os principais motivos que geraram os conflitos israelenses e arabes na palestina

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE GERARAM OS CONFLITOS ENTRE ISRAELENSES E ÁRABES NA PALESTINA (1897-1948) HENRY GUENIS SANTOS CHEMERIS Orientadora: Profª. Drª. Claudia Musa Fay Porto Alegre, julho de 2002

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Conflito Israel Palestina

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Page 1: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE GERARAM OS

CONFLITOS ENTRE ISRAELENSES E ÁRABES NA

PALESTINA (1897-1948)

HENRY GUENIS SANTOS CHEMERIS

Orientadora: Profª. Drª. Claudia Musa Fay

Porto Alegre, julho de 2002

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“a neutralidade (...) só poderia ser proveniente da indiferença. E reconheço que é uma atitude fácil, enquanto não saímos da Europa. Mas se, como eu fiz, empreendermos a viagem e virmos, nos arredores de Gaza, a morte lenta dos refugiados palestinianos, as crianças macilentas, subalimentadas, nascidas de pais subalimentados, com os olhos sombrios e velhos; se, do outro lado, nos Kibbutzim fronteiriços, virmos os homens nos campos, trabalhando sob a ameaça perpétua e os abrigos cavados entre as casas, se falarmos aos filhos deles, bem alimentados, mas que têm, no fundo do olhar, uma angústia inexprimível, não nos podemos manter neutros; é que se vive apaixonadamente o conflito, e não se pode deixar de o viver sem um tormento incessante, examinando sob todos os seus aspectos e procurando encontra-lhe uma solução, embora sabendo muito bem que esta busca é infrutífera e que acontecerá – na melhor ou na pior das hipóteses – aquilo que os Israelitas e os Árabes decidirem.”

Jean-Paul Sartre

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3

SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................................................... 07 ABSTRACT...................................................................................................................... 08 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 09

1.SÍNTESE HISTÓRICA DO POVO JUDEU E O SIONISMO POLÍTICO DE

1897.................................................................................................................................... 1 Algumas Considerações sobre a História do Povo Judeu................................................. 14 O Sionismo Político (1897)............................................................................................... 25

2.A GRÃ-BRETANHA NA PARTILHA DO IMPÉRIO OTOMANO E O PROBLEMA ÁRABE-JUDEU (1915-1922)........................................................................................... 33 A Correspondência McMahon-Hussein (1915-1916): uma promessa não cumprida....... 34 O Acordo Sykes-Picot 1916): a grande verdade............................................................... 38 A Declaração Balfour (1917): a cartada sionista.............................................................. 40 A Influência do Petróleo nas Negociações....................................................................... 42 As Conseqüências da Partilha e o Mandato Britânico para a Palestina (1922)................ 46

3.O NACIONALISMO ISLÂMICO ÁRABE E O COLONIALISMO

SIONISTA......................................................................................................................... 50 O Pan-Islamismo.............................................................................................................. 50 O Pan-Arabismo............................................................................................................... 51 O Colonialismo Sionista................................................................................................... 53

4.A IMIGRAÇÃO SIONISTA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS (1882-1949)................. 56

A Imigração Sionista antes do Apoio Britânico (1882-1917).......................................... 57 A Imigração Sionista após a Declaração Balfour (1917-1947)........................................ 60 A Declaração da ONU e a Primeira Guerra entre Israelenses e Árabes .......................... 66

CONCLUSÃO................................................................................................................... 72

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 75

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4

RESUMO

O conflito palestino é um dos problemas mais sérios que existe hoje no mundo.

Inúmeras pessoas morrem de ambos os lados, israelenses e árabes passam o ódio a seus

filhos, alastrando este ódio a gerações futuras.

O objetivo desta pesquisa é analisar os acontecimentos que propiciaram o início

dessa guerra, que parece interminável, procurando entender melhor as razões principais nas

quais o problema se fundamenta.

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5

ABSTRACT

The palestinian conflict is one of the most serious problem in the world

today. Many people dies in both side, israelies and arabians let the hate to theire children

increasing that hate to future generations.

The objective of this research is to analyse the events that leads to the

beginning of that war that seems be endless, wanting to understand the mainly

reasons by wich the problem is based.

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INTRODUÇÃO

O conflito na Palestina existe desde que se deu a criação do Estado de Israel, em

1947. Essa guerra, que dura até hoje, parece não ter fim. Hoje Israel, sob a liderança de

Ariel Sharon, enfrenta a ira de grupos terroristas árabes que, obstinados em “libertar a

Palestina” do jugo israelense, defrontam-se com a política de retaliação do Estado judeu do

“olho por olho”.

Com os ataques terroristas aos EUA, em 11 de Setembro de 2001, pôs-se em voga

um polêmico debate sobre as razões da revolta de grupos radicais islâmicos – árabes ou não

–, contra o maior símbolo do domínio ocidental. Esse episódio encontra-se diretamente

ligado ao conflito palestino, pois Israel é, na visão dos extremistas árabes palestinos, um

pedaço deste “ocidente odiável”, que deflagrou a submissão dos povos árabes e islâmicos

desde o século XIX, começando com o domínio do Norte Africano pelas potências anglo-

francesas e chegando, a partir de 1922 , ao controle do Oriente Médio.

As comunidades judaicas em todo o mundo tornam possível a existência de Israel

através de seu apoio financeiro e político, em particular os cidadãos canadenses e os dos

Estados Unidos, que são judeus por religião e que têm a maior força financeira e política

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nessa matéria1; essas comunidades certamente influenciam o governo norte-americano nas

decisões sobre o conflito palestino. Não é à toa que Israel, aproveitando-se da guerra

propagada pelos EUA contra o terrorismo internacional, aumentou seus domínios sobre a

Palestina, invadindo cidades nunca antes usurpadas (Jenin, Ramallah e Jericó) e matando

dezenas de palestinos2; isso tudo com um tímido e escondido consentimento estadunidense,

que, utilizando-se de uma política apaziguadora muito lenta, fez transparecer à opinião

pública mundial sua verdadeira posição.

A instabilidade na Palestina passa a interessar diretamente às potências ocidentais,

na medida em que os países árabes exportadores de petróleo podem se utilizar do boicote à

venda do óleo negro para o ocidente, como forma de pressão nas negociações. Isso

realmente aconteceu em 1973.3

Por ser esse um assunto tão comentado, faz-se mister entender quais foram os

principais motivos que levaram à existência do conflito palestino. Quais os acontecimentos

históricos relevantes que originaram este conflito? A quem ou ao que deve sobrecair a

culpa?

Portanto o objetivo desta pesquisa é analisar as causas que realmente propiciaram à

Palestina tornar-se palco do mais polêmico dos conflitos deste século. Pois para se dar uma

solução justa a um problema que se tornou tão complexo, é preciso entender primeiramente

sua gênese.

A documentação utilizada para realizar a pesquisa foi totalmente bibliográfica, em

vista da impossibilidade de trabalhar com fontes primárias. Por essa razão, a seleção de

1 TOYNBEE, Arnold J. A História e a Moral no Oriente Médio.[tradução Plínio de Abreu Ramos]. Rio de

Janeiro: Paralelo, 1970. p. 50. 2 CHOMSKY, Noam. 11 de Setembro. [tradução Luiz Antonio Aguiar]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

p. 22.

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8

autores aqui escolhidos foi bastante rigorosa. São jornalistas, historiadores e especialistas

bem entendidos no assunto; muitos se encontram direta ou indiretamente ligados ao

conflito, outros são autores de renome no meio acadêmico.

Fez-se uso do trabalho bibliográfico de jornalistas brasileiros que estiveram no

Oriente Médio, como Helena Salem, dedicada hoje ao estudo árabe-israelense e enviada

especial do Jornal do Brasil ao mundo árabe durante a guerra de outubro de 1973 (Guerra

do Yon Kippur); Amilcar Alencastre, que em 1969 entrou em contato com grupos

guerrilheiros árabes; Isaac Akcelrud, judeu e correspondente internacional da Folha de São

Paulo no Oriente Médio; Paulo Daniel Farah, repórter da Folha de São Paulo e professor de

língua e literatura árabe na USP.

Utilizaram-se também obras de pensadores estrangeiros para uma análise mais rica

do problema palestino, como Ahmed Fayes e Fayes Sayegh, cientistas políticos libaneses;

Claude Franck e Michel Herszlikowicz, historiadores judeus franceses; Nhatan Weinstock,

advogado francês e ex-militante do movimento sionista.

Trabalhou-se com as obras do professor inglês, de descendência árabe-libanesa,

Albert Hourani, que durante décadas deu aulas de História em Oxford. Também foram de

grande importância os esclarecimentos de Amilcar Alencastre, tanto em relação ao

sionismo judeu como sobre a questão árabe. O trabalho do professor Mustafá Yasbek, de

descendência árabe, foi igualmente importante para a análise dos problemas árabes na

Palestina.

Fez-se bom uso da obra Dossier do Conflito Israelo-Árabe, organizado pela revista

francesa Les Temps Moderns. Trabalhou-se principalmente com os artigos de Maxime

3 STERLING, Claire. A Rede do Terror. [tradução Luiz Horácio da Matta]. Rio de Janeiro: Nórdica, 1981. p.

143.

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Rodinson e Dov Barnir, ambos pensadores judeus. Com essa obra esclareceu-se bastante a

questão britânica na Palestina.

A obra Os Conflitos do Oriente Médio, do professor francês de História François

Massoulié, foi muito importante para vários esclarecimentos no decorrer da pesquisa. O

Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, esclareceu bastante a questão do anti-

semitismo. As explicações de Eric J. Hobsbawm, Arnold Toynbbe, Karl Marx , Hannah

Arendt e Fernand Braudel complementaram e enriqueceram a pesquisa.

Alguns outros autores foram utilizados, porém, a base bibliográfica principal foi

aqui mencionada, para demonstrar a seriedade com que se trabalhou esse tema

extremamente polêmico.

A organização do trabalho, em parte, não foi esquematizada sob um processo

crescente de datas históricas, nem poderia sê-lo, em função da riqueza de diferentes dados

de análise para o mesmo período.

O trabalho, por isso, foi organizado em capítulos que, dependendo do assunto, às

vezes remontam ao mesmo período histórico do assunto anterior ou até retrocedem em vista

de análises temporais mais longas. O quarto capítulo é um exemplo disso, pois analisa a

imigração sionista de 1882 até 1948, voltando no tempo antes mesmo do segundo capítulo,

que trabalha com a diplomacia britânica no Oriente Médio a partir de 1915.

Portanto, para o leitor ficar mais inteirado sobre a proposta da pesquisa, faz-se

necessário abordar o assunto trabalhado em cada capítulo, explicando as particularidades de

cada um.

No primeiro capítulo, trabalhou-se com as origens do sionismo. Neste, fez-se uma

analise da história judia de forma sintetizada, para elucidar as razões principais nas quais o

movimento sionista se fundamenta. Trabalhou-se, também, com a formação do sionismo

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político, por ser este o responsável pela base institucional dada ao movimento que elegeu a

Palestina como o “Lar Nacional Judeu” .

No capítulo seguinte, fez-se a análise dos interesses britânicos na partilha do

Império Otomano que, até 1922, compreendia grande parte do Oriente Médio, incluindo o

território da Palestina. Este episódio é particularmente interessante, pois salienta as

verdadeiras razões que levaram a diplomacia britânica a apoiar o movimento sionista

político, e, ao mesmo tempo, desconsiderar a promessa de unificação feita aos árabes.

No terceiro capítulo, elucidou-se a questão do nacionalismo árabe no Oriente Médio

– principalmente após a partilha do Império Otomano –, importante para o acirramento das

hostilidades contra os judeus na Palestina. Como contraponto, achou-se interessante

abordar no mesmo capítulo o problema do colonialismo sionista, outro ponto importante

para um esclarecimento mais completo do conflito palestino.

No capitulo final, se examinou a imigração sionista para a Palestina e suas

conseqüências. A imigração foi a última questão a ser analisada pelo fato de ser ela quem

realmente possibilitou a formação do Estado de Israel, num território até então dominado

por comunidades árabes. Foi a partir dela que a população judia na Palestina aumentou

consideravelmente, chegando a um terço da população total da região; foi esta situação que

fez com que a ONU, em 1947, dividisse a Palestina em dois Estados: um árabe e outro

judeu. A conseqüente guerra israelo-árabe (1948/49), primeiro grande símbolo das

hostilidades entre os árabes e o recém oficializado Estado de Israel, também foi merecedora

de uma análise que finaliza este capítulo.

Já, a data que delimita esta pesquisa (1897-1948) localiza-se entre a fundação do

movimento sionista político e a criação do Estado de Israel, na Palestina, pelo simples fato

de que os principais motivos que geraram o conflito deram-se nesse intervalo de tempo.

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Isso, no entanto, não impede a pesquisa de retroceder ou avançar para melhor elucidar

algumas possíveis dúvidas a respeito deste ou daquele acontecimento.

1 SÍNTESE HISTÓRICA DO POVO JUDEU E

O SIONISMO POLÍTICO DE 1897

Para se entender melhor a gênese do conflito israelo-árabe, é imprescindível analisar

as origens do sionismo político, pois esse movimento seria o propulsor para a fundação do

Estado Judeu na Palestina, em 1947.

Quanto às raízes do sionismo, deve-se fazer uma análise, mesmo que sintetizada, da

história do povo judeu. Mais propriamente ainda, sobre as principais razões sobre as quais o

movimento sionista se fundamenta.

Algumas Considerações sobre a História da Povo Judeu

Segundo o Antigo Testamento, Moisés reuniu os hebreus cativos no Egito e

algumas tribos nômades do Sinai para conduzi-los à Terra Prometida, ao país de Canaã – no

atual território da Palestina. Mais adiante, como se irá analisar, a grande maioria dos judeus

iria se deslocar da Palestina para outras regiões do mundo.

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Desde os primeiros anos em que se estabeleceram em Canaã, os judeus não foram

bem recebidos pelas comunidades vizinhas; todos manifestaram-se contra eles. Eram os

madianitas e endomitas, ao sul; moabitas e amonitas, ao leste; filisteus, a oeste.4

De 586 à 536 a. C., os babilônios invadiram a Palestina e destruíram o Primeiro

Templo judeu5, construído durante o reinado de Salomão. Muitos judeus foram para o

cativeiro na Babilônia, outros fugiriam para a Pérsia.

No ano 70 da Era Cristã, o Segundo Templo de Jerusalém seria destruído pelos

romanos; sessenta e cinco anos mais tarde, como Claude Franck e Michel Herszikowicz

informam, a resistência judaica ao domínio romano no território palestino capitularia:

“Mais de meio milhão de soldados judeus perderam a vida e 985

aldeias foram destruídas no decurso dessa revolta, a mais longa e

dura que o Império Romano teve de enfrentar. Após a vitória,

Roma empenhou-se em apagar todos os vestígios de identidade

judaica na Terra de Israel. Chegou mesmo a desbatizar esta última e

atribuir-lhe o nome de Falastina – Palestina –, enquanto Jerusalém,

totalmente arrasada, era denominada Aelia Capitolina”.6

No Império Romano, o anti-semitismo se enraizava nas antigas tradições agrícolas

da sociedade romana e no conseqüente desprezo pelas atividades mercantis; desprezo que

nasce, por sua vez, de um profundo antagonismo econômico entre produtores de bens e

comerciantes, que se apropriam de uma parte desses bens, mas que são necessários à

sociedade e por isso inelimináveis. Também a atitude nacionalista dos judeus e o seu

proselitismo, diferenciando-os do tradicional comportamento dos outros povos assimilados

4 LOPES, Osório. O Problema Judaico. Rio de Janeiro: Vozes, 1942. p.20. 5 FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. O Sionismo. [tradução Eduardo Saló]. São Paulo: Europa-

América, 1985. p. 16.

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do império, que se reconhecem súditos do mesmo e mantêm a própria religião sem

procurarem estendê-la a outros, choca a mentalidade cosmopolita dos romanos, suscitando

reações de hostilidade.7

Os cristãos juntamente com os judeus foram perseguidos pelas autoridades romanas

até 312. Quando, em 325, o cristianismo se tornou religião do Estado Romano, os judeus

passaram a sofrer uma discriminação isolada:

“A atitude tolerante do paganismo cede lugar a uma política

asperamente confessional, voltada para a afirmação forçada da

religião de Estado; multiplicam-se as leis e as disposições tendentes

a discriminar aqueles que professam outras confissões. Os hebreus

são postos em condições de absoluta inferioridade jurídica e

privados de todo o direito civil; e em tal status permanecerão

durante toda a Idade Média e a Idade Moderna até a emancipação.

O anti-semitismo assume, nesta época, um dos seus componentes

ideológicos fundamentais: o componente religioso, fundado sobre a

aversão à ‘obstinação’ hebraica de não reconhecer o advento do

Messias e sobre a acusação de ‘deicídio’, que começa a ser dirigida

aos hebreus”. 8

Por não terem o apoio de um Estado oficial, como tinham os cristãos, os judeus

espalharam-se pela Europa, Ásia e África. Isso originou a formação dos primeiros guetos,

“verdadeiras coletividades com as suas escolas, os seus tribunais, a sua vida social, as suas

leis e os seus costumes”.9

6 FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. Op. cit., p. 25. 7 BOBBIO, Norberto, MATTUECCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. [tradução

Carme C. Varriale et al] 8ª ed. v. 1. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1995. p. 40. 8 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 40. 9 BARNIR, Dov. Os Judeus, o Sionismo e o Progresso. In: MODERNES, Les Temps. Dossier do Conflito

Israelo-Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). p. 456.

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Na Idade Média, essa segregação era forçada ou voluntária e, por conseqüência das

restrições ou perseguições da Igreja Católica, formaram-se guetos por toda a Europa: em

Veneza surgiu a palavra gueto para denominar o bairro judeu; na França o termo corrente

era carriére; na Alemanha a denominação preferida foi Judengasse. Os guetos existiam

também na Polônia e na Rússia . Em Portugal e na Espanha, a partir do século XVI, a vida

do judeu no gueto era obrigatória.10 Tal reclusão explica em parte a unidade judaica através

dos tempos, mediante, por exemplo, a criação e conservação de dialetos próprios. Esta

situação de auto-segregação, como se verá ao longo da pesquisa, foi muito importante para

que, mais adiante, os judeus desejassem a formação de um Estado essencialmente judeu.

Como a Igreja Católica detinha o poder sobre toda a Europa medieval, os judeus

mantiveram-se fora do feudos; porém, o quase total desaparecimento da economia de

mercado e a virada para o auto-consumo, tornaram a função comercial dos judeus de

grandíssima importância. Nos tempos de Carlos Magno, o comércio entre Ocidente e

Oriente é monopolizado de uma forma quase absoluta pelos judeus.11

No entanto, a partir do século XII, com o reflorescimento na Europa Ocidental das

atividades comerciais, a situação se modifica; os judeus perdem o monopólio do comércio

europeu e passam a ser relegados para posições secundárias. A burguesia nascente

pressiona no sentido de uma total eliminação dos judeus do comércio; as cruzadas que

marcam para esta classe uma importante etapa de desenvolvimento , constituem, ao mesmo

tempo, a primeira grande manifestação de anti-semitismo medieval.12

10 GARSCHAGEN, Donaldson M. (org.). Enciclopédia Barsa. São Paulo/Rio de Janeiro: Encyclopaedia

Britannica Consultoria Editorial Ltda, 1989. v. 8. ps. 422-423. 11 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 41. 12 Ibid., p. 41.

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15

Enquanto, nos primeiros séculos da Idade Média, os empréstimos judeus eram

destinados, em grande parte, ao financiamento do rei e da nobreza, agora se desenvolve o

pequeno empréstimo, concedido ao camponês e a arraia miúda das cidades. Esse fato leva

ao rápido deterioramento das relações entre judeus e o povo, que vê, erroneamente neles, a

causa da própria miséria.13

Os últimos séculos da Idade Média são um dos piores momentos da história dos

judeus; no decorrer do séculos XII, XIII e XIV, a Igreja Católica muitas vezes explicava o

surgimento de epidemias como uma conseqüência da ação de “semeadores de doença”.

Assim eram vistos os judeus que, embora padecessem também com as pestes, muitas vezes

eram massacrados como disseminadores das mesmas.14

A culpa dada aos judeus pelo alastramento da peste negra, que abalou a Europa do

século XIV, é um exemplo disso. O Prof. Dr. Reinholdo Aloysio Ullmann faz um

comentário interessante sobre este caso:

“Pseudo-causas da doença foram apontadas várias: fenômenos

astrológicos, ar empestado, processos de putrefação, no interior do

corpo, águas de poços envenenadas por judeus.

Merece um pequeno comentário o envenenamento de poços por

judeus. Atribuiu-se lhes esse ato, sem fundamento algum, como

culminância do ódio anti-semita, que, havia séculos, era notório na

Europa, não raro como aval de pessoas de alto coturno, assim no

círculo eclesiástico como do mundo profano.

E prossegue:

13 Idem. 14 SCLIAR, Moacyr. Do Mágico ao Social: a trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM, 1987, p.22.

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16

O boato de envenenamento começou na Aquitânia, em 1321,

portanto quase três décadas antes de a peste negra invadir a Europa.

Dizia-se que, naquele ano, leprosos haviam sido encarregados por

judeus de lançar veneno nos poços de cristãos, para eliminá-los”.

(...) acirrou-se pela Europa inteira o ódio contra os envenenadores

de poços, com terríveis conseqüências: muitos judeus foram

jogados vivos às fogueiras ou torturados até à morte, ou queimados

vivos dentro de suas próprias casas, sem poupar velhos, mulheres e

crianças”.15

Entre os séculos XII e XIV, o Islã (conjunto de califados islâmicos que abrangia

todo o Oriente Médio, o norte da África e parte da Península Ibérica), cuja economia

encontrava-se já estabilizada no comércio há um longo tempo e que, diferentemente da

Europa, não passava por um período de transição, mostrava-se relativamente mais tolerante

para com os judeus. A África do Norte e o Oriente Médio puderam, assim, oferecer uma

terra de acolhimento para os judeus da Europa que fugiam dos batismos forçados e dos

massacres na Rússia (a partir de 1113, com o primeiro “progrom”), na Espanha (1148), na

França (1182), na Inglaterra (1189) e na Alemanha (1330-1338).16

Durante os séculos XIII, XIV, XV e XVI, com a desagregação do feudalismo e a

gradativa formação de burguesias comerciais, o judeu foi praticamente expulso da Europa

Ocidental:

“Marginalizados também das atividades de empréstimos, perdem de

fato, toda a função econômica específica. Sua presença não parece

justificada aos olhos dos governantes, que decretam sua expulsão

15 ULLMANN, Reinholdo Aloysio. A Peste Negra. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 31, n. 131, ps. 154-

155, mar. 2001.

16 FAYES, Ahmed. Prelúdio a Israel. In: FAYES, Ahmed; SAYEGH, Fayes A. Sionismo na Palestina. Rio de Janeiro: Delegação da Liga dos Estados Árabes, 1969. ps. 25-26.

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em muitos países da Europa: Inglaterra em 1290, França em 1306, e

1394, Espanha em 1492, etc. Na Itália, os hebreus são expulsos da

Sicília e da Sardenha em 1492, do reino de Nápoles no período de

1510-1541, dos Estados Pontifícios, à exceção de Roma e Ancona,

em 1569 e 1593. Apenas na Alemanha e na Itália do Norte podem

permanecer núcleos conspícuos de judeus”.17

No início do século XIX, no entanto, os poucos remanescentes de judeus no oeste

europeu iriam passar por um processo de assimilação, especialmente depois da Revolução

Francesa que, através de uma recém formada legislação liberal, abriu as portas para a sua

integração política e social. O advento do capitalismo e o aparecimento dos defensores do

liberalismo, colaboraram para o judeu ter uma relativa assimilação e tornar-se bastante

produtivo. Alguns judeus proeminentes se tornaram grandes empresários e banqueiros.18

Karl Marx, em sua obra A Questão Judaica, faz um interessante comentário sobre a

relação entre a valorização do dinheiro e a emancipação do judeu:

“O judeu se emancipou a maneira judaica não só ao apropriar-se do

poder do dinheiro como, também, porque o dinheiro se converteu,

através dele e a sua revelia, numa potência universal, e o espírito

prático dos judeus no espírito prático dos povos cristãos. Os judeus

se emanciparam na medida em que os cristãos se fizeram judeus”.19

A partir do século XIX, a Europa Ocidental e a América acolheriam os judeus.

Segundo Ahmed Fayes: “a Europa Ocidental tornou-se cada vez mais tolerante para com

17 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 41. 18 SALEM, Helena. Palestinos, os novos judeus. Rio de Janeiro: Eldorado-Tijuca, 1977. p. 15. 19 MARX, Karl. A Questão Judaica. 5ª ed. São Paulo: Centauro, 2000. p. 46.

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os judeus. A América abriu-lhes as portas, e as idéias de imigração e de assimilação

prevaleceram momentaneamente sobre a idéia da auto-segregação”.20

Na Europa Oriental (que compreendia a Ucrânia, a Rússia Branca, a Lituânia, a

Polônia, a Romênia e a Hungria), bem mais atrasada economicamente, os judeus – que

compunham na época mais de 60% da população judaica mundial21 – gozariam de uma

situação relativamente privilegiada até o início do século XIX. Segundo Helena Salem,

eram eles que movimentavam o comércio numa região que ainda vivia num sistema feudal:

“No início do século XIX, a grande maioria dos judeus

concentrava-se na Europa Oriental (...). Desempenhavam

fundamentalmente funções de intermediários entre os camponeses e

os senhores feudais. Obtinham permissão dos senhores para gerir as

tavernas, sob a condição de venderem apenas bebidas produzidas

no feudo. Nas ocasiões especiais, como batismos, casamentos, os

camponeses eram impelidos a comprar muito – por sua vez os

judeus vendiam a crédito, mas com altos juros. Em praticamente

todas as atividades comerciais havia a participação prioritária ou

exclusiva do judeu, que representava a economia de troca no

mundo feudal”. 22

A partir do século XIX, no entanto, os “comerciantes estabelecidos” seriam vistos

como um grande problema para uma nova classe burguesa cristã que paulatinamente se

formava. Esta passou a interessar-se pelo desenvolvimento de uma forte burguesia nacional

20 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 27. 21 RATTNER, Henrique. Nos Caminhos da Diáspora. São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos Judaicos,

1972. p. 42. 22 SALEM, Helena. Op. cit., p. 14.

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e, por esse motivo, entraria em contradição com os comerciantes veteranos. Assim, o anti-

semitismo passou a fortificar-se na parte oriental, já no decorrer do século XIX.23

A situação dos judeus, na maioria pequenos comerciantes e vendedores, teria então

se tornado instável no leste europeu. Uma parte foi obrigada a abandonar a produção

independente e proletarizar-se, enquanto que outra emigrou para outros países, onde o

comércio e a indústria ofereciam melhores possibilidades de trabalho. Assim, vários judeus

se deslocaram da Polônia, por exemplo, para a Alemanha, Áustria e Rússia. Depois,

sobretudo após 1880, os judeus movimentaram-se para os Estados Unidos em grande

número.24

Helena Salem faz um breve comentário sobre a situação dos judeus que

permaneceram no Oriente Europeu:

“Aqueles que permaneceram em seus lugares de origem se tornarão

vítimas de violentas perseguições, especialmente por parte da classe

média, que vê no judeu um concorrente perigoso. O anti-semitismo

será um sentimento facilmente explorável pelo nascente capitalismo

em crise, já que a imagem do judeu junto ao povo – forjada em

séculos de atividade comercial e usuária – é a do indivíduo avaro,

explorador”. 25

Nota-se uma diferença interessante: enquanto na Europa Ocidental o judeu

consegue assimilar-se na maioria dos países, na Europa Oriental ocorre o contrário. “É essa

aliás a razão pela qual a participação e mesmo a liderança dos Judeus emancipados do

23 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 27. 24 SALEM, Helana. Op. cit., p. 15. 25 Ibid., p. 16.

Page 20: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

20

Ocidente se tornaram indispensáveis para a emancipação sionista das comunidades judias

orientais”.26

Os judeus ocidentais engajaram-se, então, em uma ajuda filantrópica para retirar os

judeus da Europa Oriental, transferindo-os para outros países. Ahmed Fayes exemplifica

esta questão:

“Moses Montefiore (parente, por aliança, de Nathan Rotschild)

ajuda os judeus russos, poloneses e rumenos a estabelecerem-se na

Argentina; os Rothschild ajudam outros a tornarem-se agricultores

e artesãos na Palestina; Mordecai Manuel Noah compra Grand

Island (Ilha Grande), no Niágara, não vai lá, mas convida os judeus

a irem”.27

Interessante é observar que o problema do judeu não-assimilado do oriente europeu

é “exportado” para outros países fora da Europa.

Já a assimilação ocidental judia encontrava-se, contudo, mais no âmbito econômico

do que social. Alguns judeus tinham adquirido um poder financeiro muito forte no Ocidente

Europeu. Os famosos Rothschild são um grande exemplo de sucesso econômico, pois eram

os mais poderosos banqueiros do Império Britânico no século XIX. Por outro lado as

massas judias ficavam privadas de um sentimento nacional, como nos esclarece Marcos

Margulies:

“No Ocidente europeu, a emancipação do séc. XIX colocou-as [as

massas judias] inesperadamente dentro da sociedade não judaica,

caracterizada por profundos sentimentos nacionais. Estes eram

alheios aos judeus que, excluídos então dos corpos nacionais, não

26 BARNIR, Dov. Op. cit., p. 459. 27 FAYES, Ahmed. Op. cit., p.27.

Page 21: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

21

podiam deles compartilhar. Engendra-se, assim, um novo conflito

entre ambos os grupos. Por outro lado, no Oriente europeu,

continuavam em vigor as medidas da opressão. De ambos os lados,

pois, os judeus haviam de procurar soluções imediatas e viáveis

para a sua situação peculiar”.28

Isso mostra que, apesar de uma assimilação relativamente bem mais estabilizada em

relação ao Oriente, grande parte dos judeus do Ocidente não via nos estados nacionais um

corpo político totalmente favorável as suas particularidades – costumes e religião.

Já, de acordo com Maxime Rodinson, quanto às massas judias essencialmente

animadas por um profundo desagrado pelas condições de opressão que sofriam,

principalmente na Rússia czarista e na Europa Oriental, a situação lhes oferecia poucas

escolhas:

“Perante a situação que lhes era imposta,[1]alguns judeus

assimilados optavam pela luta política, eventualmente

revolucionária, nos países que se sentiam cidadãos (...).[2]Outros

eram impelidos para uma luta semelhante mas por intermédio de

um reagrupamento entre judeus, como no caso dos budistas. [3]

Outros finalmente, repudiando todos os laços com o povo, o país e

o estado em que se encontravam integrados, colocavam a sua

esperança numa outra pátria, uma pátria puramente judaica”. 29

Das três opções apresentadas por Maxime Rodinson, a última daria origem ao

movimento sionista político idealizado por Theodor Herzl.

28MARGULIES, Marcos. Os Palestinos. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. (Coleção

Documentada/Fatos:5). p. 61. 29RODINSON, Maxime. Israel, facto colonial? In: MODERNES, Les Temps. Dossier do Conflito Israelo-

Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). p. 33.

Page 22: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

22

O Sionismo Político (1897)

O termo “sionismo”, de acordo com François Massoulié, surge por volta de 1890 e

se refere a Sion, colina de Jerusalém sobre a qual foi construído o primeiro templo judeu, e

que simboliza a “Terra Prometida”.30

Já Marcos Margulies, entende o sionismo como um “conceito” que acompanhou os

judeus durante todo o transcorrer de sua história.

O sionismo messiânico seria o mais antigo (séc. XII), sendo apenas um movimento

sentimental e religioso, “passivo e inoperante”; alguns pensadores judeus da Europa teriam

apenas almejado a Palestina como um lugar perfeito.31

Depois refere-se a um sionismo espiritual, “inócuo e inviável” segundo o autor;

“não lutavam, pois, pela ida dos judeus para a Palestina, nem preconizavam a criação de

uma entidade política própria. Pretendiam apenas recriar ali o centro da vida cultural”.32

Em 1887, com o idealizador A. D. Gordon, teria surgido o sionismo prático, que

pregava a volta imediata dos judeus à Palestina sem considerar os problemas de ordem

política. Esse sionismo, como Margulies afirma, daria origem ao sionismo filantrópico, que

seria a concretização do sionismo prático, através da ajuda de alguns potentados judeus33,

que realmente financiaram o estabelecimento de colônias agrícolas judias na Palestina a

partir de 1882.

30 MASSOULIÉ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. [tradução Isa Mara Lando]. São Paulo: Ática,

1994. p. 45. 31 MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 59. 32 Ibid., p. 60. 33 Ibid., p. 62.

Page 23: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

23

Em 1897, surgia o sionismo político idealizado por Theodore Herzl, que daria

origem a uma organização sionista autônoma de grande porte, tendo como objetivo

principal a formação de um “lar nacional” para o povo judeu na Palestina.34

Margulies também fala sobre um sionismo humanitário, que teria provindo de

diversos intelectuais não-judeus, condolentes para com a “trágica e inesperada questão

judáica”35, referindo-se à falta de apoio internacional à causa sionista. O autor ainda faz um

comentário sobre o sionismo utilitário; este, segundo Margulies, compreenderia o apoio de

potências imperialistas interessadas em empreendimentos na Palestina e não propriamente

na causa sionista.36 Esse sionismo, como se verá no próximo capítulo, seria explorado pela

Grã-Bretanha a partir de 1917.

Em síntese, o sionismo é um movimento político e religioso que tinha como

objetivo a volta dos judeus para a “Terra Santa”, na Palestina. Desejavam eles fundar um

“lar nacional” para o povo judeu no lugar onde acreditavam ser, por direito histórico e

religioso, os verdadeiros donos.

Por ser o sionismo político uma organização que realmente deu base institucional ao

movimento e foi um dos grandes responsáveis pela fundação de Israel em 1947, analisar-se-

á a formação deste para elucidar melhor a questão judaica na Palestina.

Theodor Herlz era um jornalista austríaco e estava em Paris quando estourou o Caso

Dreyfus (1894-1906)*. Como Ahmed Fayes afirma: “do desencadeamento na França dos

34 Ibid., p. 63. 35 Ibid., p. 69. 36 Ibid., p. 70. * Um dos mais ruidosos casos de erro judicial da história moderna da França. Envolveu Alfred Dreyfus (1859-1935), capitão do estado-maior geral do exército francês, numa acusação de espionagem em favor da Alemanha, por terem sido encontrados documentos com a sua caligrafia falsificada junto ao adido militar alemão em Paris. Foi, por isso, condenado à prisão perpétua na ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa. Em 1898, encontrou-se evidências de sua inocência e culpa do major francês Esterhazy, espião alemão. Mas o segundo julgamento manteve o resultado do primeiro, provocando uma indignação em massa. O escândalo

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24

movimentos reacionários e anti-semíticos ficou-lhe a convicção de que (...)a assimilação

dos judeus era impossível, porque os judeus eram judeus e porque as pressões exteriores os

obrigariam sempre a auto-segregação”.37

Eric Hobsbawm faz um comentário interessante sobre essa questão:

“... mesmo no interior do mundo dos brancos [refere-se ao mundo

ocidental, mais propriamente ao ocidente europeu] havia uma

impressionante contradição entre a oferta de assimilação ilimitada

para quem quer que revelasse boa vontade e capacidade para reunir-

se à nação-Estado e a rejeição, na prática, de alguns grupos. Isso

tornava-se especialmente dramático para aqueles que até então

haviam suposto, com fundamentos altamente plausíveis, que não

havia limites para o que poderia ser alcançado pela assimilação: os

judeus e ocidentalizados de classe média. Eis por que o caso

Dreyfus na França, a vitimação de um único oficial do estado-maior

francês, por ser judeu, produziu uma reação de horror tão

desproporcionada – e não apenas entre os judeus mas entre todos os

liberais – e conduziu diretamente ao estabelecimento do sionismo,

um nacionalismo de Estado, territorial, para judeus”.38

Em 1896, Theodor Herzl escreveria então a obra propulsora do sionismo político

propriamente dito: Der Jundenstaat (“O Estado Judeu”), onde preconizava a instalação de

um “lar nacional judeu na Palestina”. Segundo Marcos Margulies, essa obra salvaguardou

os desejos judaicos sobre a questão nacional em boa hora, pois, além da França , o anti-

semitismo ressurgia em outras regiões: “Na Alemanha divulgavam-se as primeiras teorias

dividiu a opinião pública entre dreyfusards (a esquerda progressista) e anti–dreyfusards (a direita conservadora), e surgiram fortes ataques anti–semitas por parte da direita e anti–clericais, à esquerda —por ser Dreyfus judeu e a Igreja ligada ao Estado. Os debates arrastaram–se por mais oito anos, até o capitão ser totalmente inocentado, em 1906, tendo os jornais aproveitado do fato para fazer sensacionalismo. 37 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 29. 38 HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios, 1875-1914. [tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de

Toledo; revisão técnica Maria Celia Paoli]. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. ps. 216-217.

Page 25: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

25

da superioridade racial. Na Rússia continuavam as perseguições legais e físicas. Criou-se

até uma Internacional Antijudaica. E distribuíram-se pelo mundo os exemplares, tirados aos

milhões, do livro anti-judaico, Os Protocolos dos Sábios de Sião*”.39

De acordo com Paul Johnson, em seu livro Der Judenstaat, Herzl fazia o seguinte

apelo:

“Nós somos um povo, um povo. Em toda parte procuramos

honestamente nos integrar com as comunidades nacionais que nos

cercam e conservar somente a nossa fé. Não nos permitem fazer

isso... Em vão nos empenhamos em aumentar a glória de nossas

pátrias com conquistas na arte e na ciência e sua riqueza com

nossas contribuições para o comércio... Somos denunciados como

estrangeiros... Se apenas nos deixassem em paz... Mas não acho que

farão isso”. 40

Herzl foi o fundador do primeiro Congresso Sionista Mundial, ocorrido na Basiléia,

já em 1897. Nesse encontro internacional fundou-se a Organização Sionista Mundial, que

objetivava a criação, para o povo judeu, de um lar na Palestina, garantido pelo Direito

Público:

“O sionismo tem por finalidade um lar nacional legalmente

garantido e publicamente reconhecido para o povo judeu na

Palestina. Para realizar este objetivo, o Congresso tem em vista os

métodos que seguem:

1.º Encorajamento da colonização na Palestina por agricultores,

camponeses e artesãos;

* A obra Os Protocolos dos Sábios de Sião foi escrita em 1897. O livro descrevia os judeus como os conspiradores para a conquista do mundo. A base histórica foi criada por um novelista alemão, anti-semita, chamado Hermann Goedsche, que usou o pseudônimo de Sir John Retcliffe. 39 MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 64. 40 HERZL, Theodor apud JOHNSON, Paul. História dos Judeus. [tradução Carlos Alberto Pavanelli]. Rio de

Janeiro: Imago, 1989. ps. 395-396.

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26

2.º Organização do conjunto do judaísmo em corpos constituídos ao

plano local e geral, de acordo com as leis dos respectivos

países;

3.º Reforço do sentimento nacional judaico e da consciência

nacional;

4.º Aplicação dos meios necessários para obter o consentimento dos

governos susceptíveis de favorecer a realização dos objetivos

do sionismo”. 41

Em relação à Organização Sionista Mundial, Claude Franck informa sobre o

número de membros e os organismos formados:

“Intitula-se uma organização de massa que apela para a adesão de

todos os que aceitem o programa sionista e paguem um direito

simbólico, denominado shekel. O número de seus membros não

parou de aumentar até a independência do Estado de Israel,

passando de algumas dezenas de milhares em 1897 para 164 000

em 1907, 855 000 em 1921, 1 000 000 em 1939 e 2 159 000 em

1946.

A acção política, pioneira e cultural da Organização Sionista

realizou-se graças a organismos, alguns dos quais foram criados

ainda em vida de Herzel, como nomeadamente o Fundo de

Colonização, que se tornaria o Banco Sionista, e o Fundo Nacional

Judeu para Aquisição de Terras (...). Foi igualmente fundado nessa

época um órgão de imprensa, Die Welt”.42

Como afirma Françóis Massoulie, Herzl confiava na via diplomática para obter um

“pedaço da superfície terrestre” onde se pudesse estabelecer um lar nacional judaico,

41 FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. Op. cit., ps. 60-61. 42 Ibid., p. 63.

Page 27: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

27

núcleo de um futuro Estado independente.43 Além disso, as condições de acordos

diplomáticos entre o movimento sionista e as potências imperialistas da época eram bem

viáveis, como afirma Maxime Rodinson:

“... o nacionalismo judeu sionista tinha a vantagem de poder contar

com apoios mais ou menos poderosos entre os cidadãos dos estados

imperialistas interessados, de dispor na Europa Oriental de uma

base de massa. Sobretudo a qualidade européia dos sionistas podia

permitir-lhes apresentar o seu projecto como integrado nesse

mesmo movimento de expansão européia que cada potência

desenvolvia por sua conta. Daí, as numerosas declarações sobre o

interesse geral da Europa ou da civilização (era a mesma coisa) ou

ainda sobre o interesse particular desta ou daquela potência em

apoiar o movimento sionista. Era perfeitamente natural na

atmosfera da época”. 44

Tamanho era o interesse internacional na causa sionista que Herzl, antes de lançar

mão do apoio britânico, recorreu ao Kaiser Guilherme II, em outubro de 1898, propondo a

formação de um comitê econômico para desenvolver a terra na Palestina, sob a proteção

dos alemães. No entanto, como Helena Salem explica, o Kaiser alemão teria rejeitado o

empreendimento, temendo prováveis problemas com o Império Otomano (proprietário da

Palestina no momento), a Inglaterra e a Rússia (ambas interessadas no domínio da

Palestina).45

43 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 49. 44 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 44. 45 SALEM, Helena. Op. cit., p. 18

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28

Ainda em 1901, Herzl foi pedir autorização ao sultão otomano Abdul-Hamid para

que os judeus se fixassem na Palestina, em troca do comprometimento judeu em estabilizar

as finanças do Império Otomano46; mais uma vez a esperança era negada a Herzl.

“Finalmente, a Inglaterra, após relutar a princípio (sugeriu a

formação de um lar nacional judeu em Uganda, proposta recusada

pelo movimento sionista), acabou por concordar, compreendendo

as vantagens de possuir uma ‘sentinela avançada’ naquela região .

Por sua realização só ter sido possível graças ao apoio de uma

grande potência colonial – a Grã-Bretanha – cujos interesses, até

determinado momento combinaram perfeitamente com os dos

sionistas, o movimento de Theodor Herzl estava estreitamente

ligado à expansão colonial européia no início deste século”. 47

Essa aliança entre sionistas e ingleses iria, pois, possibilitar a concretização do “lar

nacional judaico”, na Palestina.

Sobre a Palestina, é importante lembrar, que os árabes a conquistaram em 637 da

Era Cristã. Conquista comparável a qualquer outra, com uma única diferença: os árabes se

misturaram aos habitantes originais da Palestina para constituir o “povo árabe da

Palestina”, em referência a sua língua, sua cultura, sua história e suas aspirações. Em 1917,

data em que a Grã-Bretanha passava a apoiar oficialmente o movimento sionista judeu, era

esse povo árabe que vivia na terra da Palestina, após treze séculos ininterruptos, ao curso

dos quais partilhou o destino de todos os povos da região. Para Ahmed Fayes “o povo árabe

46 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 41. 47 SALEM, Helena. Op. cit., p. 18.

Page 29: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

29

da Palestina possui tanto direito quanto os franceses têm sôbre a França, os ingleses sôbre a

Inglaterra e, certamente, mais direitos que os americanos têm sobre a América”.48

Como se verá no próximo capítulo, os árabes, ao longo das negociações sobre a

partilha do Império Otomano, iriam ser desconsiderados pela diplomacia britânica,

enquanto que os interesses sionistas judeus seriam priorizados.

48 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 14.

Page 30: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

30

2 A GRÃ-BRETANHA NA PARTILHA DO IMPÉRIO OTOMANO E O PROBLEMA ÁRABE-JUDEU (1915-1922)

O apoio oficial britânico ao movimento sionista ocorreu em 1917, através da

Declaração Balfour, onde o governo britânico se obrigava a estabelecer um “lar nacional”

para os judeus na Palestina. À Grã-Bretanha, na realidade, interessava o apoio internacional

da comunidade judia, como também os ganhos na partilha do Império Otomano.

O Império Britânico, no entanto, antes de adotar a causa sionista havia prometido

aos árabes – através da correspondência entre McMahon e Hussein – a formação de um

Estado único e independente, o que não foi cumprido. Isso tudo em função dos interesses

em desmembrar as regiões árabes otomanas com a França, nos acordos de Sykes-Picot.

Todo este processo deu-se em função da partilha do Império Otomano. Sobre a

partilha, François Massoulié comenta: “A correspondência Hussein-McMahon, os acordos

de Sykes-Picot e a Declaração Balfour são os três documentos principais – e bastante

contraditórios – que fixam os acordos da partilha do Império Otomano”.49

Para um melhor esclarecimento desse episódio histórico, que tanto favoreceu o

desencadear dos primeiros ressentimentos entre árabes e sionistas judeus, é preciso analisar

os acordos e tratados separadamente. Também é importante verificar a influência do

petróleo nas negociações, bem como a oficialização do mandato britânico na Palestina, em

1922.

49 MASSOILIÉ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. [tradução Isa Mara Lando]. São Paulo: Ática,

1994. p. 22.

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A Correspondência McMahon-Hussein (1915-1916): uma promessa não cumprida

Em 1914 o Império Otomano compreendia os territórios da Síria (que na

época incorporava a região do Líbano), da Mesopotâmia (que se tornou o Iraque, em 1920),

da Palestina, da Transjordânia, grande parte da Península Arábica e da Turquia (centro do

poder otomano).

Fonte: HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. [tradução Marcos Santarrita]. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 309.

Nesse mesmo ano, o Egito, sob ocupação britânica desde 1882, se torna

oficialmente protetorado da Grã-Bretanha, soberanizando-se em relação à Turquia. Como

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32

reação a isso o sultão turco teria iniciado o jihad, ou guerra santa, contra os aliados50, uma

explícita estratégia para arregimentar os estados islâmicos a revoltarem-se contra o domínio

anglo-francês.

Também, segundo Marcos Margulies, a promessa de autonomia e o desenrolar da

Primeira Guerra favoreceram o retardamento dos sentimentos anti-turcos entre as

províncias árabes do Império Otomano:

“Bastou os Jovens Turcos prometerem aos árabes a autonomia

cultural (promessa que nunca chegou a ser cumprida) para que

enfraquecessem os sentimentos antiturcos entre os idealizadores da

emancipação árabe. E no momento da declaração de guerra pela

Turquia às potências aliadas, em 1914, o movimento árabe

solidarizou-se com a posição do Governo otomano, com a intenção

de impedir a penetração dos europeus no país e de impossibilitar a

eventual conquista dos territórios árabes pelas potências cristãs. Os

árabes julgavam poder aproveitar esse apoio após a esperada vitória

militar turca, para conseguir do governo diversas concessões no

sentido da obtenção de autonomia dentro do Estado otomano”. 51

Num primeiro momento, certamente a guerra ajudou numa maior centralização do

poder turco. No entanto, em províncias árabes mais distantes, como na Península Arábica, o

desejo de emancipação era maior e a diplomacia britânica iria colaborar para o rompimento

definitivo da unidade otomana.

Depois do insucesso britânico no ataque militar a Dardanelos, os ingleses tentariam

enfraquecer internamente o Império Otomano, incentivando a revolta das províncias árabes

contra o poder turco.

50 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 19.

Page 33: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

33

Estabeleceram-se, então, contatos com Hussein; esse funcionário otomano e chefe

da família dos Hachemitas, era o xerife de Meca. Em sua qualidade de guardião dos lugares

sagrados e de descendente do profeta Maomé, sua influência moral era bastante

considerável e a Inglaterra, por isso, desejava conquistar o seu apoio, e ao mesmo tempo a

neutralidade dos cem milhões de muçulmanos da Índia Britânica.52

O Governo britânico, representado pelo alto comissário inglês, Sir Henri McMahon,

deu o aval para o ambicioso projeto de Hussein: restabelecer um grande Estado Árabe

unido e independente, sob a sua liderança:

“Hussein (...) julgava indispensável libertar do jugo otomano o

berço de islamismo do qual se supunha soberano, por ter sob sua

guarda as cidades santas de Meca e Medina. Ao saber da existência

dos movimentos em prol da emancipação árabe, mandou seu filho

Faiçal a Damasco que apresentou aos árabes sírios o projeto da

criação de um Estado Árabe unido e independente de qualquer

potência estrangeira”. 53

Hussein, desejava formar um Estado árabe unindo os territórios do Oriente Médio,

pertencentes ao Império Otomano, com exceção da Anatolia. Seus filhos Faissal e Abdulla

reinariam, respectivamente, na “Grande Síria” – que além da Síria atual, compreendia os

territórios do sudeste da Turquia, do Líbano, da Jordânia e da Palestina54 - e na

Mesopotâmia (atual Iraque) , enquanto que Hussein levaria a cabo a conquista do restante

da Península Arábica.55 Hedjaz, reino liderado por Hussein na Península Arábica, era

51 MARGULIES, Marcos. Os Palestinos. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. p. 76. 52 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 76. 53 MARGULIES, Marcos. Op. cit., ps. 76-77. 54 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 39. 55 MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 81.

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34

considerado como o embrião do futuro Estado Árabe, visto como um totum político, apesar

da divisão interna em três reinos autônomos, Síria, Mesopotâmia e Arábia.56

De acordo com Ruy Alves Jorge, o governo da Grã-Bretanha teria aceito esse

projeto de Hussein, com exceção somente de pedaços da Síria a Oeste dos distritos de

Damasco, Homs e Alepo.57

Fontes: MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 81. MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 39. JORGE, Ruy Alves. Op. cit., p. 37.

Hussein, então, prometeu à Grã-Bretanha colocar os seus exércitos tribais na

campanha militar britânica contra a Turquia, desde que o governo inglês lhe assegurasse a

coroa do futuro Reino Árabe, a ser criado após a guerra. “Esse movimento começou após a

troca de correspondência entre os britânicos e Hussein, agindo em contato com grupos

56 Idem. 57 JORGE, Ruy Alves. A Justiça está com os Árabes: História do Conflito Árabe-Israelense. São Paulo:_____,

1975. p. 37.

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35

nacionalistas árabes , na qual os britânicos haviam encorajado as esperanças de

independência árabes.(correspondência McMahon-Husayn, 1915-1916)”. 58

A revolta árabe liderada por Hussein, em 1916, facilitou, para os britânicos, a

fragmentação do Império Otomano. A Palestina – como todo o Oriente Médio – que, com

isso, mal começava a libertava-se do jugo otomano, já servia de palco às pretensões de

partilha entre as forças aliadas.

Na verdade a promessa de unificação e independência árabe, era uma farsa

diplomática, pois a Inglaterra fechava acordos secretos paralelos com a França e a Rússia.

Estes acordos impossibilitariam a implantação de um Estado árabe unido e independente.

O Acordo Sykes-Picot (1916): a grande verdade

Enquanto, de um lado, os ingleses prometiam um Estado unido e independente aos

árabes, do outro, fechavam acordos com franceses e russos czaristas sobre a partilha do

Império Otomano.

Esses tratados secretos que foram acertados entre os aliados durante a Primeira

Guerra, “dividiram a Europa do pós-guerra e o Oriente Médio com uma surpreendente falta

de atenção pelos desejos, ou mesmo interesses, dos habitantes daquelas regiões. Os

bolcheviques, descobrindo esses documentos sensíveis nos arquivos czaristas, haviam-nos

prontamente publicado para o mundo ler”.59

O acordo Sykes-Picot previa para Jerusalém uma administração internacional; já,

nas outras áreas do Oriente Médio, mesmo aceitando o princípio da independência árabe

58 HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. [tradução Marcos Satarrita]. São Paulo: Companhia

das Letras, 1994. p. 319. 59 HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. [tradução Marcos Santarrita;

revisão técnica Maria Célia Paoli]. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ps. 41-42.

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36

estabelecido na correspondência com o xerife Hussein, dividiu a área em zonas de

influência permanente entre as potências aliadas.60 Mais tarde a Rússia, com o advento da

revolução socialista, iria sair das negociações61 e o acordo limitou-se aos interesses franco-

britânicos.

Nas negociações que se seguiram, o governo britânico iria utilizar-se das pretensões

sionistas para fazer frente aos interesses da França, sobre o controle da Palestina:

“... no momento em que o acordo secreto Sykes-Picot (princípios de

1916) partilhava na mesma região as zonas de influência entre a

Inglaterra e a França, no momento em que esta última utilizava os

seus contatos, sobretudo libaneses, para edificar seus planos de uma

grande Síria (incluindo a Palestina) sob influência francesa, não era

má idéia dispor no Próximo Oriente de uma população ligada à

Inglaterra pelo reconhecimento e pela necessidade. Fazer da

Palestina um problema especial, atribuir aí à Inglaterra uma

responsabilidade particular, era obter uma base sólida de

reivindicações na partilha que se seguiria à guerra”.62

Esse seria um motivo importante para os ingleses oficializarem seu apoio a causa

sionista. Isso pois iria concretizar-se em 1917.

A Declaração Balfour (1917): a cartada sionista

Em 2 de novembro de 1917, o chanceler britânico Lord Arthur Balfour comunicava

ao representante do comitê político da Organização Sionista, Lorde Rothschild:

60 HOURANI, Albert. Op. cit., p. 320. 61 RODINSON, Maxime. Israel, facto colonial? In: MODERNES, Les Temps. Dossier do Conflito Israelo-

Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). ps. 52-53. 62 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 47.

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37

“O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o

estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional, para o povo

judeu, e empregará todos os esforços a fim de facilitar a realização

desse objetivo, ficando, porém, claramente entendido que nada se

fará que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das

comunidades não judaicas que vivem na Palestina, nem que

prejudique os direitos e disposições políticas de que os judeus

gozam em todos os outros países”.63

Com essa declaração, o governo britânico oficializava o seu apoio ao movimento

sionista judeu e, automaticamente, impossibilitava o projeto de protetorado francês na

Palestina: “A declaração Balfour era o argumento principal sobre que se podiam basear as

pretensões britânicas no decorrer das negociações. E a nítida tomada de posição do

Diretório sionista pelo protetorado britânico contra o projeto de protetorado francês

facilitava a tarefa dos ingleses”.64

Interessava, também, à Grã-Bretanha o apoio internacional das comunidades judias

durante a guerra, que, como alega Massoulié: “a priori seriam pró-germânicas ou favoráveis

ao processo revolucionário que se iniciava na Rússia”.65 Maxime Rodinson esclarece com

mais detalhes essa questão:

“Os judeus da Alemanha (onde esteve instalada a sede da

Organização Sionista até 1914) e da Áustria-Hungria tinham sido

conquistados para o esforço de guerra em grande parte pelo fato de

se tratar de combater a Rússia czarista, perseguidora dos judeus. No

território russo conquistado os alemães apresentavam-se como

63 LOPES, Osório. O Problema Judaico. Rio de Janeiro: Vozes, 1942. ps. 68-69. 64 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 53. 65 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 21.

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protetores dos judeus oprimidos (...). A revolução russa reforçava

as tendências derrotistas na Rússia”.66

Através então da Declaração Balfour, o governo britânico, em pleno decorrer da

Primeira Guerra, dava motivos à essas mesmas comunidades judias apoiarem a causa

aliada, contra a vontade da própria Alemanha e da Áustria-Hungria (potências do Eixo).

É interessante salientar, também, que a Declaração Balfour surgiu cinco dias antes

da data fatídica de 7 de novembro (25 de outubro do calendário juliano), em que os

bolcheviques se apoderaram do poder na Rússia. Um dos objetivos da declaração era apoiar

Kerensky. Pensava-se também na força dos judeus dos Estados Unidos, país que acabava

de se juntar aos aliados.67

Além disso, a Palestina para os britânicos era uma área bastante estratégica. Ao

sudoeste desta encontrava-se o canal de Suez, importantíssimo fluxo comercial e militar

inglês entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico: “A rota marítima para a Índia e o Extremo

Oriente passava pelo canal de Suez”.68 A criação de um Estado tampão na Palestina, entre

turcos e egípcios, iria dar maior proteção ao canal, além de reforçar a influência britânica

na região.

Os ingleses também tinham planos para garantir uma continuidade territorial entre o

Egito e a Índia britânica69; para isso, além da Palestina objetivavam controlar uma outra

região a leste do esfacelado Império Otomano: a Mesopotâmia.

A Influência do Petróleo nas Negociações

66 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 46. 67 Ibid., p. 46. 68 HOURANI, Albert. Op. cit., p. 322. 69 RODINSON, Maxime. Op. cit., p. 53.

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A Mesopotâmia valeu-se igualmente da grande quantia de petróleo que, logo depois

da Pérsia (atual Irã), passaria a fornecer às companhias de exploração britânicas. Issac

Akclerud comenta sobre a importância do petróleo no decorrer da I Guerra:

“No primeiro ano da I Guerra Mundial, 1915, [a produção de

petróleo] atingia 59 milhões de t/a [toneladas por ano]. No primeiro

decênio de nosso século, o uso pacífico de petróleo expandiu-se à

marinha mercante, além de se tornar dominante na marinha de

guerra. A aviação militar e a motorização dos exércitos

estabeleceram a prioridade do petróleo.(...). Foi aí que o Oriente

Médio começou a ter um peso internacional moderno”. 70

Segundo Issac Akcelrud, antes do êxito petrolífero espetacular na Pérsia, em 1908,

empresas como a Standard Oil Company nova-iorquina, Syria Exploration Company

londrina e a Jaffa Oilfields, teriam demonstrado confiança na existência de óleo na

Palestina. Depois, então, que se descobriu o “ouro negro” na Pérsia, a Grã-Bretanha,

através da Anglo-Persian Company, exploraria em grande escala essa região71, bem como,

mais adiante, a Mesopotâmia e a Península Arábica. A Palestina, por isso, não teria valor

internacional dentro do âmbito petrolífero.

A existência de petróleo na Mesopotâmia seria pois a principal razão da Inglaterra

não se opor ao estabelecimento de um mandato francês na Síria – em cujo território o

petróleo iraquiano iria passar por um oleoduto.72

70 AKCELRUD, Issac. O Oriente Médio: origem histórica dos conflitos: imperialismo e petróleo: judeus,

árabes, curdos e persas. 4ed. São Paulo: Atual; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1986. (Discutindo a História). p. 23.

71 AKCELRUD, Issac. Op. cit., p. 23. 72 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 23.

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40

Com isso a unificação árabe tornar-se-ia impossível, pois a Síria, que já estava sob o

reinado de Faissal (filho de Hussein), é obrigada pelo comando francês, a depô-lo do

cargo.73

Faissal, por conseqüência disso, é obrigado a refugiar-se na Mesopotâmia, levando a

Grã-Bretanha a entregar-lhe a coroa desta, antes prometida a Abdulla (outro filho de

Hussein); a este, então, a Grã-Bretanha entrega o poder na Transjordânia, que foi para isso

separada da Palestina e transformada artificialmente em Estado.74

Finalmente a luta que eclodiu na Península Arábica, em 1924, entre Hussein, emir

de Hijaz, e Ibn Saud, emir de Nejd, terminou com a vitória do último. Assim, “ao invés de

um só Estado Árabe independente, surgiram vários estados: Síria, nas mãos dos franceses,

que dela desmembrariam o Líbano; Mesopotâmia (Iraque) e Transjordânia, sob o cetro dos

filhos de Hussein, da dinastia hachemita, mas sob a influência britânica”.75 Ainda, a

Palestina serviria de colônia para os sionistas judeus do ocidente e seria controlada também

pela Grã-Bretanha.

73 MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 83. 74 Ibid., p. 83. 75 Idem.

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Fonte: HOURANI, Albert. Op. cit., p. 327.

É importante ressaltar que a Grã-Bretanha vinha mantendo acordos de exploração

de petróleo com Ibn Saud desde 1915, mesma época em que havia prometido a Hussein a

formação de um Estado árabe unido.76

Françõis Massoulie comenta, sobre o descaso da Grã-Bretanha em relação a

Hussein, na guerra contra Ibn Saud:

“O velho Hussein, que para a Inglaterra não tem mais utilidade, é

forçado a fugir. Ibn Saud se proclama rei do Nejd e do Hijaz e, em

1926, recebe de um congresso pan-islâmico o cargo de

administrador dos lugares santos. Esta é uma decisão contestada,

que prenuncia muitas tensões futuras”.77

76 AKCELRUD, Issac. Op. cit., p. 23. 77 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 24-25.

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Certamente o monopólio da exploração de petróleo fornecido por Ibn Saud às

companhias britânicas78, como elucida Issac Ackselrud, foi determinante para a Grã-

Bretanha descartar o apoio a Hussein.

Portanto, o petróleo que, ao mesmo tempo, representaria a maior fonte de riqueza

dos árabes no Oriente Médio, seria o principal determinante para a impossibilidade de uma

unificação, pelo menos na época da partilha do Império Otomano.

É digno de apreço destacar que o Congresso Sírio, em 1919, havia aprovado a

liderança de Faissal no trono da “Grande Síria”.79 Na Mesopotâmia, o governo britânico

havia prometido o apoio ao reinado de Abdulla. Hussein, na Península Arábica, era

reconhecido por uma grande parcela árabe como descendente direto de Maomé. Por isso

quando se fala que a Grã-Bretanha não cumpriu a promessa feita aos árabes, são todos os

árabes pró-Hussein, Faissal e Abdulla. Deu-se ênfase a esse caso, porque grande parte dos

árabes envolvidos nesse projeto localizavam-se na Palestina – como parte da Grande Síria,

estipulada pelo Congresso Sírio – e nos territórios que circundavam a Palestina – o norte da

Síria (que incluía o Líbano, até a partilha), na Jordânia e ainda na Mesopotâmia. Para

muitos desses árabes, a promessa não cumprida feita a Hussein, desfavoreceu uma grande

parcela árabe, e a formação, na Palestina, de um “lar nacional” para os judeus representaria

um problema ainda maior, principalmente na visão dos árabes sírios. A própria promessa de

independência, mesmo negando o projeto de unificação, na realidade não aconteceu

literalmente, pois os mandatos de 1922 legitimavam o domínio da França e da Inglaterra

sobre as regiões do Oriente Médio.

78 ACKSELRUD, Issac. Op. cit., p. 23. 79 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 39.

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A idéia de unificação, no entanto, também era um desejo quase unânime entre os

árabes do Oriente Médio, até mesmo no Egito; o problema era onde deveria ser o centro

desse Estado Unificado e quem seria o líder supremo. Isso, como se verá no próximo

capítulo, seria outro determinante para a impossibilidade da unificação. A Inglaterra, no

entanto, utilizou-se das rivalidades locais – como se viu no caso entre Hussein e Ibn Saud –

em vista dos interesses no petróleo saudita, neutralizando o projeto de unificação.

As Conseqüências da Partilha e o Mandato Britânico para a Palestina (1922)

Vê-se, a partir do que foi analisado, que a diplomacia britânica, ao longo das

negociações, desfez a promessa de unificação e independência feita aos árabes, ao mesmo

tempo que passou a financiar a formação de um “lar nacional” para os judeus em território

árabe.

A Declaração Balfour, além de contrariar os desejos das comunidades árabes

palestinianas, representou para elas, a negação à sua própria nacionalidade, pois as

condições estabelecidas para que o “lar nacional judeu” se concretizasse anulava os direitos

prometidos, na própria declaração, às “comunidades não judaicas”. François Massoulié

explica esta contradição:

“Depois do desmembramento da região [se refere ao Império

Otomano], articulado em segredo, durante a guerra, pela França e a

Inglaterra, com os famosos acordos de Sykes-Picot, a Declaração

Balfour, integrada aos estatutos do mandato inglês sobre a

Palestina, aparece como símbolo da recusa da nacionalidade feita

ao povo árabe.(...)

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Ora, a imigração era a condição essencial e a razão de ser do lar

nacional judaico. Entretanto, a garantia explícita dos direitos

cívicos(...) das comunidades não judaicas da Palestina – ou seja, da

maioria árabe palestina – expressa na Declaração Balfour

demonstra ser incompatível com o estabelecimento e

desenvolvimento do lar nacional judaico. O caráter contraditório

desses compromissos prenuncia muitos conflitos futuros.

E prossegue:

Na realidade o problema é político. Ele coloca face a face dois

nacionalismos radicalmente diferentes [faz referência ao

nacionalismo árabe e judeu], e o conflito, cujos fundamentos já

estavam assentados na virada do século, irá se agravar à medida

que se reforça o lar nacional judaico, sustentado por uma

organização sionista agora mais poderosa”. 80

Depois que a Primeira Guerra acabou, o Tratado de Versalhes já estabelecia que os

países árabes antes sob o domínio otomano poderiam ser provisoriamente reconhecidos

como independentes, sujeitos à prestação de assistência e aconselhamento por um Estado

encarregado do “mandato” para eles. Foram esses documentos, e os interesses neles

refletidos, que determinaram o destino político dos países. “De acordo com os termos dos

mandatos, formalmente concebidos pela Liga das Nações em 1922, a Grã-Bretanha seria

responsável pelo Iraque e pela Palestina, e a França pela Síria e pelo Líbano”.81

Nos antigos territórios otomanos, o único Estado realmente independente que

emergiu da Primeira Guerra foi a Turquia de Mustafá Kemal. Já o Iêmen e a Arábia

80 MASSOILIÉ, François. Op. cit., p. 55. 81 HOURANI, Albert. Op. cit., p. 321.

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45

Saudita, tendo poucos laços com o mundo externo e cercados de todos os lados pelo poder

britânico, só podiam ser independentes dentro de certos limites.82

Com relação a Palestina, Nathan Weinstock mostra, através dos artigos que

compõem o projeto de Mandato britânico, a clara preferência pelos interesses sionistas:

“Uma simples leitura do texto é suficiente para convencer-se de que

o mandato britânico foi redigido em interesse exclusivo dos

sionistas, até tal ponto, que omite mencionar os árabes, designados

descuidadamente com a expressão “população não judia”.

“Resumamos o documento. A Palestina será governada e

administrada pela potência mandatária (art. 1) que, sem embargo, se

esforçará em alentar a autonomia local (art. 3). Mas o artigo 2 prevê

que ‘o mandatário assumirá a responsabilidade de instituir no país

um estado de coisas políticas, administrativas e econômicas, de tal

natureza que se assegure o estabelecimento do Lar Nacional para o

povo judeu... . o artigo 4 recomenda o reconhecimento de uma

agência judia apropriada para aconselhar a administração e

cooperar com ela em todas as matérias concernentes ao

estabelecimento do Lar Nacional judeu e aos interesses da

população judia.. Com tal rodeio, a organização sionista é

oficialmente reconhecida.

E prossegue:

“Outras disposições relativas à colonização sionista encarregam a

Inglaterra de ‘facilitar a imigração judia’ de mútuo acordo com o

citado organismo judeu; de potencializar ‘o estabelecimento

intensivo de judeus sobre as terras do país’, compreendidos os

domínios do Estado (art. 6); de promulgar uma lei sobre a

nacionalidade para facilitar a aquisição da cidadania palestina aos

imigrantes sionistas (art. 7) e de introduzir um sistema de solo que

82 HOURANI, Albert. Op. cit., p. 322.

Page 46: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

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tenha em conta os interesses da colonização sionista intensiva

(art.11). Sem embargo, tais estipulações são acompanhadas de

cláusulas que prevêem ‘a salvaguarda dos direitos civis e religiosos

de todos os habitantes da Palestina, seja qual for a raça ou religião a

que pertençam’ ”. 83

A partir dos acontecimentos e acordos que aqui foram apresentados, fica bastante

claro que o imperialismo franco-britânico – mais ainda o imperialismo britânico – foi um

dos grandes responsáveis pela situação que se tronaria insustentável. Enquanto aos árabes

foi negada a independência e impossibilitada a unificação, os sionistas foram os grandes

beneficiados; e isso, não aconteceu simplesmente pela boa vontade da Grã-Bretanha em dar

ajuda humanitária aos judeus, mas por uma política direcionada que visava principalmente

um forte apoio internacional e o domínio da Palestina.

O problema árabe-judeu na Palestina foi, ainda, impulsionado pelo crescimento do

nacionalismo nas regiões árabes que se libertavam do domínio otomano. Como se verá no

capítulo seguinte, o nacionalismo árabe, que mal começava a ressurgir, encontraria no

sionismo judeu um grande opositor.

83 WEINSTOCK, Nathan. Op. cit., p. 167.

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3 O NACIONALISMO ISLÂMICO ÁRABE E O COLONIALISMO SIONISTA

Aqui serão analisados duas conseqüências importantes do pós-guerra que acirraram

ainda mais os problemas existentes entre árabes e judeus na Palestina: o ressurgimento do

nacionalismo árabe contra a influência ocidental e o colonialismo sionista dos judeus.

Achou-se interessante analisar esses dois movimentos no mesmo capítulo para

elucidar suas contradições, tão consideráveis para a gênese do conflito palestino.

O Pan-Islamismo

Desde o século XIX, o Império Otomano já se confrontava com a civilização

industrial vitoriosa e com o problema de um Ocidente que era o senhor do mundo moderno

e de sua tecnologia. Impõe-se então aos árabes a constatação de uma derrota histórica. Para

todos, o encontro entre os dois mundos, oriental e ocidental, assume a forma de um

“desafio civilizador”.

Por esta razão, neste mesmo século, surge a obra de reformadores islâmicos que

pretendiam, em síntese, mostrar à Europa que o Islã não era um obstáculo ao progresso, e

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48

que a própria religião era capaz de reformar-se para indicar o caminho do

desenvolvimento.84

Esse movimento iria dar origem ao islamismo político idealizado pela Irmandade

Muçulmana, fundada no Egito em 1928. A Irmandade Muçulmana combatia principalmente

a influência ocidental nos países muçulmanos; o domínio anglo-francês do pós-guerra no

Oriente Médio e no nordeste africano colaborou para uma rápida divulgação dessas idéias.

Como esclarece Françóis Massoulié, esse movimento cresceu ligeiramente, propagando-se

ao Sudão, à Jordânia e à Síria.85

Do islamismo político reforçou-se a idéia de um pan-islamismo, em que a afinidade

religiosa seria o liame para uma unificação e o Islã funcionaria como sua base ideológica,

sem divisões por origem étnica.86 Pregava pois a união dos Estados islâmicos.

É importante salientar que o pan-islamismo abrangia todos os Estados islâmicos

árabes ou não. Porém, no Oriente Médio, todos os países que ali originaram-se após a

queda do Império Otomano, com exceção do Líbano, eram islâmicos. Por esta razão, o pan-

islamismo era um movimento nacionalista alternativo em que se podia fundamentar a

grande maioria do povo árabe daquela região.

O Pan-Arabismo

Depois da Primeira Guerra Mundial, ao contrário de vizinhos como a Turquia e a

Pérsia, que desfrutaram de certa estabilidade e de uma relativa independência, dominado

84 MASSOULIÉ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. [tradução Isa Mara Lando]. São Paulo: Ática,

1994. p. 28. 85 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 31. 86 FARAH, Paulo Daniel. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 66.

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pela França e pela Inglaterra, o Oriente Médio caia num vácuo, como órfão do Império

Otomano, sem domínio sobre o curso dos acontecimentos.

Como já foi elucidado, Hussein desejava formar um Estado árabe, unindo todos os

territórios do Oriente Médio, antes pertencentes ao Império Otomano . Todo esse

movimento árabe de unificação e independência firmou-se sobre o pan-arabismo, que se

apoiou na língua comum e no fator nacionalista para pregar a formação de uma pátria

árabe87. Isso não aconteceu devido às negociações franco-britânicas, que impediram essa

possível unificação.

Depois do insucesso de Hussein, as próprias rivalidades árabes em função das

diferentes lideranças dinásticas, impossibilitariam esta. François Massoulié faz um

interessante comentário sobre essa questão:

“O (...) nacionalismo árabe leva tempo para encontrar suas

referências. A tarefa de um pan-arabismo embrionário se complica

por antigas rivalidades, sucedidas por interesses dinásticos. Acima

de tudo, onde deveria situar-se o centro da nação árabe?

Pretendentes não faltam. (...) a idéia se desenvolve nas províncias

sírio-libanesas, orgulhosas de seu passado omeíada e mais afetadas

tanto pelo jugo otomano como pelo retalhamento do pós-guerra. No

Iraque, Faissal ainda sonha com o grande reino árabe prometido

pelos ingleses a seu pai. Porém, na Arábia Saudita, seu rival Ibn

Saud, apoiando-se em seu novo título de Guardião dos Lugares

Santos e logo enriquecido pelo petróleo, também pretende exercer

um papel dominante. Já o Egito, tanto por seu tamanho e peso

demográfico quanto por sua posição intermediária entre o Oriente

87 FARAH, Paulo Daniel. Op. cit., p. 66.

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árabe e o norte da África, também deseja retomar o projeto de

Mehmet Ali∗ ”. 88

Apesar dos problemas internos que envolviam ambos os movimentos, o pan-

islamismo e o pan-arabismo são provas explícitas que mostram uma tentativa de solução ao

problema de identidade em que os países árabes e/ou islâmicos se encontravam a partir do

pós-guerra. Isso enaltecia os nacionalismos árabe e islâmico na Palestina no mesmo

momento em que a Grã-Bretanha apoiava a emigração sionista.

O Colonialismo Sionista

Segundo Dov Barnir, na Palestina os imigrantes judeus só encontraram terras

incultas e desertos. Mas, de acordo com o próprio autor, que se fundamenta em Robert

Misrahi, o descuido dos árabes era desculpável: “Haviam sido ‘feudalizados’ havia quatro

séculos pelos turcos e por estes explorados à maneira colonial. A maior parte das terras

vendidas pertenciam a latifundiários ausentes, quer se trate de proprietários turcos

residentes na Turquia ou na Síria, quer de grandes senhores feudais árabes, na sua maioria,

longe do país”. 89

Já, para Erskine B. Childers, a tese de dominação da Palestina, sustentada pelos

sionistas, é descabida:

∗ Mehmed Ali (1805-1848) – como o chama François Massoulié – ou Muhammad ‘Ali – como Albert Hourani designa – foi um turco da Macedônia que chegara ao Egito com as forças otomanas enviadas contra os franceses, comandados por Napoleão, que haviam invadido o Egito desde 1798. Muhammad ‘Ali tomou o poder no Cairo e, em torno de si, formou seu próprio grupo governante otomano de turcos e mamelucos. Depois expandiu seus domínios para o Sudão, a Síria e Arábia. (HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. [tradução Marcos Santarrita]. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pág. 278) 88 MASSOULIÉ, François. Op. cit., ps. 35-36. 89 MISRAHI, Robert apud RODINSON, Maxime. Israel, facto colonial? In: MODERNES, Les Temps.

Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). p. 29.

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“Quaisquer que sejam as justificações morais sustentadas pelos

sionistas, e por êles impostas aos ocidentais, no tocante à Palestina

e a sua esmagadora maioria indígena árabe, o sionismo foi um

movimento de fixação de supremacia racial. Em seu romance

‘Altneuland’, para o leitor ocidental, Theodor Herzl pintava árabes

felizes, in situ, num futuro Estado judeu; em seu diário secreto, já

havia traçado um plano para ‘expulsar indiretamente a população

sem dinheiro fronteira afora, através do processo de negar-lhe

emprêgo’[ citação de Erskine B. Childers da anotação no “Diário”

em 12 de junho de 1895, Complete Diaries, Vol. I, 1960, pág. 88.].

Por volta de 1914, os sionistas já haviam lançado a estratégia

completa para a supremacia sionista, numa rede de métodos

políticos que foram acelerados sob o mandato britânico através da

Agência Judaica”.90

Erskine B. Childers, que se utiliza de uma longa lista de documentos importantes –

como os artigos do estatuto da própria Agência Judaica, as declarações do líder sionista

Arthur Ruppin no Congresso de 1913, e do relatório britânico da Comissão Real – dá

detalhes importantes que mostram com se pretendia realizar o processo de expropriação

árabe na Palestina pelos sionistas:

“Tôdas as terras compradas pelo Fundo Nacional Judeu tornaram-se

legalmente, racialmente ‘judias’ e não podiam jamais ser

readquiridas por um não judeu. Os fazendeiros e trabalhadores

árabes eram, respectivamente, desapossados ou expulsos pelo

boicote racial sionista ao trabalho árabe, que se estendia a tôdas as

possíveis emprêsas sionistas, tanto urbanas como rurais. Se árabes

tinham de ser empregados sob instruções britânicas, recebiam

salários mais baixos do que os judeus para o mesmo trabalho.

90 CHILDERS, Erskine B. O Triângulo Quebrado. In: TOYNBEE, Arnold et al. Palestina! Palestina!: Em

Quatro Opiniões Insuspeitas. Rio de Janeiro:______, 1980. p. 27.

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Estabeleceu-se, logo tão cedo quanto em 1913, que o objetivo era

‘uma economia judaica fechada. Para isso, teve de haver também

um boicote racial aos produtos árabes, imposto aos judeus urbanos,

se necessário, pela fôrça. Escolas mistas do gôverno eram

boicotadas; as escolas sionistas ensinavam o exclusivismo

sionista”.91

Nota-se aqui algo muito importante: tanto o nacionalismo árabe islâmico como o

colonialismo dos sionistas judeus anulavam-se um ao outro, pois eram incompatíveis.

Enquanto o pan-arabismo fazia ressurgir um forte nacionalismo árabe em todo o

Oriente Médio e o pan-islamismo legitimava o repúdio à formação de um Estado

fundamentado nas leis do Judaísmo e, igualmente, reprovava com veemência a vinda em

massa de ocidentais para a Palestina, o colonialismo dos judeus sionistas objetivava, por

meios ilegais, a retirada dos árabes nativos da Palestina.

Para um mais aprofundado entendimento do controle sionista sobre a Palestina, que

tanto colaborou para a revolta dos árabes, é importante analisar a imigração sionista, ponto

preponderante que possibilitou o domínio judeu sobre a região.

No próximo capítulo, portanto, irá se examinar como se deu a ida em massa de

judeus para uma região onde a grande maioria populacional era árabe. Essa questão iria

determinar, pois, o conseqüente domínio judeu sobre a Palestina e a posterior tentativa de

resistência árabe.

91 CHILDERS, Erskine B. Op. cit., ps. 27-28.

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53

4 A IMIGRAÇÃO SIONISTA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS (1882-1949)

A imigração sionista é de fundamental importância para a análise das causas

referentes ao conflito israleo-árabe, pois foi, através dela que a população judia na Palestina

aumentou consideravelmente.

Em meio às populações árabes que lá existiam à mais de um milênio e que

conviviam muito bem com as minorias judias nativas, os sionistas iriam de encontro à

resistência árabe contra o invasor europeu.

Chamou-se de imigração sionista toda a imigração judia que objetivava o retorno à

“Terra Prometida” (no Monte Sion). Por essa razão, analisar-se-á a imigração antes mesmo

da formação do movimento sionista político de 1897. Depois, então, se dará mais ênfase à

imigração apoiada pelo movimento sionista, como também às conseqüências do mandato

britânico até 1947, quando a ONU repartiu a Palestina em regiões díspares entre árabes e

judeus, causando a primeira guerra israleo-árabe, de resultados marcantes.

A Imigração Sionista antes do Apoio Britânico (1822-1917)

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54

O eco das primeiras tentativas isoladas visando implantar uma comunidade de

colonos sionistas na Palestina durante os quinze primeiros anos da colonização sionista

(1882-1897) foi reexaminada no Primeiro Congresso Sionista de 1897, sob a presidência de

Theodor Herzl. Helena Salem faz um comentário interessante sobre as razões que levaram à

formação dessas primeiras colônias judias na Palestina:

“As primeiras colônias agrícolas judias datam de 1882, em seguida

aos violentos progroms na Rússia tzarista. Essa primeira fase de

implantação sionista só foi possível graças ao Barão de Rothschild,

que contribuiu para a aquisição e formação de 19 colônias e uma

escola agrícola no final do século XIX. Rothschild, que tinha altos

negócios em Paris, Londres e outras capitais européias, como todos

os magnatas judeus não via com bons olhos a chegada de milhares

de imigrantes israelitas na Europa Ocidental ”. 92

A partir de 1897, pôs-se fim à colonização privada meio filantrópica, meio colonial,

sustentada por alguns ricos financistas judeus, sendo substituída por um programa

estritamente nacionalista de colonização organizada, com objetivos políticos bem definidos

e gozando do apoio da massa. Israel Cohen explicita o objetivo maior dos sionistas durante

o Congresso de Basiléia: “Tal foi o objetivo supremo do sionismo, formulado pelo

Congresso de Basiléia nos termos seguintes: o objetivo do Sionismo é a criação, na

Palestina, de um lar para o povo judeu, garantido pelo direito público”.93

Mesmo que tenham negado o desejo de formação de um Estado, os sionistas

visaram, desde o início, a criação deste e não de um “lar” de colonos na Palestina. Segundo

92 SALEM, Helena. Palestinos, os novos judeus. Rio de Janeiro: Eldorado-Tijuca, 1977. p. 22. 93 COHEN, Israel apud SAYEGH, Fayez. O Colonialismo Sionista na Palestina. In: FAYEZ, Ahmed;

SAYEGH, Fayez. Sionismo na Palestina. Rio de Janeiro: Delegação da Liga dos Estados Árabes, 1969. p. 63.

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55

Marcos Margulies, ao findar o Congresso de Basiléia, o próprio Herzl teria escrito em seu

diário: “Se eu resumisse o Congresso de Basiléia numa simples frase que terei o cuidado de

não proferir em público, esta seria: em Basiléia fundei o Estado Judaico. Afirmá-lo hoje

seria expor-se à zombaria. Mas provavelmente daqui a cinco anos, e daqui a cinqüenta com

certeza o Estado Judáico surgirá”.94

Por esse motivo, alguns fatores essenciais diferenciariam, com efeito, a colonização

sionista na Palestina da colonização européia nos territórios da Ásia e da África.

“Os colonos europeus que se tinham transportado, (...),para os

territórios asiáticos ou africanos, haviam sido impulsionados por

motivos econômicos ou político-imperialistas: tinham partido na

esperança seja de acumular uma fortuna pessoal mediante a

exportação privilegiada e protegida de recursos naturais imensos,

seja de preparar o terreno ou de concorrer para a anexação de

territórios cobiçados pelos governos europeus imperialistas. Quanto

aos colonos sionistas, não estavam animados por nenhum dêsses

motivos. Eram levados a colonizar a Palestina pelo desejo de

conquistar para êles próprios uma identidade nacional e de

estabelecer uma Estado Judeu que seria independente de todo outro

govêrno e que, com o tempo, atrairia para seu território os judeus

do mundo inteiro”. 95

Outra diferença interessante, apontada por Fayes Sayegh, seria que os colonos

europeus podiam neutralizar os obstáculos que se opunham à sua implantação nos

territórios escolhidos, pois podiam contar com uma proteção eficaz por parte de seus

patrocinadores imperialistas. Já os colonos sionistas da Palestina, até 1917, não dispunham

94 HERZL, Theodor apud MARGULIES, Marcos. Os Palestinos. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. ps. 64-

65. 95 SAYEGH, Fayez. Op. cit., ps. 63-64.

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56

de facilidades dessa ordem. Com efeito, além do povo árabe da Palestina, que resistiria com

toda certeza a qualquer imigração em grande escala de colonos tão abertamente decididos a

desapossá-los, os sionistas deviam também contar com a oposição das autoridades

otomanas, que não poderiam encarar favoravelmente a implantação, num departamento

importante de seu império, de uma comunidade estrangeira que tinha como desígnio

político a criação de um Estado independente.96

Segundo Fayes Sayegh, nos princípios da Primeira Guerra Mundial (1914), os

sionistas não passavam de uma minoria, representando 1% da população judia do mundo.

De acordo com o autor, as atividades sionistas suscitavam o receio e a oposição dos outros

judeus, que procuravam a solução do “problema judeu” na “assimilação” na Europa

Ocidental e nos Estados Unidos da América, e não na “auto-segregação” na Palestina. A

colonização sionista, por esse motivo, teria progredido muito lentamente. Depois de trinta

anos de imigração para a Palestina (1882-1912), os judeus não chegariam a representar 8%

da população total do país, ocupando apenas 2,5% das terras. Enfim, o sionismo não tinha

logrado obter o apoio político nem das autoridades otomanas, que controlavam a Palestina,

nem de qualquer outra potência européia.97

A Primeira Guerra Mundial, entretanto, iria abrir novas perspectivas,

consideravelmente mais favoráveis à colonização sionista da Palestina.

“Com efeito, foi a guerra que pôs em ação os fatores da aliança

concluída em 1917 entre o imperialismo britânico e o colonialismo

sionista, aliança que, durante os trinta anos seguintes, abriria as

portas da Palestina aos colonos sionistas, facilitaria uma

implantação de uma comunidade de colonos sionistas e prepararia o

96 SAYEGH, Fayez. Op. cit., ps. 64-65. 97 Ibid., p. 67.

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57

terreno para a expulsão do povo árabe da Palestina, à criação,

enfim, do Estado colonial sionista, em 1948”. 98

A Imigração Sionista após a Declaração Balfour (1917-1947)

Até 1917, o movimento sionista político não tinha ainda conquistado o apoio de

uma potência que legitimasse a emigração de judeus da Europa para a Palestina. Com a

Declaração Balfour, em 1917, a Agência Judaica ganhava o apoio do governo britânico

para concretizar o gradativo domínio da região.

A Grã-Bretanha, no entanto, visava manter o controle do conflito palestino, o que,

como se verá, tornou-se impossível. Não tendo, pois, mais domínio sobre os

acontecimentos que ela própria ajudou a gerar, a Inglaterra entregaria à ONU (1947) a

responsabilidade de solucionar o problema.

Arnold Toynbee faz referência à presença dos judeus na Palestina, afirmando que,

em 1917 mais de 90% da população não era formada por judeus.99 Segundo Osório Lopes,

os judeus nessa época representavam uma minoria quase que inexpressiva, em relação aos

árabes:

“Se considerarmos que à época da Declaração Balfour a população

judaica na Palestina não tinha expressão, em contraste com a

população árabe, numerosa e definitivamente estabelecida,

havemos de convir que aos árabes assistia, como assiste, o direito

de se defenderem.

Em 1918, um ano após a Declaração, 65.000 judeus viviam na

Palestina”. 100

98 Ibid., p. 68. 99 TOYNBEE, Arnold. A História e a Moral no Orienta Médio. Rio de Janeiro: Paralelo, 1970. p. 65. 100 LOPES, Osório. O Problema Judaico. Rio de Janeiro: Vozes, 1942. p. 71.

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58

Já em 1920, como elucida Helena Salem, começaram a manifestar-se os primeiros

sentimentos de hostilidade árabe ao colonizador judeu. Então, numa tentativa de

contrabalançar a Declaração Balfour, a Grã-Bretanha teria elaborado em 1922 o primeiro

Livro Branco, que limitava formalmente a imigração judia, procurando barrar a instalação

de uma maioria não-árabe na Palestina. “Mas, na prática, o Livro Branco, que a princípio

provocou ressentimento entre os judeus, não chegou a ser publicado”.101

Nos vários territórios árabes, os sentimentos nacionalistas anticoloniais tomaram

corpo: na Síria, entre 1925 e 1927; e na Palestina, entre 1936 e 1939. E onde há séculos

existira uma perfeita convivência árabe com a minoria judia, iniciaram-se os primeiros

atritos sérios. Helena Salem complementa:

“Povos parentes, comerciantes, com religiões contendo vários

elementos comuns, judeus e árabes sempre deram-se muito bem. A

Europa capitalista, racista, exportou para longe o seu problema

judeu, livrando-se ao mesmo tempo de um peso e do sentimento de

culpa acumulado em anos de discriminação. Ao exportar o seu

problema, criou outro mais grave. E o judeu passou a viver na

Palestina uma realidade completamente nova, que nada tinha a ver

com a dos seus próprios irmãos judeus nativos”.102

Conforme Helena Salem estabelece, em 1931 havia 175 mil judeus sobre uma

população de 1.036.000 habitantes na Palestina. No entanto, as perseguições do regime

nazista alemão teriam trazido, entre 1933-1938, mais de 200 mil novos imigrantes.103

Hannah Arendt refere-se às atitudes do governo nazista alemão em relação aos

judeus, entre 1933 à 1938, e à conseqüente emigração judia para fora da Alemanha:

101 SALEM, Helena. Op. cit., p. 24. 102 Ibid., p. 24.

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“Sem dúvida, um dos primeiros passos do governo nazista, em

1933, foi a exclusão dos judeus do serviço público (que na

Alemanha compreendia todos os postos de professor, desde a escola

primária até a universidade, e a maior parte dos ramos da indústria

de entretenimento, inclusive o rádio, o teatro, a ópera e os

concertos) e a sua remoção de postos públicos. Mas os negócios

particulares continuaram quase intocados até 1938, e mesmo as

profissões legal e médica só gradualmente foram sendo abolidas,

embora os estudantes judeus fossem excluídos da maior parte das

universidades e não lhes fosse permitido formar-se em parte

alguma.

E prossegue:

A emigração de judeus nesses anos não foi indevidamente

acelerada e transcorreu de maneira ordeira (...). Os emigrantes, a

menos que fossem refugiados políticos, eram jovens que

compreenderam que não havia futuro para eles na Alemanha.

(...) os progroms organizados de novembro de 1938, a Kristallnacht

ou Noite dos Cristais, em que 7500 vitrinas de lojas judaicas foram

quebradas, todas as sinagogas foram incendiadas e 20 mil judeus

foram levados para campos de concentração”.104

Na Palestina, nesse meio tempo (1936), a população árabe voltou-se

simultaneamente contra os ingleses e os sionistas. O Haganh (Exército Clandestino judeu,

criado no início do século com o objetivo de defender as colônias judias), apoiado pela Grã-

Bretanha, entrou em ação contra os árabes.105

103 Ibid., p. 25. 104 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal. [tradução José

Rubens Siqueira]. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ps. 50-51. 105 SALEM, Helena. Op. cit., p. 25.

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Em 1937, em vista da situação explosiva entre árabes e judeus, o Governo britânico

chegou a considerar, pela primeira vez, a possibilidade de dividir a Palestina em dois

Estados: um judeu e outro árabe. Os árabes, contudo, não aceitariam. Osório Lopes, faz um

comentário sobre essa questão:

“Uma comissão nomeada pelo governo inglês para estudar o

impasse apresentou, em julho de 1937, um amplo relatório, à vista

do qual se reconhecesse ‘que há um conflito irreconciliável entre as

aspirações dos árabes e judeus na Palestina e de que essas

aspirações não podem ser satisfeitas sob os termos do atual

mandato’.

Em conseqüência, a Comissão alvitra um Estado Árabe, um Estado

Judeu e um território, sob o mandato da Inglaterra, compreendendo

Jerusalém, Belém e Nazaré.

Os árabes levam o seu protesto até `a Liga das Nações, as

guerrilhas continuam, os atentados se sucedem e já não resta a

menor dúvida de que a solução vai ser procrastinada por mais

alguns anos, na expectativa de um ambiente que possibilite novas

tentativas de acordo”. 106

Um novo Livro Branco foi então publicado em 1939: a Grã-Bretanha, preocupada e

pressionada pelos movimentos populares palestinos, teria decidido limitar a imigração

judia, efetivamente. O documento, como Nathan Weinstock explica, estabelecia que, para

os cinco anos que viriam, se limitaria a imigração sionista a 75.000 pessoas, de tal maneira

que a comunidade judia pudesse alcançar, segundo as previsões demográficas, um terço da

população palestina. Depois deste período transitório (1939-1944), a imigração judia se

106 LOPES, Osório. Op. cit., ps. 73-74.

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submeteria ao acordo da maioria árabe.107 O prof. Mustafa Yazbek, referindo-se à

imigração sionista, faz um breve comentário sobre este episódio: “Não é preciso dizer que

não foi mais possível às autoridades britânicas controlar esse movimento migratório”.108

Com a eclosão da guerra, em 1939, uma onda de imigração clandestina começou a

desenvolver-se na Europa (cerca de 150 mil judeus, pelo menos, imigraram para a Palestina

entre 1939-48).109 Por outro lado, como Jacob Tsur afirma, as potências do Eixo teriam

intensificado sua propaganda entre os árabes, enviando-lhes agentes e armas para sustentar

sua luta contra os ingleses e os sionistas.110

Organizações terroristas judias, por sua vez , como o Irgun (surgido em 1938, de

uma dissidência do Haganah) e o Stern (fundado em 1941), engajaram-se na luta contra o

domínio britânico e os árabes, sobretudo após 1944.111 Um grande exemplo disso é o

episódio ocorrido em outubro de 1945, quando Ben Gurion, o então presidente do diretório

da Agência Judaica, lançaria, em nome da comunidade judia, um apelo à luta armada. Essa

seria marcada por atentados espetaculares, como a destruição, pelo Irgun, do Hotel King

David de Jerusalém, sede do estado-maior inglês. Entre judeus, árabes e ingleses, 91

vítimas seriam retiradas dos escombros.112

Com se vê, a organização de poderosas tropas paramilitares sionistas e o

fortalecimento financeiro da Agência Judaica fez com que o sionismo se tornasse capaz de

desafiar até mesmo a Grã-Bretanha e seguir seu projeto expansionista com seus próprios

recursos.

107 WEINSTOCK, Nathan. El Sionismo contra Israel: Una história crítica del sionismo. [tradução de

Francisco J. Carrilio]. Barcelona: Fontanella, 1970. p. 282. 108 YAZBEK, Mustafa. O Movimento Palestino. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p. 22. 109 SALEM, Helena. Op. cit., p. 25. 110 TSUR, Jacob. A Epopéia do Sionismo. [traduzido por Wilma Freitas Ronald de Carvalho]. Rio de Janeiro:

Documentário, 1977. p. 75. 111 SALEM, Helena. Op. cit., 25.

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François Massoulié descreve a descoberta do genocídio nazista aos judeus como a

principal razão da insustentabilidade da política restritiva britânica à imigração sionista

para a Palestina:

“... a descoberta do genocídio dos judeus perpetrado pelos nazistas

e a presença na Europa de 100 000 sobreviventes à espera de

partirem para Israel tornam a situação insustentável. Criam-se

canais alternativos para a compra de armas e para a imigração

clandestina. Em julho de 1947 a opinião pública mundial se

comove com o drama do Exodus: esse navio, chegado ao largo do

porto de Haifa e tendo a bordo 4500 sobreviventes dos campos de

extermínio, é expulso pelas autoridades britânicas... para a

Alemanha. O presidente Truman toma o partido da reivindicação

sionista, assim como a União Soviética, que passa a apoiar esse

movimento anticolonialista”.113

É importante lembrar, que a Inglaterra, em 1947, encontrava-se bastante fragilizada

em conseqüência do pós-guerra e se voltava para a reconstrução interna do país. Mostrava-

se, por isso, incapaz de sustentar seu domínio sobre a Palestina.

Nesse mesmo ano o governo britânico anunciava que iria se retirar, em 15 de maio

de 1948, deixando às Nações Unidas o encardo de decidir sobre o futuro da Palestina.

Arnold Toynbee faz um comentário interessante sobre a administração britânica

durante o período de mandato:

“O governo britânico não tentou estabilizar até mesmo os números

relativos de elementos árabes e judeus na população, até ser

permitido à minoria judia tornar-se tão grande – aproximadamente

um têrço da população total do país – que não houve mais qualquer

112 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 62. 113 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 62.

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63

chance de ela desejar continuar como uma minoria num Estado

binacional e não houve mais qualquer possibilidade de um tal

Estado, se acaso constituído no papel, tornar possível governar-se

através da instituição ocidental do governo da maioria”.114

A Declaração da ONU e a Primeira Guerra entre Israelenses e Árabes

Em 29 de novembro de 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas votava pela

partilha da Palestina entre um Estado judaico e um Estado árabe. A cidade de Jerusalém,

considerada uma entidade separada, seria colocada sob autoridade internacional (na época a

cidade tinha uma população igual de judeus e de árabes). Em vista da situação real do

território, a partilha propunha a criação de dois Estados, com fronteiras sinuosas e diversos

pontos de estrangulamento.115

Fonte : MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 60.

114 TOYNBEE, Arnold. Um Estudo de História. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1953. 7v. p. 304. 115 MASSOULIÉ, François. Op. cit., p. 62.

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64

Naquele momento, de acordo com as estatísticas do prof. Mustafa Yazbek, a

população judaica na região chegava a cerca de 700 mil pessoas entre quase um milhão e

meio de árabes.116

Ainda assim, segundo o plano de partilha, como também elucida Yasbek, mesmo

em minoria os judeus contariam com uma extensão territorial maior para o seu Estado:

14.000 Km²; já o Estado palestino árabe teria 11.500 Km².117

A declaração da ONU, por esse motivo, elevaria ainda mais as tensões entre árabes

e judeus, dando origem a conflitos de maior porte.

É necessário lembrar que a guerra de 48/49, entre árabes e israelenses, levou à

dissolução do próprio plano inicial de partilha e o Estado palestino árabe não chegou nem

mesmo a se constituir. Sobre essa guerra é interessante abordar o pensamento de Arnold

Toynbee:

“A situação era, como todos sabem, que os Estados Árabes de fora

da Palestina fizeram a guerra contra Israel. Eu não defendo isso.

Naquele tempo o que é agora território de Israel era habitado pela

população Árabe local por muitos séculos, e pelos Israelitas que

viveram desde 1917, ou desde que os Britânicos conquistaram

Jerusalém em 1917, penso eu. As vítimas foram a população

Palestina Árabe local”.118

116 YAZBEK, Mustafa. Op. cit., ps. 26-27. 117 Ibid., p. 27. 118 TOYNBEE, Arnold. A História e a Moral no Oriente Médio. [tradução Plínio de Abreu Ramos]. Rio de

Janeiro: Paralelo, 1970. ps. 29-37.

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As fronteiras do armistício de 1949, como afirma François Massolié, estabeleceram

o Estado judaico sobre três quartos da Palestina119; isso equivale a disser que Israel, em

1949, teria ficado com 75% da Palestina. Aqui entra também o problema dos 900 mil

refugiados árabes120, que foram obrigados a saírem de suas terras. De acordo com Helena

Salem, “os sionistas queriam terras vazias, nas quais pudessem introduzir o seu colono

judeu: onde o Exército sionista chegava, tratava de criar uma situação insuportável para os

habitantes árabes”. 121

Amilcar Alencastre, repórter brasileiro que em 1969 entrevistou alguns grupos

guerrilheiros árabes, elucida o caso particular de Ahmed, um refugiado árabe, que

exemplifica a citação anterior:

“Em 1949, depois da criação do Estado de Israel, as autoridades de

Tel Aviv aumentaram tremendamente os impostos e sua mãe não os

pôde pagar. Os israelenses tomaram-lhe então todos os animais.

Um ano após, alegando que sua mãe não cumprira as quotas

estabelecidas para a produção, tomaram-lhe o laranjal, que foi

anexado a um “Kibutz”. Em fins de 1950, a família era obrigada a

abandonar sua casa, sob alegação de terem débito para com o

governo, pois os impostos estavam atrasados dezesseis meses.

Assim, a família de Ahmed (fedayn), sob o pretexto de impostos

atrasados, perdeu primeiro o seu rebanho, depois o laranjal e,

finalmente a própria casa. Ficaram perambulando pelas ruas por

alguns dias, com seus pertences, mas logo a polícia israelense

interveio: ‘Não é permitido perambular como vagabundos pelas

ruas. Se dentro de 24 horas continuarem reincidindo serão presos e

119 MASSOULIE, Françóis. Op. cit., p. 63. 120 TOYNBEE, Arnold. Sionistas Agiram como Nazistas. In: CHILDERS, Erskine B. et al. Palestina!

Palestina!: Em Quatro Opiniões Insuspeitas. Rio de Janeiro:______, 1980. pg. 11. 121 SALEM, Helena. Op. cit., p. 26.

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processados’. E a família de Ahmed ganhou então o deserto, onde

passaram a viver em miseráveis tendas”. 122

Ruy Alves Jorge faz uma afirmativa muito interessante sobre o expansionismo

sionista, a partir de 1947:

“Desde 1947 Israel conquista novos territórios. Este é um fato que

ninguém de sã consciência pode negar, mesmo o israelense ou

aqueles que nutrem maiores simpatias pelos povos árabes. A menor

vantagem material Israel expande seus territórios, estabelecendo-se

neles com um ‘fait acompli’. Trata imediatamente de expulsar os

habitantes locais, para depois de arrasar suas casas, empreender a

construção de Kibutz, oleodutos e edifícios, mudando, finalmente, a

denominação árabe da cidade para uma desinência judáica.

Estes fatos, os israelenses não o negam. Mas o espantoso é que, não

podendo negá-los, os justificam através, principalmente, da teoria

do espaço vital, ou seja exatamente a mesma apregoada por Hitler

para anexar o Corredor de Dantzig, os territórios do Leste e, por

fim, conquistar a Europa. Alegam ainda o desenvolvimento da

região.(...)

A irreversibilidade da atitude dos judeus gera a dos árabes”.123

Essa guerra que dura até hoje teve como início, principalmente, a falta de senso da

potência britânica, cega a qualquer concessão que barrasse sua corrida imperialista. O que

lhe interessava era o aumento de sua área de mercado, as riquezas naturais do solo e bases

militares estratégicas.

122 ALENCASTRE, Amilcar. El Fatah: Os Comandos Árabes da Palestina. Rio de Janeiro: Tacaratu, 1969. p.

16. 123 JORGE, Ruy Alves. A Justiça está com os Árabes: História do Conflito Árabe-Israelense. São Paulo:

____, 1975. ps. 71-72.

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67

Assim foi na África e assim foi no Oriente Médio. O que são hoje países, em sua

grande maioria foram cortes arbitrários, totalmente artificiais, feitos para dividir domínios

entre potências, que acabaram em muitos casos por colocar comunidades rivais dentro das

mesmas fronteiras, ou promover a existência de fronteiriços hostis, como no caso da

Palestina.

Aqui cabe ressaltar a explanação de Fernand Braudel, que elucida de forma

interessante a questão dos antagonismos entre os árabes e judeus na Palestina:

“Não é de surpreender que todos os nacionalismos árabes se

reencontrem em sua hostilidade contra Israel, seu velho inimigo.

Criado logo após a Segunda Guerra Mundial, o Estado de Israel

acaso não parece obra do Ocidente, e do Ocidente mais odiável?

Suas realizações técnicas admiráveis - alimentadas por capitais

vindos do mundo inteiro -, suas demonstrações de força (...)

suscitam inveja, medo e animosidade que se juntam a um velho

antagonismo. Jacques Berge escreve com razão: ‘Árabes e judeus

são, ambos, se ouso dizê-lo, povos de Deus. Dois povos de Deus é

demais para os diplomatas e os estados-maiores! O insolúvel

conflito reside justamente no parentesco dos adversários, ambos

saídos de Abraão, enobrecidos pelo mesmo monoteísmo... Eles

seguiram caminhos opostos em relação ao Ocidente.

E prossegue:

Uns, na diáspora, tanto salvaguardaram seu ideal comunitário,

como adaptaram a pessoa ás obstinadas técnicas dos gentios. Os

outros, permanecendo em sua terra, mas invadidos, dissociados,

conheceram o privilégio ou o infortúnio, de continuar, em linhas

gerais, a ser o que eram. Donde a desigualdade atual dos meios em

presença, a divergência de atitudes e de propósitos. Os ensaístas

Page 68: Os Principais Motivos Que Geraram Os Conflitos Israelenses e Arabes Na Palestina

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árabes meditaram amargamente sobre o que denominaram o

‘desastre’... de 1948’ ”.124

Na Palestina a formação do Estado de Israel foi, mesmo que se afirme involuntário,

patrocinado pela Grã-Bretanha, que autorizou a Agência Judaica a financiar uma imigração

em massa até 1939, quando, tentando amenizar a situação instável gerada na Palestina,

limitou a imigração judia; não teve êxito em vista das emigrações clandestinas, organizadas

pela já poderosa Agência Judaica, provocadas principalmente pelo nazismo alemão. Israel

surgiu então como um Estado patrocinado e constituído por ocidentais em meio às

hostilidades árabes, resistentes em não aceitar sua soberania.

Tudo isso em vista, também, da maneira pela qual os árabes foram tratados pelas

autoridades internacionais: primeiramente a divisão das regiões árabes entre as potências

anglo-francesas após a Primeira Grande Guerra; depois, a imigração em massa dos judeus

sionistas para a Palestina, apoiada pela Grã-Bretanha e pela Agência Judaica; finalmente a

decisão da ONU de 1947 que, sem consultar a Liga Árabe, forneceu ao Estado de Israel

uma área maior que a estabelecida para o Estado árabe, que até os dias de hoje não chegou

sequer a ser formado. Como se isso não bastasse, os árabes sofreriam ainda as

conseqüências de uma política expansionista sionista que obrigaria muitos destes a

abandonar suas propriedades na Palestina.

124 BRAUDEL, Fernad. Gramática das Civilizações. [tradução Antonio de Pádua Danese]. São Paulo:

Martins Fontes, 1989. (Coleção o homem e a história). ps. 109-110.

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69

CONCLUSÃO O conflito israelo-árabe foi conseqüência principalmente do imperialismo ocidental

europeu. O propósito da Organização Sionista Mundial de fundar um “lar nacional judaico”

na Palestina concretizou-se somente porque estava diretamente alinhado aos interesses

imperialistas das potências européias, do início do século XX.

O domínio exercido sobre os povos árabes do norte africano nos últimos decênios

do século XIX e depois, a partilha do Oriente Médio entre França e Inglaterra, fizeram com

que os árabes cultivassem e alimentassem ódio ao dominador ocidental. Os sionistas vindos

da Europa para povoar a Palestina, que até então era dominada por comunidades árabes,

seriam vistos como o símbolo mais próximo desse “ocidente odiável”.

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Aos judeus não se pode negar que muitos foram vítimas do anti-semitismo

propagado na Europa, desde a antigüidade à modernidade. Como os batismos forçados pela

Igreja Católica e os massacres conseqüentes das epidemias, às quais muitas vezes os judeus

eram responsabilizados. Os violentos progroms da Rússia czarista, a partir do século XIX.

O Caso Dreyfus na França. O extermínio de judeus durante a Segunda Guerra .

A auto-segregação judia teve, por isso, seus motivos para se firmar no continente

europeu e ,sob esta situação, o sionismo fundamentou-se, legitimando a “volta” do povo

judeu à Palestina. O sionismo explorou o próprio anti-semitismo para sensibilizar as

autoridades internacionais e os judeus do mundo inteiro, evocando a Palestina dos tempos

bíblicos para tornar autêntico o domínio desta.

A própria condição de opressão dos judeus, na Europa Oriental, fez com que alguns

judeus abonados do ocidente europeu patrocinassem a formação das primeiras colônias na

Palestina, antes mesmo do apoio britânico ser oficializado. No entanto, a imigração sionista

aumentou consideravelmente depois que a Grã-Bretanha conquistou o mandato sobre a

Palestina. É partir daí que a Palestina passaria para o domínio sionista.

Não se pode negar aos judeus a formação de um Estado. Ao mesmo tempo, mesmo

que os sionistas se utilizem da tese do anti-semitismo europeu para legitimar o domínio

sobre a Palestina, que acreditam ser por direito histórico e religioso os verdadeiros donos,

não cabe aos árabes serem os protagonistas das conseqüências provocadas por isso, uma

vez que esses encontram-se na Palestina há mais de um milênio. Essa situação gerou um

problema ainda mais complicado. O nacionalismo árabe aumentou, na mesma proporção

que os colonialistas sionistas passaram a dominar o território da Palestina.

Para muitos radicais árabes, os israelenses são intrusos do ocidente e por isso não

reconhecem o Estado de Israel. Para os sionistas ferrenhos, a Palestina pertence, por direito

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sagrado e histórico, ao povo judeu; os árabes teriam se apropriado da Palestina depois dos

hebreus.

Toda essa situação iria, pois, gerar o conflito que perdura até os dias de hoje. Claro

está que esse conflito tornou-se muito mais polêmico na medida em que foi sendo

explorado pelos meios de comunicação. Hoje o terrorismo praticado por grupos extremistas

árabes e a política imperialista do Estado de Israel tornam ainda mais longínqua a

possibilidade de paz na Palestina.

Espera-se, contudo, que a presente análise tenha contribuído para uma melhor

compreensão desse conflito, que infelizmente ainda não findou.

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