os desafios do ensino de história indígena

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OS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA Caren Malta de Resende Cruvinel 1 A história e a cultura indígenas foram instigadas a constar do currículo nas escolas mediante uma lei que visa introduzir esse conteúdo nos estabelecimentos de ensino básico. Embora reconheçamos seus limites, os órgãos reguladores da legislação educacional procura se fazer presente nos esforços por uma educação intercultural. O estudo da história e da cultura indígena na escola está regimentado pela Lei nº 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos povos indígenas nas instituições de ensino fundamental e médio do país e tem causado preocupação nos meios acadêmicos cada vez que abordamos o conteúdo indígena e sua relação com a escola. Tal preocupação se deve aos questionamentos sobre como a temática indígena vem sendo tratada nas escolas, se essa abordagem traz benefícios, como podemos inserir essa temática nas discussões que envolvem educação intercultural e que pontos de vista dos povos indígenas se sustentam na escola através das experiências de ensino. Entretanto, a fim de que essa interação seja significativa para o processo ensino/ aprendizagem não devemos apenas dialogar com o outro, mas sim apresentar conhecimentos fundamentados desse outro, que nos permitam estabelecer e qualificar esse intercâmbio. 1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Português e suas Literaturas

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Page 1: Os desafios do ensino de história indígena

OS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA

Caren Malta de Resende Cruvinel1

A história e a cultura indígenas foram instigadas a constar do currículo nas

escolas mediante uma lei que visa introduzir esse conteúdo nos estabelecimentos

de ensino básico. Embora reconheçamos seus limites, os órgãos reguladores da

legislação educacional procura se fazer presente nos esforços por uma educação

intercultural.

O estudo da história e da cultura indígena na escola está regimentado pela Lei

nº 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura

dos povos indígenas nas instituições de ensino fundamental e médio do país e tem

causado preocupação nos meios acadêmicos cada vez que abordamos o conteúdo

indígena e sua relação com a escola.

Tal preocupação se deve aos questionamentos sobre como a temática

indígena vem sendo tratada nas escolas, se essa abordagem traz benefícios, como

podemos inserir essa temática nas discussões que envolvem educação intercultural

e que pontos de vista dos povos indígenas se sustentam na escola através das

experiências de ensino. Entretanto, a fim de que essa interação seja significativa

para o processo ensino/ aprendizagem não devemos apenas dialogar com o outro,

mas sim apresentar conhecimentos fundamentados desse outro, que nos permitam

estabelecer e qualificar esse intercâmbio.

A sanção dessa nova legislação significa uma mudança nas práticas e nas políticas educacionais, mas

também – e sobretudo – no imaginário pedagógico e na sua relação com o diverso, o diferente.

Embora essa determinação tenha impulsionado a revisão de currículos dos cursos de licenciaturas

faz-se necessário, ainda, como se verá adiante, orientar

Os cursos de Licenciatura das diferentes áreas do conhecimento considerados neste Relatório

Intermediário apresentaram inúmeras variações nas respostas das Instituições de Ensino Superior às

demandas da Lei 11.645/08. Contudo, se poucas IES introduziram adaptações ou modificações em

seus currículos em função da promulgação da Lei 10.639/03, número ainda menor considerou as

exigências da lei que introduz a temática indígena no currículo obrigatório da educação básica.

Algumas Instituições alegam falta de clareza do texto da lei, que não especifica a obrigatoriedade do

1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em Português e suas Literaturas

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ensino de tais conteúdos nos cursos de Graduação, atendo-se apenas à educação básica. Outras

questionam a falta de comunicação com o movimento indígena ou de discussão com as comunidades

indígenas previamente à promulgação da lei, o que seria uma espécie de pecado original do texto

legal, que não teria, no que tange à temática indígena, respaldo das comunidades. Há ainda

questionamentos com relação à forma de implementação de tais exigências legais no âmbito das

Instituições de Ensino Superior, se haverá contratação de pessoal especializado em história indígena

e cultura indígena para ministrar as disciplinas a serem criadas ou se as Instituições devem fazer

algum tipo de arranjo com a informação e o pessoal disponíveis. Com efeito, o principal entrave para

a implementação de novas disciplinas que incluam a temática indígena no âmbito do ensino superior

parece ser o desconhecimento do tema mesmo no contexto de Institutos ou Faculdades de Ciências

Humanas ou Sociais ou de Faculdades ou Cursos de História, haja vista a quantidade rarefeita de

Instituições em que existem áreas de pesquisa e/ou especialistas em áreas como (Nova) História

Indígena, Indigenismo, Etnologia Indígena ou Etno-História. Outra preocupação pertinente é a força

do movimento negro que se mobiliza com agilidade pela implementação do conteúdo referente à

história da África e afro-brasileira em oposição à falta quase total de mobilização das comunidades

indígenas, que já não participaram do projeto de elaboração da lei, em decorrência da inexistência

de um movimento indígena forte organizado nacionalmente. Disso decorre, uma vez mais, a

invisibilidade da temática indígena nos currículos – seja do ensino básico ou superior – frente à

predominância da temática negra. Outra questão relevante a ser considerada é a alegada falta de

orientação das Instituições de Ensino Superior, que se confessam sem entender se as duas leis –

10.630/03 e 11.645/08 – estão vigentes ou se esta última anulou a primeira ou, ainda, se há uma

hierarquia entre as leis e qual das duas teria prevalência. Aparentemente, um dos entraves para

desenvolver ações que respondam às exigências da lei é a falta de entendimento das tecnicalidades

do sistema jurídico nacional. Por último, há que se considerar o problema da ‘folclorização’ do tema

não apenas na mídia, mas também na literatura, no cinema e nos livros didáticos; perspectiva

reforçada por um calendário de festas nacionais historicamente descontextualizadas. Mesmo os

compêndios e manuais de história do Brasil utilizados nos cursos de nível superior oferecem pouco

espaço aos diferentes povos e culturas indígenas, privilegiando abordagens a um só tempo

folclorizadas e estereotipadas de um índio genérico cuja única possibilidade seria a

extinção/assimilação. Muito raros são os cursos que adotam uma abordagem etno-histórica, seja

pelo viés da Antropologia Histórica, seja da perspectiva da Nova História Indígena.

Naturalmente, também no que tange à formação de professores e à educação básica, já existiam

interesses acadêmicos e pesquisas anteriores à promulgação da Lei 11.645/08 que deram origem a

uma bibliografia básica restrita, porém de grande importância, a respeito da temática indígena na

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escola não diferenciada, que será apresentada em conjunto com a produção decorrente da

preocupação específica de inclusão da temática indígena em resposta à lei em tela.

Constatei através dos temas abordados na disciplina “O estudo da história do

povo indígena no Brasil” que a história e a cultura desses povos vêm sendo

apresentadas nas escolas e também quais concepções de cultura e que encontros

se fortalecem por meio das experiências de ensino.

Dado que, os povos nativos têm formado historicamente um patrimônio para a

interação das culturas, instituindo mecanismos que permitem o intercâmbio com

outros povos, nós, enquanto sociedade e também como futuros educadores, temos

a necessidade de compreender que da mesma forma que um povo constitui um

patrimônio cultural que envolve um conjunto dos bens materiais e imateriais

formados historicamente e que fazem referência à identidade e à memória coletiva

da sociedade atual, a interculturalidade também se refere aos bens imateriais que,

de acordo com a história, o grupo instituiu para dialogar com as outras culturas, seja

pela prática de rituais, dialetos, regionalismos ou do bilingüismo que vemos nas

tribos indígenas.

os livros didáticos costumavam dispensar à temática indígena um tratamento equivocado e

estereotipado, em contraposição à maior parte da produção de conhecimento da Etnologia Indígena

contemporânea. Os indígenas apareciam, geralmente, como personagens do passado ou do folclore,

em descompasso com a significativa diversidade cultural entre os mais de duzentos povos indígenas

residentes em território brasileiro. Com a análise dos livros mais recentemente recomendados pelo

MEC foi possível, ainda, verificar se ocorreram mudanças significativas ou não no tratamento da

temática indígena nos livros em questão. Em tais livros é muito recorrente a associação entre “povos

indígenas” e “primitivos”, especialmente quando comparados aos portugueses, onde o uso do termo

“primitivo” pode transmitir uma conotação preconceituosa e depreciativa, já que, a saber, tal

expressão remete a uma concepção evolucionista da História e dos grupos humanos. Pouco, ou

quase nada, se aprende sobre a diversidade cultural e sobre a importância da sua valorização. Pouco

se aprende sobre o convívio com a diferença. Enquanto, teoricamente, o combate ao preconceito e à

discriminação é exaltado, na prática, disseminam-se muitos preconceitos arraigados na sociedade

brasileira. Dar às crianças e adolescentes a oportunidade de aprender sobre os povos indígenas é

dar-lhes a oportunidade de conhecer a grande riqueza que reside na diversidade cultural existente

no Brasil, riqueza que deve ser valorizada e respeitada.

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REFERÊNCIAS

AGUIAR, Marcia Angela da S. (org.) [et al]. Educação e Diversidade: estudos e pesquisas. Recife, PE: Gráfica J. Luiz Vasconcelos Ed., 2009. Vol. 2. Disponível

em: https://www.ufpe.br/cead/estudosepesquisa/textos/artigos_vol_2.pdf

BERGAMASCHI, Maria Aparecida; GOMES, Luana Barth. A Temática Indígena na

Escola: ensaios de educação intercultural. Revista Currículo sem Fronteiras, v.12,

n.1, pp. 53-69, Jan/Abr 2012. Disponível em:

http://www.curriculosemfronteiras.org/vol12iss1articles/bergamaschi-gomes.pdf

GOBBI, Izabel. Desafios do Ensino sobre Indígenas nas Escolas: uma reflexão a partir dos livros didáticos de História. Disponível em: http://www.leme.ufcg.edu.br/cadernosdoleme/index.php/e-leme/article/download/25/23.