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OS MISSIONÁRIOS PROTESTANTES E O LUGAR NO E DOS
GUINEENSES
NELSON CORTES PACHECO JUNIOR1
Resumo
O ser no âmbito social é por essência um ser exteriorizante, a sua construção como humano
ocorre na sua existência com o outro. É no seio da sociedade que essas relações transparecem de
maneira mais nítida. Uma dessas formas de empreendimento humano é a religião, ela se manifesta de
forma empírica pelo ser-no-mundo por meio de símbolos, identidades, relações existenciais e laços de
cooperação e afetividade. Nesse sentido buscamos compreender as relações no contexto da prática
religiosa no espaço vivido em Guiné-Bissau, país do continente africano, que desde a década de 1940
e com mais intensidade pós década de 1990, tem recebido uma quantidade expressiva de missionários
oriundos de diferentes expressões religiosas e países. Nesse caso, abordamos como os missionários
protestantes, especificamente, aqueles ligados a Agência Missionária Kairós, sediada em São Paulo –
Brasil, atuam em Guiné-Bissau e como ocorrem seus relacionamentos com a população local, criando
laços de afetividade ao ponto de estabelecerem “novos lugares” ou mesmo “ressignificando” outros.
Ressaltando que tais laços estabelecidos acontecem não apenas entre as pessoas que passaram a
adotar o protestantismo cristão como religião, mas também, com adeptos do animismo, islamismo entre
outras. Assim, realizamos um esforço para compreender o missionário protestante como ser-no-mundo
que contribui na busca da melhoria das condições sociais das populações que vivem nas tabancas e
como eles aliam isso a sua prática religiosa, além de buscar novos adeptos que venham contribuir na
prática do evangelismo pelo país. As igrejas da Missão Kairós são conhecidas como Igreja Evangélica
Missionária (IEM) que se encontram presentes em diversas tabancas, sendo que a matriz se localiza
no Bairro Militar na capital Bissau. Observa-se que essas relações consequentemente constroem
identidades, criam e ressignificam diversas formas simbólicas que são compreendidas através da
experiência com o outro no lugar.
Palavras-chave: Lugar, religião, relações e missionário
Abstract
Being in the social realm is by essence an exteriorizing being, its construction as human occurs in its
existence with the other. It is within society that these relations are more clearly expressed. One of these
forms of human endeavor is religion, it manifests empirically by being-in-the-world through symbols,
identities, existencial relation and bonds of cooperation and affection. In this sense, we seek to
1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense – Campos dos
Goytacazes. E-mail de contato: [email protected]
understand the relation in the context of religious practice in the area of Guinea-Bissau, a country on
the African continent, which since the 1940s and more intensely after the 1990s has received an
expressive number of missionaries from different expressions religious and countries. In this case, we
address how Protestant missionaries, specifically those linked to the Kairós Missionary Agency, based
in São Paulo - Brazil, work in Guinea Bissau and how their relation with the local population occur,
creating bonds of affection to the point of establishing "new places "or even" re-signifying "others.
Emphasizing that such established ties happen not only among people who started to adopt Christian
Protestantism as a religion, but also, with adherents of animism, Islamism among others. Thus, we make
an effort to understand the Protestant missionary as a being-in-the-world who contributes to the
improvement of the social conditions of the populations living in the tabancas and how they combine
this with their religious practice, as well as seeking new followers who contribute to the practice of
evangelism in the country. The churches of the Mission Kairós are known as Evangelical Missionary
Church (IEM) that are present in several tabancas, and the headquarters is located in the Military District
in the capital Bissau. It is observed that these relation consequently construct identities, create and re-
signify various symbolic forms that are understood through experience with each other in place.
Keywords: Place, religion, relations and missionary.
1 – Introdução.
A disseminação da religião pelo mundo tem na prática missionária o seu ponto
primordial para atingir de forma direta determinadas áreas. Como exemplos, temos os
missionários católicos romanos, principalmente a partir do período das grandes
navegações e dos missionários protestantes que ganha impulso no início do século
XX, ressaltando que ambas com o objetivo de “evangelizar” os povos não cristãos.
Nesse sentido esse artigo aborda a pesquisa, que se encontra em desenvolvimento
no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense em Campos dos Goytacazes - RJ (UFF), no Grupo de Pesquisa Geo.Con,
em relação à presença dos missionários protestantes em Guiné-Bissau, a partir de
1997. Assim, buscamos compreender as relações existentes entre os protestantes,
mulçumanos e animistas, que ao mesmo tempo que buscam novos adeptos, realizam
trabalhos em cooperação mútua. Com isso, visamos entender para além da ação de
evangelização, como essas vivências contribuem para a constituição da lugaridade
missionária protestante em Guiné-Bissau.
2 – A religião como expressão de exteriorização do ser humano.
Existem diversas abordagens em relação a religião, o estudo referente a tal
tema no âmbito das Ciências Sociais vem crescendo a cada dia, devido a intensa
influência que a mesma exerce no nosso cotidiano, passando pela política, economia
e etc. Assim, a Geografia, não poderia se furtar em abordar tal fenômeno. Por serem
diversas as abordagens referente ao conceito de religião e ao fenômeno religioso,
buscamos a sua compreensão a partir das abordagens de Peter Berger (1985), que
relaciona a religião à sociedade humana, entendendo-a como sendo um
empreendimento de construção do mundo por parte do ser humano, que é único que
possui a consciência e capacidade para produzir uma dada sociedade, pois, não à
possibilidade de haver realidade social sem a presença do ser humano.
Então é na presença que o ser humano produz o seu modo de ser, a sua
existência e o contexto social onde habita. Consideramos a questão da presença, a
partir do Dasein, que HEIDEGGER (2018 a), explica como sendo o ser humano que
somos considerando tanto a nossa objetividade como a nossa subjetividade, além de
ponderar a nossa capacidade de questionamento em relação aos outros entes, que
não são como o ente que somos. Essa capacidade de questionamento do ente,
ocorre, pelo Ser que questiona não apenas ao Outro como a si próprio no mundo.
Essa relação do Ser com o mundo, denota a existência de uma espacialidade,
onde ocorrem as relações destes com os Outros, como esclarece HEIDEGGER (2018
a), existe uma impossibilidade de pensar o Ser e mundo de formas separadas, pois o
Dasein, compreende seu modo de ser estando no mundo, assim, ele cunha a
expressão ser-no-mundo, para apresentar essa impossibilidade de separação entre
os mesmos. Como não estamos sozinhos no mundo, o Dasein, que sou estabelece
relações com o Outro, com isso, estamos sendo co-presentes. Nesse sentido o Ser,
também é ser-com os outros, essa co-presença, faz com que o mundo seja
compartilhado, por que o viver sempre é convivência. Cabe lembrar que uma das
necessidades do ser humano é a exteriorização que consiste na efusão do ser-no-
mundo, seja na atividade física ou na atividade mental. A exterioridade contribui na
produção de identidades e simbolismos que são fatores que contribuem na produção
de lugaridades.
Uma das formas do ser-no-mundo demonstrar a sua exterioridade e o seu papel
na construção do mundo é através da cultura que para muitos é considerada como
uma “segunda natureza”, mesmo está sendo diferente da natureza, por ter a sua
origem ligada a atividade humana. Nesse contexto, BERGER (1985, 2017), ao
abordar a questão da cultura, não a considera apenas no seu aspecto material, mas
também no seu aspecto imaterial. Assim a sociedade como resultado do
empreendimento humano está situada na parcela imaterial da cultura, sendo mantida
de maneira incessante pelas relações entre os seres humanos, tornando-se uma
construção coletiva. Essa necessidade de viver em coletividade é uma das
necessidades essenciais do ser-no-mundo. Dos mais variados exemplos existentes
que são resultados dessa vivência no mundo compartilhado, destacamos quatro, que
possuem fundamental importância para a disseminação da religião: a produção de
instrumentos, a adoção de valores, a criação das instituições e notoriamente a
invenção da linguagem.
Então como uma das formas de expressão da exteriorização do ser-no-mundo,
a religião é considerada a partir da experiência humana, segundo BERGER (1985,
p.38), como um “empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmo
sagrado” entendendo a religião como empreendimento, devido ao fenômeno se
manifestar de forma empírica. Já a ideia de cosmo sagrado, baseia-se nas
proposições de Rudolf Otto (2007), em seu livro O Sagrado, e de Mircea Eliade (2011)
na obra O Sagrado e o Profano, onde de forma geral observa-se o sagrado como uma
qualidade de poder misterioso e temeroso, distinto do ser humano, mas, relacionado
com ele, que acredita-se residir em certos “objetos da experiência” podendo estes
serem de origens naturais ou artificiais1, e na própria experiência de vida. O sagrado
é considerado como “algo que salta para fora” das rotinas consideradas normais dos
seres humanos. Essa atuação influenciando o cotidiano do ser-no-mundo, impacta a
vivência destes, sendo um dos fatores utilizados para produzir lugaridades, sendo elas
sagradas ou não.
3 – Um breve contexto do processo missionário em Guiné-Bissau.
1 Tais objetos pode ser de rochedos sagrados, a instrumentos religiosos, animais, pessoas, imagens etc.
Esta seção tem como objetivo apresentar um breve histórico da atuação
missionária protestante em Guiné-Bissau, país do continente africano, que possui
segundo dados de 2018 a população total de 1.584.791 habitantes2, destes a maioria
da população se diz adepta da religião mulçumana, seguida pelos cristãos e animistas
como ilustra o gráfico1
Gráfico1 - População de nacionalidade guineense segundo a religião praticada (%). Fonte: INE, 2009
(Editado pelo autor)
A atuação dos missionários protestantes no país, inicia-se a partir dos anos de
1940, através da missionaria britânica Bessie Fricker, pertencente a Worldwide
Evangelization Crusade (WEC), que é uma agência missionária internacional com
sede no Reino Unido. Como aborda FORMENTI (2017), esse processo de atuação
protestante em Guiné-Bissau pode ser dividido em três períodos. O primeiro deles
ocorre entre os anos de 1940 até 1974, onde a atuação dos missionários focalizava a
atuação nos maiores centros populacionais do país, sendo seus alvos preferenciais,
as camadas urbanas e crioulas. Normalmente as atividades ocorriam em locais
particulares, já que as manifestações em espaços públicos eram proibidas. Com o
passar dos anos e a conversão de guineenses ao protestantismo, criou-se a Igreja
Central em Bissau, capital do país, sendo implantadas posteriormente igrejas em
Bolama, Bissora, Empada, Catió, Biombo e nas Ilhas Bisagós (Figura 1). Nesse
período entre 1963 a 1974, a expansão do protestantismo no país ficou limitada devido
a ocorrência da Guerra Colonial que marcou a independência de Guiné-Bissau em
relação a Portugal.
2 Fonte, Instituto Nacional de Estatísticas de Guiné-Bissau (INE), 2019.
Animista15%
ND16%
Mulçumana45%
Cristão22%
Sem Religião2%
Figura 1 – Mapa da atuação missionária protestante entre 1940 a 1974. Fonte: My Maps – Google, 2019 (Elaborado pelo autor).
No período de 1974 a 1998, com a maior facilidade de deslocamento pelo país,
pós fim da Guerra Colonial, o processo de evangelização voltou a se expandir em
direção, dessa vez, as áreas rurais, comumente conhecida como tabancas (aldeias).
Esse movimento é realizado por missionários estrangeiros e pelos evangélicos
guineenses. Outro importante fato que alavancou a atuação dos missionários no país,
foi a declaração formal da liberdade religiosa e a transformação do Estado em laico
em 1986. Durante esses anos ocorreu a institucionalização das igrejas com destaque
para a maior de cunho protestante do país que teve sua origem atrelada aos primeiros
missionários estrangeiros a Igreja Evangélica de Guiné-Bissau (IEGB). Pós 1990,
outras denominações, no caso estrangeiras, foram permitidas de se instalarem no
país, entre elas diversas brasileiras.
Outro momento de grande dificuldade afeta o país entre 1998 e 1999, ocorreu
a Guerra Civil de Guiné-Bissau, devido a um golpe de Estado, que aprofundou a crise
econômica do país, gerou milhares e mortos e provocou um deslocamento em massa
da população das áreas urbanas para o interior do país. Ao findar da guerra, o novo
governo buscando um esforço para reconstruir o país, realizou uma série de reunião
conciliatórias, em uma delas reuniu as lideranças religiosas do país, visando que as
mesmas viessem a contribuir no processo de pacificação, destaca-se a presença da
liderança evangélica protestante na pessoa do brasileiro João Araújo, integrante da
Igreja Missionária Kairós. A partir de 1999, a expansão evangélica pelo país
intensifica-se. No ano 2000, as igrejas e agências missionárias evangélicas criaram a
Aliança Evangélica Guineense3. Entre elas, destacamos a Igreja Missionária Kairós,
que é oriunda da Agência Missionária Kairós, criada em 1988, com sede em São Paulo
– Brasil, formada por diversas igrejas e com atuação em diversos países do mundo.
pois, essa pesquisa da atuação protestante em Guiné-Bissau, ocorre nas áreas de
atuação da citada igreja em Bissau, Bissalanca, Tabanca de Ponta Zé, Tabanca de
Sabor Balanta, Bafatá (Tabanca de Camassabai e Tabanca de Tubunhanta) e
Tabanca do Rio Cacheu (Fig.2).
Figura 2 – Mapa das áreas de atuação da Igreja Missionária Kairós. Fonte: My Maps – Google (Elaborado pelo autor).
4 – A experiência do missionário e a lugaridade
Entre os diversos fatores que contribuem para a expansão missionária, como
bem aborda BAUMAN (2009) é o desenvolvimento dos meios de transportes e das
comunicações, que facilitam o deslocamento e os ensinamentos doutrinários básicos,
através do rádio, televisão e principalmente a internet. Porém os relatos, oriundos dos
missionários em campo, reforçam a importância da presença física na sua atuação,
pois através da vivência com o Outro são possíveis aproximações mais efetivas. Essa
3 As igrejas / agências missionárias são: WEC, IEGB, Assembleias de Deus, Igreja Missionária Kairós,
Junta de Missões Mundiais (Baptist Church), Igreja Filadélfia, Igreja Vida Profunda, Igreja Cultural
Africana e JOCUM.
presença é vital em regiões onde as tecnologias ainda não se disseminaram,
principalmente pelo fato de a população possuir baixo poder aquisitivo, bem como a
disponibilidade de tais serviços sofrerem de má distribuição, tornando-os insuficiente
para contemplar uma dada área. Essas relações afetivas dos missionários com a
população local, também se traduzem na sua relação com o lugar, principalmente
quando as missões se fixam por um longo período.
Como pensar na experiência do ser-no-mundo como religioso? Uma das
formas de pensar, se dá, através da experiência fática da vida, como aborda
HEIDEGGER (2017), primeiramente deve-se refletir que “experimentar” não significa
“tomar o conhecimento para si”, mas é confrontar-se com o que é experimentado, com
isso, a experiência da vida significa a plena colocação ativa e passiva do ser-no-
mundo, vivenciando o mundo não como se fosse um objeto, mas, entendendo-o como
algo no que se pode viver. Essa experiência de vida do religioso ocorre para si e para
com o Outro no âmbito do mundo circundante, reforçando a ideia, que nele, tem-se
aquilo que nos vem ao encontro, sendo as coisas naturais, as objetualidades, ideias
e etc.
Nesse conjunto, visando anunciar seu pensamento, o ser-no-mundo como
religioso realiza o fenômeno da proclamação (HEIDEGGER, 2017), que é exercido na
sua prática diária, disseminando os conceitos ligados à sua religião no seu mundo
circundante, objetivando não apenas apresenta-la, mas também, conquistar novos
adeptos que venham a aceitar as ideias apresentadas. É a partir da análise do
conteúdo, do tema e da forma de abordagem realizada pelo religioso, que
conseguimos analisar um dado fenômeno, pois é na e por meio da realização, que
obtemos a explicação do mesmo.
Pensando o religioso sendo um missionário protestante e relacionando com a
abordagem realizada por HEIDEGGER (2017) em relação ao apóstolo Paulo que
também teve esta atuação na sua vida religiosa. O religioso atuando como missionário
se coexperiência a si mesmo através do Outro, principalmente com os que
compartilham ou simpatizam com seus propósitos religiosos. Nesse processo o
religioso experiência seu ter-se-tornado que passa a estar unido com o Outro, a partir
do momento que ele passa a viver mediante os princípios religiosos transmitidos pelo
missionário. Assim, seu ter-se-tornado passa a ser também um ter-se-tornado do
religioso que proclamou a ideia religiosa. HEIDEGGER (2017, p.84) esclarece que:
O ter-se-tornado não é, pois, um acontecimento qualquer da vida, mas é coexperienciado continuamente de modo que seu ser no agora presente é seu ter-se-tornado. Seu ter-se-tornado é seu ser no agora presente. Podemos aprender isso de maneira mais precisa determinando melhor o ter-se-
tornado.
É na ocorrência da proclamação que o ser tem o seu ter-se-tornado
relacionado com a experiência cristã fática passando, com isso, a acompanha-lo no
decorrer da sua existência, exercendo influência na sua relação com o Outro,
buscando fazer com que a proclamação se mantenha viva, não apenas visando
manter a sua fé como também conquistar novos adeptos. Através da experiência
fática da vida a religiosidade se mantém viva, no âmbito das vivências entre o ser-no-
mundo e os Outros, tal como uma verdadeira construção coletiva.
A religião como mundo da vivência, segundo HEIDEGGER (2017), apenas
ganha configuração numa consciência histórica, vamos além, ela também apenas
obtém essa configuração quando vivenciada no contexto do espaço vivido, onde as
relações do ser-no-mundo, como religioso, com os Outros passam a resultar em
lugaridades que apresentaram de forma mais clara, empiricamente essas afinidades.
O lugar se constitui à medida que adquire definição e significado, ao atribuímos valor
ao mesmo (TUAN, 1977). Essa construção vai ocorrer através da experiência do
homem no espaço, ou seja, a partir das vivências individuais e coletivas, a partir do
contato com o seu entorno. (HOLZER, 1999, 2003).
Assim, como apresenta HOLZER (2012), o lugar apenas existe para o ser-no-
mundo, a partir da sua concretude existencialista, ou seja, através da sua relação com
esse dado espaço. Compreendendo a essência do ser-no-mundo, como
pertencimento integral entre o ser e as coisas para as quais ele intencionalmente se
volta, chegando assim ao espaço vivido. Com isso, a pessoa se liga ao lugar, quando
este adquire um significado mais profundo ou mais nítido, aglutinando qualidades e
experiências, porque, longe de ser estático, um dado lugar possui dinamismo, pois
corresponde à própria essência do ser, que é igualmente viva. (HEIDEGGER, 2018;
OLIVEIRA, 2012; MARANDOLA JR, 2012). É no lugar que encontramos o espaço
sagrado, que se constitui em um campo de forças e de valores que eleva o homem
religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual
transcorre a sua existência. Este dado espaço será representado por símbolos, mitos
e ritos sendo por meio destes que o sagrado exerce a sua função de mediação entre
o homem e a divindade, como nos indica ROSENDAHL (2002).
5 - Do método / metodologia e seus resultados.
Pensar o missionário e as suas relações com os Outros e como essas
relações constituem lugaridades são fundamentais no desenvolvimento da pesquisa.
Inicialmente, refletimos, podemos analisar as relações existentes que nos propomos
a abordar? Adotando uma “uma visão de sobrevôo”? Segundo SOUZA (2007), essa
“visão” seria o exercício de enxergar e analisar uma dada sociedade “do alto” de
“longe”. Tal forma de observação, pode causar sérios empecilhos para a pesquisa,
pois diversas particularidades poderiam passar despercebidas, fato este que com
certeza dificultaria a questão de entender a lugaridade dos missionários protestantes,
apesar da importância da “visão de sobrevoo”, dependendo do objetivo a ser
pesquisado. Então buscamos um “mergulho no cotidiano”, mais próximo dos sujeitos
a serem pesquisados com observação in loco.
Seguindo essa abordagem adotamos a observação participante que contribui
e encoraja os pesquisadores a mergulhar nas atividades do dia-a-dia dos sujeitos
pesquisados. Outros fatores que se associam ao observador participante é que devido
às mudanças constantes na vida das pessoas é de grande valia observar, registrar e
participar das experiências que envolvem o pesquisador e os sujeitos. Pois segundo
MAY (2004, p 176):
(...) as pessoas agem e dão sentido ao seu mundo se apropriando de significados a partir do seu ambiente. Assim, os pesquisadores devem torna-se parte daquele ambiente, pois somente então podem entender as ações daqueles que ocupam e produzem as culturas, definidas como os aspectos simbólicos e aprendidos do comportamento humano, os quais incluem os costumes e a linguagem.
Nesse sentido, foi realizado trabalho de campo em Guiné-Bissau, onde o
intuito foi de vivenciar e realizar uma reflexão sobre as relações entre os missionários
e a população local. Além do fato de vivenciar o dia-a-dia do deles. No contexto do
trabalho de campo foi se tornando importante a participação dos próprios missionários
e mesmo da população local indicando novos horizontes aos nossos objetivos,
apresentando novos elementos que estavam “ocultos” em um primeiro momento. Com
isso, podemos afirmar que a pesquisa ocorre de forma colaborativa.
O trabalho de campo em Guiné-Bissau foi realizado entre fevereiro e abril de
2019, sendo de grande importância a colaboração e interesse dos missionários e dos
adeptos locais em relação a pesquisa, concedendo entrevistas das suas histórias de
vida, estadia e logística para o deslocamento as mais variadas partes do país. Outras
pessoas também foram fundamentais para o desenvolvimento do campo, nos
relatando fatos e histórias, pessoas essas pertencentes a outras religiões: animistas
e islâmicos. Tais relatos são necessários, pois, a inexistência de arquivos que retratam
a atuação missionária no país, principalmente nas áreas rurais e um fato que dificulta
a investigação, já que nessas áreas há um predomínio da oralidade para se transmitir
os ensinamentos entre as pessoas (ALBERTI, 2004; HALBWACHS, 1990). Então
graças as fontes orais e a memória da coletiva, podemos ter a possibilidade de retratar
os contextos de vivência das relações entre missionários e a população local.
6. Breves considerações finais.
Esse artigo possui o propósito de apresentar os caminhos que permeiam a
nossa pesquisa, que se encontra em fase de desenvolvimento, onde buscamos
pensar o missionário protestante como ser-no-mundo e como as suas relações com o
Outro, contribuem para a constituição de lugaridades. Acreditamos que um dos
movimentos da Geografia deve ser refletir como os sujeitos produzem os lugares e
como isso pode impactar o cotidiano das pessoas nele inseridas. Ainda a um
considerável caminho a percorrer, porém, nada e mais prazeroso que
acompanharmos a capacidade dos sujeitos de através das suas ações constituem
lugares e viver com eles relações de afinidade e intimidade. Essa é a beleza da
Ciência Geográfica.
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