os madrugadores da floresta
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Este trabalho apresenta uma análise sobre a complexidade camponesa do seringueiro que realiza intercâmbios ecológicos com o Meio Ambiente Natural, e econômicos com o Meio Ambiente Social. É considerado um ator social histórico, fundamental na criação de fatores de desenvolvimento endógeno, como a relação natureza- seringueiro-indústria, em construção no município de Xapuri, no estado [...]TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
RONALD POLANCO RIBEIRO
Os Madrugadores da Floresta: A luta para viver, conservar e
industrializar na complexidade seringueira
Rio Branco
Setembro de 2008
RONALD POLANCO RIBEIRO
Os Madrugadores da Floresta: A luta para viver, conservar e
industrializar na complexidade seringueira
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Regional, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPG-MDR) da Universidade Federal do Acre.
Rio Branco
Setembro de 2008
. © RIBEIRO, R. P. 2008.
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Acre
R484m RIBEIRO, Ronald Polanco. Os madrugadeiros da floresta: a luta viver, conservar e industrializar na complexidade seringueira. 2008. 153f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Franco da Costa
1. Complexidade camponesa seringueira, 2. Intercâmbios ecológicos e econômicos, 3. Meio ambiente natural e social, 4. Seringueiro, 5 Unidade econômica familiar e extrativista, 6. Relação natureza-seringueiro-indústria, 7. Ativo florestal, 8. Políticas públicas, I. Título
CDU 504.03:630 (811.2)
Aos seringueiros do Acre, pela prontidão na defesa da liberdade e do território onde ficaram para morar.
AGRADECIMENTOS
Aqui, faço justiça, numa breve nota de agradecimento, àqueles que
tornaram possível a realização deste trabalho, bem como todo o período de
disciplina do Mestrado.
Em primeiro lugar, ao Colegiado de Conselheiros do Tribunal de Contas
do Estado Acre, pela oportunidade para organizar parte do aprendizado obtido
junto ao movimento social e ambiental dos seringueiros, no decorrer dos últimos
20 anos da minha vida.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Alberto Franco da Costa, pelo
profícuo convívio. Ao Dr. Raimundo Cláudio G. Maciel Coordenador do Projeto
“Análise Socioeconômica de Sistemas de Produção Familiar Rural no Estado do
Acre” e toda sua equipe de apoio, pela ajuda na discussão dos dados de campo e
atenção recebida no fornecimento das informações do projeto. Ao Secretario de
Meio Ambiente do Estado do Acre Dr. Eufran Ferreira Amaral pela contribuição
na elaboração e discussão das figuras representativas do processo de produção
florestal.
Aos professores do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade Federal do Acre, em particular ao Prof. Dr. Lucas Araújo Carvalho
pela obstinação na busca da realização desse Mestrado, e ao Prof. Dr. Silvio
Simione da Silva pelo permanente estímulo e colaboração ao presente trabalho.
A todos os colegas de Mestrado pelos debates acalorados e construtivos
e, pelo convívio amistoso e muito gratificante durante todo o período de estudo.
Em especial, aos companheiros Raimundão, Osmar Facundo, Simplício,
Raimundo Jorge, Francisco Monteiro de Assiz, Dionísio Barbosa, Dona Cecília e
com ela agradeço a todas(os), que no anonimato continuam lutando organizados
em Sindicatos, Associações, cooperativas e partido político, abrindo novas
possibilidades humanas de viver no interior da floresta com dignidade.
E, por último – aqui valendo a máxima de que os últimos serão os
primeiros – a toda minha família, pela compreensão e estimulo manifestado na
convivência do insubstituível amor cotidiano.
Obrigado
Cuidar bem da floresta dá trabalho no começo, mas torna a vida mais fácil depois. Por outro lado, usar a floresta de qualquer jeito parece fácil no principio, mas causa muitas dificuldades mais tarde.
Adaptado da Bíblia Sagrada - A Literatura da Sabedoria
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise sobre a complexidade camponesa do seringueiro que realiza intercâmbios ecológicos com o Meio Ambiente Natural, e econômicos com o Meio Ambiente Social. É considerado um ator social histórico, fundamental na criação de fatores de desenvolvimento endógeno, como a relação natureza- seringueiro-indústria, em construção no município de Xapuri, no estado do Acre. O foco central da dissertação diz respeito à forma como o seringueiro, através da Unidade Econômica Familiar Extrativista, faz a gestão dos meios de produção - natureza e força de trabalho familiar. Analisa a racionalidade ecológica considerando dois níveis: no primeiro, os ativos florestais são obtidos e transformados sem provocar mudanças nos ecossistemas naturais e, no segundo, os ecossistemas são substituídos por culturais homogeinizadoras. Na racionalidade econômica tem-se uma produção do tipo camponesa em que o objetivo final visa a reprodução da unidade familiar e de produção e a auto-suficiência e garantia de acesso a outros bens e serviços básicos. Diferentemente das Unidades Agropecuárias Empresariais, cujo objetivo consiste em maximizar os lucros. Fica nela demonstrado que a sustentabilidade da complexidade camponesa seringueira passa pela introdução, no interior das políticas públicas, das reservas de desenvolvimento existentes em áreas de floresta, como nos Projetos e Reservas Extrativistas, associadas a um processo de industrialização dos ativos florestais existentes. Demonstra ainda as falhas de coordenação no interior das políticas públicas de crédito, infra-estrutura e de licenciamento das áreas de floresta, trazendo conseqüências como a descontinuidade na oferta dos ativos florestais para a indústria. É apresentado um estudo comparativo entre duas experiências de Reforma Agrária: o Projeto de Assentamento Extrativista “Chico Mendes” chamado de Cachoeira e o Projeto de Assentamento Dirigido Humaitá, evidenciando resultados simétricos entre custo físico da natureza, renda familiar e penosidade do trabalho em relação à valorização monetária proveniente do processo produtivo. A elevação do nível de atividade econômica surge com forte influência do processo de industrialização local, que fortalece a diversificação da colheita de ativos florestais e, consequentemente, a conservação da natureza. Essa abordagem é amparada no Projeto ASPF “Análise Socioeconômica de Sistemas de Produção Familiar Rural no Estado do Acre” – Departamento de Economia/UFAC, por entrevistas com diversas categorias de atores, além de visitas e acompanhamento da relação específica entre seringueiros do Projeto de Assentamento Extrativista Cachoeira e as indústrias localizadas em Xapuri. Ressalta, por fim, a metodologia empregada, com análise das informações do Projeto ASPF, das entrevistas, das visitas e
acompanhamentos das ações estudadas que ajudaram na consolidação das teorias e do processo em construção do desenvolvimento local. Ressalta, também, a necessidade de coordenação entre as atividades econômicas da Unidade Econômica Familiar Extrativista e as indústrias e estas com as políticas públicas de apoio ao setor florestal.
PALAVRAS-CHAVE: Complexidade Camponesa Seringueira; Intercâmbios Ecológicos e Econômicos; Meio Ambiente Natural e Social; Seringueiro; Unidade Econômica Familiar Extrativista; Relação Natureza-Seringueiro-Indústria; Ativos Florestais; Políticas Públicas.
ABSTRACT
This work presents an analysis about the rural complexity of the rubber gatherer, who achieves ecological give-and-takes with the Natural Environment and economics interchanges with the Social Environment, being a historical social actor who is fundamental in the factors creation of endogenous development, like the industry-rubber gatherer-nature relation that is in construction at the municipality of Xapuri, in the Acre State, in Brazil. The central focus of the text is the form like de rubber gatherer makes the management of the means of production-nature and familiar work force by the Extrative Familiar Economic Unit. It analyses the ecological racionality considering two levels: in the first, the forest assets are obtained and transformed without changes in the natural ecossystenss and in the second, the ecossystens are replaced for the homogenizer cultivations; in the economical rationality we have a production of rural model where the purpose intends the reproduction of the familiar and production unit and the self consumption and the warranty to access other property and basic services, on the opposite of the rural Management Units, that intend to increase their profits. It demonstrates that the sustenance of the rubber gatherer rural complexity passes for the introduction of the existents development’s reserves in forest’s areas by the public politics, like in the Extrative Projects and Reservas, associated with an industrialization’s process of existent forest assets. It still presents the faults of the co-ordinations in the credit’s public politics, in the infra-structure and in the license of the forest areas, carrying consequences like the descontirmons offer of the forest assets to the industry. It is shown a comparative study between two experiments of Rural Reform: “Chico Mendes” Extrative Sitting Project that is also named Cachoeira and “Humaitá” Manajed Sitting Project that altest the symmetrical results between the plysical cost of the nature, the familiar revenue and the laborious work in relation to the monetary valorization came of the productive process. The elevation of the economic activity’s level appears with the strong influence of the local industrialization process that fortifies the diversity of the forest assets and the conservation of the nature. That approach is supported on ASPF Project (Social and Economical Analysis of Rural Familiar Production Systems in State of Acre – Brazil). Department of Economics of UFAC (Federal University of Acre), on interviews with different classes of actors and visits and attendances of the studied actions that helped in the consolidation of the theories and the process in construction of the local development, adopted in the methodology of the dissertation At last, it emphasizes in others aspects the necessity of a co-
ordination between the economic activities of the Extractive Familiar Economic Unit with the industries and from this with the public politics of support to the forest sector.
Key-words: Rubber rural complexity: ecological give-and-takes and economics interchanges; Natural and Social Environment; Rubber gatherer; Extractive Familiar Economic Unit; Industry-rubber gatherer-nature relation; forest assets; public politics.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O duplo intercâmbio feito por uma Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE). (N) representa a natureza e (S) a sociedade. ....................... 34 Figura 2 - Esquema dos intercâmbios de materiais realizados por uma Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) numa paisagem florestal concreta. ........ 36 Figura 3 - Representação teórica dos intercâmbios ecológico-econômicos realizados pela Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) em quatro momentos sociais e históricos diferentes, da complexa economia seringueira no Estado do Acre. ...................................................................................................... 38 Figura 4 - Assimetria entre custo físico da natureza, ganho financeiro do seringueiro e outros segmentos da cadeia produtiva da monocultura da borracha. Até o final do decênio de 1910. .............................................................................. 64 Figura 5 - Construção social da identidade local. Relação: Natureza-Seringueiro-Produção Camponesa (consumo próprio com geração de excedente agrícola e de produção florestal). Entre os decênios de 1920 e início de 1940. ......................... 69 Figura 6 - Formação da territorialidade seringueira e da economia nacional, regionalmente localizada. ....................................................................................... 71 Figura 7 - Fortalecimento do Desenvolvimento Local, depois da constituição da relação: Natureza-Seringueiro-industria, no município de Xapuri, Estado do Acre, Brasil. A partir da década de 1990 ........................................................................ 74 Figura 8 - Localizando o Estado do Acre, o Município de Xapuri, o Projeto de Assentamento Chico Mendes, denominado no presente trabalho de Cachoeira e as indústrias junto com o pólo moveleiro. .............................................................. 84 Figura 9 - Uso da área desmatada no (PAE) Cachoeira, 2005. .......................... 101 Figura 10 - Situação legal dos 191 Planos de Manejo Florestal Madeireiro no Acre – 1995/2007. ......................................................................................................... 104 Figura 11 - Uso da Terra por Município, Estado do Acre, Brasil. Referente ao ano de 2007. ................................................................................................................ 150 Figura 12 - Evolução das áreas sob Manejo Florestal madeireiro licenciado por município no Acre, Brasil – 1995/2007. ................................................................ 151 Figura 13 - Levantamento das propriedades com pedido de Manejo Florestal madeireiro no Estado do Acre, Brasil 1995-2007. ............................................... 152
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Relação custo físico da natureza X Valoração monetária (NAREDO, 1999) ....................................................................................................................... 31 Gráfico 2 - Relação Penosidade do trabalho X Renda (NAREDO, 1999) ............ 32 Gráfico 3 - Relação: Penosidade do trabalho x Renda .......................................... 66 Gráfico 4 - Evolução do Desmatamento no PAE Cachoeira e PAD Humaitá, 1988/2006, Acre/Brasil ........................................................................................... 93 Gráfico 5 - Relação: Penosidade do trabalho x Renda no PAE Cachoeira ......... 112 Gráfico 6 - Principais Vantagens competitivas relatadas por Unidade de Produção Familiar (UPF) (%), Vale do Acre, Sistemas Extrativista, Agrícola e Agroflorestal, 2005/2006, Acre/Brasil. ........................................................................................ 116 Gráfico 7 - Área Total de Floresta em hectares, no Estado do Acre, Brasil, 2008. .............................................................................................................................. 147 Gráfico 8 - Relação Floresta/ Desmatamento no Estado do Acre, Brasil – 2007 148
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Base de Ativos Florestais Comunitária em Áreas de Conservação Próxima à Região de Xapuri, Estado do Acre, Brasil - 2007. ................................ 81 Tabela 2 - Histórico de Desmatamento do Projeto de Assentamento Dirigido Humaitá, Acre, Brasil - 1988/2006. ........................................................................ 87 Tabela 3 - Principais Produtos Geradores de Renda Bruta, PAD Humaitá, .......... 88 Tabela 4 - Desempenho Econômico dos Principais Produtos, PAD Humaita, 2005/2006, Acre/Brasil ........................................................................................... 89 Tabela 5 - Evolução do Desmatamento no Projeto de Assentamento Extrativista - Cachoeira, 2007, Acre/Brasil. ................................................................................. 92 Tabela 6 - Principais Produtos Geradores de Renda Bruta, (PAE) Cachoeira, 2006/2007, Acre/Brasil ........................................................................................... 94 Tabela 7 - Desempenho Econômico dos Principais Produtos, no (PAE) Cachoeira. Incluindo simulação na Introdução da Tecnologia (MODEFLORA), na Elaboração do Plano de Manejo Florestal Sustentável, feito pela Unidade Econômica Familiar Extrativista, 2006/2007, Acre/Brasil. ...................................................................... 95 Tabela 8 - Variação no comportamento do uso terra no PAE Cachoeira ............ 100 Tabela 9 - Pedidos de Manejo Florestal por tipificação no Acre/Brasil, 1995-2007. .............................................................................................................................. 103 Tabela 10 - Contratação por Setor do Credito do Fundo Constitucional do Norte, Estado do Acre/Brasil. Período de 1994/2007. .................................................... 105 Tabela 11 - Principais Indicadores Econômicos, (PAE) Cachoeira e (PAD) Humaitá, 2006/2007, Acre/Brasil .......................................................................... 109 Tabela 12 - Indicadores de Ocupação e Remuneração da Força de Trabalho Familiar, PAE Cachoeira e PAD Humaitá, 2006/2007, Acre, Brasil. ................... 113 Tabela 13 - Modelo Digital de Exploração Florestal – MODEFLORA – Coeficientes técnicos ................................................................................................................. 140 Tabela 14 - Análise econômica (custos por fase do processo produtivo, produtividade, nível de adoção, impactos financeiros) ........................................ 141 Tabela 15 - Desempenho Econômico mediano por UPF, Vale do Acre, Sistema Extrativista, Sistema Agrícola, Sistema Agroflorestal, 2005/2006, Acre-Brasil .. 142 Tabela 16 - Evolução da ação antrópica de 1989 a 2007, no Estado do Acre. .. 148 Tabela 17 - Distribuição das áreas Desmatadas e Áreas de Floresta por Município do Estado do Acre Referente ao ano de 2007 ..................................................... 149 Tabela 18 - Produto Interno Bruto, Vale do Acre, 2005, Acre-Brasil, Valores em R$ 1.000,00. População 2007. ................................................................................... 153 Tabela 19 - Principais produtos por valor da produção, Vale do Acre, 1996-2006, Ac-Brasil, Valores em R$1.000,00 ....................................................................... 154
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ASPF/UFAC Analise Socioeconômica de Sistemas de Produção Familiar Rural no Estado do Acre / Universidade Federal do Acre.
BASA BCC CF CNS CONTAG COOPERFLORESTA
CTA CTLE CV CU D EMBRAPA FETACRE FNO FTF FUNTAC IBAMA
IK IMAC INCRA INPE Id IEE LDM M MAN MAT MAS
Banco da Amazônia Bens de Consumo e Serviços Comprados no Mercado Custo Fixo Conselho Nacional dos Seringueiros Confederação dos Trabalhadores na Agricultura Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários Centro dos Trabalhadores da Amazônia Custo Total Custo Variável Custo Unitário Dinheiro Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Federação da Agricultura do Estado do Acre Fundo Constitucional do Norte Força de Trabalho Familiar Fundação de Tecnologia do Acre Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Índice de Capitalização Instituto de Meio Ambiente do Estado do Acre Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Instituto Nacional de Pesquisa Espacial Investimento Doméstico Índice de Eficiência Econômica Linha de Dependência do Mercado Mercadoria Meio Ambiente Natural Meio Ambiente Transformado Meio Ambiente Social
MBF MODEFLORA N NV ONG´s Pa PAD
Margem Bruta Familiar Modelo Digital de Exploração Florestal8 Natureza Nível de Vida Organizações Não Governamentais Produção para Autoconsumo Projeto de Assentamento Dirigido
PAE Projeto de Assentamento Extrativista
PAS PE PICT PMACI PMFS POA
Plano Amazônia Sustentável Ponto de Equilíbrio Ponto de Igualação ao Custo Total
Plano de Manejo Florestal Sustentável Plano Operativo Anual
Qh/d QTDE RB RESEX RL S SEF TI UAC UE UEFC UEFE
Quantidade de homens Dia Quantidade Vendida Renda Bruta Reserva Extrativista Renda Liquida Sociedade Secretaria Estadual de Floresta Termo de Intercâmbio Unidade Agrária Capitalista Unidade Extrativista Unidad Económica Familiar Campesina Unidade Econômica Familiar Extrativista
WWF Fundo Mundial para a Vida Silvestre PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16
1.1 A complexidade da economia camponesa do seringueiro ....................................... 21
1.2 Metodologia ............................................................................................................. 23
1.3 Por quê “Madrugadores da Floresta”? ..................................................................... 26
1.4 “Regla del Notário” de Manuel Naredo ................................................................... 29
1.5 A Racionalidade Ecológica ...................................................................................... 33
1.5.1 É um fenômeno social-histórico .............................................................................. 37
1.5.2 O uso múltiplo da floresta ........................................................................................ 40
1.5.3 O Sistema Cognitivo do Seringueiro ....................................................................... 42
1.5.4 O Saber Sofisticado da Natureza ............................................................................. 44
1.5.5 A Produção Extrativista e o Processo de Industrialização Local ............................. 45
1.6 A Racionalidade Econômica .................................................................................... 48
1.6.1 No Contexto Capitalista ........................................................................................... 49
1.6.2 A unidade agrária capitalista (UAC) ....................................................................... 49
1.6.3 A Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) ............................................. 50
1.6.4 Formação de Preços, Renda e Reprodução Social da (UEFE) ................................ 53
1.6.5 Reprodução Social da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e a
Política de Desenvolvimento ............................................................................................... 55
1.7 A Construção Social da Industrialização de Xapuri ................................................ 61
1.7.1 Indústria e Penosidade do Trabalho ......................................................................... 63
1.7.2 Formação da Unidade Econômica Familiar Extrativista ......................................... 67
1.7.3 Construção Social dos Projetos e Reservas Extrativistas ........................................ 71
1.7.4 Construção Social e Ambiental da Relação: Natureza-Seringueiro-Industria ......... 74
2. RESULTADOS ALCANÇADOS PELA RESISTÊNCIA DOS
MADRUGADORES DA FLORESTA ................................................................................ 78
2.1 A Conquista do Acre ................................................................................................ 78
2.2 Demarcação da territorialidade seringueira em Xapuri ........................................... 79
2.2.1 Localização geográfica da Relação: natureza-seringueiro-industria ....................... 82
2.3 Análise comparativa entre o projeto de assentamento extrativista Cachoeira e o
projeto de assentamento dirigido Humaitá .......................................................................... 85
2.3.1 Histórico do Projeto de Assentamento Dirigido - PAD Humaitá ............................ 85
2.3.2 Analise do Desempenho Econômico da Produção Agropecuária do PAD - Humaitá
..................................................................................................................... 87
2.3.3 Histórico do Projeto de Assentamento Extrativista – PAE “Chico Mendes”,
Conhecido como PAE Cachoeira ........................................................................................ 90
2.3.4 Diferença do Custo Físico da Natureza entre o (PAE) Cachoeira e (PAD) Humaitá
......................... ........................................................................................................ 92
2.3.5 Analise do Desempenho Econômico das atividades produtivas no Projeto de
Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira. ...................................................................... 94
2.3.6 Influência da Tecnologia MODEFLORA no Desempenho Econômico da Unidade
Econômica Familiar Extrativista ......................................................................................... 97
2.3.7 O Autoconsumo e a Diminuição da Área de Pastagem ........................................... 99
2.3.8 A Industrialização e o Processo de Recamponização do PAE Cachoeira ............. 101
2.3.9 Falhas de Coordenação e o Futuro da Relação Natureza-seringueiro-Indústria ..........
................................................................................................................... 103
2.3.10 A Industrialização dos Ativos Florestais e a Valorização Fundiária no PAE
Cachoeira ................................................................................................................... 106
2.3.11 Desempenho Econômico e Custo Físico da Natureza ........................................... 107
2.3.12 Desempenho Econômico e a Penosidade do Trabalho no (PAE) Cachoeira e no
(PAD) Humaitá .................................................................................................................. 110
2.3.13 A Importância da Organização Comunitária para a Unidade Econômica Familiar
Extrativista ................................................................................................................... 115
3. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 121
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 129
ANEXO 1 .......................................................................................................................... 135
ANEXO 2 .......................................................................................................................... 140
ANEXO 3 .......................................................................................................................... 142
ANEXO 4 .......................................................................................................................... 143
ANEXO 5 .......................................................................................................................... 145
ANEXO 6 .......................................................................................................................... 147
16
1. INTRODUÇÃO
É recente a produção científica sobre a organização política de caráter
social-ambiental do seringueiro1 acreano, como um segmento da economia
caracterizado por uma lógica própria e diferente daquela de tipo capitalista
(OLIVEIRA, 1985; ALMEIDA, 1994; COSTA FILHO, 1995; ALLEGRETTI, 2003;
GONÇALVES, 2003; SILVA, 2005). Este trabalho pretende dar uma contribuição
no debate sobre a racionalidade ecológica e econômica feita pelos seringueiros
através da Unidade Econômica Familiar Extrativista, fortalecida depois da
conquista dos Projetos e Reserva Extrativista e pelo processo de construção social
de uma indústria geograficamente localizada em Xapuri.
Os seringueiros, por estarem na linha de frente dos processos sociais e
políticos, que foram acontecendo desde a conquista do território do Acre,
constituem parte da edificação social e ambiental do Acre profundo2, manifestado
pelos adjuntos3, nas farinhadas, nas pescarias, nas caçadas, nas comunidades de
base, pelos movimentos sociais, pelos empates, nas mensagens da rádio, nas
festas religiosas - no caso de Xapuri, 20 de janeiro, dia de São Sebastião. Enfim,
na vida no interior da floresta, nas margens dos igarapés, lagos e rios e da luta por
liberdade, esses fatores são fundamentais na unificação das energias do povo
acreano.
1 Os seringueiros são uma categoria especifica de produtores rurais que realizam na pratica os preceitos da sustentabilidade porque sua própria reprodução depende da existência da floresta (ALLEGRETTI, 2003).
2 É no interior da floresta que se encontra o coração da sociedade acreana, desde lá se recicla o “sangue” da cultura, das relações sociais e da resolução de conflitos que definem essa sociedade. Nesse sentido, o que assegura saúde e vitalidade ao “povo acreano” não se limita somente ao institucional aos “órgãos” municipais, estaduais, nacionais ou na economia mercantilizada, mas também nas “células” locais como a “unidade econômica familiar extrativista” que contém o código genético do Acre. De igual maneira, é no lugar como fala o seringueiro, no meu lugar a “colocação” que se encontram bases importantes para a manutenção da biodiversidade e da sócio-diversidade para a sustentabilidade sócio-econômico do Acre. Esse “Acre profundo” precisa ser desescondido e considerado, também, o jeito de viver do “povo seringueiro” na hora da construção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural. 3 São relações sociais criadas pela população rural, no caso os seringueiros, para a realização de serviços e obras coletivas (varadouros, pontes, a igreja da comunidade, a escola, o posto de saúde, a sede da associação e outros), assim, como aqueles de caráter individual, como a colheita do arroz que acontece no período das chuvas, limpeza de estradas de seringa, na abertura dos talhões para o manejo florestal, transporte de produtos e outros trabalhos que demandam uma quantidade de mão-de-obra superior ao de cada família.
17
A diversificação produtiva do seringueiro é uma conquista histórica.
Sendo somente possível depois da formação4 com autonomia da Unidade
Econômica Familiar Extrativista (UEFE). Nela se evidencia empiricamente as
alternativas de manejo dos meios de produção com uma certa independência e
sob seu controle, oferecendo melhores condições de sustentação da reprodução
familiar e da floresta no mesmo espaço da atividade produtiva. Integrando-se ao
mercado não como objetivo central e sim por necessidade, para obter renda
monetária suficiente para adquirir bens e serviços não produzidos pela (UEFE),
porém, necessários na reprodução social da unidade.
Por isso, o entendimento da realidade e situação do seringueiro,
ultrapassa a idéia usual do sistema econômico de mercado que trata de
fenômenos como produção, consumo, preços, renda em todo tempo e lugar.
Sendo, no entanto, insuficiente, com essas ferramentas, apreender o intercâmbio
permanente que existe entre a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e
o Meio Ambiente Natural e Social. Esse complexo intercâmbio feito pela (UEFE)
promove uma relação de comensalidade5 em que todos ganham: comunidades
humanas, atividades econômicas e ciclos naturais.
O “povo seringueiro” fortalece sua autonomia quando conquista os
Projetos e Reservas Extrativistas, passando com maior liberdade a negociar ativos
florestais demandados pelos processos econômicos industriais localizados em
Xapuri e com outros atores econômicos que demandam esses ativos e ofertam
insumos de produção e de consumo familiar. Essa autonomia tem proporcionado
elevação da renda monetária, seguida de menor custo físico da natureza e da
penosidade do trabalho, contrariando o que ocorria sob regime econômico
seringalista e depois pela agropecuária.
Ao mesmo tempo, nessa nova fase, a Unidade Econômica Familiar
Extrativista colhe fruto da floresta em escala humana conservando “bens e
serviços ambientais” necessários para a manutenção dos ecossistemas, sem
4 A questão da formação apresentou-se para certos povos como um desafio histórico de grande envergadura. Em alguns casos, significava, como no caso da Rússia, superar séculos de autocracia, servidão, ausência de quaisquer dos elementos progressivos da modernidade (MOORE, 2002). 5 Para Boff (2006), comensalidade significa comer e beber juntos. “Todos se sentam à mesa, como comensais, para comer, beber, comungar e celebrar o estar junto na mesma ‘Casa Comum’, qual grande família humana se reencontra, todos irmãos e irmãs uns dos ouros juntos com os demais seres da criação”. À mesa se fazem e se refazem continuamente as relações familiares.
18
comprometer a melhoria da qualidade de vida dos moradores de áreas de
conservação como o Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira,
contribuindo, ainda, com a diminuição das emissões de gases de Efeito Estufa,
provocados pelo desmatamento e queimadas das áreas de floresta nativa.
Assim o seringueiro fez da diversidade da floresta, a sustentação do seu
modo de vida. Diante dessa constatação, o seringueiro como um produtor
campesino combina valores de uso e de troca, sendo, portanto, resultado de
processos naturais e de forças de mercado que atuam sobre o camponês como
produtor e consumidor. Nos valores de troca predominam os ativos florestais que
promovem resultados econômicos positivos, quando associado com o processo
industrial local.
Enquanto os valores de uso de origem agropecuário quando voltado
para o autoconsumo diminuem a necessidade de intercambio com o Meio
Ambiente Social, fortalecendo ainda mais a reprodução da unidade familiar. Ao
contrário acontece quando se transforma essa produção agropecuária em
mercadoria, promove resultado econômico negativo para a Unidade Econômica
Extrativista e aumenta o custo físico da natureza.
Procura-se no decorrer do trabalho não confundir desenvolvimento com a
incipiente evolução de um retardado sistema produtivo industrial, nem achar que a
dinâmica econômica de origem florestal, mesmo nascendo do interior do
movimento dos seringueiros, vai deixar de operar sem concentrar renda nas
atividades comerciais, de gestão e industriais. Registra-se, porém, a necessidade
de compreender a relação “natureza-seringueiro-industria” e o conjunto das
políticas públicas adotadas pelo Estado como um sistema produtivo6 que acarreta
menor penosidade da Força de Trabalho Familiar do seringueiro, seguido de
menor custo físico da natureza e maior nível de renda da unidade familiar
6 “O sistema produtivo é composto de unidades numerosas e muito variáveis: grupos, empresas estabelecimentos. As relações complexas, múltiplas e mutantis estabelecidas entre elas, - e com o ambiente porque o ‘sistema é aberto’ – traduzem escolhas estratégicas importantes e participam largamente na definição das performances econômicas desse sistema: é claro que, pelo jogo das relações diversas estabelecidas entre elas de maneira voluntária e involuntária, essas unidades criam permanentemente estruturas que jogam um papel principal na determinação da eficiência global; a capacidade da qual elas participam para fazer evoluir permanentemente essas estruturas constitui cada vez mais na condição do reforço da competitividade do sistema, até mesmo da sua sobrevivência”, (MORVAN apud AMARAL FILHO ).
19
seringueira e que existe um movimento social organizado para manter acesa a
chama da autonomia seringueira.
O trabalho não pretende ter um olhar otimista sobre a possibilidade de
se ter uma economia estadual sob gestão camponesa muito menos, desconsiderar
a gestão das áreas privadas, pelo contrario o que se encontra é uma reserva de
desenvolvimento na região de Xapuri constituída por mais de (Um) milhão e Cem
mil hectares de floresta em regime de concessão para 2.200 famílias que vivem no
interior dessas áreas. Mesmo, assim, o nível de atividade econômica municipal
continua dependendo da safra do “contra-cheque” mensal de funcionários e
aposentados públicos e do volume de obras publicas. Mesmo havendo um
potencial florestal e excedente de trabalho que se encontram subutilizados no
interior das áreas de conservação.
O processo histórico de evolução da economia acreana, registrado pelos
números da produção de borracha e da agropecuária, muito embora tenham
recebido todo apoio do Estado, não conseguem criar uma dinâmica econômica
própria em território acreano. A razão está em que as determinantes dessas duas
economias sempre foram definidas exógenamente, promovendo um
empobrecimento do mundo rural, trazendo como conseqüências: o esvaziamento
do campo, aumento do desmatamento, crescimento precoce das cidades,
subemprego urbano e mais recentemente a violência urbana.
O que se pretende registrar, sem querer esgotar toda a abrangência de
um estudo mais detalhado, sugerindo um olhar multidisciplinar na compreensão da
economia camponesa do seringueiro. É o reconhecimento de algumas
características dessa economia que se desenvolve, independentemente dos
processos econômicos capitalistas e das políticas de desenvolvimento regional. Ao
contrario, emerge do interior da floresta e dos movimentos sociais como “negação”
das crises e contradições da monocultura da borracha e das tentativas de
superação da economia extrativista acreana pela produção agropecuária.
O trabalho está divido pela parte introdutória que procura destacar a
contribuição do seringueiro como um ator social histórico na formação da
sociedade acreana. Seguido de dois capitulo e uma conclusão.
O primeiro capítulo expressa a complexidade da economia camponesa
do seringueiro, encontra-se seccionado em seis partes: a primeira trata da
20
definição dada ao titulo do trabalho, a segunda da metodologia e parte seção do
referencial teórico que trata da incorporação na analises dos processos de
desenvolvimento variáveis como: custo físico da natureza e penosidade do
trabalho e seu cruzamento com a valorização monetária que resultam dos
chamados processos produtivos, representados graficamente pela “regla del
notario” de (NAREDO e Valero, 1999).
A quarta seção trata da racionalidade ecológica, espaço em que se
procura compreender os intercâmbios ecológicos e econômicos feitos pela
Unidade Econômica Familiar Extrativista dentro de um processo histórico de
relacionamento com o Meio Ambiente Natural e o Meio Ambiente Social.
Na quinta seção se desenvolve a racionalidade econômica da Unidade
Econômica Familiar Extrativista. Procurando fazer a distinção entre a produção
empresarial que busca a maximização do lucro e a acumulação de capital; e a
organização de tipo camponesa que tem como objetivo principal a reprodução dos
produtores e da unidade de produção.
Na sexta seção discorre sobre a construção social da industrialização de
Xapuri, fazendo um percorrido histórico sobre a subordinação do seringueiro ao
sistema de produção da monocultura da borracha. Na crise desse sistema no final
do decênio de 1910, criam-se as brechas da autonomia do seringueiro em relação
ao barracão e começa a formação da Unidade Econômica Familiar Extrativista,
desde então o processo de diversificação produtiva serve de base para a
sustentabilidade do seringueiro no interior da floresta. Com a forçada
institucionalização dos Projetos e Reservas Extrativistas e a agregação de valor
aos ativos florestais, se fortalece ainda mais a autonomia do seringueiro e seu jeito
de viver no interior da floresta.
No segundo capitulo se coloca os resultados alcançados pela resistência
dos Madrugadores da Floresta, destacando participação da luta pela conquista do
território do Acre, pelos Projetos e Reservas Extrativistas. Finalmente, se analisa
indicador econômico do Projeto de Assentamento Extrativista “Chico Mendes”,
chamado no presente trabalho de PAE Cachoeira, fazendo um paralelo com o
Projeto de Assentamento Dirigido Humaitá, com vistas a mostrar o comportamento
do custo físico da natureza e da penosidade do trabalho em relação à renda
21
monetária que resulta dos chamados processos produtivos adotados nos dois
projetos de reforma agrária.
Na parte conclusiva se destaca o afloramento de fatores de
desenvolvimento de caráter endógenos, como as áreas de conservação Projeto e
Reservas Extrativistas habitadas pelo “povo seringueiro” que luta, vive e cuida dos
ativos florestais, com características econômicas diferentes daquelas que
predominam nos chamados processos de produção capitalista. Outro elemento
fundamental para o desenvolvimento local de Xapuri, proporcionado pelos
Madrugadores da Floresta, foi a pressão pela industrialização dos ativos florestais.
Ressalta-se a necessidade na contemporaneidade Amazônica, de inserir
racionalidades como a economia camponesa seringueira, no interior dos
programas de desenvolvimento regional.
1.1 A complexidade da economia camponesa do seringueiro
A idéia de uma economia camponesa fechada, produzindo para seu próprio
consumo e com pouco contato com os mercados, foi praticamente superada,
abrindo espaço para uma realidade rural na qual prevalecem famílias camponesas
que tratam de satisfazer necessidades mediante estratégias de valorização de
seus ativos em diferentes mercados e âmbitos. Mesmo, assim, seu objetivo final
permanece a reprodução da unidade familiar e de produção, o autoconsumo e
garantia de acesso a outros bens e serviços básicos. Diferentemente das
Unidades Agropecuárias Empresariais, cujo objetivo consiste em maximizar seus
lucros. Em resumo no (anexo 1) se apresenta as principais características da
economia camponesa e aquelas relacionadas com a produção empresarial.
A situação social da família camponesa seringueira que vive no interior de
Projetos e Reservas Extrativistas e estão associados com a indústria local que
depende de fatores externos situados no Meio Ambiente Social (MAS), espaço em
que, se dá a luta política, pelas formas de produção e reprodução sócio-ambiental,
entre as quais, estão: a política econômica do governo estadual e federal, as
circunstancias de mercado, dos preços nacionais e internacionais, das instituições
de pesquisa e extensão florestal.
22
Mesmo não aprofundando neste trabalho, sobre a política econômica, é
preciso reconhecer que a produção da economia camponesa seringueira, na
região de Xapuri, depende de condições e situações criadas externamente que
vão influir diretamente em duas relações: custo físico da natureza versus
valoração monetária e penosidade do trabalho com formação da renda familiar,
desenvolvida pela economia ecológica e representada na “regla del notário” de
(NAREDO, 1999). Essas variáveis quando consideradas no cálculo do
desenvolvimento, incorpora-se, condições de produção e distribuição das pessoas
envolvidas. Nem, sempre incluídas, num contexto produtivo de tipo capitalista
vinculado diretamente com os mercados.
Para tanto, somente, através, de uma política especifica o governo pode:
1) acelerar o processo de implantação da logística social (escolas,
atendimento de saúde, lazer) e econômica (ramais, pontes, energia, comunicação)
e de assistência técnica;
2) aperfeiçoar o processo de licenciamento dos planos de manejo florestal
sustentável e permanecer com a política de remuneração dos serviços ambientais,
vinculados diretamente ao processo produtivo florestal de uso múltiplo;
3) ajudar a determinar os preços relativos e a rentabilidade dos ativos
comercializáveis através de incentivos tributários, econômicos e tecnológicos
vinculados ao setor rural e industrial de base florestal;
4) influenciar sobre o nível geral de gastos, emprego e salários urbanos,
dos quais, também depende a Unidade Econômica Familiar Extrativista, nessa
transição de um extrativismo subordinado ao capital mercantil para um
extrativismo articulado com um processo de produção industrial próximo das áreas
de produção.
O bem-estar social da família camponesa seringueira, depende também de
fatores internos relacionados com as formas de uso dos frutos do Meio Ambiente
Natural, organizações sociais e experiência familiar. Assim, se tem que as fontes
de trabalho e renda da família seringueira, são influenciadas pela diversidade de
produtos madeireiros e não madeireiros existentes em cada unidade de produção
“colocação” e menos da agricultura, criação de gado, do trabalho assalariado rural
e de programas compensatórios (bolsa escola, auxílio gás e outros).
23
A compreensão da organização da relação: natureza-seringueiro-industria,
deve superar a idéia de políticas direcionadas para a preservação7 da natureza, ou
remunerar o seringueiro como um “soldado ecológico” como tem se cogitado, ou
criar um ambiente econômico favorável, somente ao processo industrial. Para isso,
deve-se, considerar uma nova realidade econômica determinada por uma
complexa interdependência da racionalidade ecológica e econômica e o processo
de construção social da industrialização local de Xapuri e das instituições sociais e
publicas, como um processo em construção.
A seguir procura-se desenvolver uma metodologia que não determina
pergunta e nem resposta por considerar que essa complexa interdependência de
produção rural é um processo social em construção. Num segundo momento se
discute do ponto vista da teoria da mobilização política e da historia da conquista
do território acreano a contribuição dos “Madrugadores da Floresta” na formação
de um ponto de partida da economia camponesa seringueira que pode se
apropriar das conquistas trazidas pelo sistema capitalista, sem perder o caráter
coletivo.
No terceiro, se introduz o fundamento teórico da “regla del notário” de
Naredo e Valero (1999). Em quarto lugar e quinto lugar tomando como base a
teoria camponesa, procura-se entender a racionalidade ecológica e econômica de
colheita de fruto da floresta realizada pelo seringueiro; e em sexto lugar a evolução
de um processo de construção social de uma indústria geograficamente localizada
em Xapuri.
1.2 Metodologia
Essa análise expressa a premissa de que, a economia camponesa
seringueira, cria condições para a conservação da natureza abrindo “janelas de
oportunidade políticas” para a industrialização local dos frutos da natureza,
oriundos das áreas dos Projetos de Assentamentos Extrativistas e Reservas
Extrativistas. A partir do momento da transformação de produtos como a madeira
7 Áreas de preservação são áreas como parques e outras de proteção integral. Esse é o modelo americano de parques sem gente, baseado no pressuposto de que qualquer convivência humana é inconciliável com a preservação das florestas.
24
com certificação de origem, castanha do Brasil e o látex da seringueira comessem
a assumir preços de commodities (BECKER, 2005).
A lógica da racionalidade camponesa seringueira que se pretende
analisar no presente trabalho, esta dentro do que pensa Hobbes, que nega
separar as respostas das perguntas, as soluções dos problemas constantes da
sociedade e das condições que criam esses problemas, como sustenta R. G.
Collinngwood Apud Giarracca (2005), “según Hobbes um cuerpo político es um
objeto dialectico, um mundo heracliteano em el que cualquier momento hay un
elemento negativo”.
O eixo de sistematização do estudo está focado na lógica ecológica e
econômica dos seringueiros do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE)
Cachoeira. Tendo como referencial teórico a economia ecológica e a economia
camponesa, dentro de um contexto histórico de formação cultural do “povo
seringueiro” que mantêm formas especificas de organização econômica na
colheita dos frutos da floresta.
A base de informações se constitui pelos resultados de pesquisa recente
de Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural do Vale
Acre, da Universidade Federal do Acre, Departamento de Economia –
(ASPF/UFAC), complementado por entrevista feita com o Secretario de Floresta
do Estado do Acre (SEF), o Presidente da Cooperativa dos Produtores Florestais
Comunitários (COOPERFLORESTA), com o Pesquisador da Embrapa que
desenvolveu a Tecnologia Modelo Digital de Exploração Florestal Sustentável,
prestadores de serviços que elaboram planos de manejo e executam a colheita do
produto.
Também foram realizadas visitas e entrevista em 9 (nove) das 87
“colocações” de seringueiros do Projeto de Assentamento Extrativista “Chico
Mendes”, mais conhecido como (PAE) “Cachoeira” que fizeram parte da
experiência piloto de colheita do fruto madeireiro. Realizado sob critério técnico e
científico que objetivou incorporar o saber sofisticado do seringueiro, sobre a
realidade física da floresta e do sistema cultural vivenciado pela Unidade
Econômica Familiar Seringueira, nos processo de organização da produção e
comercialização.
25
De posse das informações se procura comparar o impacto das atividades
econômicas agropecuárias e florestais. Tendo como medida o cruzamento entre
custo físico na natureza e valorização monetária e penosidade do trabalho versus
renda familiar dos produtores do Projeto de Assentamento Extrativista “Cachoeira”
em relação ao do Projeto de Assentamento Dirigido “Humaitá” que tem como
finalidade a produção agropecuária.
Tomando-se como referencia esses dois projetos da reforma agrária
executados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) “Cachoeira” e Projeto de
Assentamento Dirigido (PAD) “Humaitá”; procura-se encontrar caminhos diferentes
para o desenvolvimento rural do Acre. Ambos têm cobertura florestal parecida e
começaram como assentados de origem local, porém, com objetivos de uso
econômico do Meio Ambiente Natural diferente.
O objeto de estudo desta dissertação é o processo de desenvolvimento
com liberdade definido territorialmente nos limites do Projeto de Assentamento
Extrativista (PAE) “Cachoeira”, município de Xapuri, com forte participação de
atores sociais (seringueiros) que participam de três momentos importantes da
historia acreana: primeiro com a Revolução Acreana, de 06 de agosto de 1902;
segundo com a defesa da floresta e de seu próprio modo de vida na década de
1970 e; terceiro a luta pela industrialização dos frutos da floresta, a partir do inicio
da década de 1990.
As conquistas em cada um desses momentos são: a) a abertura para o
cultivo de culturas agrícolas; b) a criação das reservas extrativista e projetos de
assentamentos extrativistas e; c) a industrialização dos frutos da floresta.
O ponto central do estudo é a lógica da Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE), considerando o seringueiro como um ator econômico, num
contexto econômico e ecológico que se relaciona com o Meio Ambiente Natural e
o Meio Ambiente Social dentro de uma lógica econômica de tipo camponesa.
No campo econômico se considera que o aumento de preços e maior
diversificação da colheita dos frutos oriundos do Meio Ambiente Natural (castanha,
borracha e madeira), atingem diretamente a penosidade da força de trabalho
familiar e o custo físico da natureza. Considerando que a elevação dos preço
desses produtos têm origem no incipiente processo de industrialização local e na
26
política publica de incentivo ao fortalecimento das atividades desenvolvidas pelo
seringueiro no Meio Ambiente Natural (MAN).
O estudo realça a transversalidade da política como espaço de
mediação de interesses antagônicos que predominam na vida social acreana em
dois momentos importantes como foi: em 1902, com a unificação de seringueiros e
seringalistas na luta pela conquista do território acreano; depois na década de
1970, contra os “paulistas” quando novamente os seringueiros buscam aliados
para lutar pelo território onde vivem. Como bem coloca Allegretti (2002), ao
mesclar a luta pela permanência na floresta e a questão ambiental, o seringueiro
organizado politicamente se movimenta e transforma um problema local em
questão de Estado e tema internacional. Alcançado por meio de uma estratégia
política de construção de alianças entre grupos sociais diferentes.
Embora a pesquisa seja centrada na fase da industrialização iniciado na
década de 1990, entende-se que para a compreensão dos fatores que
influenciaram todo o processo de formação social e ambiental é necessário
reconstituir um pouco da contribuição histórica do seringueiro em defesa da
floresta e pela liberdade. Daí a importância da formação da família seringueira e
suas relações de produção camponesa; fazendo sempre um paralelo com os dois
momentos de ocupação econômica da região acreana de tipo capitalista (borracha
e agropecuária) que deixaram suas marcas na organização econômica familiar do
seringueiro. Essa reconstituição histórica da realidade social acreana toma por
base o que, Tello (2005, p. 12) diz:
La historia no es el único campo donde puede desarrollarse un diálogo entre teoría y experiencia, pero cuando adoptamos una perspectiva evolutiva nos vemos sistemáticamente incitados a pensar históricamente la realidad social. Por eso la historia constituye un banco de pruebas donde buscar puntos de apoyo para no repetirla.
1.3 Por quê “Madrugadores da Floresta”?
São três os períodos da história do Acre, iniciados no território de Xapuri
em que o seringueiro participa na acepção da Teoria da Mobilização Política como
27
“Madrugadores da Floresta8” contribuindo na abertura de janelas de oportunidades
políticas para formação da sociedade que vive e cuida dos ativos florestais com
características diferentes daquelas adotados pelos chamados processos
modernos de produção capitalista.
No primeiro período como soldado do exercito revolucionário da luta
iniciada em 06 de agosto de 1902, resultando na anexação do território do Acre ao
Brasil, impedindo o arrendamento dessas terras, sob domínio da Bolívia para o
consórcio internacional chamado de “Bolivian Syndicate”. Essa crise no sistema
social do “barracão”9, sob comando do capital mercantil, possibilita a abertura da
primeira “janela de oportunidade” no caminho da diversificação, associando o
cultivo de culturas agrícolas com a colheita de borracha e castanha.
O segundo período inicia na década de 1970 e novamente o seringueiro
se comporta como “madrugador”, quando levanta a bandeira em defesa da
floresta, através dos “empate”10 diferenciando-se nesse aspecto de outros
movimentos camponeses que buscam em grande parte a apropriação da terra
com objetivo puramente produtivista.
As conquistas desse período são duas: a) as Reservas Extrativistas
(RESEX)11 e Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAE); b) Formação de
alianças de caráter sócio-ambiental com a Confederação dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), a igreja católica, com o movimento ambientalista nacional
e internacional, assim como aquelas de caráter local, o movimento estudantil,
intelectuais, jornalistas e os partidos de esquerda, que ao assumir o comando do
governo, incorporam como mais uma alternativa para o desenvolvimento sócio-
econômico do Estado do Acre, a economia camponesa seringueira e seus ativos
florestais.
8 Lo que resulta mas distintivo de estos períodos no es que sociedades enteras “se alcen” en la misma dirección a la vez (rara vez lo hacen) o que determinados grupos de población actuan del mismo modo repetidamente, sino que el efecto expansivo de la acción colectiva de un pequeño grupo de “madrugadores” desencadena una variedad de procesos de difusión, extensión, imitación y reacción entre grupos normalmente aquiescentes (TARROW, 1994).
9 O “barracão” era a unidade de comercialização, constituído por relações sociais comandada por um patrão que fornecia os bens necessários à produção e à subsistência do seringueiro e, exercia o monopólio sobre o acesso aos recursos e ao mercado (ALLEGRETTI, 2003). 10 Empate era uma manifestação pacifica pelo qual os seringueiros tentavam evitar as derrubadas, uma vez que dependiam dos ativos florestais para sua sobrevivência, especialmente da seringa e castanha. 11 As reservas extrativistas são áreas de conservação sob domínio do Instituto de Brasileiro de Meio Ambiente que faz a concessão de uso para seringueiros moradores de colocações situadas nos seus limites. Recentemente foram incluídos nos programas nacionais de reforma agrária.
28
O terceiro período acontece no final da década de 1990, fruto do
desencadeamento da fase anterior, culmina com a materialização do discurso do
líder “madrugador” do movimento dos seringueiros “Chico Mendes”, e a
importância dada por ele para a idéia de industrializar os ativos florestais e a
necessidade de se ter instituições democrática que contemplassem os interesses
do “povo seringueiro”.
A conquista desse período para o território de Xapuri se materializa nos
investimentos no setor industrial com a implantação de um pequeno pólo
moveleiro, uma escola moveleira chamada “Carlos Castiglionnes”, fábrica de piso
de madeira, de castanha e de preservativo. Esses investimentos contaram na fase
inicial com a participação direta da Fundação de Tecnologia do Acre (FUNTAC) e
do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) (entidade criada no interior do
movimento dos seringueiros) e Organizações Não Governamentais com destaque
para a Fundação Ford, Missereour da Holanda, Fundação Interamericana, Cultural
Survival, Fundo Mundial para a Vida Silvestre (WWF) e outras. Na segunda
metade da década de 1990, os governos municipal, estadual e federal, dão passos
importantes na materialização de tais investimentos, através de aportes financeiros
e técnicos bastantes significativos.
Porém, o grande avanço acontece no interior da floresta, com a
compreensão de que, a construção do plano de manejo madeireiro comunitário,
não se limita ao levantamento físico das espécies madeireiras extraídas12, através
de processos com características exógenas à forma como o seringueiro lida com a
floresta, por não desenvolver e nem envolver as energias e o saber tradicional
existentes no interior da unidade econômica familiar extrativista e suas instituições
de representação política.
O avanço consistiu em organizar o conhecimento e tradição de unidade
autônoma, que tem na organização social da colheita dos ativos florestais formas
especificas de diminuição do custo físico da natureza (desmatamento), da
12 Pelas fases do manejo tradicional que não considera o ser humano (seringueiro) como um ator social importante na definição de critérios que representem a realidade viva da vida na floresta. Fases do manejo tradicional: inventário florestal, plano de manejo, extração, arraste, comercialização e certificação.
29
penosidade da força de trabalho familiar e de geração de renda e emprego na
“colocação”13.
Na verdade os seringueiros madrugam na conquista do território
acreano, na defesa da floresta no decênio de 1970 e na conquista das reservas,
projeto extrativista e no processo social de industrialização local dos ativos
florestais. Congregando os meios de produção - força de trabalho familiar e
natureza - numa unidade produtiva que assegura as necessidades vitais da família
seringueira. Esses elementos são constitutivos da permanência do seringueiro
como ator social e econômico que resiste como elemento de contradição do
desenvolvimento capitalista regional (BECKER, 2003).
O caráter “madrugador” do extrativista acreano tem muito do espírito
revolucionário do movimento camponês Latino Americano que Quijano (1988),
destaca em suas analises sociológicas sobre a reação da população rural, quando
excluída, aos processos de modernização da agricultura capitalista. Uma diferença
percebida, na reação sócio-ambiental liderada pelos seringueiros acreanos, tendo
no caráter amplo das alianças políticas formadas, para defender a “floresta”,
transformando uma disputa localizada em pauta de debate internacional e nema
questão de Estado (ALLEGRETTI, 2003).
A novidade mesmo foi resistir ao processo de incorporação da região
acreana ao capital originário do centro-sul do país, no decênio de 1970, de forma
pacífica, primando pelo diálogo, superando o uso da violência, comum nas áreas
de fronteira agropecuária do Brasil. Os empates representaram grande avanço,
como espaço de mediação política, tão necessária para superar as contradições
que afloram nos processos de desenvolvimento regional, que não incorporam
racionalidades situadas fora do componente econômico (BECKER, 2003).
1.4 “Regla del Notário” de Manuel Naredo
Ao tratar a questão do desenvolvimento não apenas fazendo a relação
entre produção, consumo, preços, renda e outros elementos constitutivos da idéia
usual de sistema econômico, sem que exista uma teoria que faça a ligação com o
13 É uma unidade produtiva organizada pela família seringueira com tamanho médio de 300 hectares.
30
mundo físico e social, parecendo que sempre se deve tratar dos mesmos
fenômenos em todo tempo e lugar. A “Regla del Notário“, procura relacionar
formalmente a realidade física com a valoração monetária no decorrer do processo
econômico chamado de produção, analisando mecanismos que indicam, tanto
processos concretos como o comercio nacional ou internacional, a valorização das
tarefas industriais e comerciais, frente ao abastecimento de produtos primários, e a
extração frente à colheita renovável (NAREDO e VALERO, 1999).
O que se constata nos chamados processos de produção é uma
assimetria entre a revalorização monetária e custo físico e que ela se acentua na
medida em que os processos avançam até a comercialização final do produto. Se
a essa regra do comportamento econômico, se acrescenta a especialização
comercial, possibilitada pelo barateamento do transporte e dos meios de
comunicação a longas distancias, o que resulta logicamente é a dominação
econômica e a exploração ecológica de lugares, regiões, paises e populações
abastecedoras de matérias primas, por aquelas que se ocupam das etapas finais
de elaboração e comercialização dos produtos (NAREDO e VALERO, 1999).
O processo geral de valorização e faturamento de custos começa
quando se inicia com a atividade de colheita dos ativos florestais a preço zero,
para colocar a venda um produto primário. Essa atividade deve começar faturando
um preço que compense folgadamente os custos unitários de colheita,
armazenamento e transporte; o que ocorre quando não acontece essa
contabilidade, se inicia uma crescente assimetria entre valorização monetária e
custo físico da natureza ao longo do processo de venda do produto final.
Esse custo físico (não faturado) é representado num gráfico (que
recolhe no eixo das ordenadas o custo físico e no das abscissas o valor unitário:
(gráfico 1) como ordenada na origem das curvas que descrevem a revalorização
monetária e o custo físico nos processos de produção e comercialização
desenvolvidos a partir dos ativos florestais. A taxa crescente de revalorização por
unidade de custo físico que se observa geralmente nos processos, faz que essas
curvas mostrem concavidade em relação ao eixo das abscissas. Esse tipo de
funções que relacionam o custo físico com a valorização monetária ao longo do
processo econômico chamado de produção é batizado como a “Regla Del Notário”
(NAREDO e VALERO, 1999).
31
Gráfico 1 - Relação custo físico da natureza X Valoração monetária (NAREDO e VALERO, 1999)
Valorização Monetária
Custo físico
K0
Pobres
Ricos
32
Gráfico 2 - Relação Penosidade do trabalho X Renda (NAREDO e VALERO, 1999)
Cabe precisar que a assimetria entre valorização monetária e custo
físico que recolhe a “Regla Del Notário” deriva de dois tipos de assimetria: primeiro
advêm dos postulados da termodinâmica e da economia e outro é fruto das
condições ideológicas e institucionais. Na primeira, para que o processo de
produção seja economicamente viável, a revalorização unitária que se opera entre
os preços dos recursos e o do produto, deve superar o custo físico por unidade de
produto, porém, não diz se tal revalorização deve ser crescente ou decrescente ao
longo de tal processo.
A segunda indica a tendência marginalmente crescente dessa
valorização por unidade de custo físico. Como reflexo dessa hierarquia valorativa
dos chamados processos de produção, em relação com seu custo físico, se
observa uma hierarquia na valorização do trabalho humano, em sentido inverso
com a penosidade do mesmo: representando a penosidade no eixo das ordenadas
e a retribuição no eixo das abscissas, obtemos uma curva convexa em relação ao
eixo das coordenadas que denota que há maior penosidade menor retribuição e
vice-versa (Gráfico 2) (NAREDO e VALERO, 1999).
O que a “Regla Del Notário” orienta é a valorização antes mencionada
beneficiando regiões, países, empresas e pessoas que se ocupam das fases finais
de gestão e comercialização, fazendo com que a crescente especialização
Ricos
Renda
W0
Penosidadedo trabalho
Pobres
33
internacional acentue o desequilíbrio entre “cidade-campo” ou “ricos e pobre” em
todos os níveis.
O anterior evidencia que o “desenvolvimento” é um bem “posicional”, por
conseguir se localizar em países, cidades, nas empresas e segmentos de maior
valorização por unidade de custo físico da “curva del notário”, reforçando a posição
dominante do financeiro. Sem deixar de considerar, as fases em que estão
apoiadas as atividades prévias de colheita e elaboração primária realizadas por
outros. Isso ajuda a explicar o fiasco que tem levado a uma ingênua equiparação
entre a industrialização com o desenvolvimento: Os países e regiões ricas de hoje
em dia, o são porque avançam nos segmentos mais altos da curva mencionada,
exportando a outros territórios as primeiras fases da transformação industrial com
elevados custos físicos e, portanto, exigentes em energia e contaminação,
enquanto se concentram nas “altas tarefas” de comercialização, inovação e gestão
que junto com o manejo das finanças, lhes permitem gozar de uma sólida situação
financeira (NAREDO, 1999).
Tanto (NAREDO, 1999; DALY, 2007) colocam que o problema da
riqueza física e social é a carência de atração “virtudes” dos juros compostos, que
axiomáticamente acompanham a riqueza financeira, constituída pelo crescimento
exponencial característico do mundo financeiro. Disso se diferencia a maximização
do beneficio anual da economia camponesa do seringueiro, pautado em
necessidades humanas, da maximização do valor atual descontado custos e
benefícios futuros, da economia empresarial que tem como objetivo o lucro.
1.5 A Racionalidade Ecológica
Para melhor compreender o processo produtivo das sociedades rurais como
a comunidade dos seringueiros, que vivem da colheita dos frutos da floresta, torna-
se importante descrever os fluxos de matéria, trabalho, mercadorias e informação,
detalhando as formas em que esses fluxos têm lugar, se integram e trabalham
juntos, dentro da realidade concreta onde eles acontecem.
Então, como aproximar a realidade operacional da produção rural do
seringueiro, dentro de um processo ecológico orientado? Para isso, recorre-se a
uma tipologia do processo produtivo sugerido por Godelier apud Toledo, (1993).
34
Figura 1 - O duplo intercâmbio feito por uma Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE). (N) representa a natureza e (S) a sociedade.
Fonte: Elaboração própria baseada em Toledo (1993).
Num primeiro momento a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE),
realiza intercâmbio de matéria e energia com a natureza para depois fazer com
outros setores internos ao organismo social. Nessa situação, o processo produtivo
rural do seringueiro, organizado pela (UEFE). Passa a ser analisado em termos de
um intercâmbio ecológico e intercâmbios econômicos (TOLEDO, 1993).
Por outro lado, é necessário reconhecer que na natureza a unidade de
gestão apropriada é o ecossistema e não o produto, caracterizando-se que
durante a produção, a (UEFE) deliberadamente canaliza recursos materiais e ou
energéticos para fora do ecossistema em direção ao organismo social, para
atender necessidades da família e da unidade produtiva (ALCÁNTARA, 1994;
TOLEDO, 1993).
Toledo (1993), ainda, faz a distinção de dois níveis de intervenção humana
nos ecossistemas: No primeiro nível, os ativos florestais são obtidos e
35
transformados sem provocar mudanças substanciais na estrutura, dinâmica e
arquitetura dos ecossistemas naturais. Nesse primeiro nível se incluí muitos
exemplos conhecidos de caça, coleta de castanha, corte de seringa, manejo
florestal comunitário, pesca, retirada de mel de abelha, coleta de sementes, coleta
de outros frutos como o açaí, patoá, plantas medicinais e ecoturismo.
No segundo nível, os ecossistemas naturais são parcialmente substituídos
ou completamente substituídos por culturas homogeinizadoras como as
plantações agrícolas ou florestais e a agropecuária.
Ainda, Toledo (1993), destaca diferenças entre os ecossistemas naturais e
aqueles transformados pelo homem, onde o primeiro tem capacidade de se
regenerar naturalmente, enquanto que o segundo se transforma em ecossistema
instável, em que vai sempre demandar energia externa para manter sua auto-
sustentação (seja energia humana, animal ou fóssil).
36
Figura 2 - Esquema dos intercâmbios de materiais realizados por uma Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) numa paisagem florestal concreta.
Fonte: Elaboração própria baseada em (TOLEDO, 1993)
Nota: (1) área de plantação. (2) área de pastagem. (3) casa. (4) floresta
secundária. (5) Rio. (6) Floresta primaria. Meio Ambiente Natural (MAN). Meio
Ambiente Transformado (MAT). Energia com origem no trabalho humano (eh).
Sucessão ecológica (s). Intercâmbio ecológico (F1 e F2). Intercâmbio econômico
(F3).
No modelo proposto por Toledo (1993), a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) realiza o intercâmbio de maneira tridimensional. Sendo esses
intercâmbios, realizado com entidades concretas, que tem lugares particulares
bem definidos no espaço. A (UEFE) atua em três terrenos: 1) O Meio Ambiente
Natural (MAN) incluí o conjunto de ecossistemas naturais e suas etapas
sucessivas que existem no território da (UEFE); 2) O Meio Ambiente Transformado
(MAT), representado pelo conjunto de ecossistemas artificiais ou agros-
37
ecossistemas; 3) O Meio Ambiente Social (MAS), definido como o espaço social
onde a (UEFE) realiza o intercâmbio econômico (ver figura 2). Enquanto (MAN) e
(MAT) têm localização bem definida no território. (MAS), somente é definido
quando se faz relação entre a (UEFE) e outras unidades locais de produção e os
mercados regionais, nacionais e internacionais.
Depois de definido a (UEFE), (MAS), (MAN) e (MAT) usa-se o conceito de
força de trabalho, definido como os meios materiais e intelectuais usados pelos
membros da (UEFE) para colher os frutos da natureza, que serão transformados
em produtos semi-elaborados ou acabados pela indústria local. É como a (UEFE)
atua sobre os dois ecossistemas (MAN e MAT) e em parte com (MAS).
Os dois fluxos de materiais utilizados pela (UEFE) vindos da natureza são:
O primeiro vem dos ecossistemas naturais (F1) e o segundo dos ecossistemas
transformados (F2). Os materiais desses dois fluxos podem ser utilizados pela
(UEFE) de duas maneiras, para autoconsumo (F1a e F2a) e realizando
intercâmbio com (MAS), (F1b e F2b).
No primeiro caso, a (UEFE) gera valores de troca (mercadorias),
diferentemente do modelo proposto por Toledo onde (F1 é gerador de valor de
uso), os materiais (ativos florestais) são agora coletados pelos seringueiros, depois
beneficiados pela indústria local que tem como base principal de abastecimento o
território (colocações) dos seringueiros.
No segundo caso, a (UEFE) está produzindo valores de uso para
autoconsumo, aproveitando as áreas transformadas para o cultivo e depois os
campos para fazer a pequena criação de gado bovino. Finalmente, a (UEFE)
consome bens produzidos por (MAS) (F3), e paralelamente realiza a oferta dos
ativos demandados pela indústria local e ao mesmo tempo oferece serviço de
hotelaria, pequeno artesanato, produtos fitoterápicos e serviços de assistência
técnica florestal, (F4).
1.5.1 É um fenômeno social-histórico
O esquema conceitual representado abaixo identifica no espaço e no tempo
as variáveis explicativas e os principais processos que devem ser medidos e
analisados para caracterizar adequadamente a produção rural extrativista, e
38
reconhece o caráter dual (ecológico e econômico). É bom saber, que o modelo é
apenas uma representação abstrata sincrônica e histórica do processo de
produção rural do seringueiro Acreano (TOLEDO, 1993).
Figura 3 - Representação teórica dos intercâmbios ecológico-econômicos realizados pela Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) em quatro momentos sociais e históricos diferentes, da complexa economia seringueira no Estado do Acre.
Fonte: Elaboração própria baseada em Toledo, (1993)
Nota: Unidade Extrativista (UE); Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE);
Meio Ambiente Natural (MAN); Meio Ambiente Transformado (MAT); Meio
Ambiente Social (MAS).
Em termos dinâmicos, o modelo permite observar formas específicas que a
produção extrativista foi adotando e revelando ao mesmo tempo o caráter histórico
do processo. Na figura 3a, a organização social estava exclusivamente voltada
39
para a produção de valores de troca submetido ao regime empresarial
(monocultura da borracha) e havia um intercâmbio ecológico entre a Unidade
Extrativista (UE) (seringueiro sem família) e o Meio Ambiente Natural (MAN) que
pode ser considerado de baixo impacto ambiental, porém, sua relação com o Meio
Ambiente Social (MAS) limitava qualquer outra ocupação da força de trabalho que
não fosse a produção de borracha.
Na crise da organização social do regime empresarial seringalista voltado
exclusivamente para a produção de valores de troca, começa a se formar a
Unidade Econômica Familiar Extrativista (figura 3b) que combina a produção de
valores de troca com valores de uso intensificando seu intercambio ecológico,
dividindo a força de trabalho familiar entre Meio Ambiente Natural (MAN) e o Meio
Ambiente Transformado (MAT) e tendo que fazer uma relação direta com o Meio
Ambiente Social (MAS).
Nos tipos (a) e (b) da figura 3, o seringueiro participa como uma espécie
dentro do ecossistema natural e o processo produtivo daquele tipo de “economia
natural” pode se considerar ecologicamente sustentado, quando se observa
apenas o aspecto local, do sistema econômico capitalista ao qual estava vinculado
o produto borracha.
Na figura 3c o processo é induzido através política publica em substituição
as duas anteriores, aparecem empresas agropecuárias especializadas em
processos produtivos intensivos em Meio ambiente Transformado (MAT), com
engrenagens totalmente voltadas para o mercado e os intercâmbios ecológicos
são subordinados pela dinâmica econômica da agropecuária comercial.
Finalmente a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) aparece
como uma organização social que pode se especializar em processos produtivos
intensivos em Meio Ambiente Natural (MAN), diminuindo a dependência dos
produtos de Meio ambiente Transformado (MAT) comercializados para atender as
necessidades da família e dos investimentos domésticos adquiridos no mercado.
Essa produção de mercadorias oriundas de (MAN) pela (UEFE), nunca deixou de
acontecer, nem mesmo no cenário da (figura 3b). Na verdade para Toledo (1993),
na economia camponesa:
40
[...] la producción para el sustento no excluye producir un excedente; el enigma de la producción para el uso no es si se produce un excedente sino por qué el excedente que se produce no se acumula y transforma el sistema.
Resumindo a pesar dos seringueiros realizarem intercâmbios ecológicos e
econômicos, a manutenção e reprodução da unidade produtiva e da família é mais
dependente no caso do (PAE) Cachoeira dos produtos de Meio Ambiente Natural
e das relações mantidas com Meio Ambiente Social, deixando as atividades
desenvolvidas no Meio Ambiente Transformado com pouca importância como
estratégia de produção figura 3d. Em ultima instancia a economia camponesa
extrativista pode ser considerada uma iniciativa de desenvolvimento, que
consegue integrar processos econômicos com os ecológicos e as necessidades
comunitárias (GUIMARÃES, 2001).
Ao reconhecer o caráter dual da combinação ecológica e econômica, e
considerando que a economia camponesa é em ultima analises, uma forma
particular de produção rural. O sucesso recente e futuro dessa articulação
dependem das políticas publicas de fortalecimento de um processo de
industrialização local, que possa articular a lógica de organização camponesa do
seringueiro com os segmentos comerciais, industriais e de serviços.
1.5.2 O uso múltiplo da floresta
A produção extrativista do seringueiro está baseada em intercâmbios
ecológicos como também econômicos e políticos, mesmo tendo uma forte
dependência para sua própria sobrevivência da garantia de fluxos ininterruptos de
bens, matéria e energia vindos do Meio Ambiente Natural (MAN), e menos, nessa
fase de industrialização local do meio Ambiente Natural Transformado (MAT). Os
incentivos de políticas públicas locais, para indústrias que acompanham a
estratégia de uso múltiplo da produção extrativista do seringueiro foram decisivos,
na diminuição da dependência de (MAT), permitindo que o uso múltiplo da floresta
41
se estenda desde as atividades produtivas do seringueiro até o complexo industrial
que agrega valor em Xapuri.
Portanto, a estratégia de uso múltiplo começa a se estender desde a
unidade Econômica Familiar Extrativista até as unidades industriais e na
construção das políticas públicas locais. Havendo aqui uma diferença na forma de
conduzir as unidades de produção, enquanto o seringueiro adota uma estratégia
para atender as necessidades da família e da unidade de produção; as indústrias
objetivam alcançar uma taxa de lucro, remunerando, todavia, os fatores
econômicos envolvidos. Sem deixar de considerar, que o processo de implantação
das áreas de conservação de uso múltiplo e de industrialização nascem no seio da
luta política dos madrugadores da floresta e no conjunto de alianças políticas de
caráter sócio-ambiental que ultrapassam os limites territoriais locais.
O seringueiro do (PAE) Cachoeira não deixou de depender dos
componentes bióticos14 e não-bioticos15 do ecossistema natural para satisfazer
suas necessidades básicas. Na produção do ecossistema natural voltada para o
autoconsumo, composta pela (pequena produção agrícola, criação de gado bovino
e pequenos animais) somado com a participação da (caça, pesca, mel de abelha e
outros). Com relação ao intercâmbio econômico que acontece com o meio
ambiente social (MAS) se dá em três situações: a primeira acontece na aquisição
de bens manufaturados e aquisição de insumos para uso no processo produtivo; a
segunda no fornecimento de frutos (matéria-prima) para as indústrias, ao mesmo
tempo, há uma oferta de serviços técnicos e de ecoturismo.
A terceira situação de caráter sócio-ambiental acontece na esfera política:
via movimento sindical, partidário e de articulação com o movimento ambientalista
fortalecendo as bases de sustentação da luta por liberdade e de cidadania,
chamada no programa de desenvolvimento do governo estadual depois de 1999,
14 É composta pelos animais, as plantas e os micróbios. 15 É composta pela matéria orgânica e subprodutos das atividades orgânicas e dos processos em decomposição, além dos elementos inorgânicos, como a água, o oxigênio, os carbonatos, os fosfatos e, finalmente, uma serie de fatores físicos e incremento, tais como a radiação solar, a temperatura, a unidade, os ventos, etc, (BIFANI, 1999).
42
de “florestania”16, que representa a extensão dos bens sociais, econômicos e de
preservação da cultura dos povos da floresta, que lutam por novos olhares na
condução do processo de desenvolvimento regional.
A realidade física e social que nasce dos três intercâmbios colocados
acima, influencia no destino da paisagem natural rural e urbana, de tal forma que
mantêm as características sócio-ambientais: heterogeneidade ambiental,
diversidade biológica e permanência do seringueiro madrugador em sua
“colocação”. Sendo que a estratégia de uso múltiplo ultrapassou os limites
geográficos da floresta, de servir apenas de alternativa para reduzir riscos, dos
seringueiros dependerem apenas da borracha como único produto para se
relacionar com o Meio Ambiente Social (MAS).
Agora o uso múltiplo da floresta faz parte de um conjunto de atividades
econômicas industriais, localizada na cidade, realizadas por unidades industriais,
produzindo individualmente, demandando serviços de logísticas, tanto no interior
da floresta (estradas, ramais, armazéns, centros de coletas de leite, áreas de
secagem) fundamental, também, para a elevação da qualidade de vida do
seringueiro; quanto no espaço urbano através da logística de laboratórios, mão-de-
obra especializada, serviço de comunicação, bancário e outros.
1.5.3 O Sistema Cognitivo do Seringueiro
Depois de um século de vivência direta no interior da floresta, o seringueiro
como produtor extrativista do regime econômico da borracha, acumulou um
conhecimento do lugar onde decidiu viver a “colocação”, gerado através da
interação natureza-seringueiro que, antes de tudo é uma interação recíproca entre
duas entidades, que isoladas da sua dialética carecem de sentido. Essa
construção histórica de adaptação da natureza às suas necessidades, lhe permitiu
fazer uma correta apropriação dos sistemas ecológicos durante o processo de
produção. Como coloca Toledo (1993):
16 É o processo sócio-ambiental de conquista de bens e direitos para populações que vivem, produzem e conservam sua cultura, a natureza e novo estilo de desenvolvimento.
43
[…] este conocimiento tiene un valor sustancial para clarificar las formas en que los campesinos perciben, conciben y conceptualizan los ecosistemas de los que ellos dependen para vivir.
Este conhecimento da floresta se torna um componente decisivo na
implantação de uma política de desenvolvimento baseado no uso múltiplo e
conhecimento refinado que o seringueiro detém do Meio Ambiente Natural. São
exceções os estudos sobre esse conhecimento camponês da natureza,
geralmente baseados em uma aproximação onde:
[…] el fenómeno cognitivo campesino aparece separado de sus propósito práticos; en otras palavras, el intrincado sistema formado por corpus y práxis está separado artificialmente, y b) el cuerpo es solo parcialmente estudiado, de tal manera que el investigador solo estudia ‘fracciones’ (plantas, animales, suelos, etc.) o ‘dimensiones’ (sistemas clasificatórios, elementos unitários y otros) del sistema completo, (TOLEDO, 1993, p. 211).
E continua, “es difícil alcanzar una comprensión coherente y completa de
estos sistemas cognitivos separándolos de las actividades y comportamientos
diarios, concretos y prácticos, de los productores campesinos”, (BARAHOMA apud
TOLEDO, 1993, p. 212).
A “colocação” tornou-se a unidade de gestão, na área de conservação
(PAE) Cachoeira, é o lugar onde o seringueiro manipula o Meio Ambiente Natural,
de forma individual e coletiva, através do conhecimento da flora, fauna e
topográfia. Para tanto, nesse particular, passou a ser fundamental endogeneizar
fontes de desenvolvimento como o sistema cognitivo camponês, usado
permanentemente pelo seringueiro durante a gestão do ecossistema natural,
jogando um papel importante para a racionalidade ecológica da produção
extrativista.
44
1.5.4 O Saber Sofisticado da Natureza
A antropóloga Marchese (2005), ao descrever o conhecimento que o
madrugador do (PAE) Cachoeira, colocação Alto Duro, detinha sobre cada árvore,
suas propriedades, como usava suas folhas, qual o período de corte da madeira
para não dar bicho e apodrecer, a mesma coisa fazia com o cipó, as cascas e para
quase todo o resto da vegetação. Esse domínio sobre a realidade física da
natureza do lugar em que vive e a relação que faz com os órgãos do corpo
humano para localizar espacialmente as estradas de seringa (pernas, mangas,
seio, boca, coração), são formas encontradas pelo seringueiro para ter uma
compreensão legível do território onde habita e trabalha.
Assim, também, foi organizado o plano de manejo comunitário, se levou
em consideração à estrutura familiar de cada espécie madeireira (mãe, filhas e
netas), numa relação explicita com a organização social da família humana.
Uma estrada de seringa, um pique de castanha, um talhão de colheita de
madeira, o pique para as arvores de caça (a caxinguba, a baijinha, o mururé e
outras arvores) todos esses elementos estão relacionadas com a casa. A
“referencia é a casa” local que certamente encontrará estabilidade, descanso e
abrigo. Daí a conclusão colocada por Marchese (2005), em que a família
seringueira, tem na casa o centro que dá significado àquele espaço Esse conjunto
de fatores, são partes do sistema produtivo da Unidade Econômica Familiar
Extrativista, no interior da floresta. Na medida que aumenta o número de produtos
demandado pelo mercado, maior se torna à rede de “sendas” e de lugares
visitados pelo seringueiro no interior da “colocação”. Essa diversificação da UEFE
ajuda a aumentar os cuidados e conhecimento do seringueiro sobre seu entorno
natural.
Há uma vasta literatura que tem tratado o camponês caracteristicamente
avesso a riscos e que suas decisões são tomadas objetivando a estabilidade, em
muitos casos até na manutenção da própria penosidade do trabalho. Essa
estabilidade é muito tênue da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE).
Assim como, o equilíbrio da floresta tropical, ambos tem na diversidade, base
fundamental de sustentação (TILMAN apud KIUCHI; SHIREMAN 2002).
45
Na (UEFE) a estabilidade está associada a um padrão reprodutivo – da
família e da unidade de produção – e que requer em ultima instancia de dois tipos
de diversidade: diversidade de produtos e diversidade de usos, com as mais
amplas opções de mercados desses produtos. A diversidade de produtos
amortece impactos – derivados de irregularidades da natureza, do mercado ou da
política econômica – ocorrida em cada um deles - permitindo dinâmicas
compensatórias inter-produto, que resultam na elevação da estabilidade do
padrão.
A diversidade tem a ver com a capacidade dos produtos de alternar-se,
sem prejuízos significativos, entre o mercado e o autoconsumo, a isso os
antropólogos chamam de “alternatividade”. Outro ponto, importante é a capacidade
que tem cada produto de penetrar em diversos mercados, de circular em diversos
circuitos. Em ambos os casos, é a diversificação que oferece uma amplitude de
possibilidades, ampliando-se ainda mais a base da estabilidade (GARCIA, 1983).
1.5.5 A Produção Extrativista e o Processo de Industrialização Local
A introdução das atividades agropecuárias, na década de 1970, a região
de Xapuri acompanhava os enfoques de desenvolvimento linear, vinculado ao
pensamento econômico liberal que sustentava teoricamente a modernização
agrária, aplicada no restante das regiões brasileiras. Para Toledo (1993), durante o
período de modernização, os recursos naturais e as comunidades camponesas
tendem a ser destruídas e substituídas por formas,
[…] modernas de producción, basadas en costes ecológicos, en especialización espacial, productiva y humana, y una producción exclusivamente orientada al mercado (TOLEDO,1993, p. 15).
A resistência social e ambiental formada em Xapuri, em torno da luta
sindical, vai se contrapor ao discurso hegemônico de introdução da produção
agropecuária; trazendo como alternativa um desenvolvimento rural que fortalece
os elementos de resistência local, conserva a natureza, sem transformar as
unidades de produção familiar em unidades especializadas e assalariadas, ao
mesmo tempo, que cria as condições para estruturar um processo de
46
industrialização local que aposta mais na heterogeneidade do que na
homogeneização (MOREIRA; CARMO, 2004; TOLEDO, 1993).
Por outro lado, o simples fato de reconhecer a existência de uma
racionalidade ecológica na produção seringueira, não é suficiente para garantir a
manutenção do Meio Ambiente Natural. Torna-se necessário reconhecer a
importância da mobilização política de caráter social e ambiental que resulta na
criação dos projetos de assentamento extrativistas e reservas extrativistas. Áreas
que pela sua dimensão começam cumprindo um papel importante, não apenas
como alternativa para a diminuição dos conflitos fundiários, predominantes na
década de 1970, mas, formando paredões de resistência naturais e sociais que
dificultaram a expansão do Meio Ambiente Transformado.
Assim como a garantia das áreas de conservação (PAE´s e RESEX´s) a
organização política do seringueiro em associações, cooperativas e organizações
não governamentais não foi suficiente para sustentar a crescente demanda por
bens e serviços oriunda da população seringueira, por isso, urge a necessidade de
uma política sócio-econômica de desenvolvimento local. Os primeiros passos são
dados, pelas organizações comunitárias dos seringueiros, através do “Projeto
Seringueiro”17 ocupando a lacuna deixada, pela ausência de políticas publicas de
apoio ao “povo seringueiro”.
Através da organização social e da disputa política no Meio Ambiente
Social, começa o processo de industrialização de ativos florestais locais, trazendo
uma melhora no nível de preços e garantia de mercado, dando inicio a uma lenta
mudança no comportamento do sistema de produção do seringueiro, passando a
ter na diversidade da natureza resultados econômicos melhores aos dos cultivos
das chamadas culturas anuais.
Sem, deixar de considerar, que a criação de pequenos animais como
(galinha, pato e porco) e de animais como o gado em pequena escala feito pela
17 O “projeto seringueiro” era constituído de um conjunto de ações básicas direcionadas para a área de educação, saúde e economia. Para coordenar essas ações foi criado o Centro dos Trabalhadores da Amazônia – CTA, formado por membros do movimento sindical e por técnicos que apoiavam o movimento dos seringueiros. O final do decênio de 1980, existiam 22 escolas e 15 postos de saúde funcionando no interior das áreas de Conservação existentes em Xapuri, a Cooperativa Agro-extrativista de Xapuri gerenciava a fabrica de castanha “Chico Mendes”
47
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), vai contribuir muito na
diminuição da caça de aves silvestres e pequenos animais como: papagaio,
tucano, juriti, perdizes como as nambus galinha, macucau e azul. Além, das cutias,
pacas, macacos, jabutis e outros, todos denominados pelo seringueiro de
“embiaras”18.
Essa mudança que começa a acontecer na produção econômica de caráter
floresto-industrial no município de Xapuri, fortalece a racionalidade ecológica
predominante no sistema de produção do seringueiro. A existência de uma
racionalidade ecológica mostra o significado e potencialidade da cultura
camponesa do seringueiro, normalmente considerado como arcaíco ou tradicional,
de pouca importância para a modernidade. No entanto, se contrapõe aos
paradigmas centrais da modernização rural, que tem como eixo central a produção
agropecuária de caráter capitalista.
Esse debate atualiza a importância da cultura e das diferentes
racionalidades, no funcionamento e mudanças das sociedades. Trata-se de
aproveitar as características próprias de um modo de apropriação da natureza
considerada tradicional, com sua historia, seus conhecimentos e sua cultura; e a
partir disso construir um modelo original de desenvolvimento, baseado numa
racionalidade ecológica por cima da econômica nem sempre incorporada dessa
forma na intervenção desenvolvimentista (PLAZA, 1991; GONÇALVES, 2006).
Nessa perspectiva, a racionalidade da produção camponesa do seringueiro
que tem uma troca permanente com o Meio Ambiente Natural e Social. Constitui
ponto de partida para um desenvolvimento alternativo ecologicamente relevante.
Neste caso, o desenvolvimento busca a sustentabilidade e atribui sua consecução
às estratégias localmente conduzidas (manejo, conservação da diversidade social
e ambiental, equidade, equilíbrio produtivo, estabilidade da paisagem florestal,
industrialização com justiça econômica, remuneração de serviços ambientais).
Disso se deduz que natureza e sociedade não apenas se deve analisar na
dimensão do espaço, mas também em função dos períodos históricos pelos que
18 Denominação dada aos pequenos animais silvestres, caçados pelos seringueiros com maior intensidade quando não tinham alternativas de consumo de animais domesticados.
48
se atravessou e pelas formas de organização social adotado em cada um deles,
(ver as figuras 4, 5, 6 e 7), destacadas na seção 1.7.1.
Finalmente, em fase da contribuição dos seringueiros para a conservação e
manutenção dos recursos ecológicos e biológicos, como os econômicos de
produção sustentada e políticos de disputa pelos espaços de poder local e de
projeção externa que foram largamente aproveitados, é urgente elaborar uma nova
concepção ligada com a vocação florestal da região, onde as contribuições
camponesas sejam inseridas. Sem deixar de considerar, que essa nova orientação
de modernização rural deve superar os mecanismos políticos e econômicos,
através dos quais o trabalho do camponês é permanentemente explorado por um
setor não produtivo, como se verifica nos processos econômicos representados
pela “Regla del Notário” de Naredo (1999), através de vários mecanismos de
extração de excedentes e por intermédio desses os camponeses tendem a se
converter num setor social e ambientalmente subordinado aos interesses do
mercado capitalista (TOLEDO, 1993).
1.6 A Racionalidade Econômica
De um modo geral, podemos dizer que somente na década de 1960, é
introduzida no debate latino-americano a superação das formulações de tipo
dualista de várias correntes de pensamento construídas em torno da dicotomia
tradicional-moderna ou daquelas desenvolvidas sobre feudalismo-capitalismo.
Com a descoberta dos escritos dos chamados “populistas russos” da década de
1920, em particular os escritos de Alexandre Chayanov e de sua escola de
organização da produção, surge uma nova forma de analise da economia
camponesa como uma forma de organização da produção com características sui
generis (SCHEJTMAN, 1980; ESCOBAR, 1996).
Nesse trabalho, se entende a economia camponesa como uma forma de
organização social da produção específica. As respostas sobre o que, como e
quando produzir, quem produz e qual o destino que tem a produção, definem uma
lógica e segue uma seqüência por um determinado objetivo, central para a
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE). Enquanto a produção
49
empresarial busca a maximização do lucro e a acumulação de capital; a
organização econômica de tipo camponesa tem como objetivo principal a
reprodução da família e da unidade produtiva (SCHEJTMAN, 1980; ESCOBAR,
1996).
1.6.1 No Contexto Capitalista
O (anexo 1) procura especificar as principais contradições entre as
racionalidades de reprodução social da economia camponesa e a chamada
produção empresarial. Para aproximar-nos mais do objeto de estudo, se procurará
fazer do trabalho de Luna (1988), base para entender as diferentes dinâmicas da
racionalidade econômica vindas da Unidade Econômica Familiar Extrativista
(UEFE), e da Unidade Agrária Capitalista (UAC).
É importante poder situar o produtor camponês dentro de um marco
teórico, para poder compreender a estratégia sócio-econômica estatal,
diferenciando a estrutura desses dois tipos de unidades econômicas. Para isso,
torna-se fundamental conhecer os parâmetros sociais e econômicos que
determinam o comportamento, da Unidade Econômica Familiar Extrativista como
grupo social articulado, porém, diferente, das unidades produtivas capitalistas.
1.6.2 A unidade agrária capitalista (UAC)
O esquema gráfico da atividade econômica desse tipo de unidade é
apresentado utilizando a relação abaixo:
D M D1 = D + g
50
Investimento
Monetário em:
máquinas, insumos e
salários
capital produtivo
Cujo valor monetário proporciona um Excedente gerado na
Produção e realizado
na comercialização.
O esquema acima mostra uma atividade eminentemente produtiva e dirigida
exclusivamente ao mercado. Sua racionalidade descansa na medição matemática
que avalia a relação existente entre excedente e capital investido (g/D),
identificado como rentabilidade. Portanto, a rentabilidade obtida deve ser
“aceitável” em termos de capital investido.
Outro ponto importante a destacar, consiste na forma independente em que
acontece a dinâmica interna da reprodução social da Unidade Agrária Capitalista
(UAC), com relação aos processos de socialização dos agentes sociais envolvidos
diretamente na atividade: basicamente a força de trabalho e o capitalista. A força
de trabalho tem sua garantia no esquema com a remuneração de sua atividade e o
segundo capitalista a partir da captação de parte do excedente utilizado em seu
consumo individual. Porém, a vida desses dois agentes acontece em espaços
físicos e sociais distintos e estranhos ao correspondente espaço da atividade
econômica produtiva e dá unidade como um todo. Então, a garantia para a (UAC),
é a valorização do capital investido e de seus elementos produtivos.
1.6.3 A Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE)
O seringueiro como produtor camponês e suas atividades de trabalho
devem ser considerados no mesmo espaço de sua reprodução. Na literatura sobre
o tema específico da natureza da produção camponesa, se fala que a economia
camponesa constitui um sistema econômico especifico onde a terra (caso dos
seringueiros a floresta), e o trabalho fazem parte dos meios de produção
combinados para seguir o processo natural do desenvolvimento familiar, ou seja, o
processo próprio do funcionamento interno da família (LUNA, 1988).
Levando em consideração os conceitos desenvolvidos por Chayanov
(1974) a analise isolada das atividades da família extrativista camponesa é uma
analise, de produção e não uma analise econômica, isso implica integrar os
51
problemas de toda a organização produtiva extrativista e a atividade total da
família.
n UEFC Ai Conjunto de
I = 1 atividades
A1 = atividades produtivas extrativistas A2 = venda ou intercambio de força de trabalho familiar A3 = Comércio A4 = Eco-turismo A5 = Emprego público A6 = Apropriação de renda em Produto ou dinheiro Proveniente do trabalho “meiro” A7 = participação Políticas
(sindical, partidária e religiosas)
A8 = caça, pesca e outros
. somatória que expressa o conjunto agregado da renda familiar proveniente da atividade econômica.
A Atividade Produtiva (A1) da (UEFE):
Em Luna (1988), o esquema gráfico da atividade produtiva desse tipo de
unidade ficaria:
F T F Pa Id M Id1 D D1
a. Incorporação de força
de trabalho familiar e de insumo domestico ao processo de trabalho b.Investimento monetário
- animais de trabalho
- insumos produtivos - diárias (motosserista)
Obtenção de um conjunto
de produtos Grande parte se realiza no mercado D1 Parte se consome na unidade Pa e parte é usado como insumo
produtivo Id1
O esquema acima indica então, que as praticas camponesas abaixo
relacionadas fazem parte de sua racionalidade, e que historicamente tem
contribuído para sua permanência frente às Unidades Agrárias Capitalistas (UAC):
1. A Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) não quantifica como valor
investido (custo explicito) nem o trabalho realizado pela força de trabalho familiar19,
19 Para (LUNA 1988), “La lógica de esto reside naturalmente en el hecho de que toda la actividad económica de la unidad está en función de la reproducción (supervivencia) de la familia a través del consumo, posibilitado por ingresos proveniente de actividad económica y por producto de la misma actividad
52
nem o valor incorporado em insumos domésticos produzidos pela unidade
(paneros, sementes, mudas de bananeira, macaxeira, arreios de animais, etc).
Enquanto na (UAC), o trabalho e os insumos fazem parte em sua totalidade do
investimento monetário produtivo, portanto, fazem parte dos custos explícitos.
Isso significa que a (UEFE) não espera de maneira contábil que esse valor
incorporado (custo implícito) seja retribuído e resgatado com a venda do produto.
Mesmo, assim, o camponês considera fundamental o resultado monetário como
parte da formação de sua renda familiar, portanto, o maior ou menor êxito na
venda dos produtos significa maior ou menor possibilidade de consumo familiar e
de recuperação dos valores para investir (D) no próximo ciclo produtivo20.
2. A Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) quantifica apenas como valor
investido (custo explicito) o desembolso efetivo dinheiro (D) realizado. Geralmente
representado por adiantamento de mercadoria no comercio local, venda
antecipada dos ativos florestais, muito pouco de credito institucional. Portanto, sua
expectativa, é resgatar, através da venda dos ativos, o valor (D) investido
inicialmente.
3. Do valor produzido pela (UEFE), uma parte é consumida parcial ou totalmente,
produção para autoconsumo (Pa) ou produtivamente, insumos domésticos (Id),
esse consumo pode constituir-se, por si mesmo, um resgate (parcial ou total) do
valor incorporado inicialmente na forma de força de trabalho familiar (FTF) ou de
insumos domésticos (Id).
4. Apesar da integração real ao mercado, a (UEFE) não parece ter como objetivo
central o mercado, mas atingir um nível de renda que lhe permite adquirir outros
bens de consumo não produzidos por ela, porém, necessários para a reprodução
social da unidade. Em outras palavras, a (UEFE) busca a monetarização
integrando-se ao mercado não como objetivo e sim por necessidade21.
productiva (autoconsumo). Por lo tanto no existe remuneración formal individual que pueda calcularse por participación de la fuerza de trabajo en la actividad productiva agraria (A1) en tierra (bosque) manejada por la unidad. De la misma manera que los ingresos provenientes de otras actividades entran a engrosar la fuente del consumo familiar, el trabajo de la familia incorporado a la actividad (A1) se espera sea retribuido a través del consumo. 20 Geralmente no olhar de (LUNA 1988), “la UEFC há comprometido com anterioridad valores de lo producido, a traves de prestamos o avances recibidos de los intermediários ou de credito institucional. Esta sumas han sido utilizadas por la UEFC em consumo familiar, compra de insumo produtivos, sumas que tienen que devolver com parte o la totalidad del resultado de la venta del producto (D1). 21 Es importante recordar como dentro de la organización primitiva de la sociedad, las unidades familiares fueron relativamente autosuficiente. El intercambio de excedentes, que “inicia la transformación de los
53
5. Fica, então, muito clara a diferença, em relação com a (UAC), da forma como
acontece a reprodução social da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFC).
La supervivencia de la familia (fuerza de trabajo familiar), es decir su reproducción individual se da en el mismo espacio de la actividad productiva. Es pues la UEFC un complejo conjunto de productores-consumidores cuyo comportamiento como tales se condiciona mutuamente (LUNA, 1988, p. 45).
1.6.4 Formação de Preços, Renda e Reprodução Social da (UEFE)
É interessante explorar um pouco a formação da renda monetária (D1) da
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) originada da venda do produto
rural. Definitivamente a condição na qual acontece a relação social entre a (UEFE)
e o intermediário comercial tem um papel de explicação importante no processo de
formação do preço para o seringueiro, influenciando definitivamente na
determinação da renda monetária obtida como resultado da atividade produtiva
(A1).
A prática mostra que existem fatores sociais e econômicos, inerentes uns
à relação produtor com o intermediário comercial ou produtor e indústria local e
outros na interação de oferta e demanda de ativos florestais em mercados de
produtos finais, que podem determinar uma relativa baixa participação da (UEFE)
no valor do produto rural. Participação expressada geralmente em preços baixos,
quando a relação passa pelo capital mercantil, com predominância de
intermediários como regatões e marreteiros.
Entretanto, quando a relação é direta com a indústria local os preços são
melhores e a produção tem maior incorporação tecnológica (madeira manejada e
fornecimento de leite da seringueira). Refletindo, em renda monetária (D1) superior
nessa fase de integração produtiva da (UEFE) com a indústria. Passando a
productos en mercancías es de fecha posterior”. En este proceso de producción simple de mercancías solo una pequeña parte de los bienes de consumo necesarios para la familia se consigue a través del trueque o el proceso de mercadeo de los excedentes (sobrantes) del producto de la unidad económica familiar. A partir del comercio generalizado (especialmente siglo XV) las posibilidades de acumulación de excedentes en esta área dan paso a la aparición del capitalismo en un marco de economía de mercado. La especificidad histórica capitalista del comportamiento actual de la UEFC, se expresa entonces en la necesidad de integrarse al mercado (como vendedora y consumidora) como parte de su estrategia para sobrevivir, no ya en un inexistente y superado de economía mercantil simple, pero sí como una forma mercantil simple (obtener otros bienes de consumo) de integrarse a ese mercado, diferente a la forma como lo hace la UCA, (LUNA, 1988, p. 45).
54
resgatar, na maioria das vezes o desembolso (D) (custo explicito) efetivado pela
(UEFE) no processo produtivo.
Quando desorganizado e com pouca informação sobre o mercado o
camponês cede socialmente, via preços, parte do valor incorporado na produção,
cessão essa de acordo com as circunstâncias, pode comprometer não apenas o
valor excedente, mas inclusive o valor correspondente ao custo de reprodução da
força de trabalho familiar (FTF), a dos insumos domésticos utilizados (ID1) e até a
parte do desembolso monetário (D) realizado (custo explicito). Esse cenário tem
sido minimizado na Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), do (PAE)
Cachoeira conforme indica o Termo de Intercâmbio (TI)22 quando apresenta
resultado de 0,68; demonstrado na (tabela 11; página, 108).
Como então entender a reprodução social da (UEFE) como produtora
rural? A resposta deve ser buscada naturalmente recorrendo ao esquema de
atividade econômica integral da unidade. É precisamente da possibilidade de obter
renda, da diversificação das atividades do núcleo familiar o que torna factível sua
reprodução social e, portanto, sua permanência econômica. A ampliação recente
da diversificação produtiva extrativistas, associada a um processo industrial, que
resultam da luta política de caráter sócio-ambiental, vai culminar na criação de
condições sócio-econômicas e naturais, por parte do Estado, favorecendo o
fortalecimento23 da complexa interdependência econômica e ecológica
desenvolvida pela Unidade Econômica Familiar Extrativista.
22 Termos de Intercâmbio (TI): é a relação entre o valor dos bens de consumo comprados e o valor total da produção. Indica qual a proporção da renda bruta, em bens de consumo, precisa ser gasta para gerar o valor total da produção. Essa relação revela, aproximadamente, em que medida o excedente produzido pelo pequeno produtor está sendo apropriado na circulação, isto é, a montante e a jusante do processo de produção, ASPF/2008.
23 Aqui interpretamos o conceito de fortalecimento todas aquelas situações políticas criadas pelo movimento dos seringueiros (criação dos PAE e Resex) e instituições sociais que desenvolvem programas de educação, saúde e cooperativismo. Por outro lado, o conjunto de alianças externas com Organizações Não Governamentais (Ong’s) nacionais e internacionais vai ser importante a contribuição técnica, política e financeiramente para a implantação de programas de apoio à produção extrativista dos seringueiros. Mais recentemente com o apoio de políticas publicas, tanto dos governos Federais, Estaduais e Municipal, voltadas para a implantação de infra-estrutura econômica e social; extensão dos programas da reforma agrária do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o processo de industrialização dos governos locais, e que vão afetar mais diretamente o ritmo e a capacidade da atividade econômica da (UEFE), estendendo-se desde a recamponização familiar do seringueiro na “colocação”, com maior independência da Força de Trabalho Familiar (FTF) e o retorno da figura do “meeiro”. Esse conjunto de fatores veio contribuir muito para o fortalecimento da (UEFE) permitindo-lhe, negociar em melhores condições com comerciante e industrias.
55
O resultado disso tudo é que, de forma diferenciada24 naturalmente, o
processo de reprodução social da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE)
se desenvolve indiscutivelmente em termos dialéticos25, mostrando condições
geralmente cíclicas, especialmente no que se refere a níveis e possibilidades de
reprodução familiar e produtiva.
1.6.5 Reprodução Social da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e a Política de Desenvolvimento
Para introduzir políticas econômicas eficazes, junto a unidades produtivas
extrativistas, é preciso entender e interpretar o comportamento e racionalidade da
(UEFE), procurando garantir sua permanência e reprodução social com níveis
positivos de bem-estar sócio-econômico. Considerando-a como uma eficiente
produtora de bens e serviços florestais e absorvedora de força de trabalho rural,
ao contrário do que acontecia no passado recente, quando liberava força de
trabalho, esses elementos devem ser cuidadosamente analisados, pois, fazem
parte do corpo social da (UEFE).
Observando o esquema de atividade econômica da (UEFE) apresentado
na (página 50), pode inferir-se a existência de uma boa quantidade de espaço e
atividades relacionadas diretamente com sua dinâmica, portanto, suscetíveis de
serem considerados na formulação de políticas de desenvolvimento sócio-
econômico, introduzindo com maior precisão a racionalidade desse grupo social.
De maneira geral se poderia mencionar a titulo de exemplo, alguns desses
espaços que aparecem como pontos de conflito dentro da atividade econômica da
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e que devem ser analisadas para
maior conhecimento:
a) Relações entre Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) o
Intermediário Comercial e a Indústria Local
24 Especialmente de acuerdo a condiciones políticas, sociales y naturales regionales, a tamaño, caracteristicas y ubicación de suelos (bosques). Etc. Es evidente que hay diferentes grados de pauperización dentro de la economia campesina y por lo tanto distintos niveles de bienestar y condiciones de reproducción social de la Unidad Económica Familiar Campesina (UEFC), (LUNA 1988, p. 46). 25 La existência de fuerzas sociales opuestas que llevan por uma parte a la descomposición de la (UEFC) y por otra a su recomposición (LUNA 1988, p. 46).
56
De maneira geral, a autonomia da Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE), ficou fortalecida depois da conquista do território e do inicio do
processo industrialização local diversificada. Do ponto de vista das relações
mercantis, pode-se observar na área objeto de estudo (PAE) Cachoeira três tipo
de canais de comercialização que viabilizam a oferta dos ativos florestais e a
demanda de mercadorias e insumos domésticos: a primeira é a relação direta
entre (UEFE) e indústrias (mais profissionalizada), e aquelas feitas com
comerciantes da cidade e intermediários nas duas situações predomina uma
economia com maior grau de monetarização; a segunda se dá entre a (UEFE) e
cooperativas extrativistas que são o grande pára-choque da economia que aflora
nas áreas de conservação; a terceira forma de intermediação, mais recente, é feita
entre extrativista. Há extrativistas moradores do (PAE) Cachoeira, mais
capitalizados e articulados externamente, que concorrem com intermediários e as
próprias cooperativas extrativistas.
Essa terceira situação predomina o comércio da castanha, borracha
bruta, gado bovino, produtos agrícolas, oferta de serviços de transportes,
beneficiamento de castanha para venda direta a consumidores da cidade e
adiantamento de dinheiro. Essa situação mostra como num ambiente econômico
favorável o seringueiro (camponês florestal), além, do saber sofisticado26 que
detém da floresta, conhecem e podem organizar o processo produtivo e os
negócios florestais, inclusive podendo participar como sócios das indústrias.
O extrativista, assim, como as cooperativas ou mesmo empresas privadas
que atuam no comercio de ativos florestais, são muito vulneráveis a problemas de
liquidez27 por dependerem de empréstimos ou de adiantamento em dinheiro ou
mercadorias para satisfazer as necessidades de consumo individual ou produtivo.
Intermediários e cooperativas geralmente tem suprido essas necessidades, feitas
através da compra-venda antecipada do produto, na maioria das vezes com
26 “Os seringueiros possuem um rico saber etnoecológico incluindo a identificação de espécies, a diversidade e importância dos polenizadores, dispersores e predadores de sementes, etc”, (VIANA; MENDES; MENDES, 2002). 27 Os problemas de liquidez quando se apresenta na empresa privada ou cooperativa, eles na maioria das vezes conduzem para falência a atividade empresarial e quando os problemas são detectados, ainda, como resultado negativo no balanço patrimonial eles, ainda deixam um fôlego para manter a unidade produtiva no mercado. No caso da UEFE a falta de liquides os torna vulneráveis à dependência do intermediário seja um comerciante da cidade ou de outro extrativista mais capitalizado ou articulado externamente.
57
preços pré-fixados. Aliás, esse tipo de crédito, quando permanece por mais de um
ano, sem a devida quitação, tem contribuído com o agravamento do fluxo de caixa
e falência de cooperativas extrativistas e intermediários.
Há um novo momento, que demanda aprimoramento nas relações entre a
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e a indústria local. Ele está
relacionado com a gestão e organização administrativa de cooperativas,
associações, organizações não-governamentais e sindicais para enfrentar, não
apenas os problemas de preços que podem resultar das relações com indústrias,
comerciante da cidade e intermediários, mas, também, a necessidade permanente
de melhoria da qualidade do produto ofertado. Esses fatores podem influenciar no
processo de negociação junto a consumidores dos ativos florestais ofertados pela
(UEFE)28.
Como poderia essa situação relacionar-se com a estratégia de
desenvolvimento econômico? Mencionado o problema que para o seringueiro
representa a comercialização da produção, colocando as dificuldades das relações
de troca feita com indústrias, comerciantes, cooperativas e seringueiros
capitalizados, no tocante ao preço e oferta permanente dos ativos florestais
comercializável. Por outro lado, os consumidores (industrias) reclamam da
insegurança, nessa forma horizontal, de abastecimento da matéria-prima,
principalmente, a madeira.
Para a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), que oferta
madeira de sob um Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), boa parte da
falta de continuidade da oferta está relacionada entre outras condicionantes como
a demora da estrutura institucional publica na liberação de licenciamento dos
PMFS, na ausência de infra-estrutura e credito que viabilizem o atendimento dos
pedidos solicitados pela indústria no tempo e condições por ela determinada.
No caso dos Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) do (PAE)
Cachoeira, depois de oito anos atuando na colheita da madeira, somente foram
liberados três (PMFS), essa demora esta relacionada com as dificuldades
operacionais para a liberação do plano operativo anual pelo órgão ambiental,
inicialmente foi o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
28 É necessária a criação de uma consciência sobre essa situação que traz desvantagens e, ainda, se vê agravada para o extrativista pelas condições de isolamento geográfico em que pode se encontrar e os problemas de transporte que enfrentam.
58
(IBAMA), depois o Instituto do Meio Ambiente do Estado do Acre (IMAC), trazendo
um grau de desconfiança muito grande entre seringueiro e industria. O último
referente ao ano de 2006, liberado no mês de outubro de 200729, sem qualquer
possibilidade de colheita, devido ao período de chuva que se intensifica a partir
desse mês na região.
Daí freqüentemente se observa um certo desestímulo e desconfiança no
fornecimento da madeira com certificação de origem feita pela Unidade Econômica
Familiar Extrativista (UEFE) e consumidores (industria), essa descontinuidade
mostra as falha de coordenação encontradas no provimento de bens não
comercializáveis como a logística, conhecimento da realidade, comercialização e
outros fatores que desempenham um papel central nas atividades de colheita da
madeira de forma sustentável e com controle publico.
Esse conjunto de fatores e outros como os de educação, saúde,
simplificação do licenciamento do produto extrativista, política tributaria e creditícia
diferenciada para a produção da indústria florestal, logística de transporte,
comunicação e tecnológica quando bem equacionados no interior da política de
desenvolvimento, são componentes importantes para fazer frente aos riscos dos
negócios relacionados entre a (UEFE), indústria e cooperativas que estão
colocando em andamento uma economia de uso múltiplo dos ativos florestais e da
nascente industrialização desses produtos.
Dessa forma, a integração entre indústria local de Xapuri e a economia
camponesa seringueira, introduz uma realidade nova não muito amadurecida pelo
conjunto de atores envolvidos na execução das ações necessárias, para o bom
funcionamento da cadeia de diversificação de ativos florestais que se pretende
industrializar. Para o enfrentamento dessas falhas de coordenação se faz
necessário maior aproximação entre seringueiros e indústria; bem como a criação
de uma coordenação pública dos investimentos industriais e dos Planos de Manejo
Florestal Sustentável.
a) Relações entre Extrativistas, Vendedores de Insumos e Serviços Técnicos
29 Ver Oficio 034/2007 - COOPERFLORESTA dirigido ao governador do Estado do Acre datada de 30 de agosto de 2007, (anexo, 05).
59
A colheita do leite da seringueira e da madeireira associada com a
indústria local exige um aprimoramento de gestão e organização. Esse é um
espaço pouco conhecido pela Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) e
que a indústria e a política estatal podem ajudar criando instrumentos de gestão e
de administração dessas unidades na hora de se relacionar com os principais
fornecedores dos insumos, equipamentos e serviços técnicos de apoio para a
realização da colheita dos frutos.
b) Relações entre Extrativista e as Instituições Sociais
Um maior conhecimento dos meios de produção do seringueiro e de sua
relação com a natureza ajudaria muito a desenhar políticas de assistência técnica
e de pesquisa onde sua participação fosse importante e as tecnologias, inovações
ou ajustes tecnológicos (Ex. projeto de manejo comunitário do PAE Cachoeira) se
constituam mais em complemento e enriquecimento da forma camponesa de
produção, do que em suplemento muitas vezes considerado estranho e inviável
para a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE).
Uma experiência importante que deve ser analisada foi o arranjo
institucional constituído de forma espontânea pelas instituições, formadas entre
seringueiros organizados e Organizações Não-Governamentais como: a
Cooperativa Agroextrativista de Xapuri, Conselho Nacional de Seringueiros, Centro
de Trabalhadores da Amazônia, Instituto de Estudos Amazônico; com apoio da
Fundação Ford, Fundação Interamericana, Governo da Austria, Cultural Survival, o
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) e a Fundação de Tecnologia do
Acre (FUNTAC). Mesmo sem uma política de desenvolvimento estadual definida e
atuando muitas vezes de forma isolada, constituiu uma base de apoio importante
na sustentação aos sistemas produtivos extrativista, formados por um arcabouço
de instituições formais e informais de sustentação da relação: natureza-
seringueiro-indústria.
60
c) Relações Sociais de Produção e a Situação Fundiária
Esse ponto tem tradicionalmente uma forte relação com a possibilidade de
acesso ao credito da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), dadas as
relações de propriedade da terra. No caso particular dos seringueiros, mesmo
depois da criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo
(Prodex), havia muita dificuldade de operacionalizar o crédito de custeio anual
para produtos de origem extrativista, como a castanha, a borracha e mais
recentemente a colheita da madeira. Ainda prevalecem na cultura dos membros da
Unidade Econômica Extrativista (UEFE), dificuldade de relacionamento direto com
instituições bancarias, no inicio em razão da deficiência que tinham para
comprovar as garantias exigidas para acessar ao crédito, principalmente para
aquelas unidades em que seus membros não estavam vinculados a nenhuma
associação ou cooperativa extrativista.
A mesma situação enfrentava aquelas unidades econômicas que tinham
posse da “colocação” e que a terra era objeto de disputa jurídica com antigos
seringalistas ou outro reclamante. Havia, também, um limite cultural que permeava
no interior da (UEFE) como resistência para firmar o contrato junto ao banco,
outros estavam relacionados com a falta de documentos pessoais que aos poucos
esta sendo superado através de programas como o “Projeto Cidadão” executado
pelo Poder judiciário Acreano.
Recentemente houve pouco avanço no financiamento das atividades de
manejo florestal comunitário, devido ao demorado processo de licenciamento dos
planos de manejo por parte dos órgãos ambientais, diga-se Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e Instituto de Meio Ambiente do
Acre (IMAC), que justificam na complexidade do marco legal, limitações na
agilização para aprovação dos referidos planos.
Para o Banco da Amazônia, aprovar um financiamento com vista à
colheita de madeira por parte dos seringueiros é preciso ter o plano operacional
aprovado (POA)30 junto ao (IMAC), no caso do (PAE) Cachoeira e no (IBAMA)
para os planos da RESEX. Ressaltamos que o IMAC passou a licenciar somente a
30 É o documento que autoriza o produtor a dar inicio a colheita do produto madeireiro, dentro daquele período estabelecido.
61
partir de 2005, período em que houve uma descentralização das atividades de
licenciamento da esfera federal para a instância estadual, mesmo assim,
continuaram as mesmas determinações previstas em lei e que dificultam a
agilização dos processos de liberação dos Planos de Manejo Florestal Sustentável
de Baixo Impacto.
Um ponto interessante é o pouco conhecimento que se tem dessas
circunstancias vivenciadas pelas (UEFE) e de outra a prioridade para financiar
produtos agropecuários por parte dos bancos oficiais, ou a não interpretação e
maior aprofundamento para introduzir mudanças que venham contribuir com a
superação dessas situações, que tem levado a muitas (UEFE) a não poderem em
muitos casos acessar ao credito bancário.
É importante insistir cada vez mais na necessidade de pesquisar e se
aprofundar ainda mais no que se refere ao conhecimento das estruturas sócio-
econômicas da (UEFE) e suas diferenças regionais, como inicio para a
formulação, reformulação e complementação de políticas públicas eficazes.
Apoiando atividades econômicas que venham contribuir no aprofundamento de um
desenvolvimento com liberdade desse importante setor social da economia
acreana.
1.7 A Construção Social da Industrialização de Xapuri
A forma como Marshall (1985), entende a organização como um fator de
produção diferente dos tradicionais. Formando sua concepção na biologia,
passando a ver a realidade econômica e social, na interdependência das partes de
um organismo qualquer, fazendo parte constitutiva da sua existência e da sua
evolução. Ao tratar da organização industrial é preciso superar a dimensão
empresarial substituindo-a, pelas interdependências locais propiciadas por forças
naturais, sociais e forças econômicas (natureza, seringueiro, empresas e
instituições publicas e sociais) que dividem o mesmo território (entorno) local onde
estão assentados.
São constantes as metáforas biológicas de Marshall (1985), quando
trata das questões econômicas. E mais, ainda, quando faz referência da
62
organização industrial, no Cap. VIII, do Volume I, do Livro Princípios de Economia,
onde postula:
Uma unidade fundamental de ação que existe entre as leis da natureza no mundo físico e no moral. Essa unidade central se exprime na regra geral, que não comporta grande número de exceções, que diz que o desenvolvimento de um organismo, seja físico ou social, envolve uma crescente subdivisão de funções das mais diferentes partes, ao mesmo tempo em que aumenta a conexão intima que existe entre elas. Cada uma das partes vê diminuir sua auto-suficiência, e seu bem-estar passa a depender cada vez mais das outras partes [...] ( MARSHALL, 1985)
A organização, neste caso, não deve se limitar na capacidade
empresarial, nem na organização da unidade econômica familiar extrativista ou na
lógica interna da natureza, e sim, na interdependência entre as partes, a mesma
que se aplica na gestão da empresa industrial deve ser estendida para a
organização das outras unidades de produção econômica. Segundo esta
concepção sistêmica da realidade econômica e social, o organismo industrial pode
ser visto isoladamente (empresa), assim, como um elemento que compõe todo um
setor (industria) e territorialmente (o lugar) onde economias externas e internas
podem compor a economia da produção (SFORZI, 2001).
A organização industrial representa o aspecto mais dinâmico do
fenômeno do desenvolvimento. É evidente que paises e regiões consideradas
desenvolvidas hoje, passaram por um processo de industrialização tal, que
modificou a estrutura de todo o ecossistema. A própria relação natureza-
seringueiro que predominou na Amazônia e que existe no (PAE) Cachoeira, é
produto da segunda fase de industrialização, que acontece no século XIX na
Europa e Estados Unidos, ocasionando alterações no sistema social Nordestino da
época, através do deslocamento de contingentes da população sertaneja, para a
região amazônica, formando-se, assim, mais uma ilha de produção regional no
Brasil, com vínculo externo.
A onda da industrialização do século XIX, chega na Amazônia através
da exploração da borracha nativa, determinando uma relação física (saída da
borracha da natureza para a industria) com baixo impacto ecológico, no entanto,
63
em outros lugares, onde, essa onda demandava a produção de alimentos o
impacto físico na natureza foi diferente. Por outro lado, a ação antrópica que o
processo de industrialização promove historicamente não se limita, apenas na
substituição de florestas nativas para a produção de grãos, mas também, deve ser
acrescido da emissão dos chamados gases efeito estufa emitido nas economias
industrializadas.
O aspecto monetário tem sido a forma de medir se a empresa é rentável
ou não; o lugar, a região, o regime de propriedade, as instituições, o apoio estatal
são elementos que tradicionalmente aparecem para atender o pré-requisito da
rentabilidade que, axiomáticamente acompanham a riqueza financeira com taxa de
juros composta.
Nas figuras a seguir, procura-se compreender o processo histórico de
incorporação da natureza na região de Xapuri, iniciado pela exploração da
monocultura da borracha, pela unidade econômica familiar extrativista, pela
indução das políticas estatais de incentivos à produção agropecuária. Finalmente a
partir do último decênio do século passado, forças do lugar que conseguem “ter
voz” através do vetor “naturo-social” abrem “janelas de oportunidades políticas”
para a manutenção de florestas continuas31, como os Projetos e Reservas
Extrativistas, possibilitando a constituição da relação natureza-seringueiro-
indústria.
1.7.1 Indústria e Penosidade do Trabalho
A (figura 4), representa a contribuição que os seringueiros e outros
agentes da cadeia produtiva da borracha aportam nessa fase da industrialização
das economias centrais, da mesma forma, como os recursos humanos e agrícolas
na Inglaterra tiveram que se dedicar, nesse período, ao desenvolvimento industrial,
na forma de provedores de matéria prima e mão-de-obra barata. Na Amazônia se
produzia a borracha, enquanto, não se encontrava novas fontes de abastecimento
do produto, com melhores condições de abastecimento e preços.
31 Área florestal de formação primitiva (Monitoramento da cobertura florestal do Acre, 1990)
64
Em outras regiões da periferia, tocou à produção de alimentos que a
economia central foi deixando de produzir, porém essa demanda se dava em
volumes crescente e a baixo custo, dado o crescente processo de urbanização e o
baixo nível de renda da nova massa de trabalhadores que crescia (BIFANI, 1999).
Na produção da monocultura da borracha amazônica, o custo físico da
natureza era de baixa incidência, todavia, as relações sociais, conduzidas pelo
capital mercantil, ofereciam um baixo nível de renda e alta penosidade do trabalho,
para a unidade extrativista. Por outro lado, o sistema era abastecedor de matéria-
prima (borracha), na segunda fase da revolução industrial, para a industria de
pneumáticos, período em que começa o processo de acumulação dos problemas
ambientais, como gases de efeito estufa e as mudanças climáticas que afeta na
contemporaneidade todo o planeta.
Figura 4 - Assimetria entre custo físico da natureza, ganho financeiro do seringueiro e outros segmentos da cadeia produtiva da monocultura da borracha. Até o final do decênio de 1910.
.
65
Fonte: Elaboração do autor.
A seta que indica a saída do volume físico da natureza tem um
alargamento maior na base, isso representa maior quantidade de borracha in-
natura, para se chegar ao produto final. Outro comportamento, pode ser visto, na
relação monetária, a seta de retorno monetário remunera o processo de
comercialização, gestão e industrialização, tem base alargada, na origem
(industria) indicando maior remuneração dos fatores de produção da industria e
dos segmentos da cadeia produtiva mais próximo.
Para entender esse período da historia acreana, é preciso compreender
a existência de “ilhas regionais” durante todo o período do Brasil primário –
exportador, em que a dinâmica regional era definida a partir dos mercados
externos e da produção predominante de cada região (ARAÚJO, 2005). Durante
pouco mais de quatro decênios, a Amazônia foi uma “ilha regional” de produção de
borracha nativa. Período em que dominou o capital mercantil, sem qualquer
possibilidade de se constituir uma dinâmica econômica regional própria, com
possibilidade de se articular nacionalmente.
Diante disso o que restou, durante esse período, ao antigo morador do
alto sertão nordestino, foi o que Euclides da Cunha batizou de uma “escravidão
por divida”. Por outro lado, na solidão de cada “colocação”, o seringueiro foi
acumulando conhecimento sobre o ecossistema que deve ser considerado, nessa
nova fase de incorporação globalizada da floresta tropical Amazônica, não
somente como produtores de bens e serviços ambientais, mas como ator social e
econômico fundamental na promoção do desenvolvimento local.
No gráfico 3, se faz uma relação entre a penosidade do trabalho e
apropriação de renda monetária na cadeia produtiva da borracha no sistema de
aviamento. O ponto Wo das abscissas representa seu ganho ou a aviação de
gêneros alimentícios e insumos de produção para consumo de subsistência que,
trocava com a produção de borracha. O seringalista se apropriava de uma renda
melhor, porém, com penosidade do trabalho superior aos outros segmentos que
faziam parte da cadeia produtiva da economia da borracha. No final do ciclo se
confirma a dominação econômica de regiões e povos abastecedores de matéria-
66
prima, realizadas por aquelas regiões que se ocupam das etapas finais de
elaboração e comercialização dos produtos (NAREDO e VALERO, 1999).
Gráfico 3 - Relação: Penosidade do trabalho x Renda Período: até final da década de 1910.
Fonte: Adaptado de Naredo e Valero, (1999).
O seringueiro madrugava na boca da estrada de seringa para aproveitar
a hora que a árvore da seringueira mais jorrava seu leite. Essa era uma forma de
melhorar a produtividade absoluta do trabalho, nem sempre acompanhado de um
ganho real. Apenas registrava perda na qualidade e risco de vida, enquanto os
outros segmentos registravam privilégios sociais, ganhos monetários e
acumulação de capital, como aconteceu nos paises onde a indústria
automobilística estava localizada.
Para Arimatéa (1996), no primeiro elo da cadeia não circulava moeda,
pois, o seringueiro apenas trocava borracha pelos produtos necessários a sua
sobrevivência. Ou como expressa Weinstein (1993), ao citar a fala de um morador
da região, “a Amazônia é a terra do crédito. Não há capital. O seringueiro deve ao
patrão, o patrão deve a casa aviadora, a casa aviadora deve ao estrangeiro, e
assim por diante”.
São duas oportunidades que o povo seringueiro aproveita, nesse
período, na construção de um projeto de vida próprio. A primeira nasce no meio da
67
guerra (revolução acreana) ocasionada pela necessidade de alimentação dos
soldados que estavam na frente de batalha contra o exercito boliviano, essa
abertura reacende a cultura da produção agrícola suprimida pela produção da
monocultura da borracha. Para Bastos, (1940); Oliveira, (1985) e Gonçalves,
(2003), eis o começo.
No meio da guerra (revolução acreana) e na crise da economia da
borracha, no final da década de 1910, aprecem as condições para produzir uma
agricultura de subsistência, constituir família, organizar adjuntos para a colheita da
produção. Enfim, começa a construção de um projeto de vida próprio (OLIVEIRA,
1985), permitindo ao seringueiro viver da diversidade da floresta e
contemporaneamente compartilhá-lo com outros povos e o próprio ecossistema
natural. Essa idéia mostra a necessidade de um ambiente de liberdade e olhar de
longo prazo para haver sustentabilidade (GUIMARÃES, 2001).
1.7.2 Formação da Unidade Econômica Familiar Extrativista
Pode-se considerar como o inicio da formação social da Unidade
Econômica Familiar Extrativista, entre o final do primeiro decênios e começo da
segunda grande guerra mundial no século XX, e com ela começa a diversificação
da nascente economia camponesa extrativista. Constituindo-se o embrião de
novas relações sociais e de produção que vão cimentar a formação de uma
sociedade local, com sua cultura e formas próprias de se relacionar com o Meio
Ambiente Natural e o Meio Ambiente Social.
As novas relações são compartilhadas pelos interesses da nascente
família seringueira e as do decadente sistema do “barracão”. Com a Unidade
Econômica Familiar Extrativista aparecem aspectos de produção de caráter
comunitário como os adjuntos, intensificando-se, ainda, a produção da castanha
do Pará, de produção de couros, agricultura de subsistência, criação de pequenos
animais, caça, pesca e continua a produção de borracha em menor quantidade;
mas não desaparecem totalmente as relações mercantis do sistema de
“aviamento” (OLIVEIRA, 1985).
Com o declínio do preço da borracha, no triênio 1909-1911, de 512
libras/toneladas para menos 100 libras, no final do decênio de 1910, (FURTADO,
68
2007). A nascente família seringueira se sustenta na diversificação da base de
subsistência, dentro de um processo produtivo desenvolvido por unidades de tipo
familiar que vão garantir, ciclo a ciclo, a reprodução das condições de vida e de
trabalho, ou a reprodução dos produtores e da própria unidade de produção tal
qual interpreta Chayanov (1974).
Enquanto o seringalista abandona o barracão, por não conseguir a esse
nível de preço da borracha, manter seus privilégios sociais. Não se inclui nessa
análise o processo de acumulação de capital e inovação tecnológica por entender
que a economia da monocultura da borracha os inibia, assim, como não contribuiu
para desenvolver um mercado interno significativo a nível local
(WEINSTEIN,1993).
Para quem havia passado por mais de quatro decênios, vivendo no limite
físico e social, ao se verem livre das relações sociais imprimidas pelo “barracão”,
eis a oportunidade de substituir as regras do barracão, pelas da unidade de
produção familiar, ou como trata Gonçalves (2003) de afirmação do lugar dos
seringueiros autônomos.
No “vácuo” deixado pelos seringalistas, que organizavam a exploração da
monocultura da borracha e aviavam com mercadorias o consumo dos
seringueiros. Aparece a organização familiar ou os “camponeses florestais”, tal
com os nomeia Mauro Almeida, constituindo-se, assim, como os primeiros pilares
de uma nova sociedade, que vai dar sustentabilidade para a produção
extrativista/florestal diversificada, organizada pela Unidade Econômica Familiar
Extrativista, bem observado pela historiadora Cristina Scheibe Wolff apud
Gonçalves (2003): agora a unidade de produção era muito mais a família ou grupo
domestico do que o seringal e o patrão perderam muito do seu poder organizativo
de produção. (figura 5)
69
Figura 5 - Construção social da identidade local. Relação: Natureza-Seringueiro-Produção Camponesa (consumo próprio com geração de excedente agrícola e de produção florestal). Entre os decênios de 1920 e início de 1940.
Fonte: Elaboração do autor
No período considerado na (figura 5), a relação física com a natureza foi
pouco alterada, em termos de área derrubada, mesmo tendo havia um incremento
das atividades produtivas agrícolas de caráter familiar, predominou o sistema
tradicional de derrubada-cultivo-pousio, sem transformação dos roçados em
pastos. O que houve, sim, foi uma queda brusca da produção de borracha,
somente o município de Xapuri, chegou a “exportar anualmente para o exterior três
milhões de Kilos de borracha”, relatório feito na primeira década do século XX,
tratando da instalação da intendência, em 3 de novembro de 1904 pelo Sr. Gentil
T. Norberto seu primeiro intendente, o mesmo relatório destaca que a lavoura não
foi esquecida (GONÇALVES, 2003).
70
O que diminui é a circulação monetária com origem na monocultura da
borracha, no caso do Município de Xapuri, por ter sido um entreposto comercial de
abastecimento dos seringais do Alto Acre, havia uma pujança comercial que vai
criar as condições para se construir a primeira fabrica de castanha na região do
alto Rio Acre, no ano de 1928, funcionou até inicio da segunda guerra mundial,
dados colhido em entrevista com um dos filhos, de um dos proprietários.
Depois da queda do primeiro ciclo da borracha até inicio da segunda
guerra mundial são os momentos de maiores dificuldades de abastecimento com
mercadorias de consumo da família seringueira, sem animais para poder
transportar seus produtos, sem crédito junto a comerciante da cidade, com pouco
ou quase nenhum conhecimento do que estava acontecendo, onde os próprios
comerciantes tinham limitações para adquirir mercadorias e vender os produtos
nas cidades de Belém e Manaus, enfim, a rede econômica de aviamento do
“barracão” ficou debilitada.
A alternativa que restava ao morador da floresta era força de vontade e a
criatividade, para viver da diversidade da natureza e do trabalho humano
enfrentando a dura realidade em que ficou no interior da floresta. (GONÇALVES,
2003, p. 205) percebe e realça como essa realidade possibilitou uma nova forma
de organização social da produção extrativista:
Sem dúvida a colocação passa a ter uma importância que antes não tinha como locus de determinação da organização do espaço, local onde se estrutura(m) a(s) acreana(s), que se acabocliza(m), onde se pratica o agroextrativismo, com um extrativismo que diversifica, tendo assim uma pratica de auto-abastecimento subordinando a produção para o mercado que nunca deixo de estar presente, mesmo nos momentos de crise mais aguda nos preços da borracha [...]
Nesse período da vida nacional a ligação das “ilhas regionais” de
produção continuava muito tênue prevalecendo ainda as determinantes
econômicas de cada uma delas sendo dadas no exterior. No Acre, entretanto,
estudioso como Gonçalves (2003), insistem que nesse período se forjou, um
padrão de organização societário com características próprias. E, ressalta que os
71
seringueiros começam, nessas duas décadas, a formar um complexo sistema de
relações com a floresta que ia muito além do extrativismo exclusivo da borracha.
É começo de uma alternativa de caráter endógeno, fundamentada na
lógica da reprodução familiar e da unidade produtiva e menos pela lógica
econômica estritamente mercantil. Embora mantenha uma lógica econômica
própria de tipo camponesa, se relaciona com o mercado não com objetivo, mas
para atender necessidades da Unidade Econômica Familiar extrativista.
1.7.3 Construção Social dos Projetos e Reservas Extrativistas
Figura 6 - Formação da territorialidade seringueira e da economia nacional, regionalmente localizada.
Fonte: Elaboração do autor.
Na urgente retomada da produção de borracha, para abastecer a
indústria bélica dos aliados na segunda guerra mundial, a organização da
produção da monocultura da borracha, fica novamente com os “coronéis de
barranco” que se articulam politicamente e retomam o comando dos seringais até
Natureza
72
finais do decênio de 1960, quando novamente entra em decadência a economia
do barração. Por todo esse período os patrões, se beneficiam da organização
familiar em formação no interior dos seringais que, havia praticamente
abandonado desde finais do decênio de 1910, até a segunda grande guerra
mundial.
A permanência de relações sociais cerceadoras de qualquer
fortalecimento da produção familiar, ficando os benefícios econômicos e
institucionais criados pelo governo, exclusivamente para incentivar a produção da
borracha nativa Amazônica, com os “coronéis de barranco”32, tanto no esforço de
guerra, quanto na fase do nacionalismo econômico do governo de Getúlio Vargas.
Essa constatação, expressa a ausência de qualquer critério de inclusão da
organização econômica familiar do seringueiro, até mesmo como produtor
autônomo de borracha.
A territorialidade dos seringueiros iniciada com o aparecimento dos
seringueiros “autônomos”33, tem na família, na produção agrícola e na
diversificação da produção extrativista a base de sustentação. E vai ser essa
“autonomia” que cria as condições preliminares para a formação da sociedade
acreana (GONÇALVES, 2003; BASTOS, 1940).
Há uma contradição que no fundo comandou a sociedade acreana nesse
período, entre seringalistas e seringueiros. Do lado dos seringalistas foi favorecida
pela “ajuda política que explica as condições de sustentabilidade dos Coronéis de
Barranco, posto que o que dava suporte à produção de borracha era uma
economia que transcendia a lógica mercantil e que estava posta pelas famílias de
‘Camponeses Florestais’, como bem caracterizou Mauro Almeida (GONÇALVES,
2003)”.
Com o fim do monopólio da borracha, sobretudo com o fim do Banco de
Credito da Amazônia em 1967, o bloco histórico nacional, tem novos aliados,
agora são os grandes capitais de fora da região, internacionais ou do sul do país,
32 É uma alcunha colocada por políticos da região nos seringalistas arruinados. Depois de uma reunião em Manaus, em que deliberaram apresentar um memorial-apelo ao Presidente Vargas, em 21 de agosto de 1939 (BENCHIMOL apud GONÇALVES, 2003). 33 É aquele seringueiro que, não esta submetido às regras de qualquer patrão e tem como referência espacial a “colocação”, Gonçalves (2003). Por outro lado, Alegretti (2003) aponta que essa autonomia tem como suporte a natureza sociogeográfica da colocação-seringal, com a dispersão espacial e o isolamento; implicam em fazer sozinhos as diversas etapas do processo produtivo.
73
para quem o Estado abrirá seu caixa através de isenções e outros subsídios com
explicito aval das agências multilaterais de fomento ao desenvolvimento por meio
de aportes político-financeiros (GONÇALVES, 2003).
A partir da década de 1970, seringueiros e seringalista, são diretamente
afetados, pelos novos aliados do Estado Nacional, através da expansão da frente
capitalista que ocupa economicamente a Amazônia. Os seringalistas não
ofereceram, de fato, nenhuma resistência ao novo processo econômico que se
abria na região. Ao contrário, novamente são favorecidos através da criação do
mercado de terras, alternativa criada para garantir o pagamento das dividas junto
ao Banco da Amazônia e facilitação da transferência do latifúndio seringalista aos
novos proprietários.
Nesse período, a concepção de desenvolvimento da ocupação da
Amazônia pelo grande capital é extremamente cruel e pode ser comparada ao que
Sen (2007), parafraseando Winston Churchill chamou de: “sangue, suor e
lagrimas”; como resposta a esse processo resulta o vigoroso movimento de
resistência dos seringueiros do Vale do Alto Acre, liderados pelas figuras de
Wilson Pinheiro e Chico Mendes (ambos assassinados).
A resistência nasce do social e do ambiental e oportuniza aos “de baixo”
falar sobre as potencialidades da região e do povo que nela vive. Criam-se as
primeiras janelas de oportunidade política para se iniciar um desenvolvimento de
caráter endógeno, e vai ser no final da década de 1980 e começo da outra, com a
institucionalização dos Projetos de Assentamento Extrativistas e Reservas
Extrativistas a retomada da produção florestal. Agora sob um regime de produção
camponesa, contrapondo-se ao chamado processo de produção agropecuário,
contido no interior das políticas de desenvolvimento que alcançam a região
acreana. Aqui se apresenta a necessidade de analisar a outra parte da história, ou
seja, o sistema produtivo camponês que germinou no interior da floresta e da luta
do povo seringueiro.
A ausência de um processo de acumulação na fase da monocultura da
borracha, conjugadas com outras limitações econômicas e de representação
política, impossibilitou a região Amazônica de aproveitar o gap da crise que abalou
a economia dos paises capitalistas centrais, no pós-guerra. O mesmo não ocorre
com a região do sudeste brasileiro, em que a ação estatal realiza a defesa dos
74
interesses do café e direciona a economia para o mercado interno, sob a liderança
do setor industrial (FONSECA, 2007).
Na região do Acre, com a produção agropecuária empresarial, não se
dinamiza a economia regional carregando, ainda, restrições no aspecto político
que limitou qualquer possibilidade de ampliação de investimento, até mesmo na
produção de comoditties agrícolas no vale do Acre, ou em outros setores e regiões
da economia estadual.
Enquanto é no século XX, que se faz a mais profunda mudança na vida do
país. “O Brasil passa da condição de país primário exportador para um país de
base industrial importante. E, sobretudo, o mercado interno passa a comandar a
dinâmica econômica do país”. E, Oliveira apud Araújo (2005, p. 213) acrescenta
que o país deixa de ser organizado com base em “arquipélagos regionais para ter
uma economia nacional regionalmente localizada”.
1.7.4 Construção Social e Ambiental da Relação: Natureza-Seringueiro-Indústria
Figura 7 - Fortalecimento do Desenvolvimento Local, depois da constituição da relação: Natureza-Seringueiro-Indútria, no município de Xapuri, Estado do Acre, Brasil. A partir da década de 1990
NATUREZA
SERINGUEIRO
Vetor Naturo-Social
INDÚSTRIA
Fonte: Elaboração do autor.
75
A formação da relação (natureza-seringueiro-indústria) constitui o vetor
“econômico” de uma totalidade formada por sujeitos sociais, que historicamente
vão edificando uma resistência social e ambiental de base local. Iniciada na
revolução acreana, que foi a primeira janela de oportunidade política para o
seringueiro recuperar e colocar em pratica seu conhecimento sobre o cultivo de
culturas agrícolas. Depois com a formação da família seringueira, a diversificação
da produção extrativista que resulta na formação dos chamados “camponeses
florestais”.
A resistência local continua com o Trabalho da Confederação de
Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), Igreja Católica na constituição dos
sindicatos rurais que se ampliam no caso de Xapuri, com as alianças constituídas
para além dos limites territoriais, incluindo forças políticas locais, nacionais e
internacionais vinculadas a movimentos de caráter ambiental, intelectuais,
estudantis, partidos políticos em formação, segmentos da imprensa local e
internacional.
No final do decênio de 1990, o vetor “naturo-social” de caráter político,
foca suas energias para o processo de industrialização local, resultando em
melhores preços para os ativos oriundos do Meio Ambiente Natural produzido pelo
seringueiro “autônomo”. Processo que vai contribuir para o fortalecimento da
racionalidade ecológica e econômica da produção diversificada da Unidade
Econômica Familiar Extrativista (UEFE).
Num outro cenário, onde predominava o capital mercantil e as indústrias
da castanha estava localizada no Estado do Pará, a borracha era beneficiada
grande parte em outras regiões do país, a colheita da madeira não estava na
pauta da Unidade Econômica Extrativista (UEFE) e a política governamental
incentivava a produção agropecuária, restava como opção de sobrevivência da
(UEFE), a substituição do Meio Ambiente Natural pelo Transformado. Nessas
condições a natureza, era o elemento abundante e ilimitado de abastecimento de
indústrias e processos de beneficiamento de baixo valor agregado ao produto
regional.
Mesmo com lógicas de reprodução diferentes entre natureza,
seringueiro e a indústria, com a natureza fazendo parte de um ecossistema maior
que atende a sociedade humana em geral, portanto, mais amplo do que o
76
prevalecente nos processos econômicos que determinam a reprodução monetária
do capital industrial distante inclusive da própria sociedade que “escapa cada vez
mais ao seu controlo” Jappe (2006). A indústria geograficamente localizada em
Xapuri vai contribuir significativamente com a manutenção da reprodução da
Unidade Econômica Extrativista e dos processos naturais, ainda, conservados no
interior do (PAE) Cachoeira.
A relação natureza-seringueiro-indústria se fortalece em condições
históricas especifica, como produto do vetor político “naturo-social” que consegue
“ter voz”, na contemporaneidade para integrá-la na articulação, entre conservação
e desenvolvimento que enfrenta os problemas de interesses empresariais e do
reducionismo economicista. Nas próprias ciências biológicas também se observa
um reducionismo em boa parte da ecologia que estuda as relações dos seres
vivos entre si e seu ambiente, excluindo os seres humanos desse ambiente, e com
eles qualquer componente social (GUDYNAS, 2004).
Representada na figura 4, a relação natureza-seringueiro inicialmente
separadamente da indústria e dos segmentos da cadeia mercantil da borracha,
para indicar de forma abstrata como a civilização dominante incorporou através de
relações capitalistas de caráter industrial, a natureza e o seringueiro como meio de
produção, ou seja, um produto meramente econômico, sem sujeitos sociais locais.
Aliás, até esse período mesmo nos paises industriais os sindicatos não haviam
começado a humanizar o processo capitalista. Já no período representado na
figura 7, é quando os madrugadores da floresta tomam consciência comunitária e
conseguem demarcar a territorialidade seringueira.
As Reservas e Projetos de Assentamento Extrativista e a autonomia do
seringueiro são os primeiros andaimes da territorialidade seringueira, que
condensa uma “totalidade” social e ambiental de construção local, confrontando-se
com a racionalidade econômica de mercado que tem se convertido num
mecanismo homogeneizante, hierarquizante e excludente, gerando processo de
desapropriação e marginalização social na exploração da natureza (LEFF, 2000).
Ao analisar historicamente a institucionalização da relação natureza-
seringueiro, dentro de uma área de conservação de uso coletivo, como no PAE
Cachoeira se encontra como produto de uma criação coletiva, possibilidades de
articulação entre o Meio Ambiente Natural e o Social, com menos custos para a
77
natureza e menor penosidade do trabalho para o morador do lugar. Num momento
em que a solução para o desenvolvimento rural acreano passava pelo
reconhecimento, transferência e criação de um mercado de terra para as áreas
dos antigos seringais, tendo como novos proprietários pecuarista do centro-sul do
país, com tradição e incentivos para a monocultura agropecuária, ou seja, se
descartava no interior da política pública, a natureza e toda a cultura e a existência
do povo seringueiro.
A manutenção da relação natureza-seringueiro, passa pela
perspicácia políticas34 da liderança do movimento do seringueiro na medida em
que consegue manter a área original dos antigos seringais, sob controle público e
tornar o seringueiro concessionário da área “colocação” em que produziam
borracha para a indústria automobilística. No caso do (PAE) Cachoeira a área total
ficou em 24.967,30 e a área média por “colocação” em 277 hectares, para cada
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE).
Agora as condições objetivas em termos coletivo, no âmbito das
áreas de conservação, são colocadas com maior clareza, onde os limites à
espécie humana são dados pelos próprios moradores como mostra o Termo de
Compromisso (anexo 5) que define as regras de colheita do fruto madeireiro, no
PAE Cachoeira. O que se observa na pratica comunitária do movimento dos
seringueiros, é o equacionamento entre as necessidades da família e da unidade
produtiva, com uma gestão apropriada do ecossistema e não somente com o
recurso. Enquanto que nas grandes áreas sob controle privado são poucas as
possibilidades de um planejamento com base em ecossistema, pois, “el ejercicio
total de la propiedad privada es virtualmente imposible en un contexto de
ecosistema” (REGIER apud ALCÁNTARA; KLINT, 1994).
A novidade da relação natureza-seringueiro-indústria consiste, no
deslocamento da indústria para próximo das áreas de produção, que estão com
situação fundiária definida sob controle público e em regime de concessão para os
seringueiros. Na verdade com a conquista das áreas de conservação (RESEX e
PAE) se materializa a autonomia e os seringueiros, manejando meios de produção
e criando relações de produção de caráter horizontal na oferta de matéria-prima
das indústrias. Essa situação, muito embora seja o caminho seguido pela indústria
34 Maciel (2007)
78
florestal nacional e internacional (KATZ E BERCOVICH, 2003), a adoção de um
modelo de cooperação horizontal direto e de desenvolvimento de sinergias locais
pode ser promissora para a relação mercantil entre seringueiro-indústria.
2. RESULTADOS ALCANÇADOS PELA RESISTÊNCIA DOS MADRUGADORES DA FLORESTA
2.1 A Conquista do Acre
É muito difícil penetrar no âmago da natureza e no coração dos
moradores de um território que Bastos (1940), denominou de dois impressionantes
vales e um triângulo florestal de 164.220 (cento e sessenta e quatro mil, duzentos
e vinte quilômetros quadrados), compreendidos no prolongamento dos vales dos
rios Juruá e Purus.
Esses dois rios, que nascem dos contrafortes andinos, fluem quase
paralelamente, identificados pelos aspectos naturais e vão permitir alcançar terras
distantes. Seguem unidos segundo Tocantins (1960), para o mesmo destino
econômico:
[...] as drogas do sertão e a borracha que definiram o impulso desbravador, a partir das primeiras décadas do século XIX, criando condições existenciais para uma sociedade que ali se estabeleceria.
Em 1866 é superada a fase geográfica de descobrimento do Purus e do
Acre, abrindo esses caminhos até então considerados perigosos e desconhecidos
aos ensaios da colonização. Estiveram João Rodrigues Cametá, Serafim Salgado
e Manoel Urbano da Encarnação, considerados os primeiros a chegarem no Rio
Purus, Leandro Tocantins (1960).
A ocupação econômica e social do rio Acre é sentida desde 1887,
(LABRE Apud TOCANTIS):
[...] Este rio é um dos afluentes mais populosos do Purus, exporta hoje em goma-elástica 500.000 quilos. Em pouco tempo
79
aumentará sua produção. A sua população é de 10.000 almas, sem incluir os aborígines que ao duplo. O seu comercio é feito por mais de 15 grandes vapores que, durante a cheia, fazem a navegação do rio, levando anualmente novos trabalhadores e mercadorias.
Arthur Cezar Ferreira Reis considera não apenas admirável no Acre, a
operação contra a floresta e destaca como fundamental o trabalho das sociedades
que forjaram o Acre, fizeram sem que o Estado houvesse planejado, de qualquer
modo, a ocupação da terra e a modificação daquelas energias atuantes. Não
esquecendo feitos como a luta contra o estrangeiro a que o Brasil, numa
obediência à letra de tratado que assinara com desconhecimento total do que
ocorria no interior da Amazônia, reconhecia o direito de soberania sobre o espaço
do Purus-Acre e Juruá para o Estado Boliviano.
O que nos faz concluir que realmente o drama do Acre, nessa primeira
fase, não pode se limitar à conquista da floresta, mas na construção social de
decisões que forçaram o poder público a encontrar soluções adequadas e
oportunas. Tanto na delimitação do território do Estado do Acre, no inicio do século
XX. Como depois na década de 1980, reconhecendo a territorialidade seringueira
delimitada fisicamente pelas Reservas e Projetos Extrativistas, inseridas no interior
da política de Reforma Agrária do governo nacional, sob forte pressão política do
movimento social e ambiental, protagonizado pelos madrugadores da floresta.
Para Tocantins (1960), o século XIX baniu da Amazônia a idéia de
fantásticas Manoás,
a riqueza sonhada estava, na realidade, na exploração da floresta e no cultivo da terra. Os novos processos sociais, frutos de idealizações coletivas universais, trariam outras imagens e símbolos para estimular a economia regional.
2.2 Demarcação da territorialidade seringueira em Xapuri
No território do município de Xapuri, começou a se concretizar o que
Tocantins conseguiu prever sobre a conjugação de forças coletivas universais. De
uma experiência particular os “empates”, se desesconde ou como fala Celso
Furtado se desoculta os componentes sociais e econômicos que faltava ao
80
movimento ambiental, para fazer a defesa das florestas tropicais (ALLEGRETTI,
2003).
Forçando novamente, o Estado Nacional, ainda, no século XX, a
reconhecer a territorialidade seringueira, delimitadas fisicamente pelas Reservas
Extrativistas e Projetos de Assentamentos Extrativistas; politicamente pelos
Sindicatos, Federações de Trabalhadores, Conselho Nacional dos Seringueiros e
suas alianças com Organizações Não Governamentais e governos progressistas e
mais recentemente no âmbito econômico pelo incipiente processo de
industrialização local.
Dessa forma a permanência do seringueiro na floresta, as áreas de
conservação e o processo de industrialização se constituem numa conquista
histórica dos “madrugadores da floresta” demarcando uma racionalidade que pode
contribuir na sustentação do modo de vida no interior da floresta. Como uma
resposta à exclusão nas políticas governamentais de reforma agrária (projetos de
colonização) e de meio ambiente (áreas de preservação).
São dois os momentos em que a região correspondente ao Estado do
Acre é colocada na agenda nacional, com Galvez no inicio do século XX, Costa
(1940) e que resultou na anexação do Acre ao território brasileiro; e com o
movimento dos seringueiros, liderado por Chico Mendes, transformando um
problema local em questão de Estado e em tema internacional, culminando com o
inicio da institucionalização da territorialidade seringueira (Projetos e Reservas
Extrativistas) e a inserção das questões sociais nas políticas ambientais e de
desenvolvimento (ALLEGRETTI, 2003).
Ao mesmo tempo, o movimento dos seringueiros oportuniza a união de
forças políticas do lugar, com a abertura de “janelas de oportunidades políticas”,
que forçam novamente a implosão de contradições, aflorando fendas no seio do
sistema político local, provocando divisões das elites políticas, aparecendo aliados
para os descontentes de fora do sistema (TARROW, 1997). Aliás, no Acre, é o
conjunto de forças vindas das elites e daqueles que faziam parte do confronto, que
conduzem o sistema político estadual, depois do final da segunda metade do
decênio de 1990.
Quando se observa o potencial econômico local, a conquista das áreas
de conservação (Reserva Extrativista Chico Mendes e Projetos de Assentamento
81
Extrativista) representa um total de 1.100.530 hectares, com 2.200 famílias
assentadas, área media por “colocação” de 528 hectares (tabela 4), todas
distantes num raio inferior a 200 Km, das industrias localizadas em Xapuri.
Tabela 1 - Base de Ativos Florestais Comunitária em Áreas de Conservação Próxima à Região de Xapuri, Estado do Acre, Brasil - 2007.
UNIDADE Área (ha)
MUNICÍPIO SITUAÇÃO Reserva Extrativista Chico Mendes 976.570 Xapuri/Sena/Brasiléia
Inicío Manejo - 2004
Assent. Extrativista São Luis 39.570 Capixaba Operando - Certificado FSC
Assent. Extrativista Chico Mendes (Cachoeira) 24.898 Xapuri
Operando - Certificado FSC
Assent. Extrativista Santa Quitéria 44.205 Brasiléia/Assis Brasil
Inicío Manejo - 2004
Assent. Extrativista Porto Rico
7.530 Epitaciolândia Inicío Manejo - 2005
Assent. Extrativista Equador 7.757 Xapuri Operando - Certificado FSC
TOTAL 1.100.530
Fonte: Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, Fase II.
Os Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAE) e Reservas Extrativistas
RESEX), aportam uma nova compreensão do papel da propriedade coletiva na
floresta tropical Amazônica, fruto do reconhecimento da demanda do movimento
dos seringueiros por uma política de reforma agrária diferenciada em áreas
habitadas por populações tradicionais. Esse cenário supera a concentração de
terra em mãos de um pequeno grupo de proprietários rurais beneficiados
historicamente para Furtado (1983), pelas políticas de governo.
Dessa forma, as áreas de conservação de uso coletivo (PAE E RESEX)
asseguram que a política agrária seja mais igualitária. E ao mesmo tempo,
permitem pensar alternativas de políticas publicas que conservam a integridade
dos ecossistemas35 naturais e das comunidades tradicionais, permitindo ainda, um
processo de industrialização sem descamponização36 e até de recamponização
35 É o conjunto de organismos vivos e seu ambiente não-vivo (abiótico) que estão inseparavelmente inter-relacionados e interagem entre si. Este nível de organização deve ser nossa primeira preocupação se quisermos que a nossa sociedade inicie a implementação de soluções holísticas para os problemas que estão aparecendo agora ao nível do bioma e da biosfera (ODUM, 1988). 36 Proposta do economista egípcio Ismaïl Sabri apud Sachs, (2004) para aqueles países ou regiões que tem fronteira rural a explorar.
82
como se observou no (PAE) Cachoeira, no decorrer do trabalho de campo da
presente pesquisa.
No caso das indústrias localizadas em Xapuri, toda a iniciativa de
elaboração do projeto e implantação teve motivação originada pelo movimento dos
seringueiros, com todo apoio da política publica estadual e municipal, estendida
desde as fábricas de castanha, preservativo e piso de madeira. A fabrica de
castanha foi cedida para a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri; a de
preservativo é coordenada pela Fundação de Tecnologia do Acre( FUNTAC); a de
piso é uma experiência de concessão publica realizada com o setor privado e a
Cooperfloresta que representa o setor comunitário.
Na sede do Pólo de Industria Florestais de Xapuri, também conta com a
fabrica de moveis AVER Amazônia e a Escola Carlos Castiglionne que se encontra
sob coordenação do Instituto de Educação Dom Moacyr Gretti.
2.2.1 Localização geográfica da Relação: natureza-seringueiro-industria
O mapa que segue localiza territorialmente a conquista local dos
“madrugadores da floresta”, desde começo do século XX, as bases dessa nova
realidade social de interesses difusos. Como destaque o mapa do Estado do Acre,
o município de Xapuri, o Projeto de Assentamento Extrativista Cachoeira, os
investimentos industriais e o porto seguro do seringueiro a “colocação”, lugar em
que se desenvolve parte da pesquisa ora apresentada. Outras informações sobre
o município de Xapuri seguem para melhor situar a realidade sócio-econômica do
lugar.
População estimada: 14.314 habitantes (2007)
Urbana: 8.198
Rural: 6.116
Domicílios urbanos: 2.947 (2007)
Domicílios rurais: 1.591 (2007)
Criação do município 23 de outubro de 1912.
Localização: Região do Vale do Acre.
Altitude: 150 metros.
Longitude: 10° 39’ 06” Sul.
83
Área da unidade territorial: 5.251 Km²
Densidade demográfica: 2,72 h/Km²
Limites: Limita-se ao norte com o município de Rio Branco, ao sul com o município
de Epitaciolândia, a leste com o município de Capixaba, a oeste com o município
de Sena Madureira e a sudoeste com o município de Brasileira.
Clima: Quente com período chuvoso de 5 meses – novembro a marco.
Temperatura média anual: 26,5°C
Fuso horário: -1 hora do horário de Brasília.
Acesso rodoviário: BR-317, totalmente pavimentada.
Distancia da Capital: 183 Km.
Economia: Indústria moveleira, piso, preservativo, beneficiadora de castanha e um
pequeno frigorífico local.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
84
Figura 8 - Localizando o Estado do Acre, o Município de Xapuri, o Projeto de Assentamento Chico Mendes, denominado no presente trabalho de Cachoeira e as indústrias junto com o pólo moveleiro.
Fonte: Instituto de Meio Ambiente do Estado do Acre – IMAC.
85
2.3 Análise comparativa entre o projeto de assentamento extrativista Cachoeira e o projeto de assentamento dirigido Humaitá
Essa seção do trabalho explora a experiência de dois Projetos de
Assentamento Rural, com históricos diferentes tanto na criação institucional, como
de intervenção no Meio Ambiente Natural, ambos executados pelo Instituto de
Reforma Agrária (INCRA): um relacionado com a agricultura, Projeto de
Assentamento Dirigido Humaitá, outro com o extrativismo Projeto de
Assentamento Extrativista Cachoeira. Considerando as atividades produtivas nos
dois projetos, se observa o custo físico da natureza e a penosidade do trabalho
que resulta do processo econômico com o manejo dos meios de produção - Força
de Trabalho Familiar e Natureza.
Para a análise econômica, toma-se como base a pesquisa recente de
Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural do Estado
Acre, da Universidade Federal do Acre, Departamento de Economia -
ASPF/UFAC, conjugadas com informações de desmatamento coletadas junto ao
Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) e de concentração fundiária e
mobilidade da população, coletadas junto ao (INCRA), trabalhos acadêmicos e
visitas diretas nas áreas pesquisadas.
Utilizando essa base de dados, se apresentam as diferenciações
econômicas, sociais, ecológicas e culturais desses dois modelos de assentamento
humano no Acre rural, onde se identificam os produtos que oferecem melhores
resultados, causas e deficiências diferenciadoras do conjunto de atividades
produtivas praticadas por unidades econômicas de tipo familiar, assentadas nos
dois projetos.
2.3.1 Histórico do Projeto de Assentamento Dirigido - PAD Humaitá37
A política de colonização dirigida pelo governo brasileiro, que
acompanhava a expansão do capitalismo para a Amazônia, no decênio de 1970,
37 Esse projeto chamado inicialmente de Projeto de Assentamento Dirigido, foi desapropriado por interesse social, pelo governo federal, através do Decreto-Lei 85.187 de 22 de setembro de 1980 e confirmado pela resolução n° 117 de 08 junho de 1981.
86
no Acre, teve como mais um ensaio o Projeto de Assentamento Dirigido Humaitá.
Os projetos de colonização eram os meios encontrados para amenizar conflitos
sociais que emergiam no mundo rural brasileiro.
A área total do projeto foi inicialmente de 63.861 hectares, dividida em
946 lotes de 50 a 150 ha, absorvendo 234 famílias de origem local, o restante dos
lotes foi destinado para moradores provenientes de outras regiões do país.
Localizado a 33 Km da cidade de Rio Branco, ao longo da Rodovia
Estadual AC-10, que liga o município de Rio Branco ao de Porto Acre. Esta
rodovia foi completamente asfaltada. A parte leste do projeto é tangencialmente
cortado pela BR-317 que liga o município de Rio Branco ao de Boca do Acre
trecho também asfaltado. Conta, também, com o Rio Acre que oferece acesso
para algumas famílias ribeirinhas.
Existem no Projeto 21 linhas (ramais) que interligam as 946 parcelas,
perfazendo um total de 226 Km de estradas trafegáveis e 43 Km de asfalto
beneficiando toda a linha-01, a linha-04 e AC-10 que corta a área do projeto no
meio. Esta quantidade de estradas facilita, consideravelmente, o acesso dos
parceleiros às suas áreas, beneficiando-os no momento do escoamento da
produção, como também, na valorização da terra.
A evolução histórica do desmatamento, expressa o custo físico da
natureza que resulta da ocupação das atividades agropecuárias no (PAD)
Humaitá.
87
Tabela 2 - Histórico de Desmatamento do Projeto de Assentamento Dirigido Humaitá, Acre, Brasil - 1988/2006.
Ano Hectares %Desmatamento
Desmatamento Cumulativo
1988 13.408,0 21,3 21,3 1994 9.568,9 15,2 36,5 1995 5.303,6 8,4 44,9 1996 1.422,5 2,3 47,2 1997 937,9 1,5 48,7 1998 719,1 1,1 49,8 1999 1.192,7 1,9 51,7 2000 2.662,8 4,2 56,0 2001 1.158,9 1,8 57,8 2002 1.843,4 2,9 60,7 2003 1.896,7 3,0 63,7 2004 1.374,6 2,2 65,9 2005 1.690,2 2,7 68,6 2006 567,99 0,9 69,84 Área Total 62.928,211
Fonte: Instituto de Meio Ambiente do Estado do Acre – IMAC.
2.3.2 Analise do Desempenho Econômico da Produção Agropecuária do PAD - Humaitá
Na (tabela 3), a Renda Bruta (RB) das unidades econômicas familiares
agrícolas do (PAD) Humaitá é constituída por 80,86% dos produtos oriundos do
Meio Ambiente Transformado. Os principais produtos que formam esse valor
relativo da (RB) são: 44,37% da criação de gado bovino; 14,47% pela produção de
macaxeira e 7,25% pela produção de macaxeira/farinha. Contudo, somente a
produção de gado bovino tem quantidade media produzida superior ao Ponto de
Equilíbrio (PE), tabela 4.
Mesmo tendo uma Renda Bruta (RB) vinda da criação de gado bovino
superior ao custo de produção e Índice de Equilíbrio Econômico de 1,28, portanto,
favorável para a produção desse produto (tabela 4). Quando se observa o conjunto
da unidade produtiva familiar do PAD Humaitá, o resultado do valor monetário
disponível, representado pela Margem Bruta Familiar (MBF) de R$ 517,69; com
esse resultado econômico a família assentada fica impossibilita de cobrir parte das
necessidades que devem ser atendidas pelo mercado, representada pela Linha de
88
Dependência do Mercado (LDM) que é de R$ 941,47 (tabela 11).
O déficit de R$ 423,78 apresentado acima mostra a fragilidade econômica
da produção familiar no PAD Humaitá, haja vista a representação da Renda Bruta
(RB) ser constituída em 66% por três produtos (Criação de gado bovino,
macaxeira e macaxeira/farinha) que apresentam baixo desempenho econômico,
quando comparado com produtos como abacaxi e maracujá que têm Índices de
Eficiência Econômica (iee)38 e quantidade produzida superior ao ponto de
equilíbrio, porém, representam somente 4,84% da Renda Bruta da unidade familiar
(tabela 3 e 4).
Tabela 3 - Principais Produtos Geradores de Renda Bruta, PAD Humaitá, 2005/2006, Acre/Brasil.
Linha de Exploração
% Geração de Renda Bruta
CRIAÇÃO DE GADO BOVINO 44,37%MACAXEIRA 14,47%MACAXEIRA/Farinha 7,25%MILHO 3,43%CRIAÇÃO DE AVES
3,37%CARVÃO 3,13%ABACAXI 2,60%MARACUJA
2,24%Fonte: ASPF (2008)
38 Índice de Eficiência Econômica (IEE): é a relação que indica a capacidade de a unidade de produção familiar gerar valor por unidade de custo. É um indicador de benefício/custo do conjunto da unidade de produção. IEE > 1, a situação é de lucro; IEE < 1, a situação é de prejuízo; IEE = 1, a situação é de equilíbrio, ASPF/2008.
89
Tabela 4 - Desempenho Econômico dos Principais Produtos, PAD Humaita, 2005/2006, Acre/Brasil
Linha de Exploração RB CTLE
MBF
MBF/Qh/d
IEE
Preço
Qtde PE
ABACAXI 510,00 278,06 471,34 77,79
2,00
1,15 5.400,00 2.838,09
CARVÃO 237,50 203,93 174,80 99,42
1,04
1,25 2.400,00 1.756,88
CRIAÇÃO DE AVES
33,33 27,56 28,89 12,14
0,63
10,00 50,00 38,39
CRIAÇÃO DE GADO
196,00 108,63 182,51 69,81
1,28
200,00 15,00 8,48 MACAXEIRA 110,00 132,08 103,18 38,93
0,86
0,40 2.500,00 3.607,79 MACAXEIRA/Farinha
146,67 126,53 127,70 42,71
1,67
0,40 3.700,00 4.504,29 MARACUJA 129,17 35,71 124,57 165,43
3,14
2,50 650,00 190,59 MILHO 25,00 39,71 20,00 0,97
0,42
0,40 750,00 1.191,18 Obs.:* Relativo ao período 2005/2006; MBF/Qh/d - Remuneração diária da força de trabalho familiar; MBF - Margem Bruta Familiar; RB - Renda Bruta; IEE - Índice de Eficiência Econômica; CTLE - Custo Total; CPU - Custo Unitário; QTDE - Quantidade vendida; PICT - Ponto de Igualação ao Custo Total Fonte: ASPF (2008)
Visto por outro ângulo, o somatório do valor monetário dos três principais
produtos comercializados pela unidade produtiva familiar do PAD Humaitá somam
uma Margem Bruta Familiar (MBF) igual a R$ 413,39, enquanto que a somatória
da comercialização dos produtos abacaxi e maracujá alcançam uma (MBF) de R$
595,91 / mês, (tabela 4). Ou seja, operacionalizando a diferença resulta em R$
182,52/mês, esse valor significa a perda do produtor, que pode ser produto da
precariedade de informações, na tomada de decisões para a escolha da melhor
alternativa de produção de mercadorias. Esse resultado compromete a
remuneração dos meios de produção (Força de Trabalho Familiar (FTF), Insumo
Doméstico ID e Dinheiro – D), deixando a unidade produtiva em condições
deficitária, ao iniciar a próxima safra.
Ao permanecer como opção de investimento, nas unidades econômicas
familiares, atividades que não otimizam seus meios de produção, como predomina
no (PAD) Humaitá, a tendência é acompanhar a valorização da terra pela via da
ampliação da pastagem, para posterior valorização do lote e sua conseqüente
negociação. Essa pode ser uma das razões do desmatamento até o ano de 2006,
de 69,84% da área total; trazendo como conseqüência uma rotatividade de
parceleiros, até o ano de 1996, de 2.052 famílias nas 946 parcelas do projeto.
Constatando-se que somente 20% dos lotes estavam ocupados por famílias
assentadas desde a implantação do projeto e que havia uma concentração de 249
90
parcelas nas mãos de 89 ocupantes, ou seja, temos um tamanho da parcela de
189 hectares (MEIRELES, 1998).
Como se observou acima, no (PAD) Humaitá, acontece uma forte tendência
de concentração da estrutura fundiária, com (reforma agrária às avessas)
comprova ao mesmo tempo, a tese da “Regla del Notário” representada no gráfico
1, em que são os pobres que realizam o desmatamento (custo físico) sem usufruir,
do suposto processo de valorização monetária advinda do aumento da escala da
produção de gado bovino. Ficando como opção para o assentado da reforma
agrária em projetos de colonização a limpa física e social da área com alto custo
físico da natureza e valorização monetária crescente, para que os chamados
“ricos” conduzam o processo produtivo (NAREDO e VALERO,1999).
2.3.3 Histórico do Projeto de Assentamento Extrativista – PAE “Chico Mendes”, Conhecido como PAE Cachoeira
Conhecido como Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira,
marca o inicio de uma mudança institucional na concepção de reforma agrária,
necessária para a realidade física e social de parte do território amazônico que tem
na floresta o principal sustentáculo de sua economia. O Estado, ao reconhecer no
interior da política nacional de reforma agrária a posse extrativista e permitir
assentamentos diferenciados, como os “Projetos de Assentamento Extrativistas”,
passa a oferecer na região de Xapuri, condições materiais para o inicio de uma
industrialização intensiva em ativos florestais, onde em grande parte esses
recursos estão sob domínio dos seringueiros.
O Seringal Cachoeira, conhecido originalmente como Seringal Mucuripe, de
acordo com entrevista com os moradores, nos últimos noventa anos, esteve
continuamente ocupado. Transformado em Reserva Extrativista inicialmente por
vontade própria dos seringueiros, em reação aos primeiros Projetos de
Assentamentos Extrativistas criados fora da área de maior conflito fundiário do
Estado do Acre, Xapuri. Macauã, Município de Sena Madureira; Santa Quitéria
91
(Brasiléia) e São Luis do Remanso (entre Rio Branco e Xapuri) hoje município de
Capixaba. Somente em 31 de julho de 1988 que o seringal cachoeira foi
transformado em Projeto de Assentamento Extrativista (PAE).
Com uma área total de 24.967,3 hectares (tabela 5), distribuídas para 87
famílias. As atividades econômicas do (PAE) Cachoeira, conforme relatório de
exploração, realizado em maio de 2005, pela Coordenação de Extrativismo e
Floresta, do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), a área de capoeira era
de 570 ha., área de pastagens de 745,25 ha., agricultura de 137 ha. (tabela 8).
Contando, ainda, com 307 estradas de seringa, a produção de borracha de 19.920
quilos/ano e de castanha de 18.349 latas39 de castanha do Brasil / ano.
Localizado a 32 km da cidade Xapuri, conectado com a Rodovia BR-317,
trecho Brasiléia / Xapuri, através dos ramais Cachoeira com extensão de 16 km e
ramal Porto Rico 18 km, internamente cortado pelo ramal do chora Menino e do
Manoel Ramalho, toda a extensão dos ramais são de terra e oferecem poucas
condições de trafegabilidade no período invernoso.
Na evolução histórica do desmatamento do PAE Cachoeira, se observa
uma tendência crescente, porém, na medida que se introduz uma política de
ampliação da diversificação industrial dos ativos florestais, esse processo começa
a dar sinais de mudança na forma de uso do Meio Ambiente Natural, no interior do
PAE.
39 Uma lata castanha corresponde aproximadamente a 10 quilos de castanha com casca.
92
Tabela 5 - Evolução do Desmatamento no Projeto de Assentamento Extrativista - Cachoeira, 2007, Acre/Brasil.
Ano Hectares %Desmatamento
%Desmatamento
Cumulativo 1988 558,39 2,2 2,2 1994 178,47 0,7 3,0 1995 93,19 0,4 3,3 1996 63,48 0,3 3,6 1997 34,33 0,1 3,7 1998 32,31 0,1 3,8 1999 146,29 0,6 4,4 2000 192,69 0,8 5,2
2001 387,11 1,6 6,8 2002 46,11 0,2 6,9 2003 433,06 1,7 8,7 2004 203,34 0,8 9,5 2005 197,49 0,8 10,3 2006 148,41 0,6 11,04
Área Total 24.967,30
Fonte: IMAC (2008)
2.3.4 Diferença do Custo Físico da Natureza entre o (PAE) Cachoeira e (PAD) Humaitá
A evolução do desmatamento (gráfico 4) expressa formas diferentes de
integrar processos econômicos com os ecológicos e as necessidades
comunitárias, realizadas pelas unidades econômicas de tipo familiar. A expansão
do Meio Ambiente Transformado para a criação de gado bovino nos dois projetos
acompanhava a política publica incentivada pelo Estado para a região do Acre,
consequentemente, seguida pelas unidades produtivas de origem familiar no
mundo rural acreano
93
Gráfico 4 - Evolução do Desmatamento no PAE Cachoeira e PAD Humaitá, 1988/2006, Acre/Brasil
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
1988 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Anos
% D
esm
tam
ento
PA Humaitá
PAE Chico Mendes
Fonte: IMAC.
O crescimento do desmatamento no (PAD) Humaitá mostra que as
necessidades humanas do camponês desconhecem as leis que limitam o
desmatamento. Na ausência de alternativas para suprir suas necessidades as
unidades econômicas de produção familiar, começam o processo de substituição
da floresta, primeiramente cultivando grãos para suprir o autoconsumo. Depois
segue o pasto, feito o pasto começa o povoamento com gado bovino que deveria
cobrir as demandas de bens de consumo e serviços comprados no mercado. Aí
começam os problemas para a sustentabilidade da unidade produtiva familiar,
quando persiste na produção agropecuária como objetivo para alcançar a
reprodução familiar.
94
2.3.5 Analise do Desempenho Econômico das atividades produtivas no Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Cachoeira.
No intercâmbio ecológico com o Meio Ambiente Natural e o econômico com
o Meio Ambiente Social realizado pelas Unidades Econômicas Familiares
Extrativistas (UEFE) do (PAE) Cachoeira, percebe-se, que 81,30% da Renda Bruta
(RB)40 tem origem na colheita dos frutos do Meio Ambiente Natural (MAN) e
somente 15,39% da (RB) no Meio Ambiente Transformado (MAT), tabela 6.
Ressaltando que o valor relativo de 15,39% é constituído somente com a criação
de gado bovino, que apresenta Índice de Eficiência Econômica41 de 0,30, portanto,
deficitária; confirmado, ainda, pelo Ponto de Equilíbrio42 igual a 3, enquanto que a
quantidade produzida é de apenas 2, (tabela 7).
Tabela 6 - Principais Produtos Geradores de Renda Bruta, (PAE) Cachoeira, 2006/2007, Acre/Brasil
Linha de Exploração % Geração de Renda Bruta
CASTANHA 58,70%MADEIRA 22,61%CRIAÇÃO DE GADO BOVINO 15,39%Fonte: ASPF (2008)
Observando o desempenho econômico por produto, tem-se que a criação
de gado bovino se constitui no produto que a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) oferta no mercado com menor retorno financeiro, como se
evidencia pela representação da Margem Bruta Familiar (MBF)43 equivalente a R$
66,67/mês; enquanto que os ativos florestais (látex, castanha e madeira
40 Renda Bruta (RB): valor da produção destinada ao mercado, ASPF/2008.
41 Índice de Eficiência Econômica (IEE): é a relação que indica a capacidade de a unidade de produção familiar gerar valor por unidade de custo. É um indicador de benefício/custo do conjunto da unidade de produção. IEE > 1, a situação é de lucro; IEE < 1, a situação é de prejuízo; IEE = 1, a situação é de equilíbrio, ASPF/2008. 42 Representa a quantidade de produção mínima, a um dado nível de preços de mercado, necessária para cobrir os custos totais, ASPF/2008. 43 Margem Bruta Familiar (MBF): é o resultado líquido específico e próprio para indicar o valor monetário disponível para a subsistência da família, inclusive uma eventual elevação do nível de vida, se o montante for suficiente. Em situações favoráveis, poderá ser suficiente para ressarcir custos fixos, especialmente a exigência mínima de reposição do patrimônio. Cumpridas estas funções, a disponibilidade restante pode ser usada como capital de giro, ASPF/2008.
95
certificada) somados alcançam uma (MBF) equivalente a R$ 970,96/mês, (tabela
7).
Outra informação importante encontrada na comercialização dos ativos
florestais e na criação de gado bovino, consiste na apropriação da renda medida
pela relação MBF/RB44 por parte do seringueiro próximo de 1, mesmo na criação
do gado bovino a medida fica em 0,92; (tabela 7). Esse indicador mostra certa
autonomia da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), em relação ao
mercado.
Tabela 7 - Desempenho Econômico dos Principais Produtos, no (PAE) Cachoeira. Incluindo simulação na Introdução da Tecnologia (MODEFLORA), na Elaboração do Plano de Manejo Florestal Sustentável, feito pela Unidade Econômica Familiar Extrativista, 2006/2007, Acre/Brasil.
Quando se analisa pela ótica da remuneração da Força de Trabalho
Familiar (FTF) na criação de gado bovino o valor monetário da relação MBF/Qh/d45
R$ 21,54 (tabela 7), representa o menor pagamento da mão-de-obra, pela
44 Relação MBF/RB: é a relação mais apropriada para medir a eficiência econômica da produção familiar, pois mostra que proporção de valor a unidade de produção tornará disponível para a família por cada unidade de valor produzido. Uma relação superior a 50% é considerada favorável, ASPF/2008.
45 Relação MBF/Qh/d: é o índice de remuneração da força de trabalho familiar. Mostra a quantia de margem bruta gerada por unidade de trabalho familiar (1 h/d = 1 jornada de trabalho). O valor deve ser comparado com o preço de mercado da força de trabalho. Qh/d = quantidade de força de trabalho utilizada no ciclo produtivo da linha de exploração ou a quantidade total anual de força de trabalho familiar utilizada pela unidade de produção, ASPF/2008.
Linha de Exploração RB CTLE MBF MBF/Qh/d
MBF/RB IEE CPU Preço Qtde PICT
LÁTEX 210,00
82,50
203,40
32,12 0,97
2,55
1,38
4,40
300,00
118,00
CASTANHA 397,08
235,22
388,41
50,25 0,99
1,47
7,29
10,00
476,50
282,27
MADEIRA CERTIFICADA 30 h/d
379,17
95,67
379,15
303,32 1,00
4,94
26,34
130,00
35,00
8,83
MADEIRA CERTIFICADA 12 h/d
379,17
40,67
379,16
1.137,40
1,00 11,79
11,02
130,00
35,00
0,00
CRIAÇÃO DE GADO BOVINO
66,67
50,40
66,67
21,54 0,92
0,30
169,35
400,00
2,00
3,00
Fonte: ASPF (2008)
96
Unidade Econômica familiar Extrativista (UEFE). Esse valor se aproxima ao da
remuneração da mão-de-obra sem qualificação, oferecida pelo mercado regional.
No entanto, novamente a remuneração na criação de gado bovino é inferior aos
das atividades florestais. Esse índice mostra, ao mesmo tempo, que nas condições
econômicas predominantes no interior do (PAE) Cachoeira, as atividades
econômicas desenvolvidas pela Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE),
concorrem com outras atividades econômicas rurais e urbanas, na atração da
mão-de-obra local. Daí uma importante evidencia do ponto de vista econômico,
que muito contribui com o processo de recamponização encontrado na pesquisa
de campo do trabalho ora apresentado.
Depois de introduzir no sistema extrativista a colheita do fruto madeireiro
feito através de um Plano de Manejo Florestal Sustentável, organizado pela
Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), associada com o processo
industrial local, percebe-se um deslocamento da ocupação da Força de Trabalho
Familiar (FTF), das atividades produtivas agropecuárias para a colheita do produto
madeireiro. Isso acontece em razão dessas duas atividades feitas pela (UEFE)
ocorrerem no Meio Ambiente Natural e concorrem pelo espaço geográfico, pelo
tempo do chamado verão amazônico (maio/outubro) e pela (FTF) disponível na
(UEFE).
Quando comparada a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) com
a unidade de produção familiar do (PAD) Humaitá pela ótica do custo de produção,
existe uma diferença, mesmo ofertando maior quantidade de produtos para o
mercado e tendo um autoconsumo superior, a (UEFE) tem custo de produção
inferior em 5,76%, (tabela 11, página, 108). Esse resultado mostra que o
seringueiro ao fazer a colheita dos frutos da natureza, sem ser necessário fazer o
cultivo, tem vantagem econômica com relação às unidades que substituem a
floresta por culturas temporárias, seja para autoconsumo ou para produção de
mercadoria.
Os indicadores econômicos por produto constantes na tabela 7,
ASPF/2008, mostram que dos quatro produtos que a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) do PAE Cachoeira colocados no mercado, somente a criação
97
de gado bovino trazem resultados negativos para a UEFE. No entanto, esse
produto quando visto pela ótica do autoconsumo, pela diminuição da pressão
sobre a caça de animais silvestres e pela criação de uma reserva de valor, se
torna extremamente necessária para a reprodução da família e da unidade
produtiva.
O resultado econômico favorável para a (UEFE) com a comercialização de
ativos florestais, evidencia a importância do processo de industrialização de
Xapuri, realizado com investimentos públicos que passa a dinamizar a economia
local agregando valor aos ativos florestais e remunerando a Força de Trabalho
Familiar em patamar igual ou superior ao mercado regional, fortalecendo ainda
mais a mediação entre o modo de vida do seringueiro que produz valores de uso
para o autoconsumo e valores de troca de origem florestal na relação com o
mercado, sem perder as características originais da cultura camponesa
seringueira. Daí a necessidade de um entendimento histórico sobre as respostas
endógenas, surgidas a partir da própria cultura local (TOLEDO, 1993).
2.3.6 Influência da Tecnologia MODEFLORA46 no Desempenho Econômico da Unidade Econômica Familiar Extrativista
Ao incorporar tecnologia como o Modelo Digital de Exploração Florestal
(MODEFLORA) a Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) oferece
possibilidade, não somente de redução do impacto das atividades de colheita dos
frutos e otimização dos meios de produção, mas, também, de dimensionamento do
potencial de oferta de ativos florestais cuidadosamente planejados, determinando
com maior precisão a oferta efetiva anual de matéria-prima para as indústrias e
monitorar a evolução da área desmatada destinada para autoconsumo e aquela
transformada em pastagens.
Na tabela 7 e 11, mostra-se a diferença que a introdução da tecnologia
MODEFLORA proporciona, tanto em termos de elevação da receita, quanto na
46 Resumo no anexo 2.
98
diminuição do custo de produção no levantamento físico dos ativos florestais que
fazem parte da elaboração do Plano de Manejo Florestal Sustentável de baixa
intensidade47. Enquanto pelo sistema tradicional (sistema de coordenada X e Y)
havia necessidade de 30 homens / dia para realizar o levantamento de 10 hectares
de floresta com vistas a fazer o (PMFS). Na tecnologia (MODEFLORA), quando
devidamente apropriada pelo seringueiro fica limitada a 12 homens/dia.
Enquanto a remuneração da atividade de colheita do fruto madeireiro,
associado ao incipiente processo industrial florestal de Xapuri tem MBF/Qh/d, de R$
303,32 (tabela 7 e 11), sem incorporação da tecnologia (MODEFLORA). Esse
indicador já mostra uma alta remuneração da mão-de-obra, seguida de uma baixa
penosidade do trabalho, porém, significa para a Unidade Econômica Familiar
Extrativista um nível de ocupação considerado baixo e maior qualificação da mão-
de-obra. Porém, evidencia a influencia da política publica e o apoio das
organizações Não-Governamentais e organização comunitária.
Quando se faz a introdução da Tecnologia do Manejo de Prisão em
Floresta Tropical: Modelo digital de Exploração Floresta (MODEFLORA)
desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A
relação MBF/Qh/d na colheita do fruto madeireiro, passa para R$ 1.137,40 e o custo
de produção fica 58% inferior ao sistema tradicional. Por outro lado, do ponto de
vista, do custo físico da natureza, a tecnologia proporciona, ainda, uma diminuição
da intensidade da intervenção na natureza, de 22,20% para 14,85% (anexo 2).
Esse resultado pode ser potenciado a partir do domínio da tecnologia
MODEFLORA, pelo seringueiro que pode localizar os ativos florestais da
“colocação” onde nasceu e se criou, com maior eficiência que qualquer outro
trabalhador que não conhece o lugar. Podendo, não somente, contribuir com o
aumento da eficiência no trabalho de campo dos planos de manejo, bem como na
contribuição com a otimização no uso de maquinas (tratores de pneu e skidder) e
equipamento na colheita do produto.
47 Conceito desenvolvido no Art 5°, inciso II da Instrução Normativa N° 5, de 11 de dezembro de 2006. Dispõe sobre procedimentos técnicos para elaboração, apresentação, execução e avaliação técnica de Planos de Manejo Florestal Sustentável – PMFS nas florestas primitivas e suas formas de sucessão na Amazônia Legal.
99
Diminuindo, também o trabalho de escritório e de monitoramento. Os
indicadores físicos e monetários dessa inovação tecnológica seguem no (anexo
02). Antes disso, o pesquisador Figueiredo (2007), faz um resumo das principais
vantagens da nova técnica de planejamento florestal:
O modelo: (a) reduz os custos de elaboração e execução de Planos de Manejo Florestal; (b) aumenta a eficácia do processo de licenciamento e monitoramento; (c) eleva a precisão das informações geoambientais do manejo florestal; (c) promove o manejo florestal de impacto reduzido; e (d) informatiza e rastreia as operações de campo (do inventário a exploração). Além da plotagem das árvores com coordenadas verdadeiras, a elaboração do Modelo Digital do Terreno proporciona a reconstituição em 2D ou 3D da formação topográfica local, com essa técnica é possível realizar um planejamento muito mais adequado das estradas florestais, pátios e trilhas, priorizando a redução de impactos ambientais, otimização de fatores econômicos e da segurança no trabalho.
Acrescenta-se, ainda, que a massa florestal na região do PAE
“Cachoeira”, é considerada de alta produtividade o que contribui com o baixo custo
operacional na colheita do fruto madeireiro. A avaliação do pesquisador da
Evandro Orfanó Figueiredo a quantidade retirada na safra/2001 de frutos
madeireiros do (PAE) Cachoeira, de 3,9m³/hectare para um ciclo de 30 anos, ficou
muito abaixo do nível de mortalidade anual daquela floresta, confirmando o que
(DALY, 2007), destaca sobre os ativos florestais renováveis, em que a taxa de
colheita deve ser equivalente ou inferior com a taxa de recomposição do ativo
florestal.
2.3.7 O Autoconsumo e a Diminuição da Área de Pastagem
Uma característica que permanece na unidade econômica familiar
extrativista do (PAE) Cachoeira é a produção destinada para o autoconsumo com
valor de R$ 207,50, enquanto que para Vale do Acre, o valor ficou em R$ 177,42 e
para sistema agrícola foi de R$ 148,27, já no sistema extrativista de todo o Vale do
Acre foi de R$ 238,31 (anexo 3).
100
Com o Autoconsumo superior em 39,56% (tabela 11), em relação à
unidade familiar agropecuária do (PAD) Humaitá, a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) do (PAE) Cachoeira, se mostra menos dependente do
mercado. Consumindo a produção agropecuária que tem menor valor agregado a
preço inferior aos praticados na economia urbana, a (UEFE) aproveita melhor o
esforço produtivo feito pela Força de Trabalho Familiar (FTF) e de insumos
domésticos (Id). Obtendo, consequentemente, maior autonomia, garantia da
reprodução familiar e da unidade produtiva no mesmo espaço da atividade
produtiva.
A colheita de madeira associada a uma indústria local, a fiscalização do
INCRA, do IBAMA, do IMAC e o trabalho de conscientização da Associação da
Comunidade do PAE Cachoeira, têm contribuído na diminuição da área de
pastagem, da agricultura e conseqüentemente no aumento da área de “capoeira”.
Essa constatação é percebida em dois relatórios de exploração do (PAE)
Cachoeira, realizados pela Coordenação de Extrativismo e Floresta do INCRA,
(tabela 8). Esse resultado expressa a importância de conjugar como política de
monitoramento das atividades em áreas de conservação, instrumentos
econômicos e os de comando e controle.
A redução da área de pastagem e daquela destinada à agricultura, que
aparece na tabela 8, evidencia o reflexo da colheita de madeira realizada no ano
de 2001, resultando num desmatamento absoluto de 46,11 hectares, (ver tabela
5), representando 0,2% da área total do PAE Cachoeira, considerado um dos
melhores anos, depois de sua criação em julho/1988, na transformação do Meio
Ambiente Natural, em área de pastagem ou agrícola.
Tabela 8 - Variação no comportamento do uso terra no PAE Cachoeira ÁREA EXPLORADA (HÁ.)
ANO Agrícola Pastagem Capoeira
2003 183 1.347
370
2005 137 745,25
570,25
Diferença (46) (601,75)
200.25
Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
101
Figura 9 - Uso da área desmatada no (PAE) Cachoeira, 2005.
Agrícola; 137; 9%
Pastagem; 745; 52%
Capoeira; 570; 39%
Fonte: INCRA
A alta penosidade em que a Força de Trabalho Familiar (FTF) se
submete nas derrubada da floresta, associados com os preços, baixa
produtividade, logística de escoamento e armazenamento precário dos produtos
agrícolas; são fatores determinantes para que a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) tenha no sistema extrativista a alternativa econômica de
concorrência interna com as atividades agropecuárias destinadas ao mercado.
Esses fatores têm relação direta com a dinâmica econômica de geração de
emprego e renda promovida pela industrialização local que, vai influenciar na
representatividade do nível de atividade econômica da produção extrativista do
(PAE) Cachoeira.
2.3.8 A Industrialização e o Processo de Recamponização do PAE Cachoeira
O processo de industrialização local diversificado (fabrica de castanha,
de preservativo, moveis e piso de madeira) se constitui no grande empurrão que a
política publica realiza para dinamizar a economia florestal local. Vêm
102
influenciando sobremaneira no processo de recamponização que acontece no
PAE Cachoeira, que ao colocar os preços dos ativos florestais em outro patamar,
ativa as energias e área de abrangência produtiva da Unidade Econômica Familiar
Extrativista. Nos registros de campo do presente trabalho, em todas as unidades
produtivas visitadas, há membros da família ocupados na colheita de frutos
florestais existentes na “colocação” e nos serviços estendidos pelas fábricas para
o interior da floresta.
O número de ocupações criadas , mesmo com todas as incertezas, fica
entre um e três membros por família. Destacando que somente em uma existem
cinco famílias morando na mesma “colocação”, todos casados e vivem das
atividades econômicas ampliadas pelo processo de diversificação, sustentada pela
agregação de valor dos ativos florestais. Acrescenta-se ainda que em 7 das 9
“colocações” acompanhadas no decorrer da pesquisa, a existência da figura do
“meeiro”. Ou seja, para cada “colocação” foi possível, proporcionar a ocupação de
mais duas famílias48, promovendo ainda a queda no custo físico da natureza, da
penosidade do trabalho e melhoria da renda do concessionário florestal do PAE
Cachoeira.
Outro indicador que reflete a recamponização proporcionada pelo
processo social de industrialização pode ser observado pelo crescimento dos Bens
de Consumo e Serviços Comprados no Mercado (BCC) com valor de R$
463,30/mês (tabela 11, página 108), que refletiu no crescimento da demanda por
bens consumo duráveis, junto ao comercio local. Dados confirmados em
entrevistas com comerciante da cidade de Xapuri que contabilizam como seus
principais clientes, nos últimos cinco anos, os seringueiros “camponeses
florestais”.
48 No entender de Ray (2002, p. 492), “Hay situación en que un aumento del ritmo de desarrollo crea nuevos nichos para el trabajo permanente y eventual. Comprender los tipos de sendas de crecimiento que provocan una disminución (o un aumento) a largo plazo del trabajo permanente es, pues, importante, debido que tiende a afectar el nivel de seguridad implícito en el sector agrario”
103
2.3.9 Falhas de Coordenação49 e o Futuro da Relação Natureza-seringueiro-Indústria
Na verdade existe um amplo espaço para aperfeiçoar a política de
desenvolvimento florestal, e esse processo se apresenta com falhas de
coordenação. Enquanto se têm as áreas de abastecimento com a situação
fundiária definida (PAE E RESEX) sob domínio dos seringueiros e indústria de
processamento construída na região de Xapuri. A aprovação e liberação dos
Planos de Manejo, no Estado do Acre, caminham a passos de “jabuti” como
mostra a (tabela 9), os Planos de Manejo Florestais Sustentáveis tipificados como
comunitários, em 12 anos somente foram liberados 12. E quantos aos planos de
manejo legalizados, conta-se com 129 em situação de ofertar o produto
madeireiro.
Tabela 9 - Pedidos de Manejo Florestal por tipificação no Acre/Brasil, 1995-2007.
Ano Empresarial
Pequena Escala Comunitário
Sub-total
1995-1999 10 0 2 12 2000 9 3 0 12 2001 15 1 0 16 2002
4
0
1
5
2003 6 2 2 10 2004 16 1 3 20 2005 33 31 3 67 2006 23 12 0 35 2007 12 1 1 14
TOTAL 128 51 12 191 Fonte: Secretaria Estadual de Floresta – SEF.
49 Para (RAY, 2002), “La presencia de muchas complementariedades puede llevar, pues, a una situación en la que una economía caiga en una ‘trampa de equilibrio de bajo nivel’, cuando existe al mismo tiempo otro equilibrio mejor que podría alcanzarse si todos los agentes pudieran coordinar debidamente sus acciones”.
104
Figura 10 - Situação legal dos 191 Planos de Manejo Florestal Madeireiro no Acre –
1995/2007.
Fonte: Secretaria Estadual de Floresta (SEF).
A mesma situação se repete com a infra-estrutura, o credito e a logística
voltada para o setor floresto-industrial, carece de investimentos e aprimoramento
da política de desenvolvimento florestal. No tocante ao credito industrial somente
no ano de 2007, os investimentos industriais privados realizados pelo Banco da
Amazônia com Fontes do Fundo constitucional do Norte – FNO, supera em valores
monetários aqueles destinados para o setor agropecuário, tabela 10.
105
Tabela 10 - Contratação por Setor do Credito do Fundo Constitucional do Norte, Estado do Acre/Brasil. Período de 1994/2007.
ANO SETOR RURAL
% SETOR INDUSTRIAL
%
1994 4.586 100,0 - 0,0 1995 3.955 97,4 104 2,6 1996 13.201 98,8 162 1,2 1997 5.329 98,8 66 1,2 1998 7.464 97,4 201 2,6 1999 18.664 97,6 460 2,4 2000 25.870 93,8 1.698 6,2 2001 25.139 97,5 640 2,5 2002 28.600 89,9 3.197 10,1 2003 32.352 81,3 7.446 18,7 2004 31.125 66,4 15.766 33,6 2005 49.509 60,1 32.944 39,9 2006 23.422 54,3 19.725 45,7 2007 33.565 46,1 39.172 53,9
TOTAL 302.781 71,3 121.581 28,7 Fonte: Banco da Amazônia (BASA)
Medidas foram sendo adotadas no decorrer da pesquisa de campo do
presente trabalho, como a criação de uma coordenação local para atuar na relação
com os seringueiros, contando com apoio de uma equipe de engenheiros, técnicos
de nível médio e seringueiros com experiência e conhecimento de organização
comunitária. Quanto às indústrias a coordenação ocorre por unidade fabril. Na
coordenação e formação de mão-de-obra de caráter industrial foi criada uma base
do Instituto Dom Moacyr Gretti, para através da Escola “Carlos Castiglione”,
localizada em Xapuri, em parceria com o Sebrae e o Comitê Amazônia Brianza, da
cidade de Como - Italia, com vista a suprir a deficiência desse importante
componente do desenvolvimento industrial.
Entre os aspectos técnicos que deve ser observado com muita atenção,
passa pela superação da limitação para uso de maquinas de colheita do fruto
madeiro e aspectos burocráticos que imperam a agilização na aprovação dos
106
Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) de Baixa Intensidade, previstos na
legislação a seguir.
As exigências legais nos procedimentos técnicos para elaboração,
apresentação, execução e avaliação técnica dos PMFS estão contempladas na
Instrução Normativa nº 05, de 11 de dezembro de 2006, na Norma de Execução nº
01, de 24 de abril de 2007 e nº 02 de 26 de abril de 2007.
Outro avanço fundamental para o desenvolvimento da política florestal se
constitui no financiamento da atividade de colheita e cultivo, contemplado
inicialmente no Plano Amazônia Sustentável (PAS). Com previsão de taxas de
juros de 4% ao ano, com 12 anos de carência e 20 anos para quitação, viabilizado
através do Fundo Constitucional do Norte (FNO).
2.3.10 A Industrialização dos Ativos Florestais e a Valorização Fundiária no PAE Cachoeira
Mesmo, assim, com as poucas mudanças percebe-se uma valorização
imobiliária das “colocações” que tem ofertas diversificadas de frutos, excluindo
aqui fatores externos de localização como: energia, ramais, escola, atendimento
de saúde que influenciam na formação do preço de imóvel rural e considerando
que somente ocorreram duas transferências de “posse” no interior do (PAE)
Cachoeira, desde sua criação, portanto, não existe pressão de demanda.
A expectativa de preço de cada “colocação” no PAE Cachoeira estimada
pelo seringueiro toma como referencia a produção anual de castanha, látex de
seringueira, madeira e somente secundariamente o pasto fazem parte do calculo;
chegando a ser estimado o preço de venda de uma “colocação” acima de R$
60.000,00 (sessenta mil reais). Enquanto que no inicio da década de 1990, o valor
não passava de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Dados coletados no mês de
abril/2008, junto aos moradores do PAE Cachoeira.
107
Essa valorização imobiliária das “colocações” é produto da criação de
expectativas futuras dos investimentos realizados pelo Estado, através de um
processo social de industrialização que garante demanda dos frutos da floresta do
(PAE) Cachoeira, sob gestão autônoma da Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE). Dessa forma a valorização dos ativos florestais para dentro da
floresta promovida pela industrialização, encontra-se apoiada por instrumentos
econômicos50, e sua aplicação, ainda, que de forma descoordenada por parte das
instituições encarregadas pelo desenvolvimento florestal.
2.3.11 Desempenho Econômico e Custo Físico da Natureza
Com uma área desmatada ou custo físico da natureza de 11,04%, até o ano
de 2006 (tabela 5), e considerando que a criação de gado bovino é intensiva no
Meio Ambiente Transformado (MAT) e deficitária do ponto de vista econômico, a
tendência relativa de ampliação da área desmatada tem tido um comportamento
desacelerado, na Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) do (PAE)
Cachoeira. Essa realidade é vivenciada em oito (oito) das 9 (nove) colocações
que primeiro acrescentaram na diversificação produtiva a oferta do fruto
madeireiro. Sendo que somente uma UEFE superou o limite de duas hectare anual
permitido por lei para o cultivo de culturas temporárias, nos últimos seis anos.
Tendo sido inclusive multada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais (IBAMA) em duas oportunidades, (observação de campo).
Na tabela 11, encontra-se uma diferença de Renda Liquida (RL)51 mensal
de R$ 600,14 (978,53 – 378,39 = 600,14), entre a Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) que realiza a oferta de ativos florestais e a unidade de
produção familiar do PAD Humaitá voltada para a produção agropecuária. Essa
diferença confirma que os ativos florestais e a cultura camponesa seringueira se
50 os Instrumentos econômicos estão considerados no Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre Fase II, (p. 211). 51 Renda Liquida (RL): é o valor excedente apropriado pela unidade de produção familiar, ou seja, a parte do valor do produto que fica com a unidade de produção familiar depois de serem repostos os valores dos meios de produção, dos meios de consumo e dos serviços (inclusive salários) prestados à produção.
108
sobrepõem em termos econômicos à tentativa de modernização agropecuária
procurada pelos programas de reforma agrária.
Tradicionalmente a expansão do Meio Ambiente Transformado vem
acontecendo devido à desigualdade de renda e ao baixo nível de atividades
econômicas que existe nas regiões de floresta tropical, como na Amazônia em
relação a outras regiões do Brasil. Onde as áreas de floresta são substituídas por
atividades que deixaram de ser dinâmicas economicamente em outras regiões do
país, essas atividades sustentam um nível de preços para os ativos florestais e a
produção agropecuária, considerados baixos, diante do custo físico da natureza e
da reprodução da economia de tipo familiar, como fica demonstrado entre o Nível
de Vida (NV) da Unidade Econômica Familiar Extrativista do PAE Cachoeira de R$
1.460,33 e as do (PAD) Humaitá que adotaram o modelo de produção
agropecuário, ficando com (NV) equivalente a R$ 659,65 mensais, tabela 11.
No (PAE) Cachoeira onde o desmatamento feito pelo seringueiro, serve
como alternativa de sobrevivência no curto prazo, por depender da produção daí
resultante, para atender o autoconsumo e quando não existia outra opção de longo
prazo seguia a política governamental de ampliação do setor agropecuário.
Portanto, a criação da demanda para os ativos florestais e a logística necessária
para abastecer o processo industrial, não coloca o seringueiro na dependência da
produção agropecuária na região Amazônica (JACOBS, 1991).
109
Tabela 11 - Principais Indicadores Econômicos, (PAE) Cachoeira e (PAD) Humaitá, 2006/2007, Acre/Brasil
Indicadores Econômicos Unidade
PAE Cachoeira
PAD Humaitá
PAE Cachoeira - UEFE Madeira
30 h/d
PAE Cachoeira
- UEFE Madeira
12 h/d
PAE Cachoeira - UEFE
Madeira+Borracha
Renda Bruta (RB)
R$/mês
616,67 743,50 1.045,83 1.045,83 1.260,83 Renda Líquida (RL) R$/mês 461,00 378,39 950,88 950,88 978,53 Margem Bruta Familiar (MBF)
R$/mês 609,12 517,69 1.037,87 1.037,87 1.252,83
Custo Fixo (CF)
R$/mês 502,16 467,55 543,38 543,38 502,16 Custo Variável (CV) R$/mês 111,58 181,55 116,93 116,93 111,58 Bens de Consumo e Serviços comprados no mercado (BCC)
R$/mês 463,30
519,97 421,61 421,61 463,30
Linha de Dependência do Mercado (LDM) R$/mês 913,45 941,47 1.201,90 1.201,90 1.119,50 Autoconsumo (AC) R$/mês 207,50 148,68 190,05 190,05 207,50 Nível de Vida (NV) R$/mês 747,46 659,65 1.227,93 1.227,93 1.460,33 Índice de Eficiência Econômica (IEE) und. 1,54 1,02 1,75 1,82 1,45 MBF/RB und. 0,98 0,88
0,98 0,98 0,98 Remuneração diária da força de trabalho (MBF/Qh/d) R$/dia 38,54 78,73 115,32 188,70 53,92 Termos de Intercâmbio (TI)
und. 0,68 0,64 0,42 0,42 0,68 Obs.: Resultados medianos por UEFE. Fonte: ASPF/2008.
110
2.3.12 Desempenho Econômico e a Penosidade do Trabalho no (PAE) Cachoeira e no (PAD) Humaitá
Nas áreas de Reserva e Projeto Extrativista como o (PAE) Cachoeira,
povoada, organizada politicamente, livre para comercializar e associada com a
industria local que consegue agregar valor aos frutos da floresta. Os ganhos de
escala advindos das grandes áreas de reserva florestal (PAE’s e RESEX), do
transporte e de outras vantagens que podem ser incorporadas como tecnologia e
infra-estrutura econômica e social, foram os elementos essenciais no
fortalecimento dos fatores internos da (UEFE) e que resultou na diminuição da
penosidade do trabalho e aumento da renda.
Os indicadores econômicos que retratam as atividades agropecuárias e
extrativistas indicam que a Força de Trabalho Familiar (FTF), organizada em
sindicatos, associações, cooperativas e que comercializa fruto madeireiro e não-
madeireiro de forma autônoma e direta com a indústria local, passa a ter custo de
oportunidade52, superior que aquela envolvida na produção agropecuária como no
PAD Humaitá, ou até mesmo dos salários do mercado de trabalho urbano. Como
se observa a oferta diversificada de ativos florestais oferece um incremento
monetário Margem Bruta Familiar (MBF) de R$ 1.252,83/mês, tabela 11. Esse
valor supera qualquer alternativa econômica de uso da (FTF) da Unidade
Econômica Familiar Extrativista (UEFE), no estagio atual do desenvolvimento das
atividades produtivas rurais e urbanas na região de Xapuri.
Além disso, o “camponês florestal” envolvido na colheita de ativos florestais
tem penosidade da (FTF), igual a zero, ou seja, para alcançar a (MBF) colocada
52 “Hay dos maneras de plasmar en un modelo el coste de oportunidad. En primer lugar, la familia sabe si puede conseguir trabajo o no. En caso afirmativo, el coste de oportunidad es simplemente el salario de mercado,….. En caso negativo, el coste de oportunidad es, de hecho cero. En promedio, pues, algunas familias tendrán un coste el mismo coste de oportunidad que el que emplea trabajo. En el segundo modelo, la familia no sabe si puede conseguir un empleo en otra parte”, (RAY, 2002).
111
no parágrafo anterior não há necessidade de aumento das horas de trabalho dos
membros da família. Enquanto que na produção agropecuária dos assentados do
(PAD) Humaitá onde a Margem Bruta Familiar (MBF) é de R$ 517,69/mês, tabela
11; mesmo, assim, se faz necessário aumentar as horas de trabalho da unidade
produtiva familiar em 18,92% (tabela 12) para alcançar esse patamar de
remuneração. Com esse resultado se confirma a assimetria representada
graficamente na “regla del notário” na página 31, entre penosidade do trabalho e
renda monetária na produção agropecuária.
A simetria existente entre penosidade do trabalho e Renda no (PAE)
Cachoeira, se traduz na constituição da Renda Liquida (RL)53 de R$ 978,53 e
Remuneração diária da força de trabalho (MBF/Qd/d)54 de R$ 53,92 (tabela 11).
Correlacionando essas informações, nota-se a persistência do “camponês
florestal” que ao repor seu patrimônio (RL) e com a (MBF/Qd/d) superior ao valor
do mercado de trabalho local que remunera a diária do trabalhador em R$ 20,00.
Garante sua permanência no lugar “colocação”, diversificando a oferta de frutos,
numa lógica em que a penosidade diminui enquanto a renda aumenta, essa
tendência procura-se representar graficamente abaixo (gráfico 5).
53 Renda Liquida (RL): é o valor excedente apropriado pela unidade de produção familiar, ou seja, a parte do valor do produto que fica com a unidade de produção familiar depois de serem repostos os valores dos meios de produção, meios de consumo e de serviços (inclusive salários) prestados à produção, ASPF/2007. 54 Relação MBF/Qh/d: é o índice de remuneração da força de trabalho familiar. Mostra a quantia de margem bruta gerada por unidade de trabalho familiar (1 h/d = 1 jornada de trabalho). O valor deve ser comparado com o preço de mercado da força de trabalho. Qh/d = quantidade de força de trabalho utilizada no ciclo produtivo da linha de exploração ou a quantidade total anual de força de trabalho familiar utilizada pela unidade de produção, ASPF/2007.
112
Gráfico 5 - Relação: Penosidade do trabalho x Renda no PAE Cachoeira
Elaboração própria
A sustentabilidade econômica da produção florestal da (UEFE) do (PAE)
Cachoeira, pode ser observada no Índice de Eficiência Econômica (IEE) de 1,45
quando estão produzindo os três conjuntamente. Esse indicador sugere que para
cada real gasto no processo produtivo florestal o retorno é superavitário.
Contrastando com o resultado da unidade de produção familiar agrícola do (PAD)
Humaitá que tem (IEE) igual a 1,02; ou seja, o retorno por unidade monetária
investida, apenas garante a manutenção do valor monetário inicial, (ver tabela 11).
Além disso, a relação natureza-seringueiro-industria, proporciona no
interior da Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE), um retorno monetário
representado pela Margem Bruta Familiar (MBF) de R$ 1.252,83; valor superior
aos R$ 1.119,50 que representa a Linha de Dependência do Mercado (LDM).
Nessa situação a (UEFE) tem excedente monetário de 1.252,83 – 1.119,50 = R$
133,33/mês, (ver tabela 11). O excedente monetário vivenciado nessa fase de
articulação da (UEFE) com o processo industrial, repercute no crescimento do
consumo de bens duráveis no comercio urbano de Xapuri, na melhoria das
habitações e aquisição de meios de transporte como motos e automóveis.
Para confirmar melhor a situação deficitária das unidades de produção
familiar agropecuária do (PAD) Humaitá, em que o valor monetário disponível
113
(MBF) é igual a R$ 517,69; valor significativamente inferior aos R$ 941,47
necessários para atender a linha de dependência do mercado. Com um déficit
mensal de (941,47 – 517,69) igual a R$ 423,78, tabela 11. Mesmo em condições
deficitária a unidade produtiva familiar do (PAD) Humaitá explora a força de
trabalho familiar em 18,92% (ver tabela 12). Este caso confirma a assimetria entre
penosidade do trabalho e renda, em situações que a produção agropecuária
efetivada pela produção familiar tende para a concentração em três produtos,
como se encontra representado na tabela 3.
Tabela 12 - Indicadores de Ocupação e Remuneração da Força de Trabalho Familiar, PAE Cachoeira e PAD Humaitá, 2006/2007, Acre, Brasil.
Indicadores PAE Cachoeira
PAD Humaitá
PAE Cachoeira - UPF Madeira
PAE Cachoeira - UPF Madeira+Borracha
Margem Bruta Familiar (MBF) 609,12 517,69
1.037,83 1.252,83 Força de trabalho familiar ocupada (FTFO)
41,56% 66,12%
27,27% 68,83%
Excedente de trabalho familiar (FTFD)
58,44% 33,88%
72,73% 31,17%
Penosidade do Trabalho (PT) 0,00 18,92%
0,00 0,00 Índice de Assalariamento fora da UPF (IA)
50% 16% 50%
Índice de Capitalização (IK) 1,02 1,45
1,02 1,02
Obs.: Resultados medianos por UPF. Fonte: ASPF (2008)
O Índice de Assalariamento fora da Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE), equivalente a 50% no (PAE) Cachoeira (tabela 12), está
relacionado com os serviços de saúde, educação, trabalhadores das indústrias,
agentes de turismo, motosserista, mateiros, meeiros e outros da área florestal
estendidos para o interior da floresta e que são realizados por membros da própria
comunidade.
Por conseguinte, do excedente de (FTF) 58,44% apenas existe 8,44%
sem ocupação que pode ser absorvido pela intensificação da colheita do potencial
114
florestal por “colocação” e pela dinâmica econômica que acompanha a ampliação
das atividades produtivas no assentamento como um todo. Introduzindo a colheita
de madeira e o leite da seringueira cai o excedente de (FTF) de 58,44% para
31,17% e ao mesmo tempo aumenta o nível de atividade econômica advindos dos
serviços da esfera industrial deslocados para o interior do assentamento, (tabela
12).
Diante disso, o nível de ocupação na Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) se amplia, reduzindo o excedente de força de trabalho familiar
assalariada, neste caso pode acontecer elevação do custo da força de trabalho no
(PAE) Cachoeira, por haver um nível de desocupação inferior à demanda. Essa
possibilidade existe na medida que há capacidade industrial ociosa, frutos para
colher na floresta, passando a ocorrer momentaneamente falta de Força de
Trabalho Familiar para suprir o produto demandado pela industria, para logo ser
suprido pela organização da Unidade Econômica Familiar Extrativista.
Outra contribuição fundamental que o processo de industrialização local
vem proporcionando, consisti em manter no interior da floresta atividades
econômicas intensivas em trabalho, evidenciadas pelo Índice de Capitalização
(IK)55 de 1,02; mantendo, todavia, uma Margem Bruta Familiar (MBF) de R$
1.252,83. Enquanto no PAE Humaitá, a produção agropecuária com (IK) de 1,45;
proporciona para a produção familiar uma (MBF) de R$ 517,69 (tabela 11), menos
da metade que na produção extrativista. Isso mostra o significado que a indústria
florestal localizada em Xapuri, ao proporcionar condições mercadológicas
favoráveis e de maior incorporação tecnológica no processo industrial, torna-se
fundamental para o sucesso da cadeia produtiva da produção florestal, vinculada
com os moradores de áreas de conservação como os Projetos e Reservas
Extrativistas.
55 Índice de Capitalização (IK): é a relação que indica a intensidade de capital. Assim, um IK > 1 significa que se gasta no processo produtivo mais com capital fixo e circulante do que com força de trabalho, familiar ou contratada, ASPF/2008.
115
Com os resultados, mostrados acima, o esperado nas áreas
agropecuárias é a intensificação de atividades econômicas intensivas em capital e
menos em trabalho, para poderem continuar sobrevivendo como produtoras de
mercadorias. Fator que praticamente impossibilita a reprodução familiar e da
unidade produtiva de permanecer nas condições mercadológicas colocada pela
agropecuária, restaria a diversificação agrícola como expressa a tabela 3, com a
inclusão de produtos como o abacaxi e maracujá.
2.3.13 A Importância da Organização Comunitária para a Unidade Econômica Familiar Extrativista
Com a análise do comportamento assimétrico da relação entre
penosidade do Trabalho Familiar (FTF) versus renda, no (PAD) Humaitá. E o
comportamento simétrico no (PAE) Cachoeira das mesmas variáveis, é preciso
mostrar, a influência do vetor político para o fortalecimento de fatores como a
organização interna e externa que muito contribuem para aumentar ou reduzir
essa relação.
O gráfico 6, traduz a diferença dada para a organização política pelos
produtores que se dedicam na atividade agropecuária. Estando mais preocupados
com os aspectos econômicos da produção, abdicam da intensa disputa no interior
da sociedade, com vista às mudanças das condições sócio-institucionais
necessárias para a reprodução familiar e da unidade produtiva.
O mesmo gráfico 6, mostra a relevância da organização comunitária para
os produtores extrativistas e aqueles absorvidos pela produção agroflorestal.
Particularmente os extrativistas se fortalecem politicamente ao participar de
processos políticos regionais e nacionais que inclui: movimento como o grito da
terra, encontros de seringueiros promovidos pelo Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS), pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura
(FETACRE), da aliança dos povos da floresta e recentemente o pacto agrário feito
entre o Governo Estadual do Acre e as organizações sindicais rurais, com vista a
116
aperfeiçoar as políticas publicas do setor rural. As recentes políticas de apoio ao
extrativismo contida no Plano Amazônia Sustentável (PAS), expressa o resultado
da ação política empreendida pelas organizações representativas dessa categoria
de trabalhadores.
Gráfico 6 - Principais Vantagens competitivas relatadas por Unidade de Produção Familiar (UPF) (%). Vale do Acre, Sistemas Extrativista, Agrícola e Agroflorestal, 2005/2006, Acre/Brasil.
Fonte: ASPF (2008)
Ao concluir a analise dessas duas experiências de produção familiar,
inseridas nos programas de reforma agrária do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) se evidencia semelhanças na produção agropecuária
destinada para o mercado. Ambas apresentam déficit monetário, seguido de alto
custo físico da natureza e penosidade do trabalho superior ao praticado nas
atividades florestais.
Mesmo no PAD Humaitá, em que 80,86% da Renda Bruta, (tabela 3)
têm origem na produção agropecuária, a disponibilidade monetária (MBF) de R$
517,69, no final do processo produtivo, não corresponde com as despesas
monetárias necessárias para cobrir a Linha de Dependência do Mercado (LDM) de
R$ 941,47, (tabela 11). Nessas condições os assentados abandonam os lotes
porque não conseguem sustentar a família e a unidade produtiva, criando as
condições para a reconcentração fundiária que ocorre no interior do Projeto,
(MEIRELHES, 1998).
117
Aliás, no (PAD) Humaitá o Nível de Vida (NV)56 medido monetariamente
corresponde a R$ 659,65 fica abaixo do valor da Linha de Dependência do
Mercado (LDM) de R$ 941,47 (tabela 11). Considerando ainda que para conseguir
o valor do (NV) acima é necessário intensificar a Penosidade do Trabalho (PT) em
18,92% da unidade familiar (tabela 12). Para um custo físico da natureza, área
desmatada de 69,84% até o ano de 2006 (tabela 2). Ultrapassando o limite legal
de desmatamento estabelecido em 20% do total da área, (Medida Provisória N°
2.166-67, de 24 de agosto de 2001).
Dessa forma a produção agropecuária colocada no mercado deixa as
unidades produtivas familiares do (PAE) Humaitá, impossibilitada para continuar
se reproduzindo. Porquanto, os meios de produção – natureza e força de trabalho
familiar – estão ultrapassando a sustentabilidade da natureza e exigindo mais
horas de trabalho da unidade familiar; mesmo assim a unidade produtiva
permanece inviável.
No (PAE) Cachoeira, a criação de gado bovino e de pequenos animais,
mesmo resultando deficitária para a Unidade Econômica Familiar Extrativista
(UEFE) representa para o seringueiro uma forma de poupança de liquidez elevada
e garantia de autoconsumo. Por outro lado, a criação de pequenos animais e até
mesmo a criação de gado, contribui com a diminuição da pressão da caça de
pequenos animais silvestres utilizados na dieta de alimentação da família. No
entanto, se apostarem na agropecuária como alternativa de produção voltada para
o mercado, a trajetória da (UEFE) será a mesma do (PAD) Humaitá. Aumento do
custo físico da natureza e da penosidade do trabalho, acompanhado de queda na
renda monetária, seguida de migração.
Quanto ao excedente de mão-de-obra do (PAE) Cachoeira de 31,17%
(tabela 12), ele representa o valor relativo das 87 famílias do (PAE). No entanto,
quando se abstrai a “colocação” que ampliou e diversificou a colheita de frutos da
floresta, o excedente de mão-de-obra desaparece, mostrando que a (UEFE) pode
reter população rural e contribuir com o processo de recamponização dos antigos
seringais. Evidenciando, que existe sim, uma reserva potencial de ativos florestais
56 Nível de Vida (NV): é a totalidade do valor apropriado pelo produtor familiar, inclusive valores imputados, deduzidas as obrigações financeiras com empréstimos. É, portanto, o valor que determina o padrão de vida da família, ASPF/2008.
118
e tempo de trabalho a ser aproveitado como uma verdadeira reserva de
desenvolvimento. Por isso, a implantação de indústrias e as políticas de incentivos
econômicos ao setor florestal, afiguram-se como alavancas importantes da
estratégia de desenvolvimento rural.
119
O que importa é aperfeiçoar os instrumentos econômicos e institucionais,
tornando mais célere a execução do processo produtivo de origem florestal
legalizado. Aproveitando, assim, as oportunidades que existem de ocupação da
reserva de tempo de trabalho, mediante aumento da escala de produção existente
na floresta e na indústria. Pois, tanto, na colheita dos frutos da floresta quanto nas
indústrias existe subutilização do potencial produtivo.
Os obstáculos de curto prazo que imperam a intensificação da colheita do
fruto madeireiro, efetivado via Plana de Manejo Florestal Sustentável (PMFS),
dentro da lógica camponesa seringueira. Passa inicialmente pelo aperfeiçoamento
do marco legal, pela criação de uma coordenação local dos investimentos
industriais urbanos, pelo melhoramento da infra-estrutura e logística no interior das
áreas de conservação (Reserva e Projetos Extrativista), pela criação de uma
assistência técnica vinculada diretamente com a organização da (UEFE) e maior
rapidez dos processos de licenciamento.
Por outro lado, ao prevalecer a morosidade institucional na execução da
política florestal, a opção de ocupação dos meios de produção da Unidade
Econômica Familiar Extrativista, tende a ser a produção agropecuária, podendo se
perder a oportunidade para aproveitar a reserva de desenvolvimento existente no
interior das áreas de conservação como no (PAE) Cachoeira, evitando, assim, a
pauperização ou êxodo rural da população extrativista ali residente.
O progresso do setor florestal em áreas como o (PAE) Cachoeira feito
através de um Plano de Manejo Florestal Sustentável requereu soluções
intensivas em conhecimento e em trabalho do seringueiro, com menos uso
intensivo de capital. Essa equação difere do (PAD) Humaitá que para se viabilizar
demanda uma agropecuária mais intensiva em capital e poupadora de Força de
Trabalho Familiar, ASPF/2008.
Existem peculiaridades que podem incidir tanto do lado da oferta quanto
na demanda dos três ativos florestais industrializados em Xapuri. Como não é
objeto de estudo da presente tese, sugerimos que futuros trabalhos possam
contribuir sobre as condições de competitividade de mercado desses produtos.
Além, daquelas barreiras destacadas acima, que podem ser superadas pela
120
vontade política de viabilizar a produção florestal dos camponeses florestais ou
ecológicos57.
57 Costa, (1995).
121
3. CONCLUSÃO
O conhecimento da história e a reflexão são imprescindíveis para que
erros não voltem a se repetir, como fez o Estado Nacional em duas oportunidades
ao desconhecer a ocupação humana do território Acreano, no inicio do século XX
e na década de 1970. Agora nessa nova fase de integração da Amazônia ao
desenvolvimento nacional é preciso tomar lições com aqueles que cuidam e
conhecem o lugar onde vivem e ser capaz de aproximar a ciência, e radicalizar na
industrialização dos ativos florestais.
É tempo de começar a analisar a outra parte da história, os alcances do
sistema produtivo camponês que germinou no interior da floresta e da luta do povo
seringueiro que acumulou um sofisticado conhecimento do Meio Ambiente Natural.
Constituindo família e, em entorno dela se organiza para enfrentar as
adversidades da natureza e do sistema social vigente nos seringais58 e cidades
que não passavam de entrepostos comercial do sistema de aviamento adotado
pelo capital mercantil e depois pelo capital agropecuário.
Na peleja da sustentabilidade do binômio: natureza-seringueiro aparece
as características endógenas para o desenvolvimento local de Xapuri. Introduzindo
uma economia diversificada, organizada pela Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE), que reconhece os limites físicos e sociais com novas
possibilidades de inovações no duplo intercâmbio (figura 1), que realiza com o
Meio Ambiente Natural e Meio Ambiente Social.
Para realizar intercambio econômico com o Meio Ambiente Social (MAS) a
Unidade Econômica Familiar Extrativista do (PAE) Cachoeira, associada com a
indústria florestal local que demanda ativos florestais, tem na sucessão ecológica
(figura 2) vantagens na eficiência econômica dos meios de produção disponíveis
na (UEFE) (natureza e força de trabalho familiar) para colher os frutos da natureza.
Os resultados econômicos do (PAE) Cachoeira mostrados na (tabela 7) traduzem
essa vantagens, quando comparados com iniciativas econômicas de origem
familiar focada na produção agropecuária como as do (PAD) Humaitá.
58 Território ocupado na produção da monocultura da borracha, dirigido por um “patrão” chamado seringalista. Era formado territorialmente por mais de 20 unidades produtivas chamadas de “colocação”, ocupadas por um seringueiro, em alguns casos um ou dois “meeiro”. A “colocação” tem em media 300 hectares, constituída de 3 estradas de seringa ou mais, com media 120 arvores de seringueira por unidade.
122
No intercâmbio ecológico com o Meio Ambiente Natural (MAN) a Unidade
Econômica Familiar Extrativista (UEFE), ao radicalizar na colheita de fruto da
natureza, como resposta ao incremento de demanda e dos preços de mercado dos
produtos: castanha, látex de seringueira e madeira manejada, que sustenta
ocupação da Força de Trabalho Familiar (FTF), com remuneração superior aos de
origem da produção agropecuária destinada ao mercado, com menos pressão sob
a floresta, como se observa na diferença de desmatamento nas duas experiências
aqui relatadas (ver gráfico 4).
A gestão dos ativos florestais feitos pela Unidade Econômica Familiar
Extrativista (UEFE) do (PAE) Cachoeira, têm mostrado resultados positivos na
realização do manejo dos ativos florestais, reduzindo o custo físico da natureza,
seguido de melhoria da renda da (UEFE). Contrariando o que tradicionalmente
acontece na produção de origem familiar como se comprova no (PAD) Humaitá,
onde predomina um alto custo da natureza com baixo nível de renda vindo das
atividades agropecuárias.
O que, se observa, mesmo, é a permanência e até intensificação, no caso
do (PAE) Cachoeira, de uma estratégia camponesa de reprodução social, voltada
para: o autoconsumo e o uso múltiplo da floresta. Evidenciando a importância das
áreas de conservação com controle publico, na mobilização de ativos florestais e
força de trabalho familiar, numa escala que mantêm a reprodução familiar,
viabilizando economicamente a colheita de produtos, incorporada a uma atividade
econômica industrial local, que remunera os fatores de produção envolvidos a
preços superiores quando comparados aos produtos exportados de forma semi-
elaborada, para outras regiões ou paises.
As características endógenas que afloram com a criação das Reservas e
Projetos Extrativistas, estão associadas com o sucesso da produção florestal
camponesa dessas áreas, que depende da evolução de uma economia urbana
desenvolvida. Sem um processo industrial minimamente desenvolvido, as áreas de
conservação serão meros espaços de manutenção de população, com baixo nível
de vida e em constante processo de avanço da ação humana sobre a floresta,
pois, a necessidade como se afirmava na idade media européia não conhece os
imperativos da lei. Daí a necessidade de criar-se, uma economia urbana capaz de
dar sustentação ao sistema extrativista, conduzidos pela economia camponesa
123
seringueira. Situação observada em toda formação histórica do campesinato,
sempre dependente de uma vigorosa vida urbana (MOORE, 2002).
A política publica para alcançar o fortalecimento da Unidade Econômica
Familiar Extrativista, deve passar inicialmente pela garantia do autoconsumo e a
diversificação produtiva como eixo do desenvolvimento rural, nas áreas habitadas
por seringueiros. Para isso, a concentração do esforço da política publica deve ser
o núcleo familiar e nas relações de troca que deve ser associada com um
processo industrial local.
A recamponização que acontece no (PAE) Cachoeira com mais de uma
família por colocação, tem uma lógica, inicialmente familiar, no entanto, mostra
que qualquer elevação do nível econômico pela via da industrialização de ativos
florestais, há uma resposta no desenvolvimento rural, aumentando o número de
ocupações e um conseqüente aumento da renda rural e urbana.
A mesma situação acontece no tocante ao manejo da força de trabalho
familiar, enquanto na produção agropecuária se configura uma intensificação das
horas de trabalho da unidade familiar acima da quantidade de horas disponíveis.
Seguido ainda de uma disponibilidade monetária resultante da comercialização
dos produtos, inferior ao necessário para alcançar a Linha de Reprodução Familiar
(LRF). Na colheita dos ativos florestais a Unidade Econômica Familiar Extrativista
consegue diminuir a penosidade do trabalho, alcançando ainda um resultado
monetário superior ao necessário para atender a Linha de Reprodução Familiar,
ASPF/2008.
A condição superavitária da Unidade Econômica Familiar Extrativista do
(PAE) Cachoeira é produto da associação que existe com a indústria localizada
em Xapuri. Portanto, se constituem um elemento central as condições de
competitividade dessa indústria, tendo em vista que o tratamento do ponto de vista
tributário, de credito, de infra-estrutura e de logística são consideradas precárias e
iguais ao de outras indústrias, como frigoríficos que atuam no beneficiamento do
gado bovino. Muito embora, no caso de Xapuri os recursos dos investimentos
industriais sejam de origem estatal.
Uma nova realidade esta se configurando na gestão da economia rural
acreana, constituída por grandes áreas de conservação como os Projetos e
Reservas Extrativistas sob domínio público, tendo como concessionário os
124
seringueiros, organizados em sindicatos, associações e cooperativas. No entanto,
territorialmente grande parte dessas áreas ainda carece de infra-estrutura física,
social e institucional suficientes para torná-las competitivas do ponto de vista
econômico, social e ambiental.
Tradicionalmente a indústria detém a propriedade das áreas de
abastecimento e se especializa na extração de monoculturas, assim foi com a
borracha, depois, com a madeira e criação de gado, sempre procurando alcançar
a remuneração de seus fatores produtivos. Comportamento diferente daquele
predominante na Unidade Econômica Familiar Extrativista (UEFE) que atende aos
objetivos da reprodução familiar e da unidade produtiva. A nova realidade que
aflora do interior da economia florestal camponesa no município de Xapuri, além
de demandar um relacionamento horizontal (muitos produtores independentes com
produção diversificada) em que uma (UEFE) abastece varias indústria com
matéria-prima, sendo grande parte organizada em sindicato, cooperativa e
detentores das áreas de concessão de caráter público.
Uma diferença fundamental entre a produção de gado bovino e a de
origem florestal da Unidade Extrativista Familiar Extrativista (UEFE) se constitui na
característica da demanda. Enquanto, a criação de gado em pequena escala
encontra dificuldades no comércio direto com os frigoríficos, prevalecendo nessas
condições o atravessador tradicional. No comercio dos ativos florestais a relação
acontece diretamente com as indústrias localizadas em Xapuri ou junto a
compradores do Centro-Sul do País. Outro fator importante que fortalece a (UEFE)
do (PAE) Cachoeira e de outras unidades extrativistas, quando comercializa seus
produtos, é a presença das associações e cooperativas de caráter extrativista.
É marcante o quase monopólio da oferta de ativos florestais por parte dos
moradores de áreas de conservação como o PAE Cachoeira, favorecidos, ainda,
pela organização comunitária e mais recentemente as áreas beneficiadas pela
extensão de ramais, energia, escolas e os benefícios dos programas de reforma
agrária como credito instalação, habitação e alimentação e outros, trazem como
conseqüência a elevação do nível de atividade econômica rurais e urbana via
processo de industrialização dos ativos florestais.
Os Projetos e Reservas Extrativistas tiveram um papel fundamental na
pacificação dos conflitos fundiários dos últimos dois decênios do século passado
125
na região de Xapuri. Ao mesmo tempo permitem fazer alianças políticas com
setores ambientalistas, que vai contribuir com o reconhecimento da cultura
seringueira que faz um intercambio ecológico com o Meio Ambiente Natural,
fundamental para esse novo momento do desenvolvimento regional.
Mas, além, de um trabalho realizado de forma solitária no interior da
floresta os seringueiros vão participar dos processos políticos e sociais
constitutivos da sociedade acreana. Chamados aqui de “madrugadores da floresta”
por protagonizar uma ação coletiva de efeito expansivo, desencadeando uma
variedade de processos, entre eles o de fazer parte dos grupos de pressão que
lutam pela incorporação dos aspectos sociais e ambientais no interior das políticas
de desenvolvimento regional.
A extensão da ação coletiva dos “madrugadores da floresta” alcançou o
movimento ambientalista nacional e internacional. Localmente, possibilitaram a
abrertura de fendas no sistema político, criando-se mais uma causa para união de
forças de resistência política ao poder local, junto com aquelas dissidentes do
sistema. É, o conjunto dessas forças que reagem compartindo do mesmo
sentimento quanto à conservação da floresta tropical da Amazônia e da
sustentação da cultura camponesa do seringueiro, que tem formas especificas de
colheita dos frutos da floresta para sustentar um padrão de consumo de caráter
familiar.
Essa conjuntura ofereceu condições para no espaço local, venha se
constituir o processo em formação da relação: natureza-seringueiro-industria de
caráter endógeno, integrando processos econômicos com os ecológicos e as
necessidades comunitárias (GUIMARÃES, 2001).
Nos processos econômicos a Unidade Econômica Familiar Extrativista
(UEFE) se fortalece pela diversificação industrial, que garante mercado aos frutos
da floresta a preços assegurando uma situação econômica superavitária. Nessas
condições os objetivos da reprodução da unidade familiar e produtiva são
atendidos. Mantendo, todavia, um custo físico da natureza e uma penosidade do
trabalho inferior ao da produção familiar dedicada á agropecuária como aquelas
adotadas no PAD Humaitá.
126
Dessa forma a concepção do desenvolvimento rural, não deve se limitar
ao meramente agropecuário ou extrativista, deixando de considerar todo um
processo de desenvolvimento institucional de coordenação de uma
industrialização local que agregue o máximo aos produtos regionais. Assim, como,
deve-se observar na articulação e na interação produtiva entre fornecedores e
clientes das indústrias de base florestal, constituindo no futuro esses fatores em
determinantes do desenvolvimento de longo prazo do setor.
Mostrou-se no decorrer do trabalho, com os resultados de uma
experiência piloto realizado no (PAE) Cachoeira as oportunidades de ampliação do
uso-múltiplo da floresta que pode ser realizado pela família seringueira, além dos
serviços não florestais os mais diversos: nas indústrias, no artesanato, nas mini-
usinas de castanha, na prestação de serviços técnicos, de manutenção, social e
pessoal, no transporte, na construção, no desenvolvimento de atividades turísticas,
sem esquecer a administração pública. Como foi considerado no corpo do
trabalho, existe uma reserva de desenvolvimento nas atividades florestais e não
florestais que podem ser ocupadas, enquanto se criam condições econômicas na
cidade, para receber os excedentes populacionais vindo do mundo rural.
Antes, porém, é preciso ressaltar que nas duas experiências de
Assentamento rural analisadas, nota-se que a diversificação é o caminho que deve
ser perseguido pela unidade produtiva familiar, tanto para aquelas dedicadas na
produção agropecuária quanto nas atividades florestais.
Os resultados expressam a importância dos instrumentos econômicos na
criação de um mercado de ativos florestais, através da construção de uma
complexa diversificação de indústrias florestais, formuladas dentro de uma política
de desenvolvimento construída e que representa “a expressão das preocupações
e aspirações de grupos sociais que tomam consciência de seus problemas e se
empenham em resolvê-los” (FURTADO, 1983, p. 149), como vêm se empenhando
o “povo seringueiro” na região do município de Xapuri.
Entendendo que o desenvolvimento não é o alcance, de uma ou mais
questões concretas, que não deixam de ser importantes, mas ainda, possibilita a
criação de um contexto, ambiente, situação, que permite e facilita formas do
seringueiro viver e de se relacionar com o Meio Ambiente Natural e Social, dentro
127
de um processo social e cultural e só secundariamente econômico (FURTADO,
1983; BOISIER, 2005).
Dessa forma, é de vital importância, que se conheça, de uma parte, a
impossibilidade de se formular uma política única e homogênea, como aconteceu
nas ultimas três décadas do século passado, com os programas de
desenvolvimento regional, que incentivavam atividades produtivas
homogeinizadoras do território, conduzidas sob gestão privada ou por unidades de
produção familiar via programas de reforma agrária, como ocorreu com a
experiência do (PAD) Humaitá.
Dessa forma, a institucionalização das áreas de conservação (RESEX E
PAE), foi para o seringueiro a proclamação da supremacia do direito à existência e
da igualdade social sobre o direito de propriedade, sendo, portanto, a confirmação
desses direitos que exprime a atualidade dos desafios colocados pela
complexidade camponesa seringueira. Começar admitindo a racionalidade
camponesa seringueira, predominante no interior dessas áreas de conservação,
não deve significar atraso, pelo contrário se constitui no reconhecimento da
existência de racionalidades comunitárias que tem relações com a natureza
especificas, não mediadas somente pela racionalidade instrumental, mercantil que
separa sujeito de objeto. Pelo contrario, a sustentabilidade da industrialização
depende da relação natureza-seringueiro e do esforço das políticas de
desenvolvimento regional.
Deixando de considerar o “povo seringueiro” que têm na unidade
produtiva e familiar características específica, que vive e pode ofertar uma
produção diversificada de ativos florestais, reduzindo o custo físico da natureza e a
penosidade da força de trabalho familiar, melhorando a renda da família
seringueira e consequentemente a renda local e regional. Para tanto, a política de
desenvolvimento deve proporcionar uma economia urbana de base industrial que
possa ser competitiva nacional e internacionalmente. E, os seringueiros deixem de
ser considerados somente nas chamadas políticas compensatórias (REGO, 2003).
É ora de manter acessa a chama da dialética do movimento político do
seringueiro, como força viva que luta para viver do seu jeito no interior da floresta.
Conservando relações externas com o movimento ambiental e forças políticas
locais e nacionais. Envolvidas na busca da sustentabilidade de racionalidades
128
complexas como a seringueira, mas profundamente regional e, por isso mesmo,
universal, tornando presente a tese de Leon Tolstoi, o qual disse que só quem é
capaz de entender a sua aldeia, é capaz de tocar o universal.
129
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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135
ANEXO 1
Quadro 1 - Características da Economia camponesa Seringueira e a Diferença com a Economia Empresarial. Características Economia camponesa
seringueira
Agropecuária
empresarial
Objetivos de produção Reprodução da família e
da unidade de produção
Maximização da
taxa lucro
E acumulação de
capital
Estratégias de renda Múltiplas e em diferentes
mercados e atividades,
conforme os ativos
florestais da “colocação”
de cada família
Lucros
agropecuários (e
em outros
mercados) de
acordo com o
capital investido
Manejo do risco Autoconsumo e
diversificação de
atividades extrativistas,
agrícolas e de serviços.
Devido a falhas de
Utilização de
seguro
agropecuário.
Diversificação de
culturas.
136
mercado faltam
instrumentos para o
manejo do risco, e os que
existem tem custos muito
altos. Redes familiares e
locais reduzem o risco
Origem da força de trabalho Fundamentalmente familiar
e, em algumas ocasiões,
realizações de adjuntos
com outras unidades;
trabalho de “meiro” trocas
de dias de trabalho;
excepcionalmente
assalariada em
quantidades mínimas
Assalariada
Custo da força de trabalho Baixo ou quase nulo. Mão-
de- obra familiar não paga.
Aproveitamento da força
de trabalho familiar sem
custos de oportunidade
(crianças e anciãos)
Custos
equivalentes ao
salário rural em
vigor
137
Tecnologia Uso de “tecnologia
cabocla”59, e no ano de
2008 esta sendo
incorporada a tecnologia
do MODEFLORA60. Em
2007 houve um maior
adensamento de “capital”
no momento do arreste da
madeira61. A alta
intensidade de mão de
obra, baixa densidade de
“capital” e de insumos
comprados por período de
trabalho acontece na
colheita da castanha e do
leite da seringueira.
Maior densidade de
capital por ativo e
maior proporção de
insumos
comprados no valor
do produto final
Acesso a mercados e instituições
Insuficiência devido a
falhas de mercados,
mercados incompletos e
instituições inadequadas
Maior acesso a
mercados e a
instituições
Destinos dos produtos e origem
dos insumos
Parcialmente mercantil Mercantil
59 Entrelaçamento entre o conhecimento tradicional do seringueiro e o saber técnico, principalmente, na elaboração e execução dos planos de manejo florestal comunitário. 60 É modelo de precisão em florestas tropicais: modelo digital de exploração florestal, que proporciona uma elevação da produtividade do trabalho no levantamento florestal, conforme segue no anexo 02. 61 As maquinarias foram cedidas por um programa de governo, portanto, não foi uma capitalização direta da unidade econômica familiar extrativista.
138
Custos de transação
1. Supervisão
acompanh
amento da
mão-de-
obra
2. Credito e
mercados
Baixos. Auto-supervisão
Altos, devido a escalas
reduzidas e garantias
insuficientes
Altos
Baixos, devido a
maiores escalas de
produção
Direitos de propriedade Freqüentemente mal
definida e ambíguo
No caso do PAE Cachoeira
o instrumento é de
concessão de uso por
10anos, com renovação
por 30 anos.
Problema de transferência
ou transferível apenas as
bem feitorias, membros da
família ou outro seringueiro
com aprovação da
comunidade do PAE.
Claros e bem
definidos.
Acesso a serviços produtivos,
sociais e infra-estrutura
Deficiente acesso a
serviços produtivos e
sociais, particularmente
nas colocações distantes
e com pouca infra-
estrutura
Bom acesso,
principalmente nas
cidades
intermediarias
Manutenção e conservação dos
ecossistemas naturais
Alto. Baixa entropia
Intensivos no Meio
Ambiente
Baixo. Alta entropia
Intensivo no Meio
Ambiente
139
Natural - MAN Transformado –
MAT
Fonte: Elaboração própria baseada em Schejtman, A., (1980) “Economia campesina: lógica
interna, articulación y persistência”. Revista de la CEPAL, Nº 11, Santiago de Chile, agosto.
140
ANEXO 2
Tabela 13 - Modelo Digital de Exploração Florestal – MODEFLORA – Coeficientes técnicos
Descrição dos coeficientes técnicos Coeficientes Modeflora
Coeficientes (FAO, 1997)
Corte de árvores (de acordo com as normas de segurança e técnicas de impacto reduzido)
Em terreno plano (nº máximo de árvores cortadas/dia) 28
Em terreno acidentado (nº máximo de árvores cortadas/dia) 20
Estimativa do percentual da área impactada por clareiras
10,79%
10,80%
Pátios de Estocagem
Percentual de pátios executados conforme planejamento
90%
Inferior a 50%
Pátio (m²)/hectare 48,65
Área média do pátio (m²) 598,4
Extensão média das laterais do pátio (m) 24,2
Percentual da área impactada com pátios 0,49%
Cerca de 1%
Estradas Densidade de Estradas (m/hectare)
20,24
Percentual da área impactada com estradas 0,81%
Cerca de 1%
Trilhas de Arraste Total percorrido pelo Skidder na operação de arraste (m)
159769
S.I.T.
Total percorrido pelo Skidder em manobras de pátio (m) 29296
S.I.T.
Percentual de trilhas executadas conforme planejamento
72,14%
S.I.T.
Distância média do arraste (m) 119,7
Percentual da área impactada com trilhas de arraste 2,76%
4,20%
Percentual total da área impactada pela exploração florestal 14,85%
22,20%
Estudo de Tempo Tempo médio de trabalho da operação de arraste por dia (horas) 08:37:00
Volume arrastado por hora (m³/hora) 35
Tempo médio de engate da tora para arraste 00:03:49
Tempo médio de desengate da tora arrastada 00:02:12
Tempo médio de ciclo de arraste (tempo/tora) 00:10:49
Em que : S.I.T. = Sem informação técnica disponível para o assunto
141
Tabela 14 - Análise econômica (custos por fase do processo produtivo, produtividade, nível de adoção, impactos financeiros)
Planejamento do Manejo florestal Modeflora Tradicional ou
de baixo impacto
Inventário florestal (R$/hectare) R$19,00
R$25,00
Microzoneamento (R$/hectare) R$6,00
R$10,00
Planejamento em escritório (R$/hectare) R$12,00 a R$18,00
R$25,00 a R$35,00
Abertura de estradas (R$/hectare) R$28,00
R$35,00
Abertura de pátios (R$/hectare) -
-
Planejamento de trilhas (R$/hectare) R$3,00
R$60,00
Arraste (R$/hectare) R$160,00
R$225,00
Produtividade de arraste (m³/hora) 30 a 35
20 a 25
Monitoramento da produção e impacto (R$/hectare)
R$4,00
R$60,00
Quantidade de hectares de manejo planejados pelo MODEFLORA no Estado do Acre (até abril de 2007)
11800
142
ANEXO 3
Tabela 15 - Desempenho Econômico mediano por UPF, Vale do Acre, Sistema Extrativista, Sistema Agrícola, Sistema Agroflorestal, 2005/2006, Acre-Brasil
Indicadores
Unidade
Vale do
Acre Evolução
(%)* Extrativismo
Evolução
(%)* Agricultura
Evolução
(%)* Agrofloresta
Evolução
(%)*
RB R$/mês 522,20
68%
367,92
41%
574,73
59%
861,63
104%
RL R$/mês 253,11
581%
181,68
695%
253,11
153%
655,02
402%
MBF R$/mês 415,89
64%
331,76
44%
427,18
36%
770,42
101%
CF R$/mês 443,72
116%
321,57
232%
476,57
118%
466,45
59%
CV R$/mês 148,31
-10%
105,47
-47%
190,35
21%
217,43
67%
VBCC R$/mês 543,58
140%
441,12
89%
597,79
167%
509,49
119%
LRF R$/mês 1.002,13
124%
795,80
136%
1.105,21
126%
923,34
72%
AC R$/mês 177,42
-35%
238,31
-25%
148,17
-50%
290,83
-7%
NV R$/mês 651,40
11%
621,04
10%
611,05
-4%
1.119,56
54%
IEE und. 0,73
-20%
0,70
-16%
0,74
-29%
1,12
6%
MBF/RB und. 0,88
1%
0,93
7%
0,85
-2%
0,90
0%
MBF/Qh/d R$/dia 39,14
240%
30,68
380%
49,01
212%
54,66
152%
TI und. 0,76
10%
0,96
-3%
0,74
31%
0,49
-9%
Obs.: Resultados medianos por UPF; * Relativo ao período 1996/1997; RB - Renda Bruta; RL - Renda Líquida; MBF - Margem Bruta Familiar; CF -custo Fixo; CV - Custo Variável; BCC - Bens e Serviços Comprados no Mercado; LRF - Linha de Reprodução Familiar; AC - Aucoconsumo; NV - Nível de Vida em termos monetários; IEE - Índice de Eficiência Econômica; MBF/Qh/d - Remuneração diária da força de trabalho familiar; TI - Termos de Intercâmbio. ASPF/2008
143
ANEXO 4
Of. 034/2007 - COOPERFLORESTA
Rio Branco, 30 de agosto de 2007.
Excelentíssimo Senhor Governador
A Cooperfloresta congrega hoje 07 comunidades, que juntas apresentam um potencial
de produção de madeira de aproximadamente 8 mil m³. Com base nessa previsão, acabamos
fechando durante o ano, diversos contratos de comercialização com compradores regionais e
nacionais. Desde o início do ano estamos preparando ações para a gestão da safra de madeira
2007 que, por questões burocráticas levantadas pelo Escritório de Manejo e IMAC, e a nosso
ver, irrelevantes ou não impeditivas à liberação e renovação das autorizações de exploração de
novas áreas, está condenada a não ser colhida.
O Manejo Comunitário tem uma série de particularidades e metodologias que foram
construídas em vários anos com a participação ativa dos comunitários e o uso dos seus
conhecimentos, buscando otimizar os processos de licenciamento e colheita para reduzir e
restringir ao máximo os danos ao meio-ambiente. Essas características específicas levaram e
foram preponderantes para todas essas comunidades receberem a Certificação FSC e hoje são
referência para outras comunidades e estados que estão se interessando pelo Manejo
Comunitário.
Por diversas vezes nos reunimos com a equipe técnica do Escritório de Manejo para
discutir pequenas pendências nos Planos de Manejo de todas as comunidades, levantadas pelo
GT MMA/ IBAMA em 2006, e dos Planos Operativos 2007 de algumas comunidades, mas
temos encontrado muita resistência dos mesmos em conceder prazos ou aceitar justificativas.
As referidas pendências dos Planos de Manejo foram comunicadas para as comunidades
somente no mês de junho e julho, quando poderiam ter sido comunicadas no início do ano.
No tocante aos Planos Operativos Anuais 2007 dos PAEs Cachoeira, Equador e Porto Dias
que foram protocolados há várias semanas, a equipe técnica do Escritório de Manejo está
recusando toda metodologia de elaboração que sempre foi utilizada e por conta disso, não
144
haverá tempo hábil para adequá-la de acordo com as novas exigências do IMAC, pois será
necessário refazer todo o trabalho de inventário de campo, esgotando a época de colheita.
Essa situação está comprometendo seriamente a credibilidade dos produtores
florestais no Manejo Madeireiro Comunitário e pode trazer sérias conseqüências à Cadeia
Produtiva, pois vultosos investimentos tem sido feitos na atividade, tanto pelo governo como
por diversas entidades de apoio e fomento. Se não tivermos safra de madeira nesse ano (já não
houve colheita em 2006), fatalmente haverá uma debandada de produtores da atividade.
Por essas razões é que tomamos a iniciativa de solicitar medidas urgentes à Vossa
Excelência, pois aproxima-se o fim do verão e não temos nenhum m³ de madeira licenciado
para colheita.
Sem mais para o momento e na certeza do atendimento de nosso pleito, antecipamos
agradecimentos.
Cooperativamente,
Raimundo Tavares de Lemos Nilson Teixeira Mendes Presidente COOPERFLORESTA Presidente - PAE Chico Mendes
Armando Daines de Freitas Alfredo Ferreira Rodrigues Presidente – PAE São Luiz do Remanso Presidente – PA Pedro Peixoto
Francisco das Chagas Juscelino da Silva Correia Presidente – PAE Equador Presidente – PAE Porto Dias
145
ANEXO 5
TERMO DE COMPROMISSO
Toda a venda de madeira tem que fazer parte do Plano de Manejo aprovado pelo IBAMA e/ou IMAC.
Não é permitida a venda de madeira de roçados, que pode ser aproveitada apenas para uso do próprio seringueiro na colocação (casa, paiol, casa de farinha, cercas, etc) ou para benfeitorias na comunidade (escolas, posto de saúde, pontes, etc).
É permitida a venda da madeira de árvores caídas naturalmente em toda a colocação, defendendo de igarapés e refúgios de caça.
As árvores mortas em pé podem ser aproveitadas para venda só dentro dos talhadões. No resto da colocação as árvores mortas em pé devem ficar para proteger os animais.
As margens dos igarapés e rios devem ser protegidas; não é permitida a retirada de madeira nestas áreas. Deve ser evitado o cruzamento de igarapés por trilhas de transporte de madeira e o entupimento dos igarapóes com galhos, aterros etc. Sempre que possível devem ser feitas pontes.
Áreas de importância para caça não devem sofrer retirada de madeira (barreiros, grotões etc). Essas áreas devem ser deixadas de fora dos talhadões e marcadas no mapa.
O corte de árvores só será feito após concluída a jardinagem de área (tratamento pré-colheita) feita nas mães, filhas e netas, preferencialmente 1 ano antes do corte. Não deve ser feito o corte de cipós em todas as árvores do talhadão.
A retirada de madeira do talhadão até o ramal, deve ser feita com o mínimo impacto para a floresta, preferencialmente por tração animal.
A produção de madeira deve ser feita em conjunto com as espécies não madeireiras (castanha, borracha etc), sem causar prejuízo para eles.
O Pólo Moveleiro de Xapuri deve ter a preferência, mas não a exclusividade para a compra de madeira produzida pelo Projeto. Os compradores devem concordar e respeitar o sistema de manejo usado, comprando preferencialmente espécies de muita fartura na mata e não só aquelas que têm mercado garantido.
As vendas devem ser aprovadas pela Associação, através do Presidente da Associação ou seu representante (assinar atestado), do Coordenador de Produção
146
Florestal, e do (a) técnico (a) florestal responsável. As vendas devem ser feitas através da CAEX ou outra instituição definida pelos produtores.
A venda só poderá ser feita com aprovação da Associação e não por cada seringueiro individualmente. A venda deve ser apoiada pelo Pólo Moveleiro de Xapuri.
A madeira vendida deve ser preferencialmente certificada com o “selo verde”.
Será recolhida uma taxa de 10% do valor de venda das madeiras. Metade (5%) será usada para formar um Fundo Florestal Comunitário (FFC), para investimentos em atividades de apoio à produção florestal, decididos pela Coordenação Executiva do Projeto. Os outros 5% serão usados para formar o Fundo da Associação (FA), para investimentos na comunidade (escolas, saúde, pontes etc), sendo o seu uso definido pela Diretoria da Associação.
A participação em reuniões, oficinas, mutirões e outras atividades relacionadas com o manejo florestal é obrigatória. Na impossibilidade de participação, o seringueiro deve justificar claramente o motivo da ausência e mandar um representante.
Os produtores que não cumprirem com os compromisso desse termo, podem ser excluídos pela maioria do grupo. Os excluídos ficarão em último lugar de prioridade se quiserem voltar a fazer parte do Projeto. Antes de ser excluído, o seringueiro deve ser avisado e ter uma nova oportunidade (“cartão amarelo”).
Podem ser feitas alterações nessas regras, se aprovadas pela maioria do Grupo de Produtores Florestais, desde que estejam de acordo com a legislação.
147
ANEXO 6
Informações Gerais Sobre população, Economia, área de ação antrópica no
Estado e municípios do Acre.
Gráfico 7 - Área Total de Floresta em hectares, no Estado do Acre, Brasil, 2008.
15.793.358
14.677.389
16.422.000
13.500.000
14.000.000
14.500.000
15.000.000
15.500.000
16.000.000
16.500.000
17.000.000
Floresta Original Floresta 1989 Floresta 2007
Hec
tare
s
Fonte: Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (FUNTAC)
148
Gráfico 8 - Relação Floresta/ Desmatamento no Estado do Acre, Brasil – 2007
10,6%
89,4%
Floresta
Desmatamento
Fonte: Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (FUNTAC)
Tabela 16 - Evolução da ação antrópica de 1989 a 2007, no Estado do Acre.
Ação Antrópica
19891 2004 20074 Incremento 1989-
2007
Absoluta
(km2)
Relativa
(%) Absoluta
(km2)
Relativa
(%) Absoluta
(km2) Absoluta
(km2)
Relativa
(%) Área urbana 49,53 0,79 115,61 0,70 122,65 73,12 147,62Capoeira 605,65 9,63 2155,80 13,11 2.287,61 1.681,96 277,71
Pastagem2 4370,63 69,5213352,1
6 81,21 14.168,64 9.798,01 224,18Agricultura3
1176,28 18,71 572,99 3,49 608,08 -568,20 -48,30Espelhos de água 84,33 1,34 244,16 1,49 259,14 174,81 207,29Praia 0 0 0 0 0 0 0
Total 6286,42
16440,72
17446,11 11159,69
Fonte: adaptado de Oliveira & Bardales (2006) e Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) (2007). 1. (FUNTAC) (1993) 2. Pastagem para o ano de 1989 corresponde à área de pastagem associada
às áreas de projetos de colonização. 3. Agricultura para o ano de 1989 corresponde à área de agricultura associado
com as áreas de colônias/roçados e colocações.
149
4. Considerou-se a proporção relativa para ação antrópica do ano de 2004 para a estimativa de 2007 e dados de desflorestamento do Acre dos anos de 2005 a 2007 do (INPE).
Tabela 17 - Distribuição das áreas Desmatadas e Áreas de Floresta por Município do Estado do Acre Referente ao ano de 2007
99,4 98,5 98,3 98,0 97,7 96,3 96,3 95,5 94,3 94,2 93,188,7
79,274,5 73,9
67,8
62,959,0 59,0
53,7
38,0 36,2
0,6 1,5 1,7 2,0 2,3 3,7 3,7 4,5 5,7 5,8 6,911,3
20,825,5 26,1
32,2
37,141,0 41,0
46,3
62,0 63,8
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
San
ta R
osa
do P
ur
Jord
ão
Man
oel U
rban
o
Mar
echa
l Tha
umat
u
Por
to W
alte
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Ass
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l
Sen
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Tar
auac
á
Mân
cio
Lim
a
Cru
zeiro
do
Sul
Rod
rigue
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lves
Xap
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Rio
Bra
nco
Bra
silé
ia
Buj
ari
Por
to A
cre
Cap
ixab
a
Epi
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olân
dia
Acr
elân
dia
Sen
ador
Gui
omar
d
Plá
cido
de
Cas
tro
%
Floresta Desmatamento_04
Fonte: adaptado de Oliveira & Bardales, 2006 e INPE, 2008.
150
Figura 11 - Uso da Terra por Município, Estado do Acre, Brasil. Referente ao ano de 2007.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Acrelâ
ndia
Assis
Brasil
Brasil
éiaBuja
ri
Capixa
ba
Cruze
iro d
o Sul
Epitac
iolân
dia Feijó
Jord
ão
Mân
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ima
Man
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o
Mar
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Plácido
de
Castro
Porto
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e
Porto
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lves
Santa
Ros
a do
Pur
us
Sena
Mad
ureir
a
Senad
or G
uiom
ard
Tarau
acá
Xapur
i
Praia
Urbana
Pastagem
Espelho de água
Capoeira
Agricultura
Fonte: Secretaria Estadual de Floresta – SEF
151
Figura 12 - Evolução das áreas sob Manejo Florestal madeireiro licenciado por município no Acre, Brasil – 1995/2007.
Fonte: Secretaria Estadual de Floresta (SEF)
152
Figura 13 - Levantamento das propriedades com pedido de Manejo Florestal madeireiro no Estado do Acre, Brasil 1995-2007.
Fonte: Secretaria Estadual de Floresta (SEF)
153
Tabela 18 - Produto Interno Bruto, Vale do Acre, 2005, Acre-Brasil, Valores em R$ 1.000,00. População 2007.
Unidade Agropecuária Indústria
Serviços Impostos PIB Total População/2007
Acre 822.201,72 473.244,72
2.811.121,88 375.179,18 4.481.747,50 655.385
Manoel Urbano 7.451,63 1.607,58 21.387,89
820,67
31.267,78
7.636,00
Santa Rosa do Purus 3.667,57 732,75 10.588,39
332,36
15.321,07
3.395,00
Sena Madureira 103.831,44 11.494,00 109.795,71
9.260,20
234.381,35
32.989,00
Acrelândia 56.291,90 11.083,95 39.296,49
7.677,20
114.349,53
11.451,00
Bujari 49.723,95 1.761,23 25.699,01
1.466,95
78.651,14
8.423,00
Capixaba 42.649,10 6.667,78 24.546,38
4.525,88
78.389,15
7.067,00
Plácido de Castro 70.520,13 5.811,16 58.688,29
4.794,70
139.814,28
16.691,00
Porto Acre 39.644,57 1.888,04 30.032,27
1.146,48
72.711,36
12.085,00
Senador Guiomard 40.092,73 20.304,22 67.003,57
10.217,17
137.617,69
20.505,00
Rio Branco 90.284,32 336.239,95 1.664.739,06
280.043,41
2.371.306,74
305.731,00
Assis Brasil 9.203,98 1.853,27 17.666,82
1.573,54
30.297,60
5.063,00
Brasiléia 40.714,37 6.665,42 63.997,67
6.147,82
117.525,28
17.721,00
Epitaciolândia 26.463,66 4.732,36 51.460,04
5.507,56
88.163,62
13.782,00
Xapuri 29.866,45 3.900,81 45.372,12
3.237,86
82.377,23
13.693,00
Vale do Juruá 211.795,93 58.502,21
580.848,18 38.427,38 889.573,70 193.504,00
Cruzeiro do Sul 56.499,45 32.784,39 277.804,59
24.854,16
391.942,59
84.335,00
Mâncio Lima 11.724,60 2.563,77 34.219,68
1.196,68
49.704,73
12.747,00
Mal. Thaumaturgo 11.461,48 1.359,00 24.277,10
547,24
37.644,82
8.455,00
Porto Walter 9.474,38 965,11 15.079,22
406,49
25.925,20
4.962,00
Rodrigues Alves 21.946,10 1.913,11 26.706,55
901,86
51.467,62
9.796,00
Feijó 35.154,40 9.185,77 96.379,84
4.256,57
144.976,57
38.241,00
Jordão 8.209,18 858,99 14.328,87
408,23
23.805,28
4.633,00
Tarauacá 57.326,33 8.872,08 92.052,33
5.856,16
164.106,90
30.335,00
Fonte: IBGE, 2007
.
154
Tabela 19 - Principais produtos por valor da produção, Vale do Acre, 1996-2006, Ac-Brasil, Valores em R$1.000,00
Val
e d
o A
cre
- A
C
Tipo de Produto
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Extrativismo Vegetal
Madeira em tora 5.686 5.969 5.887 6.420 6.440 7.745 10.382 8.823 10.034 12.055 11.076
Castanha-do-Pará 642 621 642 3.546 3.141 1.888 2.888 2.354 4.940 15.376 12.254Borrachas 1.662 1.495 1.141 2.154 2.404 1.785 1.713 2.013 2.886 2.936 2.315
Pecuária Leite - - - - - - 30.689 35.423 49.960 40.183 37.751Ovos de galinha - - - - - - 3.256 3.866 4.840 4.354 4.967
Agricultura (Lavoura Permanente) Banana 3.299 3.676 5.649 7.926 10.722 5.885 10.584 11.371 8.539 5.857 8.442Café (beneficiado) 286 328 338 703 1.735 2.984 1.467 4.296 3.834 4.162 2.670Palmito 600 550 696 755 710 4.866 3.910 779 477 636 739Laranja 869 937 977 1.149 1.037 978 1.228 1.556 1.629 1.152 804Mamão 648 620 1.336 1.392 1.900 494 1.040 1.264 1.148 900 978Borracha (látex coagulado) 201 259 170 220 339 1.288 1.199 1.294 2.658 1.087 1.118Tangerina 432 479 439 447 469 411 527 548 523 469 377
Agricultura (Lavoura Temporária) Mandioca 6.512 5.080 38.512 52.683 61.264 44.118 55.888 69.647 50.356 74.063 52.929Milho (em grão)
2.847 2.963 3.677 4.831 8.317 7.255 12.363 16.253 13.305 14.048 11.270Arroz (em casca) 2.711 2.616 4.080 5.928 8.003 9.513 10.027 13.267 16.520 10.241 9.378
Fonte: SIDRA/IBGE (2007).