia Lopez da MotaProfessor orientador Giorgio Giorgi Jr.

FAU/USP 2012

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SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO

O PROCESSO CRIATIVO: LINGUAGENS DE REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO

O PROCESSO CRIATIVOFatores envolvidos no processo criativo

COMUNICAÇÃOLinguagem verbal x linguagem visual

SímbolosO sentido de nos comunicarmos

FAZER/MATERIALIZAR/DAR FORMAA linguagem adotada

O ESPAÇOA relação indivíduo-espaço

a) na primeira infânciab) na linguagem verbal

c) nas linguagens visuaisA perspectiva

A perspectiva como forma simbólica: a janelaLimites

PAISAGENS IMAGINÁRIAS

A dialética interior-exterior A tentativa de compreender o espaço: uma pesquisa visual

CONCLUSÕES E QUESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

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O presente Trabalho Final de Graduação parte de inquietações e estímulos que foram surgindo durante minha experiência ao longo dos seis anos vivenciados nesta Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

A primeira, e talvez a questão mais central dessas inquietações, seria a ne-cessidade de melhor compreender o que é e como se dá o processo criativo. Con-sidera-se este o tema central do trabalho, uma vez que ele engloba, por sua vez, outras perguntas a ele decorrentes. Além disso, a partir de minhas próprias produ-ções feitas paralelamente aos trabalhos acadêmicos no campo das artes visuais, surgiram as seguintes indagações:

• O que leva alguém a se expressar e a escolher determinada linguagem para tal?

• Como a linguagem escolhida determina, condiciona e/ou modifica o pro-cesso e o resultado final desta expressão?

• Como representar o mundo, ou seja, o espaço, que é a síntese de múl-tiplas variáveis?

O processo que levou à escolha deste tema tem muito a ver com minha pró-pria trajetória dentro da FAUUSP. É sabido que esta Escola possui e estimula a ínti-ma relação com o estudo das artes em geral, e das visuais em específico, de modo que, ao longo de minha formação, questões relativas ao tema do processo criativo foram sendo formuladas, mas em geral ficavam sem resposta. Percebi que a arqui-tetura está intimamente relacionada com as outras formas artísticas, e o constatei através de minha própria produção de cunho gráfico/visual. Tanto nos desenhos, quanto nas pinturas, nas gravuras, nas fotografias e nos vídeos que eu vinha pro-duzindo, percebi que todos tinham um denominador em comum: a vontade de re-presentar e, simultaneamente, apreender e entender o espaço. Nessa perspectiva, a tentativa de aprimorar minha educação visual e a vontade de aprofundar minhas próprias pesquisas pessoais estão na base deste tfg.

APRESENTAÇÃO

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Este trabalho é composto por duas partes:Uma delas foi concebida como uma pesquisa gráfica e visual. Esta visava

a representação e a recriação dos espaços por mim percebidos em minha própria vivência cotidiana, e a criação de paisagens imaginárias. Para isso, utilizei-me de linguagens plásticas visuais que se dispunham no plano bidimensional, como a pin-tura, a gravura e a fotografia.

Outra parte da pesquisa, e não menos importante, de cunho teórico, é um espelhamento recíproco em relação à feitura, ou seja, a partir de questões que fo-ram surgindo do próprio fazer no trabalho visual. Entre as tentativas desta etapa, procurou-se compreender como se dão os processos criativos, na tentativa de cla-rear alguns aspectos próprios deste fazer.

É evidente que, por eu ter uma formação acadêmica como arquiteta, e não como artista plástica, este trabalho apresenta a visão de uma arquiteta. Mas, acima de tudo, ele apresenta o meu ponto de vista como observadora sensível dos espa-ços da cidade.

Vale ressaltar que o texto e a obra gráfica não são indissociáveis. É claro que as ideias discutidas no texto tiveram função balizadora para a produção gráfica e este é um relato da experiência prática; mas o conjunto gráfico poderá ser lido de forma autônoma. Os conteúdos discutidos na produção gráfica, plenamente ex-pressos pela linguagem visual, são a constatação em si do percurso de um processo de elaboração mental. Nesse aspecto, devo enfatizar minha visão de que um tra-balho de cunho gráfico tem a completa condição para constituir um trabalho aca-dêmico, no mesmo nível de complexidade que um trabalho constituído apenas por uma linguagem verbal o possa fazer. Afinal, como disse Leonardo da Vinci, “L’arte c’è una cosa mentale”...

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O PROCESSO CRIATIVO: linguagens de representação do espaço

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[1] SARDÀ, Albert. Pre-fácio, in: EHRENZWEIG, Anton. Psicoanálisis de la percepción artística. Barcelona: GG., 1976

[2] MATISSE, Henri. in: FOURCADE, Dominique (org). Henri Matisse: es-critos e reflexões sobre arte. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 370

[3] WILLIAMS, Ray-mond. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007. p.112

O PROCESSO CRIATIVO

“La verdadera obra de arte se nutre de la no-disociación entre una necesidad interna y una existencia externa. Uno come

porque tiene hambre, del mismo modo que escribe, pinta o compo-ne porque tiene necesidad, urgencia de expresarse.”

Albert SARDÀ[1]

“Criar é próprio do artista – onde não há criação, não existe arte. Mas seria um engano atribuir esse poder

criador a um dom inato. Em matéria de arte, o autêntico criador não é apenas um ser dotado, é um homem que soube ordenar em vista de seus fins todo um feixe de atividades, cujo resultado é a

obra de arte. É por isso que a criação, para o artista, começa pela visão. Ver já é uma operação criativa e que exige esforço.”

Henri MATISSE [2]

Criar, do latim creare (fazer ou produzir) era inicialmente uma palavra que se referia a um ato que havia ocorrido no passado: a criação divina original do mun-do. Nota-se que criação e criatura são próximas, pois ambas as palavras têm a mes-ma raiz. Também costumava-se dizer que a criatura – aquela que foi criada – era incapaz ela mesma de criar (segundo Agostinho, creatura non poteste creare[3]). O termo criativo se cunhou somente no século XVIII. Teve de esperar para ser usado, até o momento em que o ato de criar, ou a criação, fossem aceitos como possíveis ações humanas, e não somente divinas. No século XIX, associou-se o termo “criati-vo” com os campos das artes e do pensamento. Como observou Raymond Williams,

“(...) a ampliação do sentido da palavra para indicar algo a ser feito no pre-sente ou no futuro – o que equivale a dizer um tipo de feitura pelos homens – faz

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[4] Idem

[5] OSTROWER, Fayga. Criatividade e proces-sos de criação. São Paulo: Vozes, 2010. 25a

ed., p.9

parte da grande transformação do pensamento que atualmente descrevemos como humanismo renascentista.”[4]

Apesar de hoje associarmos rapidamente as palavra criação e criatividade à fei-tura artística e a outros campos do fazer humano, a aura divina ainda paira sobre a pala-vra. Ao que se nota, o fazer criativo hoje é condicionado ao conceito de excepcionalidade, de genialidade, algo possível de ser produzido apenas por poucos. Mas somente o de-sinformado pode pensar que uma pessoa criativa tem um dom particular que os outros não possuem. O ato criativo, ao contrário, é uma atividade inerente ao homem e, como veremos adiante, a realização deste potencial criativo é uma de suas necessidades vitais.

Não estamos discutindo aqui somente a criatividade relacionada ao fazer artístico, mas também a outros campos do fazer humano. Ao criar, o homem busca reordenar e re-significar elementos percebidos por ele a partir de sua vivência no mundo, buscando através disso uma ordenação de si mesmo e formas de compre-ensão de sua própria vida. Segundo Fayga Ostrower,

“Nessa busca de ordenações e significados reside a profunda motivação humana de criar. Impelido, como ser consciente, a compreender a vida, o homem é impelido a formar. Ele precisa orientar-se, ordenando os fenômenos e avaliando o sentido das formas ordenadas; precisa comunicar-se com outros seres humanos, novamente através de formas ordenadas. Trata-se, pois, de possibilidades, poten-cialidades do homem que se convertem em necessidades existenciais. O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando.”[5]

A capacidade de relacionar-se com a vida de forma criativa não é, portanto, um privilégio de alguns, mas uma possibilidade de todos. Acima de uma possibili-dade, acreditamos ser o fazer criativo uma necessidade humana fundamental.

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Os fatores envolvidos no processo criativo são de tal forma complexos que sua análise exige a compreensão dos diversos elementos que o constituem. Não terei aqui a pretensão de compreender todos esses segmentos, mas sim de esboçar alguns dos aspectos que me pareceram mais relevantes durante o processo de pes-quisa – isto é – questões que iam surgindo com a própria feitura, durante minhas pesquisas visuais. Este trabalho tem a intenção de gerar e propor questões para discussões em torno do tema, mais do que definir ou delimitar conclusões.

FATORES ENVOLVIDOS NO PROCESSO CRIATIVO

Criar, acima de tudo, denota a ideia de dar forma a algo novo, ou seja, cons-tituir uma nova forma de relacionar e ordenar fenômenos. O ato criativo envolve a capacidade do indivíduo em compreender algo, num processo que passa pela as-similação, pelo relacionamento, pela ordenação e configuração, na tentativa de al-cançar a significação.

O indivíduo observador, nesse processo, é sempre o ponto de referência para essas novas ordenações. Ao criarmos, vinculamos tais ordenações a nós mes-mos, buscando uma ordem interior. Talvez seja exatamente daí que surja o impulso vital do ser humano pelo criar: pela busca de uma ordenação interior, através de uma maneira específica de assimilar e interpretar os fenômenos, sempre tentan-do atribuir significados a eles. Dessa forma, o ato criador sempre implica em uma percepção individual do espaço/mundo, permitindo que se estabeleça uma relação mais significativa do sujeito com esse espaço.

Dentre os inúmeros e complexos elementos que estão envolvidos no proces-so de criação, e que dizem respeito ao indivíduo que cria, destacamos aqui a sensibi-lidade e a percepção do indivíduo como elementos vitais dentro deste processo.

Podemos considerar que a sensibilidade é uma característica inerente ao

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[6] ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual, uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004, p. XIII

[7] OSTROWER, Fayga. op. cit., p.16

O PROCESSO CRIATIVO

ser humano. Todos nascem com um potencial de sensibilidade, que pode ser desen-volvido em diferentes graus dependendo das circunstâncias do indivíduo em exer-cer e praticar essa sensibilidade. A sensibilidade, assim como a criatividade, não é peculiar somente a artistas ou a alguns poucos privilegiados. Ao contrário, ela é uma característica inata à constituição do homem.

Entendida como ato consciente, a percepção é a elaboração mental das sensações. Enquanto a sensibilidade do indivíduo permanece em um nível incons-ciente, a percepção tem função ativa na delimitação e seleção do que se irá perce-ber. Corresponde, portanto, a uma ordenação seletiva dos estímulos, criando uma barreira entre o que percebemos e o que não percebemos. Como bem explicitado nas palavras de Rudolf Arnheim, “toda percepção é também pensamento.”[6]

Além destes elementos, podemos citar outros aspectos individuais que atu-am durante o processo criativo, tais como a intuição, o instinto, a memória e a ima-ginação. Levando também em consideração que o processo criativo envolve uma percepção do indivíduo em relação ao espaço/mundo que habita, trataremos de abordar esses assuntos com maior especificidade no decorrer deste trabalho.

É imprescindível lembrar que, embora estejamos falando aqui de relações que se dão num nível individual, o indivíduo está sempre inserido em um contexto cultural e, portanto, social. O indivíduo, sempre que cria, o faz dentro de sua cultura, por meio de sua consciência. Ou seja, a cultura sempre serve de referência a tudo o que o homem faz, comunica, elabora, em suma, cria. Sobre isso comenta Fayga Ostrower:

“Como ser que se percebe e se interroga, o homem é levado a interpretar to-dos os fenômenos; nessa tradução, o âmbito cultural transpõe o natural. A própria natureza em suas manifestações múltiplas é filtrada no consciente através de va-lores culturais, submetida a premissas que não se isentam das atitudes valorativas de um contexto social.”[7]

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[8] “Em todos os primeiros usos, cultura era um substantivo que se referia a um processo: cuidado com algo, basicamente com as colheitas ou com os animais. (...) [No S18] Seu principal uso era ainda como sinônimo de civilização: primeiro, no sentido abstrato de um processo geral de tornar-se ‘civilizado’ ou cultivado; segundo, (...) como uma descrição do processo secular de desenvolvimento humano.” Williams aponta, no entanto, a utilização de três cate-gorias amplas e ativas do uso da palavra cultura: “(i) o substan-tivo independente e abstrato que descreve um processo de desen-volvimento intelectual, espiritual e estético, a partir do S18; (ii) o substantivo indepen-dente, quer seja usado de modo geral ou

São muitos os usos e sentidos que o termo cultura nos sugere, e devemos aqui salientar que o uso por nós adotado é aquele definido por Raymond Willia-ms,[8] enquanto sobreposição de seus diversos sentidos. Dentro desse mesmo ra-ciocínio, devemos atentar ao fato de que o homem se insere na história como um ser cultural, transmitindo seu conhecimento às gerações futuras por meio de for-mas simbólicas.

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específico, indicando um modo particular de vida, quer seja um povo, um período, um grupo ou da humanida-de em geral; (iii) o subs-tantivo independente e abstrato que descreve as obras e as práticas da atividade intelectual e, particularmente, artística.” Neste último sentido, “aplicou-se e transferiu-se a ideia de um processo geral de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético às obras e às práticas que o repre-sentam e o sustentam.” in: WILLIAMS, Ray-mond. Op. Cit., p.117

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COMUNICAÇÃO

[9] WILLIAMS, Ray-mond. Op. Cit., p. 102

[10] PENNA, Antonio Gomes. Comunicação e linguagem. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1970, p.24

[11] Ibidem, p.28

No âmago da palavra comunicar encontra-se a ideia de partilhar, de tornar comum a muitos. Ela deriva da raiz latina communicare, que por sua vez vem da p.r. communis,[9] ou seja, é o ato de tornar algo acessível a outros, de forma pública.

Para Sigmund Freud, um dos fundadores da psicanálise, todo sintoma é tentativa de comunicação.[10] De forma geral, podemos considerar como comunica-ção a necessidade do homem em partilhar questões interiores com o mundo ex-terior e, logo, com receptores, de forma a transmitir e retransmitir conhecimento, ideias, emoções, desejos.

Reduzimos a enorme quantidade de objetos que nos cercam com um nú-mero relativamente reduzido de signos. A linguagem, qualquer que seja ela (verbal ou não-verbal), atinge sua plenitude quando expressa, através de sua construção, a conexão de dois signos. Ela serve como mediação entre dois pólos: o indivíduo que a produz, e o sentido por ele pretendido. É a partir desse momento que se ganha a possibilidade de se fazer referência a objetos que não se encontram presentes no campo da percepção.

Ao se falar em comunicação e linguagem, devemos ter em mente que cada sinal tem um significado comum a certo número de intérpretes. A linguagem depende de toda a cultura, pois tem o objetivo de expressá-la a cada momento. Ela não tem fi-nalidade propriamente em si mesma, e existe apenas para expressar a cultura de for-ma a permitir a comunicação social.[11] Note-se, toda linguagem carrega noções cul-turais, de forma que toda noção surge em nossa consciência carregada de conteúdos valorativos. Dessa forma, entende-se que nenhuma linguagem simbólica possa ser neutra no que se diz respeito à sua associação com noções socioculturais. Como bem exemplificado pelo professor e psicólogo Antonio Gomes Penna, a partir das análises das teorias de Husserl e Merleau-Ponty a respeito da linguagem verbal,

“Falar, na realidade, é exibir toda a plenitude do ser em um processo de relacionamento com o mundo. (...) Aprender a falar, mais do que assimilar certas

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[12] Ibidem, p.31

[13] FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 130.

[14] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p.24

formas verbais em uso pela comunidade lingüística, é assumir papéis e posições dentro do contexto social.”[12]

Nessa perspectiva, fica evidente que, para nos comunicarmos, torna-se im-prescindível a utilização de um código. É através dele que se possibilita a interme-diação entre, por exemplo, o real físico de um objeto e o real da ideia deste mesmo objeto. Segundo Vilém Flusser,

“(...) um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é possibilitar a co-municação entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem (‘significam’) outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mu-tuamente por meio dos códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O homem é um animal ‘alienado’ (verfremdet), e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em códigos, caso queira transpor o abismo que há entre ele e o ‘mundo’. Ele precisa ‘mediar’ (vermitteln), precisa dar um sentido ao ‘mundo’.”[13]

Na mediação significativa entre o mundo externo e interno ao ser humano

existem diversas linguagens. Além da linguagem verbal, existem formas de comuni-car conteúdos expressivos que não se restringem à palavra. Podemos dizer que, ao simbolizarem, as palavras caracterizam uma via conceitual. Entretanto, somos ca-pazes de nos comunicarmos por meio de diversos tipos de ordenações, isto é, atra-vés de formas. “No que o homem faz, imagina, compreende, ele o faz ordenando.”[14] É através de ordenações que se objetiva um conteúdo expressivo. Desse modo, o formar, o criar, é sempre uma questão de ordenar e comunicar.

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[15] FLUSSER, Vilém. Op. Cit.

[16] Ibidem, p.105

[17] Ibidem, p.111

LINGUAGEM VERBAL X LINGUAGEM VISUAL

O problema da distinção entre a linguagem verbal e a linguagem visual já foi abordado, pelo filósofo Vilém Flusser[15], entre outros. Para ele, a diferença funda-mental entre tais linguagens é que, no caso da escrita, é necessário seguir o texto se quisermos captar a sua mensagem, enquanto que, ao observar uma pintura, po-demos apreender a mensagem primeiro e depois tentar decompô-la. O que carac-teriza a leitura de uma imagem é o fato de podermos abarcar sua totalidade num lance de olhar, e então poder analisá-la a partir a partir do que ela nos oferece aos olhos. Diz ele:

“Essa é, então, a diferença entre a linha de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: uma almeja chegar a algum lugar e a outra já está lá, mas pode mostrar como lá chegou. A diferença é de tempo, e envolve o presente, o passado e o futuro.”[16]

Segundo Flusser, estamos inseridos em um contexto sócio-cultural dito

ocidental que se baseia na premissa cartesiana de que pensar significa seguir a li-nha escrita, ou ainda, que pensar significa fazê-lo através do discurso verbal. Neste contexto, atribui-se pouco crédito ao discurso visual como uma maneira de pensar, como portador de formas de pensamento.[17] Ainda que estejamos vivendo em um mundo onde há o excesso de informação visual, essa adquire valor sob o viés de uma forma de comunicação rápida, e não poucas vezes influencia seus receptores de modo subjetivo e inconsciente, como no caso da propaganda.

De maneira geral, os códigos imagéticos (como pinturas, filmes, imagens...) são baseados em convenções que não são aprendidas de forma consciente, ou seja, tratam de um campo subjetivo e inconsciente do ser humano. Já os códigos con-ceituais (como alfabetos) são objetivos, por serem baseados em convenções que

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21COMUNICAÇÃO

[18] Ibidem, p. 113

precisam ser aprendidas e aceitas conscientemente. Ao se tentar traduzir um código imagético em um código conceitual, como

por exemplo ao se tentar analisar uma pintura utilizando-se de palavras, consegui-mos atribuir somente alguns significados à imagem, enquanto outros naturalmente se perdem. Dessa forma, podemos dizer que os fatos são representados pelo pen-samento imagético de uma forma mais completa e rica, enquanto que são repre-sentados pelo pensamento conceitual de forma mais clara e nítida. O próprio ato de se tentar traduzir uma linguagem visual a uma linguagem verbal, ou vice-versa, nos remete ao conhecido ditado italiano – traduttore, traditore (tradutor, traidor).

SÍMBOLOS

Podemos considerar uma palavra um símbolo pelo fato dela mesma subs-tituir, no campo conceitual, a ideia do objeto a que faz referência. Do mesmo modo, as imagens também têm a capacidade de transmitir conteúdos expressivos, ou seja, comunicáveis, e podem ser consideradas símbolos. A partir das diversas for-mas simbólicas é que o homem tem a capacidade de transmitir seu conhecimento, de comunicar-se. Segundo Flusser,

“Símbolos são coisas que têm sido convencionalmente designadas como representativas de outras (seja essa convenção implícita e inconsciente, ou explí-cita e consciente). As coisas que os símbolos representam são o seu significado. Temos então que perguntar como os vários símbolos do universo (...) se relacionam com os seus significados.”[18]

A noção de símbolo foi abordada de uma forma particular pelo psicanalista Carl Gustav Jung. Segundo ele, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando

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[19] JUNG, Carl G. (org). O Homem e seus Sím-bolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 2a edição, p.41

implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato. Nessa inter-pretação, o símbolo tem um aspecto inconsciente mais amplo, que não pode ser definido pela razão. A função do símbolo criado pelo inconsciente é a representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente através da razão. O homem produz símbolos, inconsciente e espontaneamente, na forma de sonhos. Nesse contexto, Jung afirma ser também criativo o inconsciente humano:

“Assim como o conteúdo consciente pode se desvanecer no inconsciente, novos conteúdos, que nunca foram conscientes, podem “emergir”. (...) A descober-ta de que o inconsciente não é apenas um simples depósito do passado, mas que está também cheio de germes de idéias e de situações psíquicas futuras levou-me a uma atitude nova e pessoal em relação à psicologia. (...) além de memórias de um passado consciente longínquo, também pensamentos inteiramente novos e idéias criadoras podem surgir do inconsciente – idéias ou pensamentos que nunca foram conscientes.”[19]

Para Jung, os símbolos oníricos são fundamentais para o equilíbrio psíquico do ser humano. Pelo fato de o homem caminhar, em sua evolução, cada vez mais em direção àquilo que chamamos de consciência civilizada, afastou-se de seus instin-tos básicos. No entanto, esses instintos não deixaram de existir: apenas perderam o contato com a consciência, sendo reprimidos e levados ao inconsciente.

Ainda segundo Jung, o homem moderno é uma curiosa mistura de carac-terísticas adquiridas ao longo de uma evolução mental milenária. Ele pode ter se libertado de inúmeras superstições características das sociedades primitivas, mas nesse processo, perdeu o contato com valores espirituais. Dessa forma, a mente original, que era constituída por toda a personalidade do homem, foi perdendo con-tato com a sua parte primitiva, à medida em que sua consciência foi se desenvol-vendo. Assim,

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23COMUNICAÇÃO

[20] Ibidem, p.124

“aquilo que chamamos de inconsciente guardou as características primiti-vas que faziam parte da mente original. É a essas características que os símbolos dos sonhos quase sempre se referem, como se o inconsciente procurasse ressusci-tar tudo aquilo de que a mente se livrara no seu processo evolutivo – ilusões, fanta-sias, formas arcaicas de pensamento, instintos básicos etc.”[20]

Quando nos esforçamos para compreender os símbolos oníricos, confron-tamo-nos não só com o próprio símbolo, mas com a totalidade do indivíduo que o produziu, onde por totalidade entendemos também a abrangência do seu universo cultural. Vale aqui lembrar que Carl Gustav Jung acreditava que o fazer artístico po-deria ser utilizado como meio de aliviar certas tensões, traumas ou medos prove-nientes ou transmitidos pelo inconsciente.

O SENTIDO DE NOS COMUNICARMOS

Após a enumeração desses aspectos relativos à comunicação, parece-nos incontornável propor a seguinte questão: mas, afinal, qual é o sentido de nos comunicarmos?

Vilém Flusser parece já ter esboçado algumas suposições para essa res-posta. Para ele, a comunicação humana pode ser entendida como uma tentativa de superação da natureza das coisas: vista sob a ótica existencialista (como tentati-va de superação da morte por meio da companhia dos outros), como também sob o ponto de vista formal (como tentativa de produzir e armazenar informações), a comunicação tenta negar tanto a natureza externa ao homem, onde tudo tende à morte, como também a natureza interna do homem.

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[21] FLUSSER, Vilém. Op. Cit, p. 95

“É por isso que estamos todos engajados na comunicação. (...) a comunica-ção humana aparece aqui como propósito de promover o esquecimento da falta de sentido e da solidão de uma vida para a morte, a fim de tornar a vida vivível. Esse propósito busca alcançar a comunicação, na medida em que estabelece um mundo codificado, ou seja, um mundo construído a partir de símbolos ordenados, no qual se represam as informações adquiridas.”[21]

Podemos associar tal explicação ao próprio processo criativo humano, uma vez que criação e comunicação, como exemplificamos até agora, estão intimamente relacionados.

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[22] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p.9

[23] Ibidem, p.69

[24] WILLIAMS, Ray-mond. Op. Cit., p.186

FAZER / MATERIALIZAR / DAR FORMA

Do mesmo modo como vimos que o processo criativo está relacionado com a comunicação, e esta, por sua vez, implica num processo de ordenação, parece-nos imprescindível aqui discutirmos aspectos relacionados ao fazer, ao materializar, ao formalizar, ou seja, ao dar forma. Como define a artista e educa-dora Fayga Ostrower:

“Criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse ‘novo’, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana.”[22]

Para Fayga, o dar forma, ou formar, implica no próprio ato de fazer, na expe-

rimentação com alguma materialidade, a fim de reordená-la. Essa lógica se aplica tanto aos meios sensoriais, quanto abstratos ou teóricos. Em qualquer uma dessas situações, enquanto o fazer existe apenas como intenção, ele só se configura como uma potencialidade, mas ainda não precisamente como forma. “Sem a configura-ção dos meios, não se realiza o conteúdo significativo.”[23]

A palavra forma, derivada do latim forma, é definida por Raymond Williams como: “(i) uma forma visível ou exterior, com forte senso de corpo físico; (ii) um prin-cípio conformador essencial, que transforma um material indeterminado em um ser ou objeto determinado ou específico”.[24] Por meio dessas definições, fica evidente que forma abrange uma gama de sentidos extremos, desde o externo e superficial, até o inerente ou determinante.

Podemos considerar, de certo modo, que a forma se configura como limite externo da matéria. A forma em si é a própria delimitação, mas não no sentido de uma área demarcada ou delineada, uma silhueta. Como esclarece Fayga Ostrower,

“A forma é o modo por que se relacionam os fenômenos, é o modo como se configuram certas relações dentro de um contexto. (...) A forma será sempre com-

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[25] OSTROWER, Fayga. Op. Cit., p.79

[26] KATZ, Renina. Forma. in: MASCARO, Cristiano. Cidades reveladas. São Paulo: Bei, 2006, p. 27

[27] FLUSSER, Vilém. Forma e material. in: Op. Cit., p.22

preendida como a estrutura de relações, como o modo pelo qual as relações se or-denam e se configuram. (...) Desde que a forma é estrutura e ordenação, todo fazer abrange a forma em seu ‘como fazer’..”[25]

Na visão de Renina Katz, artista e professora desta Faculdade:

“A forma responde pela organização do espaço e concretude da matéria, seja ela gerada pela natureza, seja pelo homem. [O significado da forma] é ela mes-ma em si, diferentemente do signo ou do símbolo. A forma é a geradora da imagem na sua infinita possibilidade de representação, no plano ou no espaço, quando re-ferida ao universo da visualidade. Sem a matéria, a forma é no âmbito do universo mental; ou seja, destituída de concretude, abstrata.”[26]

Percebe-se, através deste último relato, que a forma tem uma íntima rela-

ção com a matéria. Ou seja, sem a matéria, torna-se impossível de se ter uma for-ma. Segundo Vilém Flusser,[27] a palavra matéria resulta de uma tentativa dos ro-manos em traduzir para o latim o termo grego hylé, que originalmente significava madeira. Mas, ao empregarem a palavra hylé, os gregos não tinham a intenção de se referir a qualquer tipo de madeira, mas àquela estocada nas oficinas dos carpintei-ros, ou seja, uma madeira que não tivesse forma de árvore, mas uma matéria amor-fa pronta para ser transformada. A oposição aqui presente entre matéria e forma fica ainda mais evidente ao se substituir a palavra matéria por estofo (substantivo do verbo estofar). O mundo material, portanto, seria aquilo que guarnece as formas com estofo, “é o recheio das formas”. A forma se encontraria oculta por detrás dos fenômenos que moldam o estofo.

Podemos afirmar que em toda forma existe o registro, a evidência de um trabalho. Constata-se, através da observação de uma forma, a presença da força criadora original que ordenou a matéria. É a força criadora (la puissance

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[28] DIDI-HUBERMAN, Georges. Palestra proferida durante o curso Anthropologie du Visuel, no dia 31 de ja-neiro de 2011, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França.

[29] KATZ, Renina. Lugares: 13 litogra-fias originais. Tese de doutorado. FAU-USP, 1982. in: Renina Katz. São Paulo: Edusp, 1997, p.239

créatrice) do homem, ou da natureza, esta última considerada por alguns como o próprio divino.[28] De modo geral, quando transformarmos as matérias, esta-mos lidando com um ato, uma ação – o ato de fazer. Esses processos de criação são experiências existenciais, em que nos envolvemos em diferentes níveis, de modo sensível, pensante, atuante. Sobre o processo criativo e o trabalho artísti-co, diz Renina Katz:

“A fatura ou o modo de fazer o trabalho artístico inclui reflexões, escolhas e decisões que pressupõem uma série de etapas e operações nem sempre progra-madas previamente. No curso do trabalho, o artista irá determinar qual a atitude e os critérios convenientes para a obtenção de resultados satisfatórios. No momento em que são colocados os primeiros elementos formadores da imagem, são criadas as bases e as direções fundamentais da organização do campo plástico. No entan-to, esse compromisso não é definitivo, já que o artista, tendo o domínio da lingua-gem e dos meios, pode sempre e a qualquer momento interferir na proposta inicial, transformando o próprio processo de trabalho em fontes de recursos e de soluções inovadoras. Por mais que o projeto possa estar elaborado mentalmente, é na práxis que o artista irá encontrar as possibilidades reais da escolha e decisão. Possibilida-des essas que não obedecem, como se sabe, a critérios totalmente preestabeleci-dos: nesse sentido as escolhas são sempre originais.”[39]

Vale aqui uma observação: embora o acaso seja uma parte importante do

processo criativo, não teremos a pretensão de abordá-lo neste trabalho. De qual-quer forma, o processo criativo humano pressupõe sempre uma intencionalidade, um ser consciente, embora aqui também estejam relacionados processos incons-cientes. Ainda segundo Renina Katz:

“Difícil explicar como se combinam (...) fatores objetivos e subjetivos gera-

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31FAZER / MATERIALIZAR / DAR FORMA

[30] Ibidem, p.261

dores do processo de criação artística. Mas é na materialidade da produção, do tra-balho artístico como fato físico, que se fazem as escolhas, os critérios, a intenção, o desígnio do artista. Os meios e processos são os responsáveis pela transformação de intenções em ações que criam realidades visíveis. (...) A técnica incorpora o co-nhecimento, que se converte em expressão individual, e consagra os valores coleti-vos de uma época e de uma sociedade.”[30]

Durante o seu trabalho criativo, o homem intui. Transforma, ordena, age conforme sua intuição. A todo instante se faz perguntas, deduz, pesa a validez de certos pressupostos. Por um lado, esse processo de escolhas se dá a partir de no-ções intelectuais, conhecimentos previamente incorporados e assimilados; por ou-tro, muitas decisões partem do próprio trabalho com a matéria. Trabalhando com a matéria e procurando conhecer a especificidade do material o indivíduo procura também, dentro das infinitas possibilidades de configuração da matéria, alguma que lhe pareça mais significativa em relação ao seu próprio senso de ordenação interior. Transformando a natureza, o homem se transforma; ou seja, dando forma a novas formas de ordenação, o homem também se reordena.

A LINGUAGEM ADOTADA

A escolha de determinada linguagem para a criação e a experimenta-ção torna-se talvez tão complexa quanto o próprio ato de criar. Estamos aqui falando da escolha da matéria que será utilizada e que irá, portanto, constituir o campo material do trabalho. Tendo em vista que cada material possui inúmeras especificidades – cor, massa, volume, textura, etc. – talvez a mais importante delas, no processo da escolha da linguagem, seja as possibilidades expressivas que tal linguagem possibilita.

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Ao se escolher uma linguagem, o indivíduo tem em mente a obtenção de um meio expressivo desejado. Um mesmo tema pode ser retratado por meio de uma fotografia, uma pintura, uma gravura ou uma escultura, mas os resultados expres-sivos de cada uma dessas linguagens será diferente. Nessa perspectiva, o indivíduo criador deve, ao escolher uma linguagem para se expressar, perguntar-se qual é o sentido expressivo que se pretende transpor ao campo da matéria. E, dessa forma, qual seria a matéria mais adequada para tal?

É importante lembrar que, embora muitas vezes haja uma intenção inicial do indivíduo criador onde seja possível ele se fazer tais perguntas, muitas vezes a experimentação com a linguagem é o ponto de partida para o trabalho. A respectiva materialidade é parte inseparável de qualquer linguagem, particularmente no âm-bito do não-verbal. Como cada linguagem confere particularidades ao processo de feitura, é possível que a própria experimentação com a matéria dê impulso a novas abordagens do indivíduo em relação à linguagem. Aqui distinguimos os conceitos de linguagem e de técnica a que nos estamos referindo – a técnica nada mais é do que o domínio, em maior ou menor grau, da linguagem, de forma a se obter um método específico para atingir sua expressividade. Renina Katz, em entrevista publicada na Folha de São Paulo, discorre sobre essa problemática, dando exemplos que partem de sua própria experiência artística:

“Exatamente isso que é estimulante: a utilização de várias possibilidades para ampliar os meus recursos expressivos. Uma litografia, mesmo em cor, implica uma postura diversa da que eu teria diante de uma aquarela. Cada processo deter-mina em si uma atitude. No momento em que eu estou trabalhando numa litografia, eu me sinto totalmente “litográfica”. É uma postura específica. O próprio peso mus-cular é outro, a pedra provoca uma pulsação diversa daquela que se tem diante de uma folha de papel ou de uma tela. Isso vale para a xilogravura e para o metal.

Quando se está envolvido num processo técnico é preciso tempo para uma

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[31] Trecho de entrevis-ta publicada no jornal Folha de São Paulo, 19 set. 1976. in: Renina Katz. São Paulo: Edusp, 1997, p.56

integração harmônica com esse processo. (...) Com a retomada de uma outra téc-nica, a gente pode perceber que, de certa forma, há um acúmulo de experiência e conhecimento para além do domínio técnico que vai influir e enriquecer o trabalho, seja ele em que técnica for. Isso para acentuar que a escolha da técnica é apenas um veículo de desdobramento das possibilidades de expressão.”[31]

FAZER / MATERIALIZAR / DAR FORMA

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[32] MONDRIAN, Piet. A definição do espaço na pintura, escultura e arquitetura (1944). in: MONDRIAN, Piet. Neoplasticismo na pintura e na arquitetu-ra. Organização: Carlos Leite Brandão. São Paulo: Cosac & Naify, 2008, p.179

[33] NORBERG--SCHULTZ, Christian. O fenômeno do lugar. in: NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006, p.449

[34] BONOMI, Ma-ria. Composição. in: MASCARO, Cristiano. Cidades reveladas. São Paulo: Bei, 2006, p. 57

O ESPAÇO

“O espaço não tem outra função que a de tornar a vida possível, mas o espaço não é a vida. Para que a vida

exista, o espaço indefinido deve tornar-se definido.” Piet MONDRIAN[32]

O processo criativo está intimamente relacionado com as noções de comu-nicação, ordenação e feitura (ou o fazer). Como vimos acima, o criar está associado com o dar forma, ou seja, em colocar no espaço e materializar uma intenção. Torna--nos necessário, portanto, conceituar o que entendemos pela palavra espaço. Nos referimos, neste trabalho, ao espaço não como uma noção essencialmente mate-mática, mas como uma dimensão existencial.

O arquiteto e teórico norueguês Christian Norberg-Schultz nos aponta que a literatura corrente distingue dois usos para o conceito de espaço: o espaço como geometria tridimensional; e espaço como campo perceptual.[33] Tais definições, no entanto, não nos parecem transmitir a totalidade e abrangência que a palavra espa-ço nos remete em uma experiência cotidiana perceptiva e intuitiva.

A artista Maria Bonomi nos traz, por meio de uma descrição de cunho poéti-co, talvez uma definição mais abrangente do termo:

“O Espaço é o único território que não podemos imaginar a não ser quando re-ferenciado cientificamente. Contudo é visual até na memória. Ele é físico mesmo quan-do o sonhamos, e reconhecível em escala sempre infinita de extremos antagônicos.

Gigantesco ou diminuto; acima, abaixo ou ao lado de nós... O Espaço é nosso li-mite de ocupação, de pertinência e convívio. Não o percebemos, mas é ativo em nós. Poe-ticamente o captamos quando se transforma em vivência objetiva numa restituição privi-legiada que podemos ‘experimentar’ progressivamente [através das artes]. Não o retrato da materialidade, mas o ordenamento das idéias com a duração de um ‘tempo-chave’.”[34]

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Aqui, Bonomi nos aponta que a apreensão do espaço se dá na medida em que o indivíduo estabelece relações significativas com ele. Embora não se note com tanta frequência, o homem se relaciona com o espaço desde o momento em que vem ao mundo.

A RELAÇÃO INDIVÍDUO-ESPAÇO

a . na primeira infância

De fato, a relação de identificação entre o indivíduo e o espaço em que ele se insere pode ser notada desde sua primeira infância. Suas primeiras formas de se relacionar com o espaço já envolvem os diversos sentidos (audição, tato, olfato, paladar, visão). A diversidade de formas espaciais são experimentadas pelo bebê através do próprio viver – olhando, pegando, segurando, jogando, botando objetos na boca, escondendo objetos etc. Assim, a criança explora o mundo à sua volta de forma que, ao mesmo tempo em que adquire noções espaciais, adquire também noções de si mesma: descobre-se como sendo um espaço menor inserido em um espaço maior. Para poder crescer, tornar-se consciente e formar uma identidade pessoal, a criança deve passar por experiências espaciais, descritas por Fayga Os-trower da seguinte maneira:

“(...) Quando a criança começa a falar, ela já tem todo um acervo de expe-riências, a vivência de tamanhos e distâncias, da configuração de objetos, suas formas, cores, feitios, tessituras, gostos e cheiros, se são grandes ou pequenos, alcançáveis ou inalcançáveis, prazerosos ou não. Ainda que as referências afe-tivas sejam da própria personalidade que está se formando, pois é em relação a ela mesma que a criança ganha a visão de mundo, este é um universo comum que

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[35] OSTROWER, Fayga. A construção do olhar. in: NOVAES, Adauto (org). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 11a reimpressão de 1988, p.172

[36] A partir de ideias discutidas em NORBERG-SCHULTZ, Christian. Op. Cit. p.452

se compõe de espaços vividos. (...) Assim, o espaço será o referencial ulterior de todas as linguagens.”[35]

b . na linguagem verbal

Em qualquer língua, se quisermos transmitir o conteúdo de uma experiência, somos levados a recorrer a imagens do espaço. De fato, quando nos comunicamos por uma linguagem verbal, somos levados constantemente a imagens espaciais, através das palavras. Dizemos que um tema pode ser profundo, ou que uma pessoa pode ser superficial. A palavra compreender, por exemplo, nos traz uma noção espa-cial na medida em que con significa junto, e prender, ligar. Ou seja, ligar junto. Isso ocorre também no inglês – to understand – onde, no inglês antigo, antar significa estar entre, in between. Ou seja, poder levantar-se em meio de alguma coisa.

Nas línguas em geral, os lugares são designados por substantivos. A própria palavra substantivo significa algo real, que tem uma independência existencial. Isso implica em uma compreensão de que consideramos que os lugares de fato exis-tam, e que podemos nos referir a eles através de palavras como floresta, praça, rua, casa, parede, etc.[36]

Já o espaço, como um sistema de relações, é indicado nas línguas por meio de preposições. No português – de, em, entre, sob, sobre, para, desde, com. Ou seja, no cotidiano, raramente falamos do próprio espaço, mas nos referimos à maneira como os fenômenos podem ser percebidos, por meio de um sistema de relações espaciais.

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[37] OSTROWER, Fayga. A construção do olhar, p.175

O ESPAÇO

c . nas linguagens visuais

Situamo-nos espacialmente por meio da linguagem verbal. O mesmo ocor-re, de forma análoga, à maneira como nos relacionamos com as linguagens visuais. Ao se observar uma forma imagética expressiva, a própria percepção encerra um momento de avaliação, onde o indivíduo, consciente ou inconscientemente, se refe-re a si mesmo e a ritmos e tensões de espaços vividos e reencontrados na imagem. Neste ato de perceber, o indivíduo identifica-se, adquirindo uma dimensão de si.

Dessa maneira, vale lembrar que em qualquer ato criativo, e na arte em par-ticular, só se formulam imagens de espaços vividos, jamais de algum espaço absolu-to ou algum tipo de conceituação completamente abstrata. Dessa forma, o homem é sempre a medida, é o referencial para tais relações. Segundo Fayga Ostrower:

“Nisto, a arte difere da matemática e até mesmo da filosofia. A arte repre-senta sempre a expressão direta de valores que se originam no próprio viver. Daí, a partir de tantas vivências diferentes, existem tantos estilos diferentes.”[37]

Aqui, Ostrower nos aponta a um discurso que nos será útil no decorrer deste trabalho: ao se falar em uma representação do espaço, estamos lidando com a mes-ma ideia de tradução que mencionamos anteriormente (no caso da transposição da linguagem visual para a verbal). Visto que, ao se tentar captar a espacialidade de determinada situação, ocorre um processo também de tradução entre o meio físico daquilo que é observado, entre a percepção daquele que se propõe a representar, e da materialidade da linguagem com a qual este se propõe a registrar tal percepção. Podemos dizer, portanto, que qualquer conteúdo expressivo que provenha do artis-ta, no caso da linguagem visual, é uma interpretação. Neste contexto, a linguagem serve como uma ferramenta para a apreensão do mundo – uma mediadora entre o criador e o criado.

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A PERSPECTIVA

Como exemplificação de um modelo de representação, podemos citar a perspectiva, ferramenta que foi desenvolvida com afinco no Renascimento e que tem um peso simbólico essencial, enquanto sistema de representação, na história da arte ocidental. Ao nosso ver, a perspectiva, mais do que um momento artístico ou um progresso técnico, é um claro exemplo da representação como interpretação. Trata-se de uma técnica de captação da imagem percebida, utilizando-se de pre-missas matemáticas e ópticas, onde retrata-se um ponto de vista bem estabelecido – ou seja, a visão de alguém.

Não podemos atribuir a ausência do método da perspectiva à ignorância ou à falta de habilidade. Notamos sua ausência, por exemplo, na arte medieval. No en-tanto, observando as obras-primas desse período – catedrais, esculturas, objetos sacros – seria absurdo afirmar que o homem medieval fosse incapaz de discrimi-nar distâncias, profundidades, relações de escala entre o próximo e o distante. O homem medieval era capaz de notar tais relações, mas, no entanto, não lhe ocor-ria relacionar tais aspectos de forma a representar cenas na forma perspectivada. A perspectiva se define, portanto, por uma reconfiguração de relações percebidas, em uma forma significativa. Trata-se de uma questão de atribuição de valor à forma como uma representação se ordena. Ou seja, não faria sentido à cultura medieval utilizar a forma de representação da perspectiva – representando objetos a partir de um ponto de vista humano – mas sim divino e onipresente.

A ordenação do espaço através da utilização da perspectiva representa, portanto, uma forma de conceber o espaço. Representa uma forma de conceituar o espaço perce-bido, mas acima de tudo, simboliza uma visão de mundo. Sobre isso, diz Erwin Panofsky:

“Si la perspectiva no es un momento artístico [y si un problema matemático], constituye, sin embargo, un momento estilístico y, utilizando el feliz término acuñado

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[38] PANOFSKY, Erwin. La perspectiva como forma simbólica (1927). Espanha: Tusquets,

1985. 5a Ed, p.23

[39] JORGE, Luís Antônio. O desenho da janela. São Paulo: An-nablume, 1995, p.56

O ESPAÇO

por Ernst Cassier, debe servir a la historia del arte como una daquellas ‘formas sim-bolicas’, mediantes las cuales ‘un particular contenido espiritual se une a un signo sensible concreto y se identifica intimamente con él’. Y es, en este sentido, essen-cialmente significativa para las diferentes épocas y campos artísticos, no sólo en un tanto tengan o no perspectiva, sino en cuanto al tipo de perspectiva que posean.”[38]

A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA: A JANELA

A janela, elemento construtivo dos espaços concebidos e habitados pelo homem, aparece na arte renascentista como uma ponte entre a arte e a arquitetura. O próprio uso da perspectiva, ou seja, considerar um espaço recortado e secciona-do de forma a ser projetado em um plano por meio de relações matemáticas, esta-belece uma relação de aproximação entre a janela e a moldura. A janela, portanto, representava o cruzamento ou a interação entre a pintura e a arquitetura. Além dis-so, podemos notar que a concepção do elemento janela também se modificou du-rante tal período. O tema da janela vista como elemento simbólico já foi abordado, entre outros autores, pelo arquiteto e professor Luís Antônio Jorge:

“Era justamente a indiferenciação entre espaço real e espaço imaginário o signo do casamento entre arquitetura e pintura. (...) [A janela] por sua vez, represen-tava a interface entre a pintura e a arquitetura, entre a espacialidade figurativa e o espaço arquitetônico, ou ainda, o filtro intersemiótico entre essas duas linguagens. A janela é moldura, mas também perspectiva. A janela, ao delimitar o campo de vi-são e situar o observador, fundia o espaço bidimensional da moldura ou do plano de representação com o espaço tridimensional, real ou imaginário – representativo de um olhar extremamente idealizado e auratizado: a imagem correta, ordenada, hie-rarquizada, mensurável e harmônica da pintura.”[39]

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[40] OSTROWER, Fayga. A construção do olhar. p.174

[41] NORBERG--SCHULTZ, Christian. Op. Cit., p.450

LIMITES

O que nos dá dimensão no mundo? Talvez sejam os espaços vividos cotidiana-mente que nos possibilitam uma comparação entre escalas – entre o mundo e nós.

Tanto a percepção quanto a representação de qualquer realidade depende da noção de limite. Tomemos como exemplo, no ato de se tentar fazer um desenho de uma paisagem, uma janela através da qual tal paisagem é observada e o for-mato da tela onde ela será retratada – ambos estabelecem um claro recorte entre aquilo que se percebe e aquilo que se tenta representar. Observando situações dessa natureza, percebemos que os limites são necessários para qualquer tipo de análise. Os limites nos permitem intuir a existência de uma estrutura interna, da forma, ou seja, da estrutura, organização e ordenação de qualquer fenômeno. Segundo Fayga Ostrower,

“(...) só podemos perceber formas, ou ordenações que sejam delimitadas. O que não conseguimos delimitar, nem conseguimos perceber. Assim, em qualquer área do conhecimento, a compreensão depende da noção de limites – percebemos a partir de limites que se estabelecem no ato da percepção. Temos que aceitá-lo como um aspecto fundamental de nosso próprio ser.”[40]

O problema dos limites também já foi abordado por Christian Norberg-

-Schultz.[41] Segundo ele, todo espaço cercado é definido por uma fronteira. No caso do espaço construído, as fronteiras são constituídas pelo chão, a parede e o teto. Na paisagem, as fronteiras são estruturalmente semelhantes, e são percebidas pela delimitação entre o solo, o horizonte e o céu. Nesta análise, a janela, ou melhor, as aberturas, são elementos fundamentais: elas determinam as propriedades típi-cas de uma fronteira, no confinamento do espaço.

No caso da percepção, nossos sentidos parecem operar dentro dos limites

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43O ESPAÇO

de uma espécie de campo perceptivo. A noção de limite ainda pode ser analisada sob a ótica da memória. Do mesmo modo como a percepção implica em uma delimi-tação, uma seleção daquilo que está sendo percebido, a memória também estabe-lece os limites entre aquilo que lembramos, pensamos e imaginamos. Ao lembrar-mos, ordenamos memórias.

De forma análoga, podemos afirmar que só se pode comparar algo a ou-tro algo. O ato de perceber implica nessa compreensão da relação entre as par-tes – seja um objeto comparado a outro objeto, ou comparado ao próprio ser hu-mano. Voltamos a frisar a ideia de que, ao perceber algo, o ser humano toma-se sempre como referencial. Dessa forma, podemos afirmar que o ato de perceber os nossos limites no mundo nos dá um referencial para nós mesmos. Para se poder analisar ou compreender relações espaciais, devemos, portanto, estabe-lecer ou perceber relações de limites nesse campo. Como já citamos, Maria Bo-nomi define o próprio espaço como sendo o nosso limite de ocupação. Veremos adiante que a noção de limites foi muito importante no desenvolvimento do tra-balho prático apresentado neste tfg.

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PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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[42] BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 2a Ed, p.190

PAISAGENS IMAGINÁRIAS

“A imensidão está em nós. Está ligada a uma espécie de expansão de ser que a vida refreia, que a prudência detém,

mas que retorna na solidão. Quando estamos imóveis, esta-mos algures; sonhamos num mundo imenso. A imensidão é o movimento do homem imóvel. A imensidão é uma das

características dinâmicas do devaneio tranqüilo.” Gaston BACHELARD[42]

A DIALÉTICA INTERIOR-EXTERIOR Dirijo-me à sensibilidade de cada um. A partir de uma vivência na cidade de

São Paulo, do convívio com informações excessivas e antagônicas, do viver pragmáti-co e quase automático, este trabalho surge como um embate necessário, resultante de uma profunda inquietação em relação a essa urbanidade que presenciamos.

São Paulo é uma cidade territorialmente imensa, com deslocamentos tra-vados, cujos espaços estão completamente fragmentados. Embora dediquemos ho-ras nos necessários percursos diários, as imagens da cidade que se apresentam diante de nossos olhos são aquelas de rápida captação, superficiais e insuficientes para uma relação mais profunda com o espaço vivido. Desta forma, o conteúdo vi-sual apreendido em nossa vivência nesta cidade se encontra em profundas contra-dições. O próprio viver tornou-se um tanto quanto angustiante, uma relação super-ficial e de não-identificação com o ambiente e com os demais que nele habitam, constroem, em suma, sobrevivem.

Nesse contexto, a dialética entre os espaços internos e externos, em São Paulo, chega a limites claros: são os limites entre o público e o privado, entre o in-seguro e o seguro, entre a rua e a casa. Piet Mondrian nos traz algumas reflexões quanto a esse tipo de relação:

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[43] MONDRIAN, Piet. A casa – a rua – a cidade (1926). in: MONDRIAN, Piet. Neoplasticismo na pintura e na arquitetu-ra. Organização: Carlos Leite Brandão. São Paulo: Cosac & Naify, 2008, p.157

[44] NORBERG--SCHULTZ, Christian. Op. Cit., p.450

“Tanto no passado como nos dias atuais, a casa tem sido um verdadeiro “refúgio” para o homem! Mas não há nenhuma equivalência entre a casa e a rua, e portanto nenhuma harmonia nem unidade na cidade. Em parte isto se deve ao clima e, em parte, à falta de igualdade entre os diversos indivíduos. Em virtude da desigualdade entre os homens, eles desenvolvem a tendência natural de evitar uns aos outros.”[43]

Tal constatação pode nos levar a uma análise mais profunda da relação en-

tre a casa e a rua: talvez devêssemos nos referir à relação entre a paisagem e o assentamento, de forma a melhor compreender como essa dialética interfere na percepção do indivíduo que vive entre esses espaços.

Segundo Christian Norberg-Schultz,[44] as paisagens se caracterizam por terem extensões variáveis, embora contínuas. Já os assentamentos são objetos murados entre fronteiras. Dessa maneira, as entidades assentamento e paisagem mantém entre si uma relação de figura-fundo. Só se pode perceber um em relação ao outro e, de modo geral, aquilo que fica encerrado pelo assentamento se caracte-riza como figura, enquanto a paisagem constitui o seu fundo.

A TENTATIVA DE COMPREENDER O ESPAÇO: UMA PESQUISA VISUAL

Este trabalho se constituiu a partir da vontade de explorar formas de apre-ensão de uma noção de espacialidade, baseado em vivências na cidade de São Pau-lo. Dessa forma, procurou-se compreender o espaço através de sua observação, re-presentação e recriação, elaborando-se uma pesquisa visual.

As situações evocativas de lugares vividos em meu cotidiano pela cidade, bem como as paisagens vistas a partir da minha própria casa deram origem aos experimentos gráficos que aqui apresento, que surgem como uma interpretação

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[45] KATZ, Renina. Lugares: 13 litografias originais. p.237

destes mesmos lugares – observados, sonhados, imaginados e representados – em suma, recriados. Neste trabalho, a imagem da cidade não implica necessariamente em formas de reconhecimento, mas sim de conhecimento: trata-se de uma experi-mentação que parte de uma relação sensível com a paisagem urbana, resultando em uma revelação de novas realidades.

É importante notar que estamos aqui nos referindo à ideia de lugar, em contraposição à apreensão do espaço enquanto organização tridimensional de ele-mentos. Nessa perspectiva, estamos lidando com a ideia de espaço vivido, ou seja, do espaço provido de caráter. Dessa forma, renuncia-se à pretensão de fornecer ve-rossimilhança ou duplicatas da realidade, mas busca-se propor outras realidades, a partir de uma coleção de signos que foram observados, rememorados e articula-dos pelo imaginário.

A noção de limite estrutura este trabalho. Como vimos anteriormente, é a partir desse conceito que se possibilita que qualquer objeto possa ser analisado. Lembrando, como bem observou Fayga Ostrower, para se poder analisar algo, deve-mos primeiro delimitar este algo, de forma que possamos percebê-lo, para depois poder compará-lo. Algo é sempre algo em relação a outra coisa, sendo exatamente essa relação que permite a própria possibilidade de comparação. Daí a necessida-de de se delimitar um tema para este trabalho. De qualquer modo, como bem expli-citado por Renina Katz,

“o tema, de uma maneira geral, não parece ser o fator determinante dos conteúdos e significados do trabalho artístico. O tema tem função de indicador de fatos, de situações, objetos e referências externos à obra. Ao ser incorporado, perde valor de informação para ganhar valor de criação de formas expressivas.”[45]

Para a realização deste trabalho, parti da comparação entre situações es-paciais, procurando ressaltar a dialética do interior e exterior – entre o desconhe-

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[46] OSTROWER, Fayga. Criatividade e proces-sos de criação, p.135

PAISAGENS IMAGINÁRIAS

cido e o conhecido, entre o eu e o outro. Para isso, alguns elementos próprios da etapa de feitura e concepção se mostraram estruturais na elaboração de algumas reflexões, entre eles a janela; a ideia de paisagem; o suporte; o recorte (ou enqua-dramento); a perspectiva (que representa o ponto de vista de alguém); em suma, reflexões que se espera poderem ser lidas a partir da própria obra gráfica.

Sendo assim, é importante notar que a janela estabelece a noção de limite imposto neste trabalho. Trata-se de devaneios a partir de imagens, tanto observa-das, quanto imaginadas. A janela estabelece esse limite, pois é o ponto de partida de tais observações. É a janela do quarto, do ônibus, do carro, do espaço encerrado, do interno, a janela do olho... ou seja, é a janela que estabelece a fronteira entre o interior e o exterior.

Como último comentário, gostaria de deixar clara a natureza de registro deste trabalho, ao mesmo tempo em que é uma pesquisa. Nele está presente a von-tade de documentar percepções específicas de um dado momento, em um dado lu-gar, em um dado momento cultural. Esse documento deve ser visto como a visão de um indivíduo inserido em um contexto social mais abrangente, e uma tentativa de reflexão e reconhecimento individual em relação ao ambiente em que habitamos. Através dessa produção visual espero poder contribuir na discussão a respeito da experiência urbana, e ampliar a consciência daqueles que se sujeitem a observar esse conjunto composto pela minha busca pessoal. Porque afinal, como observa Fayga Ostrower, “[o processo de criar] tanto enriquece espiritualmente o indivíduo que cria, como também o indivíduo que recebe a criação e a recria para si.”[46]

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Aquarela sobre papel

30x30 cm

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Aquarela sobre papel

30x30 cm

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57PAISAGENS IMAGINÁRIAS

Aquarela sobre papel

30x30 cm

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59PAISAGENS IMAGINÁRIAS

Aquarela sobre papel

30x30 cm

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61PAISAGENS IMAGINÁRIAS

[À esquerda] aquarela

sobre papel, 30x30

cm. [À direita] acima:

aquarela sobre papel,

8,5x10 cm; abaixo:

aquarela e grafite

sobre papel, 8,5x12 cm.

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[À esquerda] acima:

aquarela sobre papel,

7,5x12 cm; abaixo:

aquarela sobre papel,

13,5x18 cm. [À direita]

aquarela sobre papel,

30x30 cm.

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63PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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65PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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[Página anterior]

xilogravuras sobre

papel hahnemühle:

[esq.] 25,5x33,5

cm (papel), 10x20

cm (mancha); [dir.]

25,5x33,5 cm (papel),

12x23,5 cm (mancha).

[Nesta página] abaixo:

guache sobre papel,

9,5x11 cm; à direita:

guache sobre papel,

24x30 cm.

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69PAISAGENS IMAGINÁRIAS

[À esquerda] acima:

aquarela sobre papel,

9x11 cm; abaixo:

aquarela sobre papel,

10x12 cm. [Nesta

página] aquarela sobre

papel, 10,5x13,5 cm.

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71PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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73PAISAGENS IMAGINÁRIAS

[Páginas 70 e 71]

Fotografias analógicas

em filme colorido.

[Nesta página] à

esquerda: água

tinta, impresso em

papel hahnemühle,

39x40 cm (papel),

30x30 (mancha);

à direita: ponta

seca e água tinta,

impresso em papel

hahnemühle,27x26

cm (papel), 14,5x19,5

(mancha)

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75PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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[Página 74] Fotografias

digitais. [Página 75]

Fotografias analógicas

em filme preto e

branco. [Nesta página]

aquarela sobre papel,

30x30 cm.

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77PAISAGENS IMAGINÁRIAS

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Aquarela sobre papel,

30x30 cm.

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81PAISAGENS IMAGINÁRIAS

[À esquerda]

xilogravura sobre papel

hahnemühle, 23x25

cm (papel), 10x10

(mancha). [À direita]

experimentos com

ampliação de negativos

fotográficos pb sobre

papel ilford, 10x15

(cada).

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PAISAGENS IMAGINÁRIAS 83

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[Página 82] Fotografia

digital. [Página 83]

Fotografias analógicas

em filme preto e

branco. [Nestas

páginas] Fotografias

analógicas em filme

preto e branco.

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89PAISAGENS IMAGINÁRIAS

[Páginas 86 e 87]

aquarela sobre papel,

38x46 cm. (direita

idem). [Nesta página]

aquarela e guache

sobre papel, 38x46 cm.

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[47] Ibidem, p.86

CONCLUSÕES E HIPÓTESES PARA FUTURAS PESQUISAS

A esta altura, parece-nos essencial evocar algumas indagações iniciais de modo que nos seja permitido estabelecer algumas conclusões e encaminhar ques-tões a serem discutidas em futuras investigações.

Como procuramos indicar, a criatividade constitui-se basicamente como uma característica inerente ao homem. Através do ato criativo, estabelecemos formas de nos relacionarmos com o mundo, nos identificando e construindo uma identidade com o mesmo. Estabelecemos ordenações e conferimos significados ao nosso mundo, ao mesmo tempo em que nos ordenamos internamente e crescemos de forma mais coerente, estruturada e significativa. Por meio do processo criativo, podemos retirar do fazer um intenso prazer, um certo sentido de realização, de gra-tificação íntima e, nessa medida, de identificação, enriquecendo nossa sensibilida-de. O homem cria não somente porque quer, ou porque gosta, mas porque precisa dar um sentido para sua existência.

No contexto em que a criatividade seria o próprio potencial sensível do ho-mem, ligado a uma atividade socialmente significativa para o indivíduo, qualquer atividade seria um criar. Poderíamos transpor nessa situação, portanto, toda a lógi-ca do processo criativo que discutimos ao longo deste trabalho a qualquer atividade humana, desde que ela seja significativa para quem a faça.

Caberia aqui um comentário quanto à maneira como as metodologias de ensino têm atuado no que diz respeito ao ensino criativo. A partir deste trabalho, notei a importância de se encorajar um ensino onde haja o desenvolvimento me-tódico e amplo da personalidade criativa do aluno. Nos dias de hoje, de forma ge-neralizada, o aluno acaba por se conformar a um modelo geral onde o conhecer foi reduzido a um saber, e o saber, a um teorizar, por vezes seguindo caminhos já muito trilhados. Como bem observou Fayga Ostrower, “a compreensão sensí-vel das coisas, integrando experiência e inteligência, parece ter sido abolida”.[47] Nesse contexto, podemos dizer que o atual desdém pela experiência sensível do homem, por vezes primária, em contraposição ao conhecimento racionalizado,

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[48] PALLAMIN, Vera. Princípios da Gestalt na organização da forma: abordagem bidimensional. Tese de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 1989. p.1

traduz o desinteresse pelo próprio ser humano, o que põe em evidência o clima alienante de nossa sociedade.

Pude notar que, de forma análoga, o mesmo ocorre no campo da Arquite-tura. Não poucas vezes, os conteúdos parecem ser abordados de forma um tanto hermética e pouco criativa ou inspirada, limitando a compreensão do riquíssimo campo da arquitetura basicamente a um repertório de elementos visuais pré--estabelecidos, consciente ou inconscientemente. Ou seja, presos a velhos para-digmas, ainda que sob o rótulo de modernos. Como bem observou em sua tese a professora Vera Pallamin,

“O estudo da forma e sua organização não tem sido abordado devidamente em nossa formação. (...) Apesar de lidarmos constantemente com a forma em nos-sas atividades curriculares, o conhecimento das suas especificidades, enquanto elemento essencial da percepção e da linguagem visual, é relegado a segundo pla-no. (...) a ideia de se trabalhar a capacidade visual e artística do aluno é confundida com informações técnico-históricas sobre as obras nas aulas (...).”[48]

Acredito que o desenvolvimento da sensibilidade visual confere uma uni-

dade ao ensino na arquitetura, e que tal desenvolvimento, baseado em uma ex-perimentação criativa, é uma forma eficaz de se assimilar conceitos e aprofundar conhecimentos. A constante prática e o desenvolvimento da percepção visual deve-riam, portanto, ser elementos fundamentais no ensino da arquitetura. Lembremos que a arquitetura cria cidade e, como dizia Piet Mondrian, a própria arte expressa anseios estéticos e de estruturação que podem dar lugar a uma nova arquitetura e a um novo relacionar-se com a cidade. Talvez seja a partir de uma nova metodologia de educação visual, ou talvez de uma reeducação visual mais aprofundada, que se-remos capazes de construir uma cidade menos inóspita, mais aprazível.

Ora, a cidade contemporânea nos obriga a repensar como se recolocaria

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[49] Ver mais em OSTROWER, Fayga. Criatividade e proces-sos de criação, p.130

[50] MATISSE, Henri. in: FOURCADE, Dominique (org). Op. Cit., p. 370

a temática da criatividade. Nesse quadro, volta a ter relevo a antiga questão da educação, ou melhor, da reeducação, de modo que a criatividade adquira sua real e atualizada importância.

A formação de uma sensibilidade criativa é complexa por definição, pois depende de inúmeras condições e variáveis. Desde a criança, até a mais avançada maturidade, o homem pode se relacionar com o mundo de modo criativo. Como vimos, o criar, no desenvolvimento de uma criança, está em seu próprio viver e no seu relacionar-se ao mundo. Neste processo, a criança age mudando o mundo e, principalmente, mudando a si mesma. Ainda que ela possa afetar o ambiente, o seu objetivo não é esse – ela o faz para que possa crescer e se realizar.[49]

Em busca de um viver mais criativo, muito andamos neste nosso percurso, chegando às reflexões aqui apresentadas. No entanto, podemos ainda tomar as palavras de Henri Matisse como um caminho a se trilhar, o que evidencia tanto a atualidade do tema quanto a necessidade de desbravá-lo:

“É preciso ainda saber conservar esse frescor da infância no contato com os objetos, preservar essa ingenuidade. É preciso ser criança a vida toda ao ser ho-mem, sempre tirando a sua força da existência dos objetos – e não ter a imaginação cortada pela existência [dos mesmos].

(...) É nesse sentido, creio eu, que se pode dizer que a arte imita a natureza: pelo caráter vivo que um trabalho criador confere à obra de arte. Então a arte apare-cerá tão fecunda e dotada desse mesmo frêmito interior, dessa mesma beleza res-plandecente que possuem as obras da natureza. É preciso um grande amor, capaz de inspirar e sustentar esse esforço contínuo em busca da verdade, essa generosi-dade ilimitada e esse despojamento profundo que se encontram na gênese de toda obra de arte. Mas o amor não está na origem de toda criação?”[50]

Page 93: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

93CONCLUSÕES E HIPÓTESES PARA FUTURAS PESQUISAS

Page 94: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

[Específica] ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual, uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 2a Ed.

BEAUDOT, Alain (org.). La Créativité. Paris: Dunod, 1973. 4a edição.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

FOURCADE, Dominique (org). Henri Matisse: escritos e reflexões sobre arte. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

JORGE, Luís Antônio. O desenho da janela. São Paulo: Annablume, 1995.

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

KATZ, Renina. Lugares: 13 litografias originais. Tese de doutorado. FAU-USP, 1982. in: Renina Katz. São Paulo: Edusp, 1997, p.239

. Coleção Cadernos de Desenho. São Paulo: Imprensa Oficial, 2011.

MASCARO, Cristiano. Cidades reveladas. São Paulo: Bei, 2006.

MONDRIAN, Piet. Neoplasticismo na pintura e na arquitetura. Organização: Carlos Leite Brandão. São Paulo: Cosac & Naify, 2008.

BIBLIOGRAFIA

Page 95: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

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OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Ed. Vozes, 1978.

. A construção do olhar. In: Novaes, A. (org). O Olhar. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. Pp. 167-182.

PALLAMIN, Vera. Princípios da Gestalt na organização da forma: abordagem bidimensional. Tese de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 1989.

PANOFSKY, Erwin. La perspectiva como forma simbólica (1927). Espanha: Tusquets, 1985. 5a Ed.

PENNA, Antonio Gomes. Comunicação e linguagem. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1970.

SARDÀ, Albert. Prefácio, in: EHRENZWEIG, Anton. Psicoanálisis de la percepción artística. Barcelona: GG., 1976.

WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007.

Page 96: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

96

BORNHEIM, Gerd. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. São Paulo: Globo, 2003. 11a Ed.

BRACHER, Elisa. Maneira branca: gravuras de Elisa Bracher. São Paulo: Cosac Naify: Pinacoteca do Estado, 2006.

CARERI, Francesco. Walkscapes: El andar como práctica estética. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2002.

CHAUÍ, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In: Novaes, A. (org.) O Olhar. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. Pp. 31-63.

COSTA, Rafael. Imaginário. São Paulo: Bei, 2011.

DWORECKI, Silvio. Em busca do traço perdido. São Paulo: Scipione Cultural: Edusp, 1998.

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HALPRIN, David. Cities. New York: Reinhold Pub. Corp., 1963.

MILLIET, Sérgio. Quatro ensaios. São Paulo: Martins, 1966.

NOVAES, Adauto (org). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 11a reimpressão (1a Ed. 1988).

PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004.

REED, Lou. Emotions, Actions. Götingen: Steidl, 2003.

[Geral]

Page 97: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

97

[Filmografia]

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JARDIM, João; CARVALHO, João. Janela da alma. Filme documentário. Brasil, 2001. 73’.

WENDERS, Wim. Tokyo-Ga. Filme documentário. EUA/Alemanha, 1985. 92’.

. Pina. Filme documentário. Alemanha, 2011. 103’.

Page 98: Paisagens Imaginárias. O processo criativo: linguagens de representação do espaço

Aos meus pais, pela sabedoria transmitida, carinho e amizade, sempre.Aos professores Giorgio, Tuneu e Feres, que muito me ensinaram ao longo deste trajeto.Aos professores que me ajudaram, tanto neste trabalho quanto em todo meu percurso dentro desta Universidade.Aos amigos, pela paciência, conversas e risadas que transformaram este tfg.

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Paisagens imaginárias

O processo criativo: linguagens de representação do espaço

Trabalho Final de Graduação de Julia Lopez da Mota

FAU/USP 2012

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Fontes Akkurat e Brioni Papel Opalina 120g/m2 Impressão Prol

Impresso em novembro de 2012 Tiragem 15