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Padrões de uso da exPressão SEI no Português Mariangela rios de oliveira* leonardo Pereira dos santos** * Universidade Federal Fluminense/CNPq; Niterói; Doutora em Letras Vernáculas – língua portuguesa; professora associada III. E-mail: mariâ[email protected] ** Universidade Federal Fluminense; Niterói; Pibic/CNPq. E-mail: [email protected] Recebido em 4 de maio de 2011 Aceito em 20 de maio de 2011 resuMo Com base na perspectiva da gramaticalização de construções (traugott, 2008; noël, 2007), este artigo trata dos padrões de uso da expressão sei lá verificados em textos falados por estudantes brasileiros: como modalizador e como marcador discursivo. A partir da aplicação de seis fatores aos dados de pesquisa, é possível constatar que a função modalizadora situa-se em cline menos avançado de gramaticalização face à função marcadora, bem como detectar que fatores de ordem metonímica, no nível interno da expressão e dos contextos maiores de sua ocorrência (gênero textual e sequência tipológica), motivam os padrões funcionais em que se articula sei lá. Palavras-chave: Sei lá, gramaticalização, construção, morfossintaxe, funcio- nalismo. introdução Neste artigo, dedicamo-nos ao levantamento, à descrição e à análise dos padrões funcionais de sei lá, uma das mais usadas expressões no português contemporâneo do Brasil, notadamente em situações informais ou distensas. Para tanto, tomamos como suporte teórico o funcionalismo linguístico, na linha de Heine e Kuteva (2007), Traugott e Dasher (2005), Bybee (2010), entre outros, aliado às contribuições da abordagem construcional, conforme Goldberg (1995; 2006) e Croft (2001). Assim caracterizado, este estudo filia-se a uma vertente atual da pesquisa linguística nacional, voltada para gramaticalização de construções. 1 Nossa investigação faz parte ainda de projeto maior,

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Padrões de uso da exPressão sei lá no Português

Mariangela rios de oliveira*leonardo Pereira dos santos**

* Universidade Federal Fluminense/CNPq; Niterói; Doutora em Letras Vernáculas – línguaportuguesa;professoraassociadaIII.

E-mail:mariâ[email protected]** UniversidadeFederalFluminense;Niterói;Pibic/CNPq. E-mail:[email protected]

Recebido em 4 demaio de 2011Aceito em 20 de maio de 2011

resuMo

Com base na perspectiva da gramaticalização de construções (traugott,2008;noël, 2007), esteartigo tratadospadrõesdeusodaexpressãosei láverificados em textos falados por estudantes brasileiros: comomodalizadorecomomarcadordiscursivo.Apartirdaaplicaçãodeseisfatoresaosdadosdepesquisa,épossívelconstatarqueafunçãomodalizadorasitua-seemcline menos avançado de gramaticalização face à função marcadora, bem comodetectarquefatoresdeordemmetonímica,nonívelinternodaexpressãoedoscontextosmaioresdesuaocorrência(gênerotextualesequênciatipológica),motivamospadrõesfuncionaisemquesearticulasei lá.

Palavras-chave:Seilá,gramaticalização,construção,morfossintaxe,funcio-nalismo.

introdução

Neste artigo, dedicamo-nos ao levantamento, à descrição e àanálisedospadrõesfuncionaisdesei lá, umadasmaisusadasexpressõesno português contemporâneo do Brasil, notadamente em situaçõesinformais ou distensas. Para tanto, tomamos como suporte teórico ofuncionalismolinguístico,nalinhadeHeineeKuteva(2007),TraugotteDasher (2005),Bybee (2010), entreoutros, aliadoàscontribuiçõesda abordagem construcional, conforme Goldberg (1995; 2006) eCroft(2001).Assimcaracterizado,esteestudofilia-seaumavertenteatual da pesquisa linguística nacional, voltada para gramaticalizaçãodeconstruções.1Nossainvestigaçãofazparteaindadeprojetomaior,

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comfoconasconstruçõesnominaiseverbaisem tornodepronomeslocativos, desenvolvida no âmbito do Grupo de Estudos Discurso & Gramática (D&G),2 [...] conforme se encontra emAguiar (2010),Teixeira(2010),TeixeiraeOliveira(2010)eRocha(2011).

Partimosdahipótesedequeaexpressãosei lá é resultantedeumprocessodegramaticalização,noqualseusconstituintesinternos,aformaverbalcognitiva(sei)eopronomelocativo(lá),compõemumaunidadedenívelsuperior,umtododesentidoeformaquepassaaassumirfunçõesnonívelpragmático-discursivo.Dessasfunções,destacam-seduas–ademodalizaçãoeademarcaçãodiscursiva.Assumimosaindaqueasduasfunçõessituam-senumclinedegramaticalização,noqualafunçãomodalizadoraantecedeademarcaçãonaunidirecionalidadedamudança linguística. Trata-se, portanto, damigração do nível doléxico ao do planoda gramática, numprocesso emque a funçãodesei lánãopodemaisserapreendidapelamerasomadesuasunidades,mas simpelomodo comque se organiza internamente e se articula,metonimicamente, nos contextos de sua ocorrência, com vistas aoatingimento de propósitos comunicativos para além da referêncialexicaldeseuselementosinternos.Estamosnosreferindoausoscomooapresentadoem(1):

(1)porque o pessoal daqui... sei lá... eles são muito estranhos... fofoqueiros... então:: não é boa influência... aí... eu vou pra lá... o pessoal de lá é legal à beça... e:: lá... sei lá... é um lugar assim mais arejado... mais fresco...

Nofragmentoacima,aexpressãosei lá éusadaemduasocasiões,no relato de opinião falado por um estudante carioca. O aluno, aocontrapordoisgrupos–o pessoal daqui (desuaescola)eo pessoal de lá (desuarua),usasei lá paraarticularseuscomentáriosavaliativos,modalizandoestaavaliaçãodeformaaatenuarosreferidoscomentários.

Paraatingirnossosobjetivos,usamoscomocorpora obancodedadosCorpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita no Brasil,3numviésanalíticoquecompatibilizaaperspectivaquantitativae qualitativa. Controlamos variáveis capazes de nos fornecer pistaspara a detecção das tendências de uso da expressão pesquisada pelacomunidadeestudantilbrasileira.

Oartigoencontra-sedividido,alémdaintroduçãoedasconside-raçõesfinais,emtrêsseçõesmaiores.Naprimeira,apresentamosasduas

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perspectivasteóricasquefundamentamnossaanálise–ofuncionalismolinguísticoeaabordagemconstrucional,nademonstraçãodospontosdeinterseçãooudeconfluênciadasduasperspectivas.Nasegundaseção,caracterizamosasfontespesquisadasenosreferimosaosprocedimentosde tratamento dos dados, com foco nos aspectos quantitativos equalitativosdapesquisa.Naterceira,dedicamo-nosaosresultadosdolevantamentodosdadoseàsuaanálise interpretativana testagemdahipótesedetrabalhoenoatingimentodosobjetivospropostos.

graMaticalização de construções

Para a pesquisa da expressão sei lá, partimos da definição degramaticalizaçãocomoapresentadaporHeineeKuteva(2006,p.332),queseconsubstancianumprocessoqueconduzdoléxicoàgramáticaoudomenosparaomaisgramatical.Aindasegundoosmesmosautores,formasouexpressõesquesegramaticalizamsãoafetadas,emmenoroumaior grau, por quatro fenômenos: extensão ou generalização deuso,dessemantizaçãooudesbotamento desentido,decategorizaçãooumigraçãodeclasseeerosãofonética.

No funcionalismo linguístico, torna-se recorrente a associaçãodoprocessodegramaticalização à fixaçãodepadrões convencionaisdeuso.Apropostadequeamudançacategorialtemavernãosomentecomumdeterminadoconstituinte,mascomseuentorno,comosdemaiselementosassociadosaesteconstituinte,vemganhandocadavezmaisforça.EncontramosemBybee,PerkinsePagliucca(1994,p.11)que“é a construção inteira, e não simplesmente o significado lexical dopontoprincipal,queéoprecursor,e,portanto,afonte,dosignificadogramatical”.JáemBybee(2003,p.146),destaca-seque

se a gramaticalização é a criação de novas construções (e seusdesdobramentos futuros), então também podem ser aí incluídoscasosdemudançaquenãoenvolvemmorfemasespecíficos,comoa criaçãodepadrõesdeordemdepalavra. (ByBee, 2003,p. 146;traduçãonossa)

As declarações acima ratificam outras menções, como a deLehmann(1989;2002),paraquemapesquisadagramaticalizaçãodeve

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levar em conta não somente um termo particular, mas a construçãoformada por relações sintagmáticas do termo em questão. TambémHaspelmath (2004), namesma linha, declara que a gramaticalizaçãoé um fenômeno em macronível, assim, não pode ser reduzido apropriedadesdecorrespondênciasdefenômenosdemicronível.

Adefesadeimportânciadasrelaçõessintagmáticasparaoprocessode gramaticalização ganha força comTraugott eDasher (2005), queassumemadimensãometonímicacomofundamentalparaatrajetóriadamudançalinguísticaedaconvencionalizaçãodepadrõesdeuso.Naperspectivadasautoras(2005,p.29),pornóstambémaquiassumida,ametaforizaçãopassaaserentendidacomoconsequentedasrelaçõesmetonímicas,ouseja,aderivaçãodesentidoocorreporforçadapressãodecontextosdeusoespecíficos,damotivaçãopragmáticadasrelaçõesinteracionaisqueorientamosfenômenosassociativosnaordemlineardosconstituintes.Trata-sedaatuaçãodainferência sugerida (2005,p.44),pressupostosegundooqualossentidosnainteraçãosãoderivadosdecombinaçõessemânticasnocontextodiscursivo,envolvendováriosconstituintes, emdeterminadospadrõesconstrucionais aí articulados.Nessa negociação, entram em cena os propósitos comunicativos doemissor, seus anseios, no âmbito das estratégias de subjetificação, eaorientaçãoparaoreceptor,noníveldanegociaçãodossentidosedaaçãosobreointerlocutor,noníveldaintersubjetificação.ParaTraugott(2008), sei lá se classifica como um tipo de microconstrução, umpareamentodeextensãomenorqueintegraeconcorrenaconfiguraçãodeoutrosemnívelmaior–mesooumacroconstruções.

Ao assumirmos que sei lá se gramaticaliza no português, naformação de um todo de sentido e forma, em contextos específicos,aproximamo-nos das concepções funcionalistas aqui apresentadas.Essa aproximação, de outra parte, tem na abordagem construcional,de orientação cognitivista, forte influência. Partindo-se da definiçãode construção como uma instância gramatical de sentido e formaindecomponíveis, altamente convencionalizados na formação de umtodo, conforme Goldberg (1995; 2006), podemos considerar que aexpressão sei lá constitui a atualização de um padrão construcionaldo tipo Vb + locativo. Na expressão assim formada, o constituinteverbalseiunidoaopronomelocativolácompõemumasóunidadecujosentidonãopodesertraduzidonafórmulasei + lá,massimapreendido

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nos contextos pragmático-discursivos de sua ocorrência, tal como oexemplo(1)apresentadonaseçãoanterior.

DeacordocomCroft(2001),aexpressãosei lápodeserdescritacomoumpareamentodeformaesentido,simbolicamenteunidos.Noprimeiro eixo, o formal, descrevemos a expressão como constituídapeloelementoverbalsei, destituídodecomplemento,nopresentedoindicativo e na primeira pessoa do singular, seguido pelo pronomelocativolá, apontandoparaespaçomaisdistantedoemissor.Noeixodosentido,aexpressãopodeserdescritaassim:a)emtermossemânticosmaisestritos,comoacombinaçãodaformaverbalcognitivaseiedopronomedegranulidadevastalá;5 b) nonívelpragmático,sei láarticulasentidovago,imprecisooumesmonegativo;c)noâmbitotextualmaisamplo, ligadoàesferadiscursiva,sei lápodeatuarbasicamentecomduas funções mais gerais: como modalizador, na atenuação do tomopinativodo emissor, que assimpreserva sua facediante daopiniãoemitida,ecomomarcadordiscursivo,numaesferamaisavançadadegramaticalização,naqualseregistramalgumassubfunções,comoadehesitação ou correção.Apresentamos a seguir dados ilustrativos dasduasfunçõesaludidas–ademodalização(2)eademarcaçãodiscursiva(3),extraídosnoCorpus D&G:

(2)o casamento não é indissolúvel ... também não acredito nisso ... existem incompati/ incompatibilidades e ... se elas forem ao ponto de uma não ... é ... de uma não convivência ... sei lá de um ... de uma incompreensão geral em todos os âmbitos mas existe ... toda relação tem dificuldades e elas devem ser superadas no convívio

(3) pra falar a verdade... o lugar que eu mais gosto de ficar é o banheiro da minha casa... ((riso de E)) é... olha... quando você está... sei lá... quando eu estou triste assim... eu vou pro banheiro... fecho a porta... é o único lugar que tem chave... então... bom... o banheiro é pequeno... é estreito...

Em(2),oemissorcomentaocasamento,nadefesadeseupontodevista;paratanto,usasei láafimdeprecisaranão convivênciacomoincompreensão geral em todos os âmbitos demodo amodalizar seudiscurso,namenoradesãooucomprometimentocom talprecisãodesentido. Já em (3), a expressão sei lá é usada namarcação de umareorientaçãodo emissor, quemuda suadeclaração inicial dequando

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você está paraquando eu estou,chamandoparasiofocodajustificativaparaterapontadoobanheirocomolocalpreferidodesuacasa.

Como podemos observar, em (2), o sei lá ainda se encontra,semântica e sintaticamente,mais integradoaocontextoda sequênciamaiorque integra,aopassoque,em(3),atuademodomais“desco-lado”, como uma estratégia demarcação do discurso. Em ambos osusos, a expressãoconstituiu,nos termosdeNoël (2007),o resultadodamigração da associação primária de um sentido com uma confi-guração morfossintática particular (esquematização) para uma novaconfiguração mais gramatical (gramaticalização). Na proposiçãodessecline, a funçãodemarcaçãodiscursivasitua-seempontomaisavançado,comocategoriamaisgramatical,emrelaçãoàmodalização.Comodestacaoautor,emboranãosejapossívelprecisarondeseiniciaagramaticalizaçãodeumaesquematização,épreciso levaremcontaosdoisprocessos,quepodemservistoscomoinstânciasprototípicas.

ProcediMentos Metodológicos

Paraaanáliseproposta,levantamosexaustivamenteaexpressãosei lánoCorpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita no Brasil,umafontedocumentalqueregistradepoimentosdacomunidadeestudantil de cinco cidades brasileiras, coletados no final do séculoXX:RiodeJaneiro(RJ),Natal(RN),RioGrande(RS),JuizdeFora(MG)eNiterói(RJ).Nessascidades,foramentrevistadosestudantes,distribuídos equilibradamente por sexo masculino e feminino, dosseguintes segmentos escolares: classe de alfabetização, primeiro esegundo segmento do Ensino Fundamental, EnsinoMédio e EnsinoSuperior.NacidadedoRiodeJaneiro,porsuadimensãopopulacional,foramcoletadosdepoimentosde93 alunos; emNatal,Niterói e Juizde Fora, foram entrevistados 20 estudantes de cada cidade; em RioGrande,foram19alunos.

Partimos do levantamento exaustivo dos textos falados, e seuscorrespondentesescritos,divididosemcincotipos:narrativadeexperi-ênciapessoal,narrativarecontada,relatodeprocedimento,descriçãodelugarerelatodeopinião.Inicialmenteosalunosforneciamosdepoimen-tosfaladospara,emseguida,elaboraraproduçãoescritacorresponden-te.Assim,cadaalunoproduziu10textos:cincofaladosecincoescritos.

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Dessaforma,trabalhamoscomdadosde172alunos,numtotalde445.000palavras.Detalcontingente,registramosousodaexpres-são sei lá por 37 alunos, perfazendo cerca de 21% dos 172 alunosentrevistados.Esses37alunosusaramaexpressão116vezes,númerogeraldedadoscomoquetrabalhamosnapróximaseção,dedicadaàanáliseinterpretativa.

Desses37 informantes,22usaramsei lá apenasumavez;estafoi a frequência mais observada. Seis usaram-na duas vezes; doisentrevistados fizeram uso de sei lá em três ocasiões; três usaram-na quatro vezes; um informante usou o sei lá sete vezes e outro,oitovezes.Dos37 informantes,houveaindadoisque sedestacaramnesse padrão de frequência; são informantes da cidade deNatal queusaram a expressão 10 e 39 vezes, respectivamente. Nesses doiscasosdeNatal, trata-sedeusosdaexpressãocomaltarecursividade,nopapeldemarcadordiscursivo,oqueconfiguraoavançadoestágiodegramaticalizaçãoassumidoporsei lá,queéutilizadasemmaioresrestriçõesouprevisibilidade,comsentidoaltamenteopaco.

Todososdadoscoletadosrestringem-seaosdepoimentosfalados;nãohouve, portanto, registro de sei lá em textos escritos doCorpus D&G, oqueacabaporratificarquesetrata,defato,deexpressãousadamaisespecificamenteemregistrosmenosformaisedistensos,emquesobressaempressõesnonívelpragmático-discursivo.

Para o tratamento dos 116 dados mencionados, levamos emconta,emdadosquantitativos,seisfatoresanalíticos,selecionadosemrelaçãoaoquepoderiamsinalizarouapontaracercadafuncionalidadedesei lá.Assim,osdadosforamdistribuídospelasseguintesvariáveis:

a)Função:papel cumpridopelaexpressãona tessitura textual,comomodalizadoroumarcadordiscursivo.

b)Localização:pontodeocorrênciadaexpressãonacláusula–seinicial,medialoufinal.

c)Ocorrênciadepausa:verificaçãodepausaanterior,subsequenteouintercaladaaousodesei lá,ouaindaausênciadepausa.

d) Tipo textual: o tipo de texto de ocorrência – se narrativaexperiencialourecontada,relatodeprocedimentooudeopinião,alémdedescriçãodelocal.

e)Sequênciatipológica:aconfiguraçãolinguísticadofragmentoarticulado–seinjuntiva,descritiva,narrativaouexpositiva.

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f)Escolaridade:nívelescolardousuário–seclassedealfabe-tização,primeiroousegundosegmentodoEnsinoFundamental,EnsinoMédioouEnsinoSuperior.

Assim fixados os parâmetros de pesquisa, dedicamo-nos àdescriçãoe à análisedos resultados, coma finalidadededetectarospadrõesdeusodesei lánaperspectivadagramaticalizaçãodecons-truções. Iniciamos pelo fator função, passando pelos estruturais echegandoaospragmático-discursivos.

Padrões funcionais de sei lá

Aclassificaçãodos116dadosdesei lá,quantoaosseisfatoreseleitos para investigação, traz resultados relevantes para o maiorconhecimento da funcionalidade dessa expressão no portuguêscontemporâneodoBrasil.Sejaemtermosespecíficos,sejacombinadosentresi,taisfatoresapontamatendênciadeusodesei lánacomunidadeestudantilbrasileira.

O primeiro fator apresentado é justamente o tipo de funçãodesempenhadaporsei lá.Apósolevantamentoeaanálise,chegamosaduasfunçõesmaisgerais,nasquaissepoderiamagruparosdados–ademodalizaçãoeademarcaçãodiscursiva,comosedemonstrapelográficoaseguir:

01020304050607080

Gráfico 1: Função de"sei lá"

Marcador

Modalizador

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OGráfico 1 aponta amaior tendência de uso de sei lá comomarcadordiscursivo.Dos116dados,79,9%funcionamnessacondição,contra20,1%dafunçãomodalizadora.Seconsiderarmos,comoaquijámencionado,queamarcaçãodiscursivaéumafunçãomaisavançadana escala de gramaticalização, em relação à de modalização, entãopodemospropor,pelomenosemrelaçãoaotipodefontedocumentalpesquisada,queosusosdesei láseencontramemadiantadoprocessodeconvencionalizaçãonostextosfaladosporestudantesbrasileiros.

Para fins de ilustração desses dois padrões funcionais, os frag-mentos(1)e (2), jáapresentados,sãoexemplosdousocomomodali-zador.Emambos,osalunosusamsei lánaatenuaçãodoníveldecom-prometimento de sua opinião acerca, respectivamente, dos colegasdaescolaedobairroedainstituiçãocasamento.Comessaestratégiacomunicativa,oslocutoresconvidamseusinterlocutoresapartilharemessesentidodenãoadesãoexplícitaaoscomentários.Assim,osentidometafóricodaexpressãoéresultantedopróprioambientediscursivoemqueseprocessaaopiniãodoslocutores.

Emrelaçãoàfunçãodemarcaçãodiscursiva,nesserolseagru-pam subfunções, como a de hesitação e de término de enumeração,comoilustramosaseguir:

(4)no Alecrim ... nas Quintas ... tá na divisa assim na ... no limite do Alecrim com as Quin/ no Alecrim com as Quintas ... tem lá ... é um ... sei lá periferia ... é gente bêbada assim sabe?

(5)...todo mundo:: tá todo mundo ligado nisso ... na copa ... nos:: nas novelas ... sei lá ... em todas as coisas eles se apegam ... se desprendem dos problemas...

Em(4),olocutorhesitaemrelaçãoàdescriçãoeàcaracterizaçãodoespaçofísico,usandosei lácomomaisumrecursoreveladordessahesitação.Em(5),osei láéusadoapósasequênciaenumerativana copa ... nos:: nas novelas ...,numaespéciedefunçãoresumitivaevagaqueposteriormenteécomplementadapeladeclaração ... em todas as coisas eles se apegam.Emambososcontextos,emquepeseadistinçãofuncionalreferida,étraçocomumodescolamentosemântico-sintáticodesei lábemcomoafaltademaiorregularidadeeprevisibilidadedeseu uso, com prevalência da função pragmático-discursiva sobre asintática.Essestraçosconfirmamafunçãomarcadoradaexpresssão.

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Umdosfatoresdeordemestruturalemanálise,alocalizaçãodaexpressão,apresentadanoGráfico2, trazresultadosratificadoresdospadrõesfuncionaisilustradosnoGráfico1:

0

20

40

60

80

100

Gráfico 2: Localização daexpressão

Início

Interior

Fim

Comopodemosobservar,ésensivelmentemaioraocorrênciadesei lánointeriordacláusula,emrelaçãoàsmargensesquerdaedireita.Dos 116 dados, 93,86% se situam nessa posiçãomajoritária, contra3,51%namargemdireita e 2,63namargemesquerda.Esses índicestêmforteassociaçãocomafunçãodemarcaçãodiscursiva,destacadanoGráfico1,umavezque,nessepadrãodeuso,nãocostumamocorrermaiores restrições sintáticas; como marcador, sei lá perde maiorprevisibilidade ou regularização de ocorrência, fazendo com que asposiçõesmediaissejamfavorecidas.Alémdesseargumento,podemospropor que o menor peso de sei lá, cumpridor de funções no nívelpragmático-discursivo,despojadodemaiorreferênciaconcretaeusadocomoestratégiademarcação,concorreparaquesejainseridoemumasériedecomentáriosdenaturezasubjetiva,comoem:

(6)botaram o cara no mundo ... o cara nasceu ... aí quando ta/ quando ele fez vinte e ... sei lá quantos anos ... vinte e cinco anos ... sei lá ... vinte e seis ... é vinte e seis anos ... uma coisa assim ... ele tava com a mulher ... três filhos ... um filho ... ele ficou só com a roupa do corpo e na miséria ... ficou pedindo esmolas.

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Nofragmento(6),sei lá,emduasocorrênciasmediais,atuacomomarcador de hesitação. O locutor não sabe ou não tem interesse naprecisãodaidadedopersonagemcujahistórianarra.Aexpressãosei láconcorrepararatificaramarcadaindefinição,inseridanocomplementoverbal.

Osesporádicosdadosemqueaexpressãosesituaemposiçãomarginaldizemrespeitoausoscomomodalizador,comoaseguir:

(7) o amigo dele ficou lá desmaiado ... daí chegou outro amigo dele que morava na casa vizinha ... todo maluco com um monte de luz é:: na:: na blusa e:: parece que era um gravador ... sei lá o que tinha na mão ...

Em(7),aexpressãosei lásesituanamargemesquerda,numaposição mais típica de elementos de conexão, escopando toda adeclaraçãosubsequente.Assimordenado,sei lá marcaodescompromissodolocutorcomoconhecimentodoobjetoportadopelopersonagemdesuanarrativa.Podemosobservaraindaque,nessecontexto,aexpressãoparece mais pesada em termos semântico-sintáticos, articulandosentidonegativo(concorrendocomnão sei).Trata-sedeargumentoafavordafunçãomodalizadoracomomenosgramaticalizadadoqueademarcaçãodiscursiva.

Outro fator estrutural testado é a ocorrência de pausa no usode sei lá. Como a pausa constitui quebra de vínculo na perspectivafuncionalista, quanto ao sentido e à forma, consideramos relevanteobservarcomosei láocorreemtermosdessavariável.Osresultados,apresentadosnoGráfico3,ratificamastendênciasdeusodaexpressão:

0

10

20

30

40

50

60

70

Gráfico 3: Ocorrência de pausa

Ausente

Posterior

Anterior

Intercalada

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Nos 116 dados em análise, apenas em 2,63% a expressão sei lánãofoimargeadaporqualquerpausa.Aspausasmarginaistiveramíndices equilibrados: são 18,42% de ocorrências de pausa antes daexpressãoe16,67%emmomentoposterior.Deresto,namaioriadosdados,perfazendooíndicede62,28%,sei láéintercaladoporpausa.

Se relacionarmos esses índices ao predomínio da função demarcação discursiva, associada à tendência de ordenação medial daexpressão, então os percentuais aqui apresentados estão coerentes erevelam-secomplementares.Assim,essesresultadospermitempostularomaisavançadoestágiodegramaticalizaçãodafunçãodiscursivadesei lá, que passa a cumprir papel pragmático, desvinculado do nívelmorfossintático. Retomemos o fragmento (6) como ilustração docomentário:

(6)botaram o cara no mundo ... o cara nasceu ... aí quando ta/ quando ele fez vinte e ... sei lá quantos anos ... vinte e cinco anos ... sei lá ... vinte e seis ... é vinte e seis anos ... uma coisa assim ... ele tava com a mulher ... três filhos ... um filho ... ele ficou só com a roupa do corpo e na miséria ... ficou pedindo esmolas.

Nasduasocorrênciasdafunçãodemarcaçãodestacadasem(6),épossíveltraçarumcline entreambas,demodoaproporqueasegundaocorrência, margeada por pausa, é ainda mais avançada na escalade gramaticalização do que a primeira.Umdos argumentos para talproposiçãoéjustamenteomaiordescolamentodasegundaocorrência,umavezqueaprimeira,comajustaposiçãodequantos anos,encontra-semais integrada, na formaçãode expressãomaior – sei lá quantos anos.

Amenorincidênciadepausaseverificanaarticulaçãodafunçãomodalizadora,comoem(7).Nessefragmento,sei lá o que tinha na mãoéantecedidoporpausa,ratificandoopapelconectivojáreferidodesei láemcontextoscomoesse.

Acerca dos fatores pragmáticos investigados, destacamos trêsdeles: o tipo de texto, a sequência tipológica emque insere sei lá eoníveldeescolarizaçãodosemissores.Emrelaçãoaoprimeirofator,orientamo-nospelostiposdedepoimentosolicitadosparaaproduçãode todos os estudantes doCorpus D&G. O Gráfico 4 apresenta osíndicesobtidos:

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0

5

10

15

20

25

30

35

40

Gráfico 4: Gênero textual

Narrativarecontada

Relato deprocedimento

Descrição delocal

Narrativaexperiencial

Relato deopinião

Comopodemos observar, dos cinco tipos de texto levantados,a frequência de uso de sei lá tem estreita relação com o nível desubjetividadequeperpassaecaracterizaessesmateriais.Os116dadosdistribuem-se progressivamente, segundo a escala da menor para amaior frequência no uso de sei lá: 11,4% em narrativas recontadas;13,16%emrelatosdeprocedimento;17,54%emdescriçõesdelocal;22,81emnarrativasexperienciaise35,09%emrelatosdeopinião.

Se considerarmos que ambientes discursivos em que prepon-deram estratégias demaior subjetividade favorecemo uso de sei lá, tantocomomodalizadorquantocomomarcador,entãoadistribuiçãoilustradanoGráfico4ratificaaatuaçãodeinferênciassugeridas,comopropõem Traugott e Dasher (2005), no âmbito metonímico. Assimposto,podemosconsiderarquenarrativasrecontadas,emqueoemissornarra algo que não viveu ou presenciou, e relatos de procedimentovirtual são contextos discursivosmenos favorecedores de estratégias

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desubjetivização,umavezquerecorremmaisasentidosconcretosereferenciais.Porsuavez,enessaordem,descriçõesdelocalpreferido,relatosdeexperiênciavividaedeopiniãotêmmaiorapeloàdimensãosubjetiva,naexpressãodeconteúdosmenosreferenciais,noníveldaavaliação,dosjuízosdevalor,dasconvicções,entreoutros.Portanto,amaiorincidênciadesei lá,nessesegundogrupodetipostextuais,temestreitarelaçãocomadeflagraçãodeestratégiasdesubjetivizaçãoedeintersubjetivizaçãopropulsorasdamudança linguísticaporquepassanossoobjetodepesquisa.

A seguir, apresentamos dados ilustrativos do comentado, combasenosdoistiposdetextocommaiorocorrênciadesei lá:

(8)aí eu fui... fui pro Rio... eu estava assim... na época... eu estava lendo muito Jorge Ama::do... eu estava a fim de::... sei lá... eu andava com umas ideias meio ripongas na cabeça... eu queria ir pra Ilhéus... né? ficava encantado...

(9)você não sabe quem está dizendo o quê... imagina uma pessoa que não tem informação nenhuma... sabe? sei lá... a empregada da minha casa... pô... parlamentarismo... presidencialismo...

Em(8), aonarraraprópriahistória,oemissorhesitaaocarac-terizarseuestadodeespírito;concorreparaessahesitaçãoesubjetivi-dadeousodesei lá,que,juntoaoutrosrecursos,comoreformulação,alongamento e paráfrase, confere amarca da indefinição e do subje-tivismoao textodeformageral.Em(9),discorrendosobreosmodosdegovernoparlamentaristaepresidencialista,oemissor sugerecomoexemplohipotéticodeuma pessoa que não tem informação nenhumaaempregadadasuacasa.Emambososfragmentos,ousodesei láarticulainformaçãopragmática,ancoradanocontextomaioreinferívelsomentepelaconsideraçãodocontextoreferido.Nosdoisfragmentos,oemissorconvidaseuinterlocutorapartilharossentidosassimarticulados.

No fragmento (3), tratado em outra seção deste artigo,exemplifica-se a atuação das pressões referidas numa descrição delocal.Retomemosofragmento:

(3) pra falar a verdade... o lugar que eu mais gosto de ficar é o banheiro da minha casa... ((riso de E)) é... olha... quando você está... sei lá... quando eu estou triste assim... eu vou pro banheiro... fecho a porta... é o único lugar que tem chave... então... bom... o banheiro é pequeno... é estreito...

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Aoobservarqueaindicaçãodobanheirocomoespaçopreferidodesuacasaprovocarisosnoentrevistador,oemissorprocurajustificarporquefeztalescolha.Paratanto,vale-sedeumasériederecursosquedestacamasubjetividadedessaindicação;aexpressãosei láfuncionacomoumdessesrecursosdemarcaçãosubjetiva.

Outrofatorpesquisado,equedevesertratadocomocomplementarao tipo de texto, é a sequência tipológica, nos termos deMarcuschi(2002), em que se insere sei lá. Por intermédio desse parâmetro, épossívelverificarmososambienteslinguísticosmaisespecíficosdeusodessaexpressão,talcomoilustramosnoGráfico5:

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20

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50

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Gráfico 5: Sequênciatipológica

Injuntiva

Descritiva

Narrativa

Expositiva

Dasquatro sequênciasemque sedistribuemos116dadosemanálise,amaiorincidênciaédefragmentosexpositivos,com63,16%dosdados,seguidos,comfrequênciabemmenor,dosnarrativos,com21,05%;dosdescritivos, com11,4%, edos injuntivos, com somente4,39%dosregistros.Taisíndicesratificamaimportânciadoscontextosmais subjetivos como motivadores da ocorrência da expressãogramaticalizada sei lá.Nas sequências expositivas,mais comuns emrelatosdeopinião,oemissorexpõeseuspontosdevista,argumentos,

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suascrenças,entreoutros, lançandomão tambémdesei láparaessaarticulaçãomais subjetiva.As sequências narrativas articuladas pelaexpressão em análise surgem justamente nos relatos experienciais,o segundo tipo de texto com maior índice da expressão, conformeobservamos no Gráfico 4. Já as sequências descritivas também têmestreitarelaçãocomafrequênciadesei lá nostextosdedescriçãodelocalpreferido,enquantoassequênciasinjuntivas,aquelasquesevoltamparaoapeloouchamadaaointerlocutor,sãoasmenosrecorrentes.

O baixo índice de articulação injuntiva de sei lá pode serinterpretadopelanaturezadosconstituintesinternosàexpressão,umavezqueaformaverbalsei seencontranaprimeirapessoaeédeterminadaoucentralemrelaçãoaolocativo lá.Assimconfigurada,aexpressãotemorientação para o emissor, voltadamuitomais para a expressãosubjetivadoqueintersubjetiva.Porcontadessacondição,sei láéusadopreferencialmentenoscontextosemqueemergemasconvicçõeseospropósitos do emissor, daquele que representa a primeira pessoa dodiscurso.Assim,emqualquerdosquatrotiposdesequênciaarticuladosporsei lá,estápresenteamarcadapessoalidade,comoem:

(9)I: mas ( ) continua falando?E: se você quiser ((riso))I: sei lá... falar mais o quê? não sei...

(10)eu gosto de ficar muito na/ quando eu vou pra casa da minha avó... na varanda dela... principalmente no verão... ali::... sei lá... é um lugar gostoso... tem plantas... dá um::/ uma (expressão) de paz... é... bem arejada... sabe?

(11)eu pensei que eles fossem ficar ali... quando eu virei pra trás... que eu fui procurar eles... para... me entrosar no assunto... eles tinham sumido... conclusão... a música já estava acabando... e eu tive que... que... sei lá... tive que... ver sozinho como é que fazia as coisas...

(12)têm coisas que me agrada... por exemplo... eu como sou jovem... né? eu gostaria assim de... sei lá... até agora no momento não encontrei uma... uma religião que/ às vezes você quer uma coisa que você possa fazer... coisas... do mundo e que possa lá...

Nos quatro fragmentos ilustrados acima, exemplificadoresrespectivamentedesequênciasinjuntiva(9),descritiva(10),narrativa(11)eexpositiva(12),prevalecemarticulaçõesvoltadasparaaprimeira

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pessoa do discurso, na expressão da subjetividade do emissor. Sejaconversando com o entrevistador, quando informa não saber maisoque falar, comoem (9), ounadescriçãoda casada avó comoumlugar gostoso(10),ouaindanorelatodeumasituaçãopessoalemeioembaraçosa(11)enocomentárioacercadaindefiniçãopelocaminhoreligiosoaseguir(12),destaca-seamarcaopinativaepessoaldessesquatrofragmentos.Ossentidosarticuladosporsei lánessassequênciassópodemserapreendidosenegociadosselevadasemcontaascondiçõespragmático-discursivasemqueocorremessesfragmentos.Trata-sedaprevalênciadasrelaçõesmetonímicasparaadeflagraçãodossentidosmetaforicamentemotivados.

Por fim, apresentamos o último fator pesquisado, atinente àescolaridade dos emissores. Com esse parâmetro, observamos se aincidênciamaiornousodaexpressãogramaticalizadasei látemrelaçãocomonívelacadêmicooucomafaixaetáriadosalunospesquisados,conformeseencontranoGráfico6:

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Gráfico 6: Escolaridade

Alfabetização

EF - 1ºSegmento

EF - 2ºSegmento

Ensino Médio

EnsinoSuperior

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OsresultadosapontadosnoGráfico6demonstramqueamaiorconcentraçãodos116usosdesei lá ocorreentreosjovensdosegundosegmentodoEnsinoFundamental,como registrode58ocorrências,o que representa a metade de todos os dados em análise.A seguir,com29dados, estãoosusosde estudantes universitários.O terceirogrupocommais frequênciadeutilizaçãodaexpressãosei láéodosalunosdoEnsinoMédio,com17dados.Após,surgemosestudantesdoprimeirosegmentodoEnsinoFundamental,com7ocorrências,eosalunosdeClassedeAlfabetização,com5dados(trêsdeadultosedoisdecrianças).

Se levarmos em conta a distribuição de textos entre as cincofaixascontempladasnoGráfico6,então,defato,podemosconsiderarque jovens e adultos usammais frequentemente a expressão sei lá.Os emissores dos três níveis de maior escolarização concentrampraticamente todos os 116 dados da expressão, restando apenas 12registrosparanovecriançasetrêsadultosdeClassesdeAlfabetização.De todomodo, esse resultadomerece cuidado e testagem posterior,umavez que a produção linguística das crianças émenor que a dosjovenseadultos(elasfalameescrevemmenosnocorpuspesquisado)e,comparativamente,foramentrevistadasmenoscriançasdoqueadultosemtermosgerais.

Detodomodo,comoresultadoobtidoaqui,podemosrelacionaressa tendência de uso por faixa de escolaridade aos dois padrõesfuncionais de sei lá – o demodalizador e o demarcador.Assim, épossívelconsiderarqueusuáriosmaisexperientesecommaiordomínioderecursoslinguísticosdearticulaçãodeopiniãosejammaispropensosà utilização dessa expressão. Como vimos até agora, há contextosfavorecedoresdaarticulaçãodesei lá,comoosrelatosdeopiniãoeassequênciasexpositivas,porexemplo.Trata-sedeambientesquelidamcomobjetosabstratosepolissêmicos,comojuízosdevalores,crenças,desejos,entreoutros,equerequerem,assim,omanejodereferênciasmaiscomplexas.

Por outro lado, do conjunto de faixas de escolaridade, a queregistra maior frequência de uso de sei lá não é mais alta, comotenderíamosasuporinicialmente.SãoosalunosdosegundosegmentodoEnsinoFundamental,entreos13eos16anosemgeral,quemaisutilizamaexpressão.Paradarmoscontadessasituação,umaalternativa

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relevanteéconsiderarmosograudeinformalidadedequeserevesteaexpressãoemanálise.Assim,pareceplausívelaconsideraçãodequeadolescentes,comoosdosegundosegmentodoEnsinoFundamental,sejammais informais emsua expressãoverbaldoqueestudantesdoEnsinoMédioouSuperior.

Outrapossibilidadeinterpretativaparaesseíndicemaiordeusodesei lápodeserrelacionadaaostemassugeridospelosentrevistadoresparaosrelatosdeopinião.Enquantouniversitáriosfalavamsobreopaís,aeconomiaeosistemadegovernoealunosdoEnsinoMédiotratavamdereligião,casamento,preconceito,entreoutrostemas,osestudantesdo segundo segmento do Ensino Fundamental opinavam acerca dafamília,docolégioederelaçõesafetivas,questõesmaispróximasdesua realidade, portanto, talvezmais propensas ao uso de expressõesmaisinformaisoucoloquiais.Detodomodo,trata-sederesultadoquemereceserpesquisadoapartirdenúmeromaiordedadosedecontextosdistintosdeuso.

considerações finais

Apesquisadospadrõesfuncionaisdesei lá,naperspectivadagramaticalização de construções,mostrou-se produtiva e comprovounossas hipóteses iniciais. De fato, a expressão assim formada atuacomoumtodo,naarticulaçãodedoissentidoscumpridoresdefunçõesgramaticais–odemodalizaçãoeodemarcaçãodiscursiva,esteemescalamaisavançadanatrajetóriaunidirecional.

Olevantamento,aclassificaçãoeaanálisedos116usosdesei lá noCorpus D&G,combasenosseisfatoresinvestigados,permitiu-noschegaraosseguintesresultadosgerais:a)aexpressãoémaiscorrentena função de marcação discursiva, que se organiza em subfunções,comoadehesitaçãoeadefinaldeenumeração;b)sei lá tendeaseordenarnointeriordacláusulaemqueocorre,viaderegramargeadopor pausa, o que ratifica também a maior frequência da função demarcação nos dados; c) em termos pragmático-discursivos, sei lá ocorrepreferencialmenteemgênerosdemaiorcunhosubjetivo,comorelatosdeopiniãoenarrativasdeexperiênciapessoal,oquesecoadunaaindacomamaiortendênciadeaexpressãoserusadaemsequências

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expositivasenarrativas;d)noqueconcerneàfaixaetáriaeescolaridade,emissores adolescentes, estudantes do segundo segmento do EnsinoFundamental,aotecercomentáriossobreafamília,aescolaerelaçõesafetivas,tendemausarmaisaexpressão.

usage Patterns of exPression sei lá in Portuguese

aBstract

Basedontheperspectiveofgrammaticalizationofconstructions(traugott,2008;noël,2007),thisarticledealswiththeusagepatternsoftheexpressionsei lá in spoken texts recordedbyBrazilian students as amodalizer andasadiscoursemarker.Fromtheapplicationofsixfactors to theresearchdata,it can be seen that the modalizer function is located in a less advancedgrammaticalizationclinecomparedtothemarkerfunction,anditispossibleto determine which metonymic factors, at the internal level of expressionandinthelargercontextsofitsoccurrence(genreandtypologicalsequence),motivatethefunctionalpatternsthatarticulatesei lá.

Key words: Sei lá, grammaticalization, construction, morphosyntax,functionalism.

notas

1 O Grupo de Pesquisa Gramaticalização de construções, cadastrado noCNPq,reúneumasériedepesquisadoresdedicadosaessa interfacemaisrecentedosestudosfuncionalistasnoBrasil.

2 Trata-sedoprojetoPronomes locativos em construções nominais e verbais do português contemporâneo: ordenação, polissemia e gramaticalização,apoiado pelo CNPq e desenvolvido na sede UFF do Grupo de EstudosDiscurso & Gramática.

3 Disponível em: www.discursoegramatica.letras.ufrj.br; neste endereço,encontram-seoutrasinformaçõesrelevantesacercadocorpus.

4 A granulidade é termo oriundo da InteligênciaArtificial, de acordo comBatoréo(2000,p.439),quedefine as diferenças nas regiões-de-vizinhança dos conjuntos. Segundo esse entendimento, os locativos podem serdistribuídospelosdoissubsistemasdegranulidade–vastaoufina/estreita.NoportuguêsdoBrasil,doprimeirosubsistema,éusadoregularmentelá,que traz amarca da imprecisão e da indefinição situacional; assim, sua

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polissemiaeconsequentegramaticalizaçãoemexpressõescomoquero lá, vá lá ou sei lá podemserinterpretadascomoresultadodavastagranulidadequelheécaracterística.

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