paginas 1 a 55 meishu sama.pdf

55
0 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO HELOISA HELENA GUEDES TERROR O BELO E A SALVAÇÃO NO PENSAMENTO DE MEISHU-SAMA SÃO BERNARDO DO CAMPO 2009

Upload: sabrinacortez

Post on 19-Nov-2015

72 views

Category:

Documents


12 download

TRANSCRIPT

  • 0

    UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO

    FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO

    HELOISA HELENA GUEDES TERROR

    O BELO E A SALVAO NO PENSAMENTO DE MEISHU-SAMA

    SO BERNARDO DO CAMPO

    2009

  • 1

    HELOISA HELENA GUEDES TERROR

    O BELO E A SALVAO NO PENSAMENTO DE MEISHU-SAMA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio como exigncia parcial para a obteno do grau de Mestre. Orientao: Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet.

    SO BERNARDO DO CAMPO

    2009

  • 2

    Para

    Ademar (in memoriam) e Lourdes.

    Sem a existncia de meu pai e de minha me

    no existiriam, neste mundo,

    meu corpo e minha alma.

    Meishu-Sama

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Etienne Alfred Higuet, orientador e professor dedicado, pela ateno e pelos dilogos e sugestes, fundamentais para a realizao desta pesquisa.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio, pela acolhida e pela sabedoria.

    Ao Prof. Jung Mo Sung, pelas aulas e discusses instigantes que muito contribuiram para minhas intuies sobre este projeto.

    minha famlia, Carlos, Felipe e Fbio, pela pacincia com as incontveis horas dedicadas aos livros e ao computador, pela fora durante as minhas ausncias do trabalho e pelo apoio durante os dois anos desta empreitada.

    Andra Tomita, pela amizade e pelo incentivo aos primeiros passos deste caminho to gratificante.

    Aos amigos, que muito colaboraram com tradues, opinies e informaes to importantes para a concretizao deste trabalho

    Ao IEPG da Universidade Metodista de So Paulo, pelo apoio financeiro durante este projeto.

  • 4

    preciso que cada homem

    retorne sua verdadeira natureza

    e exponha sua alma Luz de Deus.

    Meishu-Sama

  • 5

    RESUMO Este texto busca apresentar a relao entre religio e arte a partir do pensamento de Meishu-Sama, fundador da Igreja Messinica Mundial, religio criada no Japo em 1935 e que chegou ao Brasil em 1955. Para isso, descrevemos brevemente a sua trajetria pessoal e religiosa e os fundamentos de seus ensinamentos. Para ele, o Belo pode promover a salvao do ser humano, elevando a sua espiritualidade atravs do contato com as vrias modalidades artsticas. A pesquisa analisa, entre outros, os conceitos de Belo, de salvao e de religio no mbito do pensamento de Meishu-Sama. Apresenta consideraes sobre o fenmeno religioso, abordando principalmente os aspectos do sagrado e do smbolo. Em especial, dialoga com o telogo alemo Paul Tillich e sua Teologia da Cultura, buscando estabelecer uma aproximao entre as duas perspectivas no que diz respeito pintura. O estudo descreve o poder salvfico do Belo em algumas formas de manifestaes artsticas e espaos sagrados da IMM. Palavras-chave: salvao; arte; Belo; religio; espiritualidade, teologia do Belo.

  • 6

    ABSTRACT

    This present text seeks to present the relationship between religion and art from Meishu-Samas thought, founder of Sekai Kyusei Kyo (named Igreja Messinica Mundial in Portuguese), religion founded in Japan in 1935 and that arrived in Brazil in 1955. To do this, we briefly describe his personal and religious history and the foundations of his teachings. For him, Beauty may promote the salvation of mankind, bringing their spirituality through the contact with various forms of art. The research examines, among others, concepts of Beauty, salvation and religion under the thought of Meishu-Sama. It presents considerations about the religious phenomenon, mainly addressing the aspects of sacred and symbol. Specially, it dialogues with the German theologian Paul Tillich and the Theology of Culture, aiming to establish a rapprochement between the two perspectives with regard to painting. The study describes the salvific power of Beauty in some forms of artistic events and sacred spaces of SKK. Keywords: salvation; art; Beauty; religion; spirituality; theology of Beauty.

  • 7

    LISTA DE FIGURAS

    Fig. 1 Restaurante Yanagiya - travessia do rio Sumida em Hashiba (s.d.) - Ando Hiroshige. ........................... 19 Fig. 2 Formatura de Mokiti Okada no Segundo Nvel da Escola Primria de Asakusa. .................................... 22 Fig. 3 - Mokiti Okada em 1907. ............................................................................................................................ 26 Fig. 4 Broche e adorno de cabelo confeccionados com o Diamante Asahi criaes de Mokiti Okada. ........ 27 Fig. 5- Loja Okada no Bairro de Kitamaki. ........................................................................................................... 30 Fig. 6- Mokiti Okada em 1919. ............................................................................................................................. 31 Fig. 7- Casamento de Mokiti Okada e Yoshi. ....................................................................................................... 32 Fig. 8- Terremoto em Tquio em 1 de setembro de 1923. ................................................................................... 34 Fig. 9 Incndio em Tquio em 1 de setembro de 1923. .................................................................................... 34 Fig. 10- Miteshiro - Este leque purifica e salva todos os espritos..................................................................... 38 Fig. 11 Hinode Kannon (1931) Mokiti Okada.................................................................................................. 40 Fig. 12- Senju Kannon (1934) - Mokiti Okada...................................................................................................... 45 Fig. 13 Mundo de Luz e Luz do Oriente- Publicaes da Dai Nippon Kannon Kai ............................................ 47 Fig. 14- Parte da casa do Gyokusen-Kyo. .............................................................................................................. 48 Fig. 15 Parte de um texto revisado por Mokiti Okada........................................................................................ 50 Fig. 16- Shinzan-So (Solar da Montanha Divina) Hakone ................................................................................. 55 Fig. 17- Tozan-so (Solar da Montanha do Leste) Atami. ................................................................................... 55 Fig. 18- Cerimnia de Instituio da Igreja Kannon do Japo. ............................................................................. 57 Fig. 19 Meishu-Sama ministrando Johrei coletivo,............................................................................................. 60 Fig. 20- Biombo das Ameixeiras com Flores Vermelhas e Brancas (sc. XVIII)- Korin Ogata. ......................... 62 Fig. 21- Bai-en O Jardim das Ameixeiras Solo Sagrado de Atami.................................................................. 64 Fig. 22- O Caminho do Paraso Solo Sagrado de Guarapiranga......................................................................... 65 Fig. 23- Museu de Belas Artes - Solo Sagrado de Hakone................................................................................... 65 Fig. 24 - Shunjyu-An Solo Sagrado de Kyoto..................................................................................................... 66 Fig. 25 Museu de Arte MOA - Atami ................................................................................................................ 67 Fig. 26 - Pote de Ch com Desenho de Glicnias (Sc. XVII) Ninsei Nonomura. ............................................ 70 Fig. 27 Madona e as crianas com os anjos (1477) Sandro Botticelli .......................................................... 102 Fig. 28 O mundo de cabea para baixo (1665) Jean Steen. .......................................................................... 114 Fig. 29 Noite estrelada (1889) Van Gogh. .................................................................................................... 115 Fig. 30 - Alba Madonna (1508-1511) Rafael Sanzio........................................................................................ 115 Fig. 31 Crucificao ( 1515)- Matthias Grnewald. ........................................................................................ 116 Fig. 32 Guernica (1937) - Pablo Picasso......................................................................................................... 122 Fig. 33 - Os cinco estilos da caligrafia japonesa. ................................................................................................ 143 Fig. 34- Sala de Ch - Centro Cultural do Solo Sagrado de Guarapiranga......................................................... 144 Fig. 35 Jitsuguetsu caligrafia feita por Meishu-Sama. .................................................................................. 146 Fig. 36 - Meishu-Sama caligrafando. .................................................................................................................. 147 Fig. 37 Poema e desenho de Meishu-Sama: ..................................................................................................... 148 Fig. 38 - Hagui-no-Ya, a Casa do Trevo Hakone. ............................................................................................ 149 Fig. 39 Sala de Ch folheada a Ouro Museu de Arte MOA Atami. ........................................................... 155 Fig. 40 - Sanguetsu-An, a Casa de Cerimnia do Ch Montanha e Lua.............................................................. 156 Fig. 41 - Casa de Ch Shotei Solo Sagrado de Atami....................................................................................... 157 Fig. 42 - Interior da Casa de Ch Shotei.............................................................................................................. 157 Fig. 43 - Caixa de Caligrafia com Desenho de Lenhador (sc. XVII) - Hon'ami Ketsu.................................. 157 Fig. 44 Ikebana no estilo Rikka. ....................................................................................................................... 163 Fig. 45 Tamakazura (1852) - Kunisada Utagawa ............................................................................................ 164 Fig. 46 Ikebana na variedade Nagueire. ........................................................................................................... 166 Fig. 47 Ikebana no estilo Shoka........................................................................................................................ 167 Fig. 48 Ikebana na variedade Moribana........................................................................................................... 167 Fig. 49 Ikebana no estilo Soguetsu. .................................................................................................................. 168 Fig. 50 Meishu-Sama nos jardins de Hakone, em 1953. .................................................................................. 170 Fig. 51 Vivificao floral feita por Meishu-Sama. ........................................................................................... 172 Fig. 52 Aprofundamento do modelo bsico. ................................................................................................... 174 Fig. 53 Vivificao floral feita por Meishu-Sama. ........................................................................................... 175 Fig. 54 - Komyo Shindem - Santurio da Divina Luz .......................................................................................... 178 Fig. 55 Kyusei-Kaykan - Templo Messinico e Suisho-Den O Palcio de Cristal e a Colina das Azalias .. 180 Fig. 56 A Terra da Tranqilidade Kyoto. ...................................................................................................... 181

  • 8

    Fig. 57 Templo Messinico .............................................................................................................................. 182 Fig. 58 Caminho do Paraso ............................................................................................................................. 183 Fig. 59 Espelhos dgua ................................................................................................................................... 184 Fig. 60 Escadaria Arco-Iris............................................................................................................................... 184 Fig. 61 Templo Messinico .............................................................................................................................. 185 Fig. 62 O altar do Templo. ............................................................................................................................... 186

  • 9

    SUMRIO CAPITULO 1 MEISHU-SAMA: A PRESENA da arte NA VIDA DO MESTRE .................................. 17

    1.1 Uma Luz no Oriente .............................................................................................................................. 17 1.1.1 O nascimento ................................................................................................................................... 19 1.1.2 O menino ......................................................................................................................................... 21 1.1.3 A maioridade ................................................................................................................................... 23 1.1.4 O empresrio ................................................................................................................................... 25 1.1.5 A famlia .......................................................................................................................................... 30

    1.2 O despertar para o sagrado .................................................................................................................... 32 1.2.1 Nascer de novo ................................................................................................................................ 33 1.2.2 As Revelaes ................................................................................................................................. 36

    1.3 O Mestre ................................................................................................................................................ 43 1.3.1 O Johrei ........................................................................................................................................... 44 1.3.2 A Agricultura Natural ...................................................................................................................... 52 1.3.3 Os prottipos do Paraso.................................................................................................................. 54

    1.4 A expanso religiosa.............................................................................................................................. 57 1.5 O Belo.................................................................................................................................................... 61

    CAPITULO 2 RELIGIO E ARTE............................................................................................................ 71 2.1 O fenmeno religioso ............................................................................................................................ 72

    2.1.1 A experincia religiosa .................................................................................................................... 72 2.1.2 O Sagrado ........................................................................................................................................ 74 2.1.3 O Smbolo........................................................................................................................................ 76

    2.2 A Arte .................................................................................................................................................... 79 2.3 Meishu-Sama e a Arte ........................................................................................................................... 83

    2.3.1 A trilogia Verdade-Bem-Belo.......................................................................................................... 83 2.3.1.1 A Verdade...................................................................................................................................... 83 2.3.1.2 O Bem............................................................................................................................................ 85 2.3.1.3 O Belo............................................................................................................................................ 87

    2.3.2 Religio e Arte................................................................................................................................. 89 2.3.2.1 A verdadeira religio ..................................................................................................................... 89 2.3.2.2 A arte e sua misso ........................................................................................................................ 93

    2.3.3 A salvao ....................................................................................................................................... 97 2.4 Um interlocutor: Paul Tillich............................................................................................................... 100

    2.4.1 Fragmentos biogrficos a presena da arte no pensamento do telogo ...................................... 100 2.4.2 A Teologia da Cultura ................................................................................................................... 104 2.4.3 A relao entre religio e arte ........................................................................................................ 111

    2.5 A pintura: o objeto da interlocuo ..................................................................................................... 116 2.5.1 O papel do artista........................................................................................................................... 117 2.5.2 A misso da arte ............................................................................................................................ 120

    CAPITULO 3 A TEOLOGIA DO BELO DE MEISHU-SAMA.............................................................. 129 3.1 O Belo como salvao nas diversas manifestaes artsticas .............................................................. 131

    3.1.1 A poesia e o esprito da palavra..................................................................................................... 131 3.1.1.1 O esprito da palavra.................................................................................................................... 133 3.1.1.2 A poesia ....................................................................................................................................... 135

    3.1.2 Caligrafia a via da escrita ........................................................................................................... 141 3.1.3 Chanoyu um modelo de vida ...................................................................................................... 149 3.1.4 A ikebana, a arte da flor ................................................................................................................ 160

    3.1.4.1 Um pouco da histria do kado ..................................................................................................... 162 3.1.4.2 Kado Sanguetsu-ryu .................................................................................................................... 168

    3.1.4.2.1 Fundamentos da vivificao Sanguetsu-ryu .................................................................... 172 3.1.4.2.2 Korinka ............................................................................................................................ 174

    3.2 O simbolismo dos Solos Sagrados: o Belo no Paraso Terrestre ......................................................... 176 3.2.1 Shinsem-kyo, a Terra Divina:......................................................................................................... 178 3.2.2 Zuium-kyo, a Terra Celestial.......................................................................................................... 179 3.2.3 Heiam-kyo, a Terra da Tranqilidade ............................................................................................ 180 3.2.4 Solo Sagrado de Guarapiranga: ..................................................................................................... 181

    3.3 O Paraso o mundo dO BELO .......................................................................................................... 187

  • 10

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................................. 190 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................................. 197

    1. BIBLIOGRAFIA ESPECFICA - MEISHU-SAMA...................................................................... 197 2. BIBLIOGRAFIA GERAL ................................................................................................................ 199

  • 11

    INTRODUO

    Quem se deleita profundamente com a arte

    est apto a viver no Paraso.

    Meishu-Sama

    Relacionar arte e religio pode parecer uma rdua tarefa, primeira vista. A arte est

    vinculada, comumente, expresso das emoes, do prazer, s vezes da rebeldia, quase

    sempre ao profano, e estabelecer um elo com o sagrado pode se constituir em um caminho

    difcil de percorrer.

    Em algumas pocas elas estiveram juntas, entre as paredes dos templos e dos mosteiros,

    nas esttuas e nos altares, na msica dos coros, uma arte tida como sacra, muitas vezes, mais

    por dar forma aos smbolos religiosos do que por expressar a f do artista nestes smbolos.

    Esta dissertao pretende apresentar a viso de Meishu-Sama sobre a intrnseca relao

    por ele estabelecida entre arte e religio. Ele o fundador da Igreja Messinica Mundial

    (IMM), instituda no Japo em 1935 e no Brasil em 1955. Seu nome Mokiti Okada e

    Meishu-Sama o seu ttulo religioso, que significa Senhor da Luz.

    A arte sempre foi um tema muito caro a Meishu-Sama, para a qual desde criana

    manifestou uma inclinao muito grande, sendo de sua autoria diversas pinturas, gravuras,

    caligrafias, poemas e vivificaes florais, assim como as concepes arquitetnicas e

    paisagsticas dos espaos sagrados da IMM no Japo. Seu interesse pelo assunto o levou a

    manter um estreito contato com pintores e artistas de seu tempo, assim como com obras de

    arte que ele adquiriu ao longo de sua trajetria religiosa, com o propsito de constituir um

    museu de arte ao alcance da sociedade em geral, para possibilitar populao o contato com a

    arte de bom nvel. Suas inmeras visitas a museus e monumentos culturais, assim como a

    templos e jardins famosos do Japo, contriburam para o aprimoramento de seus

    conhecimentos sobre a arte oriental, principalmente japonesa e chinesa.

    A IMM empenha-se em dar prosseguimento ao objetivo de seu fundador, no sentido de

    disseminar a arte entre as pessoas, visando desenvolver sua sensibilidade e espiritualidade. No

    Japo, foram construdos dois Museus de Arte, grandes sonhos de Meishu-Sama; a construo

    do primeiro deles, em Hakone, foi projetada e acompanhada de perto por ele. O Museu de

    Arte de Atami foi um desejo do Fundador, que no pode v-lo realizado: funcionando, a

    princpio, em um prdio ao lado do Templo Messinico, teve suas instalaes definitivas

    inauguradas em 1982, com o nome de Museu de Arte MOA.

  • 12

    Os Solos Sagrados so locais construdos pela IMM como prottipos do Paraso,

    espaos onde a natureza e a beleza construda pelo homem se integram. Jardins, cascatas e

    construes se harmonizam e se abrem para toda a sociedade, criando possibilidades de

    contato com o Belo. No Japo so trs os Solos Sagrados, construdos nas cidades de Hakone,

    Atami e Kyoto; na Tailndia existe um outro, denominado Solo Sagrado de Saraburi, e, no

    Brasil, o Solo Sagrado de Guarapiranga se localiza em So Paulo, construdo s margens da

    represa do mesmo nome.

    O objetivo geral da dissertao compreender o que o Belo, a amplitude do seu papel

    e a abrangncia da sua misso na Salvao do ser humano segundo o pensamento de Meishu-

    Sama. Na sua concepo, torna-se necessrio elevar o carter do homem por meio da Arte,

    alcanando esse objetivo atravs da literatura, da pintura, da msica, do teatro, do cinema e de

    outras formas de arte. Identificar e analisar as caractersticas de salvao do Belo em algumas

    manifestaes artsticas, assim como em espaos sagrados, so os objetivos especficos do

    presente texto.

    A proposta da dissertao no somente de relacionar a arte religio, mas de mostrar

    que o Belo salva. Para isso, o estudo do sentido que Meishu-Sama d religio

    fundamental. Ela um caminho; no se restringe a prticas religiosas ou a locais de devoo.

    A salvao atravs do Belo no , para ele, trazer a arte para a liturgia ou para as festas

    religiosas, mas para a vida das pessoas, para o cotidiano de cada um. Antecipando o texto,

    diremos que trazer o Belo para dentro de cada um.

    Minha primeira ligao com o pensamento de Meishu-Sama aconteceu em 1974, quando

    eu me tornei membro da Igreja Messinica Mundial do Brasil (IMMB). O interesse em

    pesquisar este assunto surgiu a partir do meu envolvimento com o projeto de implantao da

    Faculdade Messinica, projeto esse iniciado em 2005 pela Fundao Mokiti Okada (FMO-

    MOA), entidade ligada IMMB. Em 2006, fui convidada a integrar este projeto, sonho

    acalentado pela IMMB j h alguns anos e que ento se preparava para sair do papel. Passei a

    participar de um Grupo de Estudos de Teologia, ao qual me dediquei bastante porque se

    tratava de aprender a ver de outra forma a doutrina messinica, que me interessava por

    questes de F. Foi um ano muito instigante, pois as discusses me abriram um horizonte

    novo e atraente. Nasceu, ento, a vontade de aprender a pesquisar de maneira sria, para poder

    colaborar na sistematizao do pensamento de Meishu-Sama e ministrar aulas no Curso de

    Graduao em Teologia. J o tema da pesquisa, tem a ver com uma escolha pessoal.

    A afinidade e o interesse em tudo o que se relaciona com a Arte sempre fizeram parte de

    mim, embora no tenha me dedicado exclusivamente a ela. Minha graduao foi em Letras e,

  • 13

    por muitos anos, dediquei-me a atividades docentes na rea de literatura, no me restringindo

    ao desenvolvimento dos programas de ensino propostos, mas sempre desenvolvendo tambm

    algum tipo de atividade de pesquisa e criao com os alunos. A poesia e os poetas sempre

    ocuparam um lugar especial em minhas leituras e em meus estudos.

    Ao me aproximar da IMMB, identifiquei-me com as idias do Fundador, e, em especial,

    com a sua forma de ver a misso da Arte e suas manifestaes. Estudei Ikebana, a arte da

    vivificao floral, e Modelagem em Cermica, e descobri o Belo como uma forma de

    expressar bons sentimentos e de servir s pessoas, tentando proporcionar a elas e a mim

    mesma uma vida mais harmoniosa. Por tudo isso, o tema do Belo foi uma escolha quase que

    inevitvel para mim.

    A metodologia escolhida para a elaborao da dissertao foi bibliogrfica, e se

    desenvolveu a partir de diferentes aes. A primeira foi uma seleo dos textos de Meishu-

    Sama, no somente sobre arte, mas tambm sobre os outros conceitos envolvidos no trabalho.

    As obras de Meishu-Sama no foram escritas como texto nico, mas so compilaes de

    textos independentes, de diferentes pocas. o caso da Coletnea Alicerce do Paraso,

    publicada no Brasil em cinco volumes, que rene ensinamentos traduzidos do japons,

    constituindo-se, de fato, na obra bsica para toda a dissertao. Apresenta textos escritos por

    Meishu-Sama durante os vrios anos de sua atividade religiosa, organizados por assunto em

    volumes que receberam ttulos em funo de seu contedo. Mas esta classificao dos textos

    no foi tomada por ns como definitiva, o que demandou em uma leitura total da coletnea,

    num processo de garimpagem de todos os registros. Os conceitos de religio, arte e salvao,

    alm de muitos outros utilizados na dissertao, tm, nessa obra, sua fundamentao.

    Portanto, a seleo e o estudo destes textos se deram ao longo de toda a realizao da

    dissertao e no somente na fase da elaborao do projeto, dada a circunstncia bibliogrfica

    especial.

    Outras obras seguem os mesmos padres de elaborao, portanto tambm foram

    analisadas da maneira acima descrita. So elas O Po Nosso de cada dia, composta por textos

    e poemas de Meishu-Sama, e Alimentao com energia vital, esta mesclando textos sobre

    alimentao, a partir da viso particular de Meishu-Sama sobre a Agricultura Natural e sua

    importncia para o ser humano, tanto no aspecto fsico como espiritual.

    Outro tipo de obra tambm foi usado como fonte bibliogrfica: textos que registram

    entrevistas, conversas com perguntas e respostas e orientaes dadas por Meishu-Sama a

    membros e ministros. o caso da obra Mioshie Mondoshu, uma coletnea de orientaes

    recebidas diretamente de Meishu-Sama em forma de perguntas e respostas, cuja publicao

  • 14

    foi iniciada em 1968 pelo Departamento Doutrinrio da IMM no Japo, em sries sucessivas,

    sendo que os textos j foram traduzidos para o portugus, mas ainda no esto publicados.

    Finalmente, Alicerce da Arte uma obra que rene os textos sobre arte que Meishu-Sama

    escreveu, alm de trancries de vrias conversas que ele teve com artistas, escritores e

    pessoas ligadas ao mundo da arte, onde encontramos muito de suas idias, opinies,

    conceituaes e preferncias artsticas. Est em fase de reviso, mas alguns dos textos dessa

    compilao j esto publicados na coletnea Alicerce do Paraso, presentes, sobretudo, no

    volume 5, intitulado Agricultura Natural, Arte e Sociedade. O Alicerce da Arte tambm foi

    fundamental para a dissertao, porque se relaciona diretamente com o seu tema central, a arte

    e o artista. Obras deste segundo tipo tiveram que ser analisadas de forma diferente das

    primeiras, acompanhadas por uma pesquisa paralela das obras e artistas citados por Meishu-

    Sama, bem como por um estudo das caractersticas do estilo artstico de cada um, no

    panorama das artes japonesas, na tentativa de se apreender de forma mais completa o

    significado dos comentrios emitidos por Meishu-Sama sobre os assuntos abordados.

    A metodologia bibliogrfica tambm abrangeu a pesquisa de textos sobre a histria do

    Japo desde a Era Edo (1603-1867) at aproximadamente a metade da Era Showa (1926-

    1989), para melhor relacionar o pensamento de Meishu-Sama com o contexto social, cultural

    e poltico da poca. Julgamos importante adotar uma atitude cuidadosa e consciente sobre o

    contexto, considerando o momento histrico em que seus conceitos e orientaes foram

    transmitidos, com todas as implicaes que isso possa ter trazido, ou seja: quando, onde e

    para quem aquilo foi falado ou escrito, e se estes fatores, tempo e espao, tiveram influncia

    na essncia do contedo transmitido.

    Quanto metodologia utilizada nas citaes, optamos por indicar, nas notas de rodap,

    apenas as fontes referentes s epgrafes de captulos e de sees de captulos, assim como aos

    poemas apresentados no decorrer do texto, visando facilitar a leitura. As demais citaes

    foram tratadas pelo sistema autor-data, como recomendam as normas tcnicas.

    A dissertao se divide em trs captulos. O primeiro apresenta Meishu-Sama ao leitor,

    desde o seu nascimento at o final de sua vida. Optamos por usar o nome prprio, Mokiti

    Okada, por todo o tempo em que ele assim foi tratado: primeiro, na sua vida particular e

    profissional, e depois, durante o perodo em que suas atividades religiosas no puderam ser

    assim caracterizadas publicamente, por questes polticas prprias da sociedade japonesa da

    poca. Meishu-Sama foi, segundo ele, um ttulo assumido em 4 de fevereiro de 1950,

    baseado na Ordem Divina, ou seja, na Revelao recebida, e a partir desta data, ns o

    adotamos na narrao biogrfica. Mas em todo o restante da dissertao, a partir de seu

  • 15

    prprio ttulo, a opo por usar o ttulo religioso foi porque entendemos que o pensamento

    aqui pesquisado, estudado e analisado o do Mestre Meishu-Sama, do Lder Espiritual da

    IMM, do qual o homem Mokiti Okada faz parte.

    As obras bsicas pesquisadas para a composio deste primeiro captulo so Luz do

    Oriente, biografia de Mokiti Okada em trs volumes, e a coleo Reminiscncias sobre

    Meishu-Sama, em cinco volumes, alm das obras j citadas, e de outras fontes consultadas

    para construir os tpicos que, entremeados com a narrativa biogrfica, trataram de seu

    pensamento. Obras referentes histria do Japo tambm fizeram parte das fontes desse

    captulo.

    A opo no modo de apresentao das ilustraes, presentes neste captulo e nos

    seguintes, foi por coloc-las no corpo do texto, para que o leitor pudesse apreci-las sem

    perder o contato com o fio condutor do captulo; julgamos que a localizao das mesmas em

    anexos prejudicaria a fluidez da leitura da narrativa.

    O segundo captulo se prope a discutir as relaes entre religio e arte. Em primeiro

    lugar, traz uma breve apresentao terica sobre o fenmeno religioso e sua participao

    constante na vida dos povos e na histria de suas culturas. Para essa tarefa, a obra de Jos

    Severino Croatto, As Linguagens da Experincia Religiosa: uma introduo fenomenologia

    da religio, apontou chaves para aprofundar esse conhecimento.

    Os conceitos de sagrado e profano so importantes para a compreenso do ser humano,

    e Mircea Eliade, em sua obra O sagrado e o profano, e Rudolf Otto, em O sagrado, mostram

    que a experincia do sagrado inerente existncia do homem no mundo, sua forma de

    construir-se a partir da distino do que ou no real. Outro conceito fundamental para a

    construo do texto o de smbolo, aqui analisado atravs de Croatto, mas tambm abordado

    a partir de Trias, no artigo Pensar a religio, atravs das delimitaes espacial e temporal do

    acontecer sagrado; Nasser, com a obra O que dizem os smbolos? e sua abordagem da

    linguagem simblica, e Eliade, com Imagens e smbolos, tambm contribuiram para esssa

    tarefa, sobretudo na anlise do simbolismo presente no espao sagrado, desenvolvida no

    captulo 3. Este segundo captulo reflete tambm sobre o conceito de arte e seus momentos de

    criao, analisado a partir do filsofo italiano Luigi Pareyson na obra Esttica: teoria da

    formatividade e outra fonte para auxiliar nessa anlise a partir de Pareyson Alfredo Bosi,

    crtico e historiador de literatura que, na obra Reflexes sobre a arte, esmia o processo

    criativo.

    Num segundo momento, apresentamos a viso de Meishu-Sama sobre a Arte, analisada

    a partir de conceitos bsicos de seu pensamento. A trilogia verdade-bem-belo constitui a

  • 16

    essncia deste pensamento e cada um dos elementos que a compem tratado separadamente,

    para depois serem retomados na trilogia. Trata tambm da misso da arte e do papel do artista,

    onde aspectos da histria do Japo so resgatados e relacionados com textos de Meishu-Sama

    que comentam a poca da introduo do budismo no Pas. Pretendemos reunir aqui seus

    principais conceitos de forma sistematizada, mas eles so retomados, ampliados e

    relacionados com outras idias por toda a dissertao.

    O ponto alto deste captulo o dilogo entre Meishu-Sama e Paul Tillich. O telogo

    alemo foi escolhido para essa empreitada porque entendemos que rene, em sua Teologia da

    Cultura, elementos que analisam a religio de uma forma ampla, que abrange outros setores

    da cultura, assim como Meishu-Sama o fez. E tambm se preocupou em qualificar as

    experincias estticas das pessoas como religiosas e em fazer com que assim fossem

    reconhecidas, pela irrupo da substncia do Absoluto, da essncia que modifica aquele que

    as experimenta, possibilitando experincias com o transcendente. Vrias so as possibilidades

    de aproximao, de criao de fronteiras que permitam o dilogo entre os dois pensadores. O

    objetivo no estabelecer uma exaustiva discusso terica sobre a arte mas, sim, uma

    conversa em torno de um assunto de interesse comum aos dois: a relao entre religio e arte.

    Para isso, uma obra pictrica, tambm de interesse comum a ambos, ser discutida e

    analisada.

    O terceiro captulo visa mostrar como acontece a salvao atravs do Belo

    especificamente em algumas manifestaes artsticas. Foram escolhidas aquelas com as quais

    Meishu-Sama tinha mais afinidade: alm da pintura, j discutida no captulo anterior,

    apresentamos a poesia, a caligrafia, a ikebana e a cerimnia do ch. A descrio e a anlise

    das modalidades artsticas se fundamentaram em obras especficas de cada assunto, que

    tratam da origem e das tcnicas, alm da filosofia que perpassa a prtica da arte em questo.

    As idias de autores como Clia Saito, Tenshin Okakura, Madalena Hashimoto e Chang Sing

    foram a base destes tpicos. Na segunda parte de cada modalidade artstica, nos propusemos a

    fazer a relao com a anlise que Meishu-Sama faz de cada uma delas como caminho para a

    elevao espiritual, construindo a sua Teologia do Belo.

    De maneira alguma essa dissertao busca esgotar o tema sobre a salvao atravs do

    Belo na viso de Meishu-Sama; pelo contrrio, pretende ser uma contribuio, no longo

    caminho que se abre, para a sistematizao da Teologia Messinica, mas tambm para o

    campo das cincias da religio.

  • 17

    CAPITULO 1 MEISHU-SAMA: A PRESENA DA ARTE NA VIDA DO MESTRE

    1.1 UMA LUZ NO ORIENTE

    Durante 270 longos anos, o Japo viveu a Era Edo, perodo inaugurado em 1603 por

    Ieyasu Tokugawa, quando recebeu a nomeao imperial de chefe da ordem feudal, o xogum,

    dando incio ao bakufu (xogunato) Tokugawa. Durante a maior parte de sua existncia, este

    xogunato foi um estado feudal centralizado e autoritrio. O xogum guerreava, mas tambm

    administrava o pas, visando no s manter o controle do territrio como tambm a paz

    interna. O imperador, que permanecia enclausurado, exercia um poder meramente simblico,

    rodeado pela aristocracia de Kyoto, mas sempre ladeado por um regente, representante do

    xogum na cidade e figura estratgica para evitar atos de rebeldia contra o xogunato. O xogum

    ficava instalado em Edo (atual Tquio), e seu poder se estendia at mesmo sobre as ordens

    religiosas. Ele mantinha os camponeses presos terra, controlados pelos daimio, senhores

    feudais que exerciam poder absoluto nas provncias e repassavam parte dos impostos

    recolhidos ao xogum. Os samurais, j pouco expostos a grandes lutas, eram remunerados pelo

    governo, espera de qualquer requisio de seus servios.

    Em 1639, o cl Tokugawa, interessado em manter a estabilidade da dinastia e em

    erradicar as disputas comerciais estrangeiras e os conflitos religiosos entre misses

    evangelizadoras crists, decidiu fechar os portos japoneses, restringindo gradualmente o

    contato com o Ocidente e mantendo o pas margem da modernizao mundial. O

    isolacionismo foi a estratgia adotada pelo xogum para conter a influncia ocidental catlica

    que ameaava desestruturar a ordem poltica e social no Japo (ZACARIAS, 2008, p.12). Os

    comerciantes ocidentais comearam a sofrer sanes at que, finalmente, foram expulsos do

    pas e o cristianismo foi banido. O confucionismo ganhou fora e seus preceitos de

    valorizao da obedincia na vida diria colaboraram na garantia da ordem social, familiar e

    nacional. O budismo j no tinha mais a fora poltica de outrora, mas retomou sua fora com

    a sada do cristianismo, e o xintosmo se revitalizou como identidade nacional. E, a partir de

    1637, os japoneses foram proibidos de deixar o Japo, e quem tinha sado no podia mais

    voltar. Era o isolamento total do mundo exterior e de sua influncia.

  • 18

    Nas primeiras dcadas do sculo XIX, surgiram as primeiras presses para que o Japo

    retomasse o comrcio internacional. Os Estados Unidos foram os responsveis pelo fim da

    poltica isolacionista da Era Tokugawa. Segundo Clia Sakurai.

    Alguns analistas apontam que no interior do prprio modelo que se deu o fim do xogunato. A histria oficial japonesa do perodo posterior, no entanto, atribui chegada dos ocidentais o fator primordial para a desagregao do feudalismo (2008, p.130).

    Em 1854, a assinatura do Tratado de Kanagawa interrompeu o isolamento internacional

    do Japo e iniciou a abertura ao Ocidente. Fortalecido pelo descontentamento de praticamente

    todas as camadas da sociedade, insatisfeitas com a situao poltica, econmica e social

    decorrente do isolacionismo e partidrias de sua extino, o processo de restaurao do poder

    imperial teve incio. No final de 1867, o ltimo xogum, Yoshinobu Tokugawa, entregou seus

    poderes militares e polticos ao imperador Mutsuhito Meiji, ento com 16 anos de idade. O

    palcio imperial se transfere de Kyoto para Edo, que se torna a sede do imprio com o nome

    de Tokyo (capital do Oriente). Em 1868, o imperador Meiji inaugura a Era que ganhou o seu

    nome e que se estender at seu falecimento, em 1912. Apressou-se a ocidentalizao do pas,

    modernizando a industrializao em todas as regies e introduzindo o Japo em uma nova

    realidade, agora mundial.

    O ano de 1868 de grande importncia para o povo japons: o Japo corre contra o

    relgio para, em poucos anos, adaptar-se aos padres ocidentais que do as cartas naquele

    momento (SAKURAI, 2008, p.133). Para os japoneses, o melhor mtodo para resistir ao

    Ocidente foi juntar-se a ele, inserindo-se e competindo no mercado mundial. Para absorver

    valores to distintos da sua tradio sem se desestruturar totalmente, o Japo os vestiu com

    roupagem prpria. Entretanto, segundo o historiador ingls Eric Hobsbawm (apud SAKURAI,

    2008, p.134), o objetivo do pas no era realmente se ocidentalizar, mas tornar vivel o Japo

    tradicional adotando determinadas inovaes. De fato, a Era Meiji fez do pas uma nao

    moderna que no destruiu o seu passado. Capitalizou-o, segundo o antroplogo francs Lvi-

    Strauss.

    Na Era Edo, s margens do rio Sumida, importante via de transporte para o progresso

    da cidade de Edo, o distrito de Asakusa prosperava como centro do transporte fluvial. J na

    Era Meiji, a regio tomou outra feio assim que as fbricas comearam a se instalar s

    margens do rio e os empregados das indstrias, bem como os comerciantes, estabeleceram-se

    no local. Assim, o distrito de Asakusa iniciou um longo perodo de progresso industrial e

    comercial, alm de se tornar tambm palco de atividades culturais e religiosas. Mas, vizinha

  • 19

    das residncias prsperas e dos estabelecimentos movimentados, comeou a se delinear a

    sombra de uma populao que mal tinha onde morar e o que comer.

    1.1.1 O nascimento

    Mokiti Okada nasceu no bairro de Hashiba, situado em Asakusa, em 23 de dezembro de

    1882, no dia seguinte ao dia do solstcio de inverno no hemisfrio norte. Esta data simboliza o

    incio da fase positiva do ano, em que o perodo diurno volta a se tornar longo novamente. A

    comemorao do solstcio no Japo remonta mitologia da criao das ilhas japonesas,

    relatada no Kojiki1, rememorando a sada de Amaterasu, a deusa do Sol, da caverna onde

    tinha se escondido, deixando o mundo s escuras. Por este motivo, este dia festejado como

    sinal de respeito luz do sol, origem de toda a vida, representando o momento em que a Luz

    ressurge e todas as coisas renascem. Este simbolismo foi estendido e relacionado com o

    nascimento de Mokiti Okada, segundo a doutrina messinica.

    Fig. 1 Restaurante Yanagiya - travessia do rio Sumida em Hashiba (s.d.) - Ando Hiroshige.

    Fonte: www.hiroshige.org.uk Acesso em 15 de junho de 2009.

    Hashiba fica num lugar afastado, na parte leste de Asakusa. Era o lugar das frgeis

    pontes de madeira, flutuantes e estreitas, levadas algumas vezes pelas guas mais vigorosas do

    rio Sumida e, ento, novamente refeitas. No incio da Era Meiji, a transitavam barcos que iam

    1 O livro Kojiki (712), Registro de fatos antigos, narra mitologicamente essa histria desde a criao do pas. O corpo do texto escrito em chins, adaptado ao japons, mas inclui numerosos nomes e expresses na lngua japonesa.

  • 20

    e vinham, importantes meios de transporte para a regio, e pelas margens deste rio se

    estendiam os ancoradouros das casas de campo dos daimio, vrias manses e belas lojas; mas

    nas ruas estreitas a pobreza enchia a paisagem de lavadeiras com crianas nas costas e roupas

    nos varais.

    No final da Era Edo, o bisav de Mokiti Okada, Kizaemon, administrava uma casa de

    penhores; pessoa muito respeitada, emprestava dinheiro a juros baixos. Ele era um homem

    muito bondoso e altrusta, e parece que estas foram qualidades herdadas pelo bisneto Mokiti

    Okada. O prprio Mokiti costumava dizer: Meu bisav me acompanha. A famlia possua

    excelente condio financeira e o genro de Kizaemon, Sashiti (que tambm aparece com o

    nome de Minosuke, em outro registro), adotou o sobrenome Okada ao se casar com sua filha

    Yassu. Mas ele se mostrou uma pessoa pouco afeita ao trabalho, e Kizaemon acabou por

    exclu-lo da famlia. Mas Yassu j estava grvida e, em 1852, nasceu Kissaburo, o pai de

    Mokiti. Aps a morte do bisav, em 1867, a loja Mussashi-ya comeou a decair porque o

    neto Kissaburo, que havia sido criado com todas as facilidades de um filho de famlia rica,

    no teve experincia para dirigi-la.

    Kissaburo tinha quinze anos quando o av morreu, e casou-se aos vinte anos com Tori,

    que completara dezoito. Logo depois de seu casamento, a loja faliu. Mais tarde ele comeou a

    negociar com objetos usados, levando uma vida apertada, embora organizada e tranqila. Tori

    tambm no reclamava e dava conta de todo o servio. Era muito esforada e alm de cuidar

    da casa, costurava para toda a famlia.

    Quando Mokiti Okada nasceu, as condies da famlia eram de extrema pobreza. Ele

    conheceu de perto o sofrimento causado pela misria. Mas a lembrana que ficou dos pais era

    de afeto: No me lembro de ter sido repreendido por meus pais (FMO-MOA, 1982, p.89).

    Seu pai negociava com objetos usados em casa e, noite, tinha uma barraca na feira do

    Parque Asakusa. Era uma vida difcil. Mokiti Okada escreveu sobre suas lembranas desta

    poca:

    Desde que tenho conscincia, muitas vezes ouvi meu pai falar que, se no conseguisse determinada quantia naquela noite, no teramos o que comer no dia seguinte. Ento, caso no chovesse, ele carregava uma pequena carroa com alguns utenslios velhos, e minha me, levando-me s costas, ia empurrando-a (FMO-MOA, 1982, p.77).

  • 21

    1.1.2 O menino

    Com a volta do imperador ao centro do poder, foi promulgada, em 1889, a Constituio

    do Imprio do Grande Japo, inaugurando o parlamento. Este documento definiu, j no artigo

    3, que o imperador era uma pessoa divina e inviolvel, portanto, concentravam-se nele os

    poderes secular e espiritual. Um dos objetivos deste documento era, segundo o cientista

    poltico Alexandre Uehara, mostrar aos parceiros estrangeiros que o Japo estava se

    alinhando com os princpios ocidentais (2008, p.25). Por isso, as eleies, na verdade,

    favoreciam as classes dominantes, j que o primeiro-ministro e os membros da Cmara dos

    Nobres eram nomeados pelo imperador, enquanto que somente a dos Representantes era eleita

    pelo povo.

    Em 1890, outra iniciativa legal foi tomada para viabilizar o processo japons de

    modernizao: o Edito de Educao. Com este documento, a nfase na educao passa a ser

    prioritria na poltica de construo de um novo modelo de nao; ela torna-se obrigatria e

    tem como funo dar continuidade ao desenvolvimento do imprio. O Edito ressalta os

    deveres dos indivduos: [...] conduza-se com modstia e moderao; estenda a sua

    benevolncia para todos; continue aprendendo e cultivando as artes e, desse modo,

    desenvolva as faculdades intelectuais e aperfeioe os poderes morais [...] (apud SAKURAI,

    2008, p.141). A educao passou a ser uma misso que o governo levou a srio, pois, em

    1940, cinqenta anos aps o Edito, 99% da populao j estava alfabetizada.

    Mas o povo demorou a entender a importncia do estudo para a vida das crianas e, no

    incio, o poder das autoridades de obrigar o cumprimento da lei era um tanto fraco. Mas nota-

    se nos pais de Mokiti Okada grande preocupao e cuidado com o filho ao encaminh-lo para

    a escola primria, levando-se em conta as dificuldades financeiras da famlia e o fato de ele

    ser o segundo filho. Assim, em 1889, com sete anos de idade, ele entrou na Escola Bsica

    Nishin, aos nove anos passou para a Escola Primria Asakusa e com quatorze anos concluiu o

    Curso Primrio. Foi um aluno muito aplicado aos estudos, recebendo vrios diplomas de

    Honra ao Mrito. Mas ele carregava uma tristeza: a sade frgil que o acompanhava desde a

    infncia.

  • 22

    Fig. 2 Formatura de Mokiti Okada no Segundo Nvel da Escola Primria de Asakusa.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p.107.

    A situao da famlia comeava a melhorar. Graas ajuda da irm mais velha, Shizu,

    que j trabalhava, Mokiti Okada pde ingressar na Escola de Belas-Artes de Tquio, atual

    Universidade de Artes de Tquio, aos quinze anos. Ele gostava muito de desenho, desde

    pequeno, e se sentiu realizado: Se eu pudesse ganhar a vida com a pintura de que tanto

    gosto... Esta escola tinha como objetivo restaurar a importncia da arte japonesa atravs do

    ensino das belas-artes, em vista da nova tendncia dos japoneses de valorizar excessivamente

    a arte ocidental. A idia do diretor, Kakuzo Okakura2, cujo nome artstico era Tenshin (1861-

    1913), era fomentar a arte japonesa moderna, fruto da arte tradicional aliada a novas

    concepes artsticas. Grandes artistas japoneses nasceram dessa escola.

    Mas a alegria de Mokiti Okada durou pouco: uma doena sria nos olhos, sem

    perspectiva de cura pelos mdicos, fez com que ele deixasse a Escola poucos meses depois.

    Dos quatorze aos vinte anos, ele viveu uma longa seqncia de sofrimentos causados por

    doenas: alm do problema nos olhos, ele teve pleurisia, depois tuberculose... Estava com

    dezoito anos e o diagnstico mdico no dava esperanas de cura. Era como se eu tivesse

    sido condenado morte sem dia determinado para a execuo. J quase desistindo de tudo,

    decidiu tentar algum mtodo diverso da medicina tradicional. Um pouco melhor do problema

    nos olhos, pesquisou sobre plantas medicinais e resolveu buscar a cura na alimentao

    2 Artista e grande incentivador da arte moderna japonesa na Era Meiji, revolucionou e, ao mesmo tempo, preservou a arte atravs de iniciativas como a Escola de Belas-Artes de Tquio e o Instituto de Artes do Japo. Foi tambm curador do Departamento de Belas-Artes Orientais do Museu de Belas-Artes de Boston. Autor do Livro do ch, do qual falaremos no captulo 3, publicou-o em ingls e foi o grande divulgador da cultura oriental no Ocidente. (Disponvel em http://www.tenshin.museum.ibk.ed.jp/english/02_tenshin.htm) Acesso em 07/07/09).

  • 23

    vegetariana. Seguiu-a com disciplina e sarou da tuberculose, dada como incurvel, ao

    completar vinte e um anos.

    Seu fsico que era, desde a infncia, muito debilitado, fez dele uma pessoa fechada.

    Voltou a pintar quadros e a ler tudo o que encontrava a respeito de pintura, refugiando-se em

    seus sonhos. Ele escreveu:

    Dos quinze aos vinte anos mais ou menos, eu era mais tmido que qualquer outra pessoa. Sem nenhum motivo, tinha receio de me encontrar com desconhecidos; principalmente quando achava que a pessoa era um pouco mais importante, nem conseguia falar direito com ela. Diante de moas, eu enrubescia, meus olhos ficavam perdidos, e eu nem ao menos conseguia olhar para o seu rosto ou falhar-lhes. Como me tornei pessimista por causa disto! Conseqentemente, tive muitas dvidas se conseguiria integrar-me na sociedade como cidado adulto. Naquela poca, quando me via em frente de qualquer pessoa, sempre tinha a impresso de que ela era mais inteligente e mais importante do que eu (FMO-MOA, 1982, p.124).

    1.1.3 A maioridade

    Em 1899, Kissaburo, pai de Mokiti, abriu uma loja de utenslios usados, em um bairro

    comercial de Tquio. Algum tempo depois, a famlia adquiriu uma penso e Shizu, sua irm

    mais velha, assumiu a administrao; todos passaram a ajudar no negcio e Mokiti assumiu a

    contabilidade. Entretanto, em fevereiro de 1902, Shizu morreu repentinamente, de pneumonia,

    aos vinte e nove anos, e Kissaburo no quis dar prosseguimento ao negcio.

    Mokiti Okada, ento com vinte anos, comeou a planejar a abertura de uma loja de

    antiguidades, passando a pesquisar este segmento. Visitava os antiqurios da redondeza quase

    todas as noites e, aos poucos, foi se familiarizando com o mundo dos objetos de arte, sempre

    consultando seu pai sobre o valor dos objetos. Esta experincia foi a base da aguada

    capacidade de apreciao e avaliao de obras de arte que ele demonstrou durante toda a sua

    vida, de grande utilidade quando ele comeou a adquirir as obras que se constituram no

    acervo dos Museus de Belas Artes por ele construdos. Comeou a aprender maki-e3, um tipo

    refinado de artesanato em laca caracterstico do Japo. Com o tempo, passou a dominar todo o

    elaborado processo artstico, desde o esboo at o acabamento do objeto; apresentou suas

    3 Maki-e, pintura polvilhada, um tipo de pintura que polvilha ou espalha p, principalmente de ouro e de prata, sobre laca, utilizando um pincel especial, kebo, ou um pequeno tubo, makizutsu. A tcnica surgiu no Perodo Nara (710-794), tendo sido desenvolvida principalmente no Perodo Heian (794-1185) e ressurgindo, posteriormente, no Perodo Edo (1603-1868). Disponvel em www. Britannica.com Acesso em 22/07/2009).

  • 24

    obras em uma exposio de belas-artes de Ueno, bairro de Tquio, e todas foram vendidas.

    Mais tarde, a loja de miudezas que adquirira tambm passou a expor e vender trabalhos seus.

    De 1902 a 1905, seu estado de sade melhorou bastante. Gostava de assistir a

    espetculos teatrais, a apresentaes artsticas e a filmes de cinema. Nunca me esquecerei.

    Eu estava com dezesseis ou dezessete anos quando assisti a uma exibio cinematogrfica

    pela primeira vez (FMO-MOA, 1982, p.130).

    Lia muito e gostava de histrias de pessoas que alcanavam sucesso nos negcios. Estes

    relatos de personalidades desbravadoras de seus caminhos vinham exatamente ao encontro da

    perspectiva traada pela Restaurao Meiji, ou seja, o desenvolvimento de uma sociedade

    dinmica, formada por indivduos empreendedores e conquistadores de posies de destaque.

    O estabelecimento do ensino universal e do servio militar obrigatrio reduziu o abismo entre

    as classes sociais, estabelecendo o princpio da ascenso pelos mritos pessoais. Admirador

    de Ruiko Kuroiwa, jornalista e fundador, em 1892, de um polmico jornal japons, Yorozu-

    tyoho, por seu esprito combativo e pelas denncias de fraudes e irregularidades que ele fazia

    ao mundo poltico e financeiro, assistiu a vrias conferncias do jornalista. Chegou a citar um

    trecho, de uma de suas palestras, que o marcou: Todo homem nasce mesquinho. Para

    aperfeioar-se, deve cultivar uma segunda personalidade, isto , nascer pela segunda vez

    (FMO-MOA, 1982, p.135). De fato, esta idia aparecer vrias vezes em seus ensinamentos.

    E este esprito empreendedor pode ser notado, com intensidade, durante toda a fase

    empresarial de sua vida e tambm na sua forma de desenvolver a obra religiosa. E a idia de

    ter um jornal para defender a justia social se fez presente em muitos momentos de sua vida.

    Apreciava textos de filosofia e leu filsofos como Henri Bergson e William James. A

    Filosofia da Intuio de Bergson (1859-1941), dentre outros princpios do pensamento do

    filsofo francs, foi seu objeto de estudo, e considerada muito importante e pertinente do

    ponto de vista religioso. Algum tempo depois ele escreveu:

    Os conceitos formados pela instruo que recebemos, pela tradio, pelos costumes, etc., ocupam o subconsciente humano como se fossem uma barreira, e dificilmente o percebemos. Por essa razo, tal barreira constitui um obstculo quando observamos as coisas. [...] A Teoria da Intuio encarrega-se de corrigir tais erros, comuns entre os homens, libertando-os, completamente, de preconceitos e ensinando-os a fazer uma fiel observao dos fatos. Para isso, necessrio ser o eu do momento, isto , fazer com que a impresso instantnea, captada pela intuio, corresponda verdadeira substncia do objeto de observao (2005 a, v.4, p.51).

  • 25

    O Pragmatismo de William James tambm influenciou grandemente o pensamento de

    Mokiti Okada, que aderiu ao seu princpio essencial, o da aplicabilidade de todo

    conhecimento vida prtica, e fez dele a idia norteadora de sua vida e de seus ensinamentos.

    Veremos, no decorrer deste estudo, que, para ele, a Arte tem esse carter pragmtico,

    revestindo-se de uma funo e de uma misso no mundo e na vida do ser humano. Mokiti

    Okada escreveu em 1949:

    James achava que a exposio meramente terica da filosofia constitui apenas uma espcie de distrao; para ele, a filosofia s era vlida se fosse posta em prtica. [...] O benefcio que o pragmatismo me proporcionou nessa poca no foi pequeno. Mais tarde, quando iniciei meus trabalhos religiosos, julguei necessrio aplic-lo religio (2005 a, v.4, p.11).

    Nessa poca, os primeiros anos do sculo XIX, a vida da famlia passava por uma fase

    tranqila; eram seis pessoas o pai, a me, o irmo Takejiro, a cunhada Sue e o sobrinho

    Hokoitiro, filho de sua irm Shizu e moravam na regio costeira da baa de Tquio. Mas,

    em maio de 1905, o pai de Mokiti, Kissaburo, morreu, de problemas cardacos. Tinha

    cinqenta e trs anos. A vida no havia sido fcil para ele, uma pessoa de temperamento

    calmo, de gosto artstico muito apurado, que nasceu numa famlia abastada e aos quinze anos

    se viu chefe de famlia. As dificuldades financeiras foram uma constante em sua trajetria e

    ele no teve condies de viver como gostaria: o ideal, para ele, era um mundo tranqilo, em

    que pudesse viver justa e corretamente, no exerccio de suas funes, deleitando-se com

    pinturas e antiguidades (FMO-MOA, 1982, p.145). Tanto Mokiti Okada como Takejiro

    demonstravam gosto pelas artes, semelhana do pai, Kissaburo, que, reconhecendo essa

    habilidade, incentivou-a e entendeu-os perfeitamente quando quiseram se dedicar ao campo

    artstico.

    1.1.4 O empresrio

    No mesmo ano, com a herana que lhe coubera, Mokiti Okada, embora ainda muito

    inseguro comercialmente, abriu uma loja de miudezas, a Korin-do. O nome era uma

    referncia ao pintor japons Korin Ogata4, cujas obras Mokiti Okada admirava

    profundamente. No era o ramo comercial pretendido por ele, que aspirava dirigir uma loja de

    4 Famoso pintor japons (1658 1716) do incio da Era Edo, que compreende o perodo entre o sc. XVII e XIX.

  • 26

    antiguidades, mas, com o apoio de sua me, dedicou-se integralmente ao negcio. A loja

    prosperou rapidamente e, em pouco tempo, teve que aumentar o espao e contratar mais

    empregados.

    Casou-se, em 1907, aos vinte e quatro anos, com Taka Aihara, que tinha dezenove. Foi

    graas valiosa ajuda dela, filha de comerciantes, que Mokiti Okada, em apenas dez anos de

    comerciante, pde obter um sucesso to grande como fabricante e atacadista de miudezas.

    Alguns princpios de vida surgiram a partir de experincias durante sua carreira empresarial.

    Em uma ocasio, foi aconselhado por um parente sobre a necessidade de mentir habilmente,

    conforme o momento, para conseguir sucesso. Depois de tentar por algum tempo, aquele

    modo de agir o angustiava. Tomou ento uma deciso: Uma pessoa como eu no consegue

    nada com mentiras. Mesmo que eu no alcance o sucesso, vou voltar a agir com a honestidade

    de antes (FMO-MOA, p.149).

    Em fevereiro de 1907, abriu a Loja Okada. Foi uma mudana que implicou em grande

    coragem, pois no havia nem dois anos que estava no ramo e j estava deixando uma loja de

    varejo para se lanar em uma loja atacadista. Conseguiu um funcionrio de confiana, Kinzo

    Kimura, e comissionou-o pelas vendas que fizesse. O Japo estava vivendo um momento

    econmico delicado, pois a guerra com a Rssia pressionara sua economia com as despesas

    geradas pelo conflito, alm da perda de mo-de-obra agrcola que havia sido desviada para a

    guerra. A vitria no havia trazido, portanto, uma melhora da situao, como havia acontecido

    na guerra contra a China. Entretanto, em meio a esta crise, a Loja Okada alcanou um

    crescimento surpreendente.

    Fig. 3 - Mokiti Okada em 1907.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 151.

  • 27

    Mokiti Okada tambm teve que deixar de lado os seus projetos com o maki-e. Sofreu um

    acidente no dedo indicador da mo direita, fundamental na produo dos objetos em laca, e

    no pde mais produzi-los. Ele passou a apenas desenh-los e mandar um profissional

    execut-los. Dedicou-se pesquisa do desenho de pentes e outros objetos de adorno para

    cabelos. Criou inmeros deles, vrios premiados em exposies da poca, e alguns

    patenteados.

    Durante quinze anos (de 1909 a 1923), Mokiti Okada criou inmeros objetos de adorno

    inditos, com novos detalhes, utilizando as tcnicas do maki-e e do raden.5 Sua criao mais

    famosa foi uma tcnica de espelho, que ele idealizou e, depois de muitas pesquisas, patenteou

    como Diamante Asahi, em 1916. Todas as lojas tradicionais de Tquio, Osaka e outras

    grandes cidades do Japo comercializavam essas bijuterias e, aos trinta e trs anos, possua

    uma das melhores e mais slidas lojas do ramo. Montou uma fbrica que trabalhava dia e

    noite na produo do Diamante Asahi.

    Fig. 4 Broche e adorno de cabelo confeccionados com o Diamante Asahi criaes de Mokiti Okada.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 15.

    Este perodo alternou sucessos e sofrimentos na vida de Mokiti Okada. Em 1912, perdeu

    sua me, que morreu de nefrite, aos cinqenta e sete anos. Ele sentiu muito a sua falta;

    reconhecia ter sido ela a sua grande incentivadora da primeira loja que abrira, a Korin-do,

    dando-lhe apoio e acreditando em sua capacidade em uma poca em que ele era muito

    inseguro e cheio de desiluso.

    5 Trabalho executado com pedaos de conchas finas, utilizados para enfeitar objetos de laca ou de madeira.

  • 28

    Seis meses aps a abertura da Korin-do, Mokiti Okada sofreu uma grave isquemia

    cerebral devido ao excesso de trabalho, extremamente preocupado com um negcio em que

    no tinha nenhuma prtica. Aos vinte e seis anos, contraiu tifo intestinal, de forma to grave

    que pensou que fosse morrer, chegando a deixar registrados os seus ltimos desejos quanto

    aos negcios. Foi desenganado pelos mdicos, pois naquela poca no havia remdio para o

    tifo. Curou-se com uma alimentao exclusivamente lquida. A loja prosperava, mas ele

    adoecia vrias vezes ao ano. Suas doenas continuaram por dez anos, sofrendo com dores de

    cabea e de estmago, reumatismo, prostrao nervosa, catarro intestinal, problemas nas

    vlvulas do corao, periodontite e outras enfermidades, alm das dores de dente que o

    acompanharam por dois anos.

    Mokiti Okada era uma pessoa correta, de bom corao, sempre agindo com justia e

    honestidade, tanto na sua vida pessoal como na caminhada profissional, com relao aos

    clientes, fornecedores e funcionrios. E, como seu empreendimento tivera tanto sucesso em

    um tempo relativamente curto, era natural que ele passasse a sentir grande confiana em sua

    inteligncia e capacidade. Acreditava firmemente que o sucesso de uma pessoa dependia

    unicamente de seu esforo e capacidade. Em seus pensamentos no havia lugar nem sentido

    para uma religio. Para ele, as imagens e caligrafias dos santurios eram simples espelhos6,

    pedras ou letras escritas em papel. No fazia sentido reverenciar desenhos e esttuas budistas

    como as de Sakyamuni ou Amithaba. Enfim, segundo ele, tudo no passava de idolatria

    (FMO-MOA, 1982, p.211). Essas idias identificavam-se com as do filsofo alemo Rudolf

    Cristoph Eucken7 (1846-1926), um dos autores lidos por ele na ocasio, que afirma que os

    dolos so criados pelo homem para satisfazer ao seu instinto de adorar alguma coisa.

    Chegou a atribuir aos templos e santurios japoneses o papel de obstculos ao progresso

    do Japo, j que nos pases ocidentais mais desenvolvidos as igrejas eram poucas ou estavam

    em decadncia. Mas fazia doaes regulares ao Exrcito da Salvao. Certa vez, interrogado

    por um missionrio sobre os motivos que o faziam colaborar com uma entidade crist, ele

    respondeu que ela ajudava na recuperao de ex-presidirios, o que livrava a sociedade do

    perigo de assaltos. [...] Uma vez que ela me livra desse perigo natural que eu me sinta

    agradecido e colabore com suas atividades (FMO-MOA, 1982, p.212).

    6 O espelho um dos trs smbolos imperiais do Japo, ao lado da espada e da jia, e remonta ao Kojiki, representando a volta de Amaterasu, a deusa do Sol, ao mundo, depois de permanecer reclusa em uma caverna. (SAKURAI, 2008, p.52). 7 Prmio Nobel de Literatura de 1908.

  • 29

    A Era Meiji se estendeu at 1912, encerrando-se formalmente com a morte do

    imperador e inaugurando a Era Taisho (grande retido). A partir dessa data, a estrutura de

    poder estabelecida pela Constituio de 1889 comeou a se enfraquecer. A lacuna criada com

    a morte do imperador Meiji foi preenchida por um imperador inexperiente, Yoshihito, que,

    pressionado, cedeu espao, na administrao, para o cidado comum: em 1918, o posto de

    primeiro-ministro ocupado, pela primeira vez, por um civil.

    Este foi um perodo turbulento, com mudanas significativas no contexto interno e

    tambm na poltica de expanso japonesa que comeara na Era Meiji. O mundo entra na

    Primeira Guerra Mundial dois anos depois, e, embora simblica, a participao do Japo foi

    importante por assegurar aos Aliados o seu ponto de apoio no continente asitico, j que a

    posio geogrfica do arquiplago era estratgica para as potncias capitalistas. Mas tambm

    foi durante esses anos que os atritos com os Estados Unidos comearam. Os pases europeus

    envolvidos na guerra sofriam enormes prejuzos com os estragos dela decorrentes e passaram

    a adquirir grande quantidade de produtos industrializados, principalmente dos Estados Unidos

    e do Japo. A economia japonesa decolou, baseada principalmente na construo naval e nos

    transportes martimos. Os japoneses viviam uma onda de prosperidade, tanto poltica como

    econmica e cultural. A Loja Okada tambm sentiu estes reflexos positivos e prosperou.

    Mas, com o trmino da guerra, a euforia comercial arrefeceu. Segundo Sakurai:

    Se a guerra proporcionou a prosperidade aos capitalistas japoneses, por outro lado deixou o governo Taisho enredado no aumento da dvida pblica e obrigado a incrementar os impostos para financiar gastos militares e manuteno dos territrios ocupados (2008, p.170).

    Vieram, ento as falncias, o desemprego, as greves, e a insatisfao popular explodiu

    em movimentos como o motim de agosto de 1918, que envolveu setecentas mil pessoas em

    305 pontos diferentes do Japo. A corrupo corria solta nos meios militares e financeiros,

    suscitando denncias que pipocavam por todo lado.

    Mokiti Okada pensou novamente no seu antigo sonho de abrir um jornal; talvez fosse

    essa a maneira de fazer algo pela sociedade, contribuindo para diminuir os males sociais.

    Pesquisando, descobriu que, para abrir um jornal de tiragem mdia, necessitaria de um capital

    de um milho de ienes. Por volta de 1916, onze anos aps a abertura da Korin-do, ele j

    possua um capital de 150 mil ienes. Mas ainda faltava muito para alcanar o milho de ienes

    necessrios para abrir o almejado jornal.

    Ele interessou-se, ento, pelo mercado de aes e iniciou uma parceria com o Banco

    Soko, usando o dinheiro da Loja Okada para financiar transaes, emprestando-o a juros com

  • 30

    a garantia do banco. Mas, em 1919, o banco repentinamente parou de fazer os pagamentos e

    abriu falncia. Mokiti Okada possua dinheiro depositado neste banco e o gerente financeiro

    de sua loja, pensando estar agindo corretamente, tomou dinheiro emprestado aos agiotas para

    cobrir os compromissos da empresa. Os juros altssimos renderam juros sobre juros e a Loja

    Okada iniciou sua decadncia. Os cheques dados por seu gerente estavam todos em seu nome;

    foram sustados, como soluo imediata, e, ento, os bens de Mokiti Okada foram todos

    penhorados. A partir da comeou a sua sofrida luta para saldar as dvidas, que se estendeu

    durante 22 anos, at 1941. Algum tempo depois, este gerente suicidou-se.

    Fig. 5- Loja Okada no Bairro de Kitamaki.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 204.

    1.1.5 A famlia

    Taka colaborou muito para o crescimento da Loja Okada. Ela viera de uma famlia

    vendedora de arroz e cuidou muito bem da casa e dos funcionrios, ajudando tambm na loja.

    Mas, pela sobrecarga de trabalho, contraiu tuberculose um ano aps o casamento.

  • 31

    Fig. 6 - Taka e Hikoitiro.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 207.

    O casal se sentia triste por no conseguir ter filhos. Eles cuidavam do sobrinho Hikoitiro

    como filho, principalmente aps a morte de Tori. Mas Taka se sentia sozinha. No oitavo ano

    de casamento, ela ficou grvida, com vinte e sete anos. Em 1 de outubro de 1915, nasceu

    uma menina que recebeu o nome de Shigueko. Mas o parto fora complicado e, logo depois do

    nascimento, ela morreu. O casal experimentou grande tristeza. Houve uma segunda gravidez,

    mas uma outra menina nasceu morta, no permitindo que suas esperanas se concretizassem.

    Em 1918, Taka engravidou novamente. Todos os cuidados foram tomados, mas, perto

    do parto, ela contraiu tifo intestinal e, depois de muito sofrimento, nasceu uma menina,

    prematura, em 4 de junho de 1919, que, logo em seguida, morreu. Taka, muito debilitada,

    faleceu aps uma semana, em 11 de junho.

    Fig. 6- Mokiti Okada em 1919.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 237.

  • 32

    Desde que se casaram, os negcios da famlia comearam a crescer rapidamente e, logo

    aps seu falecimento, a loja foi falncia. Nessa poca de sucesso empresarial, Taka foi a

    companheira ideal. A falta de Taka tambm se fez sentir intensamente na empresa. Era ela a

    pessoa que cuidava dos funcionrios, assim como de receber e hospedar as pessoas com quem

    Mokiti Okada se relacionava comercialmente. Aps o funeral, Mokiti Okada desabafou:

    Cortaram-me um dos braos (FMO-MOA, 1982, p.231). Em um curto espao de tempo,

    Mokiti Okada decidiu-se por um segundo matrimnio, uma decorrncia natural da situao.

    Mokiti Okada, ento com trinta e sete anos, props casamento a uma jovem de vinte e

    dois anos chamada Yoshi Ota. A famlia, a princpio, no queria, pois era o segundo

    casamento dele; mas depois concordou, frente sua grande insistncia. Casaram-se em 1919

    no Santurio Hibiya, um importante santurio xintosta do Japo, no qual se cultua a deusa

    Amaterasu, e partiram, em viagem de npcias, para Hakone.

    Fig. 7- Casamento de Mokiti Okada e Yoshi.

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 239.

    1.2 O DESPERTAR PARA O SAGRADO

    Mokiti Okada no acreditava em Deus at essa poca, como j vimos. Sempre pensara

    que a vida era algo que se construa com o esforo e a capacidade de cada um: achava que

    com trabalho, dedicao e honestidade seria possvel realizar seus planos e desejos. Mas os

    repetidos e graves infortnios que o atingiram foram abalando sua autoconfiana, dando-lhe a

  • 33

    medida da insignificncia da fora humana e mostrando-lhe o mistrio do destino na vida das

    pessoas.

    Sua viso de mundo foi mudando paulatinamente e ele passou a buscar, nas diversas

    religies de que ouvia falar, uma sada para os sofrimentos. Aproximou-se da religio Omoto,

    em 1920, atrado principalmente pelo objetivo que ela tinha de reformar o mundo e pelos

    ensinamentos relacionados aos txicos dos medicamentos. Mas um acontecimento o afasta da

    Omoto por trs anos: seu sobrinho Hikoitiro, voltando de um aprimoramento religioso, morre

    afogado num rio ao tentar salvar um conhecido. Isto foi um choque para Mokiti Okada e seu

    irmo Takejiro, que acabaram vendo a religio como causa indireta da tristeza que sentiam.

    Mas esse acontecimento acabou por despertar, dolorosamente, sua curiosidade sobre o

    mundo invisvel e seus mistrios, mergulhando-o em inmeras pesquisas religiosas, estudos

    de fenmenos parapsicolgicos, e provocando nele uma mudana radical. Sobre isso, ele

    disse: Foi o meu segundo nascimento nesta vida (FMO-MOA, 1982, p.247).

    1.2.1 Nascer de novo

    Abalado pelas dvidas contradas no episdio do Banco Soko, Mokiti Okada iniciou sua

    luta para reconstruir a vida empresarial. Na tentativa de reerguer a Loja Okada, ele a

    transformou em sociedade annima; os vrios acionistas da loja esto relacionados no Livro

    de Sinetes dos Acionistas da Loja Okada, um documento precioso ainda conservado.

    O incio da Loja Okada S.A. no foi fcil. Quando a Primeira Guerra Mundial terminou

    a competio internacional retomou seu rumo e as indstrias japonesas, embora tentassem

    manter suas transaes internacionais, encontraram grandes dificuldades. Os impostos e a

    alta de preos agravaram a situao interna, sobrecarregando a populao. A crise da

    economia americana, em 1920, e seu reflexo na Bolsa de Valores do Japo fizeram a

    economia entrar em colapso. Seguiram-se falncias, desemprego e corrida aos bancos. A Loja

    Okada no foi exceo e desmoronou sem oferecer nenhuma resistncia. Era sua segunda

    crise, mas, aos poucos, com o esforo de todos os funcionrios, a situao deu sinal de

    recuperao. Mesmo assim, fizemos esforo para levantar o destino da empresa e, por volta

    de 1922, finalmente a situao comeou a melhorar... (FMO-MOA, 1982, p.253).

    Alguns meses depois do casamento, Yoshi ficou grvida. Mokiti Okada, com a

    lembrana ainda recente dos partos de Taka, cercou-a de cuidados. Em 11 de outubro de 1920

  • 34

    nasceu sua primeira filha, Mitiko. Em 31 de dezembro de 1921 nasceu seu primeiro filho, que

    recebeu o nome de Mitimaro.

    Em 1923, novo golpe abalou a Loja Okada. O Japo sofreu, em 1 de setembro, um

    violento terremoto que alcanou 7,9 graus na escala Richter e matou mais de 140 mil pessoas

    na regio de Tquio. O tremor atingiu a regio onde a loja se localizava e, por sorte, as

    paredes puderam ser logo reerguidas e as mercadorias, recuperadas. Em seguida, sobreveio

    um incndio, causando a morte de 50 mil pessoas e a destruio de 400 mil casas.

    Fig. 8- Terremoto em Tquio em 1 de setembro de 1923.

    Taisho Era, 12th year. Sept. 1, 1923 Great Kanto Earthquake. Mitsukoshi Bank in Tokyo. Fonte: J. B. Macelwane Archives, Saint Louis University.

    http://www.eas.slu.edu/Earthquake_Center/1923EQ/736.html Acesso em 29/07/2009.

    Fig. 9 Incndio em Tquio em 1 de setembro de 1923.

    Taisho Era, 12th year. Sept. 1, 1923 Great Kanto Earthquake. Ueno-Hirokoji Street, Ueno Park. Fonte: J. B. Macelwane Archives, Saint Louis University.

    http://www.eas.slu.edu/Earthquake_Center/1923EQ/732.html

  • 35

    A maioria dos clientes da Loja Okada foi falncia e, aps esse terremoto, muitas coisas

    mudaram. Dois funcionrios de confiana se desligaram da empresa e abriram seus prprios

    negcios. Terminavam, assim, os anos dourados da Loja Okada.

    Em 3 de outubro do mesmo ano, Mokiti Okada perdeu Mitimaro, seu primeiro filho,

    com um ano e nove meses. Houve um surto de clera infantil aps a catstrofe e a criana

    contraiu a doena, no tendo sido socorrida a tempo.

    Aps esse perodo, a loja ficou menor e com menos funcionrios, mas o Diamante

    Asahi continuava vendendo bem. A vida foi se normalizando. Em 15 de agosto de 1925

    nasceu sua segunda filha, Miyako.

    Mokiti Okada ingressou na Omoto em 1920, mas manteve-se afastado dela por trs

    anos, devido, principalmente, morte de Hikoitiro. De 1916 a 1920, essa religio alcanou

    uma grande expanso, que pode ser relacionada com o que estava vivendo a sociedade

    japonesa da poca.

    A indstria estava se desenvolvendo e o nmero de trabalhadores aumentara. Mas, com

    a crise econmica, as tenses entre patres e empregados se acirravam. Irromperam greves e a

    vida se tornou difcil at para os agricultores, que viram os preos dos produtos agrcolas

    baixarem. Diante dessa situao, as pregaes da Omoto, que falavam de um mundo

    conturbado que precisava urgentemente de uma reforma, baseada nos Ensinamentos de Deus,

    traziam esperana para as pessoas, mas, ao mesmo tempo, despertavam sua conscincia para a

    realidade em que viviam. Eram, portanto, muito perigosas para o governo. Ela sofreu, ento

    em 1921, uma forte presso das autoridades, que ficou conhecida como Primeiro Caso

    Omoto. Seu santurio foi destrudo, assim como o sepulcro da fundadora, Nao Deguti.

    Embora afastado da instituio, o sentimento religioso de Mokiti Okada, despertado em

    1920, no desaparecera. Continuou a estudar os ensinamentos da fundadora, o Ofudessaki.

    Presume-se que ele tenha retornado Omoto entre o outono e o inverno de 1923, logo aps o

    grande terremoto. Alm de ter sua vida revolvida de novo, pois a situao da Loja Okada

    piorava a cada ano, perdera seu filho. Segundo a obra Luz do Oriente, outro fator poderia t-lo

    deixado propenso ao retorno: a partir de sua pesquisa no Ofudessaki, previu o incndio de

    Tquio, que se concretizara cerca de um ms depois. A partir da, comeou a se solidificar sua

    crena no invisvel, e ele se firmou no caminho da F:

    Esse foi o caminho que o levou a fazer uma renovao de sua prpria pessoa: polir a espiritualidade que por longo tempo se mantivera oculta em seu ntimo, refletir sobre o significado de sua existncia neste mundo e buscar uma forma verdadeira de vida (FMO-MOA, 1982, p.262).

  • 36

    Mokiti Okada escreveu nessa poca: O ponto culminante da F a paixo a Deus. O

    uso da palavra paixo revela a sua emoo em descobrir o mundo transcendente, campo at

    ento desconhecido para ele e envolto em mistrio. Era uma atrao infinita, que crescia e se

    aprofundava com o passar do tempo, mantendo-se sempre acesa. Alguns de seus poemas

    falam desta paixo:

    Conheci um amor que supera os amores aos quais entreguei minha vida. possuindo um caloroso amor pelo homem que se ama a Deus, a ponto de se lhe entregar a vida.8

    A partir de 1924, Mokiti Okada decidiu dedicar-se ao estudo do Mundo Espiritual, mas

    ainda no havia se conscientizado de sua misso. Mas alguns acontecimentos j evidenciavam

    a atuao do Mundo Divino. Dois seguidores da Omoto descreveram a Mokiti Okada

    fenmenos inesperados em que viram, ao seu lado, a figura de Kannon9. Em outras ocasies,

    declaraes semelhantes, vindas de pessoas diferentes, se repetiram. At ento, ele no

    acreditava, absolutamente, em Kannon; a Omoto era ligada a Buda. Atravs desses fatos,

    porm, comeou a se conscientizar gradativamente da sua afinidade com Kannon, que

    entendeu remontar aos seus antepassados.

    1.2.2 As Revelaes

    Certo dia do ms de dezembro de 1926, por volta das vinte e quatro horas, tive uma sensao estranha, jamais sentida at ento. Ao mesmo tempo em que experimentava essa agradvel sensao, sentia-me induzido a falar. Queria deter esse impulso, mas no conseguia. Insopitvel fora me impelia, de dentro para fora. No podendo resistir, deixei-a expressar-se livremente. As primeiras palavras foram: Prepare papel e pincel. Pedi a minha esposa que assim procedesse. As palavras que, em seguida, brotaram ininterrupta e compassadamente, expressavam fatos surpreendentes (FMO-MOA, 1982, p.270-271).

    Estas primeiras revelaes aconteceram em 25 de dezembro de 1926, no dia da morte do

    imperador Taisho, sucedido pelo prncipe Hirohito. Iniciava-se a Era Showa. Elas se

    estenderam por trs meses e resultaram em quase quatrocentas pginas. O seu contedo

    8 (FMO-MOA, 1982, p.268-269). 9 Tambm denominado Kanzeon Bosatsu, uma divindade do Budismo.

  • 37

    abrangia a formao do Japo, a histria do passado, do presente e do futuro de toda a

    humanidade, bem como da prpria vida de Mokiti Okada. Algumas previses prximas se

    concretizaram, como o incidente da Manchria e a Segunda Guerra Mundial.

    Ele duvidou daquilo que havia ditado e, por muito tempo, relia os escritos e os guardava

    de novo. Chegou a intitul-los Hatena (Ser?). Depois, decidiu-se por buscar a comprovao

    do que fosse passvel de experimentao, refletindo sobre tudo e aprofundando suas prticas.

    Havia, naquele material, muitos assuntos relacionados com a famlia imperial e, como as

    perseguies s novas religies eram comuns naquela poca, enterrou-o numa lata. Mais

    tarde, quando ele prprio passou a ser vigiado e intimado para depor, resolveu queim-lo.

    Desde esta poca, incio da Era Showa, ele comeou a escrever um dirio (nikki). Este

    um hbito comum entre as crianas japonesas, uma prtica que faz parte de sua vida escolar.

    O dirio de Mokiti Okada um registro de suas impresses e reflexes sobre acontecimentos

    do cotidiano e mesclava prosa e verso. Quinze cadernos, escritos desde essa poca (1929) at

    1943, foram preservados. Eles so uma fonte preciosa para compor sua trajetria, pois

    expressam fielmente seus pensamentos e sentimentos dia aps dia na sua caminhada religiosa.

    Seus estudos ampliaram-se da pesquisa nos livros para a busca do mtodo de salvao

    que libertasse as pessoas do sofrimento atravs da fora espiritual, conduzindo-as para a

    felicidade. Mokiti Okada utilizou a palavra Kenshinjitsu (Iluminao) para designar o estado

    em que se possua conscincia de tudo e inteligncia clara. Ele assim definiu esse estado:

    A religio, a filosofia, a educao e outros ramos da cultura sempre consideraram impossvel entender todas as coisas alm de certo limite e captar a sua essncia mais profunda. Sakyamuni disse ter atingido o Kenshinjitsu aos setenta e dois anos, e Nitiren10, depois dos cinqenta. Kenshinjitsu significa a capacidade de entrar em contato com essa essncia (FMO-MOA, 1982, p.276).

    Nessa poca, em 4 de junho de 1927, nasceu sua terceira filha, Itsuki, que se tornou,

    posteriormente, a terceira Lder da Igreja Messinica Mundial.

    Em 4 de fevereiro de 1928, Mokiti Okada deixou a Loja Okada para concentrar-se, de

    corpo e alma, Obra Divina. Ocupou a posio de conselheiro da empresa ainda por alguns

    anos, entregando a administrao e as vendas a dois gerentes, mas no deixou os negcios por

    completo nessa ocasio.

    10 Fundador da religio Nitiren, um importante segmento do Budismo, era um monge budista do Japo (1222-1282).

  • 38

    No dia 11 de abril de 1929, nasceu Shigueyoshi, seu terceiro filho, e o prprio Mokiti

    Okada foi o parteiro.

    Suas pesquisas sobre o Mundo Espiritual prosseguiram, entendendo que a grandiosa

    obra de salvao da humanidade no poderia ser concretizada sem o esclarecimento daquele

    mundo. Crendo nos fenmenos espirituais, torna-se claro que poderemos apreender a causa

    fundamental da verdadeira felicidade. Em suma, para obtermos a perfeita paz de esprito,

    necessrio profundo conhecimento de tais fenmenos, seja qual for a F que professemos

    (FMO-MOA, 1982, p.286-287).

    A atuao de Mokiti Okada na Omoto foi alcanando hierarquias cada vez mais altas: de

    semidivulgador passou a divulgador e, em 1929, chegou a membro executivo da Sede de

    Tquio. Suas pregaes eram muito apreciadas, abordando sempre assuntos acessveis s

    pessoas para, ento, relacion-los ao tema de Deus. Interessados, os membros aumentavam a

    cada dia. Em 1929, ele alugou uma casa no bairro de Koji, em Tquio, e encarregou um

    discpulo seu de realizar a atividades de divulgao da Omoto. Aps algum tempo, ele

    mudou-se para esse bairro e instalou, de fato, um local de difuso.

    Centralizou-se no tinkon11, um mtodo de origem xintosta restaurado pela Omoto.

    Atravs dele, os milagres comearam a acontecer, sucedendo-se curas inesperadas. Sobre este

    tempo, ele escreveu: Naquela poca, a minha vida era um contnuo milagre. Quanto mais eu

    duvidava, mais milagres surgiam, possibilitando-me desfazer as dvidas (FMO-MOA, 1982,

    p.27). Em 30 de abril de 1929, Mokiti Okada confeccionou o primeiro miteshiro, leque de

    papel que, na Omoto, significava aquilo que substitui a mo. Em sua parte frontal, ele

    escrevia palavras como Este leque purifica e salva todos os espritos, e os entregava aos

    principais fiis para que com ele realizassem o tinkon.

    Fig. 10- Miteshiro - Este leque purifica e salva todos os espritos

    Fonte: FMO-MOA, 1982, v.1, p. 298.

    11 Prtica de meditao que tinha como objetivo a cura de enfermidades.

  • 39

    Quando Mokiti Okada voltou Omoto, em 1923, a literatura fazia parte das atividades

    desenvolvidas pela Igreja como um dos segmentos da obra religiosa. Em 1927, a instituio

    fundou a Editora Meiko e iniciou a publicao de uma revista mensal de poesia, nos estilos