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VOZ DO CAMPO JANEIRO 2019 JANEIRO 2019 VOZ DO CAMPO PECUÁRIA PECUÁRIA A importância das raças autóctones em Portugal Segundo a PORDATA (2016), cerca de 39,5% da área total de Portugal é considerada superfície agrícola útil, da qual um terço é usado em pastagens permanentes e outro terço em áreas florestais para pastoreio, indicando que a maioria da área agrícola do país poderia ser utilizada para a produção animal. De acordo com a estimativa das Contas Económicas da Agricultura para 2017, a produção agrícola apresentou um acréscimo em volume de 3,8% e a produção animal registou um aumento em valor de 4,9%. A produção animal contribui com 40% para o valor da produção agrícola (produção animal, vegetal, de serviços agrícolas e de atividades secundárias não separáveis). No entanto, globalmente, Portugal ainda apresenta um saldo negativo da balança comercial dos “Produtos agrícolas e agroalimentares”(> 3,5 mil milhões de euros) e não é auto-suficiente na produção de carne. A produção nacional contribuiu com apenas 76,7% da quantidade de carne necessária para satisfazer as necessidades de consumo. Portugal tem uma enorme diversidade de Recursos Genéticos Animais (RGAn) e é considerada atualmente uma das regiões “Hot Spot” de biodiversidade do planeta, representada por 50 raças autóctones das espécies pecuárias Apesar da reduzida dimensão do território Português (92 212 km 2 ), este possui uma grande variabilidade de condições de orografia, solos, clima, estrutura fundiária, entre outras fatores, de que resulta uma muito elevada diversidade de condições ambientais que, em conjunto com distintas tradições sociais e culturais e uma localização geográfica estratégica no extremo sudoeste do continente europeu, fazem com que Portugal mantenha uma enorme diversidade de Recursos Genéticos Animais (RGAn), sendo considerada atualmente uma das regiões “Hot Spot” de biodiversidade do planeta, representada por 50 raças autóctones das espécies pecuárias (Quadro 1). Se consideramos o número de raças por área territorial, Portugal é um dos países com maior biodiversidade de espécies pecuárias, com uma raça por cada 1,8 mil km 2 . Embora a maioria das raças autóctones Portuguesas esteja oficialmente considerada em risco de extinção, representam um património genético animal de relevância indiscutível , tanto a nível nacional como internacional, conforme referido no “Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais”, que estabelece bases para sua a gestão sustentável, de acordo com o Plano Global de Ação aprovado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Segundo este Plano, a conservação, utilização sustentável e promoção RGAn para alimentação e agricultura têm sido uma prioridade das sucessivas políticas nacionais e comunitárias há vários anos, uma vez que são essenciais para o futuro da humanidade: · Contribuem decisivamente para a satisfação das necessidades do Homem, como base da alimentação mundial e de outros bens essenciais como a força de tração, transporte, vestuário, energia, fertilização, etc. · São imprescindíveis para a fixação de populações no espaço rural e para a sua gestão sustentável, que deverá ser aproveitado e mantido para as próximas gerações. · São um contributo indispensável para os sistemas de produção em equilíbrio com o meio ambiente, promovendo adicionalmente a redução de risco de incêndio. · Como reservatório de variabilidade genética, permitem dar resposta a novas necessidades da sociedade, fazer face a situações imprevistas e favorecer o desenvolvimento da humanidade. Nos últimos anos todas as raças autóctones têm estado envolvidas em Programas de Conservação ou em Programas de Melhoramento Genético As raças autóctones proporcionam à sociedade produtos de qualidade, seguros e de alto valor económico, muitos com nomes protegidos (DOPs, IGPs e ETGs), contribuem para o aumento da rentabilidade das explorações agrícolas, preservando o ambiente, uma vez que são explorados maioritariamente em sistemas de produção extensivos e em zonas desfavorecidas, aproveitando os escassos recursos disponíveis que de outra forma não seriam aproveitados. Particularmente nos ruminantes, as raças autóctones representam uma proporção considerável dos efetivos pecuários (cerca de 25% nos bovinos, 15% nos caprinos e 7% nos ovinos) e estão na base dos cruzamentos com raças exóticas. Nos últimos anos todas as raças autóctones têm estado envolvidas em Programas de Conservação ou em Programas de Melhoramento Genético com objetivos principais, respetivamente, de conservação ou de melhoramento das características economicamente mais importantes para cada raça. Estes programas, cuja execução é da responsabilidade das Associações de Criadores, resultam de candidaturas ao PDR e de posterior aprovação técnica e financeira do Ministério da Agricultura. Os Programas de Conservação consistem num conjunto de ações sistematizadas de forma a promover a preservação da variabilidade genética de uma raça, variedade ou população, podendo incluir a conservação ex situ, - crioconservação de material genético (sémen, embriões, oócitos, ADN ou tecido ovárico) no Banco Português de Germoplasma Animal ou a manutenção dos animais fora do seu ambiente de criação, ou ainda a conservação in situ - manutenção dos animais nos locais de exploração. Os Programas de Melhoramento Genético têm objetivos de melhoramento diferentes, » Raças autóctones 32 33

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VOZ DO CAMPO JANEIRO 2019JANEIRO 2019 VOZ DO CAMPO

PECUÁRIA PECUÁRIA

A importância das raças autóctones em PortugalSegundo a PORDATA (2016), cerca de 39,5% da área

total de Portugal é considerada superfície agrícola útil,da qual um terço é usado em pastagens permanentes eoutro terço em áreas florestais para pastoreio, indicandoque a maioria da área agrícola do país poderia serutilizada para a produção animal.

De acordo com a estimativa das Contas Económicas daAgricultura para 2017, a produção agrícola apresentouum acréscimo em volume de 3,8% e a produção animalregistou um aumento em valor de 4,9%. A produçãoanimal contribui com 40% para o valor da produçãoagrícola (produção animal, vegetal, de serviços agrícolase de atividades secundárias não separáveis). No entanto,globalmente, Portugal ainda apresenta um saldonegativo da balança comercial dos “Produtos agrícolase agroalimentares”(> 3,5 mil milhões de euros) e não éauto-suficiente na produção de carne. A produçãonacional contribuiu com apenas 76,7% da quantidade decarne necessária para satisfazer as necessidades deconsumo.

Portugal tem uma enorme diversidadede Recursos Genéticos Animais (RGAn)e é considerada atualmente uma das regiões“Hot Spot” de biodiversidade do planeta,representada por 50 raças autóctonesdas espécies pecuárias

Apesar da reduzida dimensão do território Português(92 212 km2), este possui uma grande variabilidade decondições de orografia, solos, clima, estrutura fundiária,entre outras fatores, de que resulta uma muito elevadadiversidade de condições ambientais que, em conjuntocom distintas tradições sociais e culturais e umalocalização geográfica estratégica no extremo sudoestedo continente europeu, fazem com que Portugalmantenha uma enorme diversidade de RecursosGenéticos Animais (RGAn), sendo consideradaatualmente uma das regiões “Hot Spot” debiodiversidade do planeta, representada por 50 raçasautóctones das espécies pecuárias (Quadro 1). Seconsideramos o número de raças por área territorial,Portugal é um dos países com maior biodiversidade deespécies pecuárias, com uma raça por cada 1,8 mil km2.

Embora a maioria das raças autóctones Portuguesasesteja oficialmente considerada em risco de extinção,representam um património genético animal derelevância indiscutível, tanto a nível nacional comointernacional, conforme referido no “Plano Nacionalpara os Recursos Genéticos Animais”, que estabelecebases para sua a gestão sustentável, de acordo com oPlano Global de Ação aprovado pela Organização dasNações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).Segundo este Plano, a conservação, utilização sustentávele promoção RGAn para alimentação e agricultura têmsido uma prioridade das sucessivas políticas nacionais ecomunitárias há vários anos, uma vez que são essenciais

para o futuro da humanidade:· Contribuem decisivamente para a satisfação das

necessidades do Homem, como base da alimentaçãomundial e de outros bens essenciais como a força detração, transporte, vestuário, energia, fertilização, etc.

· São imprescindíveis para a fixação de populaçõesno espaço rural e para a sua gestão sustentável, quedeverá ser aproveitado e mantido para as próximasgerações.

· São um contributo indispensável para os sistemasde produção em equilíbrio com o meio ambiente,promovendo adicionalmente a redução de risco deincêndio.

· Como reservatório de variabilidade genética,permitem dar resposta a novas necessidades dasociedade, fazer face a situações imprevistas e favorecero desenvolvimento da humanidade.

Nos últimos anos todas as raças autóctonestêm estado envolvidas em Programasde Conservação ou em Programasde Melhoramento Genético

As raças autóctones proporcionam à sociedadeprodutos de qualidade, seguros e de alto valor económico,muitos com nomes protegidos (DOPs, IGPs e ETGs),contribuem para o aumento da rentabilidade dasexplorações agrícolas, preservando o ambiente, uma vezque são explorados maioritariamente em sistemas deprodução extensivos e em zonas desfavorecidas,aproveitando os escassos recursos disponíveis que deoutra forma não seriam aproveitados.

Particularmente nos ruminantes, as raças autóctonesrepresentam uma proporção considerável dos efetivospecuários (cerca de 25% nos bovinos, 15% nos caprinos e7% nos ovinos) e estão na base dos cruzamentos comraças exóticas.

Nos últimos anos todas as raças autóctones têm estadoenvolvidas em Programas de Conservação ou emProgramas de Melhoramento Genético com objetivosprincipais, respetivamente, de conservação ou demelhoramento das características economicamente maisimportantes para cada raça. Estes programas, cujaexecução é da responsabilidade das Associações deCriadores, resultam de candidaturas ao PDR e deposterior aprovação técnica e financeira do Ministérioda Agricultura.

Os Programas de Conservação consistem num conjuntode ações sistematizadas de forma a promover apreservação da variabilidade genética de uma raça,variedade ou população, podendo incluir a conservaçãoex situ, - crioconservação de material genético (sémen,embriões, oócitos, ADN ou tecido ovárico) no BancoPortuguês de Germoplasma Animal ou a manutençãodos animais fora do seu ambiente de criação, ou ainda aconservação in situ - manutenção dos animais nos locaisde exploração. Os Programas de MelhoramentoGenético têm objetivos de melhoramento diferentes,»

Raças autóctones

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BIBLIOGRAFIA

Brito M.T.V., Carolino N., Afonso F., Calção S., Dantas R., Espadinha P., Vicente A.,Alves C., Bettencourt C., Madeira J., Gama L., Carloto M.A., Dinis, R. e Pinto S.(2013). Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais. Secretaria de Estado daAlimentação e Investigação Agroalimentar.Carolino N., Afonso F. e Calção S. (2013). Avaliação do estatuto de risco de extinçãodas Raças Autóctones Portuguesas PDR2020.Carolino N. (2017). Estratégias de seleção nas espécies pecuárias. A genética aoserviço da produção animal. Projeto ALTBIOTECH REP GEN, Jornada de transferênciado conhecimento científico e tecnológico. ESAE-IPP, Portugal. 2017.Carolino I. (2017). “CSI ANIMAL”. A genética ao serviço da produção animal. ProjetoALTBIOTECH REP GEN, Jornada de transferência do conhecimento científico etecnológico. ESAE-IPP, Portugal. 2017.Instituto Nacional de Estatística (2018). Estatísticas Agrícolas 2017. Instituto Nacionalde Estatística, I.P., Lisboa, Portugal.Pereira, R.L.N. (2017). Banco Português de Germoplasma Animal: como recuperaruma raça a partir de material criopreservado. A genética ao serviço da produçãoanimal. Projeto ALTBIOTECH REP GEN, Jornada de transferência do conhecimentocientífico e tecnológico. ESAE-IPP, Portugal. 2017.PORDATA – https://www.pordata.pt/Portugal

Fotografias de Raças Autóctones - https://autoctones.ruralbit.com/index.php?pais=pt

Inês Carolino e Nuno Carolino

Instituto Nacional de InvestigaçãoAgrária e VeterináriaPolo de Investigação da Fonte Boa2005-048 Vale de Santarémwww.iniav.pt

consoante a raça, assim como os critérios de seleção, masdevem garantir o envolvimento dos criadores de formaa tornar cada raça mais eficiente e, consequentemente,mais competitiva.

Estes programas utilizados nas raças autóctones,criadas predominantemente em sistema extensivos, deacordo com as suas especificidades, vocações e zonas deexploração, incluem atualmente diversas atividades etecnologias de ponta contribuindo para uma “produçãopecuária de precisão”.

A identificação eletrónica dos animais é, cada vez mais,uma realidade incontornável e incluída num SistemaNacional de Informação e Registo Animal (SNIRA),também cada mais eficiente, proporcionam um conjuntodiversificado de serviços que têm contribuído paramelhoria da produção pecuária em geral, darastreabilidade animal e dos seus produtos.

A avaliação genética (estimativa dos valores genéticos)está atualmente generalizada nas raças autóctones,podendo facultar informação sobre o potencial genéticodos animais, apoiando os criadores na tomada de decisão,garantindo uma seleção mais objetiva e eficaz para ascaracterísticas mais importantes em cada raça.

A evolução das técnicas de biologia molecular, dosequipamentos e software utilizado tem vindo a permitir

o acesso cada vez mais fácil ao genoma dos animas e aoseu estudo mais detalhado. Os testes de paternidade poranálise de ADN, a genotipagem para características deinteresse ou indesejáveis e a seleção assistida pormarcadores fazem parte do dia-a-dia das raçasautóctones.

As biotecnologias reprodutivas, tais como ainseminação artificial, a produção, transferência esexagem de embriões, são ferramentas importantes paraa conservação e seleção das raças, mas também no apoioà competitividade e internacionalização (p.e. exportaçãode sémen ou embriões).

Os recursos genéticos em gerale as raças autóctones em particularconstituem um recurso importantíssimoe indispensável para a adaptação da pecuárianacional a novas situações, incluindoas alterações climáticas.

Os recursos genéticos em geral e as raças autóctonesem particular constituem um recurso importantíssimoe indispensável para a adaptação da pecuária nacional anovas situações, incluindo as alterações climáticas. Nosúltimos anos, a FAO tem destacado a importância dos

RGAn e a necessidade da sua integração nos planos deadaptação às alterações climáticas, realçando anecessidade de se promover a manutenção dadiversidade agrícola e os bancos de germoplasma.

As raças autóctones, através dos seus criadores,disponibilizam-nos vários produtos alimentares (carne,leite e derivados) e outros produtos e serviços essenciais,tais como, tração, transporte, utensílios, vestuário,fertilizantes, desporto, lazer e cultura e são determinantespara o equilíbrio dos ecossistemas, manutenção do meiorural, fomentando a biodiversidade e a conservação dapaisagem rural Portuguesa.

Portugal tem potencial para aumentar a utilização dasraças autóctones e o volume de produtos alimentaresassociados, contruindo para o incremento daautossuficiência alimentar, através de modos deprodução sustentáveis.

Embora ainda precisem de mais divulgação e daconsciencialização do público em geral da suaimportância, as raças autóctones são um exemplo demultifuncionalidade da atividade agrária e podem ser abase da inovação do setor agropecuário moderno.

As raças autóctones são fundamentaispara o futuro do mundo rural Português!

Fotos: http://autoctones.ruralbit.com Autores (1) Paulo Toste (2) Amândio Carloto (3) Manuel Silveira (4) Ancose (5) Nuno Carolino

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