osÉ - um novo conceito na releitura do liquidificador de mesa

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OSÉ UM NOVO CONCEITO NA RELEITURA DO LIQUIDIFICADOR DE MESA Juliana Ginklings Fróes da Cruz Maíra Malta da Silva Patrícia Jorge Vieira Lima Acadêmicas do Curso Superior de Tecnologia me Design de Produto do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina RESUMO Este artigo se dispõe a apresentar as etapas gerais do projeto integrador realizado por acadêmicos do módulo I do Curso de Design do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina, no qual se propôs o desenvolvimento de um liquidificador de mesa com base nos conceitos extraídos do movimento artístico dadaísta. Com as competências adquiridas em diferentes unidades curriculares – Produção Verbal (PV), Introdução ao Design (IND), História da Arte e do Design (HAD), Modelagem (MDL) e Desenho (DSN) – na realização de cada uma das etapas do projeto, foram desenvolvidos estudos acerca dos temas abordados, bem como modelos bi e tridimensionais. Assim, a justificativa, os objetivos, os referenciais, os métodos, os materiais e os resultados serão contemplados no decorrer deste artigo, permitindo um melhor esclarecimento acerca do projeto desenvolvido. Como resultado, obteve-se um projeto conceitual que partiu das características do movimento artístico dadaísta e de um objeto comum e útil – o liquidificador de mesa – possibilitando, assim, uma modificação nos padrões estéticos vigentes. Assim, o modelo final apresentou uma ruptura com os modelos, até então, existentes, tendo em vista a inserção de características inovadoras, tais como a possibilidade de a base ser levada à mesa juntamente com o copo, além do contraste de cores e do uso de complexidade e profusão nos aspectos formais. PALAVRAS-CHAVE: Dadaísmo. Design. Liquidificador. Ruptura. 1 INTRODUÇÃO Inventado na década de 30, com a função de transformar a consistência dos alimentos, triturando, homogeneizando, misturando e combinando os diferentes ingredientes, o liquidificador de mesa consiste em um eletrodoméstico de grande importância para as atividades diárias em uma casa. Constitui-se em uma base acoplada a um conjunto de lâminas capazes de girar por meio de um motor elétrico, além de um copo e uma tampa com abertura central a fim de possibilitar o seu perfeito funcionamento. Atualmente, os liquidificadores disponíveis para comercialização apresentam uma composição estética bastante simples e sem grandes diferenças entre os modelos existentes. Apenas algumas características, tais como a cor e o formato dos botões, da base e da sua alça sofreram algum tipo de variação.

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Juliana Ginklings Fróes da Cruz Maíra Malta da Silva Patrícia Jorge Vieira Lima UM NOVO CONCEITO NA RELEITURA DO LIQUIDIFICADOR DE MESA OSÉ Acadêmicas do Curso Superior de Tecnologia me Design de Produto do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina PALAVRAS-CHAVE: Dadaísmo. Design. Liquidificador. Ruptura. 2 3

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OSÉ UM NOVO CONCEITO NA RELEITURA DO LIQUIDIFICADOR DE MESA

Juliana Ginklings Fróes da Cruz

Maíra Malta da Silva Patrícia Jorge Vieira Lima

Acadêmicas do Curso Superior de Tecnologia me Design de Produto do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina

RESUMO Este artigo se dispõe a apresentar as etapas gerais do projeto integrador

realizado por acadêmicos do módulo I do Curso de Design do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina, no qual se propôs o desenvolvimento de um liquidificador de mesa com base nos conceitos extraídos do movimento artístico dadaísta. Com as competências adquiridas em diferentes unidades curriculares – Produção Verbal (PV), Introdução ao Design (IND), História da Arte e do Design (HAD), Modelagem (MDL) e Desenho (DSN) – na realização de cada uma das etapas do projeto, foram desenvolvidos estudos acerca dos temas abordados, bem como modelos bi e tridimensionais. Assim, a justificativa, os objetivos, os referenciais, os métodos, os materiais e os resultados serão contemplados no decorrer deste artigo, permitindo um melhor esclarecimento acerca do projeto desenvolvido. Como resultado, obteve-se um projeto conceitual que partiu das características do movimento artístico dadaísta e de um objeto comum e útil – o liquidificador de mesa – possibilitando, assim, uma modificação nos padrões estéticos vigentes. Assim, o modelo final apresentou uma ruptura com os modelos, até então, existentes, tendo em vista a inserção de características inovadoras, tais como a possibilidade de a base ser levada à mesa juntamente com o copo, além do contraste de cores e do uso de complexidade e profusão nos aspectos formais. PALAVRAS-CHAVE: Dadaísmo. Design. Liquidificador. Ruptura. 1 INTRODUÇÃO

Inventado na década de 30, com a função de transformar a consistência dos alimentos, triturando, homogeneizando, misturando e combinando os diferentes ingredientes, o liquidificador de mesa consiste em um eletrodoméstico de grande importância para as atividades diárias em uma casa. Constitui-se em uma base acoplada a um conjunto de lâminas capazes de girar por meio de um motor elétrico,

além de um copo e uma tampa com abertura central a fim de possibilitar o seu perfeito funcionamento.

Atualmente, os liquidificadores disponíveis para comercialização apresentam uma composição estética bastante simples e sem grandes diferenças entre os modelos existentes. Apenas algumas características, tais como a cor e o formato dos botões, da base e da sua alça sofreram algum tipo de variação.

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Além disso, a disponibilidade de pesquisas relacionadas ao objeto em questão são bastante limitadas, o que dificulta a realização de uma análise mais profunda quanto às possíveis justificativas para a inércia de suas características.

Assim, devido ao fato de não ter havido grandes transformações ou evoluções ao longo do tempo em relação à estética dos liquidificadores comercializados e com o intuito de romper com os padrões existentes, o projeto aqui descrito apresenta-se, além de inovador, audacioso.

Atualmente, a crescente capacidade de inovação tecnológica permite o desenvolvimento de produtos a partir de uma visão bastante ampla. Nesse aspecto, o design de produtos funciona como meio para a elaboração de projetos dessa natureza. Tudo isso acaba por gerar a possibilidade de serem desenvolvidos produtos a partir da releitura de outros já existentes ou de estilos e tendências de uma determinada época e/ou até mesmo de movimentos artísticos que não possuam, aparentemente, relação alguma com o objeto a ser desenvolvido.

Com isso, o desenvolvimento de um liquidificador de mesa baseado nos conceitos extraídos do movimento artístico dadaísta mostra-se capaz de alcançar espaço de extrema relevância no meio científico, tendo em vista, também, a escassez de pesquisas relacionadas ao assunto tratado.

A pesquisa e o desenvolvimento do projeto em questão pretendem trazer uma contribuição para uma mudança construtiva nos padrões estéticos atuais desse objeto, possibilitando a sua exposição, a partir de então, em prateleiras e/ou em armários transparentes nos quais venha a

funcionar como enfeite, sem, no entanto, perder as suas características principais e a sua funcionalidade.

Sob essa ótica, a elaboração deste projeto foi desenvolvida de modo a possibilitar a concretização do desenvolvimento de um liquidificador de mesa sob a visão dadaísta para um público formado por pessoas solteiras com idade entre 18 e 40 anos que moram sem os pais.

Selecionou-se esse público-alvo devido ao fato de, ao morar sem os pais, possuir uma maior liberdade de escolha quanto aos aspectos formais dos eletrodomésticos que compõem sua residência, além de, possivelmente, ter interesse em apresentar, para pessoas que eventualmente os visitem, objetos belos, funcionais e irreverentes.

A fim de confirmar as suposições apresentadas quanto à afinidade do público escolhido com as características previstas para o modelo de apresentação, será realizada posteriormente uma pesquisa de campo com uma reduzida amostragem do público em questão.

Para tanto, foram listados alguns objetivos específicos, tais como: a identificação das características do design de liquidificadores anteriores ao modelo proposto; o estudo dos materiais; o estudo das características do Dadaísmo que deveriam estar presentes no modelo final a partir da extração das formas e dos conceitos; a análise do público-alvo e a realização de um breve estudo acerca da história e da evolução da cozinha, contexto no qual se insere o liquidificador.

Selecionado devido ao fato de apresentar afinidade quanto às características esperadas na apresentação do modelo final, o público-alvo foi utilizado somente para nortear melhor o objetivo geral do projeto sem,

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no entanto, limitar a porção do público que possa vir a se mostrar interessada pelos resultados obtidos com a conclusão deste projeto.

Na busca de serem alcançados os objetivos definidos, a metodologia proposta compõe-se, imediatamente, de um estudo acerca dos conceitos que definem o Dadaísmo, acompanhado de uma análise relacionada às principais características do liquidificador de mesa, bem como à sua evolução. Após a extração das características mais relevantes para aplicação nos modelos bidimensionais, levando em consideração também as limitações impostas pela funcionalidade do objeto, propuseram-se a seleção e a mescla de alguns desses modelos para se chegar à configuração presente nos modelos de estudo tridimensionais, dos quais se escolheu um para a representação em modelo final.

2 COZINHA E LIQUIDIFICADOR A cozinha surgiu como um

espaço voltado apenas para o preparo de alimentos. Como não havia água encanada nem esgoto, possuía apenas um forno e, às vezes, uma mesa para cortar e picar. Geralmente localizava-se no exterior da casa devido ao barulho e à fumaça. As refeições eram habitualmente servidas em uma sala própria para esse fim, local este onde ocorriam as reuniões familiares.

Com o passar dos anos, com o incremento da água encanada e do esgoto, a cozinha começou a tornar-se um ambiente mais freqüentado e socializado. Junto a isso, surgiram utensílios, móveis e acessórios que vieram dar funcionalidade e beleza ao ambiente. As famílias começaram a utilizar e a conviver mais nas cozinhas, e os eletrodomésticos passaram a

incrementá-la; a vida tornou-se mais corrida, novas tecnologias surgiram. A TV passou a fazer parte do ambiente juntamente com a mesa de refeições. As reuniões passaram a realizar-se nela. Amigos e parentes tornaram-se hóspedes freqüentes. A cozinha já não é mais um ambiente exteriorizado. Tornou-se um atrativo na casa. Hoje, além de sua beleza estética, é o ambiente que tem maior nível de investimento dentro de uma residência.

Seus utilitários vêm evoluindo junto a ela, procurando atender a todas essas exigências, mas o liquidificador, em contrapartida, não apresenta mudanças estéticas significativas. Inventado por Stephen Poplawski, em 1922, era constituído por um par de lâminas afiadas posicionadas no fundo de um recipiente de vidro que servia para fazer bebidas gaseificadas, sendo aperfeiçoado por Fred Osius, em 1935, com o financiamento de Fred Waring, um estudante de arquitetura e engenharia fascinado por coisas práticas e engenhosas.

O aparelho vem desde então sofrendo pequenas mudanças. Com o advento da tecnologia, uma gama de cores foi acrescida, assim como diferentes velocidades; seu copo de vidro foi substituído por um de plástico e, recentemente, houve a inclusão de um mecanismo de auto-limpeza conhecido como auto-clean. Sua função, no entanto, continua a mesma: misturar, cortar, triturar ou simplesmente liquidificar alimentos, modificando a sua consistência.

Mesmo com essas poucas mudanças, o liquidificador adquiriu um variado repertório de utilidade, que vai de utilitário de cozinha no preparo de comidas rápidas a instrumento de auxílio a pesquisas científicas.

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Atualizar a proposta do liquidificador para torná-lo condizente com a realidade da cozinha contemporânea seguindo um movimento artístico é um desafio, principalmente em se tratando do Dadaísmo, como se verá a seguir.

3 DADAÍSMO

O Movimento artístico dadaísta – o qual desenvolveu-se em Nova York, Zurique, Paris, Berlim, Hanover, Colônia e Barcelona, durante e após a Primeira Guerra Mundial, tendo como principal motivação o agrupamento de jovens artistas com a intenção de expressar sua indignação pelo conflito – era um movimento de renúncia à arte, sendo, portanto, considerado um movimento de anti-arte.

Dadá era essencialmente um estado de espírito, transformado pela guerra de descontentamento em náusea. Esta náusea foi dirigida contra a sociedade responsável pelos estragos da guerra e contra a arte e a filosofia, que apareceram tão impregnadas de racionalismo burguês, a ponto de se tornarem incapazes de criar novas formas, através das quais se pudesse veicular qualquer tipo de protesto. Opondo-se à paralisia a que esta situação parecia conduzir, Dadá voltou-se para o absurdo, para o primitivo, para o elementar. (ADES, 1976. p 12)

Assim, o Dadaísmo surgiu em

meio à Primeira Guerra Mundial, em um night-club literário denominado cabarnet Voltaire, onde jovens artistas refugiados reuniam-se para expressar sua indignação pelo conflito. Buscavam uma nova arte, indignados com a atual característica da mesma, que ignorava a realidade, e com a sociedade, que condizia com ela.

A palavra dadá foi escolhida a esmo pelo poeta Richard Huelsenbeck e

pelo pintor e músico Hugo Ball, em 1916, Zurique. Em francês, o termo significa “cavalinho de pau”, em romeno “sim, sim”, em alemão, é indício de uma absurda ingenuidade e, segundo Ades (1976), “exprimiria o primitivismo, o começar do zero, o novo em nossa arte”.

Caracterizado por ataques violentos e niilistas à arte, piadismo, pose e palhaçada, o Dadaísmo trouxe profundas modificações nas convenções de arte visual e grandes impactos na política, em especial na política alemã.

Promovendo o objeto produzido em massa à obra de arte, Marcel Duchamp, com seus ready-mades – como eram assim chamados – tornou-se um dos ícones do Dadaísmo. Sua principal obra, “A Fonte”, que na verdade era um mictório, foi enviada a uma exposição em Paris, onde Duchamp fora um dos convidados para julgar as obras, assinada como R. Mutt. A obra foi recusada, e Duchamp saiu da mesa de Júri, recusando-se a participar do evento.

A característica principal desses ready-mades é a de que o autor não intervém manualmente na elaboração do objeto, ele por si próprio já é a obra de arte. Isso se justifica pela fala de Francis Picabia:

Vocês estão sempre procurando

expressões já experimentadas, do mesmo modo que gostam de receber da lavanderia um par de calças velhas, que parecem novas para quem não as olhar com atenção. Artistas são tintureiros, não se deixem enganar por eles. As verdadeiras obras de arte moderna não são feitas por artistas, mas por homens simplesmente. (PICABIA, apud ADES, 1976. p 6)

Os dadaístas acreditavam que as

obras feitas pelos artistas da época

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nada mais eram que cópias de obras passadas, pois seguiam sempre os mesmos conceitos e métodos. Acreditavam que a arte deveria retratar a realidade, na qual a tecnologia e as revoluções estavam bastante presentes, buscando, assim, inspiração no contexto em que estavam inseridos: o ápice da Revolução Industrial. Queriam mudar o hábito das pessoas.

A escolha de ready-mades baseia-se sempre na indiferença visual, assim como numa total ausência do bom gosto ou mau gosto... [Gosto é] um hábito: a repetição de uma coisa que já foi aceita. Assim, os ready-mades eram exercícios destinados a evitar a arte (hábito). (DUCHAMP, apud ADES, 1976. p 6)

A exemplo disso tem-se o

“Cabide” que Duchamp exibiu numa exposição londrina em que o público, sem saber que essa era uma peça da mostra, pendurou seus casacos e chapéus na mesma, participando, assim, inconscientemente do jogo.

Além desses, Duchamp possui muitos outros ready-mades famosos como o porta garrafas e a pá para neve. Outra de suas obras de destaque é o “Grande Vidro”, um estranho objeto composto de dois vidros (2,80 x 1,73), que em seu interior apresenta elementos mecânicos pintados e situados com fio de chumbo. Trata-se da reunião de todas as suas obras, com a qual o autor pretendia substituir o corpo humano por objetos mecânicos, constituindo uma obra que deixava perplexo o expectador.

As principais técnicas utilizadas por artistas dadaístas são as colagens, que em sua maioria eram feitas com materiais retirados dos escombros da guerra; as montagens fotográficas; o sorteio para montar figuras e frase e suas frases sem nexo.

O movimento dadaísta se encerra em 1922, quando divergência de opiniões e disputas internas surgem entre seus membros. Entretanto, seus ideais continuam presentes, surgindo em diversos movimentos ao longo do século.

4 LEIS DA GESTALT

Na busca de uma conciliação visualmente agradável entre as características extraídas do Dadaísmo e os aspectos formais de um liquidificador de mesa, cabe aqui tomar as devidas precauções e preocupações a partir de uma análise gestáltica, tendo em vista o fato de que se pretende desenvolver um liquidificador arrojado para, além de exercer a sua função, enfeitar a cozinha das pessoas solteiras com idade entre 18 a 40 anos que moram sem os pais.

Associados ao estudo do Dadaísmo, buscaram-se também elementos para melhor analisar e interpretar a forma dos objetos. Fez-se necessária a utilização de um suporte para a leitura visual: as leis da Gestalt.

Segundo Gomes Filho (2004), o objeto deve ser segregado a fim de identificar cada característica da composição. Isso se torna possível por meio de elementos como pontos, linhas, planos, volumes, cores, sombras, brilhos, texturas e outros; o objeto pode passar a “sensação” de igualdade, equilíbrio, homogeneidade, gerando uma unificação da forma. Geralmente consegue-se isso por meio de oposições de formas e contrastes cromáticos que criam assimetrias no objeto.

A fim de se obter uma melhor impressão visual, o objeto deve possuir uma boa continuidade. Forma e cores não devem ser “quebradas”, o percurso do olhar não deve ser interrompido ou desviado. A boa continuidade atua no

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sentido de se alcançar a melhor forma possível do objeto, a forma mais estável estruturalmente.

Os elementos próximos uns dos outros tendem a ser vistos juntos, e, por conseguinte, a constituírem um todo ou unidades dentro do todo, assim como a igualdade de forma e cor que tendem a estabelecer agrupamentos de partes semelhantes.

Assim, após toda essa análise, é possível delimitar a pregnância da forma do objeto: quanto maior for o equilíbrio, a clareza e a unificação visual do objeto, mais alta será sua pregnância. A pregnância é a Lei Básica da Percepção visual da Gestalt e assim definida “qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante é tão simples quanto o permitam as condições dadas” (GOMES FILHO, 2004. p.36)

5 MATERIAIS E MÉTODOS Ao se iniciar um projeto, é

necessário um conhecimento mais aprofundado sobre o tema. Para tanto, faz-se uma pesquisa, visando captar, ao máximo, informações que possam relacionar-se ao universo do assunto.

Assim, inicialmente, levantaram-se dados em bibliotecas e na Internet sobre o Dadaísmo e sobre o liquidificador, abstraindo seus conceitos e organizando-os em fichamentos.

Fundamentados em sua teoria, o processo de formulação e organização dos dados foi iniciado. Discorrendo sobre o Dadaísmo, observou-se uma forte tendência a colagens, fuga dos padrões considerados “normais” pela sociedade da época, construções frasais sem lógica, concordância e coerência, reprodução de máquinas em pintura, montagens,

descontextualização, ironia, piadismo e ataques violentos aplicados às obras.

Notou-se, porém, que, para compreender mais sobre o liquidificador, seria necessário estudar mais o seu universo. Logo, fez-se uma busca sobre o ambiente em que este se insere - a cozinha.

Foi realizada uma pesquisa, então, acerca da história e da evolução da cozinha e do liquidificador. Além disso, foi feito um estudo quanto aos aspectos formais tendo como base as leis da Gestalt. Em seguida, foi elaborado um painel de estilos a fim de situar os temas que norteiam o projeto, bem como o público alvo e suas características.

Posteriormente, foram realizadas algumas sessões de Brainwriting com o intuito de organizar e desenvolver as idéias do grupo. Os encontros propiciaram grandes retornos. Palavras como “descontextualização de objetos”, “ready-made”, “ruptura com os padrões formais”, “aparência de máquina”, “montagem”, “colagem”, “inovação” e “provocação” surgiram como conceitos para o desenvolvimento de desenhos. Além disso, as cores branca, preta, vermelha e prateada foram eleitas como as que melhor representariam o movimento em questão.

Além de Brainwriting, foram realizadas sessões de Brainstorming com o objetivo de definir o conceito dos modelos a serem representados de forma tridimensional. Surgiram, assim, alguns desenhos. Estes foram analisados e selecionados em conjunto para o início da modelagem. Para um melhor desempenho no processo de desenvolvimento do modelo final, optou-se por fazer uso de diferentes tipos de materiais, verificando, assim, suas vantagens e desvantagens.

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Foram desenvolvidos quatro modelos de estudo (Figura 1), os quais apresentam todo o seu processo de conceituação e construção descritos no portfólio do projeto.

FIGURA 1 – Os quatro modelos

de estudo Após a análise dos modelos

confeccionados, e, em virtude de os quatro serem bem resolvidos, foi realizado, de uma maneira bastante dadaísta, um sorteio para a escolha de qual seria o modelo a ser evoluído para a apresentação final. Segundo o manifesto criado por Tristan Tzara, para se fazer uma poesia Dada, é necessário recortar as palavras de um artigo do tamanho que desejamos que fique a nossa poesia, colocá-las dentro de um saco, sacudir e retirá-las ao acaso, respeitando a ordem em que foram tiradas e copiá-las lealmente. Assim, seguindo essa mesma lógica, foi realizado o sorteio. O sorteado foi o terceiro modelo de estudo.

A etapa seguinte foi a aplicação da pesquisa de campo que viria a confirmar as suposições geradas no início do estudo quanto à afinidade do público-alvo com as características presentes no modelo final. De acordo com a pequena amostragem – cerca de

vinte pessoas – com a qual foi realizada a pesquisa, constatou-se, principalmente, que o liquidificador é um objeto muito importante e bastante presente nas cozinhas de pessoas solteiras com idade entre 18 e 40 que moram sem os pais e que esse público busca características inovadoras atreladas a uma estética ousada e bonita. Segundo as pessoas pesquisadas, a estética desse eletrodoméstico é relevante na hora da compra.

Tendo em vista a confirmação da afinidade sugerida anteriormente, bem como os demais fatores apontados na pesquisa, o modelo final deve, além de atender aos conceitos extraídos do Dadaísmo, ser prático, bonito e de fácil limpeza.

6 RESULTADOS

O modelo selecionado para representação final busca a praticidade por não haver necessidade de separar base e copo para servir à mesa. Construído em tamanho reduzido utilizando-se vários papéis, o modelo possibilita uma melhor análise de cores, visto que já fora confeccionado com as cores delimitadas no projeto. Baseado em uma estética um tanto quanto cubista e minimalista, presente também no Dadaísmo, o modelo escolhido buscou demonstrar uma aparência de máquina, característica das obras de Picabia e Duchamp. A fim romper com os padrões formais, houve um deslocamento da alça principal para uma parte integrante da base e o aparecimento de alças secundárias na parte superior do copo para dar suporte à sua retirada. A idéia é que a base e o copo formem um elemento visual comum e harmônico de maneira que a base possa ser levada à mesa juntamente com o copo, permanecendo

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a ele unida até mesmo na hora de servir o seu conteúdo, ou seja, sem a necessidade de separação para ser utilizada.

Algumas alterações foram feitas na confecção do modelo final, visando o melhor resultado. O copo ganhou uma forma mais elíptica e menos cilíndrica; a alça passou a ficar mais centralizada, mas permaneceu no mesmo lugar apresentado no modelo de estudo; o botão de acionamento mudou um pouco o formato e a posição a fim de facilitar o seu manuseio; as arestas frontais e laterais foram retiradas e substituídas por uma placa de acrílico, capaz de agregar mais beleza e funcionalidade ao objeto.

O material utilizado no modelo de apresentação foi a resina com corante vermelho para a confecção do copo; na base lateral e inferior foi utilizado madeira, massa corrida e tinta preta; a placa de sustentação do copo foi feita em acrílico; alguns materiais que imitam prata foram usados na alça e no botão; além disso, durante todo o processo foi feito uso de pincéis, esponjas, lixas, furadeiras e materiais afins para se alcançar o resultado esperado.

Em se tratando do modelo final para comercialização, no caso de uma produção em série, seria necessário um maior estudo na área de materiais viáveis e adequados. Sugere-se o uso de plástico injetado, acrílico e aço inox.

Por apresentar características bastante ousadas, o modelo foi denominado “OSÉ” – palavra francesa, que significa “ousado”. A escolha de uma palavra francesa para o nome do liquidificador, deu-se devido à freqüente utilização de termos franceses para denominar obras de cunho dadaísta, tendo em vista também o fato de o movimento ter tido início na Suíça, país

que utiliza o francês como língua predominante.

7 DISCUSSÃO E ANÁLISE O Dadaísmo, apesar de renegar

os conceitos e os ideais de os movimentos artísticos até a sua época e de querer ser um movimento anti-arte, apresenta traços, principalmente na sua pintura, de diversos movimentos modernistas europeus, tais como: futurismo, cubismo e abstracionismo.

Os integrante do movimento no qual buscaram-se mais características para a realização do modelo são Picabia e Duchamp, devido à construção de suas máquinas. Também retira-se do Dadaísmo um conceito fundamental, que está presente em qualquer área do movimento, seja pintura, poesia ou escultura (ou até mesmo nas exposições e o modo de vender seus trabalhos), que é a ruptura com o “padrão normal”. Buscou-se essa ruptura no modelo, por meio do diferencial, presente não só na forma, mas também na estrutura, já que a base pode ser levada à mesa juntamente com o copo, permanecendo a ele unida até mesmo na hora de servir o seu conteúdo.

Também propôs-se elevar a condição de liquidificador de mesa como um simples objeto utilitário para um enfeite, algo que fosse assemelhado a um objeto de arte. O valor simbólico que se passa ao produto é o de um “liquidificador que possa estar em cima da mesa quando a visita chegar”. Essa questão de certa forma está ligada aos ready-mades criados pelos dadaístas, que seria a elevação de objetos cotidianos comuns à obra de arte.

Realizados estudos da forma com base no livro Gestalt do objeto e

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aprofundando-se nas categorias conceituais, o modelo busca a harmonia e o equilíbrio, havendo simetria na base e no copo.

Além de funcionar como leitura visual da forma, fornece também subsídios valiosos para procedimentos criativos com relação à concepção de trabalhos e desenvolvimento de projetos de qualquer natureza. (GOMES FILHO, 2004. p75).

O objetivo era criar um liquidificador

de mesa com base no movimento dadaísta, para pessoas solteiras com idade entre 18 e 40 anos e que moram sem seus pais, quebrando o padrão formal já existente nos liquidificadores, em que não há grandes diferenças estéticas. O liquidificador desenvolvido rompe, assim, com as formas convencionas e dá margem a uma análise crítica sobre movimento definido para uma releitura do produto.

8 CONCLUSÃO

No decorrer da elaboração do projeto, alguns pensamentos e idéias foram modificados, aperfeiçoados e adequados, sem, no entanto, impedir

que os objetivos delimitados deixassem de ser completamente alcançados. Verificou-se, ainda, em algumas etapas, que a prática se apresenta um pouco diferente da realidade presente na teoria, mas que os resultados obtidos foram compatíveis com o que se pretendia desenvolver no início da pesquisa.

A metodologia proposta, bem como o cronograma das atividades previstas foram perfeitamente seguidos, o que se constitui no principal fator contribuinte para a conclusão com sucesso do projeto. Assim sendo, recomenda-se, já no início de qualquer projeto, a delimitação dos objetivos e a definição de cada etapa do processo a fim de otimizar o tempo e os recursos disponíveis, seguindo sempre, dentro do possível, as datas pré-estabelecidas.

Assim, é possível que a concretização deste projeto traga, futuramente, contribuições significativas para o meio científico, tendo em vista a escassez de pesquisas relacionadas ao assunto tratado.

REFERÊNCIAS

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