os sons da ilha a cultura local na produção musical do grupo engenho

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Marco Antonio Ferreira de Souza Os sons da Ilha: a cultura local na produção musical do Grupo Engenho, Florianópolis 1979-1984 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Henrique Luiz Pereira Oliveira. Florianópolis, dezembro de 2007

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Page 1: Os Sons Da Ilha a Cultura Local Na Produção Musical Do Grupo Engenho

Marco Antonio Ferreira de Souza

Os sons da Ilha: a cultura local na produção musical do Grupo Engenho,

Florianópolis 1979-1984

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Prof. Dr. Henrique Luiz Pereira Oliveira.

Florianópolis, dezembro de 2007

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Agradecimentos

Diz-se que não se faz nada sozinho. Quando leio esta frase e penso em mim mesmo

acredito que isto é uma verdade universal... Portanto gostaria de agradecer a muitos que, de

uma forma ou de outra, me ajudaram nesta caminhada da Universidade que se encerra com a

confecção deste trabalho.

Primeiramente, agradeço aos meus pais, Dona Carmem e Seu Valdir(zinho), vocês

foram fundamentais em todos os momentos, desde sempre, compartilhando amor e carinho,

guiando-me na educação e na formação do caráter e me acompanhando e aturando nestes 27

anos, até chegar na conclusão de mais esta fase da minha vida. A vocês que são as pessoas

mais importantes da minha vida dedico este trabalho.

Agradeço também ao meu irmão Rodrigo (Ferreira) e à minha cunhada Aline pela

força, e à minha irmã Bárbara; ao tio Paulinho, pelos grandes bate-papos, e à tia Eliane. Meu

agradecimento aos meus compadres Marcelo e Débora e minha afilhada Nicole e aos também

meus compadres Diogo e Michelli e ao meu afilhado Gustavo, e um beijo pra Aline que

batizou o Gustavo comigo.

À rapaziada da Forquilhinha pelos anos de convivência, amizade e compartilhamento

etílico, o meu grande abraço. Ao Mano, grande cara, amigo e parceiro; ao Nadinho, pessoa

pela qual cresce a cada dia minha estima e admiração, e à Vânia; ao James, sinônimo da

expressão gente fina, e à Gilmara; ao Rodrigo, amigo novo e parceiro de Scarpelli; ao

Fernando, com quem (embora não pareça) estudei Língua Portuguesa e inglês durante algum

tempo e com o qual debati várias vezes os dilemas da humanidade; ao Duda, assessor para

assuntos de informática e ao Maycon (Miúda), figura rara!! Um abraço também ao Gina e à

Mônica, ao Xande e à Eliziane, ao Daniel, ao Juninho, ao Keko e ao Magrão, ao Maicon Allan

e ao Robson.

Na Universidade encontrei várias pessoas que merecem meus agradecimentos. A todos

da minha turma 2001/2 e aos que a ela se incorporaram mando um grande abraço,

principalmente aos quais tive e continuo tendo mais contato. Agradeço aos meus amigos Eder,

que acreditou em mim como compositor a ponto de gravar minha música, e à Mariele; ao

Fábio Paulo, parceiro num samba que nenhum de nós sabe o nome, e à Luana; ao Jackson,

pessoa fantástica; ao Maycon, meu patrão por um mês; ao João (Laguna), o funcionário mais

dedicado do seu Rocha; ao Jean, que consegue ser tão ou mais ranzinza que o Disma; ao

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Dudu, ao Fábio Richter, ao Tiago de Moura, ao Zé, ao Miguel e à Gisely, à Mariana, à

Cristina, à Greyce, à Natália, à Juju e à Jacque.

No PET, onde fui bolsista por dois anos, tornei-me amigo de várias pessoas que

merecem toda minha consideração e respeito. Agradeço ao Cunha e ao Pereira, companheiros

de jornada etílico-intelectual-existencial (se é que isso existe); ao Yan, o maior furador de

Águas de Chapecó (ele vai entender); ao Camilo, pessoa de simplicidade (isto é sério) e

educação (isto nem tanto) ímpares, e à Graci; ao Maurício (Maurice) o torcedor/secador mais

chato do universo; ao Disma, a pessoa que mais me diverte jogando futebol, e à Karla, que

deve ter uma paciência gigantesca para aturá-lo e ao Giovanny, que me emprestou dois dos

três discos do Engenho pra que eu fizesse o trabalho. Um beijo especial à Ana (Aninha), à

Jana e à Virgínia, eu as amo!! Agradeço também à Vic, à Maíra, à Ana Iervolino, à Martha e à

Cris Melo, vocês, cada uma à sua maneira, são muito especiais pra mim. Vão também um

abraço e um agradecimento especiais ao Gustavo (Marx) e à Maria Fernanda (Engels),

exemplo de caráter e personalidade; ao Miguel (Índio) e à Jú Vamerlatti (que juntamente com

a Martha abriram mão de alguns meses de bolsa para que eu entrasse no PET), ao Daniel

Pitthan, à Rafa Leuchtenberger, à Lis, à Beta, à Bete, à Juliana, à Priscila, à Giovana, à Ana

Carolina, ao Franco, ao Felipe, ao Diego, ao Pedro e ao Fernando Bartholomay.

Um abraço também pro Negão e pro Heliton, organizadores das cachaçadas mais

surreais das quais já participei e tive notícia; e também à Mari(lane), à Cida e à Luciana.

Agradeço ao meu orientador, Henrique Pereira Oliveira, que aturou minha displicência

por quase dois anos e foi fundamental no refinamento do meu problema de pesquisa e, por

conseqüência, na feitura deste trabalho, e à Gláucia que deu uns toques legais. Aos

Professores Paulo Pinheiro Machado e João Klug, meus tutores no PET, também agradeço,

com vocês aprendi muito!

Agradeço ao pessoal da Casa da Memória, Norberto, Alzemir e Eliana, que me

proporcionaram o acesso ao terceiro disco do Engenho, Força Madrinheira, e a Luiz

Moukarzel, que me esclareceu detalhes importantes sobre o período de formação e atividade

do Grupo Engenho. E a todos que por um lapso de memória imperdoável não foram citados

aqui, meus agradecimentos.

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Índice

Introdução..............................................................................................................................05

1. Quando o boi foi pra rua: estética e política no som do Engenho.................................14

2. No compasso do Engenho: cultura e políticas culturais em Santa Catarina..................31

3. O meu boi vadiou: o Engenho na mídia........................................................................52

Considerações Finais.............................................................................................................64

Fontes.....................................................................................................................................66

Referências Bibliográficas.....................................................................................................69

Page 5: Os Sons Da Ilha a Cultura Local Na Produção Musical Do Grupo Engenho

5

Introdução

O presente trabalho pretende analisar como a cultura local é tratada na produção

musical de Florianópolis estudando o trabalho de um dos grupos mais significativos da música

da cidade na década de 1980, o Grupo Engenho.

A escolha do trabalho destes artistas para realização da pesquisa levou em conta sua

importância para a produção musical da cidade, bem como, a relação do seu trabalho com a

cultura local da qual foram considerados, pela imprensa e parte do seu público, legítimos

representantes. Além disso, procurou-se abordar o debate sobre as tradições culturais da Ilha

de Santa Catarina bem como as políticas culturais implantadas no período.

Para realizar esta pesquisa usamos como fontes os discos do Grupo Engenho, as

canções neles contidas, suas partes gráficas, capas, encartes e demais informações que nos

ajudaram a desenvolver o problema. Além disso, procuramos informações, dados e entrevistas

cedidas pelos integrantes do grupo, publicadas em jornais1 de circulação estadual (O Estado,

A Notícia e Diário Catarinense)2, além de outras publicações, como revistas, em busca de

subsídios que nos auxiliaram na elaboração do trabalho.

A escolha das faixas analisadas naturalmente priorizou as canções que tratavam do

referido tema, ou seja, que continham em suas letras, melodias e arranjos referências sobre as

práticas cotidianas dos habitantes da região, suas manifestações culturais, os lugares que

freqüentavam, aspectos de suas relações sociais e de sua relação com o ambiente onde viviam.

A idéia de fazer o TCC sobre a produção musical em Florianópolis teve como ponto de

partida as discussões feitas no LAPIS (Laboratório de Pesquisa em Imagem e Som) sobre

cinema e cultura local, onde pela primeira vez tive contato com a discussão acerca do discurso

praticado em Florianópolis com relação à cultura açoriana e aos usos políticos e econômicos

que se fazia dela. Estas discussões versavam sobre os processos ocorridos na Florianópolis

dos anos 80, que acarretaram numa identificação entre a história e a cultura da Ilha de Santa 1 Optei por buscar nos jornais e revistas as entrevistas concedidas pelos integrantes do grupo ao invés de fazê-las por entender que seria mais producente ao trabalho captar as declarações cedidas pelos componentes do Engenho na época em que atuavam como grupo musical e por pensar que estas entrevistas podem nos revelar com mais clareza a forma como pensavam na época. Outro motivo seria a eventual mudança que haveria na forma dos próprios ex-integrantes do conjunto avaliarem o trabalho que fizeram a mais de 20 anos. 2 Para a pesquisa sobre o período em que o Grupo Engenho estava em atividade utilizei somente o jornal O Estado, pois este era o diário de maior circulação publicado em Florianópolis no período. Quanto aos jornais A Notícia e Diário Catarinense, o primeiro era editado em Joinville enquanto o segundo começou a ser publicado na Capital a partir de 1986. Destes somente utilizei algumas matérias sobre o grupo depois de sua dissolução as quais se encontram na pasta nº 340 da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, além de algumas matérias cedidas por amigos que as encontraram e gentilmente mostraram-me.

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Catarina e a cultura açoriana. Este fenômeno acontecia paralelamente à busca dos órgãos

públicos na divulgação da cultura como uma das bases para as políticas de turismo no Estado,

fato que acabou por fortalecer ainda mais esta relação entre a cultura de Florianópolis e a sua

suposta tradição açoriana. Nesta perspectiva, a vinda dos açorianos para o litoral de Santa

Catarina acontecida no século XVIII tornou-se o fato sobre o qual começou-se a pautar a

maioria das discussões em relação à cultura da Ilha.

Observando que o trabalho do Engenho foi produzido exatamente neste contexto

comecei a pensar qual relação poderia haver entre um determinado tipo de música produzido

na cidade e a busca pela legitimação, manutenção e exaltação de uma cultura com a qual

tentava-se identificar a cidade.

Desta forma acabei por escolher o trabalho do Grupo Engenho como objeto de estudo

justamente por ser consensual a afirmação de que a produção do grupo estava identificada

com a cultura local. Assim, era preciso analisar os motivos pelos quais havia se estabelecido

esta associação, quais elementos presentes na música do Engenho levavam a este tipo de

análise em relação à sua obra. Nesta perspectiva, investigar a produção musical do Engenho

foi uma escolha para acompanhar as discussões em relação às práticas culturais referentes à

cidade de Florianópolis, bem como, observar o debate sobre a cultura local que estava

ganhando um espaço considerável na cidade naquele período.

Porém, somente a música do Engenho não oferecia elementos suficientes para uma

discussão em relação aos debates sobre a cultura local que aconteciam na cidade naquela

época. Assim, foi fundamental procurar por outras fontes que nos ajudaram a contornar esta

discussão. Desta maneira, os jornais nos possibilitaram analisar como esta questão estava

sendo tratada pela opinião pública no período, além de permitir observar a maneira como a

imprensa tratou o trabalho do grupo e as relações que esta estabelecia entre o Engenho e as

manifestações culturais que eles abordavam.

Pelos jornais também foi possível perceber como as discussões sobre as políticas

públicas em relação à cultura permearam os espaços na sociedade da época, de que maneira

elas apareciam na mídia e qual a sua abrangência nos meios culturais. Além disso, foi possível

também observar como o trabalho do Engenho relacionava-se com elas.

Em relação às fontes, as primeiras com as quais tive contato foram algumas músicas

do Engenho, nelas pude perceber a diversidade dos temas trabalhados pelo grupo, os quais não

se limitavam somente à descrição e ao culto dos valores e das tradições de Florianópolis, mas

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abrangiam outras referências culturais do Estado. Além disso, traziam uma crítica ao sistema

político e à sociedade da época.

Quando tive acesso aos discos do grupo fui percebendo as pequenas mudanças que

caracterizaram os trabalhos do Engenho. Ouvindo-os fui notando que não somente os temas,

mas também a sonoridade do grupo foi-se alterando em cada disco. Na perspectiva de analisar

como o grupo tratava a cultura local, fui observando que a cada trabalho havia a diminuição

da quantidade de músicas que tratavam deste tema na produção do Engenho. Porém, esta

redução do número de faixas que abordavam a cultura local acompanhava um aumento das

referências sonoras (melodias, ritmos e arranjos) relativas àquela cultura nas músicas que

privilegiavam o tema.

Nos jornais, em busca de mais material para cotejar com as informações contidas nos

álbuns, surpreendi-me com a quantidade de matérias que destacavam o trabalho do grupo,

além da agitada cena cultural da cidade nos anos 80, pelo menos na área da música. Era

impressionante o número de shows de grandes artistas na capital naquele período. Isto graças

aos projetos culturais, dos quais o principal era o Projeto Pixinguinha que trazia a

Florianópolis muitos músicos conhecidos nacionalmente. Em contrapartida a cena musical

local não apresentava uma grande efervescência, ao contrário, com exceção do Engenho que

tinha um público considerável e respaldo na mídia, poucos artistas locais se destacavam,

sendo que esta situação começou a mudar somente a partir dos lançamentos dos discos e da

popularidade alcançada pelo Engenho.

Ainda em relação aos jornais era permanente em suas páginas a discussão sobre os

rumos da cidade, o crescimento demográfico, a perda do patrimônio histórico e das práticas

tradicionais da população, a decadência agrícola, o aumento da violência urbana e a busca por

alternativas para a melhoria da situação econômica da cidade que invariavelmente passava

pela questão do turismo.

Além das músicas do Engenho e dos jornais utilizei ainda como fonte uma revista

local publicada no início da década de 1980 chamada Quem, na qual observei também como

os meios de comunicação locais divulgavam o trabalho do grupo.

Na perspectiva de trabalhar com a produção musical acredito ser necessária uma

discussão acerca do uso da música como fonte. O uso da música como fonte histórica vem ao

encontro das vertentes historiográficas que romperam com as formas tradicionais de produção

do conhecimento histórico, as quais restringiam tanto os temas, limitando-se à história política

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e das grandes personagens históricas, quanto às fontes, que se reduziam basicamente a livros e

documentação escrita.

A ampliação dos temas estudados pela história assim como a utilização diversificada

de fontes trouxe aos historiadores uma série de dificuldades teórico-metodológicas que vão

desde a formulação da problemática a ser trabalhada até a maneira de lidar e, por que não,

explorar as fontes tentando obter delas respostas para a elucidação dos problemas propostos.

Os desafios propostos por estas dificuldades geraram e continuam gerando discussões

acerca de como utilizar estas novas fontes para delas extrair o maior número de informações

possível com vistas à produção do conhecimento histórico. Desta feita, o estudo da música e

sua utilização como fonte histórica também mereceram uma série de reflexões.

No Brasil a música popular urbana começa a ganhar espaço como objeto de estudo a

partir dos anos 70, porém, apenas no fim dos anos 80 e início dos 90 é que a historiografia

passa a perceber uma relação mais nítida entre história e música.3 Antes disso, muito pela

resistência dos historiadores em trabalhar com novas fontes e problemáticas, a maioria das

pesquisas sobre música ficaram mais “restritas ao universo da crítica”, sendo produzidas por

jornalistas e pessoas ligadas ao meio artístico.4

No campo da historiografia os primeiros trabalhos seguiram “a tendência

predominante das biografias e a descritiva de gêneros existentes nas interpretações da ‘boa

música’.”5 Estes trabalhos, embora fossem pioneiros, ficaram sujeitos à crítica pela falta de

critérios metodológicos com que foram produzidos. Segundo Vinci de Moraes eles seguiam

uma perspectiva de pesquisa que apontava para pelo menos três vertentes: uma dando

prioridade para a biografia do grande artista, observando-o como “único capaz de realizar a

obra, ou seja, o gênio criador e realizador”, outra se concentrando essencialmente na obra de

arte, somente interessada na “obra individual, que contém uma verdade e um sentido em si

mesma distante das visões do ‘mundo comum’”, e uma terceira que focava “suas explicações

nos estilos, gêneros e escolas artísticas, que contém uma temporalidade própria e estruturas

modulares ‘perfeitamente’ estabelecidas.”6

A partir dos anos 80 não somente a história começou a debruçar-se sobre a esfera

musical. Sociologia, antropologia e língua e literatura brasileira, para citar alguns exemplos,

3 NAPOLITANO, Marcos. História e Musica. Curitiba: Autentica, 2000. p. 07- 08. 4 MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico. In. Revista Brasileira de História. São Paulo. UNESP, v.20, nº 39, p.203 - 221. 2000 p. 207. 5 Idem. p. 207- 208. 6 Ibidem. p. 206.

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também se ocuparam em estudar a música popular brasileira e contribuíram sobremaneira

tanto na formação de uma crítica acumulada em relação aos estudos sobre música, quanto para

a compreensão da história nacional.7

A historiografia recente com base tanto na crítica daqueles estudos, quanto na

perspectiva interdisciplinar da história e na busca por novos problemas e objetos de pesquisa

vêm discutindo maneiras e técnicas para melhor utilizar a música como instrumento de

produção do conhecimento histórico, visto que esta já se mostrou como um importante

utensílio para a interpretação de manifestações do cotidiano, bem como, para o estudo de

fenômenos acontecidos na sociedade.

Desta forma, as canções, juntamente com outras fontes, revelam-se materiais

importantes que podem nos ajudar na compreensão de determinados fenômenos, fatos, ou

períodos históricos, desde que a consideremos como “documentos perpassados por uma

historicidade.”8

Porém, para se trabalhar com a música sem correr o risco de incorrer em erros de

caráter metodológico é necessário definir alguns critérios que vão balizar a pesquisa e sem os

quais o trabalho pode ficar comprometido. Marcos Napolitano e José Geraldo Vinci de

Moraes concordam quando recomendam ao pesquisador de música que este mesmo estabeleça

os “critérios, balizas e limites da manipulação da documentação”.9 Isto se justifica pelo fato de

ninguém além do próprio autor conhecer mais e melhor suas fontes e, assim sendo, é ele o

mais indicado para a escolha da maneira como as tratará.

No caso deste trabalho as canções do Engenho foram analisadas sob a perspectiva de

apresentar uma visão que um grupo de artistas tinha, naquele momento, de uma determinada

cultura ou de traços culturais referentes a uma determinada população, e não como os

elementos culturais característicos e referentes daquelas. Neste sentido, o trabalho do Engenho

relativo à cultura local deve ser observado como o resultado de uma escolha de determinados

elementos culturais que compõem uma cultura bem mais ampla, com muitos outros tipos de

fenômenos e manifestações que não foram utilizados como referência para a elaboração das

canções do grupo.

7 Ibidem. p. 208. 8 SOUZA, Fabio Francisco Feltrin de. Canções de um fim de século: História, música e comportamento na década encontrada (1978-1991). Florianópolis, 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História. p. 14. 9 MORAES. Op. cit. p. 210.

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Outras questões que são tratadas pelos autores e sobre as quais estes apresentam a

mesma opinião referem-se à analise que deve ser feita em relação ao artista e o tempo

referente à produção da obra. Assim, música ou artistas não podem ser analisados fora de seus

contextos (o que pode parecer óbvio, mas em alguns momentos foi prática comum entre

estudiosos de música). É recomendável também, analisar letra e música juntas, e não uma ou

outra somente, visto que, estes dois elementos juntos compõem a obra musical e uma está

inevitavelmente ligada à outra. Porém, a análise em separado destes elementos da canção pode

ser feita para fins didáticos.

Nesta perspectiva, a análise do uso dos instrumentos, timbres, fraseados e arranjos são

importantes no momento em que podem fornecer elementos para a compreensão da obra, pois

os sons também são elementos perpassados por uma historicidade. Assim tentaremos analisar,

além das letras, os arranjos das canções do Engenho, a maneira como os diversos instrumentos

são utilizados e as referências que cada um deles traz em sua execução na perspectiva de

observar que relações ficaram estabelecidas entre os sons produzidos e os temas trabalhados

pelo grupo.

Anteriormente chamei a atenção para as críticas em relação aos trabalhos que

priorizavam as biografias, as quais viam o artista estudado como único capaz de criar

determinada obra, bem como, para as pesquisas que se concentravam somente na obra

individual do artista sem relacioná-la com o contexto de sua produção. Para evitar seguir esta

tendência, embora trate da obra de um único grupo, analisei a música do Engenho como sendo

o produto de uma determinada conjuntura social na qual foi possível sua realização e onde

estiveram envolvidos muitos outros agentes que discutiam, produziam e realizavam pesquisas

relativas aos aspetos trabalhados nas canções do grupo.

Quando se fala em música popular outra questão que merece destaque é a discussão

acerca do conceito de cultura popular. Há muito tempo vem-se trabalhando com as questões

relacionadas à cultura e, nesta perspectiva, a historiografia contribuiu para a evolução das

pesquisas em relação ao tema e na revisão de determinadas correntes do conhecimento que

determinavam as formas de se compreender e interpretar a cultura popular.

Estas pesquisas permitiram uma nova abordagem em relação ao tema e foram

importantes ao passo que trouxeram uma nova maneira de observar a cultura popular que não

fosse pautada nas vertentes que observavam esta como dependente de uma cultura formal e

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letrada, bem como, das correntes que viam a cultura popular como um “sistema autônomo,

enraizado e coerente.”10

Sobre os diversos estudos acerca da cultura popular Vinci de Moraes diz que

“De modo geral, apesar das posturas contrastantes e às vezes opostas, parece que há algumas convergências mais evidentes nesta rica produção historiográfica, notadamente a de considerar cultura popular como pluralidade, isto é, deve-se falar em culturas populares que ao mesmo tempo se transformam e/ou permanecem em espaços e tempos definidos, e não uma cultura popular pura e secularizada. Na realidade, essas culturas populares se relacionam de diversas maneiras entre elas mesmas e as culturas formais ou de elite, interagindo, resistindo, influenciando, submetendo-se etc.11

Desta maneira, é preciso entender a cultura popular como um produto das relações

sociais entre populações, sociedades e classes que produzem e compartilham experiências e

que, desta forma, trocam informações e influenciam uma à outra mutuamente.

A canção, tipo de música popular que será analisado neste trabalho, e mais

especificamente a música popular urbana, são exemplos desta tendência. Surgida entre fins do

século XVIII e início do século XIX, a música popular urbana é resultado da junção de uma

série de elementos da música erudita e da música folclórica, e está ligada as novas formas de

diversão e lazer urbanos que se constituíram a partir de uma nova conjuntura sócio-

econômica, “produto do capitalismo monopolista”.12

Feitas algumas considerações em relação à utilização da música como fonte, bem

como, sobre o conceito de cultura popular é preciso também analisar os trabalhos já

produzidos sobre o Grupo Engenho. Assim, as reflexões sobre o trabalho do Engenho e sua

relação com a cultura local devem levar em conta a produção histórica já realizada sobre o

grupo e a música catarinense no período. Nesta perspectiva, faremos aqui uma pequena

análise desta produção.13

O trabalho de Cristiane Silva da Rosa, As engrenagens do Engenho: A produção

musical do Grupo Engenho em Santa Catarina no início da década de 198014, descreve o

trabalho do Engenho no seu período de maior destaque entre 1979 e 1984 e analisa os temas

10 Idem. p. 214. 11 Ibidem. p. 214. Sobre esta produção historiográfica o autor chama a atenção para os conceitos de mediações de experiência de Thompson, de circularidade formulado por Ginznburg, de relações de “mão dupla” trabalhados por Peter Burke, entre outros. 12 NAPOLITANO, Op. Cit. p. 11- 12. 13 Embora tenha preferido trabalhar com jornais não me furtarei em utilizar, conforme achar conveniente, as entrevistas feitas com os músicos do grupo contidas em outros trabalhos, bem como as já citadas matérias de jornais publicadas após a dissolução do grupo e também por ocasião da sua volta às atividades. 14 ROSA, Cristiane Silva da. As engrenagens do Engenho: a produção musical do Grupo Engenho em Santa Catarina no início da Década de 1980. Florianópolis: FAED-UDESC, 2000. (TCC em História)

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tratados pelo grupo em suas canções e sua relação com o momento histórico que a cidade e o

país estavam atravessando. Procura mostrar que as opções estéticas do grupo e os temas que

compõe seu repertório são resultados da busca de uma discussão sobre a sociedade no

contexto no qual o grupo surgiu, bem como das propostas política e ideológica do grupo em

relação ao momento vivido. No que se refere ao tratamento dado pelo Engenho à cultura local

limita-se a citar os elementos desta cultura descritos pelo grupo, além de perceber a

preocupação em relação a perda de algumas atividades na Ilha. Sobre a sonoridade do grupo

percebe o uso de uma célula rítmica que permeia a maioria das canções que tratam da cultura

do litoral, embora não a descreva. É um trabalho pioneiro no que tange à produção musical em

Florianópolis que esclarece algumas questões em relação à trajetória do Grupo Engenho e que

levanta a discussão sobre os temas tratados pelos músicos nas canções do grupo.

Já o trabalho de Adriano Rotini, Música e identidade cultural em Florianópolis na

década de 198015, ao analisar a produção do Grupo Engenho busca discutir de que maneira

aparecem nas suas canções os “valores e tradições”16 da Ilha, e qual a relação destes temas

com a identidade cultural que se quer forjar para Florianópolis no período. Observa também o

viés político explorado pelo grupo em sua produção musical e a diversificação dos seus temas

quando, no segundo disco, direciona suas canções para um tipo de cultura mais identificada

com o interior do Estado.

Embora o trabalho do Grupo Engenho já tenha sido analisado em outras pesquisas,

acredito que o aprofundamento nas discussões sobre a cultura e as políticas culturais adotadas

na cidade no período, feitas a partir da leitura dos jornais da época, podem contribuir para

aprofundar a compreensão das relações entre a música e as políticas culturais em

Florianópolis.

Assim, na perspectiva de analisar o trabalho do Engenho e sua relação com a cultura

local este trabalho dividir-se-á em três capítulos que seguirão uma narrativa que terá como

pano de fundo a história do Grupo Engenho, a partir da qual procurarei trabalhar os temas

propostos na pesquisa. O primeiro capítulo, Quando o boi foi pra rua: estética e política no

som do Engenho, tratará da formação do Grupo Engenho, sua consolidação como quinteto e

sua trajetória até o lançamento de seu primeiro disco. Neste meandro tentarei esboçar algumas

questões sobre as escolhas estéticas do grupo, bem com, tentar estabelecer uma relação do

15 ROTINI, Adriano. Música e identidade cultural em Florianópolis na década de 1980. Florianópolis: CFH-UFSC, 2004. (TCC em história) 16 Idem. p. 06.

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trabalho do grupo com seu público, além de fazer as análises das músicas que compõe o

primeiro LP do conjunto.

O segundo capítulo intitulado No compasso do Engenho: cultura e políticas culturais

em Santa Catarina tratará do segundo disco do grupo, buscará estabelecer as relações entre os

traços culturais relativos à cidade trabalhados pelo Engenho e a política cultural adotada no

Estado no período, abordando também a trajetória do grupo na busca da manutenção de um

determinado status já conseguido com o primeiro trabalho.

O terceiro capítulo, O meu boi vadiou: o Engenho na mídia, procurará abordar o

tratamento dado pela mídia em relação ao Engenho e as relações que a mesma estabelecia ao

tratar da produção do grupo referente à cultura local. Tratará também da mudança de

sonoridade e dos temas trabalhados no terceiro disco do grupo Força Madrinheira.

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1. Quando o boi foi pra rua: estética e política no som do Engenho

Inventaram a borracha da cultura E apagaram a memória nacional...

(Paulo César Feital - João Nogueira)

Entre os anos de 1976 e 1977 havia em Florianópolis no meio universitário,

especialmente no movimento estudantil, uma série de pessoas que além da militância política

dedicavam-se às artes em geral e em especial à música. Assim, dentre as várias manifestações

culturais surgidas neste meio formou-se um grupo musical que contava com Luiz Ekke

Moukarzel (guitarra), Marcelo Muniz (baixo) e Chico Thives (bateria). Dispostos a fazer

músicas próprias e produzindo um som com referências do Rock e com influências de

músicos brasileiros como Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, estes músicos fundaram, já

em 1977, o Grupo Engenho. Segundo Cristiane da Silva Rosa nesta fase o Engenho tinha a

proposta de “fazer um ‘Rock Ilhéu’”.17

Com esta formação o Grupo Engenho montou, em agosto daquele ano, no Teatro

Álvaro de Carvalho, o show “Misantropia”, que aliava suas músicas com experiências de

sombras e expressão corporal. No ano seguinte tiveram vez a montagem dos shows “Em

louvor dos pássaros”, também realizado no TAC, e “Ensaio Geral”, apresentado nas

escadarias da Igreja do Rosário, no Centro de Florianópolis.

Na mesma época o Grupo Vzero, formado por estudantes de Engenharia da UFSC e

que tinha um trabalho mais voltado para a MPB, apresentava-se com seu show no circuito

universitário catarinense, chegando inclusive a vencer o Segundo Festival Universitário da

Canção de Blumenau. O grupo foi primeiro colocado também num festival em Londrina.

Ainda neste ínterim, o Vzero fazia ao vivo a trilha sonora de “Mesa Grande”, peça de Clécio

Espezim, apresentada inclusive no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Nos anos seguintes após várias formações tanto o Engenho como o Vzero estavam por

se desfazer. Foi quando em 1979 Marcelo Muniz (baixo) e Chico (Aderley) Thives (bateria)

do Engenho e Alisson Motta (violão) e Cláudio Rodrigues, o Frazê (percussão), do Vzero

juntaram-se ao sanfoneiro Cristaldo, recém chegado à capital, e formaram um novo grupo.

Cristaldo Souza também já possuía uma boa experiência, foi primeiro colocado no 4º Rodeio

Crioulo Internacional de Vacaria e no Primeiro Festival de Música Popular de Urubici.

17 ROSA. Op. Cit. p. 14.

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Esta união deu-se a partir de um encontro que tiveram por ocasião de um convite que

receberam, separadamente, para tocar no Diretório Acadêmico de Engenharia da UFSC para

animar um encontro de estudantes de jornalismo. Empolgados com a sonoridade que

conseguiram, apesar de nunca terem tocado juntos, e pelos convites subseqüentes para tocar

em diversas festas, decidiram seguir juntos propondo um novo trabalho.18

Com esta formação o grupo iniciou um trabalho voltado para a música popular com

incursões na música catarinense, utilizando elementos do folclore em suas canções. Apesar de

apresentarem uma outra proposta em relação aos trabalhos feitos anteriormente os músicos

optaram por conservar o nome Engenho que estava de acordo com a filosofia do grupo.19

Este nome é inclusive motivo de controvérsias. Segundo seus integrantes “o nome do

conjunto nasceu do próprio espírito que o rege e pelo fato do engenho de cana ser, com

exceção da Ilha, uma presença constante em todas as regiões do Brasil.”20 Mas há quem diga

que a denominação pode ter vindo de uma pequena apresentação feita no interior da Ilha, no

Santinho, onde o bar que tocavam estava montado dentro de um engenho de farinha.21

A busca por uma estética com base na MPB22 e em referências da música e do folclore

catarinense era, portanto, o cerne da atividade do Grupo Engenho. Neste sentido, a entrada de

Cristaldo no grupo trazendo um elemento novo, a sanfona, ao som do Engenho, aliada às

posições ideológicas dos componentes da banda contribuíram para a busca por uma

sonoridade mais voltada a cultura regional sintonizada com algumas tendências da MPB.

Marcelo Muniz, em entrevista cedida a Cristiane da Silva Rosa, comentando sobre a situação

da música brasileira e da indústria cultural no Brasil no fim dos anos setenta afirmou que:

18 Idem. p. 14-17. 19 Tratarei do trabalho do Engenho dando ênfase ao período entre 1979 e 1984, fase de maior sucesso do grupo na qual lançaram três LPs. Os parágrafos acima foram escritos a partir da contracapa do disco Vou botá meu boi na rua. Engenho Produções Artísticas, 1981. E da matéria de SCHMITZ, Paulo C. “Grupo Engenho: o protótipo de uma luta isolada e desigual.” O Estado. Florianópolis, 11 de novembro de 1979, p. 17. 20 SCHMITZ, Paulo C. “Grupo Engenho: o protótipo de uma luta isolada e desigual”. O Estado. Florianópolis, 11 de novembro de 1979, p. 17. 21 Idem. p. 17. Há ainda outra versão sobre o nome adotado pelo grupo. Em conversa informal que tive com Luiz Ekke Moukarzel, integrante da primeira formação do Grupo Engenho, este me disse que o nome foi sugerido por ele e estava relacionado ao sentido da palavra no que se refere ao pensamento e à invenção, o que remetia a opção deles fazerem músicas próprias, outro motivo seria a efervescência cultural que estava acontecendo nos cursos de Engenharia da UFSC na época. 22 Segundo Marcos napolitano: “[...] o conceito de MPB consolidado nos anos 70, na medida em que suas bases eram mais socioculturais do que estritamente estéticas, passou a dificultar seu próprio reconhecimento com gênero musical. A rigor, quase tudo poderia ser considerado MPB. Todas as posturas conservadoras ou radicais, poderiam ter seu lugar no clube, desde que prestigiados pelo gosto da audiência que definia a hierarquia musical. Basicamente ele era formado pelo jovem ou adulto intelectualizado e cosmopolita de classe média, habitante dos grandes centros urbanos brasileiros. A “definição” da MPB passava por critérios muito mais de tipo sociocultural, implicando em tipos de audiência, reconhecimento valorativo e circuitos sociais da cultura.” NAPOLITANO. Op. Cit. p. 73.

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[...] Neste Momento a discoteca, como essa onda de pagode que temos hoje, tomou conta do país. Não existia um espaço na rádio, na TV, em nada que não fosse discoteca, então encheu. Houve uma reação. Toda ação tem uma reação, teve uma reação da música brasileira, e esta reação coincidiu com a volta do cantor Sivuca ao Brasil, e teve muito a ver com o acordeon, um monte de gente lançou trabalhos nesta linha. As pessoas estavam procurando suas raízes na música brasileira, e o Grupo Engenho pegou este embalo.23

O acordeão neste contexto trazia em seus timbres a aproximação com o forró, um

ritmo considerado, assim como o samba, tipicamente brasileiro. Trazia também as referências

regionais de Cristaldo, catarinense de Urubici, cidade do Planalto Sul de Santa Catarina. Estes

elementos somados davam ao som do Engenho algumas das características tanto regionais

como brasileiras buscadas por seus músicos.

Aliás, todos os integrantes do Engenho, com exceção de Alisson, eram do interior de

Santa Catarina. Comentando sobre esta característica dos elementos do grupo, em reportagem

publicada por ocasião do lançamento de seu primeiro LP, os músicos do Engenho afirmam

que:

Marcelo - [...] Rio e São Paulo não fazem nosso estilo de vida. O Alisson veio de Cianorte (PR), o Cristaldo de Urubici, o Frazer (sic) de Rio do Sul, o Chico de Palmares e eu de Lages. Cristaldo - Nossa herança primária foi o regional, o caipira, o folclórico.24

Estas peculiaridades de cada integrante do Engenho além de reforçar a questão do

elemento regional referente à formação cultural de cada um deles, podem estar relacionadas

também à procura pelos elementos da cultura ilhoa, que se tornou uma das marcas registradas

do grupo. Além, obviamente, da formação do grupo ter-se dado em Florianópolis, onde a

discussão acerca da cultura local estava bastante presente, principalmente na Universidade,

meio no qual o Engenho formou-se. A aproximação em relação à cultura da Ilha deu-se ainda

na fase do trio quando, pela boa repercussão que obtiveram nos meios culturais locais,

chamaram a atenção de Franklin Cascaes25 que os auxiliou em pesquisas sobre o tema.26

As primeiras apresentações do Engenho nesta fase de quinteto foram na UFSC, local

onde tocavam música brasileira voltada aos ritmos regionais e composições próprias, dentre

elas as canções feitas para os trabalhos anteriores a esta formação, para o público

23 ROSA. Op. Cit. p. 13. 24 SCHMITZ, Paulo Clovis. “Grupo Engenho: ‘Músicos estão desunidos e não tem com quem contar’”. O Estado. Florianópolis, 05 de outubro de 1980 p. 25. 25 Franklin Joaquim Cascaes foi um estudioso do folclore e das tradições da Ilha de Santa Catarina. Desenhista, escultor e escritor, documentou diversas manifestações culturais da população da cidade como festas, costumes e lendas. Trabalhou muitos anos no Museu de Antropologia da UFSC. 26 ROSA. Op. Cit. p. 14.

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universitário, onde obtiveram algum sucesso. Exemplo disso foi sua primeira grande exibição

no auditório do Centro de convivência da UFSC, nesta oportunidade aproximadamente duas

mil pessoas amontoaram-se em um espaço com capacidade para 800 pessoas para assisti-los.27

Já com um trabalho consolidado, apesar de menos de um ano da nova formação, o

Engenho preparou o Show “Vou botá meu boi na rua”, com o qual se apresentou no teatro

Álvaro de Carvalho em novembro de 1979. O evento foi noticiado pelo jornal O Estado que

publicou em reportagem a batalha do Grupo Engenho em busca de espaço, incentivo e

reconhecimento. Outro destaque da matéria ficou por conta da atuação política do grupo na

procura por uma ação governamental em relação ao incentivo cultural para aos artistas

catarinenses. A matéria divulgava o Show que mais adiante se consolidaria no primeiro disco

do grupo e chamava a atenção para a proposta estética do Engenho.

O show de amanhã e terça feira no teatro Álvaro de Carvalho, chamado “Eu vou botá meu boi na rua” compõe-se de 20 músicas onde o Grupo Engenho mistura o folclore da Ilha, músicas regionalistas e o folclore nordestino, reunindo num mesmo espetáculo o baião, o frevo, o chote, a milonga, entre outros, além de manter é claro sempre como fundo o ritmo do boi-de-mamão. Essa fuga radical dos ritmos tradicionais deve-se ao fato de o show ser “independente, auto-determinado, sem patrocínios”. A pouca ajuda recebida não tirou o espírito independente da promoção, ainda mais, porque, destacam eles, “cada vez que alguém vai tocar em Florianópolis, tem que ser por iniciativa própria”. Para o grupo, na verdade, o espetáculo tem um certo sentido de vingança e ao mesmo tempo de solidariedade da classe. “Não e só um show de folclore. Nós, músicos, vamos nos reunir, trabalhar, mostrar a música de todos. Vamos botar pra fora mesmo, vai ser um grito de guerra”.28

Nota-se nestas linhas que o Grupo Engenho tinha uma proposta musical diferenciada

que não se limitava somente à questão estética, visto que esta própria escolha estética tinha

uma determinada conotação política. Isto aparece na escolha do repertório e na maneira de

compor as músicas, valorizando componentes de “raiz” de uma cultura associada ao estado de

Santa Catarina e à região de Florianópolis, como também ritmos considerados nacionais por

excelência como o forró, em detrimento dos ritmos internacionais como a Disco Music e o

Rock tão em moda no período. Além disso, percebe-se uma busca pela valorização do

trabalho dos artistas locais que não recebiam apoio por parte dos órgãos governamentais

27 A superlotação do local abalou as estruturas do prédio e por esse fato o Grupo Engenho ficou proibido de se apresentar naquele espaço. “Hoje, forró com Grupo Engenho”. O Estado. Florianópolis, 20 de setembro de 1980. p. 17. 28 SCHMITZ, Paulo C. “Grupo Engenho: o protótipo de uma luta isolada e desigual.” O Estado. Florianópolis 11 de novembro de 1979, p. 17. A entrevista foi realizada com quatro dos cinco integrantes do grupo. As frases entre aspas são todas falas dos músicos embora nem sempre fique claro na matéria qual dos componentes do Engenho as proferiu.

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estaduais ou municipais. Estas duas facetas do trabalho do Engenho ficam ainda mais

evidenciadas no decorrer da matéria.

Mesmo enfrentando toda essa gama de obstáculos, até agora o Grupo Engenho não mudou sua principal orientação, que é a pesquisa e a valorização das raízes, “interpretando a música como foi feita, dentro de seus caracteres folclóricos (embora atuais) e regionalistas”. Esse trabalho visa divulgar “a gente da terra” e acabar com o colonialismo cultural.29

Aqui fica clara a intenção de diferenciar seu trabalho utilizando elementos do folclore

e ritmos brasileiros como uma postura crítica em relação ao que se chamou de “colonialismo

cultural”. Como vimos anteriormente na entrevista cedida por Marcelo, havia um clima de

contestação em relação a produção cultural veiculada no Brasil que sugeria um imperialismo

cultural. Esta discussão permeava o ambiente artístico, onde uma tendência dos músicos

aderiu a àquela estética, em termos de forma e de conteúdo, e universitário, onde o Grupo

Engenho formou-se, bem como uma parte dos músicos em todo o país.

Na busca de espaço para se apresentar e na perspectiva de estimular a produção

musical local as ações do Engenho parecem ter dado resultados. Em janeiro de 1980, meses

antes do lançamento do primeiro disco, o Engenho era notícia na reportagem “TAC reabre

mostrando grupos locais”. A matéria que tratava da intenção da Fundação Catarinense de

Cultura de “‘divulgar e dar apoio aos movimentos musicais’ aqui do Estado” noticiava a

realização de uma série de shows com grupos de Florianópolis, dentre as quais o Engenho.

Assim, anunciava que “as apresentações serão feitas pelo Grupo Engenho, desta capital, que

vai se exibir com o show ‘Eu Vou botá meu boi na rua’[...]”, ao seu final o texto trazia uma

pequena apresentação dos artistas que participavam do projeto:

As músicas executadas no show que o Grupo Engenho apresentará são criações de seus próprios componentes. São músicas criadas a partir da realidade do Sul brasileiro, especialmente da Ilha de Santa Catarina, ‘cuja musicalidade é tão rica..., (sic) conforme definem os compositores das canções [...].30

As referências em relação à cultura da Ilha estavam bastante presentes nesta fase

inicial do Engenho e o show “Vou botá meu boi na rua” refletia bem esta tendência. Além

disso, como já havia alcançado uma certa popularidade o Engenho abria uma perspectiva para

o incentivo de políticas públicas voltadas à produção cultural local.

29Idem, p. 17. Luiz Moukarzel chamou-me a atenção para o fato de que estas pesquisas eram feitas individualmente não somente pelos integrantes do grupo, mas por várias pessoas que participavam daquele meio universitário. 30 “TAC reabre mostrando grupos locais.” O Estado. Florianópolis, 16 de janeiro de 1980. p. 10.

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A partir destes shows e já com certo sucesso obtido o próximo passo do grupo foi

organizar shows maiores e acumular dinheiro para a gravação do primeiro disco. Para isso o

Engenho atacou por uma frente que sempre lhe rendeu resultados positivos, os forrós. Apesar

de chamarem-se forró as festas não se resumiam apenas à execução deste ritmo e receberam

este nome devido à efervescência deste estilo de música naquele período e a associação que se

fazia do som do grupo, que utilizava o acordeão, com aquele. Além disso, quando convidados

para tocar numa festa no Restaurante Universitário batizaram-na de “Forró do Engenho”.

Estas festas foram ficando cada vez mais freqüentes e deram ainda mais popularidade ao

grupo31.

Os forrós promovidos pelo Engenho eram festas bastante concorridas e sempre

contavam com um bom público. Assim, fazendo algumas apresentações na cidade, dentre as

quais uma realizada no estádio do Colégio Catarinense para a qual foram vendidos quinze mil

ingressos32, o Engenho logrou seu intento.

Lançado no ano de 1980 de maneira independente33 pela Engenho Produções e

Gravações Limitada, empresa pertencente ao próprio grupo, e gravado em Curitiba nos

estúdios da Sir – Laboratórios de Som e Imagem, o disco Vou botá meu boi na rua atingiu um

número expressivo de vendagem para os padrões da época, foram 38 mil cópias vendidas.34

Estes números são significativos principalmente em se tratando de um disco independente

produzido em uma cidade sem a tradição musical de outras como Rio de Janeiro ou São

Paulo.35

Este trabalho já mostrou claramente qual era a proposta inicial do grupo, a mescla de

um trabalho de música popular com elementos culturais locais, aliada a uma crítica mais

contundente em relação à situação política e social vivida no país. Suas canções tratavam de

diversos temas e exprimiam de variadas formas a multiplicidade cultural do Estado no

momento em que evocavam os hábitos, tanto da população litorânea como do homem do

31 Rosa. Op. Cit. p. 15-16. 32 ELTERMANN, Raquel. “Um grupo que fez história”. Diário Catarinense. Florianópolis, 16 janeiro 1997. Variedades. p. 04. Cristiane Silva da Rosa afirma que os “forrós” chegaram a ter públicos maiores que 10 mil pessoas. 33 “São consideradas independentes todas as iniciativas de produção, gravação e difusão que acontecem fora do das grandes [gravadoras]” DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. São Paulo: Boitempo Editorial: FAPESP, 2000. p. 132. 34 ELTERMANN, Raquel. “Um grupo que fez história.” Diário Catarinense. Florianópolis, 16 janeiro 1997. Variedades. p. 04. Este número foi atingido durante todo o tempo referente à atividade do Engenho e não somente durante o período de lançamento do disco. Como o Grupo trabalhava de maneira independente o disco saiu em diversas edições. 35 O disco do grupo Premeditando o Breque, de São Paulo, lançado pela Lira Paulistana também no início dos anos 80 vendeu 20 mil cópias na capital paulista. Dias. Op.Cit. p. 137.

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planalto, seus costumes e sentimentos. Ao mesmo tempo não deixavam de lado o

inconformismo com a continuação do regime militar e os resquícios e as dificuldades ainda

sentidas com a repressão.

Esta escolha pelo regional, bem como a contestação em relação ao regime são reflexos

do ambiente vivido no Brasil no fim dos anos setenta. Este período caracterizou-se pelas

agitações política, social, econômica e cultural que marcaram o país que vivia numa ditadura

militar que contrastava o clima tenso da repressão e da perseguição política com uma certa

euforia causada por um longo período de crescimento econômico. Crescimento este que vinha

diminuindo fortemente ao final da década de 1970.

No plano cultural a classe artística sofria os mesmos entraves da população sendo

reprimida e controlada pela censura, embora houvesse diminuído a repressão com o processo

de abertura política36 que já acenava para um fim da ditadura.

Assim, a mescla da estética regional com a proposta de uma crítica mais contundente

em relação à repressão caracterizou o primeiro trabalho do Engenho. Em Vou botá meu boi na

rua é possível observar musicas como “Nó cego”, que traz os seguintes versos:

Tô amarrado feito saco de farinha Querendo de todo jeito Aliviar situação E esse nó feito laço no pescoço Impedindo minha Língua De falar com o coração Quero sair do meio desse emaranhado Com o corpo inteiro e livre Pra tocá meu violão Faca com ponta, espingarda e baioneta Eu nuca vi jeito mais duro de falar de opinião... (Alisson)

Esta letra mostra a insatisfação com a repressão do regime que cerceava a liberdade e

impedia as pessoas de mostrar seu ponto de vista em relação ao momento político vivido no

país. Pode fazer também uma relação entre os artistas de modo geral, e os músicos em

particular, e a censura que os impedia de expressar suas idéias. Para isto faz a analogia entre

um homem e um saco de farinha o qual está amarrado pelo pescoço e impossibilitado de falar

o que sente e pensa. Nesta canção a sonoridade ainda não configurava o elemento regional

local que permeia a produção do Engenho, embora na letra possa se fazer esta associação no 36 A política de distensão, como foi chamada pelo governo, com a qual acenava o presidente Geisel, consistia na entrega do governo aos civis, mas com a vistas a uma democracia conservadora, sem que a oposição pudesse chegar rapidamente ao poder. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 2004. p. 490.

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momento em que esta compara uma pessoa a um saco de farinha, gênero alimentício bastante

comum na cultura da cidade.

A maior parte do disco, porém, apresenta características referentes à cultura da Ilha. A

faixa título do primeiro disco, “Vou botá meu boi na rua”, sintetiza a tendência deste trabalho

ao passo que traz em sua forma e conteúdo a referência à manifestação de uma prática tida

como do folclore da região litorânea, o boi-de-mamão. O arranjo e letra são compostos por

elementos do próprio folguedo ao qual a música se refere, sendo que os versos fazem alusão

também ao momento político vivido no país.

Eu vou sair pela cidade Vou usar minha razão Eu vou mudar essa história Com o meu boi-de-mamão Vou acabar co’esta tristeza De ver meu povo chorar Eu quero ver muita folia Quero ver meu boi brincar É a Maricota dançando na rua Mostrando que a luta não pode parar É o Jaraguá com a meninada É o povo unido no mesmo lugar É o vaqueiro na peça do boi Aprendeu com a vida não pode errar Oi abram alas minha gente Que a bernunça quer passar Eu vou botá meu boi na rua Quero ver meu boi brincar (Alisson)

“Eu vou botá meu boi na rua” tinha a conotação de “estou expondo as minhas idéias”,

“falando o que quero”, “mostrando o que é meu” e clamava por mudanças na sociedade tanto

no que se referia ao cultural, quanto ao que remetia diretamente à contestação política quando

propõe “mudar essa história com o meu boi-de-mamão” e quer mostrar “que a luta não pode

parar”. Pode-se ter outra interpretação para essa expressão observando a fala dos próprios

integrantes do grupo em matéria já citada, na qual estão lançando o show que posteriormente

se transformou neste disco. Vale repeti-la:

Para o grupo, na verdade, o espetáculo tem um certo sentido de vingança e ao mesmo tempo de solidariedade da classe. “Não e só um show de folclore. Nós, músicos, vamos nos reunir, trabalhar, mostrar a música de todos. Vamos botar pra fora mesmo, vai ser um grito de guerra.”37

37 SCHMITZ, Paulo C. “Grupo Engenho: o protótipo de uma luta isolada e desigual.” O Estado. Florianópolis, 11 de novembro de 1979. p. 17.

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A própria capa do disco mostra os integrantes do Grupo Engenho correndo (fugindo)

após terem pichado a frase Vou botá meu boi na rua em uma parede. Assim, novamente o

regional está presente, associado diretamente à idéia de uma liberdade de expressão sugerida

pelo ato da pichação, além, é claro, do valor semântico da frase que soa como um grito de

contestação e manifesta ao mesmo tempo a vontade incontida de libertar-se do ferrolho

político adotado pelo sistema, a busca dos artistas por um espaço que não lhes é devidamente

adequado e o “resgate” do legado cultural que está por se perder.

Figura I – Capa do Disco Vou botá meu boi na rua de 1980. A preocupação com o “esquecimento” do boi-de-mamão significava mais uma luta em

relação à preservação do que era local, de “raiz”, ao que era brasileiro e que não poderia se

perder devido à “invasão cultural” que distanciava os nativos de seus referenciais culturais.

Além disso, como veremos mais adiante, o boi-de-mamão era considerado pelo grupo como

uma das formas musicais tradicionais de Santa Catarina. Nesta perspectiva, o Engenho

trabalhava com a possibilidade de mostrar ao seu público o que para eles eram os elementos

característicos da cultura da Cidade e do Estado e que por isso não poderiam ser esquecidos.

Isto se confirma na contracapa do LP em um texto que apresenta o Grupo Engenho e

sua proposta de trabalho e que se encerra da seguinte maneira: “O próprio grito ‘VOU BOTÁ

MEU BOI NA RUA’ denota, ao mesmo tempo, uma homenagem ao boi-de-mamão já à beira

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do esquecimento, e um grito de revolta, de inconformismo.”38 No trabalho de Cristiane Silva

da Rosa há a seguinte afirmação acerca do significado de Vou botá meu boi na rua: “segundo

seus próprios integrantes, um grito de guerra, uma maneira de colocar nas entrelinhas que

estavam descontentes com alguma coisa, seja o descaso em relação à cultura regional ou à

situação política da época.”39

Neste sentido os elementos que remetessem ao local constituíam parte do que o grupo

pretendia como sendo a cultura da Ilha e de Santa Catarina como um todo. Assim, suas

escolhas referentes ao que consideravam como regional tinham um sentido mais amplo

caracterizando uma busca de elementos que remetessem também a uma identificação com o

nacional. Ainda que neste primeiro disco o Grupo Engenho tenha dado ênfase a elementos

culturais mais relacionados ao litoral e à região da capital sua pretensão era de desenvolver um

trabalho que valorizasse várias referências culturais do Estado.

Figura II – parte I do encarte do disco Vou botá meu boi na rua.

O próprio encarte do disco traz as letras das músicas que compõem o álbum entre

diversos desenhos que fazem alusão à cultura do litoral como um todo e da Ilha em especial.

As ilustrações em sua maioria mostram os componentes do boi-de-mamão, como o próprio

boi, a bernunça e a maricota, além de hábitos dos moradores do litoral como a pesca de tarrafa

38 Grupo Engenho. Vou botá meu boi na rua. Engenho Produções Artísticas, 1981. 39 Rosa. Op. Cit. p. 18.

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e a feitura das rendas de bilro. Também estão presentes nos desenhos o casario do interior da

ilha, o carro de boi e as canoas dos pescadores.

Figura III – Parte II do encarte do disco vou botá meu boi na rua.

A filosofia do Grupo Engenho, como já se viu, primava pela valorização do que era

catarinense. Neste sentido um dos cernes de seu trabalho como músicos era a busca dos ritmos

tradicionais de Santa Catarina. Nesta procura o Engenho observou como um dos ritmos

característico da música catarinense o boi-de-mamão. Em entrevista cedida ao jornal “O

Estado” por ocasião do lançamento de Vou botá meu boi na rua os componentes do grupo

afirmam isto, além de chamarem a atenção para a importância de se valorizar e mostrar a

música catarinense.

OE – Luiz Gonzaga trouxe a música nordestina, pelo menos popularmente. Então, a gente criou uma imagem da música nordestina, da música dos baianos, mas da Bahia pra cá não temos muitas condições de definir. Existe uma música catarinense? Alisson – Existir, existe, mas ninguém conhece. Chico - Qual é a diferença entre o boi de mamão e o bumba-meu-boi, o baião? A única diferença é que eles pegaram e jogaram para fora. O (Luiz) Gonzaga cantou, falou: “Tá aqui o baião” e todo mundo conhece. Aqui está faltando alguém que pegue grave e mostre. OE – Mas qual é a música catarinense? Marcelo - No disco? OE – De um modo geral. Marcelo - Tenho em casa fitas da Barra da Lagoa, fitas com pesquisas do Franklin Cascaes do Morro das pedras, da Praia de Ganchos. Chico – Acho que a música de Santa Catarina é o boi-de-mamão. OE - Mas isto - boi-de-mamão - não fica restrito ao litoral? Marcelo – Existe “boi” na Serra, mas tem suas diferenças.

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Alisson – Acho que a melhor maneira de você saber qual é a música daqui é ir para um lugar e alguém tocar para você, dizendo “Essa é a música de Santa Catarina”. Na Barra da lagoa, por exemplo, o cara aprendeu do violeiro que veio de Lages, começou a tocar violão, colocou letra e toca a música. Marcelo - Inclusive uma das músicas mais puras que encontramos em Santa Catarina é a lageana, cantada na Barra da Lagoa pelo seu Manoel Agostinho. Ele aprendeu com um boiadeiro, fez uns versos em cima e canta. O ritmo é fandango, que era dançado também aqui na Ilha, no litoral inteiro. O fandango é bem sul.40

Esta entrevista da uma idéia da pesquisa realizada pelo grupo em relação à música

catarinense. Embora citem diversas manifestações musicais como sendo referentes à Santa

Catarina o boi-de-mamão era a manifestação e o ritmo mais trabalhado pelo grupo em seu

primeiro disco. Observado como um ritmo tipicamente catarinense e sendo bastante utilizado

em suas canções, os integrantes do Engenho viam uma possibilidade de divulgar a música

catarinense para outras cidades do Brasil, afinal, segundo eles mesmos, o que faltaria para que

a música tradicional de Santa Catarina ficasse conhecida era que alguém a mostrasse, a

exemplo do que Luiz Gonzaga fez com o Baião, e isto era exatamente o que eles estavam

fazendo com o lançamento de seu disco.

Assim, privilegiando a cultura regional, o boi-de-mamão volta a aparecer na obra do

Engenho na música “Barra da lagoa”, de autoria de Neco.41 A canção conta a história da morte

de um pescador que padece “de cansaço dos barcos” na praia da Barra da Lagoa. Devido a isto

uma comoção toma o povoado que, entristecido, não compartilhará das festas e

comemorações que tradicionalmente faria, como as cantorias e o boi-de-mamão.

Hoje tô triste, pescador Perdi o amigo Chicão Morreu de cansaço dos barcos Lá na Barra da Lagoa Lagoa da Conceição! Lagoa da Conceição! Hoje não tem, cantoria Nem vai ter boi-de-mamão Renda em dobro pra Maria Que é rendeira da Lagoa Lagoa da Conceição! Lagoa da Conceição! (Neco)

40 SCHMITZ, Paulo Clovis. “Grupo Engenho: ‘Músicos estão desunidos e não tem com quem contar.’” O Estado. Florianópolis, 05 de outubro de 1980. p. 25. 41 Orlando Mello, conhecido na cidade como Neco, é gaúcho radicado em Florianópolis, o trabalho de Neco caracteriza-se pela busca de elementos da cultura da cidade, as chamadas “coisas da Ilha”.

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Além da referida letra que trata do boi-de-mamão como uma manifestação corriqueira

da comunidade da Lagoa da Conceição, e isto se manifesta nos versos ao passo em que “Hoje

não tem cantoria Nem vai ter boi-de- mamão”, o arranjo da canção utiliza o ritmo da referida

manifestação folclórica assim como em “Vou botá meu boi na rua” e outras músicas do grupo.

“Barra da Lagoa” é iniciada com um violão que logo em seguida é acompanhado por um

triângulo, o vocalista entra cantando a letra sendo acompanhado por um coro que o auxilia no

refrão “Lagoa da Conceição, Lagoa da Conceição”. Toda a letra é cantada seguindo esta

característica.

Na segunda parte onde a letra é repetida entram os demais instrumentos iniciando com

a sanfona, que aparece na música juntamente com o bumbo enquanto os demais instrumentos

que estavam tocando até o momento param, ela é seguida pela entrada da percussão,

posteriormente o baixo retorna à canção juntamente com o violão. O bumbo da bateria dita o

ritmo da música na segunda parte executando uma célula rítmica com três batidas e um

intervalo caracterizando uma das batidas do boi-de-mamão. Para ilustrar melhor podemos

dizer que esta batida é a mesma do Vira português.

Ainda em “Barra da Lagoa” nota-se outra característica da produção do Engenho.

Observa-se que quando as músicas têm como temática a vida do litoral ou a cultura dos

pescadores elas vêm com uma certa carga dramática na letra dando uma impressão de

sofrimento e penosidade que pareceria inerente ao trabalho daqueles.

Exemplo disso é a música “Pescadores” onde, além da letra, o próprio arranjo dá essa

dimensão de um pesar constante. A percussão no início da canção com tambores de sons

graves acompanhados pelo baixo dando o ritmo da música dão um tom épico à canção. A

melodia em tom menor sendo executada pelo violão e acompanhada pelo baixo e o arranjo

vocal com um coral seguindo a primeira voz durante toda a letra dão também à música um

clima de tristeza. No fim da canção a aceleração do ritmo dos tambores e o acompanhamento

do coral em vocalize reforça esta característica.

Vão, eles vão Contra o vento e o trovão Cedo se levantam Pra lutar com o mar Sem saber ao certo Se um dia vão voltar Vão atrás do pão Pão nosso de cada dia Mas por outra vida, eu sei Essa não trocariam

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Nas ondas vão bailando Sem saber bailar Vão meus pescadores Para o alto mar Por favor regressem Há alguém a lh’esperar (Chico Thives)

Outra peculiaridade desta canção encontra-se na letra, que dá a idéia da pesca como

uma vocação, ou mesmo como uma missão, ao passo que não se trocaria esta vida cercada de

perigos e dificuldades por outra.

Uma outra faceta atribuída à cultura da Ilha fica expressa na canção “Boitatá”. Nela

está presente a mística do ilhéu e sua suposta crença em entidades mágicas ou sobrenaturais

como as bruxas e o próprio boitatá.42

Era meia-noite A carroça parou Pela encruzilhada Boitatá passou Não sou desses campos Eu sou mais do sul Vivo num lugar De céu mais azul (Adaptação folclórica - Ruy Farias)

Esta música é a única do disco que conta com uma intérprete na execução dos vocais

principais. A cantora Iara participou dos vocais em quase todas as canções do disco, porém

nesta assume a interpretação principal da letra. O arranjo iniciado com a execução da sanfona

acompanhada por uma tímida percussão e seguida pela entrada de violões e baixo dando base

para os vocais agudos de Iara dão à canção um tom dolente. As estrofes depois de cantadas

pela intérprete são repetidas com acompanhamento dos demais músicos em coro. No intervalo

entre a primeira e a segunda estrofe há um solo de acordeão, instrumento que mais aparece em

todo o arranjo da canção, só perdendo esta condição quando acompanha em segundo plano um

solo de violão que repete a melodia da música após a repetição da segunda estrofe.

Outra música que remete às tradições locais é “Feijão com caviar” que foi feita a partir

de pesquisas do terno de reis e das bandeiras do divino, festejos que acontecem em cidades de

colonização portuguesa em sua maioria. O terno de Reis constitui-se de um grupo de pessoas

42 O Boitatá é uma figura existente no folclore de quase todos os estados do país, trata-se de uma cobra de fogo que protege a natureza e mata quem a castiga sem necessidade.

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que vão às ruas cantando versos acompanhados de instrumentos musicais e na passagem pelas

casas dos moradores das comunidades desejam-lhes ventura e fortuna ou mesmo pedem-lhes

oferendas como bebidas ou comida.43

As bandeiras do divino, por sua vez, assemelham-se aos ternos de Reis em alguns

aspectos. Geralmente uma moça ou senhora carrega a bandeira que é presa a um mastro, na

ponta deste há a figura de uma pomba com diversas fitas penduradas, as quais são doadas em

virtude de promessas. As bandeiras passam pelas casas dos povoados acompanhadas dos

devotos da irmandade do Espírito Santo e Santíssima Trindade, os quais levam instrumentos

com os quais acompanham as cantorias. Pede-se para entrar nas casas e lá se continua os

cantos pedindo-se esmolas para a realização de festas e obras nas igrejas. Nas casas das

pessoas que recebem as bandeiras são servidas comidas para os foliões.44

Na canção o que caracteriza a referência tanto aos ternos quanto às bandeiras são sua

melodia e os versos terminados na interjeição “ai, ai”, além dos pedidos de oferendas, comidas

e bebidas aos participantes destas manifestações. Há ainda na letra uma referencia à situação

econômica do Brasil em relação a outras partes do mundo, principalmente Estados Unidos e

Inglaterra. Enquanto “João e Maria” contentam-se com “arroz e feijão” e “barriga vazia”,

“John and Mary”, por sua vez, fazem pedidos nada modestos...

João e Maria ai, ai Arroz e feijão Panela, bacia, Barriga vazia Mosquito injeção John and Mary Wiscky, poodle, bar Estola, smoking, piscina Rolls Royce, caviar (Marcelo)

O arranjo também remete aos festejos ao passo que os instrumentos são utilizados na

canção da mesma forma que naqueles. Um tambor grave marca o ritmo da cantoria sendo

seguido pelo violão que dá a harmonia para que seja cantada a letra. Na segunda estrofe há um

rufar de caixa que é acompanhada por um prato enquanto é cantada a segunda parte de

música, dando à canção um ambiente semelhante ao das citadas festas.

43 SOARES, Doralécio. Aspectos do Folclore catarinense. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 1970. p. 69 - 75. “Folclore em versos, o terno de Reis tem diversificação no Estado.” O Estado. Florianópolis, 06 de janeiro de 1984. p. 22. 44 SOARES. Op. Cit. p. 51- 61.

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“Feijão com caviar” é a penúltima música do disco Vou botá meu boi na rua que traz a

cultura local em evidência, a última é a mesma canção que dá nome ao trabalho e que já foi

analisada anteriormente. Estas canções são as únicas do disco, além de “Boitatá”, que tratam a

temática da cultura da Ilha e que deixam explícito, vide encarte, a pesquisa do folclore e

tradições da região.

Embora tenha diversas referências, não só nas letras, mas também nos arranjos, à

cultura catarinense o trabalho do Engenho era tido, tanto pela mídia, como por parte do

público, como de uma forte influência nordestina.45 Esta influência não era negada pelo

Grupo, aliás, reconheciam esta característica no seu trabalho.

Marcelo - E nesse disco fizemos o que bem entendemos. Quem ouvir vai ver que ele tem muito a ver com a gente. OE – Com o próprio forró. Alisson - O pessoal conhece muito o Grupo Engenho pelo forró. Então é um disco de forró. Não é bem assim: o disco também tem forró. Pode ser que alguém vá ouvir uma música - Feijão com caviar, por exemplo - e diga: “Pô, isso não é forró”. Por isso acho que vai estranhar um pouco no início. Mas o pessoal tem que entender que o Grupo Engenho tem um trabalho, e o forró é um deles. OE – O forró é um estilo de música, uma festa...? Chico - Pra nós é uma festa. Marcelo – Uma festa brasileira. Inclusive, nós tocamos vários tipos de música como vaneirão, milonga, etc. [...]. Alisson – É, o disco é bem diversificado. Quem já assistiu nosso show tem uma idéia do que é o grupo.46

Nota-se aqui que apesar de reconhecerem a influência do ritmo nordestino em seu

trabalho o Engenho alertava para o fato de que quem esperasse Vou botá meu boi na rua como

sendo um disco de forró poderia estanhar, citando inclusive como exemplo uma canção que

trazia elementos bem distintos daquele ritmo. Alertava-se também para o sentido do forró

como uma festa, forma da qual o Engenho aproveitou-se para ganhar popularidade e

identificar-se com seu público.

As referências em relação ao forró de fato aparecem em Vou botá meu boi na rua,

porém somente nas músicas “Baião de milhões”, que abre o disco, no instrumental “Puleiro

dos anjos” e na já comentada canção “Nó cego” é que é possível notar alguma aproximação

com a música do Nordeste brasileiro (além destas faixas compõe o restante do disco as

músicas “Lua mansa”, “Pedra do moinho” e “Calabouço”). Acredito que esta associação se

deva ao uso da sanfona na maioria das músicas, instrumento que juntamente com o triângulo e

45 Em diversas conversas informais que tive com pessoas que acompanharam o trabalho do Engenho desde o seu começo esta associação, principalmente com o forró, é uma constante. 46 SCHMITZ, Paulo Clovis. “Grupo Engenho: ‘Músicos estão desunidos e não tem com quem contar.’” O Estado. Florianópolis, 05 de outubro de 1980. p. 25.

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o zabumba fazem a consagrada trinca do forró, além, é claro, dos já citados forrós realizados

pelo grupo.

Nota-se também que a aproximação do som do grupo com o forró era feita mais pelo

público e mídia do que pelos próprios músicos. O fato do público do Engenho ser em sua

maioria formado por universitários pode explicar esta associação devido à influência que o

forró teve naquela geração, principalmente naquele meio, tornando-se um ícone da cultura

nacional no fim dos anos 70.47

Embora fosse bastante identificado com o forró, o Engenho trazia em sua música, e se

isto não ficava evidente na sonoridade, era nítido nas letras, referências da cultura catarinense,

principalmente da região litorânea.

Assim, na perspectiva do grupo de divulgação da música e da cultura catarinense o

Engenho foi para a estrada apresentar seu trabalho. Com este intuito, o grupo fez várias

apresentações pelo Estado e também fora dele mostrando seu trabalho. A boa receptividade

tanto em santa Catarina quanto em cidades como Curitiba, Porto Alegre e São Paulo,

encorajou o Grupo Engenho a alçar novos vôos. Vou botá meu boi na rua vendeu sete mil

cópias em um ano e motivou os integrantes do grupo a lançarem o seu segundo disco.

47 Sobre a influência da música nordestina no Brasil na década de 1970 e sua importância para a indústria fonográfica nacional Guilherme Gustavo Simões de Castro, citando Rita Morelli, comenta um episódio, ainda no início dos anos 70, no qual muitos artistas queixavam-se pelo fato das gravadoras contratarem artistas somente por serem nordestinos. CASTRO, Guilherme Gustavo Simões de. As aventuras de Raul Seixas pela indústria fonográfica brasileira nas anos 70. Florianópolis, CFH-UFSC (TCC em História). p. 52 -53.

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2. No compasso do Engenho: cultura e políticas culturais em Santa

Catarina

O segundo disco do grupo foi lançado no fim do ano de 1981, este trabalho foi

batizado com o nome do próprio conjunto. Assim como o primeiro álbum, Engenho também

teve produção independente o que possibilitou ao grupo continuar na mesma linha de trabalho,

o que de fato fizeram.

A diferença principal entre Vou botá meu boi na rua e Engenho está no maior

equilíbrio entre os temas e as regiões culturais que foram exploradas no disco. Enquanto no

primeiro trabalho a maioria das canções tem como tema o litoral e as práticas dos seus

habitantes, o segundo disco traz também músicas voltadas para a cultura do interior do Estado,

principalmente do planalto catarinense. Músicas como “Homem do planalto”, “Tropeadas”,

“Vaquejada” e “Braço forte” mostram esta tendência. Compõe ainda o disco o instrumental

“Gerações”, a música voltada para o público infantil “Aquela da baratinha”, além das canções

mais politizadas “Exílio” e “Causas e conseqüências”.

Apesar de trazer músicas com elementos de outros referenciais culturais, ainda assim,

Engenho volta a tratar da cultura da região da capital quando evoca os hábitos da sua

população e faz referências às suas tradições.

Estas referências estão presentes na própria capa do disco que traz em si um desenho

no qual se percebe uma roda de engenho apoiada em seu eixo de madeira, um biguá, ave

marinha muito comum no litoral catarinense, aparece pousado sobre a roda. Este desenho é o

mesmo que caracteriza a logomarca do grupo e aparece no disco anterior tanto na contra capa

como no selo do LP; também está estampada no selo de Engenho.

A ilustração da capa do disco nos faz retomar a discussão em relação ao nome do

grupo. Se em um primeiro momento ele não remetia ao engenho de farinha agora certamente

remete, inclusive a própria letra da canção “Engenho”, que abre o disco, faz esta referência.

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Figura IV - Capa do disco Engenho de 1981.

Nesta canção o próprio grupo se assume enquanto um engenho que trabalha em um

determinado compasso fazendo, com os instrumentos que compõe seus arranjos, de “cada

verso um canto forte e ferrenho”. Além de fazer a associação do seu som com a labuta do

engenho de farinha, a canção fala de traços do cotidiano do interior da Ilha como a

combinação gastronômica entre o pirão d’água e o peixe frito com farinha. Estes dois

elementos são muito fortes na cultura da ilha e remetem às atividades que durante longo

período foram tradicionais na cidade, a pesca e a fabricação artesanal de farinha de mandioca.

Labuta compasso A engrenagem do Engenho Faz de cada verso Um canto forte e ferrenho Sanfona, viola, back, Bate, baixo, coração Cantê, olê, olê da congratulação Olá bandoleira Oi a moreninha Chaleira no fogo Peixe e farinha Roda peão Chama a vizinha Água quente Pirão de farinha (Cristaldo, Cláudio Frazê, Alisson)

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O arranjo da canção é composto por elementos pop caracterizados pela linha de baixo

que aparece com mais nitidez na introdução da música e nas passagens onde esta é repetida.

No restante da canção o baixo não fica tão nítido mas, embora não repita a mesma linha da

introdução, continua evidenciando a referência pop. Também está presente no arranjo o

elemento regional caracterizado pela célula rítmica que aparece nas canções do Engenho

quando estas tratam da cultura da região da capital (já comentada anteriormente). Percebe-se

esta tendência em uma passagem no fim da canção onde a melodia principal é alterada sendo

executada em vocalize e acompanhada apenas pela percussão que toca a referida célula

rítmica.

Este tipo de arranjo aliado à letra da canção demonstrava que a proposta do grupo de

juntar em suas músicas elementos característicos da região com referências musicais

características da MPB continuava.

A associação do grupo com um engenho pode ter vindo também de uma característica

presente no disco Engenho que não fez parte de Vou botá meu boi na rua. Seria o fato das

canções deste novo disco terem sido feitas em sua maioria em parceria entre os integrantes do

conjunto. Enquanto o disco anterior trazia canções feitas individualmente, inclusive sendo

aproveitadas músicas provenientes de trabalhos anteriores à fase do grupo como quinteto, em

Engenho a maioria das composições foi feita com os músicos pensando enquanto grupo.

Assim, segundo Cristiane Silva da Rosa:

[...] o êxito deste disco (Vou botá meu boi na rua), também implicou no aumento das responsabilidades do grupo que começou a ser questionado pela sua opção musical. Agora precisavam buscar novos conhecimentos para diversificar suas composições e aprofundar-se no estudo da música para o aprimoramento de seus arranjos, ritmos e do emprego de instrumentos típicos em suas músicas. Estes questionamentos fizeram ainda, com que o grupo procurasse entender melhor o seu trabalho. Recorrendo a ajuda de uma professora de teatro, começam a tecer reflexões sobre suas composições, discutindo e analisando cada música e buscando subsídios para poder se fazer entender. Mais tarde esse esforço seria recompensado, pois complementou o processo de composição auxiliando o grupo na compreensão de sua própria linguagem, facilitando assim a transmissão de suas idéias ao público.48

Ainda sobre a capa do LP Engenho, embora trouxesse em si uma ilustração que era o

próprio logotipo do grupo, aquele desenho poderia representar a perda gradual de uma

atividade que durante muito tempo foi praticada em Florianópolis, a fabricação de farinha de

mandioca nos engenhos. Isto ficaria caracterizado pelo fato da roda de engenho encontrar-se

fora dele e aparecer deitada com uma ave pousada sobre si. Desta forma a figura representaria

48 ROSA. Op. Cit. p. 29.

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a decadência da produção artesanal de farinha na cidade evidenciada pela quase extinção dos

engenhos.

A propósito disto em abril de 1984 o jornal O Estado publicava a matéria “Engenho de

farinha, uma tradição que morre na ilha”. A reportagem mostrava o trabalho de produção de

farinha no engenho de Mané Dorval em Jurerê e apontava a especulação imobiliária, cada vez

mais freqüente na ilha, como a principal causa da decadência daquela atividade.

Repetindo um ritual que já dura de 60 anos, Manoel Dorval Magalhães, mais conhecido em Jurerê como “Mané Dorval” colocou mais uma vez seu engenho de farinha (sic). Todos os anos, em abril, os engenhos são ativados para fornear farinha, num sistema primitivo que é mantido em alguns lugares do interior da Ilha. Entretanto, esta tradição está acabando. Restam poucos engenhos de farinha na Ilha. Muitos já se renderam à especulação imobiliária e seus equipamentos hoje ornamentam luxuosas residências. O engenho de Mané Dorval, o último de Jurerê, na localidade de Caldeirão, não tem futuro definido. Já está vencido. “Este foi - como sentencia ele – o derradeiro ano que vou fazer farinha”. E justifica: “Já estou com uma idade muito grande. Muita carga nas costas dói” desabafa com seu forte sotaque açoriano.49

A perda de determinadas tradições da Ilha e a preocupação com o fim de algumas

atividades ou com a diminuição significativa de determinadas práticas aparece freqüentemente

nos jornais do período ocupando espaços importantes na mídia local. Entre as tradições

enfraquecidas ou as que estão por se perder encontram-se a pesca artesanal e a fabricação de

farinha de mandioca nos engenhos, decorrente da quase completa extinção destes.50 Outro

ponto que chama a atenção nas matérias é a decadência da atividade rural no município, fruto

também da especulação imobiliária que, aos poucos, foi urbanizando o interior da Ilha e

diminuindo significativamente o número de propriedades rurais da cidade. Estas matérias

apresentam as mudanças que a cidade estava sofrendo no período, principalmente no interior

da Ilha, onde a pequena propriedade rural estava perdendo espaço para os loteamentos que

49 “Engenho de farinha, uma tradição que morre na Ilha.” O Estado. Florianópolis, 16 de abril de 1984. p. 05. 50 Listarei aqui algumas reportagens publicadas no jornal O Estado que tratavam das mudanças na configuração do espaço físico da cidade e nos hábitos da população local. “Açores e Florianópolis: mesmas tradições, mesmos destinos.” O Estado. Florianópolis, 12-13 de agosto de 1979. p. 17. “A tradição da cidade está morrendo.” O Estado. Florianópolis, 06 de abril de 1980. p. 06. “Progresso acaba com a pesca artesanal na Ilha.” O Estado. Florianópolis, 04 de janeiro de 1981. p. 17. “Rio vermelho perde suas características.” O Estado. Florianópolis 29 de julho de 1981 p. 20. “Hoje, dia de Reis. E, na Ilha, uma manifestação está acabando.” O Estado. Florianópolis, 06 de janeiro de 1982. p. 06. “O Último construtor de baleeiras da Ilha de Santa Catarina.” O Estado. Florianópolis, 14 de fevereiro de 1982. p. 24. “Desmoronada Desterro.” O Estado. Florianópolis, 27 de março de 1983. p. 17. “Ribeirão da Ilha. Um esquecido e decadente patrimônio.” O Estado. Florianópolis, 28 de agosto de 1983. p. 18.

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visavam à especulação imobiliária e que iam aniquilando o modo de vida, os costumes e

práticas dos antigos moradores locais.

A preocupação com a “perda” de referências culturais enseja uma discussão acerca dos

rumos que a cidade estava tomando e que se faz essencial para a compreensão da busca de

elementos culturais relacionados à Florianópolis. A cidade de Florianópolis e região sofriam

na década de 70 um acelerado crescimento econômico e demográfico, processo iniciado nas

décadas de 1950 e 1960 com o crescimento do comércio e a preparação da infra-estrutura da

cidade com vistas a um reordenamento urbano. Ainda na década de 1960 a construção da BR

101 fomentou o turismo, atividade pela qual se começou a explorar as belezas naturais do

litoral. Na capital, obras como a construção da ponte Colombo Salles e da Avenida Beira-

Mar-Norte juntamente com a instalação da Universidade Federal de Santa Catarina e da

Eletrosul, as quais atraíram milhares de pessoas dos mais diversos lugares para a cidade, vão

mudar o perfil econômico e social de Florianópolis, bem como, de grande parte do litoral

catarinense.51

O impacto destas mudanças mostrou-se claro ao passo que transformou

completamente as relações econômicas da cidade. A economia historicamente assentada em

“pequenas propriedades de subsistência, com pequenos excedentes comerciáveis”, perdia

espaço devido à especulação imobiliária promovida por empresas que loteavam terras no

interior da Ilha “valendo-se da ausência de um código de posturas atualizado e de um plano

diretor de urbanização.”52 Além da queda das atividades rurais outro reflexo deste processo foi

a perda de importância da pesca artesanal na Ilha. Houve uma mudança significativa na

estrutura demográfica da cidade, desencadeada pelo êxodo rural acompanhado de um processo

imigratório.

Em 1960 a população urbana era de 41,87% e a rural de 58,13%. Estes números invertem-se drasticamente e, em 1980, são, respectivamente, 86,11% e 13,98%. Fora este aspecto há um incremento populacional advindo da imigração. Em 1960, a população era de 97.827 habitantes. Em 1980 este número salta para 187.871 [...]. A procedência desses imigrantes também é um indicador interessante: muitos vêm do interior do próprio Estado, mas há um número considerável de gaúchos, paulistas e cariocas.53

51 FLORES, Maria Bernardete Ramos. Farra do Boi: palavras, sentidos e ficções. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997. p. 62 - 64. 52 Idem. p. 64. Segundo dados fornecidos por Flores: “O número de pessoas empregadas na agropecuária diminui sensivelmente: entre 1976 e 1980, ouve uma queda de 30,36% e de 1970 a 1985, a redução foi de 46%. Também o número de propriedades caiu em 29% entre 1970e 1980.” 53 Ibidem. p. 64 e 65.

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Estes fenômenos acarretaram na urbanização não somente do centro da cidade como

também das periferias da mesma, por onde foram se estendendo estradas em direção às praias

e às novas áreas residenciais, as quais foram absorvendo o grande contingente populacional da

cidade.54

Sobre a perda de referenciais culturais decorrentes deste processo Cristiane da Silva

Rosa comenta:

Outro fator que vai ser muito prejudicado com esse rápido crescimento urbano e econômico da cidade, será a cultura popular tradicional, que a partir deste momento, começará a perder força, deixando o característico e amplo repertório de práticas e representações do ilhéu, como a confecção da renda de bilro, o terno de reis, o boi de mamão, entre outros, cada vez mais restritos às antigas freguesias, esquecidos no passado. Esse enfraquecimento da cultura popular tradicional, se deve principalmente ao fato de que cercado pelas novas normas deste progresso, o antigo morador da ilha acabará perdendo os meios de produção e reprodução de sua cultura, ou seja, ao se desfazer de seu antigo engenho de farinha ou de cana de açúcar, ou das terras que ficavam à beira mar, o ilhéu vai perder o espaço onde ele fazia suas brincadeiras, festa e histórias, enfim ele vai deixar para trás todos os seus referenciais culturais.55

Se por um lado, assistia-se a urbanização de áreas do interior da ilha para fins de

explorar o turismo e abrigar os novos habitantes da cidade, por outro, os poderes públicos

criavam políticas voltadas ao folclore que corria o risco de desaparecer. Assim, em janeiro de

1980 houve a instituição, por decreto do governador Jorge Bornhausen, do programa

catarinense do artesanato, ação que envolvia diretamente diversos órgãos como a Secretaria da

Cultura, Esporte e Turismo, CODESC (Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa

Catarina) e Secretaria do Bem Estar Social, entre outros, na busca da “promoção do artesão e

à produção e comercialização do artesanato, catarinense.”

Segundo a matéria do jornal O Estado:

constituem objetivos do referido programa: promover, estimular, desenvolver, orientar e coordenar a atividade artesanal catarinense; propiciar ao artesão condições de desenvolvimento e auto-sustentação da atividade; orientar a formação de mão de obra artesanal; estimular e/ou promover a criação e organização de sistemas de produção e comercialização do artesanato; incentivar a preservação do artesanato e suas formas de expressão da cultura popular; estudar e propor formas que definam a situação jurídica do artesão; propor a criação de mecanismos fiscais e financeiros de incentivo à produção artesanal e promover estudos e pesquisas visando a manutenção e informações atualizadas por setor.56

Estas iniciativas compunham um pacote de políticas bem mais amplo que, além de

apresentar uma perspectiva de melhoria da situação econômica e a geração de emprego, 54 Ibidem. p. 66. 55 ROSA. Op. Cit. p. 39 e 40. 56 “Artesanato Catarinense tem mais um programa.” O Estado. Florianópolis, 06 de janeiro de 1980. p. 18.

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acenavam também para uma política cultural que objetivava não só fomentar a cultura em

todo o estado de Santa Catarina, bem como, utilizar a questão cultural como um complemento

à atividade turística.

Torna-se clara esta intenção quando é lançada em 1982, pelo então candidato ao

governo do Estado, Esperidião Amim, a “Carta dos Catarinenses”. A referida carta resumiu o

“compromisso de governo, buscando ser a síntese das aspirações do povo catarinense”

assumindo ser a consolidação da verdadeira aspiração do “nosso Povo”.57 Este documento foi

o resultado de uma ampla pesquisa envolvendo mais de cem mil catarinenses e analisando

mais de dez mil manifestações apresentadas ao governo. As idéias básicas nela contidas eram:

prioridade aos pequenos, participação comunitária, integração estadual, qualidade de vida e

segurança. No item destinado à cultura, o documento apresenta o seguinte:

O QUE FAZER 1. Preservar a memória cultural; 2. Apoiar a produção e troca de bens culturais; 3. Divulgar os valores da cultura catarinense.58

Já no item destinado ao turismo vemos o seguinte:

O QUE FAZER 1. Preservar os patrimônios natural e cultural; 2. Incentivar a iniciativa privada a investir no turismo; 3. Promover o Estado de Santa Catarina.59

Esta questão já estava tomando uma grande abrangência no Estado60 quando, em 1983,

na gestão do agora governador Esperidião Amim, Santa Catarina sofreu uma das suas maiores

catástrofes. Uma enchente de grandes proporções arrasou diversas cidades e piorou ainda mais

a situação econômica do Estado.

A partir deste episódio, o então governador Esperidião Amin Helou Filho, propõe-se a dar nova vida econômica ao Estado e, como saída para a crise, inicia a estimulação do turismo. Era preciso aproveitar as características de cada local e, cada vez mais, a

57 Biblioteca da SANTUR – Santa Catarina Turismo S/A. Carta dos Catarinenses. Florianópolis: Governo do Estado de Santa Catarina, 1982. Fonte fornecida pelo amigo Thiago de Moura e compartilhada na realização de um trabalho em grupo, que contava ainda com os acadêmicos Fabio Paulo da Silva e Fabio Andréas Richter, para a disciplina de História de Santa Catarina intitulado A relação turismo e açorianidade em Florianópolis o qual foi publicado na SEPEX (Semana de Pesquisa e extensão) em forma de banner. 58 Idem. 59 Idem. 60 Em matéria intitulada “A cultura e o turismo nos programas dos partidos políticos.” O Estado. Florianópolis, 03 de outubro de 1982. p. 24. observa-se que a questão da cultura e do turismo fazia parte do plano de atuação dos candidatos e partidos que concorriam ao governo do Estado.

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partir de então, incrementar o turismo, que passou a fazer parte das agendas dos governantes, desde a esfera municipal, até organismos internacionais.61

Nesta perspectiva, as políticas do governo do Estado tinham como foco além do

turismo a questão cultural que serviria como um complemento, ou mesmo seria a atração

principal, da atividade turística. Assim:

“Nesse mesmo período, além do incentivo ao turismo, o governo do estado também patrocinou, através da Fundação Catarinense de cultura, uma ampla política cultural que objetivava “resgatar” e valorizar as especificidades existentes nas diferentes regiões de Santa Catarina. Assim, ações voltadas à preservação e conservação do patrimônio histórico e arquitetônico das cidades, bem como medidas de incentivo a criação de museus, conselhos municipais de cultura, entre outras, foram desenvolvidas de forma sistemática principalmente durante a gestão do governador Esperidião Amin, entre 1982 e 1986.”62

Um dos acontecimentos que marcaram a adoção desta política foi o sucesso obtido com

a Oktoberfest em Blumenau, fato que proporcionou uma guinada na direção das políticas

públicas voltadas para a valorização da multiplicidade étnica do estado relacionado-a ao

turismo. “Santa Catarina foi transformada assim em um estado de festas, as quais foram

associadas às belezas naturais e ao discurso da diversidade cultural para atrair cada vez mais

turistas durante todo o ano.”63 Nesta perspectiva, usou-se o discurso de pluralidade cultural

para se atrair mais turistas, principalmente para a região litorânea a qual era mais frágil

economicamente.

Esta tão festejada diversidade na formação cultural de Santa Catarina nem sempre foi

uma característica desejada por nossos governantes, tendo inclusive causado bastante

discussão acerca das questões da valorização cultural e de uma suposta identidade cultural

referente ao Estado.

No final da década de 1940 discutia-se qual herança cultural seria a “mais importante”,

ou “legítima”, de Santa Catarina. Pautado em um contexto de final da Segunda Guerra

Mundial, com a derrota dos países do eixo, Alemanha e Itália, e sua conseqüente hostilização,

este debate buscava uma relação entre Santa Catarina e uma brasilidade que se via ameaçada

pelo desenvolvimento econômico das regiões de colonização alemã. O maior expoente deste

conflito foi o Congresso comemorativo ao bicentenário da colonização açoriana realizado em

Florianópolis em 1948 o qual “constituiu uma necessidade no Estado de Santa Catarina, onde

61 ZANELA, Cláudia Cristina. Atrás da porta: o discurso sobre o turismo na ilha de Santa Catarina (1983-1998). Florianópolis: Programa de Pós-graduação em História da UFSC, 1999 (dissertação). P. 14. 62 SILVA, Adriano Laurentes da. Fazendo a Cidade: a construção do urbano e da memória em são Miguel do Oeste SC. Florianópolis, UFSC, 2004. p. 29. 63 Idem. p. 29.

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a cultura luso-brasileira perigosamente enfrentou a cultura alemã. A finalidade suprema,

embora não expressa, era a de mostrar para os outros Estados da União, a brasilidade de Santa

Catarina”. 64

A maior preocupação deste congresso consistia em “[...] demonstrar as condições

culturais da população de origem açoriana, aos catarinenses e aos congressistas, tanto quanto

possível, a sobrevivência de costumes dos Açores e também da Madeira [...]”65. Assim:

O contexto da realização deste congresso (1948) e seus desdobramentos, na configuração da rememoração do povoamento açoriano, aponta para mudanças históricas que clamavam pela criação de um novo homem-habitante do litoral catarinense. Uma concepção que possibilitasse a esta região definir-se como portadora da história de Santa Catarina, papel que vinha perdendo para outros núcleos de povoamento do Estado.66

Nesta perspectiva, houve naquele momento uma busca do elemento açoriano como

portador das “heranças culturais do Estado” em detrimento de outras etnias que ajudaram a

povoar e construir a multiplicidade cultural de Santa Catarina. Movimento oposto daquele que

vinha sendo proposto como política cultural do Estado na década de 1980.

Já nos anos 70 havia em Florianópolis um movimento de “procura das raízes açorianas”

o qual foi motivado, como se viu no capítulo anterior, a exemplo da produção musical do

Engenho, por uma resistência à perda de referências culturais durante o período da ditadura

militar.

Na década seguinte há novamente uma retomada do debate em relação a este tema,

porém com outra perspectiva. Em 1984 foi realizada em Florianópolis a Primeira Semana de

Estudos Açorianos, a partir da qual, em consonância com as políticas do Estado, o tema da

cultura açoriana começa a se destacar, sendo desta vez relacionado a outras temáticas,

principalmente como nova fonte de atração turística da Ilha de Santa Catarina. Assim, a cultura

açoriana, que nos anos quarenta servia para tirar do “homem do litoral” uma perspectiva

pessimista, como homem “indolente e incapaz”, e mostrar “aquele que historicamente, deu seu

sangue, sua vida, sua bravura, sua história, na construção da brasilidade de Santa Catarina”67,

servia agora como produto para o mercado turístico em expansão.

64 BOLÉO, Manuel de Paiva. O congresso de Florianópolis, comemorativo do bicentenário da colonização açoriana. Coimbra: Coimbra Ed. Ltda., 1950. p. 19. Apud. FLORES. Op. Cit. p. 115. 65 FLORES. Op. Cit. p. 114. 66 Idem. p.124 67 Ibidem. p. 133.

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40

Embora os motivos para a retomada da discussão sobre a colonização açoriana em

Santa Catarina, e mais especificamente de Florianópolis, e sobre a importância desta cultura

sejam diversos, há entre eles algo em comum. A comemoração do bicentenário da colonização

açoriana tinha uma conotação mais de cunho político, na tentativa de afirmar uma cultura em

relação à outra. No caso a cultura açoriana que trazia uma maior identificação com o Brasil,

enquanto que a cultura germânica apontava para os países derrotados na Segunda Guerra. Nos

anos 70 há uma busca pelo elemento regional numa perspectiva de enfrentamento político

contra uma perda de identidade imposta pelos processos econômicos e sociais que

caracterizaram o regime militar, como o aprofundamento das relações capitalistas e a maior

presença de elementos culturais estrangeiros. Isto configurava também uma contestação à

situação política e econômica vivida no país. A retomada da discussão na década de 1980 vem

sob uma perspectiva econômica, onde é uma necessidade diferenciar as características culturais

das diversas regiões do Estado em busca de uma gama maior de opções culturais para a

atividade turística. Desta maneira, mesmo motivadas por situações diferentes, estas iniciativas

tiveram como resultado uma valorização da cultura local (açoriana) e uma conseqüente

identificação cultural com esta.

Assim, no início dos anos 80, as discussões sobre os rumos da cidade, tanto no que diz

respeito à questão cultural quanto à questão econômica, eram freqüentes e embora se

observasse o fim de determinadas práticas, a mudança nos hábitos da população e a

diminuição ou mesmo eliminação de alguns traços culturais, além da degradação ambiental,

não se apresentava nenhuma saída para o futuro da Ilha que não passasse pela questão do

turismo, e era exatamente aqui que se encontrava a grande contradição. Assim, ao mesmo

tempo em que se tinha o turismo como alternativa econômica queria-se uma revitalização da

cultura “perdida” na cidade.

Embora entenda a cultura popular como uma relação de troca de experiências e,

portanto, não a considere como um conjunto de práticas e tradições fixas, acredito que neste

processo há sim, em determinadas circunstâncias, a perda parcial, ou mesmo total, de

referenciais culturais de determinadas populações e grupos humanos. Desta forma, os

processos históricos pelos quais a cidade de Florianópolis passou durante este período

acarretaram uma mudança nos referenciais culturais da cidade, ao passo que ia se formando

uma cultura urbana em detrimento da relação com o ambiente rural com o qual se associava

determinados traços da cultura local, além, é claro, da própria identificação da cidade com a

sua característica litorânea.

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41

Neste processo é importante observar os conflitos que se inseriam na discussão em

relação às políticas públicas de incentivo ao turismo e valorização da cultura. Em 1981 a

prefeitura municipal autorizou a construção de um Iate Clube na Ponta do Sambaqui, na Baia

Norte de Florianópolis. A atitude gerou reclamações dos moradores do Sambaqui que saíram

para a rua com faixas queixando-se contra a instalação do empreendimento no local. Sobre o

fato o jornal O Estado publicou o seguinte:

Do movimento de protesto dos moradores de Sambaqui, contra um projeto turístico em sua localidade, fica o exemplo de como uma comunidade deve se organizar para defender seus interesses gerais. E não se trata, apenas, de pessoas se agruparem, desfilar e agitar faixas, quando alguém de “fora” – representando terceiros ou interesses da administração pública – ameaça destruir o local de tradição da comunidade, alterar qualquer aspecto da paisagem, da flora e fauna causando o prejuízo histórico, econômico e cultural dos seus habitantes.68

Na matéria o jornalista apóia os protestos dos moradores do Sambaqui e defende a

postura de resistência dos mesmos em relação à implantação de um empreendimento que

causaria à comunidade várias perdas nos aspectos ambiental, histórico, econômico e cultural.

O movimento contrário à instalação do Iate Clube foi além da passeata. Em busca de

argumentos para legitimar suas reivindicações os moradores da localidade recorreram a um

elemento cultural que justificasse a não utilização da Ponta para a construção do

empreendimento. Assim, a retomada de uma tradicional festa que acontecia naquela

localidade, mas que havia cessado, tornava-se o principal trunfo dos moradores para a

preservação da Ponta. Este fato foi noticiado da seguinte maneira:

Citando rapidamente de memória, o estudioso do folclore da Ilha de Santa Catarina Franklin Cascaes enumerou 30 festejos populares de origem açoriana que antes faziam parte da vida da população. Poucas destas festas, em sua maioria religiosas, resistiram ao tempo. Uma delas, a festa da Cruz, que era realizada todos os anos no Sambaqui, nos dias primeiro, dois e três de maio, não resistiu. Ao contrário de outros Estados e regiões do país, onde as tradições foram varridas pelo desenvolvimento econômico e industrial, na ilha a maior parte das vezes o motivo foi outro, má administração pública, desleixo para o que existe de rico no folclore e na história da antiga Desterro. A concessão da Ponta do Sambaqui para o Iate Clube foi um exemplo disso. O fim da festa da Cruz, outro. E a concessão sem dúvida tirará alguns aspectos peculiares não só do Sambaqui mas também da própria Festa. No último domingo a Comissão Pró-Defesa e Preservação da Ponta do Sambaqui mostrou que quer reviver a festa, muitos músicos se apresentaram, pessoas se divertiam, o Boi-de-Mamão encenou seu constantemente repetido drama. Na verdade, foi reiniciada uma atividade que tem uma longa história, e que para sua preservação, a conservação da ponta do Sambaqui será fundamental.69

68 PAULA, Oscar de. “O exemplo da Ponta de Sambaqui”. O Estado. Florianópolis, 09 de agosto de 1981. p. 29. 69 “No Sambaqui moradores tentam reavivar a festa da Cruz para defender a Ponta”. O Estado. 12 de agosto de 1981. p. 19.

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Por este trecho nota-se que o mesmo artifício usado por um grupo para um fim era

também utilizado por um outro para um fim diverso. Enquanto os órgãos oficiais usavam a

questão cultural como mais um chamariz para a atividade turística, uma comunidade usava-a

de forma a evitar tal iniciativa.

A discussão sobre as políticas culturais dos órgãos do Estado, as mudanças na

configuração sócio-econômica da cidade, a perda de traços culturais e a resistência em relação

a esta perda inserem-se num processo mais amplo no qual determinados setores da sociedade

buscavam estabelecer uma identidade cultural relativa à cidade. Mais notadamente o Estado

com sua política de valorização cultural e a mídia em sua associação com os empreendimentos

turísticos e imobiliários.

Assim, havia um conjunto de ações que suscitaram a questão de uma identidade

cultural e neste processo mobilizavam um conjunto de práticas como sendo a cultura

característica do local, cultura esta herdada de um determinado povo. Neste sentido Estado,

mídia e parte da própria comunidade, cada uma defendendo seu interesse, acabavam por

enfatizar a presença cultural açoriana em Florianópolis.

Era neste contexto que o Grupo Engenho estava produzindo seu trabalho, e certamente

o grupo não passou incólume por este processo, nem como espectador, nem como criador.

Inserido diretamente nesta discussão, ao passo que cantava as “tradições da Ilha” o Engenho

era também um agente criador de uma determinada visão desta cultura local.

Assim, estava-se forjando naquele momento uma identidade cultural para a

Florianópolis a partir da construção da idéia de que uma determinada população seria

portadora das heranças culturais referentes à cidade. Desta forma, o trabalho do Grupo

Engenho ao tratar das práticas culturais que eram tidas como pertencentes ao legado cultural

açoriano, reforçava a imagem açoriana de Florianópolis que determinados setores queriam

construir.

Não estou dizendo aqui que o Engenho tinha os mesmos objetivos que o Estado e a

mídia na veiculação de determinada idéia sobre a cultura da cidade, mas sim que eles, na sua

posição de artistas produziam uma certa visão do que era a cultura local, ou mesmo do que era

cultura do Estado, já que sua proposta de trabalho era fazer uma música que estivesse

relacionada às tradições de Santa Catarina como um todo.

Em relação aos elementos que o grupo cantava e que eram relacionados à

Florianópolis, a escolha feita privilegiava somente um aspecto cultural dentre tantos que

formavam a cultura da cidade. Neste sentido houve a exclusão de determinados traços

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culturais no processo criativo do grupo. Assim, ficaram de fora da produção do Engenho

traços das culturas negra e indígena, por exemplo, bem como, das demais etnias que

participaram do processo de povoação da cidade, como as populações de descendência árabe e

os gregos entre outros. Desta forma, é preciso considerar que a associação entre uma suposta

identidade cultural referente à cidade que privilegiava somente a uma tradição cultural

acabava por esconder outros sujeitos e demais culturas que construíram e constituem os traços

culturais da cidade. 70

Em reportagem publicada no jornal A notícia em maio de 1998 por ocasião da volta do

Engenho às atividades Marcelo e Cristaldo comentavam sobre os elementos culturais

presentes nas canções do grupo:

“A pulsação do tambor do boi-de-mamão sempre esteve bastante subjetiva em nossas canções. Compúnhamos sem o perceber. Agora eles aparecem com mais força”, adianta. Cristaldo também fala do futuro. “A gente pesquisou muito, mas ficaram de fora ritmos riquíssimos dos negros e índios que agora pretendemos incluir”, revela.71

Esta matéria, publicada quatorze anos depois da dissolução do grupo, revela como era

intensa a discussão em relação à cultura açoriana durante o primeiro período de atividade do

Engenho, ratificada pela quase intuitiva seleção feita pelo Engenho na escolha dos ritmos

trabalhados por eles. Aponta também para uma escolha, uma seleção de determinadas práticas

e tradições que compunham a imagem do que o grupo avaliava como sendo os elementos

culturais da cidade, ao passo que ficaram de fora referenciais culturais que faziam e fazem

parte da formação cultural da mesma.72

Embora declarassem que as referências culturais em sua música apareciam “sem o

perceber”, havia outros motivos pelos quais o Engenho veio a privilegiar no seu trabalho a

cultura da Ilha. Cristiane Silva da Rosa comenta que:

70 Os estudos referentes à colonização açoriana e a busca da consolidação de Florianópolis como reduto desta foram classificados por Paulino de Jesus Cardoso em seu artigo Nem tudo era açoriano, onde trata de experiências de populações escravas na Ilha de Santa Catarina, como “um gigantesco investimento historiográfico entorno da identidade açoriana em Florianópolis”, onde, “no afã de delimitar uma cultura de base açoriana, tais estudos tem sistematicamente contribuído para esvaziar a presença africana na capital catarinense.” CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Nem tudo era açoriano: Algumas experiências de populações de origem africana na Ilha de Santa Catarina no séc. XIX. Texto apresentado ao Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina. 71 A Notícia. Joinville, 27 de maio de 1998. 72 Havia nos jornais da época algumas matérias em relação a outras etnias que ajudaram a formar as características culturais da cidade, porém elas somente aparecem em datas comemorativas daquelas, como por exemplo, nos cem anos da colonização grega na Ilha ou algumas esparsas matérias sobre a cultura negra ou indígena.

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Apesar do grande sucesso obtido com esse primeiro LP, logo serão cobrados para fazer um disco mais voltado às tradições populares de Florianópolis. Assim eles começam a trabalhar na composição de novas músicas, agora dando mais ênfase aos ritmos e temas que falassem sobre o cotidiano da Ilha, sem contudo abandonar as referências de outras partes do Estado.

Sobre este processo Frazê declarou o seguinte:

Alguns puristas ilhéus nos criticavam porque tocávamos ritmos nordestinos e gaúchos (talvez nunca tivessem visitado o planalto ou o sul do estado), e nesta altura como já tínhamos feito muitas pesquisas por toda a Ilha, resolvemos fazer o disco “Engenho”, mais voltado para as raízes açorianas, mas sem esquecer da cultura catarinense em geral.73

Desta forma, o grupo sentiu-se impelido a retomar os temas relacionados à Ilha em seu

trabalho. As características das “raízes açorianas” sobre as quais comenta Frazê aparecem de

fato em Engenho, porém, estas referências ficaram mais nítidas nos arranjos das canções que

tratam desta temática. Em geral, os temas das canções deste disco, como já comentado no

início deste capítulo, são mais variados.

Na perspectiva de trabalhar sob sua ótica os referenciais culturais da cidade e envolto

nas discussões sobre as heranças culturais açorianas da Ilha, o Engenho continuava

produzindo músicas que retratavam práticas que faziam ou haviam feito parte do cotidiano da

capital.

A música “Fandango” trata de um ritmo bastante tradicional do Sul do Brasil e não

somente da Ilha. Sua letra sugere um baile no qual se dança o fandango, música que, no caso

desta canção, é tocada com a viola, o pandeiro, a rabeca e o cavaco, neste baile a dança invade

a madrugada e só cessa com a chegada do amanhecer. O fandango é uma música de origem

ibérica que é dançada com tamancos de madeira com os quais se acompanha o ritmo da

música.

Bate, fandango bate Racha, tabua racha Arreda a cadeira Arreda caminho Tamanco sapateá Bata fandango, bate Viola pra violá Trajana, Maneca Pandeiro, rabeca Cavaco pra palhetá Bate, fandango bate Poeira pra levantá

73 ROSA. Op. Cit. p. 30.

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Sol tá nascendo Descalço batendo Fandango vai terminá (Marcelo, Alisson)

No arranjo o violão inicia a música tocando uma melodia que é repetida diversas vezes

durante a canção, sendo seguido pela entrada da percussão. O orocongo74 faz dueto com a

sanfona repetindo a mesma melodia até que a letra seja cantada, voltando à tona toda vez que

se para de cantar. Quando se canta em alguns momentos violão e sanfona repetem a melodia

da música.

Os fandangos já não eram tão freqüentes em Florianópolis na década de 1980, assim

como diversas outras manifestações as quais o Engenho costumava abordar em suas canções.

Exemplo disso é encontrado na música “Menina rendeira”:

Menina rendeira, menina Sereia da beira do mar Tua mãe te ensinou que nas rendas Tem o brilho do ouro do mar E se acostumou a dormir Com o barulho dos bilros no ar Uma breve história do mar Numa velha canção de ninar Menina rendeira, menina O tempo não vai apagar Tuas mãos delicadas magias Na almofada a renda a brotar Conte comigo menina Mande-me um pão por Deus Com cheiro de manjericão Quem te ama agora sou eu (Alisson)

Esta canção conta a história de uma jovem acostumada com a vida e os hábitos do

interior da ilha, sua habilidade na feitura da renda de bilro e sua cumplicidade com o mar nos

dão a idéia disso. Na letra que demonstra o encantamento do interprete pela simplicidade da

moça aparece novamente a imagem do estereotipo do morador do interior da Ilha. Assim

como no primeiro disco aparece a figura do pescador acostumado com a labuta diária e os

perigos inerentes ao seu ofício, mas que não apresenta nenhuma perspectiva de mudança para

74 Instrumento semelhante a um berimbau feito com uma cabaça e que possui somente uma corda, porém, diferentemente daquele possui um braço com trastes o que possibilita tocar algumas notas da escala. O orocongo pode ser tocado com arco, ocasião na qual produz um som semelhante ao da rabeca.

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sua vida, até porque estes personagens vêem a pesca como uma missão. Estes figuras simples,

pacatas, omissas, aparecem freqüentemente nas letras do Grupo Engenho e retratam um tipo

de imagem que se fazia dos nativos. No contexto em que o grupo produzia, permeado por

políticas públicas de construção de identidade, as personagens presentes na música do

Engenho representavam parte da imagem que se pretendia forjar para os moradores da cidade

e a abrangência da música do grupo ajudava nesta construção.

Outra característica que nos remete as tradições locais aparece quando o intérprete,

outra personagem da música, pede que a menina lhe mande um pão por Deus, pois é ele quem

a ama agora. O pão por Deus era, já na época, considerada uma tradição extinta, conforme

matéria publicada em agosto de 1982 por O Estado divulgando o Festival do Folclore.

Pegue uma folha de papel, faça recortes geométricos ao seu redor, escreva uma mensagem em forma de verso, podendo até fazer uma declaração de amor, entregue-o à respectiva pessoa. Fazendo isso você estará reavivando uma tradição folclórica desaparecida na Ilha de Santa Catarina: o “Pão por Deus”, que consistia num meio de comunicação onde as mensagens de amor, amizade e simpatia, escritas nas mais diversas figuras de papel, transmitiam os mais variados pedidos. 75

A reportagem divulga o festival que tem “o objetivo de reavivar estes tipos de

manifestações, classificadas como cultura popular ou folclore” e mostra a preocupação com o

“resgate das tradições que aos poucos vão desaparecendo e, ainda, com a valorização de

nossas raízes.” Nesta perspectiva, o festival teria a dupla função de retomar práticas

folclóricas perdidas e manter em evidência as que ainda existiam, mas que estavam em

processo de desaparecimento. Para isso seria necessário relembrar às pessoas das

manifestações tradicionais já perdidas na Ilha, além de exaltar as figuras significativas na

pesquisa da cultura e dos costumes locais.

Neste sentido, o festival homenageava o grande expoente da cultura da cidade: “Na

ocasião, haverá a apresentação de corais e de um jogral sobre a vida de Franklin Cascaes. - ‘O

Mito Vivo da Ilha’ -, serão relembradas as crendices e superstições da Ilha e cantadas as

músicas de trabalho das rendeiras de bilro e das redes de pesca.” 76

Ao “Mito Vivo da Ilha” foi de dedicado o segundo trabalho do Grupo Engenho com a

seguinte frase: “‘Engenho’ é dedicado ao grande artista que despertou gerações para o amor à

terra: Franklin Cascaes.”

75 “Festival do Folclore tentará reavivar manifestações extintas.” O Estado. Florianópolis, 17 de agosto de 1982. p. 31. Em seu livro Aspectos do folclore catarinense Doralécio Soares intitulou o capítulo que trata desta prática de: “Pão por Deus: Tradição desaparecida”. SOARES. Op. Cit. p. 43- 49. 76 “Festival do Folclore tentará reavivar manifestações extintas.” O Estado. Florianópolis, 17 de agosto de 1982. p. 31.

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A aproximação entre o Engenho e Franklin Cascaes já existia desde o início do grupo,

como se viu anteriormente. A grande presença da cultura da região da capital na produção do

grupo foi, sem dúvida, bastante influenciada por ele a ponto do Engenho tê-lo homenageado

com a dedicatória do disco. Da mesma forma, a escolha dos elementos com os quais o

Engenho associava a cidade pode ter surgido da convivência com um ícone da cultura local.

Cascaes inclusive foi parceiro do grupo na canção “Carro de boi” (Cascaes, Marcelo e

Alisson).

Esta canção retoma a batida do boi-de-mamão, porém um pouco mais lenta do que nas

canções em que a mesma característica aparece. O ritmo lento acompanhado da melodia triste

cantada com o acompanhamento de violino e viola (clássica) dão à música um clima de

dolência que se manifesta também na letra. Esta, por sua vez, remete ao passado fazendo uma

alusão a uma propriedade abandonada após a morte de seu dono, o “Senhor do Engenho”.

Neste lugar, agora vazio, onde as portas da casa grande não mais se abrem, o engenho

desgastou-se com o tempo e o cantar transformou-se em lágrimas, não há mais a alegria “das

fogueiras das noites de São João” por que estas “se acabaram na tristeza do sertão”.

Carro de boi, carro de boi O teu Senhor do Engenho Para onde ele foi O teu senhor do engenho Para onde ele foi A eternidade há muito tempo o chamou A casa grande suas portas já fechou Até o engenho o tempo desgastou E o meu cantar em prantos se tornou As fogueiras das noites de São João Com vaga–lumes misturados com balão Que cortavam o ar em suave oração Se acabaram na tristeza do sertão A minha terra um lugar de promissão Eu trabalhei como pai como irmão Cantando sempre uma linda canção Pra ajudá-la a ser grande nação (Franklin Cascaes, Marcelo, Alisson)

No fim da canção há o “canto” do carro de boi que é o barulho, semelhante a um

assovio, que suas rodas fazem quando ele está em movimento. Embora contenha elementos da

cultura local e tenha sido composta juntamente com um ícone desta cultura esta música é uma

das que possui letra com tema bem mais abrangente, ao passo que trata do senhor de engenho,

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remete a grande propriedade e fala de manifestações nacionais como as festas de São João.

Neste sentido esta canção além de apontar novamente para uma caracterização da cultura

local, indicava uma relação da cidade, ou mesmo do Estado, com características culturais

nacionais. Há também na letra a referência a uma proposta de nação para a qual se trabalhava

na busca da permanência de valores e práticas. O carro de boi que dá nome à música aparece

na letra somente no refrão como que questionado pelo paradeiro do senhor, além de mais um

dos objetos que ficará abandonado na ausência do dono da propriedade.

A associação da cultura local com elementos da cultura considerada nacional e a

preocupação com um projeto de nação que privilegiasse atividades e práticas que estavam se

perdendo eram componentes da produção artística do Engenho. Neste sentido a proeminência

artística do grupo e a importância de determinados aspectos da sua produção para a construção

de um modelo de país encontram-se num texto no encarte de Engenho com o qual Franklin

Cascaes agradecia a dedicatória:

Dante não duvidou em afirmar que a arte é neta de Deus. Se ela é neta de Deus a vossa obra é uma grande honra para a nação. Cantai carros de boi, cantai engenhos de farinha que as vossas canções encontraram eco artístico na inteligência dos jovens componentes do Grupo Engenho de Santa Catarina.

Vimos anteriormente que a postura do Grupo Engenho de fazer uma música voltada

para o regional, tinha como cerne uma atitude política de contestação ao que se chamou de

colonialismo cultural. Assim, a busca pelos elementos popular, regional e nacional faziam

parte da proposta musical do Engenho que engendrava não somente um incentivo ao que era

feito em Santa Catarina, mas também pretendia uma valorização da cultura brasileira.

Sobre seu trabalho de divulgação da música e da cultura catarinense o Engenho

comentava no encarte do seu disco homônimo:

Após passarmos dois anos de existência apresentando e divulgando o show e disco (“VOU BOTÁ MEU BOI NA RUA”), ficamos satisfeitos com a possibilidade de dar seqüência ao caminho musical de Santa Catarina. Tudo indica que este espaço cultural, há pouco ocupado cem por cento por enlatados, hoje começa a ser resgatado pelo “milagre do santo de casa”. As rádios, televisões, jornais e casas de espetáculos começam a tocar, veicular, comentar e cantar compositores catarinenses. E mesmo no esquema “ou cidade sim, ou cidade não” a cultura até então, centralizada na capital e nos centros maiores do nosso Estado começa a ser partilhada por cidades que até o dia de hoje não tiveram oportunidade de assistir a um show musical. Essas viagens aliadas a um estudo de história, cultura popular e música somadas ainda às lembranças, de cada um foram a causa da criação do novo disco chamado “ENGENHO”. Descobrimos de repente que a independência é muito importante para o artista. A necessidade de conquistar espaço, de descobrir, de criar, de viver, só são amparadas sob as asas de um trabalho independente.

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O artista não deve ficar sendo explorado nem limitado por intermediários e burocratas. Tem que ter alçada livre, sem limites para criar e mudar na hora necessária. É por demais importante estarmos transmitindo as freqüências de um trabalho novo contando com artistas catarinenses como: o professor Franklin Cascaes, Carlos Alberto Vieira, Volnei Firmino Varaschin, Marcio Correa, Luiz Ekke Moukarzel, Maurício Muniz e Gilberto Arcari (neste disco). E desejamos a todos um mágico encontro com os movimentos/sentimentos/emoções de um disco chamado “ENGENHO”.77

Com um trabalho sólido realizado nestes dois anos e a sua iniciativa de iniciar um

trabalho independente, sem o qual provavelmente o grupo não conseguiria lançar seus discos,

o Engenho foi um pioneiro na profissionalização da música na cidade. O lançamento de dois

LPs que tiveram uma certa projeção e a exposição na mídia, inclusive nacional, através de

programas de televisão e da execução de suas canções em emissoras de rádio de diversas

partes do país mostrou aos demais artistas locais que era possível fazer música em

Florianópolis, embora as dificuldades fossem ainda muito grandes.

Era comum no início dos anos 80 a reclamação dos músicos da Cidade por espaços

onde pudessem se apresentar e a busca por alternativas para continuarem ganhando a vida

através da música. Na reportagem “Cantando os músicos da noite resistem à marginalização”,

publicada no jornal O Estado em julho de 1981, foi mostrada a dificuldade dos músicos da

capital. Iniciada com a primeira estrofe da canção “Ponteio” de Edu Lobo a matéria, que tem

um tom até certo ponto dramático e é permeada de trechos de canções, fala da falta de espaços

para os músicos se apresentarem, da falta de apoio institucional e da busca pela

profissionalização.

Era um era dois era cem Era o mundo chegando e ninguém Que soubesse que sou violeiro Que me desse amor ou dinheiro... E quem sabe quem são os músicos de Florianópolis? Músicos da noite, por aqui, inclusive a palavra “noite” tem duplo sentido. Um representa a única atividade dos músicos profissionais ou amadores da Cidade, que não aparecem nos rádios, não tem músicas gravadas em discos. O outro, pode representar a noite como o abandono, o escuro, a falta de sucesso e o desconhecimento da arte que toda noite eles fazem, às vezes, de graça, às vezes, pela comida ou por umas cervejas na mesa. A exceção talvez, do “Grupo Engenho”, os milhares de músicos e centenas de grupos musicais formam uma categoria social totalmente marginalizada. Entre as montanhas, lagoas e praias da Ilha, eles vão cantando, tocando, compondo e esperando.78

77 Grupo Engenho. Engenho. Engenho Produções Artísticas, 1981. 78 “Cantando os músicos da noite resistem à marginalização”. O Estado. Florianópolis, 19 de julho de 1981. p. 24.

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Nesta perspectiva o Grupo Engenho vivia uma realidade completamente diferente dos

demais artistas de Florianópolis, com um trabalho profissional, discos lançados, um público

bastante razoável e espaço para tocar tanto na cidade quanto fora dela o Engenho tomou uma

postura de batalha para a profissionalização do segmento musical na cidade. Assim, lançou em

1982, pela sua produtora, a Engenho produções e Gravações LTDA, os discos de Neco, o

compacto duplo Ponta de Sambaqui, e de Beto Mondadori, o LP Naturais Inventos.79

Em 1982 o grupo participou do Projeto Desterro, uma espécie de Projeto

Pixinguinha80 local. Montado no Teatro Álvaro de Carvalho, o Desterro era um espaço no

qual buscava-se o “reconhecimento definitivo dos valores da música local” onde se queria

“reunir toda a quarta-feira os principais nomes da música de Santa Catarina, entre eles Luis

(sic) Henrique, Banda de Nêutrons, Grupo Engenho, Neide Mariarrosa, Neco e a dupla Tuca e

Deto.”81

Assim, o Engenho cumpria sua proposta de valorização da música catarinense e

participava ativamente de um processo no qual estava-se buscando um espaço para a produção

cultural local, neste caso, da música em particular. Desta maneira, o grupo encontrava-se

numa condição de promotor desta produção musical, ao mesmo tempo em que era o principal

representante dela, tendo este reconhecimento não somente pela sua qualidade musical, mas

também pela sua proposta de abordar as práticas culturais tradicionais referentes à Santa

Catarina no seu trabalho.

Nesta perspectiva, a busca pela valorização das práticas culturais tradicionais

presentes no trabalho do Engenho assemelhava-se ao conjunto de políticas públicas

formuladas no Estado naquele período, as quais buscavam no passado a legitimação, a

rememoração e a valorização de determinados traços culturais que não poderiam ser

esquecidos.

Retomando a questão da cultura da Ilha e a associação feita entre esta e o trabalho do

Engenho, a produção musical do grupo remetia à discussão acerca de algumas práticas e

valores que vinham sendo abordados e revistos nas propostas daquelas políticas culturais. Esta

discussão sobre a presença de determinados elementos culturais referentes tanto à

Florianópolis, quanto ao Estado, tratados pelo Grupo Engenho na sua produção musical dava-

79 Rosa. Op. cit. p. 32. 80 O Projeto Pixinguinha era uma iniciativa da FUNARTE (Fundação Nacional das Artes) em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de cultura de todo o país nas quais havia a apresentação de uma série de shows com artistas brasileiros. Florianópolis abrigou este projeto de 1979 a 1982. 81 “Projeto Desterro: Com a palavra, os músicos locais”. O Estado. Florianópolis, 20 de outubro de 1982. p. 23.

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lhes legitimidade como representantes da produção cultural do Estado, bem como, da cultura

tradicional de Santa Catarina.

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3. O meu boi vadiou: o Engenho na mídia

Desde o início de suas atividades o Grupo Engenho conseguiu obter um significativo

espaço na mídia local. Na cobertura do trabalho do grupo os jornais divulgavam seus shows, o

lançamento de seus discos e acompanhavam a repercussão de suas apresentações fora do

estado.

A presença do trabalho do grupo na mídia impressa da época era permeada de

observações e comentários que davam ênfase a sua maneira de escrever as canções e aos

temas que elas abordavam. Em março de 1982 a revista Quem num breve comentário sobre o

grupo diz: “os rapazes do Engenho mostram uma música de raízes, pesquisando o rico folclore

catarinense, admitindo uma influência latina.”82 De fato a questão da latinidade também é

tratada pelo grupo não apenas nas letras, como em “Recuerdos” canção com letra escrita em

linguagem da fronteira do sul do Brasil como indica o encarte do primeiro disco, mas também

na sonoridade do grupo.

Este tipo de abordagem privilegiando a presença de elementos culturais de diferentes

regiões do Estado em sua música dava ao Engenho uma certa representatividade como o

portador de uma tradição musical catarinense. Havia de fato uma identificação do trabalho do

grupo com o Estado, não só pela questão de se fazer músicas com aquelas referências, mas

pelo próprio fato do Engenho ser o primeiro grupo musical catarinense com um trabalho que

obteve alguma representatividade. Esta característica evidenciada pela mídia era observada

também pelo público da época, embora, como visto anteriormente, se fizesse associação do

som do grupo com a música nordestina.

Esta identificação do grupo com Santa Catarina, além da popularidade conseguida

mesmo com pouco tempo de trabalho, foi responsável pela presença do Engenho em um meio

de comunicação bem mais abrangente, a televisão. Em fins de 1980 o grupo foi convidado

pela RBS TV para a realização de um especial de fim de ano.

A RBS estava se estabelecendo em Santa Catarina naquele ano e a emissora,

procedente do Rio Grande do Sul, procurava com a veiculação de atrações vindouras do

Estado Barriga Verde “mostrar confiabilidade aos catarinenses, fixar raízes, e criar laços para

conquistar a população”, além de mostrar “para seus telespectadores que seu interesse era

valorizar a população catarinense, e faria isso dando apoio às manifestações artísticas e

82 Revista Quem. Florianópolis, março, 1982. n. 10. p. 33.

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53

culturais do estado”.83 Nesta perspectiva a RBS realizou estes especiais com o Engenho não só

em 1980, mas também nos quatro anos seguintes.

Através do Jornal O Estado a emissora anunciava um dos musicais gravados com o

Engenho da seguinte maneira: “As emissoras da Rede Brasil Sul valorizam o talento da terra.”

O anuncio era acompanhado de uma foto do grupo tirada nas escadarias do Teatro Álvaro de

Carvalho, e trazia ao seu lado o seguinte texto:

Quem ama Santa Catarina sabe dar valor ao que esta terra tem de bom. Os programas produzidos pelas emissoras da RBS são a prova diária do valor que é dado aos profissionais locais. Sempre fez parte da filosofia da Rede utilizar o pessoal ligado à região, pois é ele quem mais entende o público a que se dirige. Fruto disso são os telejornais Bom Dia Santa Catarina, Jornal do Almoço, Jornal das Sete, as partes locais do Jornal Nacional, do TV Mulher e do Jornal da Globo, o Som da Gente, o Campo e Lavoura e os programas especiais da Série Documento, como o musical do Grupo Engenho. O resultado dessa filosofia pode se observado na qualidade dos programas, na sua íntima ligação com a comunidade e nos expressivos índices de audiência alcançado pelas emissoras da RBS, que cobrem Santa Catarina de ponta a ponta.84

Vê-se que a busca da identificação com o público catarinense deveria ser conquistada

através da veiculação de programas produzidos e protagonizados por pessoas ligadas à região.

Assim os especiais do Engenho além de cumprirem as metas traçadas pela RBS traziam ao

grupo repercussão estadual. Neste sentido, estas aparições na TV em nível regional deram

ainda mais popularidade ao Grupo Engenho.

A qualidade do trabalho do grupo foi reconhecida também fora do estado. Na matéria

“Engenho destaca receptividade em S. Paulo” foi publicado o seguinte:

O Grupo Engenho, que participou recentemente, no Instituto Mackenzie, em São Paulo, da 1ª Semana de Música das Américas, retornou a Florianópolis impressionado com a “incrível receptividade” demonstrada pelo público, imprensa e crítica paulista. [...] O Grupo Engenho apresentou nos espetáculos as músicas do disco “Vou botá meu boi na rua”, do show do mesmo nome apresentado anteriormente e mais algumas composições que estão sendo preparadas. De um modo geral, contudo, foram músicas que tratam “da cultura catarinense”, segundo Cristaldo – uma característica, aliás, que tem acompanhado o grupo desde sua criação.85

A boa receptividade do trabalho do Engenho fora dos limites de Santa Catarina ficou

evidente quando o grupo foi convidado para se apresentar no programa “Som Brasil” da rede

Globo. De fato naquele momento o Grupo Engenho representava o que de melhor havia

83 ROSA. Op. Cit. p. 25. 84 Anúncio publicitário. O Estado. Florianópolis, 06 de novembro de 1982. p.14. 85 “Engenho destaca receptividade em S. Paulo.” O Estado. Florianópolis, 10 de junho de 1981. p. 19.

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musicalmente no Estado e em virtude disto despertava a curiosidade de outros públicos e

artistas. Apresentado pelo ator e cantor Rolando Boldrin o “Som Brasil” trazia como atrações

artistas que cantassem música brasileira e sem apelo comercial, nas palavras do próprio

Boldrin:

Essa é a única condição fundamental para entrar no Som Brasil. Tem que ser ritmo brasileiro. Se nós abríssemos mão disso, iríamos cair naquele negócio de tocar guarânia, música Paraguaia, todo aquele tipo de coisa que infelizmente está ligada à música sertaneja de alto consumo e que o público aceita como sertaneja puramente brasileira. Nosso trabalho é abrir caminho para a apidação (sic) da música regionalista. Lutamos apostando na pureza dessa música, e não contra os interpretes daquele tipo de música, que preferimos não gostar. Entre os sertanejos tem muita gente boa, talentosa, mas que levada por outros interesses, se uniu ao lado que consideramos errado.86

Além de incentivar a produção de música regionalista o programa servia para

apresentar e divulgar o trabalho de músicos que estivesse de acordo com a proposta do

programa. Neste sentido o perfil do grupo catarinense se encaixava perfeitamente ao padrão

de qualidade do Som Brasil, fazendo música de ritmo brasileiro, voltada para o regional e sem

apelo comercial.

Em matéria que divulgava o lançamento do disco Engenho o jornal O Estado exaltava

a participação do grupo no programa e ressaltava a importância da divulgação da música e da

cultura catarinense em nível nacional.

No dia em que o Grupo Engenho aparecer no programa “Som Brasil”, da rede Globo de Televisão, certamente Santa Catarina deixará de ser, pelo menos um pouco, o famigerado “hiato” que a linguagem derrotista local (uma forma de esconder a incapacidade que caracteriza nossos representantes políticos lá fora) impingiu aos que tiveram a sorte de nascer aqui. Isto porque, ao menos na área musical, alguém vai descobrir, fatalmente, que o Estado não é apenas uma bandinha alemã tocando numa praça ou entre duas filas de palmeiras. Talvez como resultado dessa “miscigenação” da música e da sua extrapolação como um codificador das mensagens de uma determinada região, palavras como jangada, tropas (de bois), vaquejada, protesto, engenho, fandango, rendeiras, pueblos, montañas, chicote, rendeiras (sic), El Rei, consigam repartir, num mesmo disco, todo espaço disponível. [...]. Essa diversidade de temáticas e ritmos está presente, mais do que nunca, no novo disco do Engenho [...]. Essa universalidade que transcende à abordagem mais “nordestina” do primeiro LP, mostra que “somos um engenho mesmo”, dizem os membros do grupo. Afinal de contas, moramos aqui e embora exista uma preocupação maior com o Sul do País, cantamos tudo que está abaixo do equador”.87

86 “Rolando Boldrin e a música caipira autêntica, num programa de sucesso.” O Estado. Florianópolis, 07 de fevereiro de 1982.p 23. Hoje Boldrin apresenta na TV Cultura um programa muito semelhante ao Som Brasil, com a mesma proposta, chamado Senhor Brasil. 87 SCHMITZ, Paulo C. “Um disco sem fronteiras. É a volta do grupo Engenho, hoje.” O Estado. Florianópolis, 15 de dezembro de 1981 p. 21.

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Nesta matéria além da valorização do trabalho do Grupo Engenho e da sua proposta de

abordar temas relacionados à cultura catarinense há outros pontos que chamam a atenção.

Logo no início quando se fala que assim que o Engenho aparecesse no “Som Brasil” o Estado

deixaria de ser um hiato, o zero da BR 101 como se costuma dizer, percebe-se a busca por um

reconhecimento de Santa Catarina em nível nacional, neste caso o reconhecimento por uma

produção cultural, o que até o momento não existia. Segundo a matéria esta falta de

reconhecimento era fruto da incapacidade dos representantes políticos do Estado.

Esta matéria foi publicada em dezembro de 1981, mês no qual foi lançado o segundo

disco do Engenho, antes, portanto, das iniciativas de apoio à produção cultural das quais o

próprio grupo foi protagonista. Neste sentido, podia-se observar a busca de alguns setores,

neste caso mídia e até mesmo o próprio grupo, pela afirmação de uma produção cultural

catarinense fora do Estado, da qual o Engenho estava por se afirmar como um legítimo

representante, mas sem que lideranças políticas locais dispensassem atenção para este projeto.

Embora uma parte da mídia identificasse o Grupo Engenho com o Estado de Santa

Catarina como um todo havia também quem associasse o grupo e seu trabalho com a cidade

de Florianópolis, onde ele se formou. Na revista Quem de dezembro de 1981 o comentário

sobre o segundo disco do Engenho é o seguinte: “[...] na realidade, eles estão dando um basta

nos rótulos. Eles estão cantando as rendeiras, a Lagoa, o açoriano, o senhor de engenho, e vão

mais longe ao cantar ‘los pueblos de las montanhas de la América do Sul.’”88

Nesta matéria nota-se somente a referência aos aspectos da cultura do litoral

catarinense e da cultura dos povos das montanhas da América do Sul, mas não faz nenhuma

menção a outros aspectos culturais catarinenses que o Engenho trabalhava. Em matéria

publicada por ocasião de um Show do grupo em Joinville fica novamente nítida a dimensão da

associação do trabalho do Engenho com a cidade de Florianópolis e com o seu público que na

sua maioria morava na capital.

A aceitação do público foi imediata e os convites para apresentações não foram poucos. Suas músicas começaram a ser executadas nas rádios e o homem da Ilha pela primeira vez, ouviu coisas da sua terra, sua cultura, serem cantadas sem qualquer constrangimento. O pescador, o peixe, o engenho de farinha, a rendeira, o mar e a lua unidas a poesia musicada do grupo “Engenho” passaram a ser cantados de boca em boca e a música da ilha começou a merecer respeito de muita gente.89

88 Revista Quem. Florianópolis, dezembro, 1981. n. 6 p. 34. 89 “Grupo Engenho em Joinville para um Show e lançamento de discos”. O Estado. Florianópolis, 22 de maio de 1982. p.21.

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Isto evidencia uma identificação entre o Engenho e a Ilha de Santa Catarina que era

feita por parte da mídia na época de atuação do grupo, mas que também aconteceu

posteriormente, como se pode ver neste trecho de uma reportagem do Jornal A Notícia

publicada em 07 de julho de 1999: “Formado Originalmente em 1979, o Engenho sempre foi

uma legítima banda Ilhoa. Nas letras, signos do folclore, lugares tradicionais da cidade e o

jeito de ser do manezinho.”90

A palavra manezinho como sinônimo do habitante do interior da ilha não aparece em

nenhum momento no trabalho do Engenho, até por que na época do lançamento dos discos do

grupo esta expressão era tida como pejorativa, só tomando conotação de elogio após um

trabalho de valorização da cultura de Florianópolis com vistas à atividade turística.91

Porém, o que nos importa aqui é o tipo de referência que se faz quando a mídia trata de

observar os elementos da cultura da Ilha que o Engenho canta. A ênfase é dada sempre aos

elementos que compunham o que veio a se chamar de cultura açoriana. Inclusive a matéria da

revista Quem fala que eles estavam “cantando [...] o açoriano”. Assim como na palavra

manezinho, não há no trabalho do Engenho nenhuma citação direta ao açoriano, somente a

descrição de hábitos e práticas que eram e continuam sendo atribuídas como heranças

culturais referentes a este.

Neste sentido a própria mídia apropriava-se do trabalho do grupo para passar uma

visão do açoriano como elemento principal das formas de manifestações culturais associadas à

Florianópolis. Isto acontecia justamente no momento em que as políticas culturais buscavam

um incentivo ao turismo e procuravam associar a cidade com esta herança cultural. Assim, a

mídia, envolvida em interesses políticos e financeiros, reforçava a imagem açoriana de

Florianópolis associando-a a obra dos artistas de maior sucesso no período.

Embora algumas reportagens e matérias sobre o Engenho apontassem para a

valorização da cultura da Ilha, o trabalho do grupo ia se afastando deste tema conforme o

passar dos anos. Isto ficou ainda mais evidente no terceiro LP lançado pelo grupo.

Força Madrinheira, terceiro disco do Grupo Engenho, foi lançado em 1983. Este foi

considerado pelo próprio grupo seu melhor trabalho, devido à experiência adquirida nos anos

precedentes ao lançamento deste disco. Outra peculiaridade deste disco foi ter sido lançado

por uma gravadora, a Lira Paulistana em associação com a Continental, ao contrário dos

demais lançados pela produtora pertencente ao grupo. O comentário feito pelo grupo em

90 A Notícia. Joinville, 07 de julho de 1999. 91 ZANELA. Op. Cit. 107-115. FLORES. Op. Cit. p. 140-141.

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relação a estas questões foi publicado na reportagem do jornal O Estado “‘Força

Madrinheira’: hoje lançamento nacional de seu disco mais completo.”

O que difere este disco dos dois anteriores é a gravação, tanto no nível técnico quanto no que diz respeito a escolha das músicas, mais alegres e próximas aos Shows que fazemos por aí. O primeiro disco não era muito autêntico, fugia um pouco das nossas características, o segundo tinha autenticidade mas não caiu bem no gosto popular, e este procura unir o autêntico ao acessível. Mas há outra vantagem: apesar de sermos independentes, temos a estrutura de uma gravadora por trás, o que vai eliminar nosso maior problema – a distribuição.92

De fato há uma mudança significativa entre Força Madrinheira e os dois discos

anteriores. Além de a gravação ser de uma qualidade notadamente superior, os arranjos das

músicas e suas letras ficaram mais “universais”, tomando características mais urbanas, a não

ser, obviamente, quando prestigiavam os temas regionais.

A primeira mudança que se nota em relação aos demais trabalhos é a da capa do disco,

talvez pela parceria com a gravadora paulista que facilitou a realização do trabalho e pela

busca de uma maior acessibilidade, este álbum foi o único do grupo que recebeu uma capa

colorida. Nesta perspectiva a parceria com uma gravadora ajudaria na divulgação do disco,

facilitaria a distribuição e poderia abrir novos mercados.

Figura V – Capa do LP Força Madrinheira de 1983.

92 SCHMITZ, Paulo Clóvis. “‘Força Madrinheira’: hoje lançamento nacional de seu disco mais completo.” O Estado. Florianópolis, 30 outubro 1983. p. 25.

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A capa de Força Madrinheira é ilustrada por uma foto de uma colcha de retalhos, que,

por sua vez, mostra um desenho de um homem montado a cavalo com um violão ou viola

pendurado às costas. A posição do cavaleiro, tanto quanto a de sua montaria, dão a impressão

de que estão em disparada; ao fundo vê-se no horizonte um sol entre nuvens.

Outra diferença fica por conta do selo do disco, nos discos anteriores, independentes,

aparecia a logomarca do grupo, a roda de engenho. Neste aparece um desenho que retrata o

horizonte da cidade de São Paulo com seus prédios (skyline), símbolo da Lira Paulistana. O

que é bastante compreensível já que este espaço é invariavelmente utilizado para este fim, a

divulgação da gravadora.

A sonoridade do disco também mostra uma mudança ao passo que foge das

características dos discos anteriores que na sua maioria abordavam aspectos da cultura

catarinense. Neste trabalho priorizou-se elementos mais abrangentes tanto nas letras como nos

arranjos que em algumas músicas contaram com a execução de saxofone e teclados, além

disso a afinação da bateria, mais aguda do que nos trabalhos anteriores, deram uma conotação

mais urbana a algumas canções do disco.

Algumas letras também mostram estas características, é o caso de “Sentido” e “Flor do

Alecrim” que remetem a relacionamentos e a procura por um sentido para a vida, temáticas

muito comuns na produção musical brasileira no período. A temática rural ainda é empregada

embora não remeta a uma localidade ou cultura específicas, é o caso da música “Quintal”.

Por outro lado, embora haja uma significativa diminuição das referenciais locais,

principalmente no número de canções que remetam ao Estado, o disco apresenta traços fortes

relacionados à cultura da Ilha e do Sul do Brasil. Como exemplo disso há nos arranjos a

presença do orocongo, já utilizado no disco anterior, nas canções com temas voltados à cultura

da Ilha.

Em alguns momentos mostra fortes elementos da música tradicionalista do Rio Grande

do Sul, principalmente nos arranjos para a sanfona. A própria música que dá nome ao LP tem

esta característica, “Força Madrinheira” é uma milonga que apresenta um fraseado de sanfona

muito característico daquela música.

A canção “Contestado” que narra uma visão da Guerra com o mesmo nome é

constituída em cima de uma melodia e construção poética próxima ao repente. Neste sentido,

Força Madrinheira é um trabalho mais heterogêneo do que os demais, pois mistura elementos

culturais diferentes ao mesmo tempo em que busca um estilo mais urbano do que regional.

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Embora apresente uma série de mudanças em relação aos trabalhos anteriores para o

grupo não houve grande diferença na produção de Força Madrinheira. Como se vê neste

trecho de matéria:

A nível do temático não houve maiores alterações. Quem explica é Alisson: “Houve uma continuidade, dentro de valorizar o que se faz em Santa Catarina. Tanto que regravamos “Adeus Mariana”, de Pedro Raymundo, que, ao contrário do que a maioria imagina, é um catarinense de Imaruí. Ele não é apenas folclore, termo com o qual tentam as vezes nos qualificar.” Marcelo diz que não existem limitações a temáticas determinadas – há uma filtragem inconseqüente das tendências musicais catarinenses. Cristaldo arrisca que “Força Madrinheira” afirma a linha do grupo, o estilo próprio embora não tenha havido esforço para chegar a isso. O disco se diferencia também pela diversidade, pela junção de ritmos variados, pela participação de músicos novos, tanto daqui como de São Paulo.93

No que tange ao tema da cultura da Ilha há no disco três músicas que nitidamente

fazem referência àquela. Estas são “Meu boi vadiou”94, “Corre menina” e “Açoreanas”, as três

canções trazem tanto na letra quanto no arranjo características da cultura e do folclore ilhéus.

Na primeira delas que “associa esse boi-de-mamão com o gauchesco vanerão”95

novamente a figura do boi está presente, porém, aqui na forma de uma expressão que denota

um sentido de alegria por ter conseguido algo, meu boi vadiou no contexto da música é uma

figura de linguagem com o significado de “me dei bem”, no caso a fuga com uma “rapariga”.

O menino levado que está cevando Cuidado com a roda Nós estamos ainda no inverno Não é ainda tempo de poda O Engenho de farinha Quando está coberto de muita poeira É sinal que neste ano Vai fugir muita moça solteira Ô rapariga bonita Que brinca na praia com cabelo molhado Que olha pra mim com os olho azulado Fuja comigo pra longe daqui

93 “‘Força Madrinheira’: hoje lançamento nacional de seu disco mais completo.” O Estado. Florianópolis, 30 outubro 1983. p. 25. 94 Esta música foi gravada por Martinho da Vila no LP O canto das Lavadeiras, de 1989, que misturava samba com folclore brasileiro. Martinho da Vila. O canto das lavadeiras. CBS, 1989. 95 “Força Madrinheira”: hoje lançamento nacional de seu disco mais completo. O Estado. Florianópolis, 30 outubro 1983. p. 25.

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Vem andar pela Ilha Levitando na praia pela madrugada Com sol ou com chuva, com a roupa molhada Eu levo a viola pra gente cantar O meu boi vadiou Quem mandou vadiar O meu boi vadiou Quando eu estava com a rede Pescando no mar (Alisson)

A associação do boi-de-mamão com o vanerão citada na matéria do jornal é resultado

do fraseado da sanfona que realmente remete aos ritmos da música gaúcha com a célula

rítmica tradicionalmente usada pelo grupo quando canta músicas relacionadas à cultura de

Florianópolis.

A letra da música “Corre menina” remete novamente ao boi-de-mamão evento para o

qual se está chamando uma menina para assistir. A linguagem utilizada também remete ao

vocabulário usado na Ilha com expressões como oi, oi, oh e rapariga. Além disso, aparecem

novamente a questão dos hábitos alimentares e da mística do ilhéu. No arranjo desta canção há

novamente a presença da célula rítmica já citada anteriormente que se aproxima do ritmo do

boi-de-mamão e aparece sempre que as canções remetem ao este tema.

Corre menina, corre vem cá Corre que o boi não tarda a chegar Corre menina, corre vem cá Corre que o boi não tarda a chegar Oi, oi, oh! Olha lá! Corre menina, corre vem cá Deixa o pirão d’água e a carne seca E vem pra rua brincar Que rapariga exibida Que faz tudo sem pensar Fica toda rebolida Só pra ver o boi chegar E o boi já tá dançando E as mulhé tão tudo lá E as crianças tão com medo Das histórias do boitatá Que nada criançada Não dá bola pra mulher Que não sabe de nada A não ser rebolar na hora do boi chegar

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(Chico Thives)

A música “Açoreanas” recebeu o seguinte comentário na já citada matéria do jornal O

Estado: “Existe um pot-pourri denominado ‘açorianas’, com melodias do interior da Ilha de

Santa Catarina, unindo ‘canoa verde’, ‘ratoeira de ferro’ e ‘ratoeira simples’.” 96 No início

desta canção há novamente a presença da mesma célula rítmica anteriormente citada, com a

qual é iniciada a música, porém com uma diferença: em um momento toca-se batida/intervalo,

batida/intervalo, no segundo momento três batidas e um intervalo, esta batida é acompanhada

pelo orocongo executado sem o arco, somente com toques que acompanham a percussão. Em

seguida o orocongo, agora executado com arco, toca a melodia tradicional interior da Ilha,

como o dito na matéria, acompanhada pelo segunda célula rítmica citada e pelo orocongo, esta

melodia sempre volta a ser tocada nos intervalos entre os versos. No momento em que se vai

cantar entra um violão tocando uma batida semelhante a da valsa, enquanto a percussão toca

batida intervalo/ batida intervalo na cadência da melodia. Os versos na maioria das vezes são

singelos e inocentes e, em alguns momentos, bem humorados...

Ratoeira bem cantada Faz chorar faz padecer Também faz um triste amante O s seus amor esquecer Meu galho de malva Meu manjericão Deu três pancadinhas No meu coração No mar navega o peixe No Rio o Camarão Nas ondas do teu cabelo Navega meu coração Mulher feia dá sossego E bonita aflição Descobri que andar aflito Me faz bem ao coração Tava na beira da praia Quando meu amor embarcou Foi a prenda mais querida Que as ondas do mar levou (Adaptação folclórica – Grupo Engenho)

96 “‘Força Madrinheira’: hoje lançamento nacional de seu disco mais completo.” O Estado. Florianópolis, 30 outubro 1983. p. 25.

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Embora ainda aparecessem estas referências na produção do Engenho aos poucos elas

vinham perdendo espaço no trabalho do grupo, principalmente no número de canções que

tratavam destes temas. Ainda assim, os componentes da cultura de Florianópolis cantados pelo

Engenho continuavam representando práticas e hábitos dos ilhéus, estas presentes ainda em

seu cotidiano ou já esquecidas. Além disso, embora houvesse a diminuição dos temas as

referências sonoras, melodias e arranjos, destas canções traziam em si características que as

identificavam com a cultura da Ilha. Talvez por isso continuasse havendo a identificação do

grupo com a capital do Estado.

Após o lançamento do terceiro LP o grupo novamente saiu pelo estado para divulgar

seu novo disco, começando uma série de apresentações que se iniciou pela cidade de Tubarão,

em seguida o show Força Madrinheira foi para Joinville e depois veio para a Capital. Assim,

o Engenho continuava com a proposta de divulgar a música catarinense para o público de

Santa Catarina.

Embora continuassem cantando as coisas de Santa Catarina em Força Madrinheira, o

disco, ao contrário de seus dois primeiros LPs e do que esperava o Grupo Engenho, não foi

um sucesso de vendas. Foram lançadas em princípio duas mil cópias, mas este disco não caiu

no gosto do público.

Além disso, o relacionamento dos componentes do Engenho já não era o mesmo.

Segundo Cristiane da Silva Rosa a acumulação das responsabilidades de músicos e produtores

causou um desgaste na relação dos membros do grupo que decidiram terminar a sociedade na

produtora e encerrar as atividades como grupo logo após o lançamento do terceiro disco.

Porém, como já havia shows e a gravação para o especial de fim de ano para a RBS

programados o grupo cumpriu seus compromissos até abril de 1984.97

Mesmo tendo encerrado suas atividades o Grupo Engenho continuou sendo

considerado como um representante da cultura catarinense não somente por ser composto por

artistas daqui, mas, principalmente pela sua proposta de trabalhar temas referentes a diversas

manifestações culturais do Estado. A identificação do grupo tanto em relação à Santa

Catarina, quanto em relação à Florianópolis continuou sendo feita por parte da mídia, como

visto anteriormente.

Em matéria do jornal Diário Catarinense publicada em 16 de janeiro de 1997 por

ocasião do relançamento em CD de Vou botá meu boi na rua e Engenho (esta edição trazia

97 ROSA. Op. Cit. p. 32-33.

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uma seleção de músicas que compunham os dois primeiros discos do grupo) o trabalho do

grupo recebeu o seguinte comentário:

A moda da época ainda refletia o legado brilhante de dancin days, quando Sonia Braga, ao som das frenéticas, popularizou as discoteques em todo o país. Em contrapartida, movimentos musicais fizeram renascer a cultura regionalista, como resposta também à falta de identidade cultural imposta pela ditadura militar. Neste cenário, o Engenho foi o representante catarinense, mesclando em suas músicas a simplicidade dos campos e vaquejadas do oeste e das rendas e do pescado da Ilha.98

Assim, o trabalho do Engenho continuava sendo divulgado na imprensa,

principalmente nos jornais, mesmo após o encerramento das atividades do grupo e a

associação da sua produção com a cultura catarinense permanecia sendo feita. A

representatividade conseguida nos seus cinco anos de atividade e a pouca visibilidade de

outros artistas locais, com exceção talvez do grupo Expresso Rural nos anos 80, além da

proposta de trabalhar temas referentes à cultura do Estado permitiam ao Engenho ocupar ainda

certo espaço na mídia e figurar como um dos maiores representantes da produção musical

catarinense.

98 ELTERMANN, Raquel. “Um grupo que fez história”. Diário Catarinense. Florianópolis, 16 janeiro 1997. Variedades, p. 04.

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Considerações Finais

Neste espaço faremos algumas observações acerca das conclusões obtidas durante a

pesquisa sobre a produção musical do Grupo Engenho e também da relação do seu trabalho

com a tematização da cultura local na passagem da década de 70 para a década de 80.

O Grupo Engenho no seu período de atividade, entre 1979 e 1984, foi o que de mais

representativo existiu no que se refere à música em Santa Catarina. Sua postura de produzir

uma música própria e voltada para o regional, a grande popularidade conseguida com seu

trabalho e sua condição de pioneiros na profissionalização da produção musical no Estado

conferem ao grupo uma posição de referência quando se fala em música por estas plagas.

A proposta do grupo de fazer uma música a partir de elementos da cultura popular de

Santa Catarina estava diretamente ligada ao seu posicionamento político em relação ao

momento cultural em que o país se encontrava e se deu numa esfera de mobilização de alguns

artistas, particularmente músicos, na contraposição ao que se considerava como elementos

culturais estrangeiros, invasores e representantes de um “colonialismo cultural”.

Na perspectiva de pesquisar aquilo que acreditavam ser uma música catarinense o

Engenho cantou variados temas e ritmos, tratando de elementos culturais de diferentes regiões

de Santa Catarina. Este trabalho rendeu-lhes uma forte identificação com o Estado ao mesmo

tempo em que lhes alçou ao posto de representantes de uma tradição musical catarinense.

O período de produção do seu trabalho coincidiu com um momento em que as

políticas públicas de valorização da cultura no Estado estavam ganhando força e buscavam

valorizar diversas tradições culturais de Santa Catarina, numa perspectiva de identificação

cultural que tinha por finalidade fomentar a atividade turística.

No que se refere à cultura local o trabalho do Engenho buscou mostrar hábitos,

costumes e tradições das populações do Litoral em geral e da Ilha de Santa Catarina em

particular. Além disso, procurou evidenciar também uma série de práticas já esquecidas que

haviam feito parte das manifestações culturais das populações daquela região e propor uma

discussão acerca desta perda de referenciais culturais. As discussões em relação aos

referenciais culturais e às tradições relativas à Ilha de Santa Catarina começavam a ficar

presentes na cidade naquele momento, seja entre artistas e intelectuais, seja na mídia e na

formulação de políticas públicas. Neste sentido, o trabalho do Engenho está diretamente

associado a este processo de tematização das tradições culturais regionais.

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Assim, a música do Grupo Engenho refletia muitos aspectos relativos aos debates

referentes à cultura da Ilha, ao mesmo tempo em que forjava uma visão do que era aquela

cultura. Neste sentido, a produção do Engenho constituiu-se de uma série de escolhas que

privilegiaram alguns elementos culturais em detrimento de outros, o que, de certa forma,

ajudou a construir uma visão da cultura da cidade que excluiu uma série de componentes

culturais que também a compunham, como, por exemplo, elementos das culturas africanas e

indígenas entre outras.

Ficou nítida, conforme o lançamento de seus discos, uma mudança na escolha dos

temas tratados pelo Engenho, bem como, na sua sonoridade. Neste sentido, o espaço para as

músicas com temas relativos à cultura da região de Florianópolis foi diminuindo na produção

do grupo, por outro lado, as referências de traços considerados como típicos desta região

passaram a aparecer com mais nitidez nas letras, arranjos e melodias das músicas que tratavam

deste tema. Além disso, foi havendo também no seu trabalho uma aproximação mais nítida

com elementos da música urbana. Ainda assim, mesmo com a relativa mudança de temas e

sonoridade, seu trabalho continuou sendo bastante associado à cultura de Santa Catarina em

geral e de Florianópolis em particular.

A mídia teve um papel importante na trajetória do Grupo Engenho, não se furtou em

divulgar seu trabalho cobrindo seus shows e o lançamento de seus discos. Além disso, abriu

espaço para o grupo na televisão, meio de comunicação mais abrangente que facilitou ainda

mais a divulgação do seu trabalho e aumentou sua popularidade.

A imprensa em geral buscou enfatizar a busca dos artistas pelos elementos regionais e

folclóricos relativos à Santa Catarina, procurando assim destacar a presença de uma produção

cultural catarinense que privilegiava a cultura popular tradicional do Estado, buscando,

inclusive, um reconhecimento do trabalho do grupo e da cultura catarinense fora do Estado.

Parte do setor midiático, porém, associou a produção do Engenho somente à cultura da

Ilha. Neste sentido, houve uma certa apropriação do seu trabalho que buscou identificá-lo com

uma determinada cultura, neste caso a cultura açoriana atribuída a Florianópolis, processo que

ajudou a construir a idéia desta cultura como o referencial cultural legítimo da cidade.

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