os pronomes: uma classe de palavras lÉxico- gramaticais em
TRANSCRIPT
WAGNER SANTOS ARAUJO
OS PRONOMES: UMA CLASSE DE PALAVRAS LÉXICO-
GRAMATICAIS EM RETROSPECTIVA
MESTRADO - LÍNGUA PORTUGUESA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2007
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
WAGNER SANTOS ARAUJO
OS PRONOMES: UMA CLASSE DE PALAVRAS LÉXICO-
GRAMATICAIS EM RETROSPECTIVA
Dissertação apresentada ao Programa deEstudos Pós-Graduados em LínguaPortuguesa da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigênciaparcial para a obtenção do título de Mestreem Língua Portuguesa, sob a orientação daProfª. Drª. Jeni Silva Turazza.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2007
Banca Examinadora
___________________________________
___________________________________
___________________________________
AGRADECIMENTOS
À Professora Jeni Silva Turazza que com paciência e dedicação ensinou-me a ver o
mundo com outros olhos, olhos de pesquisador, de ser humano, e que me fez
ressignifazer-me por meio deste trabalho e com o seu exemplo de garra, força e
competência.
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que possibilitou que esta
pesquisa fosse realizada com a concessão da Bolsa Mestrado.
Aos alunos, professores e funcionários da FATEC – Carapicuíba que
acompanharam e puderam compreender com paciência e respeito os meus
momentos de desilusão, tristeza e ansiedade. Obrigado pela compreensão e
amizade.
A Valéria Quiroga pela amizade e revisão do trabalho.
Aos amigos, que acompanharam o “processo” e que, mesmo de longe, deram os
mais sinceros votos de confiança e força. Obrigado pela força em especial a Paulo
Henrique de Oliveira, fiel e verdadeiro amigo de infância e da vida adulta, ao casal
Elton e Elaine Neri, com quem dividia as minhas descobertas e angústias de
pesquisa, a Gesse Inácio, companheiro, amigo sincero a quem agradeço a paciência
e o apoio nos momentos difíceis e à minha querida irmã Tina, que sempre acreditou
e apostou nos meus sonhos.
À Albaniza Martins e Gisele Motta, amigas e confidentes, obrigado pela paciência e
por não desistirem da nossa amizade, mesmo com a “exclusão social” com que me
deparei durante o mestrado.
À minha mãe e ao meu pai por acreditarem em mim e nas minhas escolhas, por
saberem que minha vida de estudo não é um mero capricho, mas opção de vida,
afinal, viver é fazer escolhas... Obrigado por aceitarem a minha.
Em especial:
À minha sobrinha Julia que me deu, durante a fase final deste trabalho, outro brilho
no olhar em função de sua tão esperada existência.
DEDICATÓRIA
Aos meus “pequenos” - alunos da Escola
“Educador Paulo Freire” – fonte de
inspiração para este trabalho.
RESUMO
A Dissertação está situada na Linha de Pesquisa História e Descrição da LínguaPortuguesa/Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa-PUCSP efocaliza, por uma perspectiva historiográfica, a classe dos pronomes como objeto dainvestigação, orientada pelo pressuposto segundo o qual a relação entre estrutura efunção lingüística é indissociável: havendo variação de estrutura, haverá variação defunção. Tomou-se por ponto de partida a história da lingüística, cujos fundamentosse fizeram suporte para a construção da gramática greco-latina, estendendo-os até aatual contemporaneidade, pois o objetivo geral estava voltado para a compreensãode exposições ou descrições que facultassem compreender o pronome como classeléxico-gramatical, ou seja, quanto sua estruturação e funcionamento. Para mensuraresse objetivo geral, estabeleceram-se três objetivos específicos perspectivizando ospronomes, em diferentes fases de construção da Gramática TradicionalContemporânea, que se fez Normativa em razão da criação de um modelo depolítica lingüística, instituída pelo Estado grego. O primeiro objetivo se voltou para otratamento dado aos pronomes pela Gramática da Palavra; o segundo pelaGramática da Frase e o terceiro pela Gramática Descritiva ou Científica. Osresultados apresentados no Capítulo I orientaram o desenvolvimento dos CapítulosII e III: a não dissociação entre as unidades do léxico e suas relações, de carátermorfossintático-semântico, ser a matriz por meio da quais os pronomes devem serdescritos, pois as línguas assim se qualificam. Assim, os pronomes são palavrasvazias, elementos gramaticais, cujos conteúdos advêm da relação anafórica queeles estabelecem com o nome que substituem. Essa relação substitutiva precisa serfocalizada por aquela estabelecida entre o nome e o verbo; pois é dela que emergeo conteúdo das formas pronominais como amálgama que, ao substituir o nome nasua relação com o verbo, enlaça o conteúdo de ambos – proposição concebida porApolônio Díscolo – para quem o pronome era uma paranonímia - sinonímia e umasemiose. Comprova-se que esse pressuposto-retomado na contemporaneidade pelaAnálise do Discurso, cujos fundamentos estão circunscritos à teoria da enunciação -perderam-se nas descrições gramaticais, embora a Gramática Normativa tenha sidocontinuamente recontextualizada. Por esse movimento ela se mantém tradicional nainovação dos avanços científicos no campo da linguagem. Decorrência desseprocesso de reinterpretação do passado pelo presente, ela estende a descriçãocentrada na palavra para a frase, tendo por ancoragem investigações dos filósofosmedievais e a sistematização taxionômica dos pronomes substantivos e dosadjetivos. Contudo, os únicos gramáticos que focalizam os pronomes pela suasfunções dêiticas e anafóricas são Evanildo Bechara - Gramática Normativa - eLucién Tesniére - Gramática Dependencial ou Funcional, possibilitando assegurarserem eles as matrizes dos processos de coesão textual: a voz de Apolônio nostempos modernos, o diálogo que faculta reconhecer o velho no novo.
Palavras-chave: pronome, estrutura, função, léxico, gramática
ABSTRACT
The Dissertation is within the History Research Line and Description of thePortuguese Language/Post-Graduation Studies Program in Portuguese Language-PUCSP and focuses, by means of a historiography perspective, on the class ofpronouns as object of the investigation, guided by the presupposition according towhich the relationship between structure and linguistic function is inseparable: if thereis a variation in the structure, then there is a variation in the function. The history oflinguistics was the beginning point, whose grounds were the support for the buildingof the Greek and Latin grammar, extending them up to the current times, as thegeneral purpose was aimed at the understanding of exposures or descriptions thatenabled the understanding of the pronoun as a lexical and grammatical class, that is,in regards to its structure and functioning. In order to measure this general purpose,three specific objectives were established in view of the pronouns, in different stagesof the building of the Traditional Contemporaneous Grammar, which becameNormative in view of the creation of a model of linguistic policy, instituted by theGreek Estate. The first purpose focused on the treatment given to the pronouns bythe Grammar of the Word; the second, by the Grammar of the Sentence, and thethird, by the Descriptive or Scientific Grammar. The results presented in Chapter Iguided the development of Chapters II and III: the non-dissociation between the unitsof the lexicon and its relationships, of morphosyntatic-semantic character, is thematrix by means of which the pronouns should be described, as the languages areclassified in that manner. In this way, the pronouns are empty words, grammaticalelements, whose contents come from the anaphoric relationship that they establishwith the name they replace. This substitutive relationship needs to be seen by thatone established between the name and the verb; as the content of the pronominalforms emerges from that relationship as an amalgam, which, by replacing the namein its relationship with the verb, binds the content of both of them - propositionconceived by Apolônio Díscolo – for whom the pronoun was a paranonímia –synonymy and a semiosis. It is evidenced that this presupposition –contemporaneously retaken by the Speech Analysis, whose grounds arecircumscribed to the theory of the enunciation – got lost in the grammaticaldescriptions, although the Normative Grammar has been continuously re-contextualized. By means of this movement it continues being traditional in theinnovation of the scientific advancements in the language field. Resulting from thisprocess of reinterpretation of the past by the present, it extends the descriptioncentered in the word to the sentence, grounded on investigations of medievalphilosophers and the taxonomic systematization of the substantive pronouns and theadjectives. However, the only grammars who focus on the pronouns because of theirdeictic and anaphoric functions are Evanildo Bechara – Normative Grammar – andLucién Tesniére – Dependency Grammar or Functional, enabling the assurance thatthese are the matrixes of the textual cohesion process: the voice of Apolônio in themodern times, the dialogue that allows the recognition of what is old in what is new.
Key words: pronoun, structure, function, lexicon, grammar
SUMÁRIO
INTRODUCÃO ............................................................................................. 11
CAPÍTULO I
OS PRONOMES PESSOAIS PELAS MATRIZES DA HISTÓRIA DA GRAMÁTICA
TRADICIONAL CONTEMPORÂNEA
1.1 Preliminares ......................................................................................... 18
1.2 A Gramática da Palavra e da Frase no mundo greco-latino................. 22
1.2.1 O Lógus e a Lexis: uma distinção necessária ........................ 23
1.2.2 A Gramática e a Prescrição da Norma Padrão: distinção
necessária ........................................................................................ 24
1.2.3 Os pronomes pelos gramáticos gregos ................................... 29
1.2.3.1 Os pronomes segundo Apolônio................................ 33
1.2.4 Os pronomes pelos Gramáticos latinos ..................................... 35
1.3 Matrizes para a construção de Gramáticas Nacionais ............................ 40
1.3.1 A gramática no Renascimento: matrizes da gramática
da Língua Portuguesa ........................................................................ 44
1.3.2 Os pronomes pela gramática da Língua Portuguesa ................. 45
1.4 Algumas considerações finais ................................................................. 50
CAPÍTULO II
OS PRONOMES PESSOAIS PELA GRAMÁTICA DA FRASE DA LÍNGUA
PORTUGUESA
2.1 Preliminares ............................................................................................ 51
2.2 Os pronomes pela Gramática de Jerônimo Soares Barbosa .................. 53
2.3 Os estudos gramaticais nos séculos XIX e XX ........................................ 60
2.3.1 Algumas concepções gramaticais do século XIX: os pronomes
pela gramática de Júlio Ribeiro ............................................................ 62
2.4 As Gramáticas e os Parâmetros da Nomenclatura Gramatical (NGB) .... 66
2.4.1 Os pronomes por Carlos Eduardo Pereira – parâmetros Pré NGB 68
2.4.2 Os pronomes por Evanildo Bechara – parâmetros Pós - NGB .... 75
2.5 Algumas considerações finais .................................................................. 79
CAPÍTULO III
OS PRONOMES PESSOAIS PELO PONTO DE VISTA DA LINGÜÍSTICA
CONTEMPORÂNEA.
3.1 Preliminares .............................................................................................. 82
3.2 O contexto de produção dos estudos estruturalistas ............................... 84
3.3 O estruturalismo e suas vertentes ........................................................... 89
3.3.1 A vertente Européia do Estruturalismo ....................................... 89
3.3.2 A vertente Estadunidense do Estruturalismo ............................. 91
3.4 Os pronomes no contexto da Gramática GerativaTransformacional ...... 95
3.4.1 A Gramática Dependencial ou Funcional .................................. 114
3.4.1.1 Os pronomes pela perspectiva da Gramática
Dependencial ........................................................................... 127
3.4.2 Os pronomes e as palavras plenas ............................................ 130
3.5 As relações Anafóricas e as relações Dêiticas ...................................... 142
3.6 Algumas considerações finais ............................................................ 146
CONCLUSÃO ............................................................................................. 148
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 163
“Quando as pessoas não sabem falar, ler
ou escrever adequadamente sua língua,
surgem homens decididos a falar, ler e
escrever por elas e não para elas”
Wendel Johnson
11
INTRODUÇÃO
Esta Dissertação está vinculada à linha de Pesquisa História e Descrição da
Língua Portuguesa, cujo propósito é descrever o idioma brasileiro numa dupla
perspectiva: quanto à sua estrutura e/ou quanto ao seu funcionamento, estejam
ambas configuradas ou não por uma perspectiva historiográfica ou histórica.
Assume-se, no espaço ocupado por esta investigação, uma perspectiva
historiográfica, na medida em que ela poderá facultar ao pesquisador dirigir o olhar
para o já visto/ já dito e ver novamente para apreender o que se julga novo. Essa
apreensão decorre do que se percebe e se apreende como ruptura naquilo que se
repete. Por conseguinte, compreende-se a historiografia como locus de intervenção
que se expressa nas práticas discursivas dos historiadores, cuja finalidade é a
reinterpretação da história para além dos limites das ações de caráter institucional:
aquelas que regem a vida pública e cobram movimentos de ressemantização,
inerentes aos processos de reinterpretação. (FREITAS, 2005).
O objeto que se busca reinterpretar, tema desta Dissertação, são os
chamados pronomes pessoais que, concebidos por Aristóteles como uma das partes
do discurso, são descritos por nossos gramáticos como uma classe de palavras
variáveis, ao lado dos nomes e dos verbos. Definidos como palavras que substituem
os nomes, esses pronomes mantêm apenas parcialmente, em relação ao nome,
certo grau de equivalência. No que se refere às pessoas do discurso tem-se: eu, tu,
(você) � nós, vós, (vocês). Observa-se, contudo, no que se refere à flexão de
número gramatical, o fato de o morfe –s (marca de plural, em português), inscrever o
valor de pluralidade apenas em: ele � eles; ela � elas; você � vocês. No caso da
primeira pessoa e da segunda pessoa, o processo de flexão de número se faz por
meio de vocábulos distintos, em: eu�nós e tu � vós, enquanto a de gênero fica
obliterada porque destituída do sinal de flexão mórfica, exceção feita a ele�ela.
Assim, marca-se o gênero como masculino apenas na dimensão do sintagma pelo
uso de determinantes: “o eu”, “o tu”, “o nós”, “o vós”, “o ele”, “o ela”; contudo, esse
uso altera a classe gramatical de pronome para substantivo.
Nesse sentido, os pronomes não se deixam descrever apenas por um ponto
de vista morfológico ou sintático, pois suas flexões também têm caráter lexical.
12
Pressupõe-se que, se descritos fora do uso, ou seja, numa perspectiva estrutural, os
pronomes sejam palavras vazias; contudo, se essas mesmas estruturas forem
focalizadas na dimensão do uso que delas se faz, elas são transmudadas em
palavras plenas, ou seja, formas dotadas de conteúdos nocionais. Desta forma, é
preciso considerá-los por todas essas perspectivas, sem excluir as suas funções e
valores na dimensão discursiva, ainda que essa última perspectiva não seja objeto
dessa investigação. Tem-se, para tanto, como ponto de partida, o pressuposto
segundo o qual não há estrutura desprovida de função, ou vice-versa, de sorte a não
se poderem estabelecer rupturas entre essas duas dimensões da língua, e mais, as
estruturas pronominais precisam ser focalizadas como léxico-gramaticais para dessa
forma garantir maior domínio em seu uso efetivo.
Entende-se que as estruturas sempre cumprem funções no espaço ocupado
por interações humanas, em contextos sociais diversos. Por conseguinte, mudanças
de modelos situacionais nesses contextos, ou dos próprios contextos sociais, fazem
com que as estruturas deixem de exercer certas funções, perdendo o caráter
funcional que as qualificavam até então. Esse fato exige a recontextualização de tais
estruturas e esse processo implicará a criação de outras novas funções, sempre
adequadas a esses novos contextos; assim, a adequação de estruturas a novas
funções sempre terá por ancoragem a reinterpretação de velhas estruturas. Para
Burke (1997) esse processo também pode ser designado por recontextualização. A
recontextualização implica movimentos que, se por um lado, desgastam a tradição,
por outro, mantêm-na viva, de sorte a se poder assegurar que velhas estruturas
continuem a atender necessidades de diferentes grupos sociais humanos,
integrantes de uma dada comunidade. Logo, “(...) as tradições são constantemente
transformadas, reinterpretadas, ou reconstruídas – seja essa reconstrução
consciente ou não – para se adaptarem a seus novos ambientes espaciais ou
temporais”. (BURKE,1997. p. 13).
Os gramáticos, ao descreverem a norma padrão do português brasileiro ou os
elementos constitutivos do sistema, optam por um critério que subdivide os
elementos lingüísticos em três níveis: o fonético, o morfológico e o sintático. Assim
procedendo, atribuem relevo a questões de ordem formal, minimizando aquelas de
caráter semântico, de modo que as descrições de que se ocupam deixam de
abarcar os significados que emergem das relações necessárias entre as estruturas
13
em funcionamento. O fato de as gramáticas de uma dada língua terem a frase como
o objeto mais complexo de descrição lingüística, acrescida da descrição por níveis,
faz com que os pronomes não sejam focalizados quanto as suas funções anafóricas
e dêiticas.
Reitera-se, portanto, que não se devem promover rupturas entre estrutura e
função, para não correr o risco de se chegar a um estruturalismo a-histórico e
formalista e, por isso, imune a mudanças históricas, ou a um funcionalismo que não
coloca o problema das transformações. Desta feita, torna-se necessário
compreender essa relação entre estrutura e função por uma perspectiva
historiográfica inscrita em diferentes registros da formação da Gramática Tradicional
Contemporânea e em teorias lingüísticas contemporâneas.
A compreensão desses registros poderá assegurar tratamento adequado à
classe dos pronomes pessoais: objetivo geral desta Dissertação. Tal compreensão
está consubstanciada nos seguintes objetivos específicos:
1. focalizar a classe dos pronomes, por meio de parâmetros capazes de
facultarem a compreensão do contexto de formação da história da
lingüística ocidental, tendo por marco inicial o tratamento a eles
dispensado pelos gramáticos greco-latinos e estendendo-os até a
formação das gramáticas da palavra da língua portuguesa;
2. manter o olhar historiográfico da história da lingüística para situar o
tratamento dado aos pronomes, no fluxo de formação da gramática da
frase da língua portuguesa, estendendo-o até a atual
contemporaneidade;
3. focalizar os pronomes pelo ponto de vista da gramática científica ou
estrutural, para verificar em que medida elas os descrevem como
estrutura lingüística que se explicita por meio das funções que
qualificam os pronomes como elementos que substituem o nome.
Para tanto, a pesquisa será desenvolvida por meio dos seguintes
procedimentos:
14
a) leitura de obras que tratam da história da lingüística clássica para
compreender os diferentes focos que, em diferentes tempos, facultaram aos
estudiosos da linguagem construir e reconstruir gramáticas para descrever a
estrutura e o funcionamento de palavras, atribuindo relevo àquelas designadas por
pronomes. Tal procedimento deverá garantir a observação de diferentes tratamentos
– definições, descrições, classificações – a que foi submetida essa classe de
palavras, bem como a permanência dela nas gramáticas normativas
contemporâneas que orientam o ensino da língua portuguesa ainda hoje. Tal leitura
será circunscrita em dois tempos: o primeiro até o momento em que a gramática da
língua portuguesa é formalizada pela perspectiva da gramática da palavra e o
segundo, pela perspectiva da gramática da língua portuguesa na dimensão da frase.
b) leitura compreensiva de modelos teóricos da designada lingüística da
língua ou estrutural para focalizar e compreender o tratamento dispensado aos
pronomes pessoais pelo discurso científico moderno da primeira metade do século
XX, aproximadamente. Nesse caso, buscar-se-á selecionar dentre os vários
modelos desse paradigma aquele que representa avanços para o tratamento do
objeto proposto como tema de estudo desta investigação; por conseguinte, tal
abordagem será teórico-analítica, a fim de promover uma descrição lingüística sob o
enfoque pronominal.
Por conseguinte, a Dissertação adquiriu a seguinte configuração formal, além
da Introdução e Conclusão:
Capítulo I - Os pronomes pessoais pelas matrizes da história da
gramática tradicional contemporânea – proceder-se-á a uma revisão dos estudos
gramaticais tendo como marco aqueles advindos da Grécia Antiga até a formação
das gramáticas da Língua Portuguesa, na dimensão da palavra, focalizando o
tratamento dispensado aos pronomes.
1. Capítulo II - Os pronomes pessoais da Gramática da F rase da Língua
Portuguesa – dará continuidade aos estudos gramaticais por meio do olhar
historiográfico, a partir da Gramática da Frase até os estudos que compõem as
gramáticas contemporâneas – Pré e Pós NGB, de modo a identificar o ponto de vista
pelo qual os pronomes foram descritos quanto a suas estruturas e funções frasais;
15
Capítulo III - Os pronomes pessoais pelo ponto de vi sta da Lingüística
Contemporânea – focalizará o tratamento dispensado aos pronomes pelas matrizes
fundadoras de gramáticas científicas, ou do sistema, por meio dos estudos
lingüísticos da primeira metade do século XX, circunscritos aos estudos de Chomsky
e Tesnière, buscando compreender em que medida eles facultam dispensar aos
pronomes uma abordagem estrutural articulada aquela de caráter funcional, na
dimensão frasal e transfrasal.
Tal organização explica-se por um procedimento teórico-analítico que, no
corpo desta Dissertação, deverá propiciar o desenvolvimento do tema em questão,
salientando-se o caráter historiográfico e exploratório por meio do qual este estudo
se qualifica.
Faz-se necessário ressaltar que a pesquisa se justifica, ainda, em razão de o
pesquisador exercer o papel de professor de língua materna, em escolas do Ensino
Fundamental e Médio e, por essa razão, precisar ampliar conhecimentos sobre
questões de ordem estrutural e funcional da língua portuguesa. Tal ampliação
deverá implicar maior domínio do objeto que busca ensinar aos seus aprendizes, na
medida em que sente necessidade de renovar sua prática de docência, por meio da
releitura do passado acerca dos estudos gramaticais, para assim, compreender
aqueles de que se faz uso na contemporaneidade. Tal resgate visa compreender
que qualquer língua não reduz a sua descrição a questões de ordem gramatical,
pois o léxico também é uma de suas dimensões e precisa ser considerado – aspecto
este já elucidado nos primeiros estudos e que hoje foram ou estão sendo ignorados.
Afirma Turazza (2002) que o léxico e a gramática são duas dimensões
complementares das línguas naturais, de sorte que a construção de gramáticas
desprovidas do léxico seria inconcebível, do mesmo modo que a construção de
dicionários, desprovidos de conhecimentos gramaticais, também o seria. Assim
sendo, todo dicionário faz, necessariamente, remissão a conhecimentos gramaticais,
tanto quanto os gramaticais se remetem a conhecimentos lexicais. Postula essa
autora que as palavras não existem e nunca existiram isoladamente; razão pela qual
uma sempre está em companhia de outras, ordenadas por categorias gramaticais de
caráter morfo-sintático-semântico.
16
Nessa acepção, é preciso compreender os pronomes pelo ponto de vista
léxico-gramatical, o que justifica a revisão historiográfica proposta, visto que para os
gregos a palavra era o ponto de partida, mas não o ponto de chegada dos estudos
17
não lingüísticos pelos lingüísticos. Também não se busca propor a eliminação de
vários recursos explicativos que garantem a descrição do sistema lingüístico do
português, pois o que se busca são conhecimentos capazes de facultar ao professor
de língua materna a revisão de sua prática de docência fundada na reflexão crítica
do objeto que busca ensinar. Logo, a pesquisa não visa a contrapor, por exemplo,
uma psicopedagogia aplicada à pedagogia tradicional – aquela da transmissão ou
de inculcação. Também não se objetiva propor um caminho fundado na lingüística
aplicada, pois se entende não ser possível aplicar modelos lingüísticos em sala de
aula, sem que eles sejam transpostos adequadamente para modelos de situação de
ensino-aprendizagem. Sabe-se que o modelo de contexto de produção do discurso
científico não tem uma relação de equivalência unívoca com o contexto de produção
do discurso pedagógico, de modo que esse deslocamento exige
recontextualizações. Por conseguinte, o professor se lança no mundo da pesquisa
para descobrir conhecimentos que lhe facultem rever criticamente sua prática de
docência.
Entende-se, como Bronckart (1985), ser necessário propor uma nova didática
para o ensino de línguas. Tal didática implica voltar a fazer uso do pedagógico em
primeiro plano e, para tanto, deve-se tomar o discurso científico como ponto de
partida. Desconhecer esse discurso e suas matrizes culturais, suas origens é
acumular novos modelos teóricos desvinculados da tradição com o passado, o que
leva a propostas de novos programas, métodos e procedimentos “novidadeiros” de
ensino, desvinculados da realidade vivenciada no tempo presente, cujo sustentáculo
é o passado.
Nesse sentido, a pesquisa se volta para uma ampla r
18
CAPÍTULO I
OS PRONOMES PESSOAIS PELAS MATRIZES DA HISTÓRIA DA
GRAMÁTICA TRADICIONAL CONTEMPORÂNEA.
1.1 Preliminares
A compreensão das questões lingüísticas não só foi como ainda é uma
preocupação constante para os estudiosos dessa área, visto ser a linguagem o
marco capaz de responder pela transmudação do animal homem em ser humano,
conforme afirma Gusdorf (1977). Vasta e variada é, portanto, a bibliografia com que
se depara o pesquisador que elege a linguagem como objeto de suas investigações.
Descobre que a complexidade das questões lingüísticas se inscreve nos registros de
inúmeras teorias e escolas, cujos propósitos são descrever e/ou explicitar os
modelos de estruturação e funcionamento da linguagem, por meio dos estudos de
língua. É nessa acepção que, parafraseando Ferdinand Saussure, pode-se
considerar que o objeto de estudo da lingüística é uma construção de um ou vários
pontos de vista, por meio dos quais a língua é apreendida pelos teóricos da
linguagem. Tal construção depende, por sua vez, da posição assumida pelos
pesquisadores, o que lhes faculta elaborar perspectivas para seus olhares e, assim
sendo, toda mudança de posição acarretará, necessariamente, mudança de olhar
e/ou de foco: razão de ser dessa variedade teórica e metodológica.
Para os historiadores da lingüística, essa variedade e/ou diversidade de
focalizações não deve se qualificar apenas como produto de estudos que,
desenvolvidos ao longo de um tempo se perdem na vastidão da memória da
humanidade, pois é preciso observar o que eles têm em comum. Apontam que,
desde a origem dos estudos lingüísticos, cuja matriz situa-se na Grécia Antiga: berço
da história do Ocidente, é possível agrupar toda essa vasta bibliografia em três
grandes vertentes que perduram desde as suas origens até a modernidade. São
elas:
19
1ª) aquela que se ocupa da relação entre linguagem e pensamento, voltada
para a compreensão dos processos que facultam aos homens representar, em
língua, conhecimentos de mundo, por meio de textos coesos e coerentes. Essa
vertente tem como ponto de partida a relação não unívoca entre as palavras e as
“coisas no mundo” e está fundamentada nos princípio
20
configurados pelas formas léxico-gramaticais da língua, quando do exercício das
atividades da fala - possibilitam dar ao pensamento humano tangibilidade
necessária, com vistas a comunicá-los a outrem. Logo, representar, formalizar e
comunicar para persuadir foram os eixos fundadores dos estudos lingüísticos,
desenvolvidos pelos gregos.
Neste primeiro capítulo, o foco historiográfico tem a função de colocar os
estudos lingüísticos, desenvolvidos no presente e que tratam dos pronomes
pessoais, em uma perspectiva capaz de atribuir relevo às suas tradições. Estas
tradições têm como ponto de referência a Grécia Antiga e como matriz de suas
fundações o uso da língua escrita, cujo registro histórico é atestado pela palavra
grammatikós. Esse vocábulo fazia remissão ao uso das letras, então designadas
por grámmata: sinais que podiam ou permitiam ler e escrever, aprendidos por meio
do domínio de técnicas, chamadas Tecné gramatiké. (NEVES, 1987). Por
conseguinte, os conhecimentos referentes ao domínio do campo das investigações
gramaticais são concebidos, desde a sua origem, como meios que facultam a
aprendizagem da escrita.
Essa aprendizagem de caráter técnico facultava ao homem tornar-se um
artesão da letra: praticar um ofício manual capaz de lhe assegurar o exercício da
arte da escrita e da leitura dessa mesma escrita. Assim, escrever e ler eram
atividades concebidas como profissão de caráter artesanal; mas dissociadas entre
si; segundo Ferreiro (2000 p.12, 13): “Houve uma época, vários séculos atrás, em
que escrever e ler eram atividades profissionais e aqueles a elas destinados
aprendiam- nas como ofício”.
Afirma Robins (1983), que o termo gramatiké estaria circunscrito apenas à
compreensão de técnicas artesanais referentes à produção das letras; logo, distante
do sentido a ele hoje atribuído: sistema de regras finitas que facultam a produção
infinita de frases ou elementos lingüísticos. Também não se pode querer
compreender esse mesmo termo fora dos domínios do campo da filosofia, focalizada
como um lugar ocupado na vastidão dos conhecimentos humanos, e não como
conjunto de conhecimentos disciplinados por áreas do saber, como hoje se busca
21
explicar a concepção de gramática. Essa abrangência fazia com que o termo
filosofia encobrisse toda e qualquer reflexão crítica de que resultasse a produção de
conteúdos, em quaisquer áreas do saber humano, sendo o filósofo “o amigo do
saber”. Esse saber era conquistado pelo desenvolvimento da linguagem e implicava
o conhecimento e domínio da língua grega, sem o que não se teria acesso a tais
saberes. É nesse sentido que, para Quintiliano (apud. PEREIRA, 2000) nenhum
estudo gramatical pode ser considerado adequado, se dissociado
(...) da Música, pois o gramático deve tratar dos metros e das rimas, e, seignorar a Astronomia, não compreenderá os poetas, os quais – deixando delado outras coisas – servem-se tantas vezes do nascimento e do ocaso dosastros para veicular a idéia de tempo. Não pode a Gramática, igualmente,ignorar a Filosofia, tendo em vista que numerosas passagens de muitospoemas se baseiam na mais profunda sutileza da Filosofia(...). Queninguém, pois desdenhe os princípios da Gramática como de pouco valor(...), ela revelará muitas sutilezas, que poderão aguçar a inteligência dascrianças, como também propiciar um saber de grande profundidade. (...) Porisso são menos toleráveis os que zombam da Gramática, considerando-aárida e de pouca importância. (PEREIRA, 2000. p.87-89).
Os estudos gramaticais, assim concebidos, por um lado, não eram
considerados em si e por si, na medida em que eles se integram à totalidade das
questões de linguagem; razão porque o gramático precisa aprender a dominar as
diferentes áreas do saber de sua época, para melhor compreendê-la e ensiná-la.
Essas diferentes áreas, por outro lado, não só tinham por suporte a filosofia, mas
também apontavam para o fato de que a linguagem que os homens falaram, é a
mesma com que hoje falam, de modo a se poder asseverar que os novos falares se
assentam em velhas formas de dizer. Logo, aquele pedagogo não ignorava a
questão dos diferentes usos das formas léxico-gramaticais; contudo adverte ser
necessário “que se observe com critério e se defina em primeiro lugar aquilo que
tratamos e chamamos de uso” (PEREIRA, 2000. p. 161), pois o termo “uso” remete-
se, necessariamente, ao termo lexis, ou seja, à palavra: aprendida nos/pelos
movimentos de produção de sentidos, cujo suporte são as atividades da fala. Por
conseguinte, para se fazer ou ensinar gramática não se pode ignorar a palavra como
instância da produção discursiva humana. Assim pensavam os gregos e os latinos
para quem a palavra era o ponto de partida para os estudos da linguagem. (LYONS,
1971).
22
As classes de palavras designadas pela Gramática Tradicional
Contemporânea da Língua Portuguesa (G.T.C), nesse contexto, se fazem herdeiras
das categorias greco-latinas e, assim sendo, ponto de partida para resgatar as
matrizes que orientam os estudos referentes à classe dos pronomes no fluxo do
tempo da construção desses estudos gramaticais.
1.2 A Gramática da Palavra e da Frase no mundo gre co-latino.
Apontam os historiadores que, em sentido genérico, a conquista do saber
lingüístico na civilização grega é indissociável da criação do alfabeto e dos
processos de elocução. Assim, os gregos, no chamado período “micênico” – aquele
em que a Grécia helênica fora invadida por povos falantes de diferentes idiomas ou
dialetos do sistema lingüístico do grego – já faziam uso do sistema silábico da
escrita, que incluía alguns logogramas: sinais que representavam palavras
individuais. Contudo, muitos dos conhecimentos desse período se perderam pelo
uso de registros nesse sistema, ainda bastante insuficiente e, por essa razão, os
gregos fizeram uso da escrita Fenícia: um conjunto de sinais consonantais que
obrigava o leitor a fazer inserção de vogais, para poder atribuir sentido a essa
modalidade de registro escrito, quando buscavam compreender o que esses sinais
significavam, por meio da leitura. (NEVES, 1987).
A necessidade de se construir um sistema de sinais vocálicos que garantisse
maior grau de precisão, quanto ao uso escrito dessas vogais, levou os gregos
também a buscarem o sistema de escrita da língua hebraica. Desta feita, a
representação das vogais e das consoantes do grego tem por suporte o sistema de
reinvenção da escrita fenícia por aquele do hebraico. Mais tardiamente, a esse
alfabeto são acrescentados os chamados acentos gráficos ou sinais diacríticos
necessários para recontextualizar esses alfabetos e inventar aquele que, ainda hoje,
serve de suporte material para os registros escritos em diferentes línguas. Por
conseguinte, se os gregos não foram os criadores do sistema da escrita que hoje
povoa o mundo ocidental, eles foram seus inventores. Gramática, glossário e o
dicionário são produtos da capacidade criadora desse povo, afirma Neves (1987).
23
1.2.1 O Lógus e a Lexis: uma distinção necessária
Advertem os estudiosos dessa Civilização da Escrita, ser preciso, ainda
considerar a relação entre o que os gregos denominavam por logus e por lexis, para
se conceber o que significava para eles a arte do bem dizer, quer pela oralidade ou
pela escrita. A lexis remete-se ao conceito de função da palavra, ou seja, da
eficiência quanto ao uso efetivo da linguagem, de sorte que a palavra se
consubstancia, ganha existência pelo exercício efetivo das atividades da fala, seja
ela oral ou escrita. Assim, a instância em que se pode observar a ação da
linguagem, formalizada em língua, é aquela em que as palavras se inscrevem no
exercício da fala. A lexis se diferencia do logus como ato que faculta colocar as
idéias em ordem,quando do exercício da fala: atividade que possibilita fazer com que
as coisas sejam no mundo, por meio do uso da palavra. O logus se torna um objeto
à parte, quando focalizado através dos recursos lingüísticos, capazes de facultar a
elocução, podendo ser observado como “regras de uso das palavras que,
circunscritas à “arte do bem falar e do bem dizer”, faz da língua tão somente um
meio para o exercício da fala. (NEVES, 1987). Nessa acepção, essas são duas
dimensões da linguagem indissociáveis, a não ser por questões de caráter teórico-
metodológico.
No sentido acima, ao contrário dos estudos lingüísticos contemporâneos, não
se dissociava o léxico da gramática, pois o primeiro se ocupava da designação das
idéias; o segundo dos processos de sua ordenação no fluxo do exercício da fala e
esses processos de ordenação são observados e descritos, como regras de uso das
palavras, ou de uma dada língua. Assim, a gramática trata das regras que, facultam
o uso, a ordenação das palavras; circunscritos à estrutura da frase. São essas
regras que devem garantir a arte do bem escrever e do bem ler, circunscritas ao uso
efetivo da língua pelos sábios da época: homens capazes de fazer uso da razão
crítica, de se indagarem sobre as razões primeiras, e não sobre as conseqüências
dos problemas humanos e oferecerem respostas adequadas para as mesmas.
Por conseguinte, a arte da gramática não se dissocia da escrita, e tampouco
da leitura e da reflexão crítica, de sorte que a gramática da palavra está voltada para
o estudo dos elementos formais da lexis; a gramática da frase, para o estudo dessas
24
mesmas palavras ordenadas pelas categorias da frase, em que elas funcionam para
estruturar ou ordenar idéias. Logo, o léxico e a gramática não eram focalizadas
como elementos ou objetos distintos, mas complementares. Todavia, o léxico já se
fazia compreender como instância que também faz remissão aos sentidos e, por
essa razão, a descrição dos mesmos exigia a construção de glossários e/ou
dicionários, pois no espaço da gramática, a descrição de seus elementos
constitutivos era focalizada como estrutura (morfologia) e função (sintaxe). Nessa
acepção, a lexis reduzida à gramática era instância do logus; mas o logus estendido
à instância do dicionário ou glossário se fazia lugar dos modos de significar da
lexis. Os modos de significar, quando institucionalizados, responderiam pelos
significados: sentidos cristalizados ou instituídos pelo uso, registrados nas páginas
dos dicionários e glossários para funcionarem como matrizes de outros/novos
sentidos. Assim, os sentidos são decorrentes de novos usos de velhos significados.
(TURAZZA, 2005).
1.2.2 A Gramática e a Prescrição da Norma Padrão: d istinção necessária
Coseriu (1980) e outros estudiosos da História da Lingüística fazem referência
ao fato de não se poder confundir descrição lingüística com prescrição lingüística.
Assim, os estudos gramaticais são, em sua origem, fundados em especulações
filosóficas: conjunto teórico cujo propósito não estava voltado para a descrição da
língua grega, mas para a compreensão do modo como ela estruturava os
conhecimentos e como tais conhecimentos, assim estruturados, funcionavam de
sorte a facultar o acesso à sabedoria, por meio da comunicação. O produto desses
estudos, uma conquista a várias mãos e uma construção secular, favoreceu a
construção da gramática grega, bem como de glossários e dicionários: obras em que
estão depositados procedimentos descritivos dos conteúdos das formas vocabulares
dessa mesma língua.
Nessa acepção, a G.T.C é especulativa e descritiva. A sua prescrição é
decorrente da elaboração de uma política lingüística, cuja ancoragem tem como foco
o ensino formal dessa mesma língua, para assegurar a unidade política do Estado.
25
Assim, quando se fala em gramática prescritiva, o que se coloca em questão não
são os fundamentos teóricos que asseguraram a descrição dos fatos lingüísticos,
tampouco os critérios selecionados para tanto, mas sim a oficialização de uma
política de ensino e, conseqüentemente, de uma variedade de uso para controlar as
inevitáveis mudanças lingüísticas. Para os estudiosos de políticas lingüísticas, o
objetivo da prescrição é assegurar o controle da variação lingüística, pois a unidade
que assegurava/assegura o exercício do poder de um Estado Político Nacional é a
unidade lingüística do povo.
Neves (1987) e Robins (1983) consideram que a língua grega, no período
clássico, apresentava-se bastante heterogênea, se comparada a outros períodos
históricos, em razão da existência de um número bastante elevado de dialetos
falados no território sob o domínio daquele Estado. Contudo, tratava-se de dialetos
de uma só língua e, apesar das guerras entre cidades-estado do mundo helênico,
essa língua ainda era capaz de unir os gregos em uma única nação tornando-os um
só povo. O seu ensino formal contribuiria, sobremaneira, para assegurar esse
modelo de situação política; todavia, tal modelo de ensino não tinha por marco a
aprendizagem da gramática pela gramática, conforme apontado por Quintiliano.
Observam que, embora esses dialetos não tivessem representação gráfica
bastante lapidada, as inscrições ainda hoje existentes atestam o registro de uma
variedade dos mesmos. Mas aquele registro de que se valera Homero, para
construir os textos da Ilíada e da Odisséia, atestava que tal modalidade de uso não
mantinha identidade com outros falares de que se faziam uso naquele tempo do
Estado Grego.
Recitados em público, os poemas homéricos eram concebidos como fonte de
preceitos morais e contribuíam com a educação grega; mas o estudo de caráter
crítico e etimológico tem como marco o final do século VI a.C. Esses estudos de
caráter especulativo têm como ancoragem reflexões, sobre a natureza e uso da
linguagem, formalizadas pela língua grega, mas circunscritos ao uso que dela fizera
Homero. (LYONS,1971).
26
Esses conhecimentos passam a ser mais bem sistematizados, no final desse
mesmo século por filósofos da Jônia, dentre outros, que exploravam não só as
questões de linguagem, mas também aquelas referentes aos campos da
astronomia, física, matemática, ética... Contudo, o produto dessas reflexões -
incluindo aquelas desenvolvidas pelos primeiros retóricos que antecederam a
Sócrates e até os elaborados pelo próprio Sócrates - é bastante fragmentado e nos
foi legado de modo indireto. Assim, os conhecimentos sobre a linguagem – aos
quais se têm acesso direto e que serviram como parâmetro para a construção da
primeira gramática da língua grega – têm por marco os escritos de Platão e de
Aristóteles. O primeiro diferencia o nome do verbo; o segundo, as partes do
discurso.
Afirma Robins (1983) que Platão ou mesmo qualquer outro filósofo dessa
época jamais reuniu e sistematizou suas observações lingüísticas e, embora se
afirme ter tido ele o papel de fundador das primeiras reflexões de caráter lingüístico,
elas estão esparsas na totalidade de suas obras. O mesmo ocorre com Aristóteles,
com Plotino e outros estudiosos da época. Os estudos lingüísticos só passaram a
ser registrados de forma mais ordenada com os filósofos estóicos que retomam os
estudos de Aristóteles, cerca de 300 a. C: origem da chamada escola dos estóicos,
fundada por Zenão. Tal escola responderá pela:
a) formalização da concepção de forma e conteúdo, da qual emerge a
de significante e significado, na lingüística contemporânea;
b) tratamento de modo separado da fonética, da gramática, e da
etimologia;
c) introdução das marcas de acento ou sinais diacríticos na escrita
grega, para indicar a pronúncia correta das palavras e os sinais de
pontuação;
d) sistematização de questões sobre a transitividade;
e) introdução da concepção de paradigma, à medida que, esses
filósofos operam com a concepção de flexão. (LYONS,1971).
27
Esses estudos estóicos, desenvolvidos no período helênico, antecedem
àqueles dos alexandrinos e têm como parâmetro o contexto da língua grega e dos
povos falantes de outras línguas.
Segundo Neves (1987), trata-se de um tempo em que se deu a implantação
de uma política lingüística, com vistas a se prescrever o ensino e a aprendizagem da
língua grega, para assegurar a unidade do Estado Político e preservar a cultura
daquele povo, pela leitura e divulgação da sua literatura clássica. Outro diferencial
bastante significativo dessa época era a divergência entre a língua falada e aquela
presente nos registros dos clássicos literários. Desta feita, tomou-se essa
modalidade de escrita como marco dos homens cultos da época, contribuindo com a
criação de uma língua oficial: aquela que assegura a unidade do Estado. Nessa
acepção, o princípio da prescrição é de caráter político e visa à aprendizagem, em
larga escala, de uma língua para se sobrepor a outras, em territórios plurilíngües, ou
a seleção de um dos usos dessa mesma língua, concebida como de prestígio, por
ser tal uso aquele que orienta a produção de textos literários ou documentais.
Desta forma, à chamada escola dos estóicos outra irá se destacar na Grécia
Antiga, a de Alexandrina: um território recentemente helenizado e com ela tem início
a crítica literária, a verticalidade dos estudos etimológicos e o incentivo à leitura dos
clássicos, principalmente aqueles de Homero. Os mem
28
e modificá-las à luz da experiência. Tal procedimento era fonte de vários fatores
como comprovam as discussões entre anomalistas e analogistas, ocupados com a
observação e análise dos conteúdos das formas ou materiais lingüísticos.
Os analogistas, ao contrário dos anomalistas, afirmavam que a fala e a
compreensão do seu funcionamento eram regidas pelo princípio da regularidade ou
da analogia; os segundos, pelo princípio da irregularidade ou da anomalia. Embora
essa discussão se estendesse por séculos, elas contribuíram com observações
sobre os padrões formais da palavra. A essa questão associam-se discussões em
relação ao fato de as palavras da língua serem produto de convenção ou de fatos
não convencionais, naturais, de sorte que o tempo responderá pela transformação
natural do vocabulário. Mas, de forma geral, essas controvérsias focam o princípio
da regularidade e o da irregularidade dos fatos lingüísticos que, como se sabe, não
são dicotômicas e sim complementares, visto serem as línguas tanto regulares
quanto irregulares ou vice-versa. Contudo, esses estudos gramaticais terão como
suporte o princípio da regularidade; razão porque eles se consubstanciam por
descrições que visam a apontar “as regras” de uso, sejam elas da estrutura do
sistema ou de um uso desse mesmo sistema, como é o caso da G.T.C.
Por conseguinte, o princípio da regularidade facultará uma descrição
econômica da estrutura das palavras gregas, a criação da concepção de paradigma,
que favorecerá o estudo das flexões nominais e verbais, bem como o
reconhecimento das irregularidades desses mesmos modelos de paradigmas. É
nesse espaço de reflexões que a filosofia assevera ser a linguagem a expressão do
pensamento e dos sentimentos humanos; uma capacidade universal de qualquer ser
humano, desde que ele não traga consigo distúrbios neuropsíquicos. Assim, os
primeiros estudos emergem no campo da fonética, da etimologia e da gramática,
mas.
(...) foi no campo da gramática que... melhor trabalharam (...por) sucessivasgerações (...). As suas descrições foram investidas através da Idade Média edo mundo moderno (...) Além disso, as teorias, as categorias e anomenclatura que os antigos configuraram ao estudar a gramática de suaspróprias línguas tornaram-se parte do instrumental com que trabalha alingüística descritiva em nossos dias. (ROBINS, 1983 p.19)
29
Posto isso, passa-se a considerar os estudos sobre as classes de palavras,
para se poder atribuir relevo àquela referente aos pronomes.
1.2.3 Os pronomes pelos gramáticos gregos
A bibliografia de caráter histórico aponta que a primeira gramática da língua
grega – Tecné gramatiké, de Dionísio de Tracia – compreende quinze páginas, vinte
e cinco seções e seis partes e nela não há registros de estudos no campo da
sintaxe. Trata-se, portanto, de uma gramática centrada no sistema de classes de
palavras, cujas análises morfológicas contribuirão para o posterior desenvolvimento
da sintaxe. A filologia, embora anunciada como uma dessas partes, também é pouco
explorada por Dionísio.
Ressalta-se que a primeira parte dessa gramática está centrada na prosódia:
fundamento da leitura em voz alta, designada por “leitura exata”. A segunda parte
está voltada para o uso das expressões literárias; a terceira incide sobre a
fraseologia e os temas; a quarta focaliza a filologia; a quinta parte trata das
analogias e a sexta concebida como parte nobre da gramática, trata da composição
do texto literário. Por conseguinte, esses estudos de Dionísio não são organizados
pelos mesmos critérios propostos pelas nossas gramáticas contemporâneas,
organizadas em três partes: fonologia e ortografia; morfologia e sintaxe.
Definida como conhecimento prático de uso comum aos poetas e prosadores,
o tratamento dispensado aos elementos gramaticais (sons, letras e palavras)
contempla três domínios ou campos: ta stoicheía = elementos da lingüística: os
sons; tà mère lógou, = partes do discurso ou desses ou palavras e ta parepómea =
acessórios, ou pronúncia e leitura correta das sílabas longas ou breves das
palavras.
Para os historiadores dessa gramática, ela é produto de um procedimento
cujo eixo é a observação empírica de textos de autores clássicos e de prestígio que,
coletados, eram recortados de sorte a se fazer uso desses fragmentos para
30
afirmações comprobatórias. Apenas os estudos referidos à quinta parte da gramática
dionisiana – analogia – serão futuramente considerados de domínio gramatical e,
por eles se chegará à construção da Gramática Tradicional das línguas modernas,
no mundo ocidental. O fato de os estudos das letras terem a pronúncia como
fundamento fará com que a língua escrita seja o objeto de investigação gramatical,
ao longo do tempo. Também é preciso considerar que a concepção de frase,
embora não desenvolvida pelos primeiros gramáticos, estava associada ao logus ; a
concepção de palavra estava associada à de lexis, de sorte a que ambas fossem
propostas como unidades “mínimas” e “máximas” desses estudos. Assim, a frase já
se define no tempo de Dionísio, como expressão de um pensamento completo e a
palavra como parte do discurso. (NEVES, 1987).
As palavras, concebidas como partes do discurso ou mero logus, são
classificados em: a) ónoma ou nome. b) rhêma, ou verbo; c) antenymia ou pronome;
d) prótheses ou preposição; e) epírohema ou advérbio; f) syndesmos ou conjunções;
g) metoche ou particípio; h) arthon ou artigo. A essa classificação se segue aquela
das chamadas palavras primitivas que, concebidas como protótupon, se desdobram
em classes derivadas, parágogon, em acessórios, parepómea. Assim, no corpo
dessa Gramática, os critérios para se estudar as palavras são:
• Gênero – masculino, feminino e neutro;
• Eidos – nome primitivo e nome derivado;
• Scmênna – forma simples e composta;
• Arithmós – singular, plural e dual;
• Ptosis – caso nominativo, acusativo, genitivo e dativo;
A classe dos pronomes é concebida como parte do discurso ou mero logus
que se qualifica por ser uma paronomásia: de parágogon, porque derivada das
classes primárias, ou seja, nome e o verbo. Por conseguinte, o pronome seria uma
classe de palavras cuja identidade é assegurada, respectivamente, pela relação com
o nome e o verbo; mas no que se refere à sua concepção, ele se tipifica como mero
logus, ou seja, parte do discurso que não se associa à lexis; logo uma classe de
palavra que assessora essas outras duas na construção do discurso.
31
Mas, essa classe, quando focalizada pelos seus elementos constitutivos,
também se qualifica como primitiva: os pronomes pessoais e, como derivada: os
pronomes possessivos. Os pronomes primitivos não são antecedidos do uso do
artigo; os derivados ou possessivos o são. Esses pronomes derivados são ainda
qualificados como bipessoais, na medida em que asseguram relações, cujos
sentidos são os valores de “possuidor” e objeto “possuído”, como: filho(s) de João e
de Maria; (os) meu(s) pai(s); (a) casa de meus pais(s); a casa deles (de + eles). Os
primitivos são classificados como unipessoais, quer quanto ao singular: eu, tu, ele(a)
quer quanto ao plural: nós, vós, eles(as) ou quanto ao dual: casa dele(s).
Observa-se, nos exemplos acima, que os pronomes possessivos, à
semelhança do pessoal de terceira pessoa, apresentam flexão de número “plural”; o
que assegura a comutação de “sua(s) casa(s) por casa(s) dele(s) ou dela(s)”, visto
que a terceira pessoa também é flexionada em gênero. Assim, torna-se agramatical
os equívocos do tipo: minha(s) casa(s) por “casa(s) de eu” ou “de nosso”, por
exemplo. Essas reflexões presentes na gramática de Dionísio apontam que,
segundo a classificação proposta, os pessoais de terceira pessoa não seriam
apenas primitivos, mas também derivados. Embora, para ele, seja preciso considerar
que os pronomes possessivos apenas fazem referência aos pessoais - meu lápis:
aquele que pertence à pessoa que fala (Eu); teu lápis: aquele que pertence à pessoa
com quem se fala (tu). Já os pronomes de terceira não operam com o princípio da
referencialidade, conforme apontado, e sim com o da reiteração ou repetição –
aquele lápis = aquele sobre o qual eu falo e que não é o meu e tampouco teu.
Outro aspecto relevante, quanto a essa classificação, é o fato de os pronomes
interrogativos, indefinidos, e relativos merecerem classificação à parte, ou seja: os
interrogativos “que” e “qual” estão inclusos na classe dos nomes; já “onde” e
“quando”, na dos advérbios. Os relativos estão inseridos na classe dos artigos e
diferenciam-se desses últimos, classificados como protaktikón = o que se coloca
antes do nome – O filho de Maria que é minha vizinha: o artigo “o” é colocado antes
do nome “filho”; já o pronome relativo “que” é colocado depois do nome =
hypotaktikón = razão pela qual se passará a usar as designações artigo hipotático e
artigo protático para diferenciar o artigo propriamente dito dos pronomes relativos.
Os indefinidos também se inserem como subclasse do nome e não dos pronomes; já
32
os demonstrativos não se encaixam em quaisquer das classes propostas por esse
gramático. Para Neves (1987) esses pronomes, em não sendo primitivos, também
são derivados, pois não são bipessoais, ou seja, não se referem ao “eu” e tampouco
ao “tu”, se se compreender serem essas as pessoas que possibilitam qualificar o
pronome como elemento de interlocução. Também não se incluem entre os
bipessoais da terceira pessoa: “ele”, “ela”, se com
33
1.2.3.1 Os pronomes segundo Apolônio
Apolônio, também gramático grego, faz uma revisão crítica da concepção e
classificação dos pronomes proposta por Dionísio. Considera que o relativo não
pode estar incluso na classe dos artigos, na medida em que ele é usado no lugar do
nome; logo, a questão não se circunscreve à sua colocação após o nome, ou seja,
ele não é um artigo hipotático. Nesse sentido, o relativo se qualifica pela flexão de
caso e de número, expressos por outras formas claramente definidas e, quando se
flexiona um gênero (cujo, cuja), este também se define pela forma (masculina e
feminina).
Assim, os relativos, à semelhança dos pronomes pessoais se opõem ao
nome, na medida em que “indicam” apenas a existência, mas não a qualidade, ou
seja, o atributo do sujeito corpóreo. Essa indicação, quando a pessoa já foi
apresentada pelo nome, se faz pela “anaphórikon” e, em caso contrário, quando ela
está presente, pelo diktikón ou demonstrativo, ou pelo homoiomatikon, ou seja, pela
relação de semelhança. Tal distinção faculta Apolônio postular que o pronome
relativo é um “anafórico” fundado na relação de semelhança com o nome que ele
substitui, para demonstrar a pessoa do discurso por ele substituída e/ou referida. Já
os demonstrativos podem ser considerados como dêiticos, pois apenas apontam
para essas pessoas, mas não as substituem.
Para esse gramático é preciso atribuir relevo ao fato de a pessoa não ser uma
categoria designativa, visto não expressar “qualidade”, mas apenas “apontar para a
coisa ou ser designado” – relação dêitica. Chama a atenção para o fato de as
designações nominais, ou seja, o que é designado pelo nome - a concepção ou
noção pré-existente, o já dito e, por isso determinado - não ter a possibilidade de
indicar senão apenas uma pessoa do discurso: mas uma por vez. Já os pronomes
indicam várias delas de uma só vez: nós = eu +tu+ vós, por exemplo. Apolônio
parece postular a necessidade de se diferenciar pessoas do discurso de classes
gramaticais, ou seja, as pessoas do discurso são representadas em língua, pelos
pronomes pessoais propriamente ditos. O fato de eles exercerem funções sintáticas
34
diferenciadas se deve a outra dimensão lingüística: como as pessoas do discurso
são representadas, em língua, no enunciado.
Essa dificuldade de revisão dos estudos de Dionísio não o impede de
apresentar uma nova concepção de pronome, em que se atribui relevo ao fato de
ser essa uma classe de palavras por meio da qual se faz a “indicação” de pessoa do
discurso e de ela poder ser empregada no lugar do nome da pessoa indicada.
Assim, o pronome, por manter relações de significação com o nome e com o verbo,
é uma paranomásia: na classe que só tem identidade em relação a esses dois
outros e, nesse sentido também é uma semiósis, pois arrasta consigo as
significações dessas duas classes. Contudo, embora idêntico, diferencia-se do nome
e do verbo e, nesse sentido é uma antonomásia, na outra forma de outra forma de
antonímia. (ROBINS, 1983)
No caso de eles serem concebidos como “antonomásia” por Dionísio, a
explicação estaria justificada por Apolônio, segundo o qual a substituição do nome
pelo pronome assegura entre ambos relações qualificadas por um certo grau de
identidade. Contudo, essa identidade se inscreve nas diferenças já apontadas, o que
faz dos pronomes uma classe contrária à dos nomes, mas não contraditória a ele e,
nesse sentido, elas não se opõem. Observa Apolônio haver um alto grau de
identificação entre os pronomes e os nomes próprios, mas não entre os nomes
comuns, ressaltando o fato de os pronomes pessoais expressarem apenas a idéia
de substância: o que é substantivo, essencial do ser, da pessoa. Já os pronomes de
terceira pessoa têm maior grau de identidade, tanto com os nomes próprios, quanto
com os nomes comuns, na medida em que se referem àquilo de que se fala. Trata-
se de uma forma pronominal não indicativa das pessoas do discurso, aquelas que
representam em língua os interlocutores: eu ou tu; nós ou vós. Por essa razão,
apenas a terceira pessoa pode se fazer substância – o assunto. Logo, não se trata
de antonímia regida pelo princípio da contradição, em que a afirmação de um
pressupõe a negação do outro, mas de complementação, em que o pronome
reafirma o nome, contudo enquanto substância, e não enquanto qualidade. A
qualidade é transitória e é sempre da pessoa, designada pelo nome próprio – para
afirmar a essência, a individualidade de cada ser. (NEVES, 1987).
35
Pode-se considerar nas gramáticas de Dionísio e de Apolônio, que o primeiro
focaliza os pronomes na dimensão da palavra; o segundo trata não só da palavra,
mas também busca focalizá-la pelas suas funções, na dimensão da frase. Logo,
Apolônio desenvolve os primeiros estudos sobre a gramática da frase-grega. Nesse
sentido, embora tenha mantido as 8 classes das partes do discurso, propostas por
Dionísio, redefiniu o pronome não só como palavra que substitui o nome, mas
também como sendo a representação da substância nominal por ele retomada no
fluxo da fala, ou seja, “ousía”. (NEVES, 1987).
Observa-se ainda que os seus estudos não só apontam ser o nome e o verbo
os elementos constitutivos da frase, mas também elabora a primeira descrição
sintática, tendo por ancoragem a relação entre essas duas classes primitivas. As
demais classes são definidas pela relação nome� verbo. Embora não se ocupe
com as relações entre o verbo e os casos oblíquos das palavras, atribui relevo à
construção do particípio e o considera como elemento que participa do lugar
ocupado pelo verbo, pelo nome e pelo pronome no espaço da formalização
lingüística da linguagem. O esforço de Apolônio é apontar que o pronome não só
participa do lugar ocupado pelo nome pelo verbo, mas também para o fato da dupla
função que ele exerce. Essas funções explicitam-se pela retomada do nome ou pela
indicação das pessoas por meio das categorias morfológicas e sintáticas da língua
grega, registradas ou reiteradas pelas formas morfológicas da flexão verbal.
(ROBINS, 1983).
1.2.4 Os pronomes pelos gramáticos latinos
Os estudos sobre a linguagem e as descrições gramaticais da língua latina
são heranças dos gregos recebidos pelo povo romano por meio do contato com
habitantes helênicos das colônias gregas do sul da Itália. Desse contato, cada vez
mais extensivo - implicando o domínio e o controle do Estado Grego pelo Romano,
em razão da invasão da Grécia no século III a.C - os romanos aprenderam a ler e a
escrever. Nesse tempo de aprendizagem, de reconhecimento e conhecimento do
outro, os romanos foram conquistados pelos modelos de reflexão e crítica que levara
36
os gregos a dominar o mundo da ciência da razão, da poética e o da retórica.
Descobriram, assim, um vocabulário sistematizado por glossários em que se
registravam uma vasta terminologia referente a saberes sobre a matemática, a
astronomia, a crítica literária e que lhes facultavam compreender textos. Esta
compreensão era garantida pelo domínio da estrutura e funcionamento dessa
mesma língua, aprendida na escola, por meio de estudos da sua gramática, que lhes
assegurava a compreensão do vocabulário e, assim, puderam ascender a esses
conhecimentos, registrados na língua grega, cujo fundamento fora a filosofia.
(NEVES, 1987).
37
Ressalta Robins (1983), é preciso considerar que o Estado Romano tornara o
latim “língua da administração, dos negócios, do direito, da erudição e da promoção
social” (p. 35). Contudo, nas suas colônias do leste, onde predominava um modelo
de colonização em que a língua grega também mantinha posição de prestígio, os
funcionários romanos aprenderam-na para o exercício de suas funções
administrativas. Desta dimensão, moldada pela formação da filosofia e literatura
gregas, o Estado romano irá se fragmentar em dois impérios: o Ocidental e o
Oriental, esse último tinha como capital Constantinopla. Assim, Roma assegurou um
maior grau de hegemonia no Império do Ocidente, ainda que atribuísse grande valor
àqueles funcionários do Estado que eram plurilíngües e, por isso, capazes de
compreender súditos de diferentes regiões e língua sobre o seu domínio.
Tem-se, assim, Varrão como o primeiro lingüista latino a produzir estudos
gramaticais, definindo essa sua obra como conhecimento sistemático do uso
lingüístico da maioria dos poetas, historiadores e oradores. Por conseguinte, Varrão
tem consciência de que a sua gramática é produto da observação, análise e
descrição de uma norma de uso empregada, não só por aqueles que atuam no
campo da literatura, mas também nos da história e da oratória. Ela é, portanto, um
instrumento que faculta o domínio da estrutura e funcionamento da língua latina,
focada como padrão oficial.
Esses estudos de Varrão adaptados do grego foram registrados, incluindo
concepções como as de linguagem e sua origem, os de anomalia e analogia, dentre
outros, em vinte e cinco tomos. Tais estudos foram organizados em Etimologia,
Morfologia e Sintaxe.
Mas de forma geral, a obra desse gramático latino, bem como a de Prisciano,
aproxima-se do modelo descritivo proposto por Dionísio, o Trácio. Ambos mantêm as
mesmas classes gramaticais do grego, ainda que em substituição à classe dos
artigos, inexistente no latim clássico, proponha a classe das interjeições. Assim, as
interjeições - propostas como subclasse do advérbio na gramática de Dionísio e de
Apolônio - são definidas como palavras de significado estável, indicativas de
emoções, e, agora, independentes e desprovidas de significados estáveis.
38
Outra contribuição desses gramáticos latinos, mais especificamente de
Varrão, foi estabelecer diferenças mais precisas entre a forma derivacional e
flexional, bastante obliterada nas Gramáticas gregas. Propõe serem os paradigmas
flexionais mais homogêneos, visto não apresentarem omissões e, por isso, são
naturais; já os derivacionais são heterogêneos, variáveis; por isso, anômalos.
Entende-se que a derivação, apesar de irregular, por estar sujeita a uma “variação
voluntária” – variar de uma pessoa para outra, em relação à forma primitiva das
palavras possibilita à linguagem certo grau de flexibilidade. (ROBINS, 1983).
Assim, Varrão apresenta muito mais do que Prisciano, reflexões e
reformulações dos estudos desenvolvidos pelos gregos, razão pela qual não se
ocupa apenas de copiar e adaptar as classes de palavras do grego para o latim, mas
também, reconhece as categorias de “caso” e de “tempo” como primárias para
diferenciar as palavras do latim que sofrem flexão. Estabelece um sistema de quatro
contrastes flexionais para classificá-las em palavras que apresentam:
• Flexão de caso - nome (substantivo e adjetivo, este
último reconhecido como a classe do nome, mas
como atributo do substantivo);
• Flexão de tempo – verbo;
• Flexão de caso e tempo – particípio
• Sem flexão de caso e tempo – advérbio.
Os pronomes pessoais e os demonstrativos são focalizados como palavras de
flexão dupla; pois, em relação ao nome, eles sofrem variações de casos e, em
relação ao verbo, de pessoa. O fato de as formas dos pronomes demonstrativos
“elle”, “ella”, “ellud” se perderem no uso da língua latina, posteriormente, levará ao
surgimento do artigo, razão porque os pronomes latinos não são classificados como
artigo, como fizera Dionísio. Já os pronomes relativos – “quĩ”, “quae”, “quod”, por
serem morfologicamente semelhantes aos interrogativos – “quis” “quid” – ora são
classificados como nome, ora como pronomes.
Observa-se que a Gramática de Prisciano (500 d. C) e a de Donato (séc.VI),
embora pouco se diferenciem entre si, a não ser em pormenores, servirão como
39
instrumentos de planificação da política lingüística instituída pelo Império Romano.
E, assim sendo, funcionarão para o ensino formal da língua latina durante a Idade
Média. São, dessa forma, gramáticas bastantes semelhantes às do grego que, agora
ensinadas, asseguram o estudo do latim a sua semelhança com a língua daquela da
Civilização Antiga.
Nessa acepção, Prisciano descreveu o latim da literatura clássica e, embora
não se ocupe em definir o que entende ser uma gramática, faz uma descrição
sistemática da estrutura e pronúncia das silabas, definidas como menores partes do
discurso articulado, dotado de três propriedades: nome, forma escrita e valor
fonético. No que se refere à morfologia, diferencia a palavra da oração, definindo a
primeira como unidade mínima da estrutura da frase e a segunda, como expressão
de um pensamento completo. Adota a classificação das palavras e outras classes
gramaticais e concebe a interjeição como uma classe independente.
No caso dos pronomes, estes são definidos como palavras que substituem os
nomes próprios e especifica as pessoas do discurso. Reitera a posição de Apolônio
ser propriedade específica dos pronomes indicarem substância desprovida de
qualidade, de forma a diferenciá-los dos nomes próprios e, por isso, os pronomes
podem fazer referência anafórica com todos os nomes. Observa-se a seguinte
classificação para os verbos: ativos – aqueles a que hoje designamos por transitivos;
passivos – aqueles cujo significado não se remte à ação de um agente, mas de um
paciente, como é o caso de “apanhar”, “sofrer”, por exemplo; neutros – aqueles aos
quais se designam, hoje, por intransitivos. O verbo transitivo (ativo) foi definido por
se relacionar com os pronomes do caso oblíquo. Entretanto, não haveria
concordância entre as formas obliquas e aquelas das formas fontes de tais verbos:
elogio – te (laudō te), prejudicado a ti (noceō libi), tenha piedade de mim (egeō
miserantis). (ROBINS, 1983 p. 47).
As estruturas sintáticas da língua latina são pouco trabalhadas por esses
gramáticos, embora se registrasse que a função primária dos pronomes relativos
fosse a de estabelecer relação de subordinação entre orações constitutivas de um
período. A esta função primária, acrescente-se a de esses pronomes relacionarem
um verbo ou oração a outro verbo ou outra oração principal. Postula-se, ainda, o fato
40
de serem o nome e o verbo capazes de formarem por si sós, frases com sentidos
completos.
Para Robins (1983):
“A obra de Prisciano representa algo mais que o final de uma era: constitui aponte entre a erudição lingüística da antiguidade e da Idade média (...) A suadescrição serviu durante oito séculos como base das teorias gramaticais emnossos dias como fundamento do ensino da língua latina. (p. 48)
1.3 Matrizes para a construção de Gramáticas Nacion ais
Os estudos sobre a palavra e a frase das línguas greco-latinas, segundo o
quadro apresentado, precisam ser focalizados por três perspectivas na Idade Média:
a) aqueles propriamente voltados para a produção de Gramáticas; b) aqueles que,
embora de caráter gramatical, estão voltados para a produção de manuais didáticos;
c) aqueles de que buscam reconfigurar fundamentos teóricos para o tratamento de
questões lingüísticas. Esses últimos, por não estarem sistematizados, serão
desenvolvidos no fluxo da Idade Moderna e deles resultarão a construção da
chamada Gramática Geral ou Racional, de caráter mentalista e cujo pressuposto
básico é tornar as línguas como espelho do pensamento. (ROBINS, 1983). Mas, de
forma geral, os gramáticos e, posteriormente, os lingüistas, pressupõem-na como
um produto social. (COSERIU, 1980).
A bibliografia aponta que durante a romanização de regiões da Europa, dentre
as quais se situa a Península Ibérica, os estudos da língua latina passam a se fundir
com as tradições lingüísticas de outros povos, ao mesmo tempo em que a filosofia
escolástica vai ocupando lugar proeminente no contexto medieval. Assim, por volta
do ano 1.100 da nossa era, vive-se a fundação das primeiras universidades e o
surgimento da arquitetura medieval. Trata-se de um tempo em que a Igreja agrega e
toma sob o seu domínio todas as atividades culturais e as interpreta como parte do
serviço prestado a Deus pelo homem; de modo a eleger a fé como categoria capaz
de organizar todas as investigações e/ou invenções de caráter intelectual.
41
As gramáticas de Prisciano e de Donato, conforme já apontado, já estavam
42
áreas da tradução, da etimologia e da lexicografia, como atesta a produção de
Izidoro de Sevilha, no século VIII.
Passa-se a considerar, já no século XII, a necessidade de construção de uma
base teórica diferenciada da mera exposição dos fatos lingüísticos de natureza
didática, de que resultaria a produção de uma Gramática Geral. Postula-se que a
descoberta de fatos gramaticais não seria da competência do gramático, mas do
filósofo, na medida em que aquele não era um homem versado em raciocínios da
lógica da razão. Argumenta-se, ainda, que os gramáticos greco-latinos não se
ocuparam e de indagações de ordem universal, mas apenas com descrições
lingüísticas.
Esse quadro de caráter crítico fez com que os estudos lingüísticos voltassem
a ser orientados pela filosofia escolástica e, assim, retomam-se os princípios de
caráter especulativo fundadores da gramática grega; mas, agora, focalizados pelo
olhar de Teólogos. Desse modo, a gramática especulativa estende-se para além dos
conteúdos programáticos registrados em manuais didáticos para o ensino e, assim,
define-se o lugar ocupado pela teoria lingüística e aquele ocupado pelo ensino.
Propõe-se uma gramática geral, cujo sistema é universal e Gramáticas particulares
cujos sistemas responderiam pelas particularidades de cada língua, pois as
diferenças entre as várias línguas são apenas acidentais.
Incorporam-se à Gramática, concepções semânticas tendo como parâmetro a
diferença entre:
... significātiō e supositiō, propriedades semânticas do vocabulário que,apesar de relacionadas são independentes. A significātiō (...) foi definidacomo a relação entre o signo (palavras) e aquilo que ele significa. Em virtudedessa relação o signo pode funcionar como substituto dos objetos, pessoasetc., (...) com referência aos nomes, esse tipo de fenômeno é designadosupositiō (suposição, suplência) (...) a significātiō é anterior à supositiō, eesta pode ter o seu alcance restringido pela combinação de significātiō nocontexto. (ROBINS, 1983. p. 50 )
Nesse contexto, é estabelecida uma distinção entre suposição formal – a
palavra é concebida como representação de pessoas, ou coisa no mundo: o cavalo
é um animal quadrúpede - e suposição material: a palavra representa a si mesmo –
43
o cavalo é um nome. A essa distinção acrescenta a de vox (som) e diotiō (palavra
que foi dita, pronunciada), de modo que o som é a matéria da palavra; o “dito” é
compreendido como a forma da palavra dotada de significado: produto da
significação. Contudo, esses avanços não interferem diretamente na produção de
gramáticas particulares, razão pela qual os gramáticos romanos mantêm inalterados
os estudos morfológicos dos gregos e, consequentemente, as classes de palavras
por eles propostos, para a descrição do latim. Mas muitas definições são
reformuladas pelo ponto de vista semântico, ou seja, por um determinado modo de
significação.
Os modos de significação são orientados pelos seguintes postulados: os
seres existentes possuem várias propriedades ou modos de ser – modī essendī. A
apreensão desses modos de ser pelo sujeito equivale a modos de compreender
ativos que correspondem modos de compreender passivos, razão das qualidades
dos seres apreendidos pela mente humana. O sujeito atribui modos de significar
ativos aos sons e, assim procedendo, converte-os em palavras e partes do discurso
que significam as qualidades dos objetos. Essas qualidades passam a ser
representadas pelos modos de significar passivos. Logo, as qualidades dos seres ou
coisas significadas pelas palavras são produtos do modo ativo, ou seja, a palavra é
focada como processo e como produto.
Esses modos de significar fazem com que se considere o pronome como
parte do discurso que se representa pela “modum entis”, ou seja, eles representam a
realidade de forma estável e permanente. O nome inclui a substância e a qualidade
apreendida de forma determinada: o pronome de forma indeterminada, porque
derivada da propriedade ou modo de ser da matéria prima, isto é, do nome: a
matéria prima do pronome. Já o verbo e o particípio são representados pelo “modum
esse”; o primeiro distingue-se da substância (nome) da qual é predicado; o segundo
não se distingue da substância da qual é predicado. (ROBINS, 1983).
Afirma Robins, (1983) que esses estudos medievais facultam diferenciar
facilmente o nome do verbo, mas não o nome e o pronome, por exemplo. Contudo,
afirma-se que a âncora dos estudos gramaticais é a sintaxe e, nesse período, ela é
desenvolvida para além das questões de concordância, como fizeram os gregos.
44
Considerou-se fundamento da sintaxe as construções formadas pela relação entre o
nome e o verbo, bem como a concepção de sujeito e predicado. Assim, as
gramáticas analisam tais relações como base nos ideais de dependentes e
determinantes: termo que exige a presença de outro e aquele que satisfaz,
respectivamente, tal dependência. Tem-se, assim, por exemplo:
Dependente Determinantes
Verbo nome: caso nominativo
Verbo nome: caso obliquo”
A construção do sistema gramatical sintático ainda tem por suporte a
classificação dos verbos em transitivos e intransitivos, a distinção entre substantivo e
45
metodológico em que a língua nacional é analisada em relação a outras, conforme já
enunciado. O latim continua a ser o molde segundo o qual todos os outros idiomas
são pensados, mas não mais o único. Os estudiosos também voltam o olhar às
línguas até hoje chamadas de exóticas de origens africana, asiática, americana, em
comparação aos “vulgares” românicos. Todavia, esse método comparativo não teve
grande êxito, no século XVI, mas será retomado e sistematizado no século XIX,
implicando a construção de gramáticas históricas. Desta feita, o Renascimento é
marcado especificamente pelo fato de as línguas começarem a ser trabalhadas de
modo generalizado como objeto de ensino. Assim, no período renascentista, as
reflexões sobre a natureza da linguagem, são configuradas como o prolongamento
das preocupações já existentes entre os latinos e serão mais bem desenvolvidas
nos séculos XVII e XVIII, sob a influência aristotélica. A ilustração mais notável
desses estudos é a Grammaire générale et raisonnée de Port Royal de 1660.
(LEROY, 1967).
1.3.2 Os pronomes pela gramática da Língua Portugue sa
O uso da gramática e de dicionários como prescrição foi elaborado na Grécia
Helênica (cf. itens deste capítulo 1.2.1 e 1.2.2) e também os romanos se valeram
desse princípio prescritivo, quando aquele império começou a se desmembrar em
várias nações. O desaparecimento do latim nas regiões conquistadas se dá
gradativamente, em razão de novas línguas nacionais assumirem posição de
prestígio e serem focadas como suporte dos novos Estados modernos. Elege-se
uma língua nacional para cada uma dessas nações emergentes: o dialeto de maior
prestígio, ou seja, aquele usado pelos “homens doutos” e/ou que fundamentava
literaturas nacionais. Contudo, o fato de haver resquícios do latim e dos dialetos
falados pelo povo, cria a necessidade de as escolas ensinarem a norma de prestígio
da língua padrão.
Nebrija, em 1942, já postulara ser a língua companheira dos impérios, de
sorte que, no contexto da descoberta do Caminho Marítimo para as Índias e do
46
processo de colonização, Portugal se vê diante da necessidade de sistematizar uma
das variantes lingüísticas faladas em seu território, para se formar como nação
independente. É no século XVI, que se tem a produção das primeiras gramáticas de
língua portuguesa: a de Fernão D’Oliveira e a de João de Barros, ambas de caráter
latinista.
a) Fernão de Oliveira
Afirma Fávero (1996), fundamentada em Buesco (1978), que a Gramática da
Lingoagem Portuguesa, reflete as ansiedades do período renascentista, cujo marco
é a edificação do Estado Moderno Português. Desta feita, Fernão D’Oliveira busca
registrar nessa sua obra o fato de a língua portuguesa ser um sistema organizado e
autônomo, independente do sistema lingüístico espanhol: país do qual Portugal
queria se separar, para se fazer reino próprio: “(...) porque o nosso rey e Senhor pois
tem Terra e mando; tenha também nome próprio e distinto per sê, e sua gente falla
ou lingoagem não mais mesturada mas bem apartada” (p.85)
Esses argumentos de caráter político, visando a diferenciar a língua
portuguesa da espanhola se estendem nos registros dessa gramática para exaltar a
nova nação, cujo suporte era a língua, sempre visualizada como mais perfeita do
que a espanhola: “(...) nos falamos com grande repouso como hom~es assentados
(...) e no pronunciar qu~e não sentira a diferença qu~e temos po~q elles escondĩse e
nos abrimos a boca (...) e nos falamos boquiabertos com mays magestade e firmeza
“(p.41);
Esta valorização da pronúncia levará o gramático a dedicar grande parte de
sua obra à descrição fonética e, no que se refere à morfologia, o ponto de partida
para a descrição do português era o sistema latino referente às partes do discurso
ou classes de palavras. Assim, as palavras são focalizadas quanto à flexão e a
derivação.
A gramática de Fernão D’Oliveira é qualificada como “Gramática da Palavra”
em razão de os estudos sobre a sintaxe frasal não ter sido ainda desenvolvida
conforme se registrou no corpo desse capítulo (cf. item 1.3). Assim, ele designa por
47
analogia todas as questões referentes à flexão de número e de gênero e, embora
opere com a concepção de declinação dos casos latinos, observa-se que a obra de
Fernão D’Oliveira é composta de uma nomenclatura original e bastante expressiva.
Todavia, sua explanação se perde no teor histórico e na exaltação dos primeiros
reinados, bem como na perdurabilidade da glória romana, devido à imposição da
língua aos vencidos e, só depois, propõe-se a definir gramática. Ela não é
compreendida como teoria de um sistema formal, mas como um produto social.
Suas notações estão circunscritas no estudo da fonética (bastante aprofundada em
sua gramática), ortografia, analogia, etimologia e construção ou sintaxe (bastante
elementar).
Para esse gramático, a grandiosidade do povo português está asseverada
pelo parentesco entre a língua latina, falada por um povo grandioso, e a portuguesa,
cujos usuários também à semelhança dos romanos são homens de bravura e
grandeza. Nessa acepção, a língua falada pelos portugueses “Cō tudo nos tambe
temos casos em tres pronomes os quaes são eu.me.mi.tu.te.ti.se.si no primeiro
destes o d’erradeiro caso ~q e mi alghũs o acabão co estā letra .til. assi mĩ: por¯ q
estes nomes teuerão casos: mais ¯ q em outro tempo e obra o diremos”
(D’OLIVEIRA, s/d. p. 91).
Observa-se, na citação acima, que essa relação entre o latim e o português –
apesar de o sistema latino ser paradigmático e o do português sintagmático, daí a
questão da ordem das palavras na frase ser fundamental em português – acabará
por impor uma classificação dos pronomes pessoais em dois casos: o caso sujeito,
ou reto, e o caso oblíquo. Por conseguinte, tal classificação não se faz ainda
transparente na gramática de Fernão D’Oliveira, conforme aponta o enunciado
acima. Esse gramático também não se ocupa em definir a classe dos pronomes e
precisar a diferença entre os pronomes ditos pessoais e os demais, como os
relativos, os indefinidos, os interrogativos, por exemplo.
Pode-se considerar, numa síntese, que a obra de Fernão D’Oliveira é
efetivamente, um conjunto de curiosas e judiciosas reflexões, de tipo ensaístico; em
48
suma: uma miscelânea lingüística e cultural. Todavia, atribui-se a Fernão D’Oliveira,
o mérito de haver sido o primeiro a compor um tratado (primeira anotação) acerca da
língua portuguesa, no que se refere à sua sistematização propriamente dita.
b) João de Barros
Publicada em 1540 – quatro anos após a publicação da Gramática da
Lingoagem Portuguesa (1536) – a Gramática da Língua Portuguesa, de João de
Barros dispensará ao idioma português tratamento semelhante àquele de Fernão
D’Oliveira: elemento de exaltação nacional. Seu objetivo também difere daquele do
seu antecessor: descrever as particularidades de uso da língua portuguesa,
atribuindo relevo à semelhança entre ela e o latim, para diferenciar o povo português
do espanhol. Para tanto, Fernão D’Oliveira desenvolve a fonética; João de Barros a
morfologia, dedicando pouco espaço à sintaxe. Contudo, ambos postulam que a
função da língua é organizar o pensamento humano.
O fato de buscar formalizar os traços variáveis das línguas que descreviam,
latim e português, em relação ao latim, tendo como parâmetro o latim,fez com que
João de Barros não se ocupasse da sintaxe do português propriamente dito, mesmo
porque a sintaxe latina (casos) não têm equivalência unívoca com aquela da língua
portuguesa (ordem). Nessa acepção, a sua gramática também é qualificada como
“gramática da palavra”.
A diferença entre essas duas Gramáticas, além das já apontadas, no que se
refere aos estudos morfológicos, decorre do fato segundo o qual o nome é
organizado, a partir do verbo para Fernão D’Oliveira: “(...) e por tanto os nomes se
conhecem dos verbos”. (p.78). Já para João de Barros, é o contrario, ou seja: “Verbo
(...) é ũa voz ou palavra que demonstra obra algũa cousa, o qual não se declina
como o nome e o pronome por casos (...)”. (p.78). Nessa acepção, João de Barros
mantém a relação da similaridade entre o nome e o pronome pela flexão de casos, à
semelhança de Fernão D’Oliveira.
49
Todavia, para esse gramático, o português é uma língua perfeita, de um povo
poderoso e bem formado tal qual o povo e a língua latina. Para comprovar esse seu
argumento, assume uma posição diacrônica, e declina as palavras do português nos
moldes dos casos latinos; razão pela qual, o pronome é definido e classificado,
consoante proposta das gramáticas latinas.
Nesse sentido, afirma que o pronome “é uma parte que se põe no lugar de um
nome e por isso dissemos que era conjunta a ele por matrimonio, o qual tomou o
nome” (BARROS, p.19).
Acasalados ao nome, os pronomes são classificados como:
Primitivos Eu, tu, si, este, esse, ele
Derivados Meu, teu, seu, nosso, vosso
Derivados porque, no caso genitivo, derivam dos primeiros, ou seja, daqueles
do caso nominativo; logo, onde se diz de mi, se deriva meu; e de ti, teu; e de si, seu.
No plural, tem-se nosso, vosso. Eu, nós; tu, vós; Este, e estes são demonstrativos,
porque quase demonstram a coisa por semelhante; Ele, Esse, com seus respectivos
plurais chamam-se relativos por fazerem relação e lembrança da coisa dita, posto
que o seu principal ofício seja demonstrativo. No exemplo do próprio gramático esta
relação de posse é elucidada de modo bastante claro: “Este livro é do príncipe nosso
senhor” (BARROS, p.19). Observa-se, assim, uma não distinção entre os pronomes
pessoais e os possessivos à semelhança das Gramáticas Greco-latinas. Sua
explanação se justifica pela tentativa de explicar os pronomes por meio do uso,
como elucidou, por exemplo, no que diz respeito ao uso do pronome “Ele”,
recentemente visto como a não - pessoa do discurso nos postulados de Benveniste,
este, já era visto por Barros como aquele que tinha como função primeira
demonstrar, embora também fosse visto como aquele de quem se fala e/ou o
assunto, logo, não presente no discurso. Desta feita, Barros já prenuncia o pronome
“ele” como a não pessoa do discurso, aspecto mais bem elucidado nos dias de hoje.
50
Convém salientar que sua gramática se configura como sendo a gramática da
palavra e que tais aspectos só seriam mais aprofundados se os considerassem na
dimensão da frase, conforme será tratado no segundo capítulo desta Dissertação.
1.4 Algumas considerações finais
Desta feita, é possível afirmar que a pesquisa registrada neste primeiro
capítulo aponta que a Gramática Tradicional Contemporânea é produto de uma
construção a várias mãos, desenvolvida no fluxo de um longo tempo, cujo marco é a
Grécia Antiga. Nessa acepção, afirma-se que a sua construção abarca diferentes
fases, dentre elas, a latinista, referente ao desenvolvimento da Gramática da
Palavra; a prescritiva, referente ao estabelecimento de políticas estatais para o
ensino da norma de prestígio descrita pelos gramáticos; a histórica de que resulta a
produção de Gramáticas Históricas e a descritiva, referente à incorporação de
princípios científicos para a descrição da língua e não de uma dada norma e que
irão contribuir na construção das gramáticas nacionais.
Ao longo desta investigação de caráter historiográfico observou-se em relação
ao tratamento da língua, a não-cisão dos aspectos relacionados à sua estrutura e
função. Ambas, foram tratadas pelos primeiros estudiosos e observadores da língua
como indissociáveis – abarcando, dessa forma, aspectos relacionados à cultura,
política, aos interesses econômicos, ideológicos, religiosos, etc. Assim sendo, a
Gramática Tradicional, em sua gênese, não descreve a estrutura que qualifica a
língua como sistema, mas sim o uso de prestígio, à medida que as gramáticas são
consideradas como pertencentes à fala e não à escrita. Esse uso de prestígio é
aquele referente à língua oficial: aquela que tem por fundamento a chamada “norma
padrão” selecionada pelo critério do prestígio, ou seja, a norma dos “homens
doutos”, antes da publicação de “Os Lusíadas”, por Camões. Após a produção e
divulgação dessa obra literária, a norma oficial passa a incidir sobre os escritores
portugueses de prestígio.
51
CAPÍTULO II
OS PRONOMES PESSOAIS PELA GRAMÁTICA DA FRASE DA
LÍNGUA PORTUGUESA
__________________________________________________________
2.1 Preliminares
Os estudiosos das civilizações que focalizam as produções dos chamados
bens não materiais da cultura humana – saberes ou conhecimentos, idéias e
ideais... – afirmam que, para melhor considerar tais produções, é importante
diferenciar, sem dissociar, a concepção de Estado e de nação, visto serem estas
dimensões complementares das sociedades humanas. O Estado sempre teve e tem
por fundamento a autoridade e esta se configura como uma força que, fundada e
fundamentada em ações de caráter político, tem o propósito de regular e centralizar
os movimentos das sociedades que controlam. Nesse sentido, a força do poder
estatal – seja ele imperial e/ou monárquico absolutista/democrático, bem como
republicano – é exercida pelo grupo que está no poder e se sustenta pelo princípio
da lealdade entre seus membros; pois é dessa lealdade que qualquer Estado vive e
sobrevive até a atual contemporaneidade. A concepção de nação teve e tem por
fundamento a busca ou conquista da liberdade e por isso a sua forca se qualifica
como polêmica criadora da vida intelectual ou artística e, por essa razão, ela se
inscreve na dinâmica da renovação que foi herdada do passado.
Nessa perspectiva, a gramática normativa ou tradicional contemporânea é,
por um lado, produto da civilização greco-romana e arrasta consigo a cultura
institucionalizada por aqueles estados imperiais, razão de ser da sua vertente
prescritiva. Mas, por outro lado, ela também carrega consigo marcos dos processos
de que resultaram a sua recontextualização para se adaptar a diferentes
52
nacionalidades e modelos de contextos inerentes a formações sócio-culturais
diferenciadas como aquelas da Idade Média e Moderna. (cf. item 1.3 do capítulo I).
Registrou-se que os estudos referentes à dimensão sintática são
desenvolvidos na Idade Média, estendendo-se para além dos fatos de concordância,
propostos pelos gramáticos greco-latinos e, para tanto, elegeu-se a relação entre o
nome e o verbo, como matriz fundadora dos estudos sintáticos. Constroem-se
conteúdos frasais não reduzíveis àqueles das palavras que, articuladas pelas
categorias sujeito �predicado – matrizes categoriais da oração – são os seus
elementos constitutivos. Passa-se, assim, a focalizar as estruturas dos elementos
lexicais da língua, recortada pelo padrão escrito da chamada norma culta, quanto às
suas funções frasais. Apesar da variação de uso dessas estruturas, observa-se que
há regras finitas que facultam descrever as funções que elas exercem em tal
dimensão e passa-se a descrever tais regras como aquelas responsáveis pelo “bom
uso”.
Os fundamentos teóricos para se proceder a tal descrição estavam
orientados pelo pressuposto referente aos modos de significar conceitos universais,
coincidentes com os modos de ser e de conhecer, de que resulta a concepção de
uma gramática Geral ou Universal e gramática particulares. A Gramática Geral teria
como objeto de estudo o logus, isto é, os princípios gerais da razão humana que
possibilitam compreender os modos de ordenação das idéias pelo exercício da fala
e, nesse sentido, ela se configura como arcabouço teórico que orienta a produção
de gramáticas particulares. Estas se ocupariam da observação e da descrição do
modos de ordenação das idéias, em cada língua particular, focalizando-os como
regras do bom uso das palavras, ou seja, quanto às suas funções sintáticas ou
modo de ordenar as idéias em cada língua. (cf. lexis, p.13 cap. I)
A sistematização desses estudos teóricos vem a público nas primeiras
décadas do século XVII e tem o seu registro na Gramática Geral e Razoada ou
Gramática de Port Royal – nome de um mosteiro para mulheres, fundado em 1216
em uma região francesa que significa “grota cheia de sarças, onde a água se
acumula” (p. IX). Arnauld e Lancelot são seus autores e definem Gramática como a
arte do bem falar, ou seja, de explicar o pensamento por meio de “signos que os
53
homens inventaram para esse fim”. (cf. p. 3), não d
54
Nessa acepção a representação do pensamento não pode ser observada ou
analisada, quando se consideram palavras isoladas ou cada uma em sua
particularidade, pois é indispensável observá-las, apreendê-las na relação que
estabelecem umas com as outras, sem o que não se apreende os modos de
raciocinar. Logo, ao assinalar as relações entre palavras por meio da sintaxe,
apreendem-se as regras de construção da sintaxe de uma dada língua e, por meio
delas, os modelos de ordenação do pensamento expressos pela fala: atividade que
explicita o pensamento pelo uso de sinais inventados pelo homem para comunicar o
que pensa.
Essas funções da língua – representação e comunicação - fazem da
gramática a arte de falar por meio de sinais lingüísticos, quer sejam orais ou escritos:
(...) a gramática de qualquer língua (...) deve ser uma verdadeira lógica, queensinando a fallar, ensina ao mesmo tempo a discorrer. Que por isso agrammatica foi sempre reputada como uma parte da lógica pela intimaconexão que as operações do nosso espírito tem com os signos que osexprimem. É esta a razão porque os antigos philósofos e os stoicos,principalmente, se fizeram cargo d’ella nos seus tratactos de philosophia. (p.XI e XII).
As diferentes relações instituídas entre as palavras de uma língua, por meio
da sua sintaxe, têm por suporte dois princípios: o da identidade e o da determinação,
e eles não podem ser concebidos de forma indissociável. A relação de identidade é
o fundamento da concordância nominal e verbal; a de determinação é decorrente do
lugar ocupado pelas palavras na estrutura da frase e dessa ordem advém o valor,
isto é, o significado da própria frase. Desta feita, quando se faz uso de frases como
“Velho homem” e “homem velho” não se expressam os mesmos juízos de valores,
pois as idéias veiculadas por esses dois modos de ordenar as palavras não se
equivalem; ainda que a sintaxe de concordância se mantenha inalterada nas duas
construções, a ordem não é a mesma. Logo, é preciso considerar a distinção entre a
ordem dos sinais, visto que tal ordenação se refere a diferentes modos de significar,
em língua, o pensamento que se busca expressar.
Essa distinção entre identidade e determinação possibilitará a Soares
Barbosa descrever os pronomes da língua portuguesa como uma classe de palavras
55
que, se por um lado, mantém identidade com o verbo – concordância da pessoa em
relação ao tempo e ao modo, inscritos no espaço de suas flexões – por outro lado,
esta identidade se faz o fundamento e a fundação da regência verbal. Por
conseguinte, a concordância entre a pessoa, número (quantidade de pessoas
implicadas na ação verbal que se busca representar) e no tempo do
desenvolvimento da ocorrência da ação, consoante ao modo em que ela é situada
pelo usuário, no fluxo das atividades de sua fala, possibilita determinar o regime dos
verbos: transitivos ou intransitivos. Se intransitivos, a sua sintaxe será estabelecida
pela relação com o nome substantivo na posição de sujeito; se transitivo, com dois
nomes substantivos: um na posição de sujeito e outro na posição de objeto – o rei
ama seu povo: o rei = amante; o povo = amado, o que desperta o amor do rei, ou
vice-versa; se plural – Os reis amam seus povos – tem se a idéia de generalização,
qual seja, todos os reis são amantes e todos os povos são amados. Contudo, a
relação de regência está implicada pela ação desencadeada pelo amor, que
focalizado como verbo implica, necessariamente, “o amante” e “o amado”. Já no
caso da concordância entre o substantivo e o adjetivo, é preciso considerar que o
suporte da regência é o substantivo e, para tanto, faz-se necessário recorrer à
distinção estabelecida entre ambos.
Substantivos e adjetivos são classes do nome e se diferenciam por meio da
concepção de substância e de acidente. Os primeiros são sinais que fazem
remissão a objetos do pensamento e sub-existem em si e por si; os segundos
também são sinais, mas fazem remissão à maneira de “ser” dos objetos do
pensamento. Entretanto, os adjetivos podem ser tomados ou usados como
substância ou como acidentes: o velho; homem velho = de idade cronológica
avançada; velho homem = de idade mental avançada ou para se fazer remissão ao
tempo de existência do homem na face da Terra: 300 milhões de anos. Mas, em se
tratando de determinação, é sempre o substantivo o regente do adjetivo, razão
porque a sua concordância é determinada pela escolha do substantivo e da sua
flexão em número e gênero, e não ao contrário.
Afirma Soares Barbosa (1875) ser necessário considerar que o adjetivo tem
duas significações: uma distinta “porém indireta, que é a do atributo, a outra confusa,
porém direta, que é a de sujeito” (p.6). Desta feita, a classificação dos nomes em
56
substantivos ou adjetivos está fundada no princípio segundo o qual apenas o
homem pode ser sujeito. Assim, designações como “O rei” não devem ser
classificadas como substantivos quanto ao modo de significar, pois elas fazem
remissão à concepção de acidente: aquele que rege, fonte da ação inscrita em
reger. Por conseguinte, “o homem que reina” é rei; logo, o sujeito é o homem,
qualificado pela ação de reinar. Nesses casos, esses nomes assumem a função do
substantivo: sub-existem por si mesmos nos discursos, para significar
individualmente o sujeito.
Esse funcionamento direto e indireto dos nomes adjetivos, para significar de
forma explícita ou implícita o sujeito, é designado: “in recto”, quando o sujeito é
explicitado ou expresso de modo claro, como é o caso de mulher branca; “in
oblíquo”, quando o sujeito é explicitado de modo indireto. Assim, na relação
substantivo-adjetivo, quando se afirma “a brancura da mulher”, tem-se o uso do
“branco” deslocado da sua função original, ou seja, da sua função de adjetivo para a
de substantivo. Nesse caso, a função “in oblíquo”, os adjetivos deixam de ser
focalizados como acidentes para se converterem em substância “tão geral” ainda
que continue funcionando como determinantes de seus substantivos: a brancura da
mulher = aquela mulher que tem o branco como qualidade.
O princípio da determinação, associado aos modos de significar, faculta a
esse gramático considerar que, dentre as palavras que respondem pela organização
ou estruturação da frase, há aqueles que funcionam como determinantes do
substantivo, como é o caso dos adjetivos, dos numerais e dos artigos e de alguns
pronomes, por exemplo. Tal funcionamento, observado quanto aos modos de
significar, o fazem de modo direto ou indireto. Esse posicionamento leva Soares
Barbosa a estabelecer a categoria dos nomes que funcionam como “determinantes”
dos substantivos, de modo a considerar, por exemplo, que a classe dos artigos deve
ser diferenciada em “definido” - o(s) a(s) e “indefinido” – um(s), uma(s). Observa ser
necessário diferenciar, no caso dos indefinidos, quando essas suas formas
funcionarem como artigo, como numeral ou como “pronome” – e, para tanto, se faz
necessário observar os modos de significar destas formas indefinidas:
57
Do primeiro d’estes dois artigos (o(s), a(s)) ninguém duvida. Porém dosegundo duvida muitos, dizendo que é o mesmo que o numeral um, ou que odeterminativo vago um certo (quidam). É verdade que elle tem também estasacepções e usos. Porém quando elle exprime ou a unidade numeral ou aunidade de um individuo certo e determinado em mente, que não queremosnomear nem determinar, então não é artigo, e só o é quando toma o nomecommum individualmente sem o aplicar a um indivíduo ou a um mais que aosoutros. N’este sentido é que lhe damos plural, o qual não tem nem pode tercomo numeral. (SOARES BARBOSA, 1875. p.100)
A exemplificação dada pelo autor aponta para o fato de que a análise
gramatical desses usos deve atribuir relevo àquilo que o usuário quer fazer significar
pelo seu modo de dizer. Assim, diante de uma expressão do tipo: “um homem da
corte tem mais espírito e riqueza que um aldeão”, é preciso considerar que a forma
“um” não está funcionando para fazer remissão a um homem qualquer, concebido
genericamente, de modo a significar “Todo e qualquer ser humano”, pois o fato de
ele ser da corte, restringe a concepção de que pertence à corte. O fato de se poder
substituir “um” por “o” = aquele que pertence à corte, não assegura que essas
formas estejam funcionando como artigo, mas como determinativos de “pessoa”:
aquela de que se fala e, nesses casos são determinativos pessoais. Desta feita, o
gramático chama a atenção do seu leitor para o fato de não se dever considerar
apenas as formas das palavras, mas o conteúdo que essas formas arrastam
consigo, em relação ao seu funcionamento, pois é este que aponta para os
diferentes modos de significar. Logo, quando se trata de diferenciar artigo de
pronome, cujas formas se assemelham, esse é o critério a ser considerado.
Os pronomes pessoais, portanto, não se deixam descrever por um único
critério, pois a identidade das diferentes formas pronominais exige que se privilegie
não só a associação entre forma-função, mas também modos de significar.
Estabelecidos os critérios, acima, os pronomes pessoais são descritos como
determinativos pessoais que se classificam em primitivos e derivados e são definidos
em relação às pessoas do discurso e às funções do substantivo e do adjetivo: “os
determinativos pessoais são uns adjetivos que determinam os nomes a que se
referem, pela qualidade do personagem ou papel que fazem no ato do discurso, ou
da propriedade e posse relativa às mesmas personagens”, (p.104).
58
Considera Soares Barbosa que os papéis representados por uma ou mais
personagens no ato discursivo são três: o papel daquele que fala – a primeira
pessoa, representado em língua pelo “eu” ou “nós”; o papel daquele com que se
fala, representado em língua pelo “tu” ou “vós”, e o papel daquilo de quem (que) se
fala, representado em língua pelo ele (a) ou ele(s) (as).
A língua portuguesa, segundo esse gramático, tem onze pronomes pessoais
determinativos, dentre os quais seis são primitivos – aqueles que se referem a
apenas uma pessoa – eu e nós; tu e vós; ele e eles ou ela e elas, para o singular, ou
para o plural, respectivamente. O pronome “se” também está inserido na classe dos
“primitivos”; contudo, sempre empregado na terceira pessoa para o singular ou para
o plural, é designado pronome reflexo ou recíproco. Os derivados são em número de
cinco: meu(s), minha(s); teu(s), tua(s); seu(s), sua(s) para o singular ou para o plural,
respectivamente, e, quando se fala de muitas pessoas, têm-se: nosso(s), nossa(s) –
para a primeira pessoa, aquela que fala – e vosso(s), vossas(s) – para a segunda
pessoa, aquela com quem se fala: singular e plural, respectivamente.
Observa-se que, de modo geral, todos os pronomes são determinativos
pessoais, quer sejam primitivos ou derivados; contudo, apenas os primitivos são
declináveis, segundo Soares Barbosa, e “têm casos por conseqüência”. (p.105),
entretanto, opta por não adotar o ponto de vista dos gramáticos latinistas, mas
aquele dos gramáticos das Línguas modernas para quem os casos latinos têm
acepções particulares. Assim, abandona o tratamento fundado nas declinações por
meio de casos e passa a atribuir relevo:
às diferentes relações que um mesmo nome pode tomar para se ligar comoutra palavra no discurso, que sejam significadas pelas diferentesterminações ou casos dentro do mesmo número, quer pelas diferentespreposições que se lhe ajuntam em ambos o números para substituírem osmesmos casos. (SOARES BARBOSA, 1875. p.105).
Assim, elege o critério das “relações” ou da sintaxe para propor que a frase
portuguesa é ordenada pelo: a) sujeito – palavra que, por sua relação com outros
expressa o agente, ou o sujeito do verbo, é equivalente ao caso nominativo; b)
atributo – palavra que expressa, na sua relação com as demais, o atributo, ou o que
se afirma do sujeito; c) o complemento restritivo do nome – palavra que, precedida
60
Por conseguinte, os estudos gramaticais são aqueles que se voltam para o
produto das atividades de fala, fundados no uso adequado da língua, de modo a
facultar a compreensão da linguagem como processo que desencadeia ações,
inscritas nos atos de fala.
Os pronomes, desse modo, são sinais que se remetem às vozes por meio das
quais os homens constroem os seus discursos, dizem o mundo por eles
representado uns para os outros, para estarem uns com outros. (GUSDORF,1995).
Essas vozes, evocadas pelos sinais lingüísticos, quando analisadas se inscrevem no
fluxo das palavras empregadas. Analisar os pronomes pessoais é compreender as
vozes que falam por meio das estruturas lingüísticas, sem dissociar estas estruturas
de suas funções: significar o mundo representado em língua; logo, os estudos
gramaticais não se reduzem à morfologia e à sintaxe, pois eles abarcam a dimensão
semântica do que se diz em língua. Crê-se ser esse o ensinamento de Soares
Barbosa, quando considera a relevância dos modos de significar para se analisar as
funções das estruturas lexicais na dimensão das relações que ordenam o
pensamento humano, por meio das formas da língua portuguesa: fato
desconsiderado por nós, professores, quando nos propomos a ensinar gramática.
.
2.3 Os estudos gramaticais nos séculos XIX e XX
Os séculos XIX e XX tipificam-se como aqueles que respondem por
processos de recontextualização de modelos com que as questões lingüísticas
foram até então abordadas. Esse processo tem por marco a sistematização do ponto
de vista histórico com que os estudos no campo das ciências sociais vinham sendo
desenvolvidos dos quais resultaram publicações de periódicos. Também o
desenvolvimento de novas tecnologias, responsáveis pelo aprimoramento dos meios
de comunicação, garantirá a circulação de artigos e obras entre estudantes e
pesquisadores de diferentes universidades européias e americanas que, criadas
além e aquém do Atlântico, estenderão cada vez mais o ensino superior. Essa
estensividade no campo do ensino superior é acompanhada pela planificação de
61
projetos políticos que visam a dar a todos os membros das sociedades estatais
instrução primária. (LYONS,1971).
Nesse contexto de grandes mutações, os lingüistas do século XIX passaram a
desenvolver estudo comparado entre línguas diferentes, tendo por parâmetro
aqueles já realizados por missionários católicos e leigos sobre as línguas da Índia,
antes do século XIX. Assim, no século XVI, já se encontram registros sobre a
semelhança entre a estrutura do sânscrito e aquelas das línguas européias. Não se
pode negligenciar o fato de as guerras napoleônicas colocarem em contato a cultura
do ocidente com a do oriente e aquele imperador haver estimulado trabalhos de
caráter arqueológico no Egito e nos Bálcãs, quando essas regiões estavam sob o
domínio do Estado Francês. (ROBINS, 1983)
Assim, em 1803, Schlegel já iniciara (seus estudos) suas investigações sobre
o sânscrito e se tornara professor dessa disciplina na Universidade de Bonn, ao
mesmo tempo em que são criadas cadeiras para tal disciplina e para lingüística
histórica em outras universidades da Europa e da Prússia. Por conseguinte, quando
em 1786 Willian Jones afirma ser o sânscrito uma língua cuja estrutura é “mais
perfeita do que o grego, mais rica que o latim” e mantém com ambas grau de
afinidade, “tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais”, passa-se a
defender a tese de que a origem das línguas modernas não mais era aquela do
velho testamento: o hebraico. Desta feita, até meados do século XIX, a lingüística se
volta para o desenvolvimento desse ponto de vista histórico, centrado em questões
teóricas propriamente ditas e aqueles de caráter semântico, fonético e fonológico e
referente a um modelo de gramática descritiva, ou científica.
Desses estudos surgirão gramáticas históricas e os primeiros estudos
descritivos na área de fonética e fonologia, em razão da invenção de novas
tecnologias que facultavam a análise científica da onda sonora e uma classificação
mais precisa dos sons. O produto desses estudos contribuirá para aprimorar
classificações de análises fonológicas, até então fundamentadas no critério
articulatório dos sons vocálicos. Enfim, esse novo quadro responderá cada vez mais
por estudos descritivos, orientados pelo cientificismo positivista de que resultarão as
gramáticas descritivas dos sistemas lingüísticos e não mais da norma padrão ou
62
literária herdada dos gregos e dos latinos. Contudo, as gramáticas descritivas
possibilitaram revisão crítica da G.T.C (Gramática Tradicional Contemporânea) e,
consequentemente, revisão de seu modelo de descrição, conforme se apontará no
capítulo III desta Dissertação. Todavia, ela não deixa de incorporar esse ponto de
vista histórico, sem abandonar aquele dos gregos e dos latinos. Exemplos
significativos dessa fase são as gramáticas de Júlio Ribeiro e João Ribeiro: a
primeira privilegia até certo ponto a vertente histórica; a segunda, a vertente
descritiva que começa a ser desenvolvida no século XIX. Apresentam-se, a seguir,
os estudos desses dois gramáticos, ainda que se tenha focalizado o tratamento
pronominal apenas na gramática de Júlio Ribeiro, pois os aspectos relacionados ao
ponto de vista descritivo será objeto de estudo do Capítulo III, desta Dissertação.
2.3.1 Concepções Gramaticais do Século XIX: os pronomes pela gramática de
Júlio Ribeiro.
Julio Ribeiro (1881) mantém em sua gramática a mesma concepção de
linguagem postulada por Soares Barbosa – “intérprete da intelligencia, é um
instrumento de analyse” (p. 6) – e, assim, ao conceituar as classes de palavras,
afirma que elas
“(...) servem para distinguir os seres, os objetos, as qualidades, assubstancias reais e abstratas, as ações, os diversos estados das pessoas,das coisas, todas as manifestações da vida, todos os phenomenos, atémesmo os que caem sob o domínio da imaginação e do futuro, o contingente,o absurdo, o impossível (...) as relações innumeráveis de tempo e de logar,de gênero e de espécie, de número e de qualidade, de causa e de causa eefeito (...)” (p.61 e 62). Todavia, o objetivo de Julio Ribeiro é operar com a“exposição methódica dos fatos da linguagem (...), visto que a função de umagramática não é o de fazer “leis e regras para a linguagem”, mas expor demodo ordenado tais fatos para serem aprendidos com facilidade” (p.1).
Postula esse gramático não ser objeto dos estudos gramaticais a correção da
linguagem, visto que muitos são aqueles que conseguem falar e escrever
corretamente, observando e apreendendo tão somente o uso que pessoas instruídas
fazem da língua; logo, sem ter freqüentado curso gramatical. Pressupõe, assim, que
a aprendizagem do bom uso é decorrente do meio social; entretanto, não deixa de
63
considerar o fato de que a descrição sistemática do “bom uso” precisa ser
explicitada por procedimentos metódicos registrados em compêndios gramaticais,
para facilitar tal aprendizagem. Pondera que o domínio das regras gramaticais
contribui para a auto-correção daqueles que aprendem mal a sua língua, mas insiste
em que a aprendizagem da gramática do bom uso está, inexoravelmente, associada
ao exercício da fala, quer oral ou escrita. Observa que tal exercício, no que se refere
à fala escrita implica a leitura proficiente do texto poético; razão por que a gramática
é concebida como meio para se alcançar tal objetivo.
Nessa acepção, a posição de Julio Ribeiro se opõe à daqueles que elaboram
leis ou regras apriorísticas a serem impostas como corretas, ou seja, esse gramático
se contrapõe à prescrição. Por conseguinte, tal qual Julio Ribeiro, João Ribeiro não
visa a elaborar mais um manual de gramática, mas construir uma gramática fundada
nos princípios científicos que emergem no século XIX.
A distinção entre ambos está no fato de Julio Ribeiro considerar a relação
entre língua e sociedade e João Ribeiro (1893) postular que a língua é um
organismo autônomo “e não produto do capricho ou do acaso” (p.116). Embora
ambos sejam comparativistas, Julio afirma que as transformações lingüísticas se
devem a leis cegas e necessárias decorrentes da evolução das sociedades e, por
serem cegas e necessárias, não há exceção para elas:
(...) As irregularidades, os idiotismos, os dizeres íntimos de uma língua sópelo estudo histórico comparativo podem ser postos à luz, explicadas,solvidas (...) Os verbos chamados por muitos gramáticos accidentalmenteirregulares soa verbos perfeitamente regulares... (p.349 e 129).
Afirma-se, assim, que as mudanças lingüísticas decorrem do fato de elas
serem organismos sociais que, à semelhança das “(...) espécies que povoam o
mundo (...) estão sujeitas à grande lei da luta pela existência, à lei da seleção”.
(p.135). A esse processo evolutivo está associado o pronome culturalmente inscrito
nas matrizes da história do homem que as línguas arrastam consigo; logo, “(...) o
estudo da linguagem diz-nos muito sobre a matriz e a história do homem”. (p.2).
64
A seleção nas espécies – organismos novos – e não línguas – organismos
sociológicos – respondem pela variação lingüística, sendo os dialetos “obra dos
meios e dos costumes”. Contudo, apesar das variações e variedades lingüísticas,
toda língua “viva” descende das línguas “mortas” de mesma raiz. Desta feita, têm-se
as línguas vivas, o português, e as línguas mortas, o latim, por exemplo.
O procedimento metodológico de que faz uso Julio Ribeiro para descrever os
fatos gramaticais é o mesmo de João Ribeiro, qual seja: busca explicitar as regras
do bom uso, tornando como parâmetro os textos escritos nesse registro. Tem por
ponto de partida a descrição das letras, operando com o fonema para chegar à
palavra e desta para a frase. Esse procedimento indutivo é o mesmo empregado
pelos nossos gramáticos tradicionais contemporâneos, também no tempo presente.
Os pronomes são descritos como classe de palavras que se usa no lugar dos
substantivos ou dos adjetivos; razão de ser dos pronomes substantivos ou adjetivos
– posição assumida por Soares Barbosa e, até hoje, por nossos gramáticos
tradicionais.
Os chamados pronomes demonstrativos, relativos, possessivos e indefinidos
são descritos como adjetivos determinativos e são relacionados, quanto à sua
origem, ao latim e ao grego, devendo-se considerar que:
a) alguém, nenhum, tal, tanto, todo, qualquer, cada um, certo, mais, menos,
mesmo, muito, só são adjetivos determinativos;
b) alguém, ninguém, nada beltrano, fulano, sicrano são pronomes adjetivos (p.
176-178);
c) eu, tu, ele(a), nós, vós, ele(s), ela(s) (caso nominativo) são pronomes
substantivos, à semelhança e me, mim, comigo; te, ti, contigo; se, si consigo;
o, a, se, lhes (dativo).
Na parte referente à sintaxe, Júlio Ribeiro diferencia os pronomes quanto às
suas funções e observa que os pronomes designados por adjetivos, por adjetivos
determinativos classificam-se como:
65
a) adjetivos determinativos conjuntivos – os relativos que e qual
antecedidos ou não de preposição. No caso de cujo (a, s) é preciso
considerar a sua significação possessiva (p. 243);
b) adjetivos determinativos indefinidos – funcionam de modo a:
• b.1) completar nomes de número. “quando não se sabe ao certo
quantas as dezenas ou as unidades – Comprei trezentos e tantos
galinhas” (tantas (os) ou muito(s), muita(s);
• b.2) tudo pode funcionar como advérbio em situações como “Sou todo
ouvidos”, ou Deus é todo (ou só) bondade;
• b.3) os adjetivos determinativos possessivos e os indefinidos –
algum(ns), nenhum, qualquer, quaisquer, tal (is), tanto(s), todo(s) –
muitas vezes são propostas ao substantivo: livro meu, poder algum –
poder nenhum;
• b.4) responder pela formação de comparativos e superlativos: Pedro é
mais (menos) alto do que João; Pedro é muito rico; e de correlação: tal
pai, tal filho; tantas cabeças, tantas situações. (p. 245 e 246).
No que se refere aos pronomes substantivos descreve as suas funções
subjetiva, (sujeito), objetiva (objeto direto e indireto) e objetiva adverbial (adjunto
adverbial como tendo comigo = em companhia de).
Pode-se afirmar, numa síntese, que com os estudos de Julio Ribeiro, as
matrizes que servirão de fundamento para a classificação dos pronomes da língua
portuguesa, inscritos nos registros contemporâneos das descrições propostas pelas
nossas gramáticas tradicionais, se tornam sistematizadas. Observa-se que, embora
a terminologia empregada pelos autores tenha sido alterada – Lexicologia por
morfologia: estudo da palavra quanto a seus elementos mórficos; kampenomia ou
ptoseonomia por flexão de gênero e número: estudo da variação da palavra, quanto
à variação flexional, para classificá-los (taxionomia), quanto às suas formas no
masculino e/ou feminino; no singular e/ou plural – esses critérios taxionômicos foram
mantidos, bem como a classificação dos pronomes em substantivos e adjetivos.
Posto isso, consideram-se os estudos gramaticais desenvolvidos por nossos
gramáticos tendo por marco a nomenclatura gramatical brasileira (NGB).
66
2.4 As Gramáticas e os Parâmetros da Nomenclatura G ramatical (NGB)
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) tipifica-se como um documento
oficial elaborado por uma comissão que, designada pelo professor Clóvis Salgado –
ministro da Educação do governo do presidente Jucelino Kubitschek – foi formada
pelos professores Antenor Nascentes, Cândido Jucá (Filho), Carlos Henrique Rocha
Lima, Celso Ferreira Cunha, Clóvis do Rego Monteiro, assessorada pelos
professores Antônio José Chediak, Serafim Silva Neto e Sílvio Edmundo Elia. O
objetivo da comissão era propor encaminhamento para solucionar dificuldades e
divergências referentes à concepção e classificação dos termos gramaticais, ou
seja, traçar parâmetros capazes de uniformizar a nomenclatura e/ou taxionomia
morfológica e sintática registrada nas gramáticas brasileiras. Assim, as questões
eram de caráter terminológico e abarcavam pontos vista teórico-metodológicos; pois,
como afirma Saussure, se o ponto de vista cria o objeto, a mudança do ponto de
vista implica a construção de outro objeto e, conseqüentemente, de procedimentos
metodológicos para focalizá-lo.
A solução encontrada pelos membros da comissão foi eleger
parâmetros da sintaxe, posto que esses modelos categoriais têm maior grau de
estabilidade do que a semântica, por exemplo, para unificar e simplificar a
nomenclatura gramatical. Assim, afirma Duarte (2003), o projeto proposto
apresentava inevitáveis inadequações ou deficiências, visto impossibilitar um
tratamento capaz de dar conta da dinâmica da língua. Contudo, esse foi o caminho
encontrado por aqueles estudiosos para promover maior simplicidade e harmonia no
ensino da língua portuguesa. Desta feita, o projeto entrou em vigor pela portaria nº
15/57, de 28 de janeiro de 1959.
Os gramáticos pré – NGB, orientando-se pelo critério dos “modos pelos quais
as palavras significam”, quando tomados os complementos verbais preposicionados,
consideravam os seguintes tipos de complementos verbais: “(...) objeto indireto
propriamente dito, em geral encabeçado pelas preposições “a” ou “para” (escrevi
aos pais), o complemento partitivo, em geral encabeçado pela preposição “de” (a
67
ameaçar alguém de alguma coisa).” (BECHARA, 1997. p. 206). O relevo atribuído ao
critério sintático, em detrimento do semântico, segundo Bechara, faz com que se
considerem frases do tipo: Queixou-se dos maus tratos ao diretor, como sendo
constituídas por dois objetos indiretos, na medida em que, tanto “maus tratos quanto
“o diretor” são complementos precedidos de preposição: marco para se diferenciar
objeto direto de indireto.
Tais impropriedades se fazem extensivas a verbos como “ir”, “voltar” que,
embora classificados como intransitivos pelos gramáticos pós NGB, exigem o
advérbio como complemento necessário. Para Bechara (1997), seria mais prudente
que se considerasse tais verbos como “transitivos adverbiados” e se postulasse que,
nesses casos, os advérbios funcionam como complementos verbais e não como
termos acessórios. Reitera esse seu argumento observando que se, por exemplo,
em “A ida a São Paulo ou a Volta do trabalho”, têm-se as designações “São Paulo” e
“trabalho” funcionando como advérbios que completam o sentido dos verbos “ir a” e
“voltar de”, razão pela qual são considerados complementos nominais”, o mais
sensato seria considerar essas mesmas expressões que se seguem aos verbos ir e
voltar complementos de verbos transitivos adverbiados. Tal procedimento garantiria
que se considerasse o fato de a transitividade não ser apenas um traço qualificador
dos verbos, mas também dos nomes, principalmente quando tais nomes são
construídos na deriva do verbo.
Para Turazza (2002), as impropriedades, acima apontadas, não são mais ou
menos significativas do que as decorrentes da classificação dos verbos em “(...)
verbos de sentidos absolutos e verbos de sentidos relativos (...) que levava a
misturar, mais do que hoje, verbos de campo semânticos distintos” (p.38). Contudo,
afirma a autora, a classificação proposta pela NGB não pode deixar de ser
considerada fonte de vários problemas, para o ensino dos fatos gramaticais.
Entende-se que tais questões são objeto de inadequação, quando o professor não é
um conhecedor da língua que busca ensinar, ou seja, quando focaliza os
conhecimentos gramaticais de forma unidisciplinar e não transdisciplinar, conforme
proposto por Quintiliano. (cf. cap.I. p. 21). Logo, o professor precisa ter um
conhecimento mais vasto do objeto que deve ensinar, maior domínio dos fatos
lingüísticos que não se dissociam dos fatos de linguagem, cuja compreensão exige
68
reflexão crítica. Tal conhecimento decorre do domínio de diferentes pontos de vista
teóricos sobre os fatos gramaticais.
2.4.1 Os pronomes por Carlos Eduardo Pereira – par âmetros Pré NGB
Pereira (1945) explicita, no prólogo da sua Gramática Expositiva, a ruptura
entre conhecimentos gramaticais herdados do passado e aqueles mais recentes
registrados na gramática de Júlio Ribeiro:
(...) romperam-se os velhos modelos e estabeleceu-se largo conflito entre aescola tradicional e a nova corrente (...) A certeza das teorias pede meças ánovidade desorientadora do método expositivo e á exuberância da tecnologiaobstrusa e cansativa (PEREIRA, 1945. p.9).
Nesse contexto, considera a necessidade de o professor de língua materna
buscar construir caminhos próprios, de modo a fazer compreender que a sua
gramática é produto do esforço do professor. Logo, foi esse modelo situacional que
levou à elaboração da NGB: “(...) na incerteza e deficiência de nossa legislação
gramatical, sentimos necessidade de nos pôr em contato com a língua viva de
pessoas cultas”. (p. 13).
Nessa acepção, a língua é concebida como fato social, não dissociada da
fala, cujas normas não podem ser dadas a priori, como afirma o autor, aquelas
produzidas em gabinetes, ao sabor dos gramáticos. Entretanto, não se deixa
ressaltar a necessidade de “um conhecimento perfeito da língua materna”. Assim, os
numerosos fatos gramaticais devem ser expostos por meio de um corpo harmônico e
simétrico de teorias convergentes, capazes de alargar a compreensão da língua na
sua dimensão da fala.
Afirma que o método expositivo de que fará uso tem por fundamento o
princípio da multiplicidade (variedade de usos) e o da mobilidade dos fatos
gramaticais e, para tanto, propõe “não partir a gramática em pequeninos”, ou seja,
dividir e subdividir as partes dos seus elementos constitutivos, pois tal procedimento
69
impede a clareza da compreensão. Para tanto, os fatos gramaticais devem ser
expostos de modo a não se perder a unidade do todo ao qual eles se integram.
A gramática de Pereira toma a palavra como matriz dos fatos da linguagem e
a situa por dois pontos de vista: isolada e combinada umas às outras, quando se
fazem elementos constitutivos da frase. Seus estudos gramaticais se organizam em
duas partes: a Lexeologia e a Sintaxe. A Lexeologia abarca a expressão dos fatos
fonéticos e fonológicos, ortográficos e morfológico
70
a) conjunção propriamente dita – Nunca esperes que te faça o teu amigo o que tu
puderes; b) adjetivo interrogativo – Que tesouro tão precioso será esse, meu irmão?;
c) adjetivo indefinido – E que de enigmas que hão de ali solver-se; d) advérbio – Que
(quão) alegre estava o espírito do criador!; e) interjeição – Que! Vós fareis dos
defeitos de vosso irmão um objeto de passatempo?; f) pronome interrogativo – Que
leva aí consigo?; g) pronome conjuntivo: os relativos que, quem, propriamente ditos;
h) adjetivo qualificativo – Qual o rei, tal a grei; i) pronome possessivo: cujo, cuja; i)
conjuntivos interrogativos – Que horas são? Quem és tu? ; i) e possessivos meu,
teu, seu, nosso, vosso....
Numa síntese, pode-se afirmar que, para Pereira (1945), os pronomes
adjetivos tanto são aqueles empregados no lugar dos substantivos, sempre que se
faz uso da terceira pessoa gramatical - caso dos interrogativos, dos indefinidos, por
exemplo – ou que acompanham o substantivo para estenderem a sua significação –
a mesma função dos determinantes. Logo, os pronomes adjetivos não só podem se
remeter à concepção de nome, quando não têm sua significação estendida, mas
também reunir, ainda, a função de um adjetivo determinativo: aquilo de que gosto =
aquele alimento, ou aquele objeto. O autor afirma serem pronomes todos os
adjetivos determinativos que não têm, na estrutura frasal, um substantivo “claro”,
como por exemplo: Os que dizem e não fazem....; Muitos vivem, outros morrem;
Todos gritam, ninguém tem razão; Ele é tal qual eu esperava. Justifica a
classificação da qual faz uso por meio de informações diacrônicas, observando que
os pronomes o, isto, isso, aquilo, tudo, algo, nada...- são formas que correspondem
às formas antigas neutras dos adjetivos; contudo, com o desaparecimento do gênero
neutro dos substantivos, em língua portuguesa, esses adjetivos assumiram função
pronominal. (p. 119).
Os pronomes pessoais, como substitutos dos substantivos, são explicados
como aqueles que carregam consigo resquícios dos casos latinos e, classificados
como pronomes do caso reto, porque equivalente ao caso nominativo latino; e do
caso oblíquo: os equivalentes aos casos latinos acusativo, dativo, ablativo. Dentre
todos esses tipos de pronomes, o autor se detém a expor longamente para o seu
leitor o pronome reflexivo “se”. (p.328-338). Ressalta que palavras do tipo fulano,
beltrano, sicrano, a gente, bem como os pronomes de tratamento são, efetivamente,
71
pronomes pessoais de 3ª. pessoa. Observa-se que tal classificação pronominal não
se dissocia daquela proposta por Soares Barbosa.
A definição de pronome pessoal que apresenta ao leitor não se dissocia
daquela do substantivo: “palavra que tem por função designar os seres pelas suas
relações com a pessoa gramatical” (PEREIRA, 1945. p. 116) e, nesse sentido, esses
pronomes são substantivos e não adjetivos como os acima mencionados. Logo, a
classificação dos pronomes tem por parâmetro a classe do nome; contudo, eles não
podem ser compreendidos apenas como palavras que substituem os nomes
substantivos ou que se usam adjuntos a estes, visto que, ao mesmo tempo, os
pronomes pessoais indicam a posição, o foco com que o nome é empregado em
relação ao ato de fala, ou do uso de tais palavras:
Quando falamos ou escrevemos, as pessoas ou coisas mencionadas nodiscurso entram em uma das seguintes classes relativas ao ato da palavra:1ª. pessoa que fala; 2ª. pessoa com quem se fala; 3ª. pessoa de quem sefala. Chamam-se estas classes PESSOAS GRAMATICAIS, e denominam-sePRONOMES PESSOAIS as palavras que as representam. (PEREIRA, 1945.p. 116).
As concepções acima apontam para o leitor que os pronomes pessoais não
podem ser compreendidos por uma relação unívoca de equivalência com a pessoa
humana, mas sim quanto ao fato de tal pessoa, por ser dotada da competência de
linguagem, poder se auto - representar em língua como aquele que fala – locutor ou
enunciador – e, ao mesmo tempo, representar o outro, aquele com quem se fala e
aquilo ou aquele de que se fala. Para a lingüística contemporânea esse processo de
representações se inscreve no produto de enunciações, ou seja, nos enunciados, e
é reconstruído pelo leitor como quadro enunciativo, por meio de sinais léxico-
gramaticais que ele reconhece, na medida em que tais sinais integram-se ao seu
repertório cultural. Assim, as pessoas gramaticais fazem remissão às pessoas que
estão envolvidas no quadro enunciativo (interlocutores), mas não equivalem a elas,
na medida em que estão ali representadas, em língua.
Para Mangueneau e Charadeaux (2006), tanto o que a tradição gramatical
designa por discurso direto, quanto por indireto, nos registros escritos se qualifica
sempre como “discursos citados”. Assim, o discurso que se materializa em língua
72
escrita é aquele em que a pessoa do enunciador toma por objeto de seu ato
enunciativo o discurso de outrem e o enuncia a um seu interlocutor: Paulo disse
que...... Quando Maria chegou, afirmou......., começou a brigar e disse....... Nesse
caso, aquele que fala relata não só o que o outro fez e/ou disse. Também pode
ocorrer em relação ao que se denomina por discurso indireto, de o enunciador
modalizar a sua enunciação, apresentando-a como uma segunda em relação a outro
discurso: Se eu puder acreditar no que ele disse, só posso afirmar que Maria não
veio por estar doente; Como se diz, hoje, estou de pavio curto. Não me aborreça. No
caso do discurso direto, também se tem o mesmo processo: representa-se, em
língua escrita, discurso no qual o enunciador pode estar representado como um dos
locutores de uma interação face a face, ou não; contudo, trata-se de um discurso
citado ou reinterpretado, pois na escrita, o que se registra é o que se viveu, podendo
aquele que fala se fazer representar como aquele que enuncia, porque é o senhor, o
autor da fala, ou se ocultar sobre a fala de outrem.
O uso, por Pereira, dos termos pessoas gramaticais e pronomes pessoais, em
maiúscula, não deixa de chamar a atenção do leitor para tais questões. Desta feita,
ele é o único gramático pesquisado que usa o termo “posição”, quando trata dos
pronomes pessoais, pois a posição do sujeito gramatical, na dimensão frasal, pode
equivaler a diferentes posições assumidas pelo enunciador de um discurso: aquele
que fala por sua conta e risco, ou aquele que fala pela voz de outros.
A correlação necessária entre o nome e o pronome não deixa de pressupor
que, se por um lado, os pronomes asseguram grau de precisão aos significados dos
nomes substantivos, na medida em que os qualifica e os tipifica _ Esse livro é o meu
e não o seu: o conceito de livro está modalizado qualitativamente pelo valor de
posse, mas também indicia o fato de “aquele com quem se fala” haver se apossado
do livro que pertencia àquele que lhe fala, por engano ou por esperteza. O fato de o
enunciado ser frasal, não possibilita afirmar por qual razão, mas permite pressupor
que, caso eles sejam iguais, trata-se de engano; se iguais, mas um está preservado
e o outro não, ou se diferentes, trata-se de esperteza. Por conseguinte, nessa
relação entre o nome e o pronome com valor adjetivo e entre o que se fala, aquele
que fala e aquele com quem se fala edificam-se posições assumidas no mundo da
73
vida pelos interlocutores: posição de quem se engana ou de quem é esperto,
reconhecida por aquele que fala e que também é possuidor de um livro.
Contudo, o lugar ocupado pelas designações léxico-gramaticais na estrutura
oracional da frase enunciada apenas apontam, sinalizam para modelos de
organização de informações ou conhecimentos que se busca representar, por
exemplo: Chamei Paulo, para lhe dizer que ele pegou o meu livro, pensando que
fosse o dele – para afirmar que Paulo se enganou, ou, se ele foi esperto ao proceder
de tal forma, tem-se uma frase irônica: dizer X para informar Y. Nesse caso, é
preciso saber quem é Paulo e como ele costuma proceder no mundo da vida: o
sujeito a enunciação se coloca como sujeito do enunciado: uso do verbo chamar
flexionado em primeira pessoa gramatical, mas é aquele que se faz fonte da ação do
chamamento que está sendo relatado: sujeito gramatical tem equivalência com o da
enunciação representado em língua; o sujeito que participa do quadro da
enunciação, na posição de ouvinte do chamamento, Paulo, é aquele sobre o qual
incidirá a ação de chamar, ou seja, é o sujeito evocado e invocado para destrocar o
livro que pegou por engano ou por esperteza. O uso do pronome “lhe” precedido do
para, reitera o sujeito invocado, mas apenas para informar sobre a finalidade do
chamamento: trocar os livros.
A substituição de Paulo por “o”, por exemplo, em nada altera essas relações
significativas; mas, o seu uso exige que se tenha enunciado antes “Paulo”. São
essas posições e esses lugares que facultam tais interpretações; para tanto, não se
pode desconsiderar os valores semânticos dessas estruturas em funcionamento,
como afirma Bechara (1997), ou seja, as classificações sintáticas não podem apagar
aquelas referentes à semântica. Contudo, a semântica da frase, não é a semântica
do texto; razão de se ter de pressupor significações decorrentes de porções mais
extensivas do saber enciclopédico mais extensivo, que a dimensão frasal não
abarca – saber quem é Paulo, como ele procede no mundo – ou aquelas que são
indexadas às frases enunciadas como decorrentes do modelo situacional – se Paulo
agiu por engano ou por esperteza. Nesse último caso, apenas o texto trará índices
capazes de facultar escolher uma ou outra como adequada.
74
Nessa acepção, Pereira (1945) aponta para a necessidade de estudos
gramaticais que levem em consideração a noção de pessoa para além de aspectos
meramente estruturais. Tais estudos teriam caráter transfrástico, mas não deixariam
de estender a concepção de gramática para a dimensão dos usos que se faz da
língua para representar fatos interpretados pelos usuários e, assim procedendo, os
conhecimentos gramaticais seriam focalizados como meio e não como um fim em si
mesmo. Desse dialogo estabelecido entre Pereira e os estudos contemporâneos,
pode-se, ainda, melhor precisar as concepções que são fundamentais para o estudo
dos pronomes, na atual contemporaneidade, como: “lugar” e “posição”:
Lugar - espaço ocupado pelo enunciador numa dada enunciação – momento único,
calcado no pressuposto da subjetividade – um eu e um tu no aqui agora;
Posição - espaço ocupado pelo enunciador, também na cena enunciativa, mas numa
perspectiva que lhe promova uma focalização transitória dada pelo próprio
movimento dialógico da enunciação. Assim, o ocupar um lugar é prescrever
convenções institucionalizadas, tanto em nível social, quanto econômico, cultural
etc. A posição está relacionada ao inserir-se no lugar prescrito por convenções
sociais, culturais etc., e por meio dessa inserção, optar por um modelo de
focalização que possibilite um novo olhar. Dessa forma, o ficar no lugar de um nome,
por exemplo, é assumir a convenção dada por meio desse nome – um
direcionamento em termos lingüísticos, gênero, número etc.
Por outro lado, o posicionar-se permite uma visão mais ampla, que abarca
tanto o lugar institucionalizado quanto a transição enunciativa que permite, na
dinâmica do aqui e agora, uma mudança em níveis subjetivos e intersubjetivos.
Nessa acepção, por mais que o outro assuma a posição do Eu, este outro, jamais
será o mesmo eu e este eu nada mais será que a projeção de um nome assumido
no momento da enunciação.
75
2.4.2 Os pronomes por Evanildo Bechara – parâmetros Pós - NGB
O professor Evanildo Bechara, gramático de formação filológica, tem
incorporado em suas obras gramaticais muitos dos resultados das investigações
lingüísticas desenvolvidas em nossa contemporaneidade, para fazê-las chegar até
os professores do Ensino Fundamental e Médio. Adere, portanto, aos avanços da
modernidade, mas de forma ponderada, por entender que “não se rompe de vez
com uma tradição secular: isto explica por que esta Moderna Gramática traz uma
disposição da matéria mais ou menos conforme o modelo clássico (1997, p.21).
Entende, portanto, ser a gramática tradicional contemporânea produto de fatos
culturais, continuamente recontextualizados, mas não abandonados, na medida em
que o moderno só se explica em relação ao não moderno, tanto quanto o presente
se explica por conjugar passado e futuro. Assim, seu trabalho no campo da
gramatologia não pode ser qualificado como avançado e tampouco como tradicional.
Por conseguinte, encontra-se nessa sua obra “um tratamento novo para muitos
assuntos importantes que não poderiam continuar a ser encarados pelos prismas
por que a tradição os apresentava”. (p.21).
Nessa perspectiva, a Moderna Gramática do Português: 1º. e 2º. Graus
(1997) é organizada, tanto quanto todas as outras que seguem os preceitos da NGB,
em três partes: Fonética e Fonêmica, Morfologia e Sintaxe; entretanto, a elas se
seguem noções elementares de Semântica, Estilística e Versificação. Os estudos
pronominais situam-se na Morfologia, como uma das classes de palavras da língua
portuguesa e, na sintaxe, como função exercida por tais palavras que, articuladas a
outras pelo exercício da fala, organizam-se por estruturas oracionais definidas como
“a menor unidade de sentido do discurso com propósitos definidos”. (p.194).
Os pronomes são definidos, no âmbito da Morfologia, como unidades de
expressão que designam os seres sem dar-lhes nomes e tampouco qualidade, na
medida em que apenas indicam as três pessoas do discurso: a que fala = 1ª.
pessoa; a com quem se fala = 2ª. pessoa e a pessoa ou coisa de que se fala = 3ª.
76
pessoa. Tal definição indica uma concepção de palavra como signo que, na
dimensão da fala se faz apenas sinal para se remeter a designações de pessoas ou
coisas, designadas em língua. Aponta ela para o fato de a classe dos pronomes ser
desprovida de conteúdo semântico, visto designar sem nomear ou qualificar, quando
tomada isoladamente, na dimensão da palavra fora do uso. Por conseguinte, trata-
se de uma classe de palavras do léxico, cujo(s) significado(s) é (são) construído(s)
pelos falantes ou usuários da língua, quando empregadas nas atividades de fala, de
modo a se remeterem à situação de interlocução: “é uma classe de palavras que se
refere a um significado léxico indicado pela situação ou por outras palavras do
contexto”. (BECHARA, 2001. p.132).
Observa-se que o autor afirma ser o significado da classe dos pronomes
decorrente do modelo de situação ou contexto, fazendo equivaler a situação de
interlocução ao contexto e este se explica por modelos de organização de
conhecimentos enciclopédicos da memória social de longo prazo que é sócio-
histórico-cultural. O contexto, assim concebido, se explica pela concepção de
conhecimentos prévios, ao qual as palavras dotadas de significado se remetem
como recortes: porções de conhecimentos de mundo, lingüisticamente designadas
por palavras; logo, as palavras seriam pedaços de conhecimentos de mundo que
facultam falar o mundo, conclui Turazza (2006). É nesse sentido que definidos
como palavras que substituem os nomes, os pronomes, aos substituí-los arrastam
para si os significados dos nomes substituídos e, por esse movimento, os qualifica
como anafóricos, funcionando no discurso como recurso que assegura a progressão
semântica do texto, ou da sua referência tematizada, conforme se buscará explicitar
77
Considera que os pronomes, do ponto de vista semântico, exercem função
dêitica: “apontam para o modelo de situação ou de contexto”, de sorte que, assim
funcionando, eles são verdadeiros “gestos da linguagem”, inscritos nas matrizes da
língua. Esses gestos verbais, para o gramático, na medida em que indicam são
dêiticos e, na medida em que fazem referência ao contexto, “como é o caso dos
pronomes relativos (...) indica um elemento presente ao falante”. (BECHARA, 2001.
p.132). Assim, tomando como ancoragem o pronome relativo que tanto responde
pela conexão entre orações de estruturas frasais como, por retomadas do já
enunciado, para fazer progredir semanticamente o conteúdo do dito, classifica a
dêixis em anafórica – aquela que aponta para elemento já enunciado, ou catafórica –
aquela que aponta para elemento não enunciado ou não presente na microestrutura
do texto-produto.
Também é na sua Gramática Escolar que Bechara recontextualiza a
concepção de terceira pessoa do discurso, pelos fundamentos da teoria da
enunciação de Émile Benveniste (1976), afirmando ser ela uma pessoa
indeterminada que apenas “aponta para outra pessoa ou coisa em relação aos
participantes da relação comunicativa”. (BECHARA, 2001. p.132). Benveniste não a
considera pessoa indeterminada, mas uma “não pessoa”, visto que para esse autor:
<<Eu>> designa quem fala e implica ao mesmo tempo um enunciado sobre<<eu>>: ao dizer <<eu>>, não posso deixar de falar de mim. Na segundapessoa, <<tu>>é necessáriamente designado por <<eu>> e não pode serpensado fora de uma situação enunciada a partir do <<eu>>;simultaneamente, <<eu enuncia qualquer coisa como predicado de <<tu>>(BENVENISTE, 1976. p. 166).
A primeira e a segunda pessoa, concebida pelo jogo da interlocução, só
existem por referência à outra, na relação de reciprocidade da fala, de modo que
não se pode eliminar essa relação de gemeidade. A terceira pessoa é identificada
em relação a tal jogo, pois só se afirma fora da relação eu�tu e, portanto, se
constitui no nível da conjugação verbal. Essa mesma compreensão leva Bechara
(2001) a afirmar que os pronomes pessoais designam apenas as duas pessoas do
discurso e a não pessoa: o não eu e o não tu, embora a tradição gramatical afirme
ser a não pessoa uma terceira pessoa. Observa o autor, em nota de rodapé, o fato
78
de se poder fazer uso da segunda pessoa de modo impessoal, quer no uso escrito,
quer no oral, em enunciados do tipo: Daniel a situação comigo está difícil. Chega um
momento em que você (= eu, a gente (nós) impessoalizado) não sabe o que fazer.
Nesse caso, conforme já explicitado, trata-se de o locutor que detém a palavra dela
fazer uso de modo estratégico para se situar no lugar do tu: não só evocá-lo, mas
dividir com ele responsabilidades sobre o que diz, ou seja, partilhar a autoria do dito.
(MANGUENEAU, 2006).
Observados esses pontos de vista da lingüística contemporânea, o gramático
focaliza a taxionomia tradicional pós-NGB e classifica os pronomes em substantivos
e adjetivos. Aloca e qualifica os pronomes pessoais do caso reto e oblíquo como
pronomes substantivos, já os demais – possessivos, demonstrativos (abarcando, a
rigor o artigo definido), indefinido (abarcando a rigor o artigo indefinido),
interrogativos e relativos - tanto podem exercer a função de substantivos, quanto de
adjetivos, pois há aqueles que podem exercer ambas as funções. Assim, em casos
como: Meu livro é melhor que o seu – o pronome possessivo “seu” é empregado em
referência ao substantivo “livro”, mas como todo pronome possessivo, não só indica
o valor semântico de posse, em referência à pessoa possuidora; razão pela qual
ambos (meu e seu) devem ser considerados adjetivos. Contudo, em usos do tipo:
Isto é melhor do que aquilo – quando os pronomes não se remetem a qualquer
substantivo, mas estão no lugar que seria por ele ocupado, têm-se pronomes
substantivos.
O tratamento dos pronomes no capítulo referente à sintaxe, afora as
considerações já apontadas, registradas em nota de rodapé sobre os problemas
advindos da NGB, não acrescenta revisão por meio de
79
2.5 Algumas considerações finais
É possível considerar que a pesquisa registrada neste segundo capítulo
aponta ser a Gramática Normativa da Língua Portuguesa ou Tradicional
Contemporânea produto de variadas interpretações da língua portuguesa que têm
por fundamento os estudos da linguagem no fluxo de um tempo em que o povo
português se constituiu como Estado de uma das Nações ibéricas. No século XVIIII,
ela se recontextualiza e se renova ao se estender o modelo descritivo da palavra
para aquele da frase, sistematizando conhecimentos produzidos pela filosofia
escolástica ou medieval.
No século XIX, esse movimento de renovação dos conhecimentos gramaticais
está registrado nas Gramáticas de João Ribeiro e de Júlio Ribeiro que trazem
consigo a produção de conhecimentos dos comparativistas que defendiam serem as
línguas produtos da história de um povo fundador de uma nação e, ainda serem elas
organismos vivos que nascem crescem e morrem. Assim, se por um lado, as línguas
eram fatos sócio-históricos, por outro, elas também eram sistemas orgânicos
degenerativos que tinham a história como inimiga, pois na linha do tempo, assistia-
se à decomposição delas; razão de o latim ser uma língua morta e o português, uma
língua viva (JOÃO RIBEIRO, s/d e JÚLIO RIBEIRO, 1881). O fato de não se haver
proposto um tratamento de caráter histórico, mas historiográfico, para a abordagem
dos pronomes, fez com que se deixasse de focalizar essa classe de palavras quanto
à sua origem latina. Entretanto, João Ribeiro, excluindo o foco eminentemente
histórico com que focaliza as questões da língua portuguesa, não descreve os
pronomes, quanto à definição, classificação e suas funções frasais, de modo
diferenciado da descrição proposta por Júlio Ribeiro. É o ponto de vista teórico que
diferencia esses dois comparativistas, pois ambos mantêm para o tratamento dos
pronomes um procedimento metodológico semelhante ao de Jerônimo Soares
Barbosa, pois tanto um quanto o outro postulam ser a língua um instrumento que
faculta representar o pensamento, o que assegura procedimento semelhante para o
tratamento dessa e de outras classes gramaticais.
80
No século XX, mantém-se a concepção de sistema como hipótese teórica
para o tratamento das línguas; contudo, esse sistema deixa de ser focalizado como
um dado natural e passa a ser concebido como um dado social; contudo, destituído
de contexto historiográfico e, conseqüentemente, do ponto de vista humanístico
herdado da tradição. Para Lobato (1978), como decorrência dessa cisão, passa-se a
compreender e a se postular que a gramática do sistema - uma estrutura imanente,
capaz de descrever todas as normas ou variação de usos de um único sistema – por
ser científica se sobrepõe à pedagógica, de caráter acientifico, porque
fundamentada em princípios da filosofia clássica que não se deixaram sistematizar
pela lógica da razão pura., mas que arrasta consigo princípios de racionalidade.
Poder-se-ia afirmar que o século XX assiste à cisão entre gramáticas gerais: aquelas
que facultam descrever os sistemas, e gramáticas particulares: aquelas que facultam
descrever os idiomas desses mesmos sistemas como são a gramática do português
de Portugal, a do brasileiro e as de outras nações africanas.
Bechara, conforme apontado, faz uso de fundamentos que asseguraram a
construção da gramática do sistema lingüístico do português para recontextualizar
metodologias greco-latinas herdadas pela tradição e, assim procedendo, rever e
propor uma outra definição para a classe dos pronomes, dentre outras
incorporações que faz. Mantém-se fiel aos princípios da NGB, embora se oponha a
muitos deles em notas de rodapé, conforme registrado no corpo deste capítulo, na
medida em que eles não facultam ao gramático operar com um modelo de descrição
capaz de recorrer à dimensão semântica. Por isso, a compreensão dos fatos
gramaticais por ele descritos exige, por um lado, conhecimentos de gramatologia e,
por outro, a consciência de que tais conhecimentos não são estáticos, porque
continuamente dinamizados e revisados como recontextualização de cultura sobre a
língua que se descreve. Por ser manter fiel à tradição e entender que ela sempre foi,
é e será renovada, apesar do controle dos Estados Nacionais, vai revendo e
registrando o novo pelas matrizes do velho e, assim procedendo, afirma que a
gramática a ser ensinada na escola é a tradicional, por meio de uma prática de
docência capaz de fazer dela um meio e não um fim, ou seja, pelos parâmetros
propostos por Quintiliano. Eis por que sua gramática é designada “moderna” e/ou
“escolar”, pois a produziu para os professores.
81
Convém salientar que, embora os estudos de Evanildo Bechara da década
1960, Lições de Português pela análise sintática, já elucidassem em suas primeiras
notações a importância da situação e do contexto, baseado nos estudos de Mattoso
Câmara Junior – de quem advém muitas de suas reflexões - os estudos advindos
dessa época pouco direcionaram os estudiosos da língua a uma concepção voltada
ao uso, ou seja, à sua funcionalidade, como se observa em suas gramáticas
contemporâneas. Nestes estudos, de ordem sintática, Bechara se mostra bastante
influenciado pelo paradigma estruturalista, ao qual nos atentaremos com mais
atenção no capítulo III desta Dissertação.
82
CAPÍTULO III
OS PRONOMES PESSOAIS PELO PONTO DE VISTA DA
LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA.
3.1 Preliminares
A revisão apresentada nos Capítulos I e II possibilita considerar que a
gramática tradicional é produto de inúmeras investigações sobre a linguagem e as
línguas humanas, desenvolvidas ao longo das civilizações do Ocidente. Tais
investigações apontam para a construção de pontos de vista teóricos diferenciados,
cujos pressupostos asseguram descrições de caráter diverso e que foram sendo
sistematizados e retomados nos estudos gramaticais de outros autores a fim de
organizar o pensamento lingüístico, como é o caso dos estudos de Apolônio Díscolo
acerca da noção de anáfora que serviram de inspiração a outros estudiosos da
língua que se dedicaram com o intuito de melhor entendê-la, no tratamento dos
pronomes. A esses pontos de vista aliaram-se conhecimentos sobre teorias e
descrição lingüística para solucionar questões que se colocam no âmbito da
educação lingüística, cujo propósito é a aprendizagem proficiente das línguas em
situação de uso.
Os conhecimentos sistematizados pela nossa gramática tradicional, todavia,
com o advento dos estudos lingüísticos que tiveram por marco inicial o século XIX e
por marco final as décadas de 1960-1970, aproximadamente, tornam-se objeto de
críticas. Passou-se a qualificá-los como acientíficos, atomistas, nocionais, não
explícitos, imprecisos e circulares. No que se refere à classificação das partes do
discurso, a crítica se fez extensiva aos critérios empregados para agrupar palavras
de uma língua em dez classes gramaticais. Critica-se, ainda, o fato de as definições
83
dessas classes serem avaliadas como inadequadas por não oferecerem
informações gramaticais suficientes para cada uma delas:
(...) O substantivo, por exemplo, é definido como a palavra com quedesignamos ou nomeamos os seres em geral (ou é a palavra que denotapessoas, lugares ou coisas) (...) fala daquilo a que os substantivos sereferem, mas não fornece nenhuma informação gramatical sobre a classe.(LOBATO, 1978. p.18).
Afirma Lobato (1978), ser necessário ponderar esse cenário crítico, pois
quando se faz uso de pressupostos teóricos da Lingüística da Língua para tratar dos
estudos e das regras que regem o funcionamento das mesmas e se considera o
critério nocional - atribuindo relevo a critérios flexionais e funcionais – chega-se “ao
mesmo conjunto de elementos depreendido pelos gramáticos tradicionais” (p.19).
Nesse sentido, as gramáticas produzidas pelos lingüistas da língua não deixam de
atribuir cientificidade às investigações realizadas pelos gramáticos tradicionais.
Contudo, adverte a autora, novos critérios implicarão escolhas de novos
fundamentos teórico-metodológicos e, consequentemente, de procedimentos
descritivos cujos resultados serão distintos daqueles propostos pela gramática
tradicional.
O objetivo deste capítulo é o de revisar esses diferentes resultados,
explicitando a compreensão desses novos pressupostos teórico-metodológicos de
modo a verificar em que eles facultam uma abordagem diferenciada dos pronomes,
para além dos limites da gramática tradicional. Ressalta-se um dado que já se faz
bastante significativo para o professor-pesquisador: nenhuma classe gramatical
pode ser focalizada por meio de um único critério, em razão de as estruturas
lingüísticas serem multifuncionais; ou seja, os substantivos representarem, em
língua, os seres em geral, flexionarem-se em gênero, número e grau, poderem ser
precedidos de elementos da classe dos determinantes – dentre os quais se situam
os pronomes, conforme apontado. Por conseguinte, na posição de determinantes,
eles exercerão a função de adjunto adnominal, à semelhança do adjetivo e, na
posição ocupada pelo substantivo na estrutura frasal do português, exercerão a
função de sujeito ou objeto. Embora exerçam as mesmas funções do substantivo,
84
eles não equivalem ao substantivo e, por isso a definição de substantivo não recobre
aquela atribuída aos pronomes, ainda que eles sofram flexões de gênero, número,
mas não de grau. Desta feita, segundo Lobato (1978), operar no campo de ensino,
com restrições é se tornar incapaz de explicitar como elementos lingüísticos de
número reduzido atendem a uma multiplicidade de usos expressivos.
Adverte, ainda, essa autora sobre a adoção pelos professores de novas
terminologias, empregadas no âmbito das ciências da linguagem, no campo do
ensino; razão pela qual o uso de novos termos em sala de aula deve ser
proporcional à compreensão do sistema e funcionamento da língua pelo professor.
Assim, a divulgação de novos termos desprovidos da compreensão de novos
pressupostos teóricos não contribuirão para o domínio e uso dos elementos léxico-
gramaticais, como recursos expressivos, tampouco para explicitá-los de modo a
favorecer a compreensão desses usos.
3.2 O contexto de produção dos estudos estruturalis tas
O tempo situado entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do
século XX, extensivos aos anos de 1960 e 1970, têm por marco a sistematização
dos conhecimentos por áreas disciplinares e implicaram a construção do chamado
paradigma estruturalista. Desse ponto de vista unidisciplinar resultará a “Lingüística
da Língua” ou “Lingüística Estrutural” que assegurará o estatuto de ciência aos
estudos da linguagem, implicando a mudança de tratamentos a ela dispensados, na
dimensão da língua. Desloca-se, assim, o foco até então centrado numa sociologia
de caráter filosófico, histórico e humanista para aquele de caráter a-histórico, que
orientará estudos no campo da linguagem, o que resultou na eliminação de
fundamentos teóricos capazes de fazer referência ou de abarcar – a categoria da
totalidade histórico-social humana.
Para Jantsch (1996) esse processo de cancelamento significou o abandono
de um ponto de vista multidisciplinar em favor daquele unidisciplinar, voltado para a
pretensão de um discurso científico unívoco. Assim,
85
(...) a modernidade que seguiu este caminho científico e tecnológicoesquecem aquelas, observação de Bacon, segundo as quais, quando oobjeto de conhecimento for o ser humano, não é possível tratá-lo como coisa.Não posso tratá-lo como coisa. Não posso pensar que a minha metodologia,feita para dominar coisas seja eficaz e legítima nesse terreno. Mas foiexatamente isso que aconteceu a partir do século XVIII, e principalmente noséculo XIX e XX, quando as chamadas ciências humanas ou sociais (...)dispontaram como ciências em um contexto filosófico e ideológico dominadopelo modelo quantitativista, matematizante e fisicalista. (p.42).
Nesse contexto, a vertente filosófica voltada para temas como a angústia e a
morte, fundada no princípio da transcendência e na esperança histórica, cede
espaço para o pensamento cientificista racionalista do que se resultará o abandono
de valores humanistas que qualificam o Iluminismo. Essa sistematização científica,
segundo Goldmann (1972), implicará à ruptura entre as concepções de estrutura e
função, de sorte a garantir a neutralidade da força das ações históricas que,
segundo o autor, situa-se no lugar construído pelo vínculo indissociável entre essas
duas concepções.
Justifica-se essa mudança como decorrente da necessidade de se
atribuir aos estudos lingüísticos padrões de cientificidade, capazes de facultar o seu
reconhecimento como ciência autônoma, fundamentada em princípios teórico-
metodológicos próprios. As idéias de Ferdinand Saussure passam a ser revestidas
de grande importância para o cumprimento desse propósito, na medida em que
possibilitam promover certa ruptura entre estudos diacrônicos e sincrônicos das
línguas. A dimensão sincrônica focaliza a língua num dado ponto da linha do tempo
para observar e descrever a sua estrutura e funcionamento, sem que se atribua
relevo a quaisquer mudanças de caráter sócio-histórico cultural pelas quais ela
passou. O relevo atribuído a tais mudanças decorrentes do fato não mais centrado
em um único recorte da linha do tempo qualifica a dimensão diacrônica ou histórica.
Trata-se de dois campos de estudos com princípios e métodos diferentes que,
segundo Robins (1983), não devem se excluir, tanto na formação da lingüística
quanto na do professor de línguas.
Outra ruptura saussuriana é estabelecida entre langue e parole. A parole
se refere aos dados imediatamente acessíveis ao observador-analista; contudo, o
86
seu objeto de análise é a langue – o léxico e a gramática interiorizadas pelos
membros de uma dada comunidade lingüística, pois são eles que lhe facultam
compreender e falar a língua da comunidade. A langue é, agora, concebida como
um sistema social imune a mudanças individuais, decorrentes da parole, pois todas
as mudanças são previstas pelo sistema lingüístico, independente do homem, da
sua história.
Postula Saussure que a langue – objeto de estudos do lingüista – deve ser
tratada por um ponto de vista sincrônico: descrita como um sistema léxico-gramatical
inter-relacionado e não como um conglomerado de entidades autônomas. Assim,
cada elemento lingüístico dever ser definido em relação uns com outros, e jamais de
modo absoluto. Nessa rede de inter-relações esses elementos são identificados
pelas suas respectivas posições no sistema e não pelas suas substâncias, ou seja,
na dimensão da fala. Numa dimensão sincrônica, essa rede deve ser considerada
por dois eixos:
a) o paradigmático ou associativo – aquele referente aos sistemas de
categorias, em que os elementos são considerados por uma perspectiva contrastiva;
por meio da qual é possível diferenciar, por exemplo, o verbo do nome, tornando
como parâmetro a diferença de flexão entre ambos:
1) Eu secretario a reunião.
2) O secretário da reunião fui eu.
O contraste entre “secretario” e “secretário” estabelecido na dimensão
paradigmática é dado imediatamente pela mudança de tonicidade: secretario X
secretário que incide, respectivamente, sobre a sílaba “-ri”, e do “ta” garantindo o
reconhecimento da categoria do verbo em oposição à categoria do nome. Nesse
caso, a tonicidade funciona como morfema: traço distintivo das categorias nominal
em oposição à verbal, indicando que se trata de duas palavras distintas que
exercem funções distintas no eixo sintagmático: o nome poderá exercer as funções
87
de sujeito ou de objeto; o verbo responderá pela construção do predicado verbal,
para o qual se exige um complemento: a reunião.
O mesmo ocorre com as formas pronominais “nós”, “vós” e “nos”, “vos”, em
que o acento tônico é traço distintivo para estabelecer entre eles oposição e se
poder classificá-los como pronome do caso reto ou do caso oblíquo: os primeiros
exercem a função de sujeito, os segundos de complemento. Mas, nesse caso, não
há mudança de categorias, e sim de função, pois a distinção se remete à posição
dessas pessoas do discurso, no mundo da vida: “o nós” e “o vós” focalizam aqueles
que produzem ou desencadeiam a ação descrita pelo verbo, ou seja, são fontes
dessas ações que se remetem a modos de proceder no mundo da vida – Nós iremos
ao cinema: “nós” = sujeitos da decisão (eu+tu+ ele ou ela). Já o “nos” e o “vos”
focalizam aqueles que não desencadeiam a ação descrita pelo verbo, mas que são
alvos da mesma: Leve-nos ao cinema. Nesse caso o “nos” (eu+tu+ele ou ela), na
posição de objeto se faz dependente do exercício da ação de outrem: aquele a
88
enunciados determinarem a identidade dos nomes em relação ao verbo, ou vice-
versa – tem-se a oposição nome X verbo entre secretária, secretaria e secretário. Já
a oposição entre A secretaria da empresa e A secretária da empresa não é
estabelecida em função da ordem, pois as duas designações não se diferenciam
quanto à ordem ou posição, no enunciado frasal. Desta feita, podem exercer a
mesma função, como por exemplo, a de sujeito ou de objeto, razão por que a
oposição paradigmática prevalece para se reconhecê-las como duas designações
distintas, capazes de exercer a mesma função.
Observa-se, nas explicitações acima, que o modelo teórico saussuriano é
construído pela dualidade fundada no princípio da pertinência: langue x parole;
sincronia x diacronia; paradigma x sintagma, de modo a precisar o objeto de estudo
do lingüista. Este deve se ocupar apenas como os elementos pertinentes ao sistema
da langue: aqueles que se explicitam pela regularidade e não pela variação e, essa
será objeto de estudos da sócio, da psico e da etnolingüística. Ao lingüista cabe
descrever os elementos do sistema e suas regras combinatórias, por uma
perspectiva sincrônica e não diacrônica, considerando o fato de a langue ser social e
a parole individual, logo, a langue formaria um código social único, composto de
regras invariantes que compete ao lingüista descrever. Abandona-se, portanto, o
campo da variação inerente às atividades de fala, ao uso desse sistema de
codificação, para considerar tal sistema social.
Essa dualidade se faz extensiva ao signo lingüístico, descrito pela relação
indissociável entre significante ou imagem acústica e significado ou conceito. Assim,
nos exemplos trabalhados, a distinção entre secretário, secretaria e secretario é
dada por imagens acústicas distintas que implicam conceitos distintos e, por essa
razão, trata-se de três signos diferenciados, visto que essas formas implicam a
representação de três conceitos: aquela secretária ou secretário – designação de
um papel social, exercido no mundo do trabalho; secretaria = lugar em que se
exercem as ações do secretariar, assim, eu secretario ou ele secretaria remetem-se
à ação de secretariar reuniões, em que o “eu” ou o “ele” apontam para o exercício
desse papel no mundo do trabalho.
89
3.3 O estruturalismo e suas vertentes
Os estudos saussurianos, segundo Lepschy (1971), promoveram a
construção de diferentes modelos teóricos ou escolas ditas estruturalistas, de modo
que o uso do termo estruturalismo se tornou uma designação bastante genérica.
Contudo, os princípios da imanência, da pertinência e da regularidade de que
emergem procedimentos metodológicos – segmentação, substituição e oposição –
servirão de parâmetro para todos os estruturalismos que buscam descrever
diferentes línguas naturais. Desta feita, para esse autor, há vários estruturalismos,
razão porque o plural, e não o singular qualificaria o uso adequado do termo.
Entretanto, embora todos eles sejam fundamentados nos mesmos princípios e
sustentem os mesmos procedimentos metodológicos para o tratamento descritivo
dos sistemas lingüísticos, é possível agrupá-los em duas vertentes: a européia e a
estadunidense.
3.3.1 A vertente Européia do Estruturalismo
Essa vertente da Lingüística Estrutural tem por marco inicial o segmento de
várias escolas na primeira metade do século XX e delas resultam pesquisas de
excelente qualidade nos campos da fonologia, da morfologia e da sintaxe. No campo
da semântica também são registrados alguns avanços, porém as dificuldades
encontradas para sistematizar os significados produzidos pelo homem, segundo
princípios da lógica matemática, acabam por apontar os limites dos modelos
estruturalistas.
Os historiadores da lingüística moderna apontam que o seu desenvolvimento
se deve:
• à Escola de Genebra – constituída pelos principais discípulos de
Saussure: Charles Bally e Albert Sechehaye que responderam pela
organização e pela escrita da obra póstuma do mestre genebrino, embora
90
não concordassem totalmente com os seus ensinamentos. Essa discordância
estava circunscrita ao fato de eles não compreenderem a possibilidade de se
estudar a língua dissociada das atividades da fala. Sechehaye,
posteriormente, se volta para investigações sobre a parole, esforçando-se por
compreender o funcionamento do sistema, com vista a romper os limites
dessa oposição saussuriana. Mas, essa perspectiva funcionalista será mais
bem desenvolvida pelos lingüistas da Escola de Praga.
• à Escola ou Círculo de Praga ( República Tcheca) – constituída por
Nicolai Trubetzkoy – que se ocupou da elaboração de procedimentos
metodológicos que lhe facultaram estabelecer estudos nos campos da
fonética e da fonologia – e por Jakobson que se dedicou a investigar as
funções da linguagem humana. Ainda que os resultados dos estudos de
Jakobson tenham sido tão significativos quanto os de Trubetzkoy para que os
estudos lingüísticos se firmassem como ciência, o fato de eles estarem
configurados pela perspectiva estruturalista não têm como foco o falante real.
Trata-se, portanto, de funções circunscritas a um código abstrato, concebido
como sistema e descrito pelos parâmetros da lógica da razão pura. Nessa
acepção, o modelo de estrutura proposto para o funcionamento da língua,
pressupõe o movimento do diálogo que se explica em dois tempos distintos:
aquele referente ao processo de codificação da mensagem por um emissor e
ao processo de decodificação dessa mesma mensagem por um receptor.
Assim, os estudos de Jakobson sobre o tema se fazem insuficientes para o
tratamento efetivo da língua em uso.
• à escola de Copenhague (Dinamarca) – constituída por Brondal
e Hjelmslev, tem esse segundo autor como seu maior representante. Suas
pesquisas estão voltadas para a redescoberta de concepções e princípios
capazes de explicitar a estrutura da língua pelos da lógica, de sorte a
construir um modelo teórico muito mais formalista e abstrato do que aquele de
seus predecessores.
Os estudos da vertente européia criam várias correntes que respondem pela
sistematização de conhecimentos teóricos – metodológicos no âmbito da fonética,
91
da morfologia, da sintaxe e respondem pela criação dos campos dos estudos
lexicológicos e lexicográficos. Para tanto, operam com a concepção segundo a qual
o código lingüístico pode ser segmentado em níveis e, assim procedendo, acabam
por construir uma visão unidisciplinar para os estudos da linguagem; razão do
especialista em fonética e fonologia, daquele em morfologia ou em sintaxe. Ocupam-
se da semântica da palavra e, posteriormente, com a da frase e, até certo ponto,
esforçam-se por não privilegiar apenas o aspecto formal da língua; contudo, a
semântica não deixa de ser um critério para diferenciar as variantes do sistema das
variações de fala focalizando forma e morfema, som e o morfe.
Pode-se considerar que a vertente européia contribui para validar os
princípios saussurianos, assegurando a depreensão das unidades que dão
identidade ao sistema lingüístico, por meio de análises formais, centradas na
segmentação e na comutação. Tais unidades deixaram de ser definidas por
categorias psicológicas ou metafísicas, orientadas pela lógica da filosofia clássica,
privilegiando-se a distinção opositiva e a relação mútua que eles mantêm entre si.
3.3.2 A vertente Estadunidense do Estruturalismo
Lepschy (1971) afirma não ser possível estabelecer diferenças significativas
entre a vertente européia e a estadunidense, até o período pós Primeira Guerra
Mundial, pois é a partir de 1920 que a lingüística da América do Norte passa a
desenvolver seus traços específicos. Essa especificidade é decorrente do alto grau
de valorização formal, da busca de um modelo capaz de assegurar explicações
sobre o uso excessivo de regras de produção de enunciados frasais e, ainda, de se
privilegiar como objeto dos estudos lingüísticos a frase e não mais a palavra isolada.
Essa passa a ser concebida, posteriormente, como elemento dos constituintes
frasais. Entretanto, mesmo os estudos morfológicos são orientados por critérios que
atribuem relevo à relação sintagmática.
Outro diferencial significativo é o fato de a lingüística européia ter como marco
do seu desenvolvimento os estudos de Saussure, enquanto a americana tem por
92
fundamento aqueles propostos, em princípio, por Bloomfield e, posteriormente, por
Chomsky. Assim, os mesmos estudos funcionalistas de Halliday estão mais
próximos da tradição bloomfieldiana do que aqueles desenvolvidos pela Escola de
Praga. (LEPSCHY, 2004).
Nessa acepção, em seus primórdios, a lingüística americana não relega
aspectos de caráter semântico dissociados da sintaxe, de modo que essa ruptura
será estabelecida gradativamente. Assim, à medida que se reafirma a tese da
autonomia da sintaxe como matriz da Gramática Transformacional, posteriormente,
reelaborada e designada Gramática Gerativa, se busca reintegrar a semântica aos
estudos lingüísticos.
Os estruturalistas bloomfieldianos fazem uma distinção entre sentido literal –
aquele formalizado pelos morfemas e/ou por palavras isoladas – e sentido estrutural:
aquele resultante da maneira pela qual as palavras são combinadas em estruturas
maiores e tomam como objeto de estudo essas estruturas maiores. Passam a
estudar os mecanismos usados para expressar esses sentidos estruturais, em
língua inglesa, em detrimento do sentido literal. Consideram que as palavras, por
esse ponto de vista, se classificam em: a) formas livres – aquelas que por si sós
funcionam como elemento de significação por exemplo: P: Maria vai à feira? R:
Vai, ou Sim , ou Não; P: Quem irá à feira? R: Maria . P: Você irá à festa com qual
vestido? R: O preto. P: Quando será a festa? R: Amanhã; b) formas presas –
todos os morfemas flexionais, os prefixais e sufixais. Considera-se, ainda, uma
classe de palavras ditas estruturais.
A essa classificação Mattoso (1972) acrescenta as chamadas formas
dependentes para descrever a língua portuguesa: preposições, artigos, pronomes
adjetivos e pronomes átonos do caso oblíquo. Nesse contexto, os pronomes
pessoais do caso reto podem funcionar como formas livres, mas aqueles que
acompanham os nomes seriam formas dependentes. (1) P: Quem chegou? R: Ele, o
seu amor. (pronome= forma livre); (2) Essa garota é linda (forma dependente)
Esses estudos facultam a revisão crítica da estrutura e formação das palavras
de sistemas lingüísticos e os pronomes empregados junto ao nome são classificados
93
como determinantes no caso daqueles designados por adjetivos, ou como
substitutos dos nomes no caso dos substantivos, ou como palavras estruturais no
caso dos relativos.
Os transformacionalistas optam pela construção de teorias lingüísticas de
base matemática e o resultado de seus estudos é divulgado a partir de 1957. A obra
que se faz marco desses modelos é Estruturas Sintáticas, de Noam Chomsky,
embora o termo tradição tenha sido empregado por Harris em um artigo designado A
Análise do Discurso, de 1952, Chomsky, discípulo de Harris, tem os seus estudos
mais divulgados e conhecidos do que aqueles do seu mestre, de modo que o termo
lingüística transformacional sempre evoca Chomsky. Para a historiografia, tal fato se
deve por ter sido Harris apenas uma figura significativa da transição entre a
lingüística bloomfieldiana e a chomyskiana; logo, o iniciador, mas não o
sistematizador desse outro ponto de vista.
Para Chomsky (1957), os estudos desenvolvidos pelos gramáticos
tradicionais pecam pela falta de explicação das regras que, adotadas para descrever
uma dada língua, apresentem um tratamento minucioso de exceção: “(...) por não
expressar as regularidades subjacentes fundamentais da língua estudada, a
gramática tradicional dá uma idéia sobremodo falso”... (SILVA,1978. p. 38).
Por conseguinte, o propósito desse pesquisador é explicitar tais regularidades
subjacentes às atividades da fala; razão pela qual a teoria Transformacional irá
operar com os pressupostos de competência e desempenho associados aos de
estrutura profunda e estrutura superficial. A explicitação da compreensão de
competência e desempenho está fundamentada numa concepção mentalista de
linguagem, segundo a qual as gramáticas das diferentes línguas, ainda que
variáveis, terão propriedades comuns essenciais descritas pela Gramática Universal.
Nessa acepção, as diferenças ou variações entre as línguas decorrem, por
um lado, do fato de elas serem produtos da faculdade de linguagem e esta
faculdade variar em função de experiências diferenciadas; mas, por outro lado, no
que se refere à suas estruturas, tal variação é limitada porque é controlada pela
gramática universal. Por conseguinte, a concepção de gramática universal é
94
retomada como preceito capaz de assegurar a variação das línguas, as
particularidades de suas respectivas gramáticas, pelas matrizes da unidade da
gramática geral ou universal: concepção dos gramáticos de Port Royal.
(LEMLE,1989).
Adota-se, portanto, um enfoque mentalista que fora excluído dos estudos
bloomfieldianos e a ele atribui relevo. Sustenta-se que a linguagem é determinada
por propriedades inatas da mente humana e, assim o sendo, o homem é dotado da
faculdade específica da linguagem que lhe permite aprender uma ou várias línguas.
Contudo, embora estímulos e hábitos possam fornecer dados sobre essa realidade
mental, tal realidade não é o objeto de estudo da lingüística. Entende-se que a
faculdade da linguagem se desenvolve e se aprimora em interação com o ambiente
e, com o tempo, ela se constitui como sistema de conhecimentos; logo a interação
não se qualifica pela relação homem�homem. Entretanto, para se descobrir,
compreender e explicar esse sistema é preciso isolar fatores de ordem biológica, de
caráter ambiental, de sorte a apreender as características lógicas comuns de
determinada língua. O objeto de estudo da lingüística é aquele configurado pelo
padrão dessa lógica, explicitada por princípios da matemática. (SILVA, 1978).
Chomsky faz uma descrição entre conhecimento tácito que o falante tem da
sua língua e que é por ele usado para produzir e interpretar orações e o
conhecimento sobre o uso efetivo dessa mesma língua. A esse conhecimento tácito
designa competência e àquele que lhe faculta o uso da língua, desempenho. Postula
ser objeto de estudo da lingüística a competência, pois é ela que faculta o
reconhecimento de seqüências como orações bem formadas, ou seja, orações
gramaticais. O enfoque na competência não implica total indiferença pelo
desempenho, na medida em que o seu estudo pressupõe uma teoria explícita da
competência. Por conseguinte, os estudos da lingüística americana se voltam para a
construção de um modelo de competência, pressuposto como aquele empregado
por um falante ideal, que faz uso de um conjunto de regras transformacionais e que
lhe facultam associar a estrutura profunda à estrutura superficial das orações que
produz. Essa associação implica estabelecer relações adequadas entre forma
fonética e conteúdo de orações, independente do uso e/ou das situações em que
são empregadas.
95
Pode-se considerar que se os estruturalistas europeus excluem a fala de seu
campo de estudos, os americanos excluem o desempenho, pressupondo que a
aquisição e uso de uma língua não estaria sujeita a fatores de ordem histórico-
cultural. Para tanto, operam com o princípio da regularidade, pressupondo a
homogeneidade dos falantes. Desses estudos emergem as chamadas gramáticas
formais que visam a descrever a estrutura dos sistemas lingüísticos – Gramática
Transformacional e /ou Gerativa – ou o funcionamento desse mesmo sistema, mas
sem considerar o modelo de contexto situacional que tipifica os mais variados usos
de um mesmo sistema.
3.4 Os pronomes no contexto da Gramática Gerativa T ransformacional
Apontou-se que o modelo teórico de que resultaria a Gramática Gerativa
Transformacional, proposta por Chomsky, implicou a rejeição de diversos
pressupostos que fundamentariam os estudos bloomfieldianos. Entretanto, a
formação estruturalista desse pesquisador faz com que ele não abandone a
convicção de que a forma pode ser estudada independente da função comunicativa
da linguagem.
Há de se considerar que, na chamada “Teoria padrão”, Chomsky já
desconsidera a divisão da gramática Tradicional em três áreas – fonologia,
morfologia e sintaxe – e propõe a concepção de um sistema de componentes inter-
relacionados, quais sejam: o componente de estrutura sintagmática, o
transformacional e o morfo-fonêmico. Esses componentes contêm regras que
possibilitam reescrever as transformações entre as categorias sintáticas da estrutura
profunda e as estruturas superficiais (componente transformacional). As regras
morfo-fonêmicas teriam a função de associar representações fonéticas às cadeias
de termos especificados pelo componente sintático. Segundo Silva (1978), esse
modelo da Teoria Padrão poderia ser assim representado:
96
Componente de Estrutura sintagmática
Componente Transformacional
Componente Morfo-fonêmico
Representação fonêmica
Esse modelo teórico, à proporção em que é divulgado e aceito, torna-se
objeto de reflexões críticas e, dentre elas, duas se fazem relevantes: ao fato de as
estruturas lingüísticas serem sintático-semânticas – o que leva Chomsky a
reformulações que incorporam o componente semântico – e não se dar importância
às questões de caráter lexical e, por essa razão, as categorias gramaticais deixam
de ser objeto de estudo dos primeiros transformacionalistas. Tais reformulações
terão como resultado o modelo designado “Gramática Gerativa” ou “Gerativa
Transformacional”, assim esquematizada. (SILVA, 1978. p.84).
Componente Sintático
Sub-componentes de base
Componente Categorial Léxico Sub-componente
transformacional
Componente Semântico Componente fonológico
Observa-se que se mantém o componente sintático como elemento fundador
e ordenador dos sub-componentes de base, bem como o transformacional, como
matriz da descrição gramatical. Assim, o componente semântico e o fonológico são
subordinados a essa matriz geradora de frases, de forma a negar que a estrutura de
97
uma dada língua seja sintático-semântica. Entretanto, o léxico e a semântica são
incorporados a esse modelo hierárquico de estrutura profunda e, desse modo,
passa-se a considerar que as relações gramaticais são significativas, mas como
seqüências ideais de estruturas intermediárias: aquelas situadas entre a estrutura
profunda e a superficial, bem como as regras transformacionais aplicáveis a cada
sentença.
O sub-componente lexical especifica as propriedades dos elementos lexicais,
por meio de um conjunto de traços morfo-fonológicos, sintático-semânticos e certas
regras de redundância – por exemplo: “O cavalo caiu”. e “O menino caiu.”, tem-se O
cavalo = + animado + potente – racional, - humano; O menino = + animado, +
racional, + humano. Da explicação de regras do sub-componente categorial (+
substantivo, tanto cavalo, quanto menino) resultam cadeias pré-terminais que, por
meio da aplicação de regras de inserção lexical são convertidas em estrutura
profunda. Assim, o sub-componente transformacional converte uma estrutura
profunda em uma ou várias estruturas superficiais, mediante a aplicação repetida de
transformações gramaticais, por exemplo:
As regras que especificam a estrutura profunda −O → SN = SV; SN →
determinante+ nome e as estruturas superficiais, bem como a relação entre esses
dois tipos de estrutura – aquelas referentes ao sub-componente categorial: N →
Substantivo = + animado, + potente + racional - são acrescidas regras de
interpretação semântica e fonológica. Essas últimas relacionam esses objetos
sintáticos a uma representação semântica, por um lado e, por outro, às fonéticas.
Mas esses dois componentes - o semântico e o fonológico – utilizam informações
fornecidas pelo componente sintático. Por conseguinte, é o componente sintático
que oferece todas as informações relevantes para as interpretações semântico-
fonológicas. O semântico associa tais interpretações à estrutura profunda; o
fonológico à estrutura superficial. Assim, ao componente sintático cabe especificar
uma estrutura profunda que determina a interpretação semântica e, ao mesmo
tempo, uma estrutura superficial que determina a estrutura superficial.
Nesse contexto de reflexões críticas, propõe-se a necessidade de se
acrescentar ao modelo um componente retórico, para assegurar à oração uma
98
interpretação retórica, de modo a se poder considerar questões de ordem estilística.
Também se deveria considerar a inserção de um componente pragmático capaz de
responder a questões referentes ao uso. Essas reflexões vão ganhando corpo,
principalmente com o desenvolvimento dos estudos semânticos pós 1960, e chega-
se a sugerir que a estrutura profunda deveria ter por suporte um componente
sintático – pragmático. Assim, o que se faz claro é o reconhecimento da
interdependência de todas elas. Contudo, Chomsky se mantém irredutível
postulando que
(...) as orações têm propriedades gramaticais e um sentido intrínsecodeterminado por regras e não por considerações de uso, contexto e outrosfatores (...) o fato de certas orações talvez nunca terem sido produzidas naexperiência de qualquer falante de uma língua, ou mesmo da historicidade deuma língua em apreço ou de suas interpretações fonéticas e semânticasideais (SILVA, 1978. p.114)
Logo, para entender qualquer oração, estruturada segundo o princípio da
gramaticalidade, o falante recorre a interpretações semântico-fonéticas ideais.
Nesse sentido, exclui qualquer referência ao modelo de contexto de uso para buscar
adequar a sua teoria às criticas de que ela se faz alvo. Reitera a necessidade de se
considerar a gramaticalidade, aceitabilidade e a adequação de orações geradas por
regras transformacionais, a partir da estrutura profunda.
Nessa acepção, os pronomes, exceção feita a “alguns”, “ninguém”, segundo
os transformacionalistas, são explicados pela hipótese segundo a qual, na estrutura
profunda, eles pertenciam à categoria do substantivo e, à categoria dos
determinantes, classificados como definidos ou indefinidos.
Os argumentos empregados para tanto são baseados em critérios de
restrições da seleção lexical que impedem, por exemplo, que certos verbos tenham
determinado tipo de sujeito, como é o caso do verbo “sorrir” que exige como sujeito
um substantivo com o traço “+ animado”. Tal fato justificaria o porquê de uma oração
do tipo “A mulher sorriu” ser gramatical e “O sofá sorriu” ser agramatical. Assim, os
traços semânticos dos substantivos seriam relevantes para formular regras de
restrição de seleção lexical capazes de facultar uma interpretação semântica
adequada de orações. Cancela-se o fato de um sofá poder sorrir quando os sentidos
99
dessa frase emergirem em um texto que represente o mundo narrado em que se
projeta para objetos com qualidades humanas: no tempo em que os objetos podem
falar.
Nesse sentido, dadas as orações: (1) Eles se reuniram no parque; (2) Eu me
reunia no parque, os pronomes, à semelhança dos substantivos, também impõem
aos verbos regras de restrição de seleção, pois o verbo “reunir” não pode ter como
sujeito, por exemplo: (3) A caneta se reunia no parque. Lá ela era feliz. Assim, os
pronomes na estrutura profunda são substantivos.
Entretanto, na estrutura superficial eles diferem dos substantivos, na medida
em que eles não podem ser precedidos de artigo e, por isso, são agramaticais,
traços do tipo:
(4)aqueles eles foram ao cinema.
(5) o ele não foi ao cinema.
(6) Este ela se enganou.
Logo, os chamados pronomes pessoais do caso reto ou oblíquo não admitem
ser precedidos por determinantes; mas, esses pronomes parecem funcionar como
artigos e não como substantivos em orações do tipo:
(7) Vocês, grevistas, não sabem o que estão fazendo.
(8) Nós, os médicos, temos maiores responsabilidades.
Para justificar tal interpretação, propõe-se a inserção de um adjetivo entre o
pronome e o substantivo da segunda seqüência, de modo que, na estrutura
superficial, ter-se-ia: “Nós, jovens médicos” é semelhante a “estes jovens médicos”.
Assim, “nós” não é um artigo, mas um pronome; mas as seqüências acima seriam
derivadas da seguinte estrutura profunda: “Nós, que somos médicos” e “Nós que
somos os jovens médicos”. O apagamento das seqüências “que somos” resultaria
em “Nós, médicos “ e “Nós, os jovens médicos”, o que justificaria o uso do artigo “os”
na segunda seqüência. (SILVA, 1978).
100
Observa-se que as explicações acima não levam em conta a pausa entre o
pronome “nós” e o verbo “temos” ou entre o pronome “vocês” e o verbo “sabem”; e
por isso, considera-se o fato de um pronome pessoal preceder um substantivo.
Contudo, nesses casos, o que se verifica é o fato de esses sintagmas nominais
serem idênticos àqueles de seqüências como “os grevistas não sabem o que estão
fazendo” e “os médicos temos maiores responsabilidades = nós. Assim, os
transformacionalistas deixam, por um lado, de fazerem a interpretação fonológica e,
por outro, propõem um modelo de estrutura profunda que confirma a explicação
tradicional.
A ampliação da base explicativa dos fatos gramaticais vai sendo ampliada aos
poucos e, em se tratando da descrição da frase em língua portuguesa, vários serão
os sintaticistas que a ela se dedicarão. No que se referem aos estudos dos
pronomes pessoais, eles acabam sendo considerados como elementos da classe
dos substantivos – alguém, ninguém ou dos determinantes – todos, ambos, estes,
esses, essas... - por isso, constitutivos dos sintagmas nominais, e ainda, como
elementos da classe de relação, como é caso dos pronomes relativos.
Na função de determinantes tipificam-se como elementos constitutivos do
sintagma nominal (SN) que precedem o nome e, nessa posição, ao lado dos artigos,
têm-se os pronomes demonstrativos, indefinidos, os possessivos e os numerais.
Ressalta-se que os pronomes possessivos são os únicos que continuam a merecer
questionamentos sobre sua inclusão na classe dos determinantes, visto que, embora
eles sejam colocados entre os membros dessa classe e nela ocupem a posição de
antecedente do nome na estrutura superficial, na estrutura profunda ele difere da
descrição dos demais. Para Pontes (1978), essa questão se deve ao fato de eles
implicarem valor de posse e, por isso, a estrutura profunda seria derivada de uma
oração que implicaria tal valor; por exemplo:
• Sintagmas do português indicadores do valor de posse:
(1) Eu comprei ou ganhei o livro.
101
(2) O livro é meu → porque eu o comprei, ou o ganhei.
(3) O meu livro →aquele que eu comprei e por isso me
pertence.
Assim, ao se referir ao “livro”, o falante poderia asseverar:
(4) O livro do Wagner.( locução adjetiva)
(5) O livro que o Wagner comprou ou ganhou.
(6) O livro dele.
(7) O seu livro.
Logo, o uso do meu, teu, seu, nosso, vosso, na estrutura superficial implicaria
transformações. Considera-se, ainda, o fato de os possessivos admitirem o uso do
artigo como antecedente – os meus pais; os meus outros professores – ou de
pronomes demonstrativos: aqueles meus professores. Os pronomes possessivos
teriam, portanto, um caráter adjetivo.
Os determinantes, segundo Chomsky, ainda se tipificam pelo princípio da
identidade que mantêm com o nome e, por isso, na estrutura profunda (E.P) apenas
o nome sofre flexão de gênero e número; logo, a concordância de gênero e número
dessa categoria gramatical é produto de transformações; por exemplo: a seleção
lexical do nome “menino”, como nome de um sintagma nominal (SN), implicará a
atribuição dos traços de gênero e número ao determinante desse nome. Assim, ter-
se-ia:
102
Outra transformação que qualifica o uso dos determinantes é a elipse de
nome idêntico, ou seja, pode-se suprimir o nome já enunciado: O menino ganhou um
livro, eu também quero um = eu também quero um livro; O menino escolheu um
livro, eu escolhi outro. (livro) e O menino leu este texto, mas não aquele (texto). O
uso do princípio da economia leva ao cancelamento, na estrutura superficial, do
nome do SN da segunda oração; contudo, para a interpretação semântica, ele se
mantém na E.P na mente do intérprete. Nesses casos, nossos gramáticos
tradicionais consideram que os pronomes “outro” e “aquele” devem ser considerados
como pronomes substantivos, em oposição a “este”, por exemplo, que seria adjetivo.
Mas, se considerarmos a E.P, eles se mantêm como pronomes adjetivos, na função
de adjuntos adnominais.
Tem-se restrição a essa regra, quando o nome do SN da primeira oração é
precedido do artigo “o”, conforme descrito por Pontes (1978. p.147):
Maria quer o vestido, eu também quero (o vestido), visto que, nesse caso, ofalante opta pelo uso do pronome pessoal do caso oblíquo: Maria quer ovestido, eu também o quero (o=ele=o vestido). Outra opção é o uso deoração relativa: Maria quer este vestido, eu quero o (=aquele vestido) queestá sobre a mesa; entretanto, o emprego do artigo “o” na E.S, faz remissãoao pronome “aquele” na E.P. Essa correlação entre “este” (=vestido que estásobre a mesa, mais próximo do interlocutor – enunciador, ou seja, daqueleque fala) leva nossos gramáticos tradicionais a descreverem esse uso do “o”como pronome demonstrativo equivalente a “aquele”. Nesse caso, privilegia-se uma descrição voltada para a Estrutura Profunda; mas no caso de “Euquero este vestido e Maria quer aquele vestido” – aquele tem a descrição queincide sobre a Estrutura Superficial.
Para esses nossos gramáticos os pronomes demonstrativos devem ser
definidos em relação às pessoas dos interlocutores: quando próximos daquele que
fala: este(s), esta(s), quando próximos daquele com quem se fala esse(s), essa(s) e,
quando distantes de ambos – aquele(s), aquela(s), mas sempre empregados para
demonstrar que o objeto da fala é o mesmo e localizar a posição do mesmo em
relação aos interlocutores. A questão problemática está no critério classificatório
oscilante que, ora privilegia a análise do fato lingüístico na E.S, ora na E.P. O
mesmo ocorre em: O meu vestido é o azul, ou seu é o vestido vermelho; em que o
adjetivo “azul” e “vermelho” fazem remissão a dois vestidos que se diferenciam pela
cor, de sorte que na primeira oração predica-se “azul” e, na segunda, “vermelho”
para diferenciá-los. Desta feita, “o azul” é analisado como predicativo do sujeito na
103
primeira oração, privilegiando-se a sua função “qualitativa” de vestido; já na segunda
oração “vermelho” é analisado como substantivo; porque precedido do artigo.
Cancela-se a interpretação semântica da E.P e as suas transformações para gerar
E. S:
O meu vestido é o azul.
O seu vestido é o vermelho.
Constata-se que, embora se afirme que esses pronomes pessoais substituem
o nome, em verdade, eles também o acompanham, o determinam, à semelhança de
outras classes gramaticais como a do artigo, a dos numerais e a dos adjetivos.
Assim, nossos gramáticos optaram por considerar a ocorrência para classificá-los:
se acompanham o nome, precedendo-o, na posição de determinantes, são
pronomes adjetivos; se ocorrem sozinhos no SN são designados substantivos. Logo,
em frases do tipo:
Pedro disse que o menino poderia ir ao cinema e ele foi:
Ele foi ao cinema.
01
Pedro SV
V 02
SN SN SV
Det. N Aux. V SNP
104
Prep. SN
Det. N
Pedro disse que o menino poderia ir a o cinema
Ou quando se tem:
O uso do pronome pessoal “ele” foi empregado como atualização de um SN
para fazer remissão ao SN de 02 = “o menino”. Por conseguinte, ele equivale a “o
105
pré de pós det. Cop. SN
det base N SA
O meu vestido é o vestido azul O seu vestido é o vestido vermelho
Assim, na E.S tem se a síntese de O1 e O2 decorrente do uso da regra de
apagamento de SN1 de 02, bem como do termo “vestido” como nome do SN de O1
e do verbo copulativo (é), de modo a evitar repetições, conforme se aponta abaixo:
O meu vestido é o (vestido) azul; o seu (vestido) ( é ) o (vestido) vermelho.
Nesse caso, “meu” e “seu” explicita a relação de posse de dois vestidos que,
diferenciados pela cor, são objetos possuídos pela pessoa que fala e pela pessoa
com quem se fala. O ponto e vírgula marcam a relação de oposição entre os dois
vestidos, cujas cores diferenciam o sentido de pertença atribuído a pessoas
distintas. A síntese das orações na E. S, implicando o cancelamento e a não
repetição do termo “vestido”, não impede a interpretação semântica da frase que se
remete a um discurso relatado. (MAINGUENEAU, 2005). Mas, tanto “meu”, quanto
“seu” são determinantes do nome “vestido”.
Nessa acepção, todo pronome pessoal que, na E.P, ocorre antes do nome de
um SN, quer na posição de sujeito ou de complemento verbal, é determinante. O
que se observa, no que se refere à substituição do nome pelo pronome, é o fato de
essa substituição poder ser total ou parcial. A substituição total decorre da
identidade entre os constituintes do SN – sujeito ou complemento – da primeira
oração por um SN da segunda oração – O menino = Ele. A substituição parcial
decorre da identidade parcial entre os determinantes de um nome de um SN, de
uma 1ª e de uma 2ª oração: O meu vestido → O seu vestido. No caso da
substituição parcial tem-se a ocorrência da elipse; logo são duas transformações
distintas para evitar repetição e assegurar sínteses na E.S; contudo, tais
apagamentos não impedem a interpretação semântica.
106
Essa descrição fundamentada em Pontes (1978) possibilita considerar que os
pronomes pessoais, propriamente ditos - Eu, tu, ele(s), ela(s), nós e me, mi, comigo,
te, ti, contigo, o(s), a (s) se, lhe(s) – aqueles que se tipificam pela substituição total,
são pronomes propriamente ditos. Já no caso da elipse de nomes idênticos, quando
a substituição é parcial – suprem-se o que é idêntico e se mantém o que é diferente,
na estrutura superficial: trata-se do uso desses pronomes como determinantes. Por
conseguinte, não justifica a designação de pronomes substantivos e adjetivos para
esses casos, pois se considerarmos que, dada a frase: Maria gosta de mangas
maduras; eu de verdes, tem-se na estrutura profunda:
Maria gosta de mangas maduras. Eu gosto de mangas verdes – em que
tanto “madura” quanto “verdes” são adjetivos, mesmo na estrutura superficial estes
nomes remetem à classe dos adjetivos. E assim sendo, e comparando frases do
tipo:
E.P – Eu disse àquele menino louro que ele poderia entrar.
E. S – Eu disse àquele louro que ele poderia entrar.
O cancelamento de “menino” na E. S não gera nenhuma ambigüidade na
interpretação semântica, visto que “louro” continua qualificando “menino” e não faz
remissão ao “papagaio”, quando designado por “louro”
107
Um menino dos meninos saiu.
Algum menino dos meninos saiu.
Nenhum menino dos meninos saiu.
Em que se dá a supressão de “meninos” + a totalidade deles – aqueles de
que se fala.
No caso:
“alguém chegou” ou “ninguém chegou” - têm-se as formas pronominais
ocupando a posição de SN para afirmar ou negar a chegada de uma pessoa e, à
semelhança dos pronomes pessoais. Por conseguinte, essa classe de pronomes
substantivos que exercem funções de sujeito ou de objeto, também é qualificada por
Lemle (1989), como pronomes propriamente ditos. Todavia, os pronomes que à
semelhança dos artigos e dos numerais exercem a função de determinantes do
nome, se comparados ao adjetivo que também exerce tal função, merece uma
formulação mais precisa. Desta feita, o adjetivo, propriamente dito, funciona como
determinante do nome substantivo e, juntamente com ele, é um nome, ou seja, uma
palavra que se remete à mesma designação inerente ao conteúdo dos substantivos,
mas dela difere por restringir ou explicitar tal conteúdo. Trata-se dos chamados
adjetivos restritivos ou explicativos; classificação proposta pelos nossos gramáticos
tradicionais, como por exemplo:
• Explicativos: leite branco, bola redonda ou arredondada;
• Livro de cem, duzentos páginas (livro grosso); livro de dez
páginas, quinze (livro fino)
Não há livros desprovidos de páginas, nesse sentido é explicativo; mas ser
fino ou grosso, qualifica o livro pela quantidade de páginas e, assim, ao qualificá-los,
os classifica e, por isso, são restritivos.
Nessa acepção, os restritivos funcionam de modo a precisar a concepção
designada pelo substantivo para:
a) classificar ou tipificar um “objeto” representado pela designação:
108
a¹) como: bolsa de couro, de napa, de plástico (um tipo de material de que
é feita a bolsa);
a²) como: gaveta de meias, de pano de prato – conteúdo de um contender;
a gaveta, ou seja, a sua função;
b) diferenciar uma designação genérica: vestido verde, azul, amarelo.
c) flexibilizar o conteúdo de uma designação genérica, em relação à gradação
de uma dada qualidade ou estado: menina bonita, feia, feinha, menina
alegre, alegrizinha, alegrona.
Para Koch (2004) o adjetivo, propriamente dito, deve ser descrito como um
sintagma adjetival (SA), indexado ao sintagma nominal; por exemplo: Aquela menina
bonita está triste.
O
SN SV
Det. N Modif. Cop. Modif.
SA SA
Aquela menina bonita está tristeNesse caso, o copulativo (verbo de ligação) diferenciará o SA do S.N – função
de sujeito – do SA - função de predicativo. Para Lemle (1989) é preciso considerar
que há na relação de comando (regência) entre o SN (referente) e o S.A (regido),
justificada pela concordância do adjetivo com o substantivo e não o contrário.
Para Pontes (1978), é preciso considerar que os adjetivos são classes de
palavras que pertencem ao léxico e não à gramática, como é o caso dos artigos e
dos pronomes que integram a classe dos determinantes, principalmente no caso dos
pronomes demonstrativos que não admitem o uso dos artigos definidos (o esse, o
aquele menino) – ao contrário dos possessivos - O meu pai, a minha mãe – estes
109
seriam agrupados dentro dessa mesma classe, qual seja, a dos artigos. A autora
justifica essa sua posição por um ponto de vista histórico, valendo-se dos estudos de
Celso Cunha (1978).
Afirma Celso Cunha (1978) que quando se fala em determinantes inclui-se o
artigo definido, de modo que os determinantes do SN se classificariam em
quantificadores, demonstrativos, referenciadores e numerais. Assim compreendidos:
a) Os quantificadores e os demonstrativos funcionam:
a¹) como definidos - todos e ambos; este, esse, aquele e
a²) como indefinidos – algum, nenhum, qualquer, cada e um;
b) os referenciais – outro, mesmo, tal e próprio;
c) os numerais se subdividem em cardinais: um, dois...;
quantitativos: pouco(s), vários, muitos, e em ordinais: primeiro,
segundo...
O critério de que decorre essa classificação dos indefinidos está
fundamentada no princípio da distribuição, qual seja:
• os indefinidos propriamente ditos, ao contrário dos
demonstrativos não são empregados como
quantificadores, como é o caso dos demonstrativos:
Quero os vestidos do balcão.
Quero dois daqueles vestidos do balcão.
Quero só aqueles vestidos do balcão.
Assim, são agramaticais construções do tipo:
algum
nenhum
Esse qualquer vestido.
um
110
Observa-se que os indefinidos só ocorrem na primeira posição como
expressão de um SN de orações em que eles ocupem a posição de sujeito. E,
quando ocupam o a posição de objeto – não vi nenhum, qualquer, o, vestido - tem
valor de negação. Logo, não é possível combinar, por exemplo, “todos” com
“alguns”, “quaisquer”, por essa razão, todos, alguns, qualquer, cada e um formariam
uma única classe: a dos quantificadores - definidos propriamente ditos, ainda que se
tenha:
Todos os meninos.
Todos aqueles meninos.
Ambos os meninos.
Há de se considerar, nos exemplos acima, a diferença de interpretação entre
“todos” e “ambos”: embora “ambos” faça remissão ao traço + contável = dois e todos
como “contáveis” , eles sempre designam a totalidade de um dado conjunto:
• Todos os toxicômanos merecem tratamento médico= a
classe, um conjunto dos homens que faz uso de substâncias tóxicas, e
não todos os homens.
• Todos os homens são mortais = assim como qualquer outro
animal; mas a referência é feita apenas a um conjunto deles: aquele
referente ao animal humano.
Já os quantificadores indefinidos sempre farão referência a uma parte de um
dado conjunto.
Alguns toxicômanos merecem tratamento médico;
Poucos homens são imortais = aqueles cujos ideais são atemporais, existem
mesmo após a morte. Mas “todos” não ocorre em construções partitivas, como
acima, de modo a se remeter a “uma parte de”, um conjunto, como é o caso de
alguns, poucos.
111
Nesse sentido, “todos” e “ambos” são membros da classe dos quantificadores
definidos e “algum”, “nenhum”, “qualquer”, “cada” e “um” dos definidos. Já os
pronomes “pouco”, “muito” e “vários”, empregados com alto grau de freqüência no
plural, são alocados na classe dos determinantes numerais, visto se remeterem ao
valor de “quantidade não mensurável”, em oposição a “um, dois, três, quatro...”.
Assim como:
(1) O pouco feijão do saco alimentou todas aquelas dez crianças.
(2) Há pouco açúcar no açucareiro - é interpretado como “pouca
quantidade de”, podendo como em (1) remeter-se ao valor de
proporcionalidade: ser pouca a quantidade de feijão em relação à
quantidade de crianças, mas ter sido suficiente para alimentá-los e, nesse
caso, implicar avaliação quantitativa, tendo como suporte a concepção de
proporção e suficiência.
As especificidades da classe dos referenciadores e dos determinantes
indefinidos decorrem do fato segundo o qual os referenciadores podem:
• Ser precedidos do definido:
O mesmo vestido
Aquele outro
Esse tal
O próprio
Já os indefinidos não aceitam tal distribuição, razão por que não são usuais
construções do tipo.
Nenhum mesmo vestido.
tal
Algum próprio
112
Todavia são usuais:
Todos os mesmos vestidos foram usados por aquelas moças.
Todos os outros vestidos foram vendidos. Em que se tem um traço semântico
que faz referência a algo, ou a alguém – todos os outros moços saíram –
mencionados em alguma parte do discurso. Assim, os referenciadores sempre são
empregados:
a) depois dos demonstrativos:
Os outros meninos.
Aquele tal menino.
Esse mesmo menino.
O próprio menino.
b) depois de pronomes, mas não de nomes próprios:
Ele mesmo. Ele próprio. Se empregados com nomes próprios tem-se a
inversão dessa ordem. O próprio Marcos – quando é antecedido de determinante
definido. Já no caso de construções como: Mesmo o Marcos, tem-se o traço
semântico de “inclusão” – Marcos que não se incluía no conjunto daqueles que
sempre fazem exercícios passa a incluir-se nele.
Esses estudos distribucionais levam Pontes (1978) e Lemle (1989) à seguinte
classificação dos determinantes do SN, conforme quadro abaixo:
Quantificadores Demonstrativos Referenciadores Numerais
Definidos todos
ambos
O A (s)
Este (s) (a)
Esse (s) (a)
Outro (a)
Mesmo (a)
Tal
Próprio (a)
cardinais quantitativos ordinais
113
Indefinidos
Alguns
Nenhum
Qualquer
um
Ø
Um
Dois
Três
...
Pouco
Vários
Muitos
...
Primeiro
Segundo
Terceiro
...
Para efeito de exemplificação, uma aplicação gramatical em língua
Portuguesa dos estudos sintáticos advindos do procedimento estrutural
chomskyano, todavia, ainda com terminologias tradicionais, pode ser observada nos
estudos de Perini (1976) que tenta atribuir relevo às questões que norteiam a Língua
Portuguesa sob o ponto de vista estrutural, o caráter de generalidade:
(...) o que estamos fazer é construir a gramática de uma língua – nãoapenas daquele conjunto de sentenças que formam os nossos dados nomomento. Isto significa que as regras que propusermos para um determinadoconjunto de sentenças deverão ter valor geral na língua, aplicando-as a todasas sentenças em que as condições necessárias forem satisfeitas. (PERINI,1976. p. 71)
Esse caráter genérico do qual Perini se vale submete questões referentes à
identidade lingüística do português do Brasil ao modelo de análise que não
corresponde em sua totalidade à do modelo norte-americano. Este falso pressuposto
de adequação teórica, em muito contribuiu para um aprendizado acerca da língua,
sob a perspectiva mecanicista e superficial acerca dos fenômenos lingüísticos.
Assim, ao analisar a obra de Perini da década de 1970, observa-se uma tentativa de
atribuir aos velhos conceitos da gramática tradicional, outros correspondentes a
Gramática Gerativa Transformacional, sem abandoná-los, compondo mais tarde, a
gramática descritiva do Português.
3.4.1 A Gramática Dependencial ou Funcional.
O modelo teórico de que resultaria a Gramática Dependencial ou Funcional,
no âmbito da vertente estruturalista européia, foi desenvolvida por Lucién Tesnière,
também na década de 1950.
114
A principal obra desse lingüista é Eléments de Syntaxe Structurale, de 1959,
em que se registra a sua teoria voltada para o estudo dos fatos gramaticais
concebidos como um sistema de organização e funcionamento das línguas. Toma
como objeto de observação e análise o francês, elegendo como espaço de
observação aquele centrado na prática de um modelo de observação voltado para a
comparação entre diferentes gramáticas de várias línguas. O seu esforço é não só
descrever os fatos gramaticais, mas também relacionar esses fatos a uma
nova/outra prática de docência, de sorte a favorecer a compreensão das estruturas e
funcionamentos dos fatos lingüísticos pelos aprendizes de uma língua (p.10). Logo,
os seus estudos são revestidos de um propósito didático. Entretanto, eles têm tido
pouca divulgação no Brasil e poucas são as Universidades que os privilegiam como
programas de ensino de cursos de formação de professores; a opção recai sobre a
Gramática Gerativa Transformacional. Nesse sentido, a sua produção remete-se a
uma teoria construída e aplicada com os aprendentes da Escola Normal, de
Montpellier, na França.
Tesnière insiste na importância a ser atribuída à concepção de função,
quando o objetivo é tratar da Sintaxe de uma dada língua para descrever a estrutura
dos seus enunciados, quer na dimensão frasal e/ou textual: “(...) tuvo el honor de dar
um ejemplo de análisés gramatical integral(...) sobre um texto literario de carácter
muy ediomatico, uma fábula de La Fontaine “ (J. FOUNQUILT, 1994, p.12). Logo, a
sua sintaxe se faz adequada para o tratamento do texto.
A compreensão do modelo teórico proposto pelo lingüista francês implicaria
em se apreender a distinção entre sintaxe estática – aquela proposta pelos nossos
gramáticos tradicionais, por exemplo – e sintaxe dinâmica. A primeira teria por marco
as categorias gramaticais herdadas pela tradição greco-latina à qual estaria
subordinada. Assim, tal sintaxe seria produto da sintaxe dinâmica: aquela
desenvolvida por Tesnière cujo marco são as funções. Desta feita, o objeto de
estudo da sintaxe estática é a ordem linear; o da sintaxe dinâmica é a ordem
estrutural que faculta diferenciar as funções de uma dada estrutura lingüística.
Observa-se o uso do termo transformação pelo estudioso francês; contudo,
diferentemente da lingüística estadunidense, ele postula que a ordem estrutural é de
115
várias dimensões, enquanto a linear é de uma única dimensão; logo não há
equivalência unívoca entre essas duas concepções de sintaxe e tampouco entre a
desenvolvida pela lingüística européia e estadunidense. (J. FOUNQUILT, 1994).
Outra diferença significativa entre a lingüística estadunidense e a européia é o
fato de essa sintaxe dinâmica situar-se na zona intermediária em que se articula a
semântica e a sintaxe. Para tanto, busca-se focalizar as relações sintático-
semânticas de modo a dar conta da atividade da fala, privilegiando-se as
concepções do “fala” e do “compreender” o que se “diz” pelo exercício da fala.
(...) <<hablar>> es estabelecer entre lãs palabras um conjunto de conexiones(...) <<Compreender>> aprehender el conjunto de conexiones que unem lãspalabras. (...) hablar uma lengua es transformar el ordem estructural enordem lineal, e compreender una lengua es transformar el ordem lineal enordem estructural. (J. FOUNQUILT, 1994. p. 33-34).
O eixo do modelo de gramática dependencial, fundado na concepção de
sintaxe dinâmica, é a de conexão entre palavras: elementos constitutivos da frase
que, assim focalizados, deixam de ser concebidos como unidades lingüísticas
isoladas, como apresentadas na descrição dos dicionários. Em conexão, as palavras
devem ser compreendidas na/pela relação que estabelecem entre si, de modo que a
frase se explica como conjunto dessas relações. Do ponto de vista da sintaxe
estrutural, a frase é sempre o ponto de chegada e jamais o ponto de partida de um
modelo de descrição, cujo foco é a conexão; entretanto, ela é o lugar, o meio natural
que asseguram a existência da palavra.
Os gramáticos, normalmente, tomam como ponto de partida a noção de
palavra para chegarem à de frase, quando deveriam proceder de modo inverso:
tomar como ponto de partida a de frase para se chegar à noção de palavra: o que o
homem aprende não são palavras, mas conexões: a armação da frase. A conexão é,
portanto, matriz para a expressão do pensamento e, assim sendo, dada a frase
“Alfredo fala” ela é composta por três elementos: “Alfredo”, “fala” e a conexão entre
ambos:
“Cuando digo: Alfredo habla, no quiero decir , por um lado que hay um
hombre que se llama Alfredo e, por outro; que “alguien habla”, seno que “Alfred
116
realiza la acción de hablar”, y a la voz, que, “el que habla es, Alfred”. Logo, analisar
tal frase como sendo constituída de dois elementos é centrar-se na dimensão
morfológica da língua e descuidar do que é essencial, ou seja, da conexão, do
vínculo sintático. Por conseguinte, é a conexão que responde pela concepção de
frase, pelo seu caráter orgânico e vivo: um princípio vital. (J. FOUNQUILT, 1994. p.
21-23).
A representação das conexões que respondem pela estruturação da sintaxe
dinâmica é feita por meio de estemas: uma arborescência, não necessariamente
binária, como aquela de Chomsky (O= SN+SV) concebida numa dupla dimensão,
mas focalizada apenas quanto à estrutura profunda. Assim sendo, o estema coloca
em prática um modelo de elaboração teórica bastante diferente daquele proposto
por Chomsky, pois Tesnière redefine o modo de articulação entre morfologia, a
sintaxe e a semântica – para ele, a língua é uma estrutura morfossintático-
semântica. Tal estrutura sempre é subjacente à ordem linear, cujo produto é a frase.
Postula ser necessário estabelecer uma distinção entre o plano do pensamento e o
da língua.
O plano do pensamento se qualifica como abstrato, de ordem psíquica e
lógica, cujas categorias são universais e invariáveis; o plano da língua se qualifica
como formal, de ordem lingüística, cujas categorias são variáveis. Esse plano formal
se apresenta por uma dupla dimensão: uma forma interior, abstrata e uma forma
exterior que implica o investimento fonético. O objeto de estudo da sintaxe dinâmica
é a forma interior, cujo conteúdo é semântico. Assim, forma (sintaxe dinâmica ou
estrutural) e conteúdo são dimensões interdependentes da língua, ou seja, aquelas
inerentes à semântica. Logo, não se dissocia sintaxe de semântica, a não ser por
questões de ordem metodológica:
“(...) Una cosa es la <<estructura>> de uma frase, y otra cosa es la <<idea>>
que expressa y constituye seu sentido. Es impossible, pues, distinguir entre el
<<plano estructural>> y el <<plano semântico>>”. (J. FOUNQUILT, 1994). O sentido
é a razão de ser da estrutura e a estrutura a razão de ser das palavras: papel
essencial, inerente ao funcionamento do sistema sintático-semântico de uma língua.
117
Portanto, as palavras são sempre focalizadas em função de um dado uso, de modo
a se compreender por função esse papel, no plano de expressão do pensamento.
Uma síntese destes pressupostos é elaborada por Fuchs e Lê Goffic (1975.
P. 50) pelo seguinte quadro:
A sintaxe dinâmica implica uma revisão das categorias tradicionais ou partes
do discurso que, conforme já apontado, são também avaliados por Tesniére como
heterogêneas, na medida em que elas se definem pela mescla de diferentes
critérios. Esse autor classifica as palavras em plenas – nome; substantivo e adjetivo;
verbo; advérbio e pronomes – e palavras vazias, como as preposições, as
conjunções e os determinantes. Carregados de função semântica, as palavras
plenas têm a função de representar e evocar idéias; as vazias são instrumentos
gramaticais; cuja função é a de indicar, preencher e transformar a categoria das
palavras plenas e regular as relações entre elas. Convém salientar que, em se
tratando das preposições, pertencentes à categoria das palavras vazias, em língua
portuguesa, seu uso apresenta sentidos semânticos concomitantes à uma dada
situação de uso. Como no caso: morrer de frio – estabelece a relação causa e
118
conseqüência, em contrapartida, o mesmo sentido não ocorre em: morrer com frio –
neste caso, a causa da morte não está diretamente relacionada à condição de estar
com frio. Desta feita, as preposições, em língua portuguesa, apresentam
considerável carga de significação o que não lhes confere o enquadramento na
categoria das palavras vazias.
Afirma Tesnière que esta definição entre palavras plenas e vazias,
fundamentada pela/na semântica, deve corresponder à distinção entre palavras
constitutivas e palavras subsidiárias, na dimensão estrutural. Uma palavra será
constitutiva quando assumir uma função estrutural e se tornar um “nó”, como por
exemplo, em: O livro de Alfredo, em que as palavras “livro” e “Alfredo” são
constitutivas. Já as palavras “o” e “de” são subdiárias, por assumirem uma função
estrutural e formar um “nó”, pelo fato de aparecerem no interior desse nó, mas não
formarem por si mesmas quaisquer nós. Desta feita, só as palavras plenas
funcionarão como núcleos semânticos; as subdiárias aparecem no interior desses
núcleos, mas o centro estrutural será sempre a palavra constitutiva. Logo, as
palavras subdiárias não têm autonomia. No caso dos pronomes pessoais do caso
reto ou oblíquo, eles são tratados no estema, a partir da concepção de actantes –
pessoas ou coisas que participam do processo designado pelo verbo – da
concepção de anáfora desenvolvida a partir de Tesnière.
A conexão se inscreve na dimensão estrutural e estabelece entre as palavras
relações de dependência, de modo que tais relações respondem pela conexão entre
um termo superior (regente) e um termo inferior (regido); razão por que tais relações
são representadas por uma linha vertical, para explicitar relação dependencial.
Contudo, um termo regido ou subordinado a um regente pode se tornar o regente de
outro, como por exemplo:
Saiu = regente
Amigo = regido, mas regente em relação a “meu”
Meu = regido
119
O nó formado pelo termo regente, ao qual todos os outros termos da frase
estão subordinados, é o nó central e este papel é exercido pelo verbo: o nó dos nós
de uma estrutura frasal. Contudo, nada impede que uma frase tenha um
subordinativo ou um adjetivo ou advérbio exercendo o papel de nó – fato este
comum em títulos de livros ou filmes:
1)“bonitinha (A) _ mas _ ordinária” (A)
2)“O tempo (O) _ e_ o vento (O) (cf. Junção , p:)
1. “O crime do Padre Amaro”.
A= Adjetivo
O = substantivo
E = circunstante (advérbio)
I = Verbo
120
Observa-se, nos exemplos acima (1 e 2) que Tesnière reconhece o fato de
não ser o verbo, necessariamente, o centro organizador de uma frase e, assim,
rompe com versão tradicional e mesmo com as Gramáticas Gerativistas.
O estema é constituído pelo conjunto de linhas que aponta para a hierarquia
das conexões, facultando visualizar a estrutura da frase. Ele expressa a atividade do
falante e se define como a expressão gráfica da ordem estrutural. Assim, na
descrição de frases simples, o verbo expressa um pequeno drama e, como tal,
“comporta obrigatoriamente um processo e geralmente <<actores>>”. (J.
FOUNQUILT, 1994. p.169).
A transposição dessa representação dramática, em língua, se explica:
Processo = verbo (I)
Atores = actantes (O) – as pessoas ou coisas que participam do processo são
sempre representadas por substantivos ou equivalentes aos pronomes pessoais.
Circunstâncias = circunstantes (E) expressam as diferentes circunstâncias:
tempo, modo, causa... em que o processo se desenvolve (advérbios).
O número de actantes, pessoas ou coisas que participam do processo
expresso pelo verbo, depende da valência do verbo: a) monovalentes – verbos que
regem apenas uma pessoa; b) bivalentes – verbos que regem duas pessoas; c)
trivalentes – verbos que regem três pessoas; d) avalentes - aqueles desprovidos de
actancia por expressar um processo que se desenvolve por si próprio, como é o
caso de acontecimentos meterológicos como chover, nevar, garoar, em que não se
tem atores. Assim, os estemas que descrevem as conexões desses tipos de verbos
são:
121
• Avalente = Choveu
• Monovalente = A
• Bivalente = B
• Trivalente = C
A esses estemas, respectivamente Tesnière designa por linear, bifurcado e
trifurcado, e mantém para o primeiro actante, (01), a designação de sujeito; para o
segundo, 02, a de objeto e para o terceiro, (03), complemento de atribuição.
Considera que não se pode pressupor haver oposição entre o actante sujeito e o
actante objeto; pois ambos estão subordinados ao verbo e designam noções
sintáticas bastante claras: o primeiro realiza a ação (01) e o segundo é afetado por
essa mesma ação (02). No caso do actante (03), ele não é afetado pela intervenção
dos outros dois, pois a ação é realizada em seu proveito ou detrimento.
Faz-se necessário ressaltar que para esse gramático não pode haver
estrutura desprovida de função e, assim sendo, o verbo exerce a função de
representar ação referente a um processo - modo de proceder: fugiu, pegar, dar – do
qual participa um, dois, ou três actantes. Observa-se não haver, como na Gramática
Tradicional, hierarquia entre as funções de actante (01), sujeito e actante (02), objeto
e “beneficiado” ou “prejudicado” actante (03). Desta feita, são papéis diferentes que
se explicitam por relações de complementação e não de oposição, de modo que,
quando se opõe sujeito e objeto não se apreende o equilíbrio estrutural da frase.
122
Em se tratando dos circunstantes (E), também regidos pelo verbo, não há
para eles um número definido como é caso dos actantes, de modo que um verbo
pode reger vários circunstantes. No estema, os circunstantes são colocados na
mesma posição dos actantes.
Resta observar a concepção de junção e translação, para explicitar a
concepção de frase complexa. A junção e translação realizam-se por juntivos e
translativos, ou seja, por palavras vazias.
A junção refere-se à coordenação entre palavras ou frases e pode responder
por diferentes matrizes semânticas; entretanto os juntivos não equivalem apenas às
chamadas conjunções coordenativas. Dada as frases:
Ou Pedro e João gostam de sorvete. Ou Maria comprou verduras e frutas.
Tem-se “e” como juntivo: palavra cuja função é unir entre si palavras plenas
ao núcleo regente: “verduras e frutas” são núcleos da mesma natureza, entre os
quais se situa o juntivo “e” como marca, sinal de junção entre duas frases:
123
(1) Maria comprou verduras.
(2) Maria comprou frutas.1
ou
(1) Pedro gosta de sorvete
(2) João e Pedro gostam de sorvete.
Do apagamento dos termos repetidos em (1) e (2) tem-se, nesse caso, a
marca de junção de duas frases, na dimensão da expressão da fala. Assim, não há
conexão estrutural desprovida de conexão semântica, de sorte que o juntivo é um
sinal que possibilita diferenciar a frase simples da complexa, como no exemplo
acima, ou em:
Maria e José compraram frutas e verduras, cujo estema seria:
A função, portanto, implica conexões entre nós da mesma natureza,
referentes a dois actantes (o sujeito e o objeto), ou entre processos também da
mesma natureza:
Viajar por terra e por mar. (junção entre circunstantes)
1 Observa-se que nossas gramáticas designam “Pedro e João” como sujeito composto = resultado da composição de frases
em uma. Centrado nesse caso, não designam “verduras e frutas” por objeto direto composto, cancelando o sentido de ser a
composição de dois objetos: alvos da ação de Maria.
124
Os juntivos2 também podem ocorrer entre termos cujo valor semântico são
contrários entre si, designados por juntivos antinominicos, dialéticos ou justificativos,
que expressam:
a) oposição entre dois contrários (mas);
b) a passagem de uma noção negativa para outra positiva que
arrasta consigo valor semântico de “contrário” ou de “contraditório”, como
em:
2 As diferentes matrizes semânticas dos juntivos não são aqui apresentadas por razão de síntese e em função dodesenvolvimento do tema.
125
A translação é também uma operação gramatical que, ao lado da junção e da
conexão dão especificidade à sintaxe estrutural. Ela consiste em transferir uma
palavra plena de uma categoria gramatical em outra categoria: substantivo em
adjetivo, ou vice-versa; substantivo em advérbio, verbo em substantivo, e dessa
troca resulta a mudança de função. Essa operação de translação é representada
pelo símbolo: devendo se observar a seguinte terminologia:
• Transferido - o termo ou categoria focalizada antes da
mudança de categoria: casa, belo, nadar, Pedro, galinha
(=substantivo, adjetivo, verbo, substantivo, substantivo
respectivamente).
• Translativo – termo que designa palavras vazias que
respondem pela translação: em, o, -eza, de;
• Transferendo – o termo ou o transferido focalizado após a
translação, a mudança de categoria: em casa, o belo, a beleza, o
nadar, de Pedro.
Casa = substantivo em = preposição
Belo= adjetivo o = artigo
Transferidos Nadar = verbo Translativos de = preposição
Pedro = substantivo -eza = sufixo
Galinha = substantivo ar = sufixo
em casa
126
o belo
Transferendo o nadar
de Pedro
beleza
galinhar
Essas translações são designadas de “primeiro grau”, pois as de segundo
grau remetem-se às chamadas orações subordinadas: o transferido, nesse caso, é
um nó que domina a frase inteira: “Quero que você me aqueça neste inverno e que
tudo mais vá para o inferno”:
Assim “aquecer” e “ir” são verbos que exercem a função de 02 = actante
objeto de querer; logo, funções de substantivos.
Os postulados acima foram explicitados para se poder compreender a
estrutura e o funcionamento dos pronomes – objeto dessa investigação – e para
apontar que, ao contrário da Gramática transformacional, as descrições
127
fundamentadas em tais postulados facultam um maior grau de compreensão dos
fatos da linguagem. Esses fatos investem-se de grande grau de complexidade e
apontam que a linguagem não se deixa explicar por modelos da lógica matemática -
precisam ser compreendidos no âmbito da atividade da fala: um exercício que visa a
dar tangibilidade às relações do pensamento pela materialidade da língua. A
complexidade da descrição proposta decorre da própria complexidade da língua
que, por dar forma ao pensamento, assegura a atividade da fala e faculta ao homem
dizer:
(...) no que se refere a su concepcion del plano del pensamiento “abstracciónhecha de toda expressión lingüística”, plano según el “objetivo e consciente “:el en este sentido se opone a Saussure que decía:“no hay ideas prestabelecidas y nada es distinto antes de la aparición de lalengua” – en la relación que plantea entre el plano del pensamiento y el planode la lengua (atividade metal subjetiva e inconsciente. (FUNCHS e LêGOFFIC, 1975 p. 56).
3.4.1.1 Os pronomes pela perspectiva da Gramática D ependencial
Os estudos sobre o pronome pela Teoria de Lucién Tesnière estão propostos,
a partir da sua concepção de morfologia na sua relação com a concepção de sintaxe
dinâmica e com a compreensão da classe dos nomes como palavras plenas,
qualificadas como constitutivas e subdiárias. A esses pressupostos é necessário
acrescentar aqueles referentes à anáfora.
Para Mattoso Câmara Junior (1970), a sintaxe, desde que compreendida pelo
principio da relação se faz extensiva à combinatória de sons ou letras de que
resultam as sílabas e à combinatória de sílabas de que resultam os morfemas,
destes na formação de palavras e destas na formação da frase. Esta mesma
concepção está registrada na Gramática Tradicional Contemporânea.
Tesnière compreende ser esta uma concepção inerente à sintaxe estática e
observa que tal posicionamento submete os estudos sintáticos aos morfológicos.
Considera que a conversão do esquema estrutural, alinear, na ordem linear
estabelecida pelas línguas de caráter sintagmático, como as neolatinas, implica o
128
investimento fonomorfológico, por meio do qual a frase se materializa. Essa
materialidade assegura à frase uma forma externa destinado a alcançar os ouvidos
ou os olhos e que não se confunde com o esquema estrutural, tampouco com o
linear, na medida em que tem natureza essencialmente concreta. Essa forma
externa da frase, para o autor, é o objeto de estudo da morfologia; pois o objeto de
estudo da sua forma interna é a sintaxe:
“La sintaxe es, por tanto, bien <<distinta>> de la morfologia: es
<<independente>> de ella. Tiene su propia ley: es <autônoma>>”. (TESNIÈRE,
1990. p. 59). Reconhece que essa sua posição rompe com estudos clássicos,
principalmente os desenvolvidos no século XIX que tivera por parâmetro a fonética e
a morfologia, de modo que os estudos publicados sobre a sintaxe têm, de modo
geral, caráter “sintático-morfológica”. Recorre a Charlles Bally cujos estudos na área
de estilística apontam ser necessário reabilitar as forma interior da linguagem,
fundamentando-se na observação do que ocorre não espírito do sujeito, falante,
quando expressa aquilo que pensa: posição assim assumida por Tesnière:
“(...) cuando hablamos, nuestra intención no es la de encontrar depués um
sentido a una seria de fonemas preexistentes, sin o dar una forma sensible
fácilmente transmisible a un pensamiento preexistente y que es su única
razón de ser. Em otros termos, el telégrafo está para transmitir telegramas,
no los telegramas para hacer funcionar el telegráfo.” (1990. p. 61).
Afirma que por eleger a sintaxe articulada à semântica para o tratamento da
estrutura e funcionamento da língua, torna-se necessário fazer uso de outro termo
diferente de “sentido” para tratar da relação entre o pensamento (= expressando o
que está sendo expresso pela atividade da fala) e o esquema estrutural e o linear,
referentes à dimensão lingüística, por um lado. E, por outro lado, fazer uso do termo
“expressado” para tratar do investimento fonético e, para tratar da morfologia, o
termo selecionado é “marcante morfológico”.
“O termo ‘marcante morfológico’ expressará no y ala relación entre el
expresando y el expresante, sino la relación del expressado com o expressado”. (p.
61). Logo, quando Tesnière faz uso da expressão marcante fonológico estará se
129
remetendo à relação entre o expressado, ou seja, o investimento fonológico da frase
e o marcante, o marco do expressando, isto é, do pensamento. Assim,
compreendida, a morfologia trata do estudo desses marcantes ou marcas.
Para o autor é preciso diferenciar os marcantes entre si quanto à:
a) natureza, ou o investimento fonético que os constitui (cf.
secretário, secretária, secretaria e secretariar. p. 86 e 88);
b) a ordem em que ocorrem na cadeia falada – “secretariar”
a reunião: núcleo regente; secretário, secretária e secretaria:
actantes, ou 01, 02, por exemplo;
c) a aderência dos marcantes, compreendida como o grau
de coesão que une entre si aqueles elementos mórficos que o
antecedem ou procedem na cadeia falada. A aderência é a função
inversa da profundidade dos recortes dados na cadeia falada;
assim, dada a frase “O Pássaro fugiu da gaiola”, os recortes
pássaro/ fugiu da gaiola, em que se observa alto grau de aderência
entre o � pássaro e menor grau entre fugiu � de a� gaiola;
d) e conexões desprovidas de maçantes morfológicos como
é o caso de “O pássaro fugiu”, proferida para afirmar que o pássaro
realizou a ação de fugir e que sua fuga o tornou livre. Tal é o caso
das interrogações nucleares, do tipo “O pássaro fugiu?”, em que o
sinal gráfico “?” na língua oral, corresponde a uma entonação que
incide sobre a conexão entre o núcleo regente e o actante a ele
subordinado.
Fugiu
(?)
o pássaro
Trata-se de fatos lingüísticos que não se traduzem no plano morfológico por
quaisquer marcas morfológicas. Observa-se, assim, que Tesnière não considera o
130
morfema “zero” de concordância entre o actante sujeito e o verbo e, por isso, afirma
ser este o ponto frágil da sintaxe morfológica ou estética.
3.4.2 Os pronomes e as palavras plenas
Tesnière postula que as palavras plenas expressam diretamente o
pensamento, de modo a se remeterem a idéias gerais e a idéias particulares. As
primeiras designam palavras plenas gerais – expressam as categorias gerais que
facultam apreender idéias particulares, ou seja, têm conteúdo categórico, mas não
um conteúdo semântico que lhes seja próprio: “qualquer um” = categoria:
substantivo (conteúdo categórico, mas não expressam nenhuma idéia particular
(conteúdo semântico). As segundas designam palavras plenas particulares –
expressam idéias particulares, bem como as categorias gerais que facultam
apreender tais idéias; logo, têm um conteúdo semântico e um conteúdo categórico:
cavalo= expressa a idéia de cavalo (+ animal, + mamífero + quadrúpede + herbívoro
+ meio de transporte humano...) e à categoria dos substantivos.
Nesse contexto teórico, palavras plenas gerais podem ser tomadas por
palavras vazias, embora tais palavras – como é o caso daquelas que nossos
gramáticos tradicionais designam por pronomes indefinidos – se qualifiquem como
palavras plenas particulares: expressa, conteúdos semânticos particulares e se
remetem a categorias gerais. Assim, é preciso considerar que palavras plenas
gerais, tais quais as particulares, podem funcionar como centros semânticos de
núcleos:
A gente vai ao cinema.
131
Tanto “gente” quanto “cinema” são constitutivas de núcleos, pois se não o
fossem não poderiam constituir o actante (01) e o circunstante (E) do estema acima.
Assim, os pronomes são explicados como elementos da classe dos
substantivos e estes são compreendidos como gerais – aqueles que se remetem as
pessoas, nela inclusa os pronomes pessoais do caso reto e os indefinidos ou
indeterminados, assim como substantivos particulares: Maria, João, gato, cachorro,
por exemplo.
O pronome tem, para Tesnière, um sentido bastante preciso:
a) eles são adjetivos empregados com a função de substantivos e, nessa
acepção. “(...) el pronombre no es más que uno dos multiples casos particulares del
fenômeno más geral de la traslación” (p. 109), por exemplo: Pedro = substantivo
particular, com função de actante (01) ou (02):
Pedro = substantivo geral, com função de adjetivo epíteto (= aquele que
qualifica, determina um substantivo à semelhança de cavalo bravo, para diferenciar
do adjetivo predicativo: o cavalo é bravo):
132
O cavalo de Pedro é bravo.
em que “Pedro (O) é transladado da função de substantivo para a de epíteto
(A) da palavra “cavalo”= substantivo. A mudança de categoria, implica mudança de
função: deixa de se comportar como actante; logo: mudança de categoria
(translação) e de função (dinâmica) da dimensão sintático-semântica: outra conexão:
cavalo se torna médio regente “de Pedro” para designar Pedro como possuidor e
cavalo como possuído. Nesse exemplo, a translação atribuída ao adjetivo bravo, se
justifica pelo caráter de epíteto a que esse adjetivo possui. Desta feita, pode-se
afirmar que “bravo” se enquadra na categoria dos cavalos não mansos.
Nesse caso, a palavra transferida mantém as características da categoria a
que pertence, mas deixa de ser morfossintaticamente um substantivo, visto realizar
outra estrutura de frase em que figura como adjetivo – é transladado: O>A,
facultando a economia da sintaxe. Por conseguinte, o valor semântico de “posse”
tanto está materializado em língua portuguesa por esse modelo de translação – “de
Pedro” = dele + seu - quanto pelos chamados pronomes possessivos pelos
gramáticos tradicionais e, nesse sentido, eles integram à categoria dos adjetivos.
Assim sendo, em “meu cavalo”, “teu livro”, “seu lápis”... esses pronomes asseguram
tal conteúdo semântico pelo grau de aderência em que se inscreve o valor
133
semântico da relação “possuidor (eu, você, etc.) e possuído (cavalo, livro, lápis),
cujos estemas seriam:
b) eles são autênticos substantivos gerais e, nesse caso, têm gênero e
número gramatical, além de não poderem estar em paralelismo, quer como o
conteúdo semântico do adjetivo ou com a função do epíteto. Esses
substantivos gerais compreendem:
b¹) os substantivos interrogativos: Quem? O quê? – já os interrogativos
“Quando?”, “Como?”, “Onde” integram-se, quanto ao conteúdo semântico e
função sintática à categoria dos circunstantes; já “qual?” (= o qual/ a que?)
“como é?”, a categoria dos adjetivos.
Observa-se que os substantivos interrogativos são bastante
numerosos, de modo que o conteúdo semântico desses substantivos
pronominais são bastante variáveis, bem como suas funções sintáticas:
actantes, adjetivos e circunstantes, como se observa nos estemas abaixo:
134
Tais interrogações, designados nucleares, nas suas variações, como se
observa, podem ocupar diferentes núcleos subordinados ou regentes, referentes às
categorias que exercem função substantiva, adjetiva ou de epíteto e de circunstante;
razão por que há grande liberdade para se usar tais substantivos. Há de se
destacar, dentre tais substantivos, aqueles que se referem a noções gerais –
indeterminação e indefinição – que expressam idéias vagas e /ou indeterminadas:
“um homem passou por aqui; qualquer um poderá fazer esse trabalho”
Nesse contexto de reflexões, Tesnière apresenta a seguinte classificação
para os substantivos:
Interrogativos – quem?
negativos – nada, ninguém
Gerais Pessoais – eu, tu...
Indeterminados: qualquer ...
Substantivos
Particulares Comuns ou apelativos – cavalo
Próprios – Alfredo ...
135
Identifica como substantivos pessoais: eu, tu, ele... e os designa como
pronomes pessoais propriamente ditos e ressaltam que qualquer análise detalhada
das categorias gerais não é o objeto de estudo da sintaxe estrutural, mas sim da
sintaxe categórica. E, operando como os princípios da extensão e o da
compreensão diferencia substantivos próprios – aqueles cuja extensão é limitada, já
que se aplicam a indivíduos, mas cuja compreensão é mais ampla, visto se
remeterem a indivíduos que têm inúmeras qualidades – dos substantivos comuns.
Esses funcionam para designar tudo que nos rodeia e, muitas vezes, são nomeados
apelativos, cujo inconveniente é de só poderem ser aplicados aos nomes próprios:
Maria, venha cá. Maria, por favor... Aponta que os limites entre substantivos gerais e
particulares perdem a sua linha divisória, pois quanto mais se amplia a extensão e
se limita a compreensão dos substantivos particulares mais se aproxima dos
substantivos gerais e vice- versa, visto que:
Los substantivos próprios, cuya extensión es restringida y su compreensiónilimitada, son opostos a los substantivos generalles, cuya compreensión esrestringida e su extensión ilimitada, mientras que los substantivos comunes,cuya extensión e comprensión son media, se situa entre ambos (p. 112).
Esse mesmo critério classificatório é empregado para classificar os adjetivos
em gerais – indeterminados e indefinidos – e particulares. Contudo, os adjetivos não
têm nenhuma extensão por si mesmos – a idéia de branco, por exemplo, é
independente de sua aplicação em qualquer caso particular. É essa ausência de
extensão que faculta diferenciar o substantivo do adjetivo - branco se aplica ao
homem, quer numa perspectiva física ou não: homem branco, homem de alma
branca, ou às coisas: lápis, cadeira, armário, parede... Assim, a extensionalidade da
idéia a que se remete o adjetivo está delimitada pelo substantivo por ela
determinado. Logo, se a compreensão dos adjetivos tica restrita pela sua
combinatória com o substantivo, não é possível usar os princípios da extensão e o
da compreensão para classificá-los e, por essa razão, Tesnière os classifica em
atributivos e relacionais, tendo por critério a idéia expressa pelo próprio adjetivo. São
atributivos, por exemplo, armário branco, bolsa bonita, e os que expressam idéias de
quantidade: dois armários, quatro bolsas (numerais) ou pouco, muito.
136
Os adjetivos de relação se remetem a um substantivo que, por sua vez, se
refere a uma pessoa ou a circunstâncias de tempo e/ou lugar e, por isso, são
classificados em: adjetivos pessoais e adjetivos circunstanciais – os primeiros
evocam a idéia de pessoa; os segundos de circunstâncias (advérbios). Apresentam
abaixo, dois quadros que sintetizam tais classificações:
de qualidade
Adjetivos
atributivos
de quantidade
De relação
Pessoais
Circunstâncias
Observa-se que:
a) adjetivos do tipo cartesiano, machadiano, são do tipo
particular: textos machadianos = aqueles que são de autoria de
Machado;
b) adjetivos que se remetem a quantidade gerais – muito,
pouco, grande, em português são lexicalizados por: b¹) prefixos:
hipermercado, mini mercado, multi livraria, ou por b²) sufixos:
viela, ruela – pequena via ou rua, casarão. b³) por advérbios de
intensidade como: um grande número de (quantidade).
Os adjetivos pessoais seriam:
Meu, teu, seu nosso,
vosso,
seus...(possessivos)
Brasileiro (adj. Pátrios, de
origem, pertença).
Este, esse, aquele...
(demonstrativos)
Homem do posto.
Menino de rua.
Gerais Particulares
Tal (uma tal pessoa)
Igual, semelhante a,
Certo, tão bom...
Branco
Bonito como
...
Muito = em grande
quantidade ou qualidade
Dois
Três
...
137
No singular
1ª pessoa
2ª pessoa
3ª pessoa
Meu, minha
Teu, tua
138
representada, mas na língua por um ponto de vista gramatical. Nessa acepção,
quando as pessoas que falam focalizam a si mesmas, como fonte das ações
desencadeadas pela linguagem, a representação dessa concepção as leva a se
designarem por “eu”; se ao invés de focalizarem a si mesmos como falantes, mas o
foco incidir sobre aquele com quem se fala, agora, concebendo como fonte de
ações, dessa representação, responde pela designação “tu”. Se, durante o ato de
fala a pessoa focaliza respectivamente a si ou ao outro como alvo de ações, as
designações são “me, mim, te, ti”, em português, precedidas ou não de preposição,
em função da regência verbal: para mim; a mim; para ti; a ti e, no caso de “me” ou
“te”, tem-se aglutinação dessas formas ao verbo, separadas em língua escrita por
hífen: apenas uma questão de convenção: dá-me; dou-te.
Os estudos de Benveniste (1976) sobre esse tema apontam não ser fácil
diferenciar “pessoas gramaticais” de pessoas do discurso: o que fala, aquele com
quem se fala e aquele de que se fala, na medida em que tais pessoas se explicam
pelo princípio da subjetividade. Para esse autor, quando se privilegia tal principio, é
preciso considerar que as estruturas subjetivas, de caráter psicológico, apontam que
os fatos lingüísticos se explicam por correlações binárias e estes se superpõem à
personalidade (sema que é o fundamento da concepção de pessoa) e, portanto à
subjetividade. Assim, é a personalidade que várias línguas do indo europeu com
línguas semitas, dentre outras, apontam ser necessário considerar que os
substantivos pessoais têm a tendência de se converterem a índices pessoais, na
função de 1ª e 2ª ou 3ª actante. Essa conversão em elemento indicial assegura a
sua não manifestação ou materialização no plano da expressão frasal, pois o verbo -
termo regente – assume formas de flexão para assegurar a indiciação de pessoas.
Todavia, na representação estemática, os índices mantêm a posição do actante, por
exemplo:
139
Observa-se, no exemplo acima, que a correlação entre aquele que fala e
aquele com quem se fala, inscrita no 1º estema, sob a forma de ordem, marca como
actante (O3) o sujeito do pedido: Eu ordeno a você ; não explicitada na frase
produto. Contudo, o uso do modo imperativo aloca o sujeito com quem se fala = tu
que também não é enunciado (Ø), na condição de beneficiador daquele que fala,
mas a forma “dá” – flexão de 2ª pessoa do modo imperativo – indicia para o usuário
ser o “tu” = você, trata da segunda pessoa e não da primeira. Nessa acepção, em
razão da ordem direta, marco qualificador do português, faz com que “você” ocupe o
módulo de sujeito gramatical: aquele que pratica a ação; mas, nesse caso, trata-se
daquele que deve praticar a ação em benefício daquele que fala, representado pelo
“me” – não como sujeito da fala, mas como beneficiário da segunda frase – não lhe
darei o livro porque eu o perdi – tem-se a razão para o não cumprimento da ordem
dada. O uso do futuro do modo indicativo flexionado na 1ª pessoa faz do “eu” (O1)
índice de pessoa que coincide com o sujeito da fala: o tu, na posição de que detém a
palavra, torna-se “o falante”, mas não para assegurar o benefício dele solicitado,
mas para negá-lo. A comutação entre “me” e “lhe”, não deixam de ser formas
distintas para denominar o sujeito da ordem: mas a primeira faz referência do modo
como o falante designa a si próprio; a segunda ao como ele é designado pelo tu;
logo, ao jogo das relações de interlocução para representar “quem está com a
palavra”, quem fala e quem ouve.
O substantivo pessoal “o” = livro, = ele, a não pessoa, é o tema, o assunto do
processo de interlocução, previsto na lexicalização do verbo, e, substitui a
designação livro para assegurar a não repetição desse substantivo particular.
140
Pode-se considerar, nessa perspectiva, que os substantivos pessoais,
concebidos como índices da forma verbal são por ela previstos por estarem
lexicalizados no conteúdo dessas mesmas formas: dar = sujeito (doador) – objeto –
sujeito (donatário; beneficiado ou não). Assim, a frase é o espetáculo constituído
pelo verbo pela inter-relação entre os actantes previstos pelo seu conteúdo
semântico. O investimento lingüístico dessas actâncias apenas desenha o jogo da
interlocução, de modo a fazer referência a ele, por meio da flexão. Esta indicia pelo
modo, pelo tempo (e/ou lugar) os participantes da ação, perspectivizados numa
temporalidade (ou espacialidade) que, inscritas no modo verbal, apontam, indiciam o
“como” está/foi focalizado o acontecimento representado em língua. No caso
exemplificado:
• Modo = imperativo: para qualificar aquele que fala como
alguém que “pode” ordenar ou pedir e aquele que ouve como alguém
que pode ou não cumprir a ordem dada. É índice de modalidade.
• Tempo do pedido = aquele referente ao “aqui e ao agora”,
inscrito ao ato de ordenar, para exigir e não dar ao ouvinte (tu) o poder
de negar. Logo, o próprio tempo da enunciação em que prevalece a
modalidade de ordenação, quando a escolha incide sobre o modo
imperativo. (BECHARA,1997).
• Modo indicativo: para qualificar o dizer daquele que fala
pela sua atitude, no caso, a da “certeza” em não poder cumprir a
ordem a ele dada. Indicia a modalidade da asserção: frase afirmativa.
• Tempo = futuro do presente: para indiciar que o objeto (=
ele = o livro) de que se fala está circunscrito a um acontecimento
ocorrido não passado = aquele que antecede ao momento da
enunciação: perda do livro. Assim, o uso futuro indicia a sua
individualidade com o passado (CELSO CUNHA, 1989) e justifica o
não cumprimento da ordem dada. Assim, esse uso indica não só a
negação do pedido, como informa sobre o não poder cumprir a ordem
dada e aloca o beneficiário na condição de prejudicado.
Desta feita, esses índices verbais são pontos integrantes dos verbos da
língua portuguesa e seus usos não implicam quaisquer dificuldades para os usuários
141
se autodenominarem como “ontivos” sob a perspectiva de “autoontivo”, ou para se
oporem uns aos outros, sem deixar de se situarem em relação aos seus outros, na
medida em que se apossam ou passam a palavra uns para os outros. Observa
Tesnière que, por essa razão os índices sempre exercem função anafórica, já que
“anontivo” (a não pessoa) é o ponto que faculta aos interlocutores se auto-
designarem como a auto ou antiontivos. Nesse sentido, a “não pessoa” é o eixo
fundador do investimento lingüístico da actância inscrita no conteúdo da forma
verbal e que equivale ao modo como as pessoas se posicionam no mundo para
estar com outros.
Mas não basta estar com “outros”, é preciso permitir que eles também
estejam comigo, sem o que não é possível ao homem reconhecer a si, em
reconhecendo o outro. Esta é a função do jogo interlocutivo, por meio do qual se
compreende a pessoa, quando se é capaz de diferenciar os interlocutores dos
modos como eles se auto-representam, representando uns aos outros. Por
conseguinte, se os índices pessoais se convertem em desinência verbal é preciso
esforço de compreensão dos recursos lingüísticos para se poder diferenciar o sujeito
gramatical (sujeito aparente) do sujeito ontivo – você na frase “Dá-me o livro” é um
“sujeito aparente”, se considerado em relação àquele que fala, pois é o ouvinte, o
antiontivo, da ordenação. Assim, não se fala em sujeito e sim em sujeitos da
enunciação: falante-ouvinte, ou vice-versa, pois é preciso diferenciar a posição de
antiontivo e antiontivo:
“me” = autoontivo
“você” = antiontivo
“lhe” = antiontivo do você
“eu” = autoontivo = você.
Em relação ao lugar em que o anotivo se encontra: sob a posse do antiontivo
– a ordem é para deslocar ao lugar de onde está para se situar sob a posse de
antioontivo. À conjunção objetiva, materializada em língua pela flexão, inscreve-se
essa complexidade do processo de intersubjetividade, inerente ao jogo da
interlocução que qualifica as práticas discursivas humanas em que será objeto de
estudo do capítulo III, explicitada por alto grau de complexidade por Tesnière.
142
3.5 As relações Anafóricas e as relações Dêiticas
A anáfora se define como conexão semântica suplementar à qual não
corresponde qualquer conexão estrutural, visto que a dimensão estrutural e a
semântica são independentes para Tesniére:
...esta independência no es sino uma visión teórica del espíritu. Em lapráctica los dos planos son paralelos de fato, ya que el plano estructural notiene outro objeto que el de hacer possible la expressión del pensamiento, esdecir, del plano semântico. Entre los dos no hay identidad, pero hay“paralelismo. (p. 71-72).
Por conseguinte, esse paralelismo se inscreve nas conexões quando se
conjugam conexões estruturais e semânticas, de modo que a dimensão estrutural
projeta a semântica, ou vice-versa. Para o gramático, a função do núcleo regente, na
dimensão estrutural é dar sustentação à incidência semântica dos elementos a ele
subordinado, devendo-se considerar que “(...) lo estructural y lo semântico no vale
sólo para lãs conexiones, sino también para los centros que estas tiene como
función conectar”. (p. 75). Assim cada nó conexional é também núcleo semântico de
funções e estes, por sua vez, são sintático–semânticas de natureza distintas:
aquelas que duplicam a conexão estrutural e aquela que exerce função semântica
suplementar, por exemplo: Maria carrega a sua própria mala e eu a do seu sobrinho.
143
Na sintaxe alinear não há elipse, segundo Tesnière e, assim sendo, é preciso
recuperar todos os apagamentos de itens lexicais que ocorrem na frase-produto.
Apresentam-se no exemplo como frases conjugadas que comportam vários
anafóricos: palavras vazias de conteúdo semântico, quando focalizados nos
dicionários, mas que se convertem em palavras plenas na dimensão do texto, ou de
fragmentos textuais. Por conseguinte, a anáfora não se circunscreve à dimensão da
frase ou da oração, visto ser ela um desdobramento, uma extensionalidade de
sentidos mais globais que rompe com os limites dessas unidades da língua.
• a palavra “sua”, regida por “mala”, institui não só uma
relação semântica de posse do objeto, mas também institui uma
relação com o possuidor – A mala de Maria = a sua mala
• a palavra “própria”, pela sua aderência semântica com
“sua” (mala) = valor do objeto possuído, também é regida por mala,
regida pelo “mídio” “carregar”, cujo papel de carregar é exercido por
Maria. Assim, a relação anafórica de “própria” com “Maria” cancela
qualquer ambigüidade de interpretação, reforçando o sentido de que é
o possuidor da mala.
• o “seu”, regido por “sobrinho” que, por sua vez, é regido
por “mala”, actante objeto do núcleo “carregar”, explicita para o leitor
que o sobrinho é de Maria e não do “eu” = actante, dois que exercem
também o papel de carregar. Logo são duas malas: a de Maria e a do
144
seu sobrinho – a primeira, carregada por Maria; a segunda por um
“eu” que, no exercício do seu papel de enunciador também se coloca
na posição de “carregador”, apontado para o leitor “ser colaborador de
Maria”.
Assim sendo, um anafórico pode estabelecer conexões semânticas entre
frases que não estão relacionadas por conexões sintáticas, conforme se apontará no
estema que se segue a esse.
Observa-se que as palavras plenas alocadas no extremo superior das
conexões anafóricas, pelas relações sintáticas, estendem seus valores ou conteúdos
semânticos àqueles a elas subordinadas, de modo que as relações anafóricas
respondem pelo processo de compreensão e asseguram a coerência local do texto.
Nesse sentido, as relações anafóricas são a âncora dos processos de coesão que
têm por ancoragem uma sintaxe dinâmica, na sua indissociabilidade com a
semântica: fundamentos da compreensão.
Considera-se, como resultado desses estudos que os pronomes anafóricos
são demonstrativos, os pessoais (3ª pessoa), os possessivos (adjetivos), os
demonstrativos (circunstantes: aqui, ali, lá...) e os relativos. Embora, como apontado,
os pronomes ditos pessoais do caso reto e oblíquo exerçam função referencial em
relação aos participantes do jogo da interlocução, Tesnière não os diferencia dos
anafóricos, como posteriormente o faz, a lingüística textual. Nesse sentido, convém
salientar que os estudos feitos por esse autor acerca dos aspectos da
referencialidade, serão retomados pela lingüística textual – momento em que tais
conceitos serão mais bem tratados. Convém ainda salientar a importância dos
estudos desse autor nas sistematizações conceituais futuras.
Apresenta-se, abaixo, o estema do texto que se transcreve a seguir, cuja
extensão, embora seja reduzida, não deixa de facultar uma observação mais precisa
das relações anafóricas como suporte imprescindível que explícita os processos de
coesão.
Um bêbado chegou à farmácia e perguntou:
-O senhor tem sal de fruta?
- Tenho. Respondeu o farmacêutico.
145
-Então me dá um de manga.
146
3.6 Algumas considerações finais
Os estudos realizados sobre os dois modelos de gramáticas descritivas
possibilitam considerar que tanto a Gramática Gerativa quanto a Dependencial
operam com uma concepção de sintaxe que não se reduz à linearidade da frase-
produto, qualificada pela linearidade da fala, pois ambos operam com um modelo de
estruturação que faculta observar a organização do pensamento em língua. O fato
de Chomsky operar com princípios da lógica matemática, em que essa organização
147
palavras plenas eles se qualificam como substitutos ou determinantes dos nomes
aos quais se referem por relações anafóricas e, nessa acepção, eles se explicam
como uma classe léxico-gramatical.
O modelo dependencial assegura a descrição e a compreensão dos pronomes,
conforme postulado por Apolônio, qual seja, uma classe de palavras que se tipifica
pela: a) parassinonimia - está para o nome e com ele tem identidade funcional, mas
não estrutural; b) uma paronimia: está para o nome, sem ser o nome; logo é
contrário a ele; c) é uma semiose, pois o seu conteúdo é aquele do nome, mas esse
nome está em relação ao verbo e, por isso, carrega consigo, tal significação. Assim,
Tésniére dá transparência a essas concepções de pronome, propostas por Apolônio,
gramático grego. Tal concepção se perdeu nos movimentos de recontextualização
da gramática normativa, nas suas mais diferentes fases de construção; mas o seu
resgate se inscreve na proposta de Tesniére.
148
CONCLUSÃO
Faz-se, ao final desta Dissertação, uso de habilidades de síntese para discutir
os resultados obtidos por esta investigação e, para tanto, retomam-se os objetivos
específicos que orientaram, por um lado, a investigação sobre o tratamento
dispensado à classe de pronomes, no fluxo do tempo de construção e registro escrito
de conhecimentos gramaticais e, por outro lado, a organização de cada um dos
capítulos do estudo realizado.
O caráter exploratório da investigação realizada foi configurado por um ponto
de vista historiográfico, por se acreditar que tal perspectiva facultaria ao investigador
reinterpretar o tratamento dispensado aos pronomes pelos gramáticos clássicos e
contemporâneos, no contexto de diferentes espacialidades e temporalidades
históricas. Esse olhar digressivo, mobilizado pelo tempo presente em que se situa o
pesquisador, possibilita afirmar que, embora os estudos gramaticais sobre as classes
dos pronomes se qualifiquem por um grau bastante significativo de repetições, nelas
se inscrevam rupturas ou reinterpretações.
A busca por essas rupturas exigiu uma leitura compreensiva de diferentes e
variados registros capazes de facultar uma organização teórico-metodológica que
apontasse os modelos de construção da gramática tradicional contemporânea da
língua portuguesa, bem como aqueles de gramáticas descritivas ou científicas. Tais
modelos orientariam descrições similares ou diferentes da classe pronominal que
poderiam abarcar suas diferentes funções lingüísticas. Tomou-se o pressuposto da
lingüística contemporânea segundo o qual inexiste estrutura desprovida de função, ou
vice-versa, e traçou-se como objetivo geral a busca de tais modelos para assegurar
tratamento adequado aos pronomes: objeto do estudo desta Dissertação.
A revisão dos pronomes pelas matrizes da gramática greco-romana se fez
extensiva ao tempo de produção das primeiras gramáticas da língua portuguesa,
quando da edificação do Estado nacional daquele povo ibérico. Assim, a construção
de gramáticas de línguas nacionais surge como uma necessidade, historicamente
comprovada, de serem as línguas companheiras dos impérios, na medida em que
149
elas asseguram a unidade das nações. Esse caráter político – fundamento de uso
prescritivo da norma padrão descrita pelos gramáticos dos mais diferentes tempos –
foi proposto pelos gregos e implicou a oficialização da norma padrão e,
conseqüentemente, da gramática como fundação do ensino. Entretanto, ela fora
concebida pelos gregos como “um meio” para o ensino da leitura de textos escritos e
para se aprender a escrever os textos produzidos pelos seus leitores. (cf. p. 10, 11 e
15).
Nessa perspectiva, os gramáticos gregos, no esforço de compreensão dos
conhecimentos filosóficos que sustentam a concepção de linguagem como matriz
expressiva do pensamento, por meio da língua grega, tomam “a palavra” (lexis), como
âncora da estrutura e funcionamento da língua e a situam na dimensão da “fala”:
aquela inerente a práticas discursivas de produtores de textos literários. Inscrita no
exercício dessa modalidade de fala proficiente, quando as palavras estão em
companhia uma das outras para articular idéias, produzidas pelo pensamento, as
palavras são focalizadas na dimensão do logus pelos gramáticos; razão pela qual até
a Idade Média, os fatos gramaticais se circunscrevem à palavra. (Cf. capítulo II).
Os pronomes, descritos pelo paradigma da flexão e da derivação, quanto à sua
estrutura, e pelos casos, quanto às suas funções, são reconhecidos como palavras
que se remetem às pessoas do discurso: concepção mantida por todos os gramáticos
até os dias atuais. (cf. p. 21,22).
Outro resultado significativo é o fato de se haver descoberto que os pronomes
só se qualificam como elementos léxico-gramaticias – formas desprovidas de
conteúdos semânticos (gramaticais) – que, na dimensão do lógus, ou seja, quando
focalizados em seu funcionamento, tornam-se dotadas de conteúdos (lexis). (cf. p.
20).
O fato de se haver descoberto e estabelecido, na Idade Média, que os nomes
se explicam pelas classes do substantivo e do adjetivo (cf. p. 55 e 56), fez com que
se observasse certa obliteração na distinção entre pronomes que funcionam como: a)
determinantes de nomes substantivos; b) substantivos; c) recurso de retomada de
substantivos já enunciados; d) adjetivos propriamente ditos. Assim, a classificação
proposta por Dionísio de Trácia está fundamentada na distinção entre primitivos e
150
derivados, pessoais e bipessoais, sendo os possessivos qualificados como
bipessoais, na medida em que fazem remissão não só à pessoa que fala, mas
também à que se coloca na posição daquele que possui um dado objeto. Desta feita,
os pronomes pessoais, propriamente ditos, são classificados como unipessoais;
entretanto, em usos como “a casa deles”, o pessoal de terceira pessoa deveria ser
classificado como dual á semelhança dos bipessoais; logo, os pronomes de terceira
pessoa poderiam ser tanto primitivos como derivados. (cf. p. 21). Pôde-se assim,
considerar que a concepção de primitivo e derivado não equivale àquela dos dias
atuais, pois a derivação era compreendida pela anteposição do uso do artigo, de
modo que aqueles que exigem tal uso seriam derivados. Esse critério classificatório
leva Dionísio de Trácia a inserir tais pronomes na classe dos artigos: concepção
mantida por longo tempo.
Apolônio, em sua gramática, apresenta uma revisão da classe dos pronomes e
propõe para ela a concepção de palavra que, se por um lado, fez referência às
pessoas do discurso, por outro, é difundida como palavra que substitui o nome –
concepção e definição aceitas ainda hoje por nossos gramáticos contemporâneos.
(cf. p. 24).
Nesse processo de revisão, Apolônio propõe ser necessário considerar os
pronomes por três perspectivas, na medida em que eles se explicam por serem uma
classe de palavras que se qualifica, ao mesmo tempo, como uma paronomásia, uma
semiologiae uma autonomásia. Assim, os pronomes se inscrevem numa relação
indissociável entre o nome e o verbo por meio da qual constroem a sua identidade
como classe diferençada de ambos, razão de eles serem uma paronomásia. Nessa
perspectiva identitária, os pronomes fazem referência, por um lado, aos processos de
nominalização das pessoas do discurso, inscritos no uso da língua, focalizados na
dimensão do logus: expressão de idéias articuladas; razão pela qual asseguram tal
identidade, na extensão da frase, pela flexão de número e pessoa, dada pela
conjugação do verbo. Concepção retomada por Evanildo Bechara, no final do século
XX.
Essa relação e identidade dos pronomes como nome e com o verbo, marcada
por relações referenciais, faz com que eles arrastem consigo significações do nome
na sua relação com o verbo, ou vice-versa. Essas significações, conjugadas nas
151
formas pronominais, de modo a se configurar como uma simbiose, fazem com que se
compreenda que o conteúdo das formas pronominais se explique como uma
“semiosis”. Entretanto, não se pode igualar o significado do nome ou do verbo àquele
do pronome, na medida em que esse significado é produto de uma semiosis e, nessa
acepção, embora o pronome substitua o nome e com ele se identifique, ele não é o
nome e tampouco o verbo. Por essa razão, ele se qualifica como “antonomásia”: a
classe de palavras que se identifica com o nome e com o verbo, mas que é contrária
a ambos. (cf. p. 24).
A relação de similaridade entre o pronome e o nome, instituída na sua relação
com o verbo, leva Apolônio a postular que tal relação mercê ser tratada pela “anáfora”
e pela dêixis, na media em que, ao substituir o nome, ele assegura a relação
referencial com as pessoas do discurso, por esses retomados. Assim, os pronomes
apontam a referência já designada pelo nome na sua relação com o verbo – função
dêitica – e, ao mesmo tempo assegura a permansividade de tal referência no
exercício da fala. (cf. p. 23). A pesquisa realizada aponta que essa concepção dos
pronomes, bem como a descrição dessas suas funções é retomada e explicada pela
Gramática Dependencial ou Funcional de Lucièn Tesnière. (cf. cap. III). Logo, esses
estudos de Apolônio se perderam no tempo de construção da Gramática Tradicional
Contemporânea e só foram retomados no século XX, na França.
Essa perda de função dêitica e anafórica dos pronomes parece se dever ao
fato de os gramáticos romanos terem se voltado para a descrição da língua latina,
fundamentada na produção da sua literatura clássica, os romanos se ocuparam em
aprimorar questões referentes à pronúncia das formas escritas, diferenciar a palavra
da oração e rever as classes gramaticais, propostas pelos gregos, reinterpretando-as
por aquelas da língua latina. Procedimento que se manteve nas gramáticas de todas
as línguas.
No que se refere à classe dos pronomes, eles mantêm a concepção dos
gregos, defendendo-a como aquela que substitui os nomes e especifica as partes do
discurso.; contudo, não se detêm em explorar as funções dêitica e anafórica,
proposta por Apolônio. Assim procedendo, se voltam para explorar a classificação,
postulando serem eles ativos e neutros e, por ela,classificam os pronomes usando
como critério a concordância dos pronomes na posição de sujeito (caso nominativo)
152
com o verbo e a concordância dos pronomes oblíquos (cf. p. 28 e 29). Aprimora-se a
sistematização do paradigma da flexão, por meio dos casos, diferencia-se a flexão do
nome daquela do verbo, tendo por critérios tempos verbais e os casos, de modo a se
compreender o particípio verbal como palavra que tanto apresenta flexão de casos
como de tempo, ao contrário do advérbio que delas é destituído. Assim procedendo,
os gramáticos latinos elegem os “casos” para a flexão do nome, e o tempo, para a
dos verbos, tomando cada um deles como categoria primária, o que facilita conceber
o pronome como substituto do nome e, em razão do caso genitivo, postular uma
classificação dos pronomes empregados no caso nominativo - pessoais propriamente
ditos – e no caso genitivo, onde funcionam como adjetivo. (cf. p. 28). Esse ponto de
vista, ao dissociar o verbo do nome, possibilita que eles sejam tratados como classes
distintas e facultando uma concepção de pronome que se define por substituir o
nome, por um lado, e que se inscreve na flexão verbal, por outro. Perde-se, a
proposta de Apolônio.
A distinção entre nome substantivo e nome adjetivo, configurada pelos modos
de significar, de forma geral ou determinada, está mais bem sistematizada nos
estudos desenvolvidos na Idade Média, que também facultam o desenvolvimento da
sintaxe, implicando uma retomada da relação entre o nome e o verbo. Tais estudos
facultam revisar a categoria dos determinantes, de sorte a se conceber os artigos e
os numerais como membros dessa classe, bem como os pronomes possessivos, os
demonstrativos, por exemplo, na medida em que funcionam como determinantes do
nome. Ainda que o ensino se mantenha fundamentado nas gramáticas latinas de
Donato e Prisciano, os escolásticos avançam em suas investigações, delineando a
concepção de palavra como forma dotada de significado, produto de seus variados
usos, apreendida na dimensão da fala. Esses estudos possibilitam avanços no
campo da morfologia que só serão incorporados à gramática, quando ela passa a
descrever a sintaxe frasal: fato que só ocorrerá no ano de 1.600. Desta feita, os
avanços no campo dos estudos linguagem, decorrentes da filosofia escolástica, à
semelhança daqueles produzidos pela filosofia grega, apontam que: a produção de
conhecimentos nessa área não são imediatamente transpostos para o campo
gramatical. Tal transposição demanda séculos para poderem estender ou renovar as
descrições herdadas da tradição. Por conseguinte, novos conhecimentos de caráter
filosófico ou científico se qualificam por uma dimensão discursiva que mantém
153
relações com o discurso gramatical, mas um não se reduz ao outro; logo a relação
entre o discurso gramatical e o científico se assemelha àquele entre ciência e
tecnologia. Mas para os gregos, a gramática sempre se qualificou como técnica: um
meio para a aprendizagem da língua escrita.
A construção das primeiras gramáticas da língua portuguesa (cf. p. 35 a 40),
edificadas sob essas matrizes da gramática greco-latina, vão implicar adaptações
desses modelos descritivos ao português falado pelos “homens doutos”, membros da
nobreza cortesã. Elas manterão, por um lado, o valor de prescrição para o ensino
dessa norma “douta” ou padrão como matriz da língua oficial do Estado Português e,
por isso, como modelo a ser ensinado àqueles que são membros dessa comunidade
nacional. Fazer-se homem douto é ter domínio desse uso normativo; razão de ser das
chamadas “gramáticas normativas”: aquelas que descrevem tal norma como modelo
de escrita e de fala oficialmente reconhecidas.
A incisão do foco nas classes de palavras, mais especificamente na do nome e
na do verbo, bem como o não desenvolvimento de estudos que facultassem
descrever a relação entre ambos pelos princípios gramaticais, faz com que as
primeiras gramáticas portuguesas se detivessem no tratamento de classes
gramaticais. Esse foco sobre a palavra possibilita que se qualificassem as gramáticas
portuguesas do século XVI como Gramáticas da Palavra, diferenciando-as nas suas
semelhanças políticas. Assim, o caráter político da Gramática de Fernão D’Oliveira
fez com que ele mais se voltasse para as questões de caráter fonético, pois seu
objetivo era diferenciar o “falar português” na sua semelhança com o castelhano, para
assegurar a identidade do novo Estado, por meio de uma língua oficial. Por
conseguinte, sua gramática nada acrescenta à concepção e descrição dos pronomes,
em relação àqueles registrados nas obras de Donato e Prisciano. João de Barros
também não abandona esse ponto de vista político do seu antecessor e, detendo-se
no tratamento da palavra isolada, mantém para o pronome a definição de classe de
palavra que se usa em lugar do nome e, postula haver entre ambos um casamento
perfeito. (cf. p. 39). Mantém para o pronome a classificação de “primitivos e
derivados”, proposta pelos gregos e os descreve pelas categorias dos casos latinos.
Logo, o pronome é tratado apenas na sua relação com o nome, ou seja, a sua
identidade com o verbo fica assegurada pela flexão de pessoa gramatical.
154
A síntese, acima apresentada, comprova que as matrizes da gramática da
língua portuguesa se inscrevem no tratamento dispensado aos pronomes pelos
gramáticos greco-latinos. Contudo, a recontextualização dessas matrizes, na linha do
tempo, implicou o abandono de uma concepção de pronome como classe de
palavras, cuja identidade não se constrói fora da relação significativa instituída pelo
nome com o verbo. Ensinou Apolônio que o pronome é a classe de palavra que não
se explica fora da relação existente entre o logus e a lexis: como logus é uma palavra
eminentemente gramatical, destituída de significado; contudo, esse significado é a
ela incorporado, quando nome e verbo são colocados em função e se articulam por
meio de inúmeras relações das quais emergem os significados dos pronomes. É no
espaço dessa articulação, que o pronome se faz lexis: uma forma dotada de
significação; portanto um signo da língua. Por conseguinte, o objetivo proposto para o
desenvolvimento das pesquisas, apresentadas nesse capítulo, foram atingidos.
O segundo capítulo se voltou para o tratamento da gramática da frase e se
estendeu até as gramáticas da língua portuguesa pré e pós-NGB, para melhor
verificar o foco pelo qual os pronomes foram descritos. Não se abandonou a
perspectiva capaz de delinear mudanças de contexto sócio-histórico-cultural, pois são
elas que apontam os modelos de representação da herança recebida dos clássicos.
Tomou-se como ponto de partida a Gramática Philosófica da Língua Portuguesa ou
Princípios da Gramática Geral Applicados à nossa Lingoagem, de Jerônimo Soares
Barbosa e, como ponto de chegada, a Moderna Gramática do Português: 1º e 2º
Graus, de Evanildo Bechara. A leitura dessa primeira gramática de Bechara teve por
parâmetro aquela centrada na “Gramática Escolar”, do mesmo autor, para melhor se
considerar o tratamento dispensado aos pronomes, em diferentes tempos da nossa
modernidade. Nesse tempo, a produção gramatical foi considerada pelos marcos da
NGB e, por isso, classificou-se tal produção como pré e pós-NGB: Nomenclatura
Gramatical Brasileira.
Os resultados a que se chegou sobre o tratamento dispensado aos pronomes
possibilitam apontar que a incorporação dos conhecimentos lingüísticos produzidos
pela filosofia escolástica foram incorporados à gramática de língua portuguesa
apenas no século XVIII. A descrição dos pronomes está circunscrita às palavras
articuladas pela moldura das categorias da frase: o sujeito e o predicado, cujo suporte
155
ordenador é o nome na sua relação com o verbo. Nessa perspectiva, os pronomes
pessoais, focalizados por essas categorias, mantêm aquela herdada dos gramáticos
greco-latinos que, por essa perspectiva, registravam que os pronomes pessoais por
exercerem a função de sujeito (caso nominativo) ou de complemento verbal (caso
acusativo ou dativo) se classificavam em pronomes substantivos do caso reto ou do
caso oblíquo, respectivamente. Os do caso oblíquo, por exercerem a função de
complemento de verbos (termos integrantes), ocupavam posição na constituição do
predicado; mas não deixavam de ser substantivos. Assim, eles mantêm sua
identidade com o nome, definindo-se como palavras que os substituem e, por essas
funções que opõem o nome ao verbo, deles se diferenciam, pela posição que
ocupam, tanto quanto o nome, na constituição da estrutura frasal.
No que se refere á dimensão morfológica, os princípios de identidade e de
determinação, transpostos da teoria escolástica para o campo da descrição lingüística
da norma padrão, faculta a observação e descrição da concordância do sujeito com o
verbo. Essa relação de concordância possibilita verificar uma certa retomada do que
fora proposto por Apolônio:o fato de os pronomes se explicarem pela paronomásia -
relação de oposição, modalizada pelo princípio da contrariedade e não da
contradição) - sempre implicando uma semiosis – significação que conjuga num
amalgama, os sentidos do nome na sua relação de contrariedade e não de
contradição com o verbo. Se a relação fosse contraditória, o uso de um deles
excluiria, necessariamente, o uso do outro, impedindo a articulação entre ambos para
assegurar o uso do modelo categoria da oração – sujeito�predicado - que formaliza
a unidade de sentido das frases. Todavia, a complexidade do plano da significação
que se faz extensiva para além dos limites da frase e também pode ultrapassar os
limites do período simples, não é objeto de estudo gramatical, o que dificulta um
tratamento dos pronomes como palavras que fazem remissão às pessoas do
discurso. A frase ou o período composto são sempre fragmentos de textos: produto
de práticas discursivas.
No âmbito da morfologia a relação de identidade com a classe dos nomes é
explicitada pela flexão nominal de número e de gênero e, com a classe do verbo, pela
flexão de modo, tempo e pessoa; contudo, trata-se de pessoa gramatical: aquela que,
por meio da flexão, institui a concordância com o sujeito da oração. Mantém-se,
157
função, na dimensão frasal, ela também se faz mais bem explicitada, quanto à função
dos pronomes substantivos como substitutos do nome e, no que se refere aos
pronomes adjetivos, como determinantes do nome. Contudo, a função dêitica e a
anafórica, proposta por Apolônio, ficam diluídas na exposição dos fatos gramaticais
morfológicos e nos sintáticos descritos esse representante da gramática da frase, em
língua portuguesa. Entretanto, no corpo desses estudos, a questão da referência
dêitica se explicaria pela concepção de que apenas o nome pode ser sujeito do
discurso e não sujeito da frase; pois entre ambos não há uma relação unívoca.
Aquelas referentes à questão anafórica, todavia, não foi explicitada, a não ser na
definição dos pronomes como substitutivos do nome.
O tratamento dado aos pronomes por nossos gramáticos do Século XIX, João
Ribeiro e Júlio Ribeiro, está fundamentado na concepção de linguagem, como
representação do pensamento, e de língua, como fato social. Embora a gramática de
João Ribeiro carregue consigo um ponto de vista histórico – aquele que predominou
na primeira metade desse século – e a de Júlio Ribeiro um foco configurado pelo
ponto de vista científico, modalizado pela teoria da evolução das espécies,
predominante na segunda metade desse mesmo século, o modelo descritivo de
Soares Barbosa é matriz para ambos os gramáticos. Assim, ambos concebem o
pronome como palavra que substitui o nome ou o adjetivo e, em acompanhando o
adjetivo, ele são considerados como adjetivos determinativos. Como substitutos dos
nomes, eles se deixam descrever como pronomes do caso reto ou oblíquo - função
subjetiva e objetiva, respectivamente – como adjetivos determinativos, no que se
refere às suas funções – estas são descritas, à semelhança dos artigos e numerais e
dos próprios adjetivos qualificativos, como adjuntos adnominais. A única observação
se faz é em relação aos pronomes relativos, designados por “adjetivos determinativos
conjuntivos”, visto exercerem a mesma função da conjunção integrante: substituírem
o nome e, assim, exercerem as mesmas funções sintáticas do substantivo. Contudo,
por modalizarem as orações às quais se integram por significações ou sentidos
inerentes à classe dos adjetivo, quais sejam, o de qualificativo do nome que
substituem, as orações por eles iniciadas são classificadas como subordinadas
adjetivas. Mas essas mesmas concepções e classificação estão propostas por
Soares Barbosa. (cf. João e Júlio Ribeiro, p 62-65).
158
O deslocar-se para o século XX implicou a busca de um critério para ordenar
os estudos gramaticais, nele desenvolvidos, devido à quantidade de produções de
gramáticas brasileiras elaboradas por estudiosos da área filologia, ainda que todas
elas apresentem a descrição da norma padrão do português em três partes: fonética,
morfologia e sintaxe. Algumas registrando terminologia semelhante àquela de Soares
Barbosa; outras dela se distanciando, mas variando por se privilegiar o critério
semântico para a descrição da sintaxe frasal, principalmente e outras que
apresentavam um padrão terminológico mais uniformizado; contudo com várias
explicações em nota de rodapé. Entretanto, todas mantinham a matriz descritiva
proposta por Soares Barbosa, quer de forma mais implícita, ou mais explícita. A
leitura da Nomenclatura Gramatical Brasileira, voltada para a construção de uma
terminologia comum, favoreceu tal classificação. Posto isso e classificadas tais
produções como pré e pós-NGB, elegeu-se um gramático representativo de cada
uma dessas fases: Carlos Eduardo Pereira, como gramático pré-NGB; Evanildo
Bechara, como gramático pós-NGB. (cf. p. 68-74 e p. 75-78, respectivamente).
Resultado significativo dos estudos de Pereira, decorrente do fato de esse
gramático operar com critérios morfossintático-semânticos para o tratamento dos
pronomes e de outras classes gramaticais, é a percepção de que eles exercem
função dêitica. Operando com o princípio da similaridade, mas sem desconsiderar a
diferença entre nome e pronome, propõe para o estudo dos pronomes a concepção
de posição. Assim, o pronome equivale ao nome substantivo por ele substituído,
devendo-se, contudo, observar o lugar do pronome na constituição da frase, ou seja,
se a posição é de sujeito ou de complemento verbal. O critério da flexão, considerado
na relação sujeito�predicado, contribui para a identificação das funções exercidas
por aqueles do caso reto ou do caso oblíquo e, mesmo para aquelas dos adjetivos
determinativos do nome substantivo, visto que adjetivos determinantes, ou adjetivos
qualificativos, sempre concordam com o nome substantivo e este com o verbo: matriz
do predicado – o que se predica para o nome. Afirma ser necessário diferenciar
sujeito gramatical de sujeito do discurso, na medida em que não há entre eles relação
unívoca, pois a remissão às pessoas do discurso (dêixis) é função do nome
substantivo e não da pessoa gramatical, inscrita na flexão verbal que concorda com o
sujeito gramatical. Institui-se, assim, uma distinção entre pessoa gramatical e pessoa
do discurso que só se fez transparente para o pesquisador pela leitura da Gramática
159
Explicativa de Carlos Eduardo Pereira (cf. p. 71). Contudo, não faz referência explícita
a fato de os pronomes exercerem função dêitica e tampouco anafórica; mas, ao
classificar os complementos verbais propõe que se os diferencie em pronomes
oblíquos, quando exercem a função “objetiva” – objeto direto propriamente dito – e
função subjetiva, quando exercem função de complemento partitivo, ou complemento
de relação (cf. p. 66 e 67).
Essa concepção de posição entre pessoas do discurso – a que fala, aquela
com quem se fala e aquela ou aquilo de que se fala – e pessoa gramatical, instituída
pela relação não unívoca entre ambas, exige que se considere, por um lado, a
posição assumida pelo(s) produtor(es) de discursos e pelos modos como ele(s)
é(são) representados, em língua. Trata-se de posições assumidas por aqueles que
falam, no jogo da interlocução. Assim, a posição do sujeito - fonte de ações
desencadeadas por procedimentos no mundo da vida – ou de objeto – alvo das ações
desencadeadas pelo sujeito não podem ser confundidas com sujeito gramatical e
tampouco com os complementos verbais (objeto direto ou indireto). Em Dá-me o livro
tem-se: o sujeito ser o proprietário ou responsável pelo livro que está em poder do tu
– inscrevendo-se num ato de fala, modalizado por quem tem o poder de ordenar.
Esse mesmo sujeito se faz representar pelo pronome oblíquo “me” por se colocar
como alvo da ação designada pelo verbo “receber”. Assim, o “tu”, ao lhe entregar o
livro, não estará praticando ação por ele deliberada, pois agirá para cumprir uma
ordem. Mas, essa questão de sujeito e objeto, deslocada para essa dimensão
discursiva, só poderá ser compreendida e explicitada na dimensão textual e o texto
não é objeto de estudos gramaticais (cf. item 2.1.1).
Evanildo Bechara, gramático representativo da fase pós-NGB, ainda hoje,
mantém seus estudos gramaticais em contínua revisão, por meio de resultados da
produção científica contemporânea. Por esta razão, tomou-se a “Moderna Gramática
do Português: 1º e 2º Graus”, em um confronto com a sua Gramática Escolar: com
exercícios, de 2000. A primeira, mais próxima dos preceitos impostos pela NGB,
qualifica-se pela riqueza de notas de rodapé, ora de caráter crítico, conforme
apontado nas páginas 66 e 67, ora de caráter reflexivo, ora para apresentar ao seu
leitor pontos de vista de outros gramáticos ou de estudiosos da língua que reforçam o
seu. Contudo, no que se refere à classe dos pronomes, esta será redefinida e
160
explicada quanto à sua função dêitica e anafórica, apenas na gramática de 2001. (cf.
p. 76-78).
Esse gramático concebe os pronomes como classe de palavras destituída de
conteúdo semântico, na medida em que designam, sem nomear, quando tomadas de
forma isolada; mas elas se revestem dessa carga de conteúdo, quando empregadas
pelo exercício da fala: tempo em que se remete ao modelo de situação e ao contexto
de conhecimentos enciclopédicos arquivados na memória semântica dos usuários.
Trata-se de um tempo em que os elementos pronominais se fazem signos da
dimensão lexical da língua, em situação de uso. Nessa acepção, a relação entre lexis
e logos é reincorporada ao campo dos estudos gramaticais, por meio dessa definição
que só pode ser compreendida por esse pesquisador em razão da investigação de
caráter historiográfico empreendida.
Bechara, ainda, reformula a concepção de pessoa pelo ponto de vista de
Benveniste, diferenciando aquelas que participam efetivamente do jogo da
interlocução, mediada por atividades de fala (1ª. e 2ª) e aquela/aquilo de que se fala
(3ª. pessoa). Qualifica a terceira pessoa como indeterminada, na medida em que ela
apenas aponta para a outra “pessoa” ou “coisa” de que se fala, mas não participa do
jogo da enunciação como pessoa propriamente dita. Para esse gramático, a terceira
pessoa se institui e se faz representar no discurso pela flexão verbal. (cf. p. 77). Em
nota de rodapé, ele aponta para o fato de se poder fazer uso da segunda pessoa no
fluxo das atividades de fala, quer oral ou escrita, de modo impessoalizado (cf. p. 78).
Todavia, na sua descrição sintática do português, não explicita a função anafórica
exercida pelos pronomes, a qual faz referência, mas deixa claro que tal função tal
qual a dêitica é da dimensão discursiva e não da frasal. Entretanto, esse gramático
resgata o ponto de vista de Apolônio e as coloca em foco, embora não os descreva,
quer na dimensão morfológica ou sintática de suas gramáticas. .
Esses resultados apontam que se pôde identificar os diferentes pontos de vista
pelos quais os pronomes têm sido tratados por nossa gramática tradicional
contemporânea. Também se pode considerar como resultado que os padrões
científicos no campo da ciência são incorporados a essa gramática tradicional, por
meio de uma transposição didática que implica a recontextualização de heranças da
tradição e, por isso, não rompe com as mesmas.
161
O objetivo do capítulo III focaliza os pronomes pelo ponto de vista científico da
lingüística estrutural e, conforme postulado, pela concepção de seus princípios e
pressupostos teóricos, buscou-se verificar se eles possibilitariam tratamento
diferenciado dos pronomes da língua portuguesa. Aqueles propostos pela Gramática
Gerativo Transformacional – vertente estadunidense do estruturalismo – não
ofereceram resultados que se pudesse considerar relevantes para tratar dos
pronomes pela concepção postulada por Apolônio Díscolo. O fato de esse teórico da
lingüística estrutural privilegiar a sintaxe como matriz fundadora do processo
descritivo do sistema de uma língua natural, dela excluindo a dimensão semântica
que também qualifica tal estrutura, permite concluir que seus estudos atribuem
cientificidade aos fatos descritos pela sintaxe tradicional. Contudo, ao conceber a
sintaxe como estrutura profunda (competência), subjacente à estrutura superficial e
descrevê-la em si e por si, fez com que se compreendesse que as estruturas
sintáticas se explicam por relações alineares, cuja função é estruturar e organizar o
plano da expressão da fala. Esse modelo se qualifica como mentalista, visto
possibilitar compreender como a língua, pela força dos movimentos da linguagem,
ordenam o pensamento em língua.
Tais resultados deslocaram o pesquisador para a leitura compreensiva da
Gramática Dependencial ou Funcional de Lucién Tesniére – vertente européia do
estruturalismo – e nela descobrir o tratamento dispensado aos pronomes, quanto à
sua função anafórica, mas não dêitica. Essa função, em língua escrita, implica o jogo
de interlocução entre autor-leitor, por meio da leitura compreensiva: aquela que
faculta converter um texto-processo em texto produto pelo ato de discursivização,
numa dimensão. Numa outra, o jogo da interlocução no discurso relatado, em língua
escrita, só se explica quando o leitor constrói para si o quadro das relações
interlocutivas para reconhecer a posição daqueles que respondem pelo discurso que
se relata, enquanto representação textual em língua. Mas esta questão merece
investigações para além dos propósitos estabelecidos para esse estudo.
Esse gramático, apesar de pressupor que a língua é uma estrutura
morfossintático-semântica, também a descreve por meio de uma concepção segundo
a qual a sintaxe é alienar; contudo, dinâmica e, nesse aspecto, o seu modelo teórico
tem certo grau de similaridade com aquele da Gramática Gerativo Transformacional,
162
mas não pressupõe o uso de regras, cujo caráter recursivo asseguraria o uso de um
mesmo modelo stander; logo não é mecanicista. Também se opõe a gramática
chomskyana, por operar com o verbo, tomando-o como matriz fundadora da frase –
unidade mínima de significação – estrutura por oração (ôes). Assim o verbo é visto
como uma unidade do sistema lingüístico que traz lexicalizado em seu conteúdo o
esquema funcional do nome, ou seja, a actância. (cf. p. 121 e 122). A actância verbal
sempre está representada pelo nome ou pelo pronome pessoal substantivo. No caso
do pronome adjetivo, a sua função é adjetival, mas mesmo assim, faz referência ao
nome. Essa relação referencial, implicando ou não a substituição do nome é descrita
por traços pontilhados, para diferenciar a função anafórica pelo seu caráter
semântico.
É, ainda, significativo o fato de o autor conceber o pronome como palavra
vazia; logo um elemento gramatical; mas que se faz plena de significação pela
relação anafórica, quando se torna palavra plena; portanto um elemento léxico-
gramatical. Contudo, como o nome substantivo está, indissociavelmente, relacionado
ao verbo que traz os esquemas sintáticos nele lexicalizados, a carga semântica dos
pronomes resulta do fato de se retomar o nome e com ele o verbo: Maria viajou. Ela
não voltará jamais. A Maria de que fala o enunciador (1ª. pessoa do discurso) para o
seu leitor (2ª. pessoa do discurso), não é apenas a que ele, o tu, conhece, mas
aquela que viajou para nunca mais voltar; logo, essa é a carga semântica do pronome
“ela”. Ao se estender a análise dependencial para um texto reduzido (cf. p. 119),
faculta considerar como resultado obtido que os pronomes são o suporte dos
processos de coesão textual. Mas essa é uma pesquisa que extrapola os objetivos
propostos para esta Dissertação.
163
BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, M. (1997). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. LAHUL,Michel eVIEIRA, Yara Fratesschi Vieira. São Paulo: Hucitec.
BARBOSA, S. (1875) Grammatica philosophica da lingua portugueza, 6 ed. Lisboa,Typographia da Academia Real da Sciencias.
BARROS, J de. (s/d) Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Olissipone.
BENVENISTE, E.(1976). Problemas de Lingüística Geral1. São Paulo: Nacional.
BECHARA, E. (1997). Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro:Lucerna.
_________. (2001) Gramática Escolar da Língua Portuguesa: com exercícios. Riode Janeiro: Lucerna.
BRETON, P. (2003). Elogio da palavra. Trad. CAMPANÁRIO, Nicolas Nyimi. Paris:Éditions La Decouverte.
BRONCKART, J. & SCHNEUWLY, B. (1986). Lãs vivencias de linguaje: um desafiopara a la enseñanza. Buenos Ayres: Paidós.
BURKE, P. (1997). As formas d’O Cortesão: recepção européia e O Cortesão deCastiglione. Trad. HATRNHER, Álvaro. São Paulo: Editora Universidade EstadualPaulista.
BUESCU, M. L. C. (1978). Gramáticos portugueses do século XVI. Portugal:Biblioteca Breve.
CARONE, F. de B. (2002). Morfossintaxe. 9 ed., São Paulo: Ática.
CHARLIER, Françoise Dubois. (1976). Bases de análise lingüística. Trad. PERES,João Andrade. Coimbra: Livraria Almedina.
CHOMSKY, Noam. (1975). Aspectos da teoria da Sintaxe. Coimbra: ArmênioAmado.
CORRÊA, L. P. (1998). Coesão lexical: reflexões e perspectiva. – Dissertação(Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Univer
164
DIJK, T. A. van (2004). Cognição, Discurso e Interação. (Org. e apres. KOCH,Ingedore Villaça. São Paulo: Contexto.
_________. (1989). La ciencia del texto. Trad. HUNZINZER, Sibia. Barcelona:Paidós.
D’OLIVEIRA, Fernão. (s/d). Grammatica da Lingoagem Portuguesa. Lisboa: Saraiva&Lopes.
DUARTE, P. M. T.(2003). Classes e categorias em português. 2 ed. Fortaleza:Editora UFC.
DUCROT, O. & TODOROV, Tzvetan. (1974). Dicionário das Ciências da linguagem.Lisboa: Publicações Dom Quixote.
FÁVERO. L.L. (1991). Coesão e coerências textuais. São Paulo: Ática.
______. (1992). Gramáticos portugueses do século XVII. In: Estudos LingüísticosXXI – Anais de Seminários do GEL, vol. I p.691-698.
FIORIN, J. L (2001). As astúcias da Enunciação: as categorias de pessoa, espaço etempo, 2 ed. São Paulo: Ática.
FERREIRO, E.(2002). Passado e presente dos verbos ler e escrever. Trad.BELINER, Claudia. São Paulo: Cortez.
FERREIRA, R. M. (2000). Individuação e socialização em Jurgen Habermas. SãoPaulo: Annablume.
FREITAS, M. C. de. (2005). (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. 6 ed. SãoPaulo: Contexto.
FOUREZ, G, (1995). A construção das ciências: Introdução à filosofia e à ética daciência. Trad. ROUNET, Luiz Paulo. São Paulo: Editora da Universidade EstadualPaulista.
FUCHS, C. & GOFFIC P. Lê. (1975). Introduccion a la problemática de las corrienteslinguísticas contemporâneas. Argentina: Ed. Hachette.
GOLDMAN, L. (1972). Ciências Humanas e Filosofia. São Paulo: Difusão Européiado Livro.
GUSDORF, Georges. (1997). A Fala. Trad. BARBOSA, João Morais. Porto, Portugal:Despertar.
______. (1995). A PALAVRA. Função, Comunicação, Expressão. Trad. COLAÇO,José Freire. Lisboa: Edições 70
ISER, W. (1999). O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora34.
165
JANTSCH, P. (1996). Concepção Dialética de Escrita- Leitura: um ensaio. In Tramae texto: leitura crítica – escrita criativa. (org.) BIANCHETTI, Lucídio. São Paulo:Plexus Ltda.
J. FOUNQUILT (1994). Prefácio de Elementos de Sintaxis Estructural – versãoEspanhola de DIANMITE, Esther.Madrid: Editorial Guedos.
KOCH, I.V. (2001). Coesão Textual. São Paulo: Contexto.
______; (2004). Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes.
LAHUD, M.(1979). A propósito da Noção de Dêixis. São Paulo: Ática.
LEMLE, M. (1989). Análise Sintática: Teoria Geral e Descrição do português. SãoPaulo: Ática.
LEPSCHY, G. C. (1971). A lingüística estrutural. Trad. FERES, Nites Therezinha.São Paulo: Perspectiva.
LOBATO, Lúcia M. P. (1978). Teorias lingüísticas e Ensino do Português comolíngua Materna. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
LÓPES, H. M. (1983). (org.).Introductión a la Lingüística actual. Madrid: Ed. Playor.
LOMES, C., OSORO, A., TUSÓN, A . (1993). Ciências del lenguaje, competênciaComunicativa y enseñanza de la lengua. Barcelona: Paidós.
LYONS, (1971). Introdução a lingüística teórica. Tradução de Mattos e H. Pimentel.São Paulo: Editora Nacional.
MAINGUENEAU, D. (2006) Análise de textos de Comunicação. 4 ed. São Paulo:Cortez.
MAINGUENEAU, D & CHARAUDEAU, Patrick. (2006). Dicionário de Análise doDiscurso. São Paulo: Contexto.
MATTOSO C. JR., Joaquim. (1972). Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis:Vozes.
MAURICE, Leroy. (1967) As grandes Correntes da Lingüística Moderna. São Paulo:Cultrix.
MEDRADO, B. (1999). Textos em cena: a mídia como prática discursiva. In: Práticasdiscursivas do cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez.
NEVES, M. H. M(1987). A vertente grega da gramática tradicional. São Paulo,Hucitec.
NORMAND, C.(1990). Loquadrature du Sens. Paris: PUF.
166
PEREIRA, M. A. (2000) Quintiliano Gramático: o papel do mestre de gramática naInstitutio Oratória. São Paulo: Humanitas/FFCH-USP.
PEREIRA, E.C. (1945) Gramatica Expositiva - Curso elementar. São Paulo: Cia.Editora Nacional.
PERINI, M. A (1976) Gramatica descritiva do português. São Paulo: Ática.
PONTES, Eunice (1978) O Verbo Português. Petrópolis: Vozes.
ROBINS, R. H. (1983). Pequena História da lingüística. Trad. MONTEIRO, LuísMartins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico.
RIBEIRO, João. (1893). Grammatica descritiva portugueza. Rio de Janeiro: LivrariaClássica & Alves
RIBEIRO, Julio. (1881). Gramática Portuguesa. São Paulo: Tipografia de JorgeSeckler.
SAYEG, J. H., S. (1990). Movimento de leitura, táticas de produção e critérios deavaliação. São Paulo: Selinunte.
SILVA, C. (1978). Gramática Transformacional: uma visão global. Rio de Janeiro: AoLivro Técnico.
SILVA, R. V. M. e. (2002). Tradição Gramatical e gramática tradicional. 5 ed. SãoPaulo: Contexto.
SILVEIRA, R. C. P. (1984). Significação e texto. In: IX Anais do Gel, Batatais.
SPINKY, M. J. P. (1999). (org.). Práticas Discursivas de sentidos no cotidiano:aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez.
TÈSNIÈRE, L.(1990). Élements de Syntaxe Structurale. 10 ed. Paris: ÉditionsKlincsiech.
TURAZZA, J. S. (2006). Léxico e marcos culturais. In: LOPES, Lucia HelenaFerreira. A função do léxico no espaço da leitura significativa. São Paulo:Annablume. p. 16-25
______. (2005). Léxico e Criatividade. 2. ed. São Paulo: Annablume.
______. (2002). O dicionário de suas funções. In: BASTOS, Neusa Barbosa. (Org.).Língua Portuguesa: uma visão em mosaico. São Paulo: Educ. v. 01, p. 153-171.
VARÓ, E. A. (1990).
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo