p-445 - o cérebro de comando - h. g. ewers

101
O CÉREBRO DE COMANDO Autor H. G. EWERS Tradução AYRES CARLOS DE SOUZA (P- 445)

Upload: annttonny

Post on 03-Jan-2016

33 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O CÉREBRODE COMANDO

AutorH. G. EWERS

TraduçãoAYRES CARLOS DE SOUZA

RevisãoARLINDO_SAN

(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)

(P-445)

Page 2: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Na Terra e nos outros planetas do Sistema Solar os calendários registram meados de junho do ano 3.434. A Humanidade continua temendo pela sua existência e pela continuação do seu sistema pátrio, uma vez que o cappin Ovaron não conseguiu fazer explodir a bomba de tempo sextadim, instalada no Satélite da Morte no planeta Zeut, e que ameaça transformar o Sol numa nova.

O fato da explosão não acontecer, entretanto, não foi culpa de Ovaron, o problema era o sextagônio da produção terrana, que não sobreviveu ao longo espaço de tempo de 200 mil anos. Quando Ovaron transmitiu o impulso fulminante, o sextagônio há muito tempo já estava imprestável.

Por esta razão terá que ser desenvolvido um novo modo de procedimento — e criado um novo plano para conseguir-se eliminar a máquina de destruição solar.

As personalidades dirigentes do Império Solar estão em conferência — e Ovaron faz uma sugestão arriscada! Uma nova expedição no tempo deverá partir. O destino do empreendimento é a lua de Saturno e o Cérebro de Comando...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — O Administrador-Geral empreende uma nova expedição no tempo.

Ovaron — O cappin quer encontrar-se consigo mesmo.

Coronel Toronar Kasom — Bisneto do famoso Melbar Kasom.

Marceile e Takvorian — Acompanhantes de Ovaron.

Professor Tajiri Kase — O Matelógico encontra um "animal doméstico".

Sir Anthony — Um minissáurio com talento para línguas.

Gucky — O rato-castor cai em falsa suspeição.

Page 3: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

1

O Coronel Toronar Kasom gostou dos olhares que lhe lançavam as mulheres e moças junto ao Crest Lake. Em segredo, entretanto, lamentava que entre elas não se encontrasse nenhuma ertrusiana.

A areia subia em turbilhão sob o impacto dos seus pés, enquanto ele corria para a água. Kasom desistiu de afivelar o seu microgravitador, que lhe proporcionava a gravidade de 3,4 G, à qual estava acostumado em Ertrus. Com a densidade relativamente pequena da água terrana ele afundaria como uma pedra.

Quando ele se jogou nas ondas, parecia que um planador lotado tivesse caído no Crest Lake. Com um peso líquido de mais de oitocentos quilos, isso naturalmente não era de admirar.

Toronar mergulhou, para escapar dos xingamentos de uma velha senhora, cujo vestido fora respingado. Palavras como hipopótamo, elefante ou búfalo ele preferia ouvir quando relacionadas a esses animais.

Parecendo um microssubmarino ele deslizou pelo fundo do lago, observando chateado as inúmeras latas vazias de conserva e outras sujeiras que banhistas mal- -educados tinham deixado para trás e tentou agarrar com as mãos um dos peixes bookooman, do comprimento de um braço, que tinham trazido para cá dos lagos salgados de Carmokel. Porém os peixes eram mais rápidos que ele, por isso desistiu.

Com um pouco de saudade ele lembrou-se das grutas cheias de águas claras e cristalinas de seu mundo pátrio. No planeta Ertrus ainda havia balneários onde se podia estar próximo da natureza. Mas o sistema Kreit era dominado por ditadores e era um péssimo lugar para homens dignos. Apertando os dentes, desde sua juventude Toronar deixara que o humilhassem e rebaixassem, sempre com o propósito de tentar o salto para a liberdade, logo depois de sua formatura. Ele tinha sido irrigado com a ideologia dominante, protestando de vez em quando e por isso se deixando humilhar. Quando achou que já aprendera o bastante, para construir a sua vida num sistema livre, onde pretendia criar uma base para sua existência, o seu pai tinha-lhe entregue a herança de um dos seus bisavôs. Toronar Kasom enterrou todos os sonhos de um próximo salto para a liberdade. A herança de Melbar Kasom obrigou-o a apresentar-se ao serviço da Frota Espacial dos ditadores odiados.

Os seus ex-professores e superiores, defensores fanáticos da ideologia reinante ou oportunistas resignados, tinham se congratulado por seu sucesso na sua educação, levando em conta a sua decisão. De repente Toronar viu-se cumulado de honrarias por pessoas que antes o tinham tratado como a ovelha negra do rebanho.

Isso levou o jovem ertrusiano a um lugar de destaque. Mesmo assim ele fez o seu serviço da Frota Espacial com muito entusiasmo. Os seus superiores, que não tinham a menor ideia da herança do bisavô de Kasom, tinham muitos elogios para ele. Eles deram--lhe um treinamento ótimo. E logo chegaram as promoções.

Toronar Kasom respirou aliviado quando o seu pai lhe comunicou que chegara a hora de trocar de bandeira. Mas então ele sofreu mais uma grande decepção. O seu pai não lhe deixou a decisão de escolher o destino de sua fuga, mas ordenou-lhe que tentasse entrar a serviço da Frota Espacial do Império Dabrifa.

Page 4: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Ele naturalmente mudou de bandeira, mas apenas trocou um regime ditatorial por outro. O pior, entretanto, era que o Imperador Dabrifa costumava designar a sua ditadura como a melhor de todas as democracias e exigia que todos os seus subordinados anunciassem esta opinião sempre e em todos os lugares.

Toronar teve que passar alguns anos terríveis. O Imperador Dabrifa logo reconheceu a. capacidade do ertrusiano, e fê-lo galgar os degraus da hierarquia dentro da Frota. Certo dia ele confiou-lhe a chefia de um comando científico secreto, que devia fazer um reconhecimento nas proximidades das coordenadas do Sistema Solar. Dabrifa queria saber se ali, onde na realidade deviam se encontrar o Sol e seus planetas, surgiam espaçonaves.

Toronar descobrira, durante a execução de sua missão secreta, que nas coordenadas do Sistema Solar realmente havia tráfego de espaçonaves. Ele chegara a isso quando a Intersolar voara através do umbral do tempo.

Em seguida ele se tornara testemunha, quando o escudo de tempo em torno do Sistema Solar ruíra. O chamado Satélite da Morte erguera um escudo energético supradimensional em volta do Sol, e deste modo cortara o fluxo de energia que alimentava o transformador principal das marés do tempo em Mercúrio.

Toronar Kasom achou que chegara a hora de realizar a herança do seu bisavô. Ele impedira que as naves do imperador escapassem, para comunicarem que o Sistema Solar tinha ressurgido. Em seguida ele pousara com sua nave na Terra, colocando-se à disposição de Perry Rhodan.

E agora ele fazia parte da Frota Solar, no posto de Coronel. Há dois dias atrás, tinha sido avisado que devia acompanhar o Administrador-Geral numa viagem ao passado.

Kasom ressurgiu, cuspiu muita água e nadou rapidamente para a margem norte de Crest Lake. Atrás da duna de areia, um bangalô amarelo mostrava-se entre palmeiras. O prédio parecia, de algum modo, desproporcionado, mais maciço e mais alto que os bangalôs restantes.

Ali morava o Professor Tajiri Kase, um eminente Matelógico e colaborador bastante estreito do hiperfísico Geoffry Abel Waringer.

Sobretudo, entretanto, Kase era ertrusiano como Toronar Kasom. Toronar já o conhecia de Ertrus onde ele dirigira um instituto de pesquisas. Ele lembrava-se de que certo dia Tajiri Kase havia sido preso devido a declarações hostis ao regime. A polícia secreta tinha torturado o cientista, sem conseguir forçá-lo a declarar-se membro de uma conjuração, ou dizer os nomes de determinados conspiradores, contra os quais a polícia secreta gostaria de ter “provas” nas mãos.

Três semanas depois de sua prisão, a organização clandestina Kalam Butong o tinha libertado de sua cela, levando-o secretamente para bordo de um cargueiro terrano, com a ajuda de agentes secretos terranos. Quatro dias depois, Kase tinha colocado os pés na Terra, então ainda não escondida no futuro. Toronar Kasom decidiu fazer uma visita- -relâmpago ao Matelógico. Ele sabia, inclusive, como conseguiria permissão para entrar. É que Tajiri Kase não gostava de visitantes que não se faziam anunciar. Ontem, inclusive, ele tinha despachado o Lorde-Almirante Atlan, na sua porta, sem fazê-lo entrar.

Quando os joelhos de Kasom tocaram o fundo, ele ergueu-se em todo o seu tamanho de 2,51 metros de altura. Algumas crianças saíram gritando, quando aqueles ombros com 2,15 metros de largura surgiram das águas. Um cachorro enorme, felpudo, latiu-lhe furiosamente, mas logo encolheu o rabo, quando Toronar deu uma gargalhada ertrusiana.

Page 5: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O Coronel deixou marcas profundas na areia. Três garotas o rodearam, pedindo permissão para serem fotografadas com ele. O bondoso ertrusiano não sabia dizer não. Ele colocou duas das garotas, ao mesmo tempo, nos ombros. As suas mãos circundaram sem problemas as suas cinturas. Rindo e gritando, as terranas apertaram a sua musculatura rija como o aço. Em seguida ele trocou as mocinhas, para que cada uma delas aparecesse com a outra nas fotos. Elas até lhe presentearam com uma foto, que ele colocou, rindo no seu calção de banho.

No caminho diante da casa de Kase, recentemente tinham colocado novas pedras laterais. Toronar não prestou atenção e pisou na borda de pedras. Assustado, ele saltou para o caminho e partiu uma placa, quando a pedra da borda se enterrou uns dez centímetros no chão, sob o seu peso.

Kasom correu rapidamente na direção do portão de ferro fundido, antes que alguém notasse que ele danificara propriedade pública. Ele pôs a mão espalmada sobre a placa sinaleira, que brilhava amarelada, e colocou-se na área de captação do olho da tevê.

— Eu não estou em casa — disse uma voz sonolenta, pela grade do alto-falante. — Volte um outro dia.

Toronar Kasom repuxou a cara.— Por favor, professor! — disse ele, humildemente. — Eu sou o Coronel Kasom.

Não deixe um compatriota parado diante de sua porta.— Um ertrusiano! — veio rapidamente um grito assustado. — Homem, afaste-se do

portão. Todo o caminho está afundando.— Basta o senhor abrir, Professor Kase. Por favor!— Para isso eu teria que me levantar. Além disso, não estou em casa. Desligo.Kasom suspirou.— Pena, muita pena mesmo. E eu que gostaria tanto de ver a sua coleção. Me

garantiram que ela é única, em toda a galáxia.Do alto-falante saíram sons gemidos, depois o portão foi aberto.Sorridente, Toronar subiu o caminho reforçado com placas extrafortes de cimento e

fibra de vidro. A porta maciça, de três metros de altura, feita de madeira dura, abriu-se quando ele chegou diante da mesma. Um homem alto, até mesmo para proporções ertrusianas, troncudo, com um rosto de traços rudes e carnudos, olhou fixamente o visitante. Tajiri Kase estava descalço e vestia um robe-de-chambre vermelho-dourado. O seu cabelo, contrariando a moda ertrusiana, era comprido e terminava numa trança da grossura de um braço.

— Por que não disse logo que queria ver minha coleção, Coronel? — perguntou Kase, numa censura. — Olhe só a sua aparência! Vestindo apenas um calção de banho, pretende me fazer uma visita?

O Matelógico evidentemente estava indignado.O Coronel Kasom ergueu a mão, lastimando.— A minha roupa está numa cabine do outro lado do lago, professor. Infelizmente

não pude nadar de volta, porque uma senhora queixou-se do meu deslocamento de água. Mas talvez o senhor possa me emprestar um roupão de banho?

Tajiri Kase coçou o seu peito muito cabeludo, bocejou sem cerimônia e disse:— Está bem, Coronel. Entre. Eu tenho um roupão de banho para o senhor.Kasom seguiu o cientista através de um vestíbulo, grande como um salão, para a

cela molhada do bangalô, na qual se encontrava uma grande banheira, uma ducha e um robô de massagens.

Page 6: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Tajiri Kase colocou a mão em determinado lugar na parede e a mesma abriu-se pela metade. Um armário, do tamanho de um salão para noções terrenas, ficou visível. Kase retirou de lá um roupão de banho verde com bordados vermelhos e atirou-o para o Coronel. Depois fechou a porta deslizante e saiu na frente do seu hóspede na direção da sala de estar.

Kasom seguiu o professor, fechando o roupão, enquanto caminhava. A sala de estar seria um pesadelo para um terrano. Para ertrusianos ela tinha exatamente as dimensões certas, e fora mobiliada e decorada com muito bom gosto. O chão era recoberto com placas maciças de aço-titânio e irradiava um calor agradável. Um terrano não poderia caminhar sobre o mesmo de pés descalços. Também o ar tinha sido temperado agradavelmente — para ertrusianos.

O teto, há cinco metros de distância do chão, era todo de vidro blindado e irradiava um brilho azulado. Em dois cantos da sala, modelados em aço terconite, viam-se esculturas de astronautas ertrusianos, provavelmente antepassados do professor. As paredes tinham sido revestidas com placas de couro verdes. Uma parede era escondida pela metade por um bar de aço brilhante, uma outra por um armário de madeira nobre com guarnições prateadas. Bem no meio da sala havia uma mesa quadradona de aço, e quatro poltronas muito maciças.

Tajiri Kase entretanto não permaneceu aqui, mas atravessou a sala quase correndo, abrindo uma porta pesada. Quando ele passou pelo umbral, o recinto vizinho encheu-se de uma luz rosada.

Toronar Kasom seguiu o seu anfitrião e segurou a respiração, quando viu os armários embutidos na parede. As suas frentes consistiam de troplon blindado transparente, e por trás Toronar podia ver todos os tipos de casinhas de caracóis, grandes e pequenas, redondas e ovais, sem cor e muito coloridas, expostas sobre prateleiras enviesadas.

O Coronel não precisou olhar duas vezes para observar a singularidade da coleção.Todas as casinhas de caracóis era roscadas para a esquerda.

* * *

Tajiri Kase estava visivelmente satisfeito quando viu a admiração genuína nos olhos do seu visitante.

— Ninguém realiza obras de arte tão incomparáveis quanto a natureza, Coronel — declarou ele. — Elas não são maravilhosas?

— Fantásticas! — disse Kasom. Naquela luz rosada as casinhas de caracóis se mostravam em toda a sua beleza.

Cada uma representava uma maravilha da natureza.— E o senhor mesmo coletou todas elas, professor? — perguntou ele, fascinado.— Todas não — respondeu Kase. — Algumas foram trazidas para mim por

astronautas da galáxia, e outras por exploradores. Mas os exemplares mais bonitos foram achados por mim mesmo.

Ele baixou a voz para um tom de conjuração.— Um dos melhores exemplares, aliás, tem duzentos mil anos, Coronel. Quer dizer,

eu o encontrei há duzentos mil anos atrás. Na realidade o fóssil deve ter no mínimo muitos milhões de anos.

Toronar Kasom olhou para o sábio, irritado.— O senhor o encontrou há duzentos mil...! — Ele riu, inseguro. — Eu quase caí

nessa, professor.

Page 7: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Bem, na realidade ele tem apenas cento e noventa e quatro mil e novecentos e cinquenta anos de idade, meu caro Kasom. A solução do mistério é simples: eu o encontrei durante nossa última viagem no tempo, no planeta Zeut.

Ele deu uma gargalhada homérica e Toronar riu também. Um pouco ele invejava o professor por suas aventuras num planeta que no tempo atual somente ainda orbitava o Sol como anel de asteróides.

— Venha comigo — disse Tajiri Kase, depois dessa orgia de riso. — Eu vou lhe mostrar esta jóia.

Ele dirigiu-se para um armário do outro lado da sala. Kasom já viu de longe, que ali dentro se encontravam as melhores peças de sua coleção.

Depois de algum tempo, ele notou que o professor parará, estarrecido, diante do armário.

— O que foi, professor? — perguntou ele, inquieto, tentando lançar um olhar para dentro do armário, por cima do ombro de Kase.

— Esse patife! — gritou Tajiri, agitadíssimo e gesticulando com as mãos. — Esse maldito rato-anão mal-educado!

Ele virou-se. O seu rosto parecia encovado. Mas os olhos brilhavam de raiva. Ele quis sair correndo, porém Kasom o agarrou pelo braço, segurando-o.

— Um momento, professor! — disse-lhe ele, tentando acalmá-lo. — Parece que o senhor está querendo cometer uma coisa impensada. Não quer me revelar o que aconteceu?

O Professor Kase tentou livrar-se, mas nada podia fazer contra a mão de ferro de Kasom. Tremendo de raiva, ele disse:

— Esse Gucky quebrou o meu caracol de Zeut. Há duas horas atrás ele esteve aqui e deu uma olhada na minha coleção. E agora a casinha fossilizada de caracol está despedaçada.

Enquanto falava, a sua agitação acalmou-se um pouco. Kasom soltou-o e o Matelógico apontou para o armário.

— Olhe só para isto, Coronel! Totalmente destroçado. Isso só pode ter sido feito por telecinesia.

— Por quê? — perguntou Toronar e apontou para uma fenda, que havia entre o troplon blindado e o armário de parede. — Este armário fica sempre aberto?

Kase abriu muito os olhos, ajoelhou-se e olhou sem entender para aquela brecha da largura de uma mão.

— Não — disse ele baixinho. — Eu sempre fecho a parede. É preciso um toque na placa de impulsos especial, para abri-la.

Ele empurrou a parede transparente totalmente para o lado e retirou as peças quebradas da casinha de caracol, segurando-as na mão. O Coronel viu que a concha tinha as paredes muito grossas, e devia ter tido mais ou menos o tamanho de um prato de sopa terrano. A concha cintilava em todas as cores e era repassada de finas estrias. No lado interno do fragmento maior podia ver-se uma mancha úmida, mais clara.

Ele apontou com o dedo para a mesma.— O que é isso, professor?Tajiri Kase olhou atentamente para o lugar, depois o cheirou. Em seguida passou a

ponta do dedo por cima.— Pegajoso — verificou ele. — Parece cola de ossos. Eu não entendo isso. Será

que Gucky quebrou a concha sem querer e depois tentou repará-la...?

Page 8: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— E eu não entendo por que desconfia tanto do rato-castor. Eu só conheço Gucky há pouco tempo, mas não acredito que ele poderia ter-lhe feito isso.

— Fora dele não esteve ninguém aqui — insistiu Kase teimosamente, na sua suposição. — Eu lhe mostrei minha coleção, inclusive a casa de caracol de Zeut. Então ainda estava inteira. O ilt ficou cerca de quinze minutos sozinho aqui dentro, enquanto eu mantinha uma importante comunicação pelo videofone. Se não foi ele, provavelmente foi um fantasma.

Depois desta observação irônica, de repente ele estacou.— Por todos os meus antepassados! — disse ele. — Agora ainda começo tendo

alucinações!O Coronel Toronar Kasom olhou-o, pensativamente.— É a agitação, professor — disse ele, querendo acalmá-lo. — E sugiro que nos

sentemos um pouco, para tomarmos alguma coisa.Kase sacudiu a cabeça.— Eu vi alguma coisa passar pelo meu campo de visão, Coronel Kasom. Era mais

ou menos deste tamanho... — ele mostrou, com ambas as mãos, mais ou menos o comprimento de dez centímetros — ...e era cinzenta.

Ele refletiu.— Ratos terranos são cinzentos e deste tamanho. Oficialmente só há ratos ainda nos

zoológicos e laboratórios, mas eu sei que há pouco tempo eles acabaram com um tapete de parede de couro precioso, pertencente ao Lorde-Almirante.

Ele olhou os fragmentos em suas mãos, depois colocou-os de volta no armário.— Mas isso não explica isto aqui, Coronel Kasom. Apesar da porta ter estado

aberta...! Não, um rato não pode fazer nada contra este material duro como uma pedra!Toronar enfiou a cabeça no armário e olhou atentamente o botão de bloqueio

eletrônico.— Ao ser tocado, a tranca, na realidade, deveria ser levantada.Tajiri sorriu.— Desde quando arrombadores vêm de dentro, Coronel? Toronar continuou sério.— E se for uma evasão, professor? — Ele olhou para os destroços da casinha de

caracol, significativamente.Kase ficou pálido.— O senhor... o senhor acha que...? Toronar Kasom fez um gesto defensivo.— Eu não acho absolutamente nada. Mas seria bem possível que aquilo que o

senhor achava ser uma casinha fossilizada de caracol na realidade é uma coisa bem diferente.

— Uma coisa diferente? Não, meu caro Coronel, eu não confundo nada neste Universo com uma casinha de caracol. Com a minha experiência isso seria impossível.

— Não me diga! — achou Kasom. — E como estão as coisas com as estranhas formas de vida, que encontraram em Zeut? Elas, afinal de contas, não precisam apenas hibernar, mas também têm que se propagar, e caso se tratar de uma criatura que ponha ovos, estes ovos terão que sobreviver às condições extremadas de um longo inverno. Os seres viventes adultos saem para o ar livre mais ou menos aos vinte e quatro graus centígrados, talvez os filhotes precisam de uma temperatura um pouco maior para saírem do ovo. Para quantos graus fez a sua regulagem?

— Vinte e quatro graus centígrados — declarou o Professor Kase, muito deprimido.

Page 9: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Os seus argumentos têm fundamento lógico, Coronel. — Ele passou a mão pelos olhos. — O suposto taimonense portanto, saiu de dentro da pretensa casinha de caracol, abriu a porta por dentro e se escondeu.

— E ainda há pouco ele fugiu para a sala de estar, diante dos seus olhos — concluiu Toronar Kasom.

Tajiri Kasom sorriu chateado, trancou o armário e correu para a sala de estar. Ali abriu uma porta estreita do armário com enfeites prateados. Uma pequena coleção de armas terranas antigas apareceu. Kase pegou duas espingardas de chumbo de cano duplo, entregando uma delas para o Coronel, depois abaixou-se para pegar numa gaveta uma caixa de munição.

— Não vá me quebrar esses brinquedinhos — pediu ele, enquanto abriu a caixa, retirando da mesma duas cápsulas de chumbinhos, que ele colocou na mão do seu visitante. — Estas espingardas não foram construídas para ertrusianos. De qualquer modo, com elas é possível até liquidar com um ertrusiano. Elas certamente bastarão para esse monstrinho de Zeut.

— Está querendo matá-lo? — perguntou Kasom, surpreso. — Um bebê, que de acordo com suas próprias observações, não é maior que um rato terrano...?

Kase enfiou as cápsulas de munição nos canos e anuiu.— Se o senhor tivesse vivenciado conosco do que os taimonenses semi-inteligentes

são capazes, não faria perguntas tão ingênuas.Ele olhou em torno, à procura. Em algum lugar da sala houve um barulho, depois

novamente o silêncio. Tajiri Kase segurou a espingarda na direita, pronta para disparar, e na sua mão enorme ela praticamente desapareceu pela metade. Lentamente ele aproximou-se do lugar onde presumia estar a criatura.

Kasom observou o Matelógico, depois colocou a espingarda em cima da mesa quadradona. Ele detestava a ideia de matar uma criatura que acabara de sair do ovo há poucos instantes, com uma carga de chumbo. Imóvel, ele ficou parado. Ele esperava poder descobrir o pequeno taimonense com a audição, antes de Kase topar com ele.

O professor entrementes esgueirou-se em volta do balcão do bar. De repente ele parou e praguejou em alto e bom som. Ele esperou, mas o Coronel não se mexeu do lugar.

— Ele comeu todas as minhas cerejas de coquetel — murmurou ele. — Um vidro cheinho delas. O vidro foi derrubado. Provavelmente nós o afugentamos.

Toronar teve que sorrir. O prejuízo de Kase não lhe doía.Ao contrário. De alguma maneira ele estava contente porque o pequeno taimonense

tinha passado a perna no gigantesco Kase.O professor de repente riu.— Ele também andou provando das minhas conservas de rum — comunicou ele,

em triunfo. — O álcool certamente o terá desmaiado. E agora logo vamos encontrá-lo.Bem perto de Kasom ouviu-se uma sequência sonora parecida com — “quantuon”.Os dois ertrusianos estarreceram, depois viraram as cabeças.Em cima do tampo da mesa, diretamente ao lado da espingarda de chumbinho, um

pequeno ser vivente estava parado sobre dois pés de pato. No primeiro momento aquilo realmente se parecia com um patinho. Mas logo Toronar Kasom viu as diferenças. O formato do corpo correspondia bastante ao do corpo de um patinho, mas com exceção dos cotos das asinhas emplumadas, a sua pele era lisa, de poros grandes e de um cinzento opaco. Ele não possuía um bico mas sim um comprido focinho de sáurio, com duas grandes narinas. Dois olhos azul-terconite olhavam o mundo candidamente.

Page 10: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Lentamente Tajiri Kase levantou sua espingarda.O taimonense abriu a boca, mostrando assim que não tinha dentes, e disse

novamente:— Quantuon! — depois acrescentou: — Wanua weio boblan mum!A espingarda na mão de Kase balançou bastante quando a criatura andou

bamboleante por cima do tampo da mesa e mais uma vez disse “quantuon”. Depois o professor murmurou alguma coisa incompreensível e jogou a arma em cima do bar.

Toronar não esperava outra coisa. Jamais Kase atiraria nessa criaturinha inocente. Na realidade ele não se parecia com um monstro, e o fato de que emitia sons que pareciam uma tentativa desajeitada de falar, o tornaram imediatamente simpático.

O Coronel abaixou-se e cautelosamente estendeu o seu dedo indicador. O taimonense deu novamente uma série de sons grasnantes de si, espichou o pescoço e começou a mordiscar o dedo de Kasom. Toronar o ergueu cuidadosamente e o colocou sobre sua mão. Ele não demonstrava o menor medo, mas olhou, com a cabeça de lado, para o rosto do ertrusiano.

— Quantuon? Tajiri Kasom riu.— Ele já o escolheu para sua mãe, Coronel. Kasom fez que não ouviu a feroz alusão.— Eu sugiro que o chamemos de “Anton” — disse ele. — Apoiados na “palavra”

que ele mais pronuncia.— E por que logo não o chamamos de “Sir Anthony”? — retrucou Kase, chateado.O zunido penetrante do videofone tocando pôs um fim ao debate. Tajiri Kase foi

rapidamente até o aparelho, ligando-o. Na tela do trivídeo apareceu o rosto de Perry Rhodan.

O Administrador-Geral ergueu a mão, numa saudação, depois perguntou:— Estamos procurando pelo Coronel Kasom, professor. O senhor tem uma ideia de

onde podemos encontrá-lo? Por último ele foi visto na praia sul de Crest Lake.— O Coronel Kasom está aqui, sir — afirmou Kase. Toronar Kasom entrou para dentro da área de captação de imagens do videofone.

Os olhos de Rhodan se abriram um pouco mais, quando ele viu o taimonense, na palma da mão de Kasom.

— O que é isso? — perguntou ele, desconfiado.Kasom passou o indicador nas costas daquela criatura estranha que se poderia

aceitar como um cruzamento entre um minissáurio e um pato.— Quantuon! — fez “Anton”— Oh, este é o novo animal doméstico do Professor Kase, sir — disse ele

simplesmente. — Chama-se Anton.O taimonense mexeu a cabeça. Parecia que ele estava anuindo, para confirmar.— Não me diga...! — respondeu Perry Rhodan, evasivamente. Ele tirou os olhos de

Anton e olhou para o oficial. — Por favor, dentro de uma hora esteja na Administração- -Geral, octogésimo andar, birô particular. Precisamos falar sobre uma sugestão, que o cappin Ovaron nos fez.

— Sim, sir! — confirmou Kasom.O Administrador-Geral anuiu e depois de um último olhar examinando Anton, ele

desligou.— Trate-o muito bem, professor. — Com estas palavras o Coronel deitou a

criaturinha nas mãos de Kase.

Page 11: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Tajiri Kase olhou para aquela criatura estranha.— Mas o senhor, afinal de contas... Kasom fez um gesto indefinido.— Nada disso! Ele lhe pertence. Eu naturalmente o toquei primeiro, mas só por isso

ele ainda não mudou de dono.O Professor Kase sentou-se, confuso, e fechou os olhos. Anton bamboleou pelo

braço dele acima até o ombro, espichou-se e começou a papear coisas incompreensíveis no ouvido de Kase. Depois agarrou o lóbulo da orelha com o bico, voejou com seus toquinhos de asas de um lado para o outro, balançando-se.

O Coronel riu.— Anton está com fome — ou sede, professor. Provavelmente ele não matou a

fome só com aquelas cerejas de coquetel e frutas ao rum.— Frutas ao rum — disse Tajiri Kase, perturbado. — Ele comeu das minhas frutas

ao rum, Kasom, sem ficar bêbado.— Um sujeito forte para bebida. Não se preocupe com isso. Ele tem um

metabolismo diferente do nosso. O senhor trouxe do passado uma pequena maravilha universal, professor.

— Eu receio que ainda irei me arrepender desta maravilha — retrucou Kase. Mas então o Coronel já tinha saído.O Professor Tajiri Kase tirou Anthony cuidadosamente do lóbulo de sua orelha,

levou-o para a cozinha e escolheu, no automático de comida, mais ou menos duzentos quilogramas de pratos diferentes e víveres, para testar o gosto do seu novo companheiro doméstico.

* * *

Quando Toronar Kasom deixou a cabine de troca de roupa do setor para extraterrestres excepcionalmente grandes, ele usava novamente o uniforme de saída de um oficial da Frota Solar Doméstica.

Ele nem precisou procurar muito pelo seu planador no estacionamento superlotado. O veículo sobressaía de todos os demais. Um ertrusiano jamais encontraria assento num planador pessoal terrano normal. Do mesmo modo acontecia com todos os outros artigos de uso, que eram ou fabricações especiais ou importações de Ertrus, como o planador.

E isso se estendia desde aparelhos de barbear elétricos, que um terrano, no melhor dos casos, tinha que segurar com ambas as mãos, até lixas de unha. Quando um ertrusiano se via forçado a ir a um bar sem instalações separadas para extraterrestres, ele tinha que tomar o seu uísque num balde de gelo para champanha. Sem falar-se de coisas quebradiças como uma cadeira ou determinada instalação sanitária.

O Coronel entretanto não pensou muito tempo nos problemas com que se defrontava um ertrusiano na Terra. Ele perguntou-se que sugestão Ovaron teria apresentado. Kasom apenas conhecia Ovaron de duas conferências anteriores, mas o tinha como um pensador frio, com um saber muito grande, que certamente faria sugestões muito bem fundamentadas.

Ele estava curioso para saber o que o navegador sextadim tinha para dizer.Toronar entrou na Jefferson Road e deixou-a novamente depois de quilômetro e

meio, para procurar a faixa larga da Artery Subway. A Artery Subway era uma rua de mão única que levava dos subúrbios do leste da Grande Terrânia, em linha reta por baixo da cidade, para o oeste, onde era interligada com um gigantesco sistema de distribuição, que novamente levava, em linha reta, para o leste.

Page 12: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Porém também por baixo da cidade grande terrana e especialmente por baixo de Terrânia City, as duas Subways eram interligadas através de trevos de distribuição de vários andares com os mais importantes trechos de ruas secundárias.

Chegado na Artery Subway, Kasom ligou para comando por teleprogramação. Como destino ele escolheu a garagem subterrânea para visitantes por baixo do edifício principal da Administração-Geral. Depois recostou-se comodamente e ficou pensando sobre a conferência que tinha à sua frente.

Diante da entrada para a garagem subterrânea ele teve que parar, para submeter-se a um controle de detectores, que incluía também o seu carro. Diante dele havia apenas três planadores, e o despacho era rápido. Um sargento examinou a sua identidade especial, fez uma ligeira continência e sapecou um transmissor goniométrico magnético, do tamanho de uma moeda, em cima do capo do gerador.

O transmissor goniométrico não era outra coisa que uma referência de orientação para o computador de comando da garagem. O computador deste modo sabia sempre onde se encontrava o planador de Kasom, podendo dirigi-lo sem problemas para uma vaga livre da garagem.

Quando o Coronel desceu, uma voz metálica disse:— Por favor utilize o elevador antigravitacional número 434, visto pelo senhor a

oito metros à esquerda.— Agradecemos — disse Toronar sorrindo e movimentando-se na direção do

elevador mencionado.Na Administração-Geral e seus anexos, todos os recintos, corredores e elevadores

tinham sido construídos de tal forma que seres viventes de qualquer altura e peso podiam movimentar-se lá dentro sem perigo. Antigamente, quando o Sistema Solar ainda não se escondera atrás do escudo do tempo, por aqui transitavam diariamente centenas de extraterrestres e adaptados ao meio ambiente, vindos dos mundos coloniais. Hoje isso se dava apenas com exceções, pois entre os informados havia apenas poucos extraterrestres e adaptados ao meio ambiente.

Toronar Kasom demonstrava contentamento porque as coisas, no passado, tinham sido diferentes.

Depois de mais ou menos cinco minutos ele chegou diante da porta blindada de aço terconite no 180o andar, por trás da qual se encontravam os birôs do quartel-general. Dois soldados astronautas fizeram continência. No corredor por trás, Kasom foi mais uma vez examinado por detectores escondidos. Isto era feito sobretudo com referência aos seus dados pessoais. Somente um círculo escolhido de pessoas podia botar os pés nos recintos do quartel-general, portando uma mortífera arma energética no coldre.

Quando Toronar Kasom chegou ao fim do corredor, outra porta blindada abriu-se. O Coronel Hubert Selvin Maurice esperava atrás dela e sorriu discretamente. O uniforme do oficial da segurança como sempre estava imaculado, e seria possível espelhar-se nas suas botas.

— O Administrador-Geral já o está esperando, Coronel Kasom — disse Maurice. — Quer ter a bondade de me seguir?

Toronar escondeu um sorriso ao lembrar-se de Anton. Se ele fosse entregue a Maurice... Provavelmente alguns homens da segurança seriam alertados, para que isolassem o animal, e em seguida teriam se colocado com o visitante embaixo da ducha de desinfecção.

Perry Rhodan levantou-se quando Kasom entrou no birô particular, comodamente instalado. Era quase uma grande sala de estar. Somente a unidade de comando, em forma

Page 13: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

de console, e a parede com os muitos aparelhos de comunicação, faziam desaparecer esta impressão.

O Administrador-Geral e o ertrusiano deram-se as mãos, enquanto Hubert Maurice deixava o recinto, silenciosamente e de modo irrepreensível.

— Por favor, sente-se — disse Rhodan ao Coronel. — Sinta-se como em sua casa. Quer tomar alguma coisa? Atlan e Ovaron logo chegarão, no momento estão ocupados na central de hipercomunicação.

— Café seria bem-vindo — disse Kasom. — Esta bebida é uma das melhores coisas que a Humanidade presenteou à Galáxia.

Perry Rhodan riu. Ele manipulou o automático sobre a mesa redonda, e segundos mais tarde havia duas bandejas em cima da mesa. Para o ertrusiano tinham sido servidos uma xícara com capacidade de dois litros, além de um bule de creme, mais parecendo um bule de café normal, bem como cubos de açúcar de tamanho correspondente.

Kasom serviu-se de quatro cubos de açúcar, acrescentou creme e mexeu com uma colherinha do dobro do tamanho de uma colher de sopa normal.

O rato-castor Gucky materializou numa poltrona vazia e acenou para Kasom.— Bom dia, grandão! Como vai?Toronar tomou um gole do café muito quente, suspirou saboreando a bebida e disse:— Eu me sinto muito bem, baixinho. Como estão os seus canteiros de cenouras?— Tudo na melhor ordem. Os meus robôs-jardineiros finalmente acertam, depois

que Geoffry melhorou a sua programação. Antes, acontecia que eles deixavam as ervas daninhas, jogando as cenouras no monte de estéreo. Certa vez eles semearam sementes de papoula, em vez de cenouras. Durante duas semanas eu comi torta de sementes de papoulas de manhã.

O ertrusiano deu uma gargalhada.Provavelmente Gucky estava mais uma vez exagerando. Ou então, por avareza,

tinha comprado os mais primitivos robôs-jardineiros. E agora ele conseguira que o mais genial cientista da Humanidade gastasse o seu tempo gratuitamente, para melhorar os mesmos.

O rato-castor ia começar a protestar, porque se sentiu ofendido com a risada de Toronar. Entretanto fechou a boca novamente quando viu Atlan e Ovaron entrarem na sala.

O Coronel Toronar Kasom deu a mão para Atlan, depois voltou-se para o cappin. Atentamente ele examinou aquele rosto forte com o queixo quadrado saliente e o nariz fortemente curvo, que poderia pertencer a um índio norte-americano da época pré- -atômica.

O exame o satisfez. Na realidade o que o animava era a ideia de que ele podia participar de uma missão junto com um homem como Ovaron.

Ovaron tomou a mão do ertrusiano, sorrindo.— O senhor também me agrada, Coronel Kasom. Conforme fiquei sabendo já o seu

bisavô serviu sob as ordens de Perry Rhodan.Toronar Kasom sorriu, irônico.— Um ertrusiano não serve. Ele se propõe executar uma tarefa. Melbar Kasom foi

amigo de Rhodan.— Ovaron ainda não nos conhece tão bem — interveio Rhodan. — Ninguém, entre

nós, serve a uma pessoa. Todos nós servimos à Humanidade, cada um em determinada posição.

— Peço que me desculpe — disse o cappin.

Page 14: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Por quê? — perguntou Kasom, com fingida inocência. Ovaron e ele riram. Eles já se entendiam muito bem, o cappin e o ertrusiano.Depois que todos estavam sentados em torno da mesa redonda, o Administrador-

-Geral convidou Ovaron para que apresentasse a sua sugestão.O cappin fechou os olhos por alguns segundos. A sua respiração parecia mais

pesada que antes. Apesar de procurar dominar-se, a sua agitação não ficou oculta.Com voz rouca, áspera, ele disse:— Até agora, eu lhes calei algumas informações a meu respeito, porque achava que

as mesmas tinham apenas uma significação privada, só para mim.Nitidamente podia sentir-se a tensão que, de um momento para o outro, se fez no

recinto.Ovaron passou a ponta da língua nos lábios ressecados. — Eu não cheguei ao

Sistema Tranat — ou seja, Solar — pelos caminhos normais. Alguém, ou alguma coisa, me descarregou na sexta lua do sétimo planeta. Ele refletiu tensamente.

— Ou seja, naquela ocasião, era o sétimo planeta. Como Zeut, no seu tempo atual, não mais existe, trata-se do sexto.

— Saturno — observou Rhodan, pragmático.— O planeta com o sistema Anelar. A sua sexta lua chama-se Titã.Ele sorriu ligeiramente.— Eu calculei, inclusive, a data exata. Foi no dia 23 de junho, dois mil e duzentos e

dezoito, antes do tempo atual. Mas eu não conheço nem a potência que me enviou para Titã, nem sei como cheguei à sexta lua de Saturno. Eu me lembro apenas que de repente eu estava parado no meio do meu depósito secreto e reunia o meu equipamento, para voar com uma astronave para o terceiro planeta. De onde eu vim, até hoje ainda não sei.

Nos olhos de Atlan apareceu rapidamente um curto brilho, depois o arcônida parecia novamente indiferente.

— O senhor possui um depósito secreto em Titã — verificou ele, sobriamente. — Além disso, é um navegador sextadim. Naquele depósito secreto encontra-se tudo que um cientista, de sua capacidade e com a sua tarefa, alguma vez poderia necessitar?

— Naturalmente, sir. O senhor ficaria surpreso se pudesse ver o meu depósito. Ele contém tudo que um cientista e agente secreto pode precisar.

Atlan contentou-se com esta resposta. Ele notou, naturalmente, que Ovaron propositadamente respondera à sua pergunta de modo incompleto, mas lembrou-se também que o cappin não gostava de perguntas indiretas. Se ele devia responder diretamente, pedia também uma pergunta direta.

Perry Rhodan sorriu. Ao mesmo tempo, entretanto, ele curvou-se um pouco para a frente. Era evidente que estava na ponta de sua língua a pergunta que o Lorde-Almirante apenas insinuara.

— Eu sou — com exceção das lembranças dos últimos dezoito anos de minha vida — um homem sem passado — continuou Ovaron. Os senhores vão entender que eu não me conformo com isso. O seu deformador de tempo-zero agora me oferece a oportunidade de voltar tanto ao passado, que poderei observar a minha própria chegada a Titã...

Toronar Kasom respirou fundo.Este cappin realmente tinha coragem. Encontrar-se a si mesmo significava conjurar

um paradoxo do tempo, que somente poderia ser limpo novamente se um dos dois Ovarons se desfizesse no nada. E ninguém poderia calcular antecipadamente qual dos dois seria o escolhido.

Page 15: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Oito dias — disse Ovaron. — Oito dias antes de minha primeira chegada, devem ser suficientes para encontrar um esconderijo e se instalar para uma observação.

Ele olhou para Rhodan.— Sir, eu lhe peço que, para isso, coloque o deformador de tempo-zero à minha

disposição.Kasom olhou atentamente para o Administrador-Geral e perguntou-se como ele

reagiria ao pedido de Ovaron.Perry Rhodan não respondeu imediatamente. Toronar sentiu formalmente como o

cérebro desse grande terrano trabalhava. De repente ele viu que os seus traços se relaxaram quase imperceptivelmente e sabia que agora viria a decisão.

— Uma pergunta concreta, Ovaron — disse Rhodan lentamente — para a qual eu gostaria de receber uma resposta concreta: No seu depósito em Titã existe sextagônio suficiente para que se possa equipar com o mesmo pelo menos um novo modificador- -sextadim compacto?

— Mais que suficiente — respondeu Ovaron. — E eu posso garantir-lhe que este sextagônio de produção do meu povo nem se desintegra no correr do tempo, como aconteceu com o produto do seu supermutante, nem é influenciado pelas interferências parasitas do satélite solar. Logo que eu tiver esclarecido o enigma de minha origem, poderemos ir ao depósito buscar o sextagônio.

Os traços de Rhodan tornaram-se severos.— Nós vamos proceder de outro modo — declarou ele. — Ou seja, nós vamos

chegar em Titã ao mesmo tempo com o primeiro Ovaron, buscaremos o sextagônio e imediatamente voltaremos ao tempo atual!

O cappin recostou-se e examinou atentamente o rosto de Rhodan. Também ele parecia decidido. Em voz baixa, retrucou:

— Neste caso, eu não participarei, sir. O senhor não compreende que eu finalmente quero saber quem eu sou realmente, de onde vim, quem me mandou e que tarefas ainda tenho diante de mim?

— Eu o compreendo muito bem, Ovaron. — A voz de Rhodan tomou-se penetrante. — Mas os interesses vitais de vinte e cinco bilhões de homens pesam mais que a sede de saber de um homem solitário. Oito dias! — Ele riu, amargo. — O senhor sabe tão bem quanto eu que o nosso deformador de tempo-zero ainda não trabalha integralmente. Não podemos permanecer no passado por oito dias e voltar novamente ao tempo atual no primeiro dia. Se nós sacrificamos oito dias no seu tempo, também perdemos oito dias completos no tempo atual. Durante este tempo o Professor Waringer não progride com o novo modificador SC. É possível que com esta perda de tempo nós selemos o desaparecimento dos planetas solares. As mais recentes medidas mostraram que estão correndo processos supradimensionais no satélite solar. Somente temos um tempo muito curto, até a reativação do processo que deve transformar o nosso Sol numa nova.

Ovaron fez urna cara impenetrável.— O senhor esquece, sir, que me fazem chegar cópias de todos os diagramas de

medição, bem como suas avaliações. Eu lhe garanto que nas próximas quatro semanas não se precisa contar com a reativação da comutação-nova.

O Administrador-Geral respirou, agitado.— Por que o senhor conservou esta convicção para si mesmo?— Ninguém me perguntou a respeito, sir. Mas agora o senhor está informado. O

senhor duvida da correção de minha análise?

Page 16: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Como poderia fazer isso? — defendeu-se Rhodan. — O Professor Waringer garantiu-me que ninguém da galáxia conhecida poderia concorrer com sua sabedoria.

— Então o senhor concorda com o meu plano, sir? Perry Rhodan anuiu, contra sua vontade.— O que mais me resta fazer? Eu preciso do seu sextagônio e o senhor precisa de

nossa máquina do tempo. Uma mão lava a outra.Ele levantou-se.— Eu determino a partida do deformador de tempo-zero para a manhã do dia quinze

de junho, meus senhores. Ou seja, depois de amanhã.— Muito obrigado, sir — disse Ovaron. Rhodan sorriu.— Não me agradeça antes do tempo. O senhor está arriscando muito, Ovaron. Para

falar francamente, o seu plano me fascina. Eu sugiro irmos até a central de planejamento, para dar início a tudo que é necessário para a partida.

Ele não esperou até que os seus convidados também se levantassem, e dirigiu-se para a porta.

Gucky bamboleou até o cappin, olhou-o de baixo e sibilou:— Eu também estou fascinado com o seu plano, dançarino tryzom — mas somente

porque não estou metido na sua pele.

Page 17: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

2

Há uma hora começara o dia 1o de junho de 3.434, tempo terrano. O Sol ainda não subira por cima do antigo deserto de Gobi e da capital do Império Solar.

A gigantesca área do espaçoporto da Frota de Terrânia situava-se debaixo de uma redoma de luz artificial.

Toronar Kasom olhou para aquele complexo gigantesco de forma globular, que parecia querer tomar posse do revestimento do solo com seu poderoso trem de pouso. O ertrusiano reconheceu seis blindados, diminutas migalhas escuras em relação ao ultracouraçado que eles guardavam.

O ertrusiano virou a cabeça e olhou atentamente para Rhodan, que olhava, sem pestanejar, para a Intersolar. Que sentimentos devia ter o Administrador-Geral ao olhar para a sua nave-capitânia?

Devia ser doloroso para Perry Rhodan ver a Intersolar parada, sem nada fazer, no campo de pouso de um espaçoporto, a nave que fora construída para cruzar por entre as estrelas, as galáxias e os universos.

— Logo... — disse Kasom, sem poder se conter — ...logo sairemos novamente com a nave, numa grande viagem, sir.

Rhodan virou-se e olhou para o bisneto do seu fiel amigo Melbar Kasom, morto há muito tempo. O velho amigo continuava redivivo em Toronar.

Ele arrancou-se à força das profundezas daqueles pensamentos e sorriu.— Certamente, Coronel Kasom. E o senhor me acompanhará. Antes, porém, vamos

ter que nos contentar com esta corveta.Ele apontou para uma corveta, que ficava à direita deles, e era uma nave-auxiliar da

Intersolar, diante da qual se juntara um pequeno grupo. O mutante equino Takvorian não podia deixar de ser visto, e o homem do seu lado devia ser o cappin Ovaron.

A corveta devia levar a equipagem do deformador de tempo-zero para a sexta lua de Saturno. A máquina do tempo propriamente dita já passara por uma grande inspeção e reforma, e depois fora embarcada num cargueiro espacial que provavelmente já atravessara a órbita de Marte.

— Mande levar nossos planadores para dentro da nave, Coronel Maurice! — gritou--lhe Rhodan por cima do ombro. — Nós faremos o resto do caminho a pé.

Ele pôs-se em movimento. Toronar Kasom manteve-se do seu lado. Atrás deles seguiram os homens de Maurice, que até então tinham esperado imóveis e em silêncio, membros experientes da Contra-Espionagem Solar. O Administrador-Geral aprendera a ignorar a sua presença. Ele também já não protestava mais contra as medidas de segurança de Maurice, apesar de às vezes lhe parecerem um tanto exageradas.

A cerca de dez metros do anel do trem de pouso da corveta, o Administrador parou abruptamente. Aquela coisinha cinzenta que se aproximava dele, vinda da nave-auxiliar, muito despreocupadamente, também parou. Flexionou os pequenos tocos emplumados de suas asas, azul-terconite, e colocou a cabeça de lado, para olhar para cima, para o rosto de Kasom.

Depois ele abriu a boca de sáurio, parecendo inacabada, e disse:— Quantuon!

Page 18: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Lá de trás, o Coronel Hubert S. Maurice veio correndo à frente dos seus homens, com a sua arma de impulsos energéticos pronta para atirar na mão. Toronar Kasom fez os homens da Contra-Espionagem pararem, com um enérgico movimento do braço.

— Mas este é o bichinho doméstico do Professor Kase — murmurou Perry Rhodan, espantado. — Como é que chegou aqui?

O rosto de Kasom era um ponto de interrogação.— Eu também não compreendo isso, sir. Kase deve tê-lo trazido consigo.— Não é uma criatura terrana! — gritou o Coronel Maurice, indignado. Como se o bichinho tivesse culpa disso.Toronar Kasom, por uma questão de segurança, levantou o taimonense, para que

ninguém pudesse ter a ideia de disparar nele.— Os pais de Anton certamente não nasceram na Terra — disse ele, pausadamente.

— O próprio Anton, sim. De conformidade com as leis do Império Solar ele automaticamente ganhou o direito pátrio da Terra. Ou o senhor tem uma opinião diversa, Coronel Maurice?

O oficial da Contra-Espionagem aproximou-se mais, e olhou o taimonense, como se ele fosse uma bomba altamente explosiva.

— Um bicho! — disse ele, friamente. — Isso é um bicho! O direito pátrio à Terra somente podem conseguir seres viventes inteligentes.

— Schnoblkruwak! — disse Anton.— Tem razão, meu amiguinho — disse o ertrusiano, passando a ponta do indicador

carinhosamente pelas costas da criatura. — Como é que o Coronel Maurice vai saber se você é inteligente ou não? Afinal de contas, também não se consegue ver num recém- -nascido humano se ele faz parte de seres vivos inteligentes.

— Blabblgeik! — fez Anton.— De onde veio — hum — Anton? — perguntou Rhodan. — E como é que os seus

pais chegaram à Terra?Kasom sorriu.— Os seus pais não vivem na Terra, sir. Na realidade nós não conhecemos os seus

pais. Anteontem Anton saiu de dentro de um ovo de hibernação, que o Professor Kase, por engano, tomou como uma casinha de caracol, trazendo-o consigo na última expedição no tempo.

— De Zeut? — perguntou Rhodan. Toronar confirmou.— De Zeut ou Taimon, como este planeta era chamado há cerca de duzentos mil

anos atrás. Anton não é um sujeitinho doce?O Administrador-Geral suspirou.Hubert Selvin Maurice respirou fundo e disse:— Entregue-me este... este monstro, Coronel Kasom! Eu vou cuidar para que não

lhe falte nada, mas não posso permitir que ele fique próximo do Administrador-Geral.— Não seja ridículo! — gritou-lhe o ertrusiano. — Anton não pode fazer mal a

ninguém. Ele é um bebezinho inofensivo e confiável. Além do mais, ele não pertence a mim, e sim ao Professor Kase.

Antes que Maurice pudesse responder, o Administrador-Geral declarou num tom de voz que não permitia resistência:

— Eu agora acompanho o Coronel Kasom para entregar o seu bicho caseiro ao professor Kase. Não temos tempo para longas investigações. Durante o voo para Titã, eu

Page 19: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

obrigarei o Professor Kase a entregar Anton a um membro da tripulação da corveta, para que cuide dele até nós voltarmos.

A ideia da descoberta de Kase o divertia.— Eu gostaria de ter visto a cara de Tajiri, quando ele verificou que de uma nova

peça de sua coleção saiu uma coisa, metade pato e metade minissáurio.— Ele ficou furioso, sir — informou Kasom — quando viu a casinha de caracol

destruída. Gucky tinha ido dar uma olhada, pouco antes, na sua coleção e por isso o professor achou que ele tinha destruído a sua peça mais valiosa telecineticamente.

Ele deu uma gargalhada.— Mais tarde ele caçou Anton, com uma espingarda de chumbinho, sir.— Por que “Anton”? — perguntou o Administrador-Geral, enquanto se

aproximavam da corveta.— A primeira coisa que ouvimos dele era mais ou menos “quantuon”. Por isso tive

a ideia de chamá-lo “Anton”. O Professor Kase, entretanto, preferiu dar-lhe um nome mais nobre — “Sir Anthony”.

Atrás deles ouviu-se uma série de ruídos estranhos.— O que está acontecendo? — perguntou Rhodan. Os ruídos emudeceram, depois o Coronel Maurice respondeu:— Eu estive rindo, sir. Devido ao “Sir Anthony”. Peço que me desculpe, sir.— Bobagem! — declarou Perry Rhodan. — De futuro gostaria que me pedisse

desculpas quando não estiver rindo, apesar de haver causa para isso.— Sim, sir — disse Maurice, abatido.No meio do grupo embaixo da nave-auxiliar fez-se um movimento. Alguém correu

a rampa da eclusa de embarque para baixo, e passou, sem maiores considerações, por entre as pessoas que estavam no seu caminho.

— Mas isso é o Professor Kase! — disse Toronar, admirado. — O que será que deu nele?

Tajiri Kase varreu para o lado o último obstáculo, o centauro Takvorian, o que lhe custou uma mordida no ombro e um pontapé nas costas longas. Ele não pareceu ter reagido absolutamente a isso.

O Matelógico parou a poucos passos diante do Administrador-Geral. As suas bochechas tremiam de agitação.

— Sir! — gritou ele, agitado. — Sir, eu peço insistentemente que adie a partida. Eu preciso ir mais uma vez até minha casa. Por motivos particulares, sir.

— Particulares? — perguntou Rhodan, lentamente e com todos os sinais de desaprovação. — O senhor quer que adiemos, devido a um assunto particular, o começo de uma viagem no tempo, que poderá ser responsável pela sobrevivência da Humanidade Solar...?

Tajiri Kase mudava de um pé para o outro, desconcertado.— Eu não sei como deveria explicar-lhe tudo, sir. O homem, que durante minha

ausência deverá cuidar de... ah... minha casa, chamou pelo videofone e me comunicou que... — Ele engoliu em seco. — Ele disse que...

— ...que Sir Anthony desapareceu sem vestígios — concluiu Rhodan a tentativa frustrada do professor de formular uma mentira forçada merecedora de crédito.

— Como é que o senhor sabe...? — começou Kase. Depois ele descobriu o taimonense na palma aberta da mão de Kasom. O seu rosto

mudou de perplexidade para grande alegria, até um embaraço mortal.

Page 20: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Entregue ao professor o seu bichinho caseiro, Coronel Kasom! — ordenou o Administrador-Geral, para dar fim a estes momentos penosos. — Professor Kase, nós vamos falar sobre Anton, durante o voo.

— Naturalmente, sir — respondeu Kase, em voz baixa.Ele recebeu de Kasom o seu amiguinho taimonense e apertou o pequeno corpo

contra sua face. Murmurando palavras de carinho, ele tomou o caminho de volta para a nave-auxiliar.

* * *

Perry Rhodan dirigiu-se imediatamente à cabine reservada só para ele, depois da partida da nave-auxiliar. Ele queria pensar e registrar algumas instruções para o seu representante, numa memofita.

Os dois robôs especiais que tinham trazido o aparelho não se mexeram. Eles estavam parados, um do lado do outro, junto da parede, e se as suas células visuais não brilhassem vermelhas, Rhodan poderia ser tentado a achar que eles estivessem desativados.

Mesmo assim ele apenas deu-lhes um rápido olhar. Robôs não incomodam, quando se sabe como os seus processos cerebrais se processam.

Perry Rhodan sentou-se numa poltrona confortável e recostou-se para poder refletir mais intensamente.

Surgiram recordações, passando por sua visão espiritual, e caindo novamente na escuridão. Perry viu-se de pé pela primeira vez na Lua, com a nave de exploração dos arcônidas, que fizera um pouso de emergência ali, fora do seu campo visual.

Naquela ocasião, a nave esférica tinha-lhe parecido um gigante. Hoje ele a teria visto como uma nave primitiva de tamanho mediano. O Grande Império dos Arcônidas naqueles tempos era o mais forte fator de poder na galáxia, apesar de já estar apodrecido internamente. Hoje os arcônidas deviam se contar por satisfeitos se os deixavam em paz. Os impérios dos renegados, mundos povoados por homens e os aconenses do Sistema Azul dividiam a galáxia entre si — e ambos respeitavam, rangendo os dentes e cheios de ódio, o poder que Perry Rhodan e o Imperador Anson Argyris, por encargo da Humanidade Solar, representavam e defendiam com total decisão.

Mas representação e demonstrações de força eram apenas partes da superfície. Se tivesse sido apenas isso, como a vida poderia ser fácil!

Porém por baixo da superfície eram resolvidos os verdadeiros conflitos, e a Humanidade tinha que provar-se a cada novo dia. E muitas vezes ele tinha que lutar apenas por sua existência.

Os dedos de Perry enterraram-se no estofamento dos braços da poltrona, quando relembrou o ataque de surpresa das feras de Uleb ao Sistema Solar. A um tempo em que a maior parte da frota espacial terrana sitiava o sistema Uleb, de repente fortes formações destas feras tinham aparecido acima dos planetas solares. Eles tinham pulverizado cidades, florestas e o mundo animal terrano, usando a sua arma mais cruel, o canhão de raios intervalados. Somente devido a Defesa Civil, criada há séculos e sempre renovada para atender às últimas exigências, com seus transmissores de salvamento e flotilhas de transporte, bem como aos inúmeros bunkers subterrâneos, a Humanidade conseguiu escapar sem grandes prejuízos.

E mais ou menos na mesma ocasião, durante uma missão de comando numa das luas do planeta Uleb, tinha caído o filho de Rhodan — Michael Reginald Rhodan, que

Page 21: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

usava o pseudônimo de Roi Danton, fazendo concorrência ao seu pai, com a sua organização de livres-mercadores.

Perry Rhodan sorriu, saudoso, ao lembrar-se das discussões que tivera com Roi e das aventuras que eles tinham vivenciado juntos. Na realidade, aquele tinha sido um belo tempo.

Uma sombra passou pelo seu rosto.E então surgiram novas lembranças, novos rostos: Mory, sua segunda mulher, Allan

D. Mercant, Ivan Ivanovitch Goratchim e os outros membros do Exército de Mutantes. Mortos. Dos mutantes Gucky, Tschubai e Lloyd tinham sobrevivido a todas as crises. Também Goratchim, o mutante de duas cabeças, mais tarde tinha sido assassinado por Ribald Corello.

Como é que Corello estaria passando agora?Perry Rhodan refletiu, tensamente. Por que não deveriam fazer uma escala na

primeira lua de Saturno, se estavam à caminho de sua sexta lua?Ele apertou o botão de comutação do braço direito da poltrona, que mostrava o

símbolo muito antigo de uma roda de leme da navegação cristã de tempos passados.A poltrona deslizou sobre um padrão direcional invisível, para o intercomunicador,

que se ligava ao mesmo tempo, passando um sinal de chamada para a central de comando.

O rosto do comandante da nave-auxiliar apareceu na tela de imagem.— Sir...?— Uma pequena mudança de rota! — ordenou Rhodan. — Primeiramente escala

em Mimas, estacionamento espacial da paraclínica. Aumente um pouco a velocidade no semi-espaço para que possamos tirar a perda de tempo.

— Aumentar...? — repetiu o comandante um pouco confuso. Depois entendeu e anuiu, dizendo: — Sim, Sir. Será feito imediatamente.

Perry Rhodan apertou o botão verde no braço da poltrona e deslizou de volta à sua posição original.

Ele ordenou aos robôs que preparassem tudo para a “gravação” da memofita. Eles juntaram as três paredes de contato das três memo-unidades, e fizeram descer o capuz metálico do recolhimento e transmissão de informações por cima da cabeça de Rhodan. Ao mesmo tempo um pequeno microfone semi-esférico pairou diante de sua boca.

Perry falou, para reforçar a intensidade dos pensamentos paralelos. A gravação do som, mais tarde seria comparada com o registro dos pensamentos e apagada. A memofita depois podia ser “ouvida” sob um capacete de transmissor.

Quando o capacete do transmissor se soltou de sua cabeça, o Administrador-Geral levantou-se. Ele temia conjurar os espíritos do passado novamente, se ficasse muito mais tempo sozinho.

Na cantina da tripulação ele encontrou os participantes da expedição no tempo — com exceção do Dr. Kenosa Bashra, que provavelmente estava parado num corredor, fumando. Eram as mesmas pessoas que estiveram presentes na primeira expedição no tempo, com exceção de Ovaron, Marceile e Toronar Kasom.

Anton estava sobre uma mesa comprida, ocupado com uma pequena bacia de pudim de arroz. Os presentes observavam atentamente o modo do taimonense comer, inchando cada vez mais.

— Diga ao seu pato escanhoado, que pare com isso — disse Gucky ao Professor Kase. — Caso contrário esse glutão acabará arrebentando.

Tajiri Kase rolou os olhos de dar medo.

Page 22: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— O que foi que você disse de Sir Anthony? Pato escanhoado! Talvez você gostaria de ver um rato-castor escanhoado num espelho, não?

— Não se chateie, Tajiri! — retrucou o ilt. — Afinal de contas, Anton realmente se parece com um pato a quem passaram uma navalha nas penas.

Anton correu um quarto de metro para trás e demonstrou que a sua digestão estava em perfeita ordem. Depois correu novamente para a tigela de mingau.

— Ele não se parece apenas, mas se comporta exatamente como um pato — declarou o Dr. Voigt Gosling. — Comer praticamente sem intervalo e digerir tudo imediatamente.

— Eu penso nisso de modo diverso — interveio Joak Cascal. — Eu, por exemplo, sei apenas que um pato parece uma coisa gostosa, de pele dourada no forno e que em vez de tripas tem um recheio delicioso.

Gucky riu, divertido.— Antes de ser convocado para o time de viajantes do tempo — disse o Dr.

Gosling, sério — eu tinha uma pequena fazenda em Marte, e entre outras coisas também criava patos.

O rosto do robótico se iluminou. Com as mãos ele mostrou uma altura de cerca de meio metro e um comprimento de talvez setenta centímetros.

— Os patos Aylesbury tinham este tamanho, em Marte. Devido à gravidade reduzida.

— Sir Anthony ficará bem maior, muito maior — declarou o ertrusiano. — Desde anteontem ele já cresceu. Então ele pesava apenas quarenta gramas, e esta manhã ele já pesava cento e sessenta gramas.

— Glumblubbil! — fez Anton, e trepou para dentro da tigela, para devorar os últimos restos de arroz. Ele comia com uma rapidez incrível, e muito concentradamente.

— Professor Kase...! — disse Perry, baixando a voz. O Matelógico ergueu os olhos.— Sir...?— Por favor pegue o seu taimonense e verifique na nave se existe alguém que possa

cuidá-lo durante a nossa ausência. Nós não podemos levá-lo conosco ao passado, de modo algum.

— Mas por que, afinal? — Atlan era de outra opinião. — Esse bichinho certamente não nos incomoda. E ele vem do passado.

— Ele distrairia todos nós demais de nossas tarefas — respondeu Perry Rhodan, severo. — Você parece que já está todo caído pelo bichinho.

Atlan olhou para Perry, perplexo.— Você tem razão, amigo. Uma vez que você o está dizendo, eu noto que desde

nossa partida eu me ocupei somente com Anton.O Administrador-Geral anuiu.— Todos vocês estão sentados aqui, olhando para um animalzinho, em vez de

examinarem mais uma vez o seu equipamento, e pensar na nossa tarefa.— Mas... — começou Tajiri Kase.— Não há nenhum “mas”! — A paciência de Rhodan chegara ao fim. — Pegue

Anton e suma daqui!O ertrusiano levantou-se rapidamente, pegou o seu taimonense e deixou a cantina.— Nossa! — gritou Gucky, admirado. — Você certamente está com o fígado ruim,

Administrador-Geral!Ele olhou para Ovaron.

Page 23: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Infelizmente não temos tempo suficiente para podermos falar sobre todos os problemas, Ovaron. A mim interessa apenas: O seu depósito secreto em Titã é vigiado?

— Naturalmente — respondeu o cappin. — Existe um cérebro de comando — um computador — e instalações de defesa. Aliás, eu nunca vi as instalações de defesa.

— Nunca viu...? — repetiu Atlan. — Isso soa como se o senhor tivesse estado em Titã não apenas uma vez.

— Eu estive ali onze ou doze vezes — disse Ovaron — para ir pegar equipamentos especiais para minha atividade secreta na Terra.

— E o cérebro de comando — o computador — sempre o aceitou? — quis saber o Dr. Voigt Gosling.

Silenciosamente o duplo-pensador abriu o fecho magnético da sua manga esquerda, erguendo a mesma para cima. Uma pulseira da grossura de um dedo, com dez centímetros de largura, apareceu. A mesma brilhava num azul metálico avermelhado.

— Minha pulseira de comando — explicou o cappin. — Entre outras coisas ela contém o gerador de impulsos individuais que ativa o mecanismo de abertura do depósito. Ao mesmo tempo ela me identifica junto ao cérebro de comando como autorizado a entrar.

— Provavelmente a mesma trabalha em base sextadim? — perguntou Geoffry Abel Waringer, com um fino sorriso.

Ovaron sorriu de volta.— Exato, Professor Waringer. Mas isso naturalmente nada tem a ver com o fato de

eu me chamar de navegador sextadim.— Por que, afinal, precisamos viajar mais de duzentos mil anos ao passado,

somente para buscarmos alguns gramas de sextagônio de produção cappínica? O seu depósito secreto certamente também ainda deveria existir há apenas cem mil anos atrás, ou não?

Ovaron olhou o professor, surpreso.— Isso eu também já me perguntei, mas, para falar a verdade — eu não sei. — Ele

olhou interrogativamente para o Administrador-Geral. — Sir, os terranos alguma vez descobriram um depósito, ou os restos de um depósito em Titã?

Rhodan refletiu. Ele naturalmente já pensara nesta possibilidade há dois dias atrás, mas logo afastara este pensamento novamente. Na sexta lua de Saturno, desde a investida cósmica da Humanidade, já tinha sido modificada e construída tanta coisa, que uma caverna de grande volume certamente já teria sido descoberta. Agora, entretanto, ele já não tinha mais certeza de nada.

— Não, Ovaron. Mas acabei de me lembrar que o senhor nos é muito superior com a sua técnica sextadim. Caso os necessários captadores de impulsos e aparelhos sensores trabalhem em base sextadim, uma medição até agora nos foi impossível.

— Foi dizer alguma coisa a respeito, sir? — perguntou o Dr. Multer Prest com sua voz suave, baixinha.

— Por favor — disse Rhodan.O cosmopsicólogo sorriu tristemente, o que com ele aliás era um estado

permanente. Com as pálpebras abaixadas ele observou o cappin.— Pelo que conheço dos cappins — declarou ele, sem levantar a voz — eles são

cuidadosos demais para incorrerem em tal risco. Eu imagino que eles desmontaram o depósito, no máximo, quando na Terra foram experimentados os primeiros veículos espaciais.

Page 24: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Para que estas especulações? — perguntou Ovaron, irritado. — Muito bem, talvez precisemos ir ao passado apenas em três mil anos, para obtermos o sextagônio. Eu não sei.

Ele olhou para Rhodan interrogativamente. Perry respirou fundo. Era-lhe impossível esquivar-se da força daqueles olhos.

— Mas não importa, se viajarem três mil, dez mil ou mesmo duzentos mil anos ao passado — teriam que voltar sem o sextagônio. Eu apenas vou ajudá-los se me deixarem oito dias antes da minha chegada em Titã e me deixarem observar a minha própria chegada!

— Mas...! — Atlan iniciou um protesto.— O senhor faria bem em ouvir Ovaron, Lorde-Almirante — interveio a

biotransfercorretora Marceile. — Eu o conheço melhor que todos os senhores...— Ora, ora, ora...! — fez Multer Prest. Marceile sorriu rapidamente e continuou:— ...e eu sei que ele não vai transigir. É melhor aceitarem isso. Além do mais, eu

entendo por que Ovaron quer saber quem ele é realmente. O seu plano, de ficar sabendo disso por si mesmo, é genial.

Ovaron olhou-a, agradecido.Perry Rhodan parecia indeciso.— Muito bem, vamos fazer um parêntese neste assunto. De qualquer modo isso foi

informativo. Atlan, você poderia fazer o favor de arranjar um “padrasto” para o Anton do Professor Kase? Eu abandono a nave em Mimas por pouco tempo, para fazer uma visita a Corello.

O arcônida anuiu. Ele também não perguntou se o amigo tinha dado instruções correspondentes ao comandante da corveta, que devia haver uma escala em Mimas. Se Perry Rhodan queria ir primeiramente para Mimas, ele certamente teria providenciado para que a rota fosse modificada.

* * *

Depois de trinta segundos de voo linear no semi-espaço, a corveta caiu novamente de volta ao espaço normal. A meio minuto e meio da VL adiante estava o planeta gigante, Saturno, com seu formidável sistema de anéis.

A nave-auxiliar da Intersolar, de oitenta metros, freou com valores máximos, enquanto deslizava com apenas dezoito quilômetros de altura ainda por cima da planura dos anéis, ao encontro da lua que estava justamente saindo da sombra planetária.

Mimas era um corpo celeste relativamente pequeno, a menor das luas de Saturno. Ela era, inclusive, menor do que alguns dos asteróides, os restos do antigo planeta Zeut. As maiores naves da frota tinham proibição de pouso, porque de outro modo temia-se uma modificação de órbita.

Também a corveta executou uma manobra de pouso extremamente cautelosa. Ela colocou-se diante da lua de Saturno, e deixou-se atrair lentamente por ela.

A mil metros de altura, ela foi apanhada por uma instalação de pouso eletrônico, que a baixou metro após metro. Os aparelhos antigravitacionais mantinham os pratos do trem de pouso a poucos milímetros acima da superfície, para não modificar a massa da lua.

Perry Rhodan desceu com o elevador central e saiu da corveta pela eclusa do desembarque, perto do trem de pouso do meio. Um planador requisitado pelo rádio já o esperava.

Page 25: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Em velocidade rápida o veículo levou-o para o formidável complexo de edificações da chamada paraclínica.

Iner Thwaites, mecânico-parapsi e chefe da Clínica Mimas esperava pelo Administrador-Geral diante do portal principal. A saudação foi rápida, ajustada a falta de tempo que Rhodan tinha para agir.

Enquanto os dois homens usavam uma esteira transportadora para a enfermaria onde se encontrava Corello, Thwaites fez o seu relatório sobre o estado de saúde do supermutante.

— Nós vamos conseguir, sir — declarou o professor. — A princípio a coisa parecia muito séria, e todos nós duvidamos da recuperação de Corello. Mas a presença do Major Lokoshan contribuiu para a melhora do paciente.

— Major Patulli Lokoshan — disse Rhodan, pensativo. — É um sujeito muito esquisito, não é?

— Nisso o senhor tem razão, sir — concordou Thwaites, convencido. — A princípio nós sempre ficávamos nervosos, quando avistávamos o Major com seu grande deus hereditário Lullog, mesmo de longe.

— Nervosos? — perguntou Rhodan. — O senhor tem uma resposta científica para isso?

— Aí é que está o problema. Não há nenhuma explicação científica. Entrementes, naturalmente, nós já nos acostumamos com Lokoshan. Ele, inclusive, colaborou comigo em alguns casos difíceis. A sua capacidade de penetração na psique de outras inteligências é quase inconcebível.

Ele levantou a mão e colocou-a sobre o gerador de impulsos diante do seu peito. A esteira transportadora parou. Thwaites conduziu o Administrador-Geral para uma câmara de desinfecção. Ambos os homens deixaram-se envolver, pelos robôs, em roupas transparentes, completamente fechadas, livres de germes e com capuzes, além de climatização própria. Depois disso, receberam uma ducha destruidora de germes, e só depois puderam entrar na seção na qual o supermutante fora alojado.

O Major Lokoshan os aguardava na ante-sala da enfermaria de Corello. O kamashita de apenas 1,38 m de altura repuxou a boca num sorriso cordial, com o que mostrou seus dentes que brilhavam prateados. A sua pele brilhava num acobreado dourado e sedoso, e os cabelos verdes, ajeitados em pequenas trancas, e as sobrancelhas verdes davam-lhe um aspecto misteriosamente exótico. Mesmo assim, os seus antepassados tinham nascido na Terra, do mesmo modo que Rhodan.

— Ribald está dormindo — disse Lokoshan, com uma voz de baixo, que não combinava absolutamente com seu pequeno corpo.

Perry observou a estatueta, de quarenta centímetros de altura e cor turquesa, que o Major da CE-Solar trazia sob o braço, como sempre.

— Como é que vai o seu grande deus hereditário? — perguntou ele, irônico.Patulli Lokoshan, que na realidade se chamava Patulli Shangrinonskowje

Batulatschino Sagrimat Lokoshan, piscou para a estatueta sem face.— Ele está exatamente como eu, sir. Lullog não precisa de muita coisa para viver...

— ele riu — ...somente um pouco de variedade. Já está na hora de Ribald recuperar a sua saúde, pois então nós três podemos novamente reassumir nosso serviço.

Iner Thwaites suspirou.Perry Rhodan olhou o Major atentamente. Depois resignou-se. Como Galbraith

Deighton tinha recomendado o kamashita como o melhor homem do Departamento de Inteligências Exóticas, era preciso, bem ou mal, aceitar suas excentricidades.

Page 26: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Todos nós temos esperança de que Ribald Corello recupere a sua saúde, Major — disse ele. — Poderia agora liberar a porta, por favor?

— Ribald está dormindo, sir — retrucou Lokoshan. — Eu já lhe disse isso.— Conduza-nos até ele, Patulli — disse o Professor Thwaites suavemente. — Nós

vamos permanecer bem quietos, para que o seu amigo não seja acordado. Por favor!Rhodan ficou chateado. Instintivamente ele perguntou-se quem seria o chefe da

paraclínica, Iner Thwaites ou Patulli Lokoshan. Na sua opinião, o professor tratava o kamashita com exagerada benevolência.

O Major Lokoshan anuiu, concordando, colocou um dedo nos lábios e abriu, sem fazer ruído, a porta do quarto de Corello.

O supermutante estava deitado numa cama firme, e não mais dentro de um campo de contornos. Nos controles, Perry Rhodan pôde verificar que o paciente estava sob gravidade terrana artificial, sinal de que sua convalescença progredira bastante.

Rhodan observou o rostinho infantil de Corello. O mesmo pareceu-lhe relaxado. O formidável crânio, com suas veias azuladas salientes, como sempre era apoiado por um suporte.

O Administrador-Geral teve que pensar em quanta dor Ribald Corello tinha infligido a eles todos e a toda a galáxia, quando a remoção do bloqueio cerebral ainda não tinha sido conseguida.

O Corello de hoje era totalmente inocente dos crimes e crueldades. Já várias vezes ele comprovara que se encontrava ao lado da Humanidade Solar.

De repente o mutante abriu os olhos. Ele imediatamente reconheceu o Administrador-Geral, sorriu fracamente e disse:

— Olá, sir! Que bom que veio me visitar.A sua mão passou por cima do cobertor, como se procurasse alguma coisa. Perry

apanhou a mesma e sacudiu-a levemente.— Bom dia, Corello. Fico muito satisfeito que está melhor. Infelizmente eu só

tenho pouco tempo.— O Satélite da Morte...? — murmurou Corello. A sua voz já soava mais fraca novamente.— Sim, Corello. Ele continua nos ameaçando. Porém eu acho que, desta vez,

conseguiremos eliminá-lo.Ele notou o olhar admoestador do Professor Thwaites e disse:— Quero desejar-lhe melhoras, Corello. Logo que puder, virei visitá-lo novamente.Ribald Corello movimentou os lábios confirmando. Com sua cabeça grande demais

ele não podia anuir.— Até a vista, sir — disse ele, muito baixinho. Depois caiu novamente em sono profundo.Patulli Lokoshan forçou a saída dos visitantes pela porta, no que demonstrou ser

extraordinariamente forte. Com aquela sua figura, esquecia-se facilmente que ele tinha o título de Mestre-Daghor de todo o Setor Orion.

— O senhor não deveria ter entrado! — declarou ele, numa censura. — Ribald naturalmente ficou contente com sua visita, mas mesmo a alegria pode ajudar no seu enfraquecimento físico.

— Quem é que, afinal de contas, dá as ordens por aqui? — Rhodan não conseguiu mais ocultar a sua estranheza.

Mas o mecânico-parapsi não se mostrou acanhado. Ele sorriu e disse:

Page 27: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Um hospital não é uma espaçonave, sir. Sob o ponto de vista da ordem doméstica, mesmo o Administrador-Geral é um simples visitante. Eu satisfiz o desejo de Corello, para nomear o Major Lokoshan como seu enfermeiro pessoal, e portanto também tenho que levar em conta as consequências disso.

Rhodan entendeu imediatamente. Ele tomou a mão de Lokoshan e sacudiu-a fortemente, sorrindo sempre.

— Neste caso, eu preciso agradecer-lhe por ter-se mostrado tão energicamente interessado na convalescença de Corello. Até breve Major!

Patulli Lokoshan piscou os olhos, como se fosse míope.— Até breve, sir!

* * *

A corveta foi atirada ao espaço pela instalação antigravitacional, tomou o curso de Titã e acelerou com valores mínimos.

Hora e meia mais tarde, os apoios de pouso tocaram a superfície da lua de Saturno, praticamente do tamanho de Mercúrio. A atmosfera artificialmente criada correspondia totalmente à terrana. Como ela não conseguia ser retida pela gravidade de Titã, ela difundia-se lentamente no espaço, ainda que muito lentamente. Se deixassem esse fenômeno a si mesmo, a atmosfera dentro de mais ou menos cinco mil anos ficaria fina demais para os homens. Aparelhos de conversão de base atômica, entretanto, acrescentavam ar novo continuamente à mesma. Com os mesmos aparelhos conversores, também tinha sido eliminada a fina atmosfera original de metano-hidrogênio, nos começos da colonização.

Perry Rhodan e Ovaron estavam na cúpula polar superior da nave-auxiliar, olhando para o maciço montanhoso do Polo Norte, no qual, em tempos atuais, tinham sido instaladas gigantescas estações de defesa. O mesmo estava afastado apenas cem quilômetros do local de pouso da corveta e do cargueiro espacial, suficientemente longe para, no passado, não ser rastreado pelo cérebro de comando do depósito, e perto o suficiente para, em caso de necessidade, chegar lá com os blindados em voo lento.

— No meu tempo, nós os chamávamos de Montes Akalos — declarou o cappin.Rhodan sentiu a agitação mal escondida do homem. Ele conseguia imaginar como

ele se sentia. Para ele, aqui terminara o seu passado e começara a sua missão de agente.— Nós...? — perguntou ele, enfático. Ovaron sorriu, perdido nos seus pensamentos.— Naturalmente “nós”, sir. Eu não dei nome à montanha, e conheço o seu nome

apenas através do cérebro de comando.O Administrador-Geral notou que ele também estava sendo assaltado por uma

agitação interior. Pela primeira vez, ele mesmo sentia o desejo urgente de saber tudo a respeito do passado de Ovaron. No passado, os cappins — e não apenas aqueles que tinham experimentado na Terra — deviam ter sabido de muita coisa sobre o Sistema Solar.

— Por favor, não me chame sempre de “Sir”, Ovaron — pediu ele em voz baixa. — Perry é mais que suficiente.

O cappin primeiro olhou-o pensativo, antes de responder sorridente:— Concordo, Perry. Agradeço-lhe porque sei que agora também é inteiramente de

minha opinião.— Como é que conhece meus pensamentos? — perguntou Rhodan, admirado.Da escotilha ouviu-se a risada baixinha de Atlan.

Page 28: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Ovaron é um dançarino tryzon Perry, que pensa duplamente. O seu cérebro trabalha através de pensamentos coordenados do mesmo modo rápido que eu, com ajuda de meu cérebro adicional.

Perry Rhodan anuiu.— Um dom maravilhoso...— Nem sempre, Perry. — Uma sombra passou pelo rosto de Ovaron. — Às vezes é

uma carga.— Eu tomei providências para que o médico de bordo cuide de Anton, Perry —

informou o arcônida. — O Dr. Cranich dá a impressão de ser confiável.— Obrigado, Atlan — respondeu Rhodan. — Agora, espero eu, o professor terá

tempo para se dedicar ao que interessa.O Lorde-Almirante sorriu e mudou de assunto.— O deformador de tempo-zero está sendo justamente descarregado. Acho que

devíamos ir até lá. Os outros participantes da expedição já abandonaram a corveta.Os homens olharam para a grande nave de carga, que estava pousada num campo

arenoso, a apenas trezentos metros da corveta. A grande eclusa do porão de carga principal se abrira e a cúpula da máquina do tempo, brilhando prateada, pairou centímetro a centímetro, segura por campos de força invisíveis, para fora.

Os dois gigantes Tolot e o Paladino marcharam através do campo arenoso. Takvorian pulava entre eles, brincalhão, enquanto os seus cascos tiravam faíscas das pedras espalhadas na areia. Lorde Zwiebus estava na sela, fazendo um grande esforço para não cair do cavalo. Às vezes os pés do gigantesco neandertalense tocavam o chão.

— Ele está cavalgando o seu cavalo — disse Atlan. — Vai matá-lo.Ovaron sacudiu a cabeça.— Takvorian não permitiria ninguém que ele não gostasse, na sua sela, Atlan. Não

se preocupe, ele é muito forte.Quando a base do deformador de tempo-zero tocou o chão do campo arenoso, os

três homens entraram no elevador central e desceram.Uma brisa morna os recebeu do lado de fora. O reator globular, seguro por campos

de força superfortes, estava na sua órbita de satélite, em volta de Titã. Ele se parecia com o Sol da Terra, e na prática era um pequeno sol artificial, que devido à sua massa, relativamente pequena, tinha que ser mantido por campos de força tecnicamente criados.

Perry olhou para a silhueta de Titã City, que tomava todo o horizonte sul. Esta era a única cidade da lua e a maior no Setor Saturno. Ela consistia, em quase cinquenta por cento, de grandes hotéis, e bangalôs para turistas da Terra, que de Titã vinham admirar o gigante planetário Saturno com seus maravilhosos sistemas de anéis.

“Para onde nós viajaremos, não há nem Titã City nem turistas terranos”, pensou Perry Rhodan.

“Também não há fortalezas no Monte Akalos — e se houver, elas não foram construídas por homens.”

“Quantos mistérios o Sistema Solar ainda abriga, realmente? O que iríamos encontrar, se viajássemos um ou dois milhões de anos ao passado?”

Ele respirou fundo.“Provavelmente novos enigmas e novos problemas. E algum dia, nós vamos tentar

viajar ao futuro.”Ele sentiu um calafrio.

Page 29: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

A ideia de viajar ao futuro real o assustava. Seria uma coisa bem diversa de viajar ao passado. Porém mesmo assim, Ovaron pelo menos já tinha isso atrás de si. Para ele o tempo terrano atual era o futuro.

Onde os geradores de força se encontravam sobre grandes plataformas antigravitacionais, ouviu-se um trovejar. Poderosos geradores de fusão criavam o campo de partida para o transporte espacial. Lentamente a nave esférica subiu, e logo desapareceu aos olhares dos viajantes do tempo.

Entrementes robôs e pequenos flutuadores tinham feito o transbordo do equipamento adicional da corveta para o deformador de tempo-zero. O comandante da nave-auxiliar apareceu na eclusa de desembarque e despediu-se de Rhodan.

Um depois do outro, os membros da expedição no tempo entraram no aparelho em formato de cúpula. Depois que a eclusa externa se fechou atrás da última pessoa, a corveta foi erguida pelo campo de partida.

Minutos mais tarde também as plataformas com geradores de força partiram. Somente duas divisões de robôs e cinquenta blindados voadores ficaram para trás, a uma respeitosa distância. Eles cuidariam para que, no tempo atual, ninguém se aproximasse do local, em que o deformador de tempo-zero surgiria, quando de seu regresso do passado.

Mas por enquanto ele ainda não estava no passado. Perry Rhodan dirigiu-se à central de campo-zero. O Professor Waringer puxou uma alavanca. Os poderosos reatores de fusão da máquina do tempo começaram a funcionar. Todo o aparelho estremeceu sob o trovejar das reações nucleares controladas.

* * *

1o de junho 3.434 — tempo atual. Nove horas da manhã.Os informes decodificados dos departamentos isolados chegavam prontamente e

laconicamente curtos.Perry Rhodan e Ovaron se entreolharam rapidamente, depois o Administrador-Geral

fez um sinal para o seu genro.Geoffry Abel Waringer baixou a mão sobre uma placa sinaleira vermelha. Ao

trovejar dos reatores atômicos misturaram-se ruídos de outros aparelhos. Os arredores do deformador de tempo-zero transformaram-se num cinzento insubstancial.

A viagem ao passado começara...

Page 30: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

3

Toronar Kasom estava encostado na parede da central do deformador de campo- -zero, com os braços cruzados sobre o peito. O bisneto de Melbar Kasom seguia fascinado os acontecimentos dentro e fora da máquina do tempo.

Para ele esta era a primeira viagem no tempo, com novas impressões, ao contrário da tripulação, que seguia suas ocupações rotineiramente.

Inteiramente livre de estremecimentos, o deformador de tempo-zero corria velozmente na direção do fluxo do tempo, para o distante passado. A mão de Waringer estava colocada sobre uma placa de ignição, brilhando azulada, pronta para apertá-la imediatamente, em caso de perigo.

Pela primeira vez desde a primeira investida falhada, deixava-se de ativar o tastresonador-dakar, destinado a compensar a perigosa polarização de retorno.

Ovaron garantira que dezoito anos antes do ano 200.000 do tempo atual, o chamado cursor do tempo ainda não estava ligado. Ele somente o ativara depois de sua chegada a Titã e do voo para a Terra. Mesmo assim, ele já existia, bem como a central de comutações Ovaron. Desconhecidos tinham construído e instalado ambas as coisas — desconhecidos até mesmo para ele.

O Coronel Kasom fechou os olhos e concentrou-se nos ruídos de funcionamento do deformador de tempo-zero. Ele tentou determinar irregularidades. Afinal de contas, ninguém poderia saber se o cursor do tempo de Ovaron não se ativaria por conta própria, quando sua instalação de sensores descobrisse o deformador no fluxo do tempo.

— Medo? — murmurou Gucky, perto dele.Toronar baixou os olhos e viu o rato-castor. Ele o ergueu.— Medo? Não, baixinho. Eu estou pronto para tudo. Como é que Ovaron pode

saber se o seu cursor do tempo reagiu, ou não, à nossa investida para o passado? Afinal de contas, naqueles tempos, ele nem se encontrava no Sistema Solar.

— Até agora ele não reagiu, Toronar. E se ele o fizer, Geoffry precisa apenas ligar aquele troço dakkar.

Kasom achou aquele modo desrespeitoso de tratar a terminologia científica bastante divertido. Ao mesmo tempo perguntava-se quantas vezes talvez o seu bisavô Melbar deveria ter sorrido deste ilt. Às vezes parecia-lhe já conhecer Gucky há mais de mil anos. Será que Melbar teria se reincorporado nele? Toronar ainda olhava a teoria do renascimento com muito ceticismo, mas aquilo que ele ouvira falar da chamada constante-UBSEF parecia confirmar a existência da alma e da metempsicose.

— Estamos nos aproximando do tempo-objetivo! — avisou Waringer. A sua voz soava esquisita.Ouviu-se um sinal.Todos os participantes da expedição fecharam seus trajes de combate e capacetes e

ocuparam as estações de combate. Os dois blindados estavam prontos para uma partida de emergência.

Ninguém poderia predizer o que os esperava no dia 15 de junho de 200.018 a.C em Titã. Era possível que Ovaron estivesse enganado e o dia de seu chamado despertar não era idêntico com o dia de sua chegada. Neste caso o deformador de tempo-zero talvez surgisse dentro da área de tiro de uma astronave estranha.

Page 31: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O som do gongo ecoou trovejante através dos recintos da máquina do tempo.Mais trinta minutos.Aos dez menos tempo-X, uma voz de robô contava os segundos. A tensão cresceu

mais entre os viajantes do tempo.— Zero!Um solavanco violento fez o ertrusiano cambalear. Gucky deu um grito. Um

telecomunicador portátil escorregou pelo chão indo parar nos pés de Marceile. A garota cappin caiu ao chão, gritando assustada. Rhodan amparou-a e no momento seguinte Ovaron teve que segurá-la.

Um ruído surdo e rangente penetrou no deformador de tempo-zero, depois reinou novamente o silêncio. De algum modo, Kasom achou que o chão parecia torto.

O Professor Waringer diminuiu os reatores de fusão, e o ruído baixou para um rumorejar surdo.

— Empregar rastreamento passivo! — ordenou o Administrador-Geral.— Ligado! — informou Fellmer Lloyd, tranquilo. — Rastreamento de energia

estranha negativo, sir.— Ótimo! Ligar holofotes infravermelhos! Ótica panorâmica ligada em

sensitividade infravermelha!— Holofotes ligados! — avisou Alaska Saedelaere, o homem com a máscara de

plástico.— Panorâmica ligada — declarou o Dr. Kenosa Bashra. O Coronel Toronar Kasom observou atentamente as telas da galeria panorâmica,

nas quais os arredores do deformador de tempo-zero teriam que aparecer. Até agora somente tinham mostrado um cinza-escuro difuso e sem contornos.

De repente viam-se detalhes. Alguém riu. Perry Rhodan pediu silêncio. Uma estrutura grossa tornou-se visível.

— Nós estamos por baixo de um campo de pedregulhos. — informou Lloyd. O telepata conservara a sua calma inabalável. — Peço permissão para ligar o rastreamento ativo.

— Permissão concedida — disse Rhodan.Fellmer Lloyd fez uma ligação. Numa das telas apareceram colunas de cifras e

diagramas. Lloyd virou-se.— Por cima do ponto superior do deformador encontram-se vinte metros de

cascalho, sir — disse ele para Perry Rhodan.— Depois de nosso regresso à Terra, portanto, vamos ter que corrigir a teoria de que

há milhões de anos não houve deslocamentos de solo em Titã.Marceile admirou-se do sangue-frio do terrano. Ovaron por sua vez apenas anuiu.

Para ele, evidentemente, o comportamento de Lloyd era muito natural.— Gucky! Ras! — chamou Perry Rhodan. — Saltem lá para fora, para darem uma

olhada. Porém evitem qualquer risco.— Eu sou cauteloso como um vidraceiro — declarou o rato-castor, mostrou o seu

dente roedor e teleportou.Ras Tschubai riu divertido e também desmaterializou. Passou-se um minuto e já os

teleportadores estavam de volta. Tschubai relatou:— O pedregulho que está acima de nós tem o formato característico de um monte

de pedras que desceu do morro próximo. Aliás, lá fora tudo parece diferente que no tempo atual.

Page 32: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Dos Montes Akalos a luz de Saturno, vêem-se apenas os cumes alcantilados. O resto é encoberto pelas encostas de montanhas mais ou menos baixas que se erguem à nossa volta.

Ele olhou significativamente para o Administrador-Geral e disse:— Além disso, Titã possui, neste plano de tempo, uma atmosfera mais densa que

antes do povoamento. O meu medidor de pulso indicou moléculas de metano e átomos de hidrogênio. A temperatura é de cento é oito graus centígrados — abaixo de zero, naturalmente.

— Densidade da atmosfera? — perguntou Rhodan.— Não pude verificar, com o aparelho simples. A pressão atmosférica é de 0,12

atmosferas, portanto nem totalmente um oitavo da pressão atmosférica terrestre, ao nível do mar.

— Obrigado — disse Rhodan. Ele olhou para Ovaron. — O senhor sabia disso?O cappin fez que sim.— Eu sabia que Titã, no meu tempo, tinha uma atmosfera fina de metano-

-hidrogênio. Por outros detalhes eu nunca me incomodei. Mas tudo isso não tem significação para nós. De qualquer modo vamos ter que fechar os trajes espaciais, ao sair para o ar livre.

Toronar Kasom riu, de modo retumbante.— Por que está rindo, Coronel? — perguntou o Administrador-Geral, ligeiramente

irritado.Kasom passou o dorso da mão pela boca.— Devido a nonchalance com que nosso amigo põe de lado detalhes sem

importância, sir. — Ele ficou sério. — Ele me é cada vez mais simpático.Rhodan concordou com ele, sorrindo, depois ordenou aos teleportadores:— Peguem dois robôs de combate do tipo humanóide e teleportem com eles para

fora. As máquinas deverão retirar o pedregulho com os seus desintegradores. Mas que utilizem somente um enfeixamento de raios muito finos!

— Não quer que eu... telecineticamente...? — começou Gucky, mas logo foi interrompido por Perry.

— Não, nós vamos precisar mais de você mais tarde, suponho.Ovaron aceitou as ordens de Rhodan. Ele entendeu por que o Administrador-Geral

mandava os robôs trabalharem somente com enfeixamento de raios muito finos. O cérebro de comando do depósito não devia ter sua atenção chamada para a sua chegada.

Gucky e Tschubai desapareceram novamente. Os viajantes do tempo, na central de campo-zero, sabiam que no momento não podiam fazer muita coisa, além de esperar. Provavelmente demoraria horas até que o deformador de tempo-zero fosse libertado completamente daquela massa de entulho. Afinal de contas todo o pedregulho montanha acima teria que ser derrubado, para que nova avalancha não fosse causada. Depois de alguns minutos o ilt surgiu novamente.

— Ordem executada, Perry! — informou ele. — Nós colocamos logo quatro robôs no trabalho. Agora há pouco eu estive com Icho. Nosso amigo Olho-Vermelho quase morreu de rir, de nossa má sorte, que afinal de contas também é a dele, ou não?

— Mas essa é a mentalidade halutense, baixinho — explicou Rhodan. — Onde está Ras?

— Também ao ar livre. Ele me pediu para perguntar se devemos dar uma olhada nos arredores próximos.

— Isso seria muito bom. O que acha disso, Ovaron?

Page 33: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Eu estou de acordo, Perry — se Gucky me levar com ele.O Administrador-Geral disse, divertido:— Eu também — com as mesmas condições. — Ele fechou novamente o capacete,

que depois dos primeiros resultados do rastreamento ele abrira. — Atlan, você poderia assumir o comando, durante a minha ausência?

O arcônida caminhou lentamente para o automático de café e encheu um caneco.— Para que, afinal, eu vim com vocês, a não ser para isso? — disse ele em tom

leve. Ele levou o caneco aos lábios e tomou um trago, cautelosamente. — Bom divertimento — e não se percam por aí.

Perry quis retrucar alguma coisa, mas logo desistiu e pegou a mão de Gucky. Ovaron segurou a outra, depois de também ter fechado o seu capacete de pressão.

O rato-castor virou-se para o professor Tajiri Kase, sorriu-lhe e perguntou:— Por que é que você não pergunta se não queremos dar uma olhada, para ver se

encontramos casinhas de lesmas rosqueadas para a esquerda...?Kase repuxou a cara, como se sentisse repentina dor de dentes.Gucky riu, divertido, e desapareceu. Rhodan e Ovaron com ele.

* * *

Eles materializaram em cima de uma rocha segura, perto da avalancha de pedregulho. À luz refletida de Saturno, que se erguia gigantesco, no horizonte, os quatro robôs e Ras Tschubai podiam ser vistos claramente.

Feixes de raios finos, meio esverdeados, eram atirados dos robôs diretamente para dentro da avalancha, transformando em gases, camadas após camadas. As máquinas de combate trabalhavam rápida e ininterruptamente.

Tschubai descobriu os recém-chegados e veio até eles. No seu visor de capacete espelhava-se uma parte do sistema de anéis de Saturno, como um pálido dedo fantasmagórico.

— Querem dar uma olhada? — perguntou ele pelo telecomunicador de capacete.— Um pouco mais na direção do depósito — respondeu Rhodan. — Mas não mais

perto que o pé dos Montes Akalos. Por favor, leve Ovaron.— Com prazer, sir — disse Ras, e pegou a mão de Ovaron, metida na luva do traje

espacial. — Gucky, eu sugiro que antes de mais nada, teleportemos para o topo daquele monte ali... — ele apontou com a mão livre para o topo de uma montanha baixa próxima — ...e dali nos orientamos.

— Entendido, Ras — disse Gucky. E logo ele já se encontrava com Rhodan no topo do monte indicado. Logo em seguida rematerializaram Tschubai e Ovaron.

— Você disse alguma coisa, baixinho? — perguntou Ras.— Eu disse “entendido, Ras”. Você devia limpar melhor os ouvidos, ou então

procurar um médico otorrino.Tschubai suspirou, resignado. Contra a conversa mole de Gucky não era possível

lutar.— Vamos teleportar para este declive levemente ascendente à sombra de uma

parede rochosa — declarou Rhodan e apontou na direção norte. O lugar indicado ficava a uns oito quilômetros de distância.— Por que tão perto? — perguntou Gucky. Quando não recebeu resposta, ele concentrou-se rapidamente e saltou.

Page 34: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Perry Rhodan sentiu o leve puxar da rematerialização. Ao mesmo tempo sentiu como as pernas lhe falhavam. Ele caiu de costas e escorregou em alta velocidade por um declive. No seu receptor de capacete ele ouviu o rato-castor praguejando.

“Gelo!”, pensou ele. “Nós materializamos em cima de um paredão de gelo!”Ele foi girado violentamente quando a sua mochila de instrumentos bateu numa

saliência. Há cerca de duzentos metros mais adiante, Rhodan viu um grupo de rochedos alcantilados. Ele levou a mão para o comando por aparelhos, mas lembrou-se rapidamente e puxou a mão de volta. Ele continuava girando, e um impulso do propulsor poderia atirá-lo mais depressa contra os rochedos.

— Gucky!Perry sentiu alguém agarrando o seu braço, depois ele se viu sentado abaixo do

talude gelado, em cima de um bloco de pedra. Perto deles o rato-castor estava agachado, olhando fixamente para a superfície gelada, pela qual vinham deslizando duas figuras em trajes espaciais: Ovaron e Tschubai.

O teleportador continuava saltando para conseguir contato com Ovaron, mas de cada vez perdia o cappin.

No instante seguinte, Ovaron subiu como um velho aparelho a jato.— Salte sozinho! — gritou Gucky pelo rádio de capacete. Tschubai rematerializou perto de Rhodan. Segundos mais tarde o cappin começou o

pouso, baixando suavemente junto do rato-castor.— Muito obrigado, Gucky — disse ele. A sua voz parecia um tanto arrastada.— Não precisa agradecer — retrucou o ilt. — Mas eu preciso dizer uma coisa ao

meu chefe! Perry, da próxima vez você olha muito bem, antes de nos dar um objetivo para um salto de teleportação!

— O talude estava na sombra, baixinho — desculpou-se Rhodan. — O que é isso, afinal de contas? Água congelada ou gelo seco?

— Gelo seco — declarou Ras Tschubai.— Como sabe disso, Ras? — perguntou o Administrador-Geral.O teleportador estendeu a mão. Na sua palma havia um pouco de gelo. Os homens e

Gucky puderam ver como dentro de minutos o mesmo evaporou sem deixar traços. Água congelada teria derretido em cima da palma quente da mão.

— A atmosfera portanto também deve conter dióxido de carbono — achou Rhodan. — Mas só em proporções diminutas. Eu suponho que o gelo seco somente evapora em quantidades mensuráveis, quando a radiação de Saturno faz subir a temperatura da atmosfera. Logo que a temperatura cair novamente, o CO2 cai como gelo de ácido carbônico.

Ovaron pigarreou.— Parece até que esta expedição serve apenas a interesses científicos, Perry.— É que este não é o modo terrano de enfrentarmos as coisas — respondeu

Rhodan. — A nós interessam, em primeira linha, reconhecimentos e coerências científicas. É a única coisa constante no Universo. As lutas contra algum adversário, ao contrário, são exercícios do dever, aos quais nos submetemos apenas para fins de autoconservação.

— Eu compreendo — retrucou o cappin. — Mas agora acho que devíamos voltar novamente para o exercício do dever. Eu sugiro que os teleportadores nos levem aos pés do Monte Akalos, para que possamos dar uma olhada por lá.

Page 35: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Concordo — disse Perry Rhodan. — Gucky, Ras! Os dois teleportadores seguraram novamente as mãos dos seus acompanhantes e saltaram. Sem que tivessem combinado a coisa entre si, rematerializaram a cem metros de altura, ao pé dos Montes Akalos, orientando-se durante a queda e teleportando num salto breve para chão seguro.

Perry Rhodan soltou a mão de Gucky e olhou em volta. A terra estava metida no brilho pálido, fantasmagórico, de Saturno e era de uma beleza fria, ameaçadora.

Nos cumes agudos dos montes, parecendo roídos, viam-se dependuradas nuvens de cristal, quase invisíveis, semelhantes a sílfides. Campos de gelo seco refletiam a luz de Saturno, e por cima delas havia um constante chamejar, com raios e cintilações, provocados pela atmosfera de metano-hidrogênio, que condensava por cima do frio da evaporação dos campos de gelo seco.

De repente, uma avalancha de pedregulhos deslizou rapidamente para o vale, com o eco só conseguindo propagar-se muito mal naquela atmosfera fina.

Perry olhou para o lado ao notar um movimento de Tschubai. Ras estava com uma pequena câmera cósmico-eletrônica nas mãos, filmando a paisagem de Titã.

Ele sorriu.“Nós terranos ainda não desaprendemos a admiração”, pensou ele, “o espanto

quase religioso com a magia da natureza. Isto aqui é apenas a superfície de uma lua no Sistema Solar, mesmo assim, a sua beleza nos cativa, como se estivéssemos diante de uma galáxia estranha.”

Somente a muito custo ele conseguiu livrar-se destes pensamentos, voltando-se novamente a problemas práticos.

Ele observou a saída de um desfiladeiro fundo, meio atulhado pela avalancha. O mesmo parecia levar diretamente para o coração dos Montes Akalos. Parecia-lhe que aquilo era um bom caminho para a marcha de aproximação.

Rhodan chamou a atenção do cappin para o mesmo.— Eu tive a mesma ideia, Perry — disse Ovaron. — Infelizmente eu não sei se este

desfiladeiro mantém, mais ou menos, a sua direção. Quando da minha primeira chegada e visitas mais tarde, eu não explorei Titã mais demoradamente. Como é que eu poderia saber que mais tarde poderia precisar de conhecimentos de terreno?

— Um terrano teria dado uma olhada! — respondeu Rhodan.— Entrementes eu mesmo notei que o senhor sempre age de modo muito metódico

— respondeu Ovaron. — Há poucos dias atrás, eu ainda pensaria que isso era pedanteria. Portanto vamos segurar este desfiladeiro como caminho para a marcha de aproximação, Perry. Quanto mais tarde nós penetrarmos nas montanhas, melhor eu poderei me orientar depois. O desfiladeiro do “saca-rolhas”, de qualquer modo, é difícil de não ser notado.

— Desfiladeiro do “saca-rolhas”? — perguntou o Administrador-Geral.— Acabei de denominá-lo assim, agora mesmo, Perry. Lentamente começo a pensar

como um terrano.— Isso acontece com todo mundo que entra em contato maior com estes sujeitos de

pernas cabeludas e sentimentais da Terra — sibilou Gucky. — Mas não seria conveniente nós nos aproximarmos um pouco mais do seu desfiladeiro abridor-de-garrafas?

— Não, acho melhor que não. — Ovaron tinha dúvidas. — Eu não gostaria de tornar o cérebro de comando do meu depósito desconfiado cedo demais.

— Hum... — concordou Perry Rhodan, pensativo. — Portanto vamos saltar de volta.

Logo depois eles materializaram perto de “sua” avalancha de pedras. Os robôs já tinham conseguido progressos. Uma parte da cúpula do deformador sobressaía do monte

Page 36: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

de pedregulho. As quatro pessoas puderam observar como pedaço a pedaço do seu aparelho do tempo era liberado.

— Levem-nos para o deformador de tempo-zero! — ordenou Rhodan. — Eu acho que podemos preparar a descida dos blindados.

— Pra que a pressa, Perry? — o cappin abafou o seu entusiasmo. — Nós ainda temos tempo bastante.

O Administrador-Geral não lhe deu resposta.Quando eles rematerializaram novamente na central de campo-zero, encontraram a

tripulação metida numa violenta discussão. Com um só olhar Perry Rhodan viu que Tajiri Kase era o objeto da briga desencadeada. O Matelógico estava parado, de cabeça baixa, aceitando passivamente as invectivas do Professor Bhang Paczek.

— Que bom que veio, sir! — disse o magro calculador de hiperestruturas, quando Rhodan surgiu. — Este colecionador de lesmas nos passou a perna em todos. Perry Rhodan olhou-o sem entender.

— Anton está a bordo — explicou Atlan, com o rosto impassível.Os outros queriam falar, todos ao mesmo tempo, com Rhodan. Porém ele ordenou--

lhes que se calassem.— É apenas uma afirmação — disse ele para Atlan. — Eu não vejo o taimonense.— Esse bicho comeu os meus cigarros! — gritou Bhang Paczek. — Deixou só umas

baganinhas.Ele foi até um console de comutações, pegou um cartão e mostrou-o ao

Administrador-Geral.Rhodan viu restos de tabaco, papel de cigarros despedaçados e maços de cigarros

roídos.— Além disso, Anton esgueirou-se para dentro da farmácia de bordo, e comeu um

pacote de vinte unidades de estimulantes-ara, altamente potentes e valiosos — disse o Dr. Multer Prest. — Se não encontrarmos o animal dentro dos próximos cinco minutos, para submetê-lo a um tratamento, ele morre.

— Assim espero! — gritou Paczek.— Fique quieto! — gritou-lhe Kase, furioso. — Como é que pode desejar a morte a

um outro ser vivente?— Professor Kase! — disse Rhodan, severo. — O senhor deveria ter deixado Anton

aos cuidados de um membro da tripulação da corveta...!— E foi o que eu fiz, sir! — defendeu-se o ertrusiano. Rhodan olhou

interrogativamente para o seu amigo arcônida.Atlan anuiu.— Eu mesmo estive presente quanto Anton foi entregue ao Dr. Granich. O

Professor Kase não teve nenhuma oportunidade de voltar novamente para ir buscar Anton. O bicho deve ter escapado de Cranich e se esgueirou secretamente a bordo do deformador.

O Administrador-Geral estava furioso.Nesta expedição no tempo tinha transcorrido tudo muito bem, com exceção do

pequeno incidente com a avalancha de pedregulho, e agora este pequeno cruzamento entre pato e minissáurio provocava a maior confusão.

— Procurem o animal! — disse ele, chateado. — Todos! Cascal, o senhor entrementes criará uma gaiola a prova de evasão. Nesta situação tensa, nós não podemos nos dar ao luxo de mais sobrecargas ao nosso sistema nervoso.

Page 37: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Ele sentou-se numa poltrona e ficou olhando, distraidamente, para todas as telas da galeria panorâmica, enquanto um depois do outro deixava a central de campo-zero. O incidente com Anton foi rapidamente esquecido. Ele tinha um problema real. O mesmo tinha a ver com a necessidade de arranjar alguns gramas de sextagônio de produção cappin, e levá-los de volta ao tempo atual, sem contrariar os interesses de Ovaron.

Depois de muito pensar, Rhodan respirou aliviado. Ele acreditava ter encontrado a solução. Feio intercomunicador ele pediu que Ovaron viesse à central de campo-zero o mais depressa possível.

* * *

O cappin entrou. Ele estava um pouco sem ar.— Eu capturei Anton, Perry — informou ele. — O taimonense estava acocorado

embaixo dos polos de sobrecarga do reator três e estava tão fortemente carregado que era impossível tocá-lo com as mãos nuas.

À menção do animal, Rhodan tinha repuxado a cara, irritado.— O senhor fala como se Anton ainda vive, Ovaron?— E como vive! — Ovaron riu, depois sacudiu a cabeça. — Ele deve ter um

metabolismo absolutamente estranho, pois sentia-se evidentemente muito bem sob os polos de descarga. Além disso, ele cresceu muito. Ele tem quase trinta centímetros de comprimento e vinte centímetros de altura. Provavelmente um efeito do estimulante-ara.

— Ora, eu me alegro muito com isso — retrucou Rhodan, sarcástico. — Ele acabará ficando tão grande que não caberá mais dentro do deformador. Antes disso, ele comerá todos nós. O que fez com ele?

— O Coronel Cascal meteu-o na sua gaiola. Entrementes ele está construindo uma gaiola nova, maior.

Ovaron olhou o Administrador-Geral, com atenção.— Sobre o que queria falar comigo, Perry?— Por favor, sente-se — pediu Rhodan. — Trata-se do seu transmissor de código.

Conforme o senhor disse, a cada uma de suas visitas o senhor recebeu sinal de entrada, sem problemas.

— Correto. O cérebro de comando conhece o código de identificação.— Ele já o conhece agora? Ovaron estacou.— O senhor quer dizer hoje, oito dias antes da minha chegada?— Exatamente.— Eu não sei, Perry.— Mas seria provável, não é verdade?— O que está querendo dizer, Perry? Rhodan olhou-o francamente no rosto.— Eu gostaria de evitar um risco, Ovaron. Vamos chamá-lo de Ovaron I e o homem

que dentro de oito dias deve chegar em Titã, Ovaron II. Ovaron I nos conhece e confia em nós, ou...?

— Isso o senhor já sabe, Perry.— Está bem. Mas Ovaron II não nos conhece. Ele nem pode confiar em nós. Eu

tenho certeza de que o senhor poderá levá-lo a nos dar um pouco de sextagônio. Talvez ele ache que tudo é uma fraude e ordene ao seu cérebro de comando a não deixar que nos aproximemos do depósito.

Page 38: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Eu compreendo. O senhor quer evitar um risco, e para isto está preparado a correr outro risco. Para falar francamente, eu acho isso perigoso. Além disso, é uma coisa que vai contra nossa combinação.

— Eu não posso pensar na minha segurança pessoal — declarou Perry Rhodan, tranquilo. — A existência da Humanidade Solar depende de conseguirmos alguns gramas de sextagônio da produção do seu povo, Ovaron. Para o senhor o risco é maior em confiar na boa vontade de Ovaron II, do que penetrar no depósito, antes de sua chegada. O cérebro de comando ou já conhece o código agora e nos deixa entrar, ou não conhece o código ainda e não nos deixa entrar. Eu pessoalmente acho que o cérebro recebeu os seus dados de impulsos logo depois da terminação do depósito.

— Por que então ainda me pergunta? — retrucou Ovaron, zombeteiro. — Pode tranquilamente quebrar nossa combinação. De minha parte eu cumpri a minha parte — ele soava amargo.

Rhodan apertou os lábios.— Eu sugiro um compromisso. O senhor nos conduz amanhã para o seu depósito.

Isto não é contra a nossa combinação, pois temos que estar ali, de qualquer maneira, antes da chegada de Ovaron II, para poder observá-lo. Todo o resto nós discutiremos no local.

Depois de rápida reflexão, Ovaron concordou.— Aceito, Perry. — Ele sorriu. — O senhor naturalmente quer tentar me fazer

mudar de opinião durante a viagem. Este é um direito seu. Mas também é direito meu não mudar minha opinião.

— Vamos ver — disse Rhodan, desviando-se do assunto. Duas horas depois o deformador de tempo-zero tinha sido libertado. Entrementes

tinha começado o dia 16 de junho 200.000 antes do tempo atual. Este lado de Titã estava novamente em quase completa escuridão, pois estava afastado de Saturno, e o grande planeta, além disso, encontrava-se entre Titã e o Sol.

A temperatura externa tinha caído para 180 graus centígrados abaixo de zero. No hangar dos blindados do deformador estavam terminando os preparativos para a partida. Icho Tolot e o robô Paladino estavam parados, imóveis, em cima do monte de cascalho. Eles deviam funcionar como tropa avançada e cobertura de retaguarda. Como o halutense era o mais difícil de ser rastreado, ele devia sondar o terreno, como patrulha avançada.

Com exceção de Tolot e dos Thunderbolts, Toronar Kasom, Ovaron e Marceile, bem como Takvorian, deveriam viajar também. Além deles, Alaska Saedelaere, Lorde Zwiebus e o Professor Bhang Paczek. Os três mutantes naturalmente tomavam parte também no avanço.

Perry Rhodan e Atlan vigiavam a ocupação dos blindados. O blindado um devia ser pilotado por Toronar Kasom. A sua tripulação era constituída por Perry Rhodan, os dois cappins, Takvorian e Gucky. As cinco pessoas restantes embarcaram no blindado dois.

— Lentamente isso me está cansando — murmurou o arcônida. — Sempre só ficar para trás, como comandante do deformador. Esta tarefa poderia muito bem ser preenchida por um outro homem.

— Não tão bem quanto por você — retrucou Perry Rhodan, baixinho. — Você possui a maior experiência, tem o maior sangue-frio e age de forma mais racional que qualquer outro homem.

— Isso, na realidade, torna-me apropriado para a chefia da expedição, Perry. Por que é que você, por uma vez, não fica para trás?

— Porque eu ainda tenho muita coisa que discutir com Ovaron.Atlan o olhou, interrogativamente.

Page 39: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Você não quer convencê-lo de fazer alguma coisa imprudente, Perry! Eu conheço você. Bem lá no fundo, você continua sendo o bárbaro curioso sedento por aventuras, de antigamente.

O Administrador-Geral riu.— Eu mesmo conheço o meu psicodrama, amigo. — A sua voz tornou-se dura. —

Ficamos nisso. Você assume o comando do deformador de tempo-zero e eu comando os blindados, levando-os ao depósito de Ovaron.

O arcônida resignou-se.— Como você quiser. Eu me submeti às suas ordens e tenho que aguentar as

consequências. Mas eu o previno. Não aja levianamente, Perry!— Ora, você me conhece, Atlan.— Por isso mesmo!O Lorde-Almirante virou-se bruscamente e deixou o hangar.— O ex-imperador está azedo, chefe? — perguntou Gucky, diante da eclusa do

primeiro blindado.Na testa de Rhodan apareceu uma veia saliente.— Não fale de Atlan, com este modo desrespeitoso! Ele é um sujeito maravilhoso e

um amigo confiável.Gucky bancou o ofendido.— E ele constantemente fica choramingando à sua volta.— Atlan não choraminga, ele apenas diz francamente o que pensa, e quase sempre

por consciência do dever e por amizade. Um verdadeiro amigo nunca é um amigo cômodo, baixinho.

— Não me diga...! Neste caso, eu não entendo por que você, ainda há pouco, fez uma cara tão feia, Perry.

Rhodan olhou Gucky, fixamente. O rato-castor apresentou-lhe a cara mais inocente — parecia um bebê recém-nascido.

— Seu danadinho! — disse Rhodan. — Mais uma vez bancou o psicólogo, porque notou que eu estava irritado.

— A gente pode ficar irritada com um amigo? — perguntou Gucky, com dupla intenção.

— Mas é claro!— Ah! E como você, ainda há pouco, irritou-se comigo, eu contínuo sendo seu

amigo — verificou Gucky, com irrefutável lógica de rato-castor.Ele despareceu no blindado, antes que Rhodan pudesse encontrar alguma coisa para

atirar-lhe na cabeça.Segundos mais tarde Ovaron, Marceile e Takvorian entraram no hangar. O mutante

equino usava o seu traje espacial transparente, que tinha sido confeccionado na Terra para ele. A mochila de instrumentos tinha sido dividida e estava dependurada à direita e à esquerda das costas de Takvorian. As ligações e comutações da mesma, bem como duas armas energéticas, encontravam-se debaixo da máscara de cabeça de cavalo e podiam ser manejadas pelo corpo superior do centauro.

— E então, como é que eu estou? — perguntou Takvorian, pateando com as ferraduras externas no troplon blindado.

— Como um cavalo em traje espacial — rebateu Rhodan prontamente.Marceile divertia-se regiamente.— Vamos embarcar — disse o Administrador-Geral. — Eu gostaria de partir dentro

de cinco minutos.

Page 40: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Toronar Kasom já tinha tomado o seu lugar no console de pilotagem.— Uma coisa fina, esse utilitário blindado — disse ele, reconhecidamente, e

passando a mão carinhosamente pelos controles. — No Império Dabrifa ainda estão usando os mesmos modelos que há mil anos atrás. Estes blindados aqui não só têm uma aparência totalmente diferente, mas também foram melhorados em todos os aspectos.

— É que nós somos progressistas, Coronel! — declarou o Administrador-Geral. Nos seus pensamentos, entretanto, ele já estava no depósito secreto de Ovaron.

Depois que a tripulação de ambos os blindados tinha embarcado, Rhodan deu ordem de partida. A eclusa interna foi fechada. Bombas sugaram o ar do hangar da eclusa, depois a eclusa exterior deslizou para o lado.

Com um ruído suspirante a fina atmosfera de Titã atirou-se para dentro. Entrementes também poderia se detectar traços de amônia nela.

* * *

O zunido dos reatores de propulsão e dos motores elétricos provocava sonolência.Os dois blindados subiram uma ladeira. As largas esteiras rolantes mofam o gelo

seco e atiravam nuvens brancas para trás, que na fina atmosfera caíam novamente para o chão, com intrigante velocidade.

Do recinto de carga ouviam-se as vozes de Marceile, Gucky e de Takvorian, na cúpula de pilotagem. Junto do enorme cadeirão de Kasom, somente havia lugar ainda para uma poltrona normal e uma de emergência. Ovaron utilizava a cadeira de emergência e olhava para fora, preocupado.

Perry Rhodan olhava fascinado o sistema de anéis de Saturno. Distraidamente colocou um pedaço de dextropur na boca, para manter-se em boas condições. O sol estava aproximadamente há nove unidades astronômicas de distância de Saturno, ou seja, nove vezes mais longe que a

Terra. Mesmo assim, a matéria dos anéis brilhava e cintilava tão claramente que os olhos ficavam doídos quando se olhava por tempo demasiado para eles.

O próprio Saturno entrementes tomava todo o céu ao sul de Titã, estendendo-se ainda, a leste e oeste muito para além da lua. A visão, de uma tal proximidade, tinha algo de amedrontador.

Uma pequena sombra circular passava por cima das listras, parecendo congeladas, de Saturno. No primeiro momento, Perry achou que se tratava da sombra de Titã, mas logo notou que aquela imagem se movimentava no sentido contrário à órbita de Titã. Portanto poderia tratar-se apenas da sombra de Phoebe, de órbita contrária — e que girava em volta do planeta muito mais para fora — mais ou menos dez vezes a distância de Titã.

Um espetáculo estranho, de roubar a respiração.No tempo atual, ou seja, a mais de 200.000 anos mais tarde, a densa atmosfera e os

sóis artificiais somente permitiam uma observação semelhante a cada setecentos e três anos.

Page 41: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O blindado escorregou para a esquerda, e as máquinas propulsoras trovejaram para colocar o veículo novamente no curso certo. No console de controle, uma luz de advertência amarela piscava.

— As correntes estão cobertas de gelo! — avisou o ertrusiano, sem poder compreender. Ele parou abruptamente, tentou nova partida e estacou novamente. Lentamente a popa do blindado virou-se.

— Continue, Kasom! — veio a voz de Tschubai, pelo receptor do telecomunicador.Porém o veículo não queria mais obedecer ao Coronel. Praticamente não conseguia

sair do lugar. Lá fora uma grande nuvem de cristais de gelo veio rodopiando, depois a proa do blindado dois bateu suavemente contra o flanco do número um.

Toronar Kasom confirmou a ancoragem. Dos elos das correntes estenderam-se fortes ferrões de terconite, enterrando-se no solo de gelo seco.

— Vou ter que dar uma olhada nisso, do lado de fora, sir. — disse Kasom. Ele desligou a propulsão e saiu abaixado da sua poltrona. Ovaron teve que entrar no

recinto de carga, para deixar o ertrusiano sair.Do outro blindado desceu, ao mesmo tempo, Ras Tschubai. Os dois homens

examinaram as esteiras rolantes, gesticularam fortemente e depois voltaram para os seus blindados.

— E então...? — perguntou Rhodan, bastante tenso.— O gelo seco meteu-se, como cimento-armado, por entre os elos das correntes —

relatou o ertrusiano. — De futuro devíamos evitar superfícies geladas.— Eu tenho uma sugestão melhor — interveio o cappin.— Neste tempo, o cosmo somente é vigiado nas proximidades da Terra, Perry.

Portanto poderíamos tranquilamente fazer uso dos propulsores de impulso e as máquinas antigravitacionais, sem que os cappins que vivem na Terra notem alguma coisa.

Perry ficou pensando na sugestão. Mas depois de curta reflexão, ele a recusou.— É perigoso demais, Ovaron. Eu conheço a técnica do seu povo. Um rastreamento

por acaso não pode ser descartado totalmente. Nós vamos continuar nosso caminho usando as esteiras rolantes.

Como o telecomunicador estava ligado, ainda que somente a curta distância, Tschubai também pudera escutar. Por isso não era necessária uma ordem especial.

Toronar ligou novamente a propulsão, mas apenas usou o piloto de impulsos exclusivamente para manter o blindado na direção da rota. As correntes escorregavam mais fortemente que antes. Escorregando e saltando, o blindado correu para a borda do campo gelado, passando por cima de saliências do solo, para finalmente obedecer novamente.

Em cima das rochas ásperas o gelo lentamente se desprendia das correntes. A marcha, entretanto, continuava bastante difícil, uma vez que agora tinham que evitar todos os espaços gelados.

Perry Rhodan não se importou com isso. Não tinha importância se eles chegassem uma ou duas horas depois do planejado, diante do depósito secreto. O problema “Ovaron II”, entretanto o preocupava cada vez mais, quanto mais pensava nisso.

Se o cappin recusasse fornecer o sextagônio aos terranos dentro de sete dias, isso significaria o desaparecimento da Humanidade Solar. O plano de evacuação naturalmente garantia a vida, porém um futuro sem a Terra e os outros planetas solares, o Administrador-Geral não conseguia imaginar. A Humanidade sofreria, sobretudo, pesados danos psíquicos, pela perda do seu planeta de origem.

Page 42: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Saturno, por poucos instantes, desviou a sua atenção destes problemas. Titã estava agora posicionado de tal modo que dos blindados não se podia mais ver o espaço. Todo o céu era tomado inteiramente por Saturno. Parecia que a superfície lunar estriada se curvava. Os anéis somente eram vistos como um traço fino, que no meio era quase preto, clareando lentamente para as extremidades.

— Uma visão impressionante — disse Ovaron. — Parece até que o céu é um gigantesco mar de chamas.

Toronar Kasom ligou o telecomunicador para receptividade máxima e desregulou a ajustagem. Dos alto-falantes saiu um rugido oco, que vinha em ondas crescentes e decrescentes — a radiação de Saturno.

— Música do caldeirão das bruxas — observou o ertrusiano.Perry Rhodan anuiu. O seu rosto, à luz de Saturno, parecia pálido e tenso. Em volta

dos olhos havia sombras escuras.O Coronel Kasom ligou o telecomunicador novamente ajustado e concentrou-se na

pilotagem do blindado. A leste apareceu uma listra foiciforme na escuridão. Saturno tinha ultrapassado o zênite.

O Administrador-Geral olhou para os Montes Akalos. Eles estavam a uma distância máxima de doze quilômetros do seu pé. A luz de Saturno não admitia nenhuma sombra, ela era onipresente. As formas bizarras dos montes muito íngremes pareciam pouco naturais. Elas pareciam irradiar frio. Na Terra as montanhas tinham um aspecto bem diferente, eram aconchegantes, tranquilizantes, sedutoras.

Quando os blindados alcançaram o pé da montanha, havia novamente luz e sombra em Titã. De Saturno via-se ainda somente um terço. Logo o Sol devia surgir.

Kasom mais parecia uma estátua de bronze. Ele estava sentado, imóvel, e somente suas mãos se mexiam de vez em quando, para corrigir a rota ou a velocidade. O desfiladeiro, que Rhodan e Ovaron tinham investigado junto com os teleportadores, foi alcançado. Irresistivelmente os utilitários blindados continuaram o seu caminho, em volta de obstáculos, subindo por ladeiras de pedregulhos e evitando os campos de gelo seco, brilhantes.

As sombras espalhavam-se cada vez mais fortes, enchendo o desfiladeiro em sua maior parte e suavizando os cantos abruptos das rochas. Com um jogo de cores fantástico, Saturno desceu no horizonte.

Poucos minutos mais tarde, uma estrela brilhando muito clara apareceu — o Sol. Perry Rhodan ligou os filtros da cúpula e viu que o Sol visto de Titã não era maior que a unha de um polegar. Sem filtro, aliás, ele apenas podia ser visto como uma estrela excepcionalmente clara. Ele não possuía força suficiente para esquentar a atmosfera da lua de Saturno. Ao contrário, a temperatura baixou em alguns graus. O reflexo de Saturno tinha sido mais forte que os raios diretos do Sol.

— Pare, por favor, Coronel Kasom! — disse Ovaron, de repente.O ertrusiano olhou interrogativamente para Rhodan, que lhe deu um sinal de

conformidade.— Parar! — disse Kasom para Tschubai, andando mais alguns metros e depois

acionando o freio eletrônico.O blindado diminuiu a velocidade, depois parou.— Eu reconheço aquela saliência, lá do outro lado — disse o cappin e apontou para

uma plataforma natural, que se projetava a cerca de cem metros mais adiante, de uma curva fechada junto ao paredão direito do desfiladeiro. Ela parecia um púlpito.

Page 43: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Provavelmente eu vi a saliência do desfiladeiro do “saca-rolhas” — continuou Ovaron. — Portanto devemos estar bem próximos.

Ele parecia extremamente nervoso. A risada abafada fazia parte.— Curioso que eu me lembre de alguma coisa que somente vou ver dentro de sete

dias. É uma loucura, não é?Rhodan anuiu.— É melhor não pensar demais nisso, Ovaron. O senhor viajou, se posso me

expressar como acima, “por baixo” de um campo do passado. Só isso, já representa um paradoxo de tempo. Mas isso nós já sabíamos, antes de iniciarmos esta viagem no tempo. Portanto, não devemos nos espantar! Afinal de contas, estamos vivenciando apenas um fenômeno natural.

— Vocês terranos não se importam muito com coisas desse tipo! — disse Marceile, do recinto de carga. — Como pode ser natural uma coisa provocada artificialmente?

Kasom riu.— Com isto, está tocando num antigo problema: O que ainda é natural e o que já é

artificial? Onde fica o limite? Sabe, Miss Marceile, eu sou de opinião que tudo que foi executado por seres viventes naturalmente surgidos, também é natural.

— Como? O senhor afirma que um paradoxo do tempo também é natural?— Mas é claro! Ele não se opõe às leis de natureza existentes, caso contrário nem

seria possível. Nós não perturbamos a harmonia da natureza, mas apenas aproveitamos as suas possibilidades.

— Sim, mais ou menos assim, eu também me teria expressado sobre isto... — concordou o Administrador-Geral.

O rosto de Ovaron demonstrava que o cappin acabara de passar por uma psicocrise. Ela foi superada, mas certamente não seria a única.

— Vamos continuar! — decidiu ele. — Ovaron, logo que veja a entrada do desfiladeiro do “saca-rolhas”, faça um sinal para o Coronel Kasom.

Os blindados reiniciaram sua viagem. Na Terra teria sido possível ouvir-se o trovejar de suas correntes por cima das pedras. Na fina atmosfera de Titã, os microfones externos transmitiam apenas um leve crepitar.

Junto da saliência das rochas o desfiladeiro fazia uma curva fechada para a esquerda e se alargava. A uma distância de no máximo dez metros, Perry Rhodan descobriu uma brecha escura no paredão íngreme da direita.

No instante seguinte, o cappin mandou parar.— Chegamos! — declarou ele, com uma leve vibração na voz. — Aquela é a

entrada para o desfiladeiro do “saca-rolhas”!

Page 44: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

4

— Espero que Tolot não tenha passado por ela — disse Kasom, preocupado. — Eu não o estou vendo.

Perry Rhodan sorriu, divertido.— O halutense não passaria por ela. Antes disso, Titã cairia sobre Saturno! Eu

suponho que ele já se adiantou um pouco.Ele voltou-se e anuiu satisfeito, quando viu o robô Paladino parado, imóvel, abaixo

da saliência da rocha. Não-iniciados, aliás, jamais o teriam tido por um robô. O revestimento biologicamente vivo e o traje de combate verde faziam o Paladino parecer- -se com um halutense, com seu formidável capacete de cúpula — mesmo para Halut, uma criatura gigantesca.

Os siganeses no imenso robô certamente tinham notado que o Administrador-Geral estava olhando para eles. O Paladino ergueu ambos os braços de ação e levantou os polegares, demonstrativamente.

— Ah, lá vem ele! — gritou a voz de Toronar Kasom. A voz do ertrusiano ecoou de forma quase insuportável na cúpula de pilotagem.Rhodan olhou novamente para a frente.O halutense estava parado na entrada para o desfiladeiro do “saca-rolha” e acenava.

Depois saltou com um único pulo até o blindado um.— Eu entrei mais ou menos um quilômetro para dentro do desfiladeiro — avisou

ele pelo telecomunicador. — Está tudo calmo, não há nada de suspeito.— Nisto dificilmente se modificará alguma coisa — achou Ovaron. — Eu acho que

o cérebro de comando não reage a aproximação de estranhos. A não ser que alguém tente penetrar no depósito.

— Nem mesmo se a aproximação ocorre de maneira muito consequente? — perguntou Perry Rhodan.

Para isso o cappin não podia dar nenhuma resposta satisfatória.— Eu falei apenas que supunha alguma coisa, Perry. As minhas lembranças sobre a

programação do computador são muito vagas.— Isso eu não compreendo — retrucou o Administrador-Geral. — Eu pensei que a

sua memória funcionou de novo normalmente depois do seu “despertar” no depósito.— Avaliação de cérebro planejador, Rhodanos! — disse Tolot. — Parece lógico

que o cérebro de comando não tenha fornecido informações abrangentes sobre a sua programação, uma vez que tinha que contar com um aprisionamento e interrogatórios especiais de Ovaron pela organização criminosa dos cappins na Terra.

— Poderia ser assim — confirmou Ovaron. — De qualquer modo, eu aconselho a não provocarmos o cérebro desnecessariamente. Vamos procurar postos de observação para nós, acima do desfiladeiro.

Rhodan recusou a sugestão.— Não, Ovaron. Eu fiquei refletindo durante a viagem, e cheguei à conclusão de

que o nosso empreendimento, tal como foi planejado originalmente, é altamente questionável.

— Ou seja, novamente o velho argumento! — disse Ovaron, amargo.

Page 45: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Poderia se dizer isso. Mas eu passei tudo repetidamente pela minha cabeça. Não creia, por favor, Ovaron, que eu queria arriscar demais.

Ele respirou intensamente.— Uma sugestão que não contraria os seus interesses, Ovaron! Antes de mais nada,

vamos buscar o sextagônio vitalmente necessário do depósito, o levamos para o tempo atual terrano e em seguida imediatamente regressamos para cá, para esperar pela chegada de Ovaron II. Concorda?

O cappin ficou olhando o terrano longamente, antes de declarar, hesitante:— A sua sugestão é justa, Perry — para comigo. Eu poderia satisfazer-me com a

sua promessa de rapidamente trazer-me novamente para o passado. Mas eu também penso na Humanidade. Se o cérebro não me reconhecer, possivelmente nós não receberemos nem o sextagônio nem a chance de voltar para o seu tempo atual.

— Ele tem razão, chefe! — gritou Gucky. — Lembre-se do aviso de Atlan! Mesmo você não consegue fazer Roma num só dia.

— Poupe-me suas comparações descabidas! — disse Rhodan, com a voz rouca de agitação.

Ele limpou a testa coberta de suor. De golpe reconquistou novamente o seu equilíbrio psíquico. O seu rosto parecia cinzelado em pedra.

— Vamos tentá-lo. O blindado dois fica para trás na entrada do desfiladeiro, como cobertura e reserva. Em prontidão de combate, naturalmente. Em exatamente uma hora de agora, Ras ativa o escudo de proteção paratrônico.

“O blindado um atravessa lentamente o desfiladeiro. O Paladino, desta vez, devido a sua forte capacidade de luta, vai diante de nós e Tolot como segurança. Se nada acontecer, em no máximo dentro de uma hora, devemos nos encontrar diante do depósito secreto de Ovaron. De qualquer maneira, entretanto, vamos esperar um pouco mais de uma hora — a partir deste momento — antes de Ovaron ativar o seu gerador de código.

“Em caso de um ataque ao blindado um, nós recuaremos o mais depressa possível. O blindado dois vem cautelosamente ao nosso encontro, para dar-nos cobertura de fogo, em caso de necessidade. Está tudo claro?”

— Tudo claro, sir! — confirmou Tschubai, calmamente. Ele já participara de empreendimentos semelhantes tantas vezes, que nada mais poderia abalá-lo.

— Claro, sir! — trovejou a voz de Kasom. O ertrusiano mostrava uma cara radiante. Era a primeira vez que ele participava de

uma missão ao lado do Administrador-Geral. Toronar estava ansioso para demonstrar que valia tanto quanto o seu bisavô Melbar.

— Esperem um pouco! — gritou Marceile, do recinto de carga, para cima. — Takvorian pediu para poder abandonar o blindado. Daqui de baixo ele não pode intervir.

— Takvorian fica no blindado! — ordenou Ovaron, duramente. — Se somos atacados, ele estaria perdido naquele desfiladeiro apertado.

Ele colocou a mão no ombro de Rhodan.— O senhor permite que eu assuma os canhões de proa, Perry?— Eu ia justamente pedir-lhe isso.— Eu me encarrego dos canhões de intervalo na popa — declarou Marceile.As primeiras dúvidas de Rhodan se ela seria capaz de manipular os mesmos

rapidamente desapareceram. O sorriso franco de Marceile alcançou isso.— Está bem — disse Rhodan. — Mas ninguém atira sem a minha ordem expressa!

Page 46: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O Coronel Toronar Kasom deu partida, enquanto Ovaron e Marceile se dirigiam para os seus postos. Gucky subiu na cadeira de emergência que o cappin tinha ocupado até agora, e olhou atentamente para a frente.

O Paladino marchava adiante, com passadas ruidosas. Por baixo de suas botas, as rochas menores eram literalmente transformadas em pó. A cabeça semi-esférica girava constantemente para a esquerda e para a direita. As armas pesadas nas mãos gigantes estavam levantadas, prontas para fazer fogo.

Lentamente o blindado rolou atrás do robô gigante.O desfiladeiro realmente se contorcia como um “saca-rolhas”. Kasom tinha que

modificar o rumo da viagem a cada meio minuto. Estava escuro. Os paredões subiam quase verticalmente até uma altura de cerca de quinhentos metros, e a largura era de trezentos a quatrocentos metros.

Depois de poucos minutos, avalanchas de cascalho bloquearam a passagem. No meio havia blocos de rochas, em parte com uma altura de cinquenta metros e mais. O cascalho movimentou-se quando o Paladino passou por cima dele. O blindado, com suas máquinas uivando, trepou por cima do cascalho, escorregando nas pedras mal acomodadas, mas continuou incansavelmente. Em condições normais, Rhodan teria mandado fundir as pedras do monte de cascalho com tiros do canhão de impulsos da proa. Mas as condições não eram absolutamente normais.

De repente o Paladino parou, erguendo o braço armado direito, numa advertência.— Rastreamento de sensores de massa! — ouviu Perry pelo telecomunicador. —

Plástico, de composição desconhecida. Metal, cerca de dois quilogramas.Kasom imediatamente fez o blindado estacar.— O que pode ser isso? — perguntou Rhodan pelo intercomunicador. — Minas?— É muito improvável — retrucou Ovaron. — Minas são muito fáceis de descobrir

e revelam muita coisa a quem as encontra. Eu sugiro que o Paladino dê uma olhada.Rhodan anuiu, e ajeitou o microfone do telecomunicador.— General Dephin, por favor dê uma olhada. Mas com cuidado!— Sim, sir! — respondeu o siganês.O Paladino virou-se para a esquerda, marchou até bem perto do paredão rochoso e

atirou para longe, com um pontapé, uma rocha de cerca de cinquenta quilos.Seus braços de ação enterraram-se nos cascalhos, e trouxeram para fora uma caixa

retangular de cerca de cinquenta por cinquenta por trinta, feita de plástico verde- -acinzentado. Em dois lados opostos havia correias para o transporte.

— Fechadura simples de tramela — informou Harl Dephin e levantou o tampo.Logo em seguida ouviram a sua risada baixinha.— Onde fica o relatório, general? — Rhodan estava impaciente.A risada de Dephin estacou.— No meu lugar, o senhor teria reagido do mesmo modo, sir. A caixa contém latas

de conservas.— Elas têm alguma coisa escrita?— Momento, sir. Hum... eu não conheço essas comidas. Os rótulos estão na escrita

cappin.— Muito atenciosos — brincou Gucky. — O cérebro de comando, evidentemente

não quer que os prospectores morram de fome.— O cérebro de comando jamais faria uma coisa dessas. — disse Ovaron, confuso.

— Eu realmente não sei o que isso significa, Por favor leia o rótulo de uma dessas latas, General Dephin.

Page 47: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O siganês disse algumas palavras no idioma cappin, que naturalmente não se podia traduzir.

— Trata-se de um completo cardápio da Frota, Perry — declarou o navegador sextadim, cada vez mais confuso. — A caixa provavelmente pertenceu a alguma espaçonave do meu povo, que pousou em Titã. Esta falta de cuidado é incompreensível para mim.

— Avaliação de cérebro planejador, Rhodanos! — falou Tolot pelo telecomunicador. — O achado é sem significação para nós e certamente não é uma armadilha.

— Obrigado, Tolotos — retrucou o Administrador-Geral.— General, enterre a caixa novamente. Vamos prosseguir.— Uma coisa fantástica, um cérebro planejador como o dele — disse Ovaron do seu

posto de combate.Pelo telecomunicador ecoou a risada trovejante de Tolot.Meio minuto mais tarde a caixa estava novamente fechada corretamente e enterrada.

O Paladino marchou novamente mais profundamente para dentro do desfiladeiro.O solo lentamente subia. O terreno ficava cada vez mais intransitável. Cada vez

com mais frequência o blindado escorregava, com as correntes se enterrando no cascalho e jogando-o para o alto.

Toronar Kasom sabia como se ajudar. Ele pilotou o utilitário blindado para bem perto do paredão rochoso da direita, de modo que a corrente de estibordo se agarrou no paredão. O blindado agora estava inclinado em trinta graus para bombordo, mas não escorregava mais para trás.

A claridade, que veio de golpe, fez todo mundo estremecer. Porém era apenas o Sol que atingira o seu ponto mais alto e agora mandava a sua luz também para o fundo do desfiladeiro.

— Nervoso, chefe? — perguntou Gucky, preocupado. Rhodan anuiu.— A consciência está lhe doendo? — insistiu o ilt. — Deve ser difícil quando não

se tem certeza de haver tomado a decisão certa.— Neste caso, não existe uma decisão certa absoluta, baixinho — respondeu o

Administrador-Geral baixinho. — Apenas a escolha entre o risco menor e o maior.— Eu não sei. O nosso risco...— Não se trata absolutamente de nós — interrompeu-o Rhodan, rude. — Quando

falei de risco, isso tinha a ver apenas com a Humanidade Solar.— E por que, então,você está tão nervoso? — perguntou o rato-castor, manhoso.Perry Rhodan desistiu de uma resposta. Ele olhou ostensivamente para a frente.Neste instante, o Paladino desapareceu na curva seguinte, voltou inesperadamente e

fez um sinal com a mão às pessoas dentro do blindado, dando a entender que o objetivo da viagem se encontrava atrás da curva.

Rhodan olhou o seu cronógrafo de pulso. Desde a separação do blindado dois, tinham-se passado cinquenta e três minutos.

— Continue mais devagar, Kasom! — ordenou ele. Pelo telecomunicador, ele ordenou aos Thunderbolts para que esperassem com o

Paladino na última curva, assumindo posição ali, junto com o halutense.O blindado rolou sozinho pela curva — e as pessoas na cúpula de comando

repentinamente viram diante de si um paredão rochoso, levemente inclinado, liso e com pelo menos dois mil metros de altura.

Page 48: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Chegamos — avisou Ovaron, de sua posição de combate. A cúpula de artilharia da proa consistia de troplon blindado e também era transparente. — No meio do paredão rochoso há um portal de pedra de vinte metros de grossura com multiplex anti- -rastreamento.

— O que é isso, multiplex anti-rastreamento? — perguntou Perry Rhodan. O paredão rochoso ainda estava a uma distância de cerca de cem metros.— Trata-se de um instrumento, Perry — respondeu o cappin. A sua voz parecia

agitadíssima. — O paredão rochoso foi preparado subatomicamente e por isso simula a todos os sensores-analisadores uma grossura de três quilômetros. Até agora eu não me lembrava disso.

— Uma camuflagem perfeita — declarou o Administrador-Geral. Para ele ficou claro que, sem a ajuda de Ovaron, eles poderiam ficar ali por meses a

fio à procura do depósito secreto, sem encontrá-lo.— Pare, Kasom! — ordenou ele. — Ovaron!— Sim, Perry?— Irradie o impulso!

* * *

Quando o navegador sextadim não respondeu, Rhodan perguntou:— Por que hesita?— Porque formalmente consigo cheirar a calamidade, Perry.— Quem é que também cheira alguma coisa? — perguntou Perry zombeteiro, pelo

intercomunicador. — Vamos, levantem bem os seus narizes!— Será que não está levando esta coisa um pouco levemente demais? — perguntou

Marceile, numa censura.O Administrador-Geral riu, decidido.— Quero ser amaldiçoado se levo facilmente alguma coisa neste assunto, senhorita.

Mas não quero voltar daqui, sem ter conseguido alguma coisa, apenas devido a uma suposição. A senhorita nem imagina tudo que sou capaz de supor.

Toronar Kasom ria descontroladamente.— Não subestime, por favor, o potencial destrutivo do meu depósito, Perry! —

pediu Ovaron, com insistência. — Ele poderia liquidá-lo!— Eu sei, Ovaron — retrucou Rhodan, mais calmo. Porém os seus olhos ainda

brilhavam, duros. — Não me tenha como um fatalista. Eu farei de tudo para deixar este lugar com vida. Mas eu já me vi tantas vezes diante da morte, olho a olho, que não fico mais nervoso com isso.

O cappin fez uma última tentativa.— O senhor realmente não desiste de sua intenção?— Você ainda não conhece bem esse cabeça-dura, Ovaron — disse Gucky

baixinho. — Mesmo se você falasse com língua de anjo, não teria nenhuma sorte, navegador-sexo.

Marceile deu uma gargalhada. Rhodan deu outras ordens.— Kasom! Logo que Ovaron irradiar o seu impulso, o senhor ativa o escudo

defensivo paratrônico.Ele olhou para o relógio.A hora inteira tinha transcorrido há quatro minutos. O blindado dois entrementes

estaria sob a proteção do seu escudo de defesa paratrônico, praticamente indestrutível.Ele aumentou o alcance do telecomunicador.

Page 49: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— General Dephin! Tolotos! Garantir ainda a retaguarda. Jamais atirar para a frente. Em caso de emergência, recuar. Desligo!

Sem tirar os olhos do alto paredão rochoso, ele disse calmamente:— Permite-me agora pedir por um pequeno impulso, Alteza?Ovaron soltou uma praga enorme no idioma cappin, que graças a Deus ninguém

entendeu.— Está certo! — retrucou ele, duro. — Coronel Kasom, quando eu chamar agora,

ative imediatamente o escudo de defesa! Não hesite nem um décimo de segundo!— Entendido, sir! — avisou o ertrusiano. Ele colocou a sua esquerda levemente em

cima da placa de comutação da ativação do escudo paratrônico.Perry Rhodan registrou aquilo, sorrindo. Ele estava contente por ter trazido Toronar

Kasom consigo. Um ertrusiano reagia bem mais depressa que um homem. Ele podia confiar no bisneto de Melbar Kasom.

— Agora! — gritou Ovaron.Ele ainda não tinha pronunciado a palavra totalmente, e Toronar Kasom já apertava

a mão em cima da placa de comutação Uivando, os transformadores de energia começaram a funcionar. Os projetores envolveram o blindado num escudo defensivo paratrônico cor de chumbo, brilhante. Diminutas descargas passavam ininterruptamente por cima do invólucro do escudo, prova de que até mesmo as moléculas da atmosfera que tocavam o escudo eram desviadas para o hiperespaço. Diferentes das descargas comuns, aqui não havia relâmpagos, mas uma chuva ininterrupta de pontos negros, diminutos defeitos no continuum quadridimensional de espaço-tempo.

As pessoas no blindado olhavam fascinadas para o paredão rochoso quando, um atrás do outro, diversos pequenos abalos sacudiram o chão. Rhodan ativou as telas de vídeo do sistema de penetração paratrônica, simplesmente chamado de SIPEPA, que eliminava as influências parasitas, por meio de um sistema de compensação comandado por computador.

Logo o portal no rochedo devera abrir-se!O chamado de advertência de Ovaron fez com que ele olhasse para os paredões

laterais do desfiladeiro. Ali tinham surgido aberturas redondas e escuras, das quais sobressaíam objetos cilíndricos brilhando metálicos, com alças em forma de cúpula.

— Partida! — ordenou Rhodan.Os aparelhos de propulsão do blindado uivaram estridentemente. O veículo ergueu-

se aos trancos. A propulsão de impulso e a antigravitacional trabalhavam a um só tempo.E então raios energéticos ofuscantes partiram de todos os lados, batendo contra o

escudo protetor paratrônico, cujos transformadores de energia ficaram sobrecarregados ao máximo.

Em volta do blindado que subia rapidamente bramiam violentas descargas. O continuum quadridimensional de espaço-tempo rasgou, e o escudo defensivo paratrônico catapultou as energias que batiam no mesmo para dentro do negro ondear dos contornos do continuum.

Kasom, nestes segundos, parecia-se com um robô, que se ligava com a velocidade do raio, pilotando de rosto estarrecido.

— Não revidar o fogo! — ordenou o Administrador-Geral pelo intercomunicador e pelo telecomunicador.

Ovaron riu, irritado.— Logo o teremos conseguido, Perry — gritou o rato-castor.

Page 50: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O blindado só se encontrava ainda poucos metros abaixo do nível das bordas altas do desfiladeiro.

Porém não conseguiu passar disso.No paredão final agora também se abriram portais de artilharia. A tempestade

energética baixando sobre o blindado agora duplicou sua intensidade. As descargas do escudo paratrônico agora certamente podiam ser vistas até muito longe no espaço. Para os olhos humanos parecia que o veículo se encontrava na turbulenta atmosfera do Sol.

Com o impacto dos tiros seguintes, o escudo paratrônico ruiu sobre si mesmo. O escudo hiperenergético foi ativado. Mesmo assim, Toronar não conseguiu mais segurar o veículo. Ele rodopiou para baixo, uma bola de jogo quase sem forças de energias mortais. Uma salva do paredão rochoso em frente catapultou o blindado em diagonal, através do desfiladeiro, na direção do paredão do outro lado.

O ertrusiano conseguiu no último instante fazer girar a popa e a energia de impulso do propulsor principal ficou virada contra o rochedo.

O blindado voou velozmente para o outro lado. Devido a esta manobra a salva seguinte não o acertou. E então, repentinamente, os controles de marcha mostraram valores vermelhos.

— Estamos sendo seguros por campos de retenção, sir! — avisou Kasom. — Eu sugiro passarmos para a ofensiva.

Com uma calma sinistra, Perry Rhodan rejeitou a sugestão.— Uma ação defensiva somente levaria o cérebro de comando a reforçar a sua

intensidade de fogo.Ovaron riu, nervoso.— O que foi que eu lhe disse, seu maluco desgraçado! Está vendo, agora, no que se

meteu?O veículo rolou sobre bombordo, ergueu-se novamente na proa e foi novamente

catapultado para o alto. Por sorte, Kasom pudera erguer o escudo defensivo paratrônico novamente. O blindado entretanto encontrava-se dentro de uma teia invisível, indefeso contra o fogo concentrado dos canhões energéticos.

— Muito obrigado pelo elogio, Ovaron — disse Perry Rhodan. — O senhor sabe também que eu poderia transformar em pó o seu depósito, com um único tiro de canhão transformador?

— Tão louco nem mesmo um terrano pode ser! — retrucou o cappin, abalado.— Um maluco o faria — declarou Rhodan. Ele colocou a mão no antebraço de Kasom.— A toda a força adiante, Melbar! Faça de conta que vamos abalroar o portal na

rocha.Os olhos de Toronar brilharam. Somente então, Perry Rhodan compreendeu que

chamara o bisneto do seu amigo de Melbar.O ertrusiano ligou o propulsor de impulsos no ponto máximo. Com isso se arriscava

a que a energia ricocheteasse. Somente no espaço sem atmosfera devia ligar-se a força máxima.

O risco valeu a pena.O blindado superou os campos de retenção e atirou-se como uma granada sobre o

paredão final. O rato-castor não teve jeito, fechou os olhos.A manobra de interceptação era difícil, mesmo para um ertrusiano de reações

rápidas. Somente a poucos centímetros do paredão rochoso o movimento horizontal

Page 51: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

terminou. Com uma velocidade incrível, o veículo subiu bem junto do paredão para o alto.

Os fortes de defesa, nos paredões do desfiladeiro, emudeceram. Com o seu fogo, eles poderiam pôr em perigo o próprio depósito secreto. Dos canhões no paredão de dois mil metros de altura, somente de vez em quando vinha um tiro.

— Estão vendo! — disse o rato-castor, muito alegre. — Eu não disse logo que isso seria uma brincadeira de criança para os terranos!?

Ovaron emitiu sons de horror.— O que foi que eu fiz, para merecer isso! — disse ele, desesperado. — Uma

brincadeira de criança...!Gucky riu, divertido.— Logo a coisa vai ficar crítica novamente — avisou Toronar. — Não podemos

ficar eternamente diante do paredão.— Fechar capacetes! — ordenou Rhodan. — Ativar aparelhos de voo e de escudos

defensivos!— Para que isso? — perguntou Gucky. Ninguém respondeu à sua pergunta.O blindado passou pela beira superior do paredão-tampão. Imediatamente Kasom

apertou-o novamente para baixo e desviou-se pelo bombordo.O comando positrônico parecia ter esperado apenas por este momento. Um tiroteio

concentrado caiu sobre o blindado. O escudo paratrônico repentinamente era um invólucro absolutamente sem luz, que se parecia estender até o infinito.

Rhodan esperou, apertando os dentes, que eles fossem irradiados, junto com o blindado, para o hiperespaço.

O trovejar de uma violenta explosão deixou-lhe claro que este destino lhes seria poupado. Em contrapartida, ameaçava-os a morte no espaço normal.

Muita fumaça impedia a visão. Mesmo assim, Rhodan viu que o blindado despencava. Do recinto dos reatores veio um bramido e um fervilhar perigoso.

— Kasom! — gritou Rhodan. — O que está acontecendo? Por que não intercepta o blindado?

Silêncio.Rapidamente o Administrador-Geral desafivelou-se e correu para onde se

encontrava o Coronel Kasom. Ele tropeçou por cima de alguns objetos, tateou o capacete de Kasom e percebeu que a cabeça do ertrusiano tinha caído para a frente.

Decidindo rapidamente, Rhodan sentou-se sobre os joelhos de Kasom e agarrou os dois manches de impulso. Gaguejando e estalando, os propulsores de correção entraram em funcionamento. O veículo ergueu-se poucos centímetros e deslizou por cima de um cume de montanha agudo. A parte inferior roçou por cima da rocha, com um feio rangido.

— Nós pousamos? — veio a pergunta de Ovaron. — Eu não consigo ver nada. A nacele está semiderretida.

— Nós quase pousamos — retrucou Rhodan, secamente. Um único raio energético procurou o blindado e queimou a parte superior da nacele de comando. A atmosfera interior escapou com um ruído rumorejante, transformando-se lá fora numa nuvem gigantesca de cristais cintilantes.

— Fechem a porta, há ar encanado! — O humor negro de Gucky, que também devia servir para dar-lhe coragem, não emplacou.

— Incêndio nos bancos de acumulação da proa — avisou Marceile. — Dentro de mais ou menos um minuto a eclusa de segurança se abrirá, Rhodan.

Page 52: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Ok, ok. — disse Perry. — Vamos consegui-lo.Cautelosamente ele levou para a frente o manche de comando do propulsor de

impulsos. Uma descarga, clara como o Sol, saiu da popa. O blindado foi empurrado para a frente, e Rhodan pôde estabilizar o voo.

Depois deixaram de funcionar os aparelhos antigravitacionais e os absorvedores de pressão. O veículo caiu para estibordo. Perry Rhodan viu uma passagem de cumes de montanhas, alcantilados e mais parecendo agulhas, além de desfiladeiros profundos, vindo ao seu encontro.

Ele respirou fundo, cedeu à tentativa do blindado de cair para estibordo, e com isso conseguiu dominá-lo mais uma vez. Os seus dedos fizeram algumas ligações, notando que no lugar onde o bloco comutador do escudo de defesa paratrônico devia existir havia um buraco no console de comando. E agora ele tinha a explicação para o desmaio de Kasom. O bloco de comutação devia ter batido contra o seu peito, quando explodiu. Tomara que o seu traje de combate não tivesse sido danificado. Ele puxou o blindado para o alto, e atravessou um desfiladeiro largo. Do outro lado, entretanto, o veículo caiu novamente e correu como um trenó de corrida por cima de um campo de gelo seco. Quando o campo de gelo se interrompeu num penhasco, o blindado volteou sobre si mesmo.

Capotando novamente, ele voou algumas centenas de metros pelos ares, bateu num campo de cascalho, girou sobre si mesmo e continuou rolando, ao comprido do seu eixo.

Perry Rhodan calculou a sua chance e depois esperou com sangue-frio pelo momento correto. A cinquenta metros do contrapenhasco, fortemente inclinado, ele empurrou o manche do propulsor de popa para a frente e logo o puxou novamente de volta.

O movimento rolante acabou abruptamente. Rhodan lutou com toda a sua energia contra o mal-estar dentro dele.

O blindado, com a proa na frente, varreu pelo cascalho e aproximou-se do contrapenhasco somente em ângulo chato ainda, levado pelo impulso de direcionamento originalmente criado pelo propulsor.

A poucos metros do penhasco, os dois movimentos tinham se anulado mutuamente.O blindado parou.— Desembarcar! Depressa! — ordenou Perry. — Gucky, pegue Kasom e salte com

ele para fora!Ele pulou no elevador que descia e acabou no recinto de carga. A eclusa de

segurança, diante dos bancos de armazenamento de estibordo, ardia, vermelha como ferro em brasa.

Marceile acabara de abrir a escotilha da eclusa e voltava para ajudar Takvorian a sair. Rhodan fez-lhe um sinal para que eles se pusessem em segurança. Junto com Ovaron empurraram e puxaram o mutante equino para fora.

Lá fora, eles correram cerca de cinquenta metros e depois se jogaram atrás de um bloco de rochas.

Mas a explosão esperada apenas foi fraca. A popa, parecendo ferro em brasa, arrebentou e soltou uma onda formidável de gases retidos e vapores, que dentro de segundos se esvaíram. Lentamente o fogo apagou.

Perry respirou aliviado. Ele olhou cautelosamente em volta. A região era-lhe inteiramente desconhecida. Em toda a sua volta erguiam-se cumes muito altos. Campos de gelo rebrilhavam à luz de Saturno, que subia no horizonte. Paredões de rochas e taludes de cascalho completavam a cena.

Page 53: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Eu também não conheço nada por aqui — declarou Ovaron. — De qualquer modo temos que caminhar ou voar paralelamente com o nascente Saturno. Basta determinarmos a direção.

Gucky fez um gesto de desprezo.— É uma bobagem para mim. — Ele apontou para o altiplano coberto de gelo à

distância, com os três cumes, muito íngremes, das montanhas. — Ali está o blindado dois. Fellmer manda perguntar se deve vir ao nosso encontro.

— Por que a pergunta?- — Rhodan olhou para o ilt, espantado. — Você naturalmente teleporta.

O rato-castor hesitou e olhou interrogativamente para Ovaron.— Eu posso teleportar sem perigo, nariz de águia?— Eu receio que não seja possível — respondeu o cappin. — Depois que as

instalações de defesa do depósito foram inteiramente ativadas o rastreamento da ponta parapsi, durante o salto de Gucky, certamente não deve ter passado despercebido deles. O cérebro de comando, depois disso, naturalmente colocou um escudo antipsi em torno dos Montes Akalos.

— Eu bem que imaginava algo semelhante — disse Gucky. — É que Fellmer ainda disse que Tolot, com seu cérebro de planejamento, calculou uma grande probabilidade disso, caso...

Ele sacudiu seus dois pequenos punhos, ameaçadoramente.— Espere só, Icho! Ah! Ele disse, caso eu fosse suficientemente besta de teleportar

para fora do blindado.— Por que você está irritado? — disse Rhodan. — Kasom teve que ser colocado ao

ar livre e nós, afinal de contas, não podíamos carregá-lo.— Está falando de mim, sir? — perguntou o Coronel Kasom, erguendo-se um

pouco.Espantado, o gigante ertrusiano olhou à sua volta.— O que está acontecendo, afinal? Onde está o nosso blindado? — Ele levou a

mão, gemendo, ao peito. — Eu tenho a sensação de estar com todas as costelas quebradas.

Ele levantou-se totalmente, apoiado telecineticamente por Gucky. A advertência de Rhodan de não liberar mais capacidades-psi veio tarde demais.

— O bloco paratrônico de comutações explodiu e evidentemente bateu violentamente contra o seu peito — declarou Rhodan. — O senhor ficou desmaiado por algum tempo.

Toronar Kasom respirou com cautela.— Provavelmente o senhor pousou o blindado, sir. Muito obrigado.— “Pousado” é fortemente exagerado — declarou Marceile.Kasom olhou atentamente em torno e descobriu os destroços do utilitário blindado.

Ele engoliu em seco, audivelmente.— Gucky certamente vai nos teleportar para o blindado dois? — perguntou ele após

algum tempo.— Isso, infelizmente não é possível — respondeu o Administrador-Geral e disse a

razão daquilo. — Vamos ter que utilizar os aparelhos de voo de nossos trajes de combate — disse ele, finalmente. — Graças a Gucky, pelo menos sabemos em que direção devemos voar.

Ovaron pigarreou e apontou na direção em que devia estar o depósito secreto.

Page 54: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Provisoriamente vamos ter que ir a pé. Aquilo, lá no alto, é uma sonda voadora. Afinal, eu o preveni, para que não subestimasse o potencial de destruição do meu depósito, Perry. — murmurou Ovaron e apontou para a borda do desfiladeiro, lá no alto.

Perry Rhodan virou a cabeça e viu uma sombra pequena, circular, que se destacava da luz fraca de Saturno e tremeluzia como uma estrela, quando se inclinava para a esquerda ou para a direita.

Era a quinta sonda voadora que eles tinham observada desde a sua partida dos destroços do blindado. Se tinham sido rastreados pelas sondas, eles não sabiam. A probabilidade era grande, mas talvez a nova proteção contra rastreamentos, recentemente desenvolvida, era melhor do que se esperava.

— Estes trajes de combate, mesmo pelo que eu conheço, são absolutamente perfeitos — disse Ovaron, como se tivesse adivinhado os pensamentos de Rhodan. Ele mesmo envergava um traje de combate terrano, do novo tipo Tiranossauros.

— Isto quer dizer que, com eles, é impossível um rastreamento?— Enquanto não utilizarmos os aparelhos de voo, estaremos seguros. Fora disso, os

trajes são uma obra maravilhosa. De qualquer modo, nós não conhecemos a nova e recente proteção contra rastreamentos, Perry.

Rhodan sorriu para si mesmo.Para ele era tranquilizador saber que a técnica, no geral, estava no mesmo pé que a

do Império Solar.— Ela foi embora — avisou Marceile. Perry Rhodan levantou-se.— Vamos prosseguir.Takvorian rolou para o outro lado e levantou-se de um salto. O mutante equino é

quem fazia melhores e mais fáceis progressos. Flexível e elástico ele saltava facilmente por cima dos montes de cascalho, trotando nos lugares onde havia rochas duras e salientes.

Depois de uma hora, eles alcançaram o fim do desfiladeiro. Diante deles havia uma planície levemente ondulada, sem qualquer vida, pelada, áspera e de um cinzento obtuso.

A montanha aqui formava uma espécie de enseada, em cujo outro lado o blindado dois esperava — escondido atrás de montanhas e desfiladeiros.

Gucky estava ofegante. O rato-castor não estava acostumado a andar distâncias longas. Normalmente ele teleportava por pura comodidade, mesmo quando se tratava apenas de cinquenta metros.

— Assim não dá, Perry! — disse ele choramingando e respirando pesadamente. — Eu vou esperar aqui mesmo até Ovaron II chegar.

— Isso eu não aconselharia a você, baixinho — disse Ovaron com um tom de voz esquisito. — Um efeito secundário da grandiosa leviandade de Perry Rhodan naturalmente consistirá em que a gente do meu comando de transporte dentro dos próximos sete dias será informada pelo cérebro de comando a respeito do incidente. Além disso, os vestígios da luta não podem deixar de ser notados de modo algum. Ele voltou-se para Rhodan.

— O senhor alcançou justamente aquilo que queria evitar, Perry. Ovaron II vai encontrar-se comigo, com a maior desconfiança.

Rhodan desistiu de uma resposta. Não havia nada a dizer sobre isto e nada sobre o que ele já não refletira antes. Entretanto, ele também não se censurava. O risco tinha sido calculado.

— Eu vou carregar Gucky nas minhas costas — declarou Takvorian.

Page 55: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Em cima das mochilas de aparelhos? — perguntou Marceile, irônica.Entrementes Perry Rhodan tomara a sua decisão.— Vamos usar os aparelhos de voo. Eu também não tenho mais vontade de

caminhar de desfiladeiro a desfiladeiro, montanha acima e abaixo, através da serra. Em terreno aberto, nós seríamos rastreados de qualquer modo. Portanto vamos voar com o máximo de velocidade e o mais baixo possível por cima da planície. Eu vou voar na frente. O objetivo da primeira etapa é a embocadura daquela garganta, lá do outro lado.

Gucky deu um suspiro de alívio.Ovaron abriu a boca, como se quisesse dizer alguma coisa, mas ficou em silêncio.

Ele se enriquecera com mais uma experiência, ou seja, a experiência de que estes terranos não se deixavam desviar de uma decisão uma vez tomada.

Com os aparelhos de rastreamento de seus trajes de combate, eles examinaram detidamente o “espaço aéreo” e para seu alívio o encontraram livre. Depois disso subiram do chão, um depois do outro, e saíram voando a grande velocidade, em voo rasante, por cima da planície.

Os minutos passaram, como se fossem pequenas eternidades. Perry Rhodan constantemente olhava para a pulseira do seu traje, que também continha o mostrador dos aparelhos de rastreamento.

Não se devia descobrir nenhuma sonda!Durante o voo ele olhou para trás. Era uma sensação esquisita ver um cavalo em

voo rasante.Rhodan levou o seu olhar novamente para a frente, para o objetivo da primeira

etapa. Os propulsores e geradores antigravitacionais e da instalação de climatização criavam um rumor penetrante, que se propagava da mochila de aparelhos até o traje de combate.

— Se conseguirmos chegar até o desfiladeiro sem sermos rastreados, desistiremos de uma escala. Certamente o pessoal no blindado dois já está ficando impaciente. Não é de se excluir totalmente que eles mesmos poderão ter dificuldades, se forem rendidos à força. O que será que Atlan terá achado do foguetório por cima dos Montes Akalos? Tomara que o arcônida não tenha intervindo com o space-jet, com isso chamando a atenção do cérebro de comando para o deformador de tempo-zero!

Contra sua vontade ele teve que rir baixinho.Não, o antigo almirante arcônida não cometera erros táticos tão rudimentares. Ele

tinha sangue-frio suficiente para deixar a ele, Rhodan, e aos seus acompanhantes, a tarefa de abrir caminho ou então de se esconder, conforme a situação o exigisse.

Lá estava a garganta.— Vamos continuar voando! — ordenou Rhodan, pelo telecomunicador de

capacete.Ele diminuiu a velocidade um pouco, quando voou para dentro do desfiladeiro.

Saturno acabava de submergir novamente atrás do horizonte oeste e as sombras na garganta estreita iludiam acerca das verdadeiras formações do terreno.

Ele lembrou-se de que, entrementes, conforme o tempo terrano, o dia 17 de junho devia ter se iniciado.

Somente mais seis dias, para a chegada de Ovaron II.Com o que ele chegaria a Titã? Com uma astronave ou por um transmissor? Seria

realmente possível que uma pessoa pudesse encontrar-se consigo mesma?Dentro de seis dias eles o saberiam, se até lá tivessem escapado sem serem

tosquiados.

Page 56: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

A garganta tinha uma forte curva para a esquerda. Rhodan diminuiu a velocidade ainda mais. Não mais depressa que um bom corredor, ele voou em volta da escarpa saliente — e encontrou-se repentinamente outra vez no desfiladeiro “saca-rolhas”.

Assustado ele freou, pousou e desativou todos os aparelhos não absolutamente necessários. Os companheiros desceram ao lado dele, totalmente exaustos.

— Como é que isso é possível? — perguntou Perry, em voz baixa. — Alguma coisa não está certa.

— Nós não estamos no desfiladeiro do “saca-rolhas” — declarou Ovaron. — Este aqui, naturalmente se parece muito, mas não é o mesmo. Eu posso vê-lo em diferentes pequenos indícios. No primeiro momento eu temia que nos tivessem influenciado paramecanicamente, tendo nos forçado a voltar para o depósito.

— Isto eles conseguiriam, no máximo, com Marceile — interveio Toronar Kasom.— Com os métodos conhecidos por nós — retrucou Rhodan. — Hum! Somente

devemos estar a poucos quilômetros ainda do blindado dois. Eu acho que podemos arriscar-nos a subir acima do nível da borda da garganta.

Ovaron riu.— O senhor é um indivíduo muito encantado com riscos, Perry. Neste caso

especial, entretanto, eu sou da mesma opinião. Temos que nos orientar, se não quisermos ficar andando em círculos.

Depois de curta reflexão, ele acrescentou:— Desta vez, eu voarei na frente, uma vez que poderei reconhecer mais

rapidamente o desfiladeiro do “saca-rolhas” — o verdadeiro.Ninguém fez objeções. O cappin ergueu-se lentamente. As pessoas restantes o

seguiram a uma certa distância.Durante segundos, Ovaron permaneceu acima das bordas da garganta, depois

gritou:— Encontrei! Sigam-me!Eles voaram a grande velocidade por cima de algumas cristas de montanhas,

voaram em volta de bizarras torres de rochas e pousaram na entrada do desfiladeiro do “saca-rolhas”, onde eram aguardados por um blindado, um halutense e o robô Paladino.

Mas desta vez tiveram menos sorte que antes.Mal eles tinham pousado perto do blindado, quando os hiper-sensores do utilitário

blindado determinaram um grupo de doze robôs estranhos, que se aproximavam rapidamente a seiscentos metros de altura, vindos do depósito secreto de Ovaron.

A sua consequência revelava que eles tinham conhecimentos precisos do local onde se encontravam os invasores.

* * *

— Para dentro do blindado! Depressa! — gritou Perry Rhodan. — Tolotos e Dephin! Rápido para o deformador! Tenham cuidado para que não possam determinar os seus rastros.

Os dois gigantes deixaram-se cair sobre os braços de correr e saíram ventando. Icho Tolot ficou um pouco para trás, o Paladino era mais rápido que ele.

Entrementes Toronar Kasom esgueirou-se com Takvorian pela eclusa de carga do blindado. Ovaron, Marceile e Gucky os seguiram. Ficou tão apertado que Rhodan somente conseguiu se meter ali com muita dificuldade. O seu pé esquerdo ainda bloqueava a escotilha interna da eclusa, quando Ras Tschubai já deu partida.

Page 57: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O Coronel Kasom chamou pelo telecomunicador de capacete do estande de artilharia.

— Peço permissão de fogo, sir. Em exatamente seis segundos eu derrubo esses sujeitinhos.

— Permissão de fogo negada! — declarou Perry Rhodan, agitado, enquanto Marceile, fazendo muita força, puxou o seu pé para dentro do recinto de carga e a escotilha interna se fechou.

No momento seguinte, as pessoas no recinto de carga foram impelidas para trás por um punho imaginário gigantesco. Rhodan tropeçou por cima das pernas de Takvorian e caiu.

— Adversário abrindo fogo! — avisou Tschubai, calmamente. — O escudo defensivo paratrônico se mantém. Se eu abalroar os robôs, eles serão lançados ao hiperespaço.

— Não! — gritou o Administrador-Geral. Houve um novo solavanco, e alguém sentou-se sobre o seu rosto. Ele rolou para o lado. — O computador positrônico de comando, de qualquer modo, registraria o caso, e avisaria Ovaron II sobre a perda. Nós também não revidamos ao fogo. Quem é que mais tarde poderá esgueirar-se por entre as montanhas para juntar os destroços?

Ovaron riu. Toronar imitou-o, de modo trovejante. Tschubai brigou por causa do barulho. Mas aquele humor seco aliviou a tensão.

— Deixem-me passar para o estande de comando! — ordenou Rhodan.Mãos que ele não sabia a quem pertenciam o agarraram e o puxaram na direção da

escotilha de passagem. Pés e joelhos ajudaram no processo. O rato-castor queixou-se de que alguém estava com os pés em cima de sua cauda. A tudo isso juntavam-se constantemente os abalos que eram retransmitidos pelo escudo energético protetor.

Finalmente Rhodan conseguiu agarrar a parte inferior da escada de aço, para puxar- -se, deste modo, com a parte superior do corpo através da passagem para a cúpula de comando.

O rosto do neandertalense apareceu no alto, depois os braços fortes de Lorde Zwiebus agarraram o Administrador-Geral, puxando-o para cima.

Ras Tschubai fez o blindado subir aos céus como um foguete. Da direção do depósito, três feixes de raios energéticos apareceram, mas logo se apagaram novamente, quando os doze robôs voadores seguiram o blindado.

Porém outros quatro feixes de raios energéticos passaram por entre os robôs. Eles vinham da direção em que Tolot e o Paladino tinham pousado.

— Finalmente eles entenderam — verificou Ras Tschubai, calmamente. Ele riu baixinho, quando seis robôs abandonaram o blindado, indo à procura dos

outros adversários.— Nós vamos ter mesmo que ir para o sul! — revidou o teleportador.— Quando, num globo, se vai sempre para o norte, também se chega ao sul —

explicou Perry Rhodan, sorrindo.Tschubai compreendeu.Ele levou o blindado mais para baixo, de modo que não podia mais ser atingido

pelos tiros do depósito, e empurrou a alavanca de aceleração para frente, até quase o topo.Um robô, que ousara chegar perto demais, acabou entrando na onda de calor

ultraquente dos propulsores de impulsos e foi violentamente catapultado para trás. Vacilante, ele recuou na direção do depósito.

Page 58: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Os cinco robôs restantes deram início à perseguição, mas quando o polo norte foi sobrevoado, Tschubai deixou a fina atmosfera e ativou a aceleração espacial. Perry Rhodan agiu sem que tivesse sido necessário uma combinação prévia. Ele desligou rapidamente o escudo protetor paratrônico e lançou um foguete de interferência na direção de Saturno, o qual transmitia as emissões características de fortes propulsores.

Depois de curta hesitação, Perry Rhodan deixou o escudo paratrônico desativado. Tschubai desligou os propulsores. O blindado voador continuou voando a grande velocidade, mas sem propulsão, numa órbita elíptica de Titã.

— Os robôs estão iniciando a perseguição à sonda de interferência! — avisou Zwiebus do rastreamento. — Aparentemente o truque fez efeito. Eles não nos perseguem mais.

Ras virou-se e sorriu, divertido, para o Administrador-Geral. Perry piscou um olho e riu. Mais uma vez eles tinham conseguido sair de uma situação aparentemente desesperadora, com um perfeito jogo conjunto.

Quando eles se encontravam, relativamente aos robôs e à sonda de interferência, na sombra do rastreamento da luz, Tschubai abandonou a órbita, com forte propulsão de retardamento. O blindado caiu na direção da superfície de Titã.

Com muito sangue-frio, Ras deixou-o cair. Ele corrigiu a direção apenas através de curtas descargas de impulsos dos propulsores de correção, colocando a popa de modo que ela apontava para baixo.

Perry Rhodan sondou atentamente os arredores. No lugar onde o blindado deveria bater, se não fosse previamente freado, estendia-se um altiplano coberto de campos de gelo. Ele era dividido por um desfiladeiro largo e profundo. Os sensores de relevo indicavam a sua profundidade em quatorze quilômetros.

O Administrador-Geral anuiu, satisfeito. Tschubai tinha feito a melhor escolha possível. Congratulando-se, ele deu-lhe um soco macio nas costelas.

Ovaron esgueirou-se através da escotilha de passagem, olhou para fora e empalideceu.

— O que está acontecendo com os propulsores, Perry? Ras voltou a cabeça e disse:— Eles estão apenas respirando fundo, sir. — Ele dedicou-se novamente aos seus

controles.— Ele está deixando o blindado despencar propositadamente, Perry? — perguntou

o cappin espantado, pois esta manobra era demais para a sua compreensão.— De modo algum, Ovaron — respondeu Rhodan, com calma propositada. — Ele

apenas o está deixando cair um pouco.Ovaron soltou uma praga cappínica, segurou-se no encosto do cadeirão anatômico

de Zwiebus, e ficou olhando, com os olhos apertados, como o desfiladeiro se aproximava. Desta altura, a garganta parecia muito estreita, dando a impressão de que o blindado fatalmente colidiria com suas bordas.

O cappin ficou completamente atarantado.Ele naturalmente sabia que os terranos não agiam de modo impensado, mas este frio

cálculo de riscos cada vez o deixava sem fôlego novamente.Com uma velocidade enorme, o desfiladeiro se aproximava. Tschubai corrigiu pela

última vez a direção da queda, depois as bordas passaram voando. O blindado penetrou, à luz pálida do surgimento de Saturno, para dentro da escuridão de um desfiladeiro aparentemente sem fundo.

Page 59: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

O blindado voador sacudiu-se todo, quando os propulsores de impulsos começaram a funcionar, sendo acelerados. Eles frearam a queda, mas os paredões de rocha continuaram passando rápidos demais. Os aparelhos antigravitacionais decidiram tudo.

A quinhentos metros acima do solo, a velocidade da queda tinha sido consumida. Tschubai pilotou o veículo, nesta altura, até a saída norte do desfiladeiro. Ali ele o fez descer suavemente para o chão, desligou os propulsores e virou a cabeça.

— Manobra de pouso, executada, sir. Eu sugiro deixarmos para trás o resto do caminho, usando as lagartas.

— Concordo — declarou Perry Rhodan. — O senhor fez um trabalho excelente — com exceção do robô, que foi danificado pelo propulsor principal.

Ovaron riu aliviado, depois disse, elogiando:— Vocês terranos são os malucos mais simpáticos que eu já encontrei.

* * *

Pela contagem do tempo terrano, era o dia 18 de junho de 3.434, tempo atual, quando as pessoas na cúpula de comando do blindado puderam ver o deformador de tempo-zero.

Alguns segundos mais tarde, o telecomunicador chamou e a voz inconfundível de Atlan declarou em tom gelado:

— Eu saúdo os malucos, que saíram para aprender o que é o medo. Espero que não tenham perdido nada mais que um blindado. Aliás, eu estou utilizando uma onda direcionada. Um arcônida primeiro reflete, antes de agir.

Perry Rhodan olhou para o rosto, que sorria malicioso, do seu amigo na pequena tela de vídeo e retrucou, calmamente:

— Isso era uma coisa que eu gostaria de ter sugerido a você, depois que nos esforçamos tanto em apagar nossos rastros.

Atlan revidou:— Bárbaro de nariz empinado!— Arcônida decadente! Ambos os homens riram.— Bem, voltem para casa de papaizinho — disse o Lorde-Almirante. — O mínimo

que vocês vão ter como castigo, por toda a porcelana quebrada, é prisão domiciliar.Ele desligou, antes que Perry pudesse responder alguma coisa.Do outro lado, no globo que cintilava prateado, abriu-se uma fresta fracamente

iluminada. Uma figura vestindo um leve uniforme espacial colocou-se na beira da eclusa e acenou. A rampa deslizou para fora e bateu no cascalho.

Tschubai guiou o utilitário blindado para dentro do hangar, desligou todos os aparelhos e levantou-se.

— O que eu preciso agora é de uma ducha e algumas horas de sono para descansar minha beleza. Estou com bolhas nas mãos, de tanto pilotar.

A escotilha externa do hangar da eclusa fechou-se. Bombas deram início ao trabalho jogando ar fresco para dentro, depois que a atmosfera de metano que penetrara fora sugada para fora.

Rhodan viu que o homem que os esperava era Geoffry Abel Waringer. Depois de poucos minutos, uma voz de alto-falante deu a conhecer que o blindado podia ser abandonado sem trajes espaciais.

Respirando aliviado, os ocupantes jogaram seus capacetes para trás e pareciam ter muita pressa em deixar aquele veículo apertado.

Page 60: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Rhodan e Waringer sacudiram-se as mãos.— Como estou contente em revê-lo — disse o hiperfísico.— Quando começou a coriscar por cima dos Montes Akalos, todos nós temíamos

pelo pior.— Bem, a coisa realmente não foi muito agradável — retrucou Rhodan. — Tolot e

o Paladino ainda não estão aqui?O seu genro sacudiu a cabeça.— Até agora não. Espero que também eles tenham podido salvar a pele.— Pelo que conheço do halutense e dos siganeses, eles não confiam na sua sorte,

mas sempre fazem alguma coisa para si. Você pode ter certeza de que eles não se deixam nem capturar nem despachar.

— Do mesmo modo como você tinha certeza de conseguir entrar no depósito de Ovaron — interveio Atlan. O arcônida entrara sem ser notado. — Este cappin é um sujeito fantástico, por ter deixado que você o convencesse.

Perry disse, pensativo:— Nós o tentamos, mas não tivemos êxito — declarou ele.— É muito fácil, zombar disso, depois. O que você teria dito se tivéssemos voltado

trazendo o sextagônio do depósito?— Eu diria que a sua sorte era maior que o seu juízo — respondeu Atlan, seco. —

Onde está o outro blindado? Vocês o presentearam ao cérebro de comando?— Nós o estacionamos em algum lugar nas montanhas — disse Rhodan,

simplesmente. — Ele precisa de novas máquinas e um novo revestimento externo, fora disso está em ordem.

Atlan mordeu os lábios para não rir. Os seus olhos revelavam que as últimas horas lhe tinham trazido muita aflição e preocupações.

— Está bem — disse ele, baixinho. — Ovaron II vai ficar contente, quando ele chegar e notar um monte de destroços por aí. Como é que você acha que ele vai reagir a isto? Ele não nos conhece, nem sequer sabe que no seu futuro existe uma Humanidade. Consequentemente ele terá que supor que os invasores eram membros da Organização Lasallo.

— Ele não encontrará destroços nem sucata — retorquiu Rhodan. — Disto eu vou cuidar.

O arcônida anuiu.— Isto eu confio a você, tranquilamente. Mas o que vai acontecer com o cérebro de

comando? Estes cérebros artificiais têm a qualidade desagradável de nada esquecer.— Deixe isso comigo, Lorde-Almirante — interveio Ovaron. — Eu deixei que me

convencesse a irradiar o impulso de identificação, consequentemente tenho que cuidar para que disto não surjam dificuldades invencíveis.

Atlan suspirou.— Quer dizer que Perry já o infeccionou com o bacilo da loucura terrana. Bem, o

senhor tem praticamente cinco dias inteiros para pensar em alguma coisa. Eu agora gostaria de me despedir para, junto com algumas pessoas ajuizadas, procurar por Tolot e pelo Paladino.

Ele virou-se e deixou o hangar, sem olhar mais uma vez para trás.Ovaron e Rhodan ficaram olhando atrás dele, até que a escotilha se fechou

novamente.— Um grande zombeteiro... — verificou o cappin, pensativo.Perry Rhodan sorriu, como quem sabe das coisas.

Page 61: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Atlan ainda sabe de outras coisas, além de zombar, Ovaron, pode acreditar no que lhe digo.

— Disto eu estou convencido — retrucou Ovaron, sério.Os dois homens também deixaram o hangar. Todos os outros participantes do

empreendimento malogrado já tinham saído há bastante tempo. O blindado ficou para trás, sozinho. Com ele, o Dr. Voigt Gosling se ocuparia no decorrer dos próximos dias.

Na galeria interior do deformador, o Dr. Tajiri Kase os encontrou. O Matelógico trazia uma cuba fumegante em cada uma de suas mãos, querendo passar por Rhodan com um cumprimento apressado.

O Administrador-Geral barrou-lhe o caminho. Ele olhou para o conteúdo das tigelas e viu que se tratava de legumes cozidos, carne malpassada e batatas.

— O senhor vai comer isso tudo, pessoalmente? — perguntou ele, desconfiado.Tajiri Kase sorriu, chateado. Na sua testa formou-se uma teia de gotículas de suor.— Não diretamente, sir — murmurou ele, acanhado. — Fui buscá-lo para Sir

Anthony.— Para o pequeno taimonense? — Rhodan olhou para o ertrusiano, indignado. — O

senhor tem aí pelo menos quarenta quilos, professor!— É isso mesmo, sir — retrucou Kase. — Afinal de contas, isso é para o dia inteiro.

Nossas provisões não são inesgotáveis.— Certamente que não! Eu vou com o senhor, professor. Eu gostaria de ver como

um minissáurio consegue engolir quarenta quilos de alimentos.— Sim, senhor.Era engraçado ver como o gigante ertrusiano descia hesitantemente a escada que ia

dar no convés inferior. Ovaron seguiu junto com o Administrador-Geral.Kase passou pelos reatores de fusão zunindo e ficou parado diante da escotilha que

dava na sala de aparelhos. Ele depositou uma das cubas no chão, para colocar a palma de sua mão sobre a termofechadura que apertou. As duas metades da escotilha deslizaram para dentro das paredes.

Perry entrou atrás do ertrusiano e praticamente se transformou numa coluna de sal, quando viu o “pequeno” taimonense.

Sir Anthony tinha atingido a altura de uma foca adulta. Sua bocarra de sáurio abriu--se à vista das cubas de alimentos e deixou à vista duas fileiras de dentes afiados. Anthony flexionou suas asas, do comprimento de um antebraço, e balançou de um lado para o outro, sobre os seus “pés de pato”. Os seus olhos azul-terconite voltaram-se para o Administrador-Geral.

— Guhrdeln Dlagh! — disse Anton num intercosmo terrivelmente estropiado.— O que foi isso? — perguntou Rhodan, espantado. — Ele estava querendo dizer

“bom dia” por acaso?As orelhas de Tajiri Kase pareciam vermelhas como o fogo. Sem virar a cabeça, ele

respondeu:— Sim, sir. Eu tentei ensinar um pouco de intercosmo a Anthony.— Gaahsle Hluut, Bluhdar. — O taimonense bamboleou para a frente e enfiou a

boca numa das cubas. Mascando alto, ele começou a comer.Perry Rhodan encostou-se na parede. Passou a mão por cima dos olhos e estava

completamente perturbado.

Page 62: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

— Eu ainda acabo perdendo o juízo — disse ele. — Professor Tajiri Kase, no dia em que Anton solicitar a sua cidadania no Império Solar, eu peço minha demissão do cargo...

O Matelógico virou-se rapidamente e olhou, horrorizado, para o Administrador- -Geral.

— Sir...! Ele já fez isso — através de mim.Ovaron bateu com a mão espalmada nos joelhos e torceu-se de rir. Timidamente Sir

Anthony fez a mesma coisa, e aquilo soava como se um elefante tocasse um órgão.Tajiri Kase engoliu algumas vezes em seco, depois balbuciou:— Eu agora... já... já... devo começar a chamá-lo de Mr. Rhodan, sir?Perry Rhodan fez uma cara de espanto:— Que ideia é essa, professor? — perguntou ele, amável como um psiquiatra.— Bem, o senhor falou que ia pedir demissão do seu cargo... co... como

Administrador-Geral...— Eu nunca disse isto — Rhodan cortou-lhe a palavra. — Mas promessa é

promessa. Portanto eu vou pedir demissão do meu cargo de presidente da Sociedade para a Propagação do Esporte do Mergulho. Afinal, nunca tive tempo para isso.

Kase abriu a boca.E também não a fechou depois que Perry Rhodan e Ovaron já tinham ido embora.Sir Anthony bateu-lhe nas costas com o seu focinho, e o ertrusiano caiu, de barriga

no chão.— Cansado? — perguntou o taimonense colocando a cabeça inclinada.Tajiri levantou-se lentamente.— Sim — disse ele. — Cansado da vida.A escotilha interna de uma eclusa abriu-se, deixando Icho Tolot e o Paladino

entrarem. Atlan e mais três outros homens em trajes espaciais seguiram os gigantes.— Como vai o seu “cãozinho de estimação”, professor? — gritou o arcônida, do

outro lado.— Bem — disse Kase, cansado. — Vai melhor do que eu.

* * ** **

Page 63: P-445 - O Cérebro de Comando - H. G. Ewers

Os viajantes no tempo chegaram cedo demais — e por isso o cérebro de comando reagiu com a força das armas.

Nas circunstâncias atuais, portanto, não se pode mais pensar na aquisição de sextagônio de produção cappin. Mesmo assim, os repelidos têm uma chance: eles terão que provocar o encontro dos Irmãos do Tempo...

Os Irmãos do Tempo é o título do próximo volume da série.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores. Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=66731&tid=5201628621546184028&start=1