os circunstanciadores temporais e sua ordenaÇÃo

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OS CIRCUNSTANCIADORES TEMPORAIS E SUA ORDENAÇÃO: UMA VISÃO FUNCIONAL por MÁRIO EDUARDO T. MARTELOTTA Área de Lingüística e Filologia Tese de Doutorado em Lingüística apresentada à coordenação dos programas de Pós-Graduação em letras da UFRJ. Orientador: Prof. Dr. Sebastião J. Votre.

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OS CIRCUNSTANCIADORES TEMPORAIS E SUA ORDENAÇÃO:

UMA VISÃO FUNCIONAL

por

MÁRIO EDUARDO T. MARTELOTTA

Área de Lingüística e Filologia

Tese de Doutorado em Lingüística apresentada à coordenação dos programas de Pós-Graduação em letras da UFRJ. Orientador: Prof. Dr. Sebastião J. Votre.

2

2

Rio de Janeiro 2º semestre de 1993.

DEFESA DE TESE

MARTELLOTA, Mário Eduardo T. Os circunstanciadores temporais e sua ordenação: uma visão funcional. Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-graduação da Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 1991 - 229p.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. Sebastião Josué Votre (Orientador)

_____________________________________________

Profa. Dra. Giselle Machline de Oliveira (Coorientadora)

______________________________________________

Pra. Dra. Maria margarida Martins Salomão

______________________________________________

Profa. Dra. Lea Gamarski

______________________________________________

3

3

Prof. Dr. Edwaldo Cafezeiro

OS CIRCUNSTANCIADORES TEMPORAIS E SUA ORDENAÇÃO:

UMA VISÃO FUNCIONAL

por

MÁRIO EDUARDO T. MARTELOTTA

Área de Lingüística e Filologia

Tese de Doutorado em Lingüística apresentada à coordenação dos programas de Pós-Graduação em letras da UFRJ.

Orientador: Prof. Dr. Sebastião J. Votre.

Rio de Janeiro 2º semestre de 1993.

4

4

5

5

RESUMO

MARTELLOTA, Mário Eduardo T. Os circunstanciadores temporais e sua ordenação: uma visão funcional. Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-graduação da Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 1991 - 229p. mimeo.

Proponho que os circunstanciadores temporais e alguns operadores

argumentativos são elementos da mesma natureza, que se encontram em pontos

diferentes de um processo de gramaticalização espaço > (tempo) > texto, que

constitui uma mudança linear e unidirecional de acordo com a qual o elemento

perde valor semântico e passa a assumir funções pragmático-discursivas,

A colocação dos circunstanciadores temporais propriamente ditos, que

não sofreram a perda semântica da acepção temporal no processo de gramaticali-

zação, está subordinada à sua função dentro do discurso de que fazem parte.

Tendem a ser topicalizados ou enfatizados, ocupando posições pré-verbais, os

circunstanciadores que apresentam traços semântico-gramaticais semelhantes aos

traços semântico-gramaticais do tipo de discurso em que ocorrem.

6

6

Com o processo de gramaticalização o elemento tende a ter o seu feixe

de possibilidades de colocação bastante reduzido, uma vez que, com a perda de

valor semântico, anulam-se suas relações com dados textuais mais amplos,

referentes à organização do discurso como um todo, e sua colocação passa a ter

um caráter específico, pois passa a depender das características gramaticais de

suas novas funções, que nascem de contextos específicos. Em outras palavras,

especialização gramatical implica restrição de colocação.

7

7

ABSTRACT

The proposal of the present work is to state that the temporal adverbs

and some argumentative markers are elements of the same nature that appear in

different moments of a space > (time) > text grammaticalization. This process

constitues a linear and unidirectional change according to which the element looses

its semantic value and assumes pragmatic-discoursive functions.

The position of temporal adverbs, not affect by the semantic loss of the

temporal content in the process of grammaticalization, is controlled by its function

within the discourse type in which they occur tend either to be presented as topic or

to be emphasized and to occupy pre-verbal positions.

Within the grammaticalization process, there is a tendency for the

element to have its set of syntatic possibilities reduced, since, with the loss of its

semantic values, its relationship with broader textual factors, relative to discourse

organization as a whole, becomes null. Also, as a consequence of

grammaticalization process, the position of the element assumes a specific

character, as it depends on the grammatical characteristics of its function, produced

in specific contexts. In other words, grammatical specialization implies position

restriction.

8

8

SINOPSE

Análise de cunho funcionalista da colocação dos cir-cunstanciadores temporais e dos operadores argumentativos, que deles são provenientes por um processo de gramaticalização espaço > (tempo) > texto.

9

9

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01

1.1 – Corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01

1.2 – Suporte Teórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 02

1.3 – Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06

1.4 – Procedimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08

2 – REVISÃO DA LITERATURA SOBRE A COLOCAÇÃO DOS ADVÉRBIOS NA SENTENÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

10

2.1 – As Gramáticas de Orientação Tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2.2 – As Gramáticas de Orientação Lingüística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . .

11

3 – SOBRE O CONCEITO DE ADVÉRBIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

24

3.1 – Os Advérbios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.1.1 – Os Circunstanciadores Temporais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.1.2 – Os Operadores Argumentativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . .

31

4 – OS DADOS ANALISADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.1 – Os Circunstanciadores Temporais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.1.1 – Tipos de Circunstanciadores Temporais . . . . . . . . . . . . . . . 53

10

10

4.1.2 – Posições na Sentença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4.1.3 – Tipos de discurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

4.1.4 – Traços Semântico-Gramaticais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

4.1.4.1 – O Traço [± Perfectivo] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

4.1.4.2 – O Traço [± Específico] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

4.1.4.3 – O Traço [± Cinético] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

4.1.4.4 – O Traço [± Punctual] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 67

4.2 – Os Operadores Argumentativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

4.2.1 – Gramaticalização e Degramaticalização . . . . . . . . . . . . . . 71

4.2.1.1 – A Natureza da Gramaticalização . . . . . . . . . . . . . 73

4.2.1.2 – Princípios da Gramaticalização segundo Hopper 74

4.2.1.2.1 – Camadas (Layering) . . . . . . . . . . . . . . 75

4.2.1.2.2 – Divergência (Divergence) . . . . . . . . . . 75

4.2.1.2.3 – Especialização (Specialization) . . . . . 76

4.2.1.2.4 – Persistência (Persistence) . . . . . . . . 77

4.2.1.2.5 – Decategorização (Decategorialization)

.

77

4.2.1.3– Os Pontos de Partida e os Resultados da Gramaticalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

78

4.2.1.4– A Unidirecionalidade da Gramaticalização . . . . . 80

4.2.1.5– Mecanismo de Mudança Referentes à Grama-ticalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

4.2.2 – Gramaticalização em Operadores Argumentativos . . . . . . . . .

87

11

11

4.2.2.1 – As Funções da Linguagem no Processo de Gramaticalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

4.2.2.2 – A Noção de Expectativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

5 – ANÁLISE DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . 100

5.1 – O Operador Argumentativo Aí . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

5.1.1 – Aí Dêitico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

5.1.2 – As trajetórias da Gramaticalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

5.1.2.1 – A Trajetória Para Elemento Seqüencializador . . 103

5.1.2.1.1 – Aí Anafórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

5.1.2.1.2 – Aí Seqüencial . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

5.1.2.1.3 – Aí Introduzindo Informações Novas 108

5.1.2.1.4 – Aí Conclusivo . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

5.1.2.2 – A Trajetória Para Elemento Modificador . . . . . . . 113

5.1.3 – Aí em Degramaticalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

5.2 – O Operador Argumentativo Depois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

5.2.1 – Depois Espacial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

5.2.2 – Depois Temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

5.2.3 – Depois Seqüencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

5.2.4 – Depois Aditivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

5.3 – O Operador Argumentativo Logo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

12

12

5.3.1 – Logo Temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

5.3.2 – Logo Conclusivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

5.4 – O Operador Argumentativo Então . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

5.4.1 – Então Seqüencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

5.4.2 – Então Introduzindo de Informação Nova . . . . . . . . . . . . . . . 143

5.4.3 – Então Retomando Assunto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

5.4.4 – Então Conclusivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

5.4.5 – Então Alternativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148

5.4.6 – Então Intensificador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

5.5 – O Operador Argumentativo Já . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

5.5.1 – Já Marcador de Contraexpectativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

5.5.2 – Já Comparativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

5.5.3 – Já Conclusivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166

5.5.4 – Já em Locução Conjuntiva Causal Já que . . . . . . . . . . . . 168

5.5.5 – Já em Expressões Fáticas do Tipo Já viu, né? . . . . . . . . 170

5.6 – O Operador Argumentativo Ainda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172

5.6.1 – Ainda Marcador de Contraexpectativa . . . . . . . . . . . . . . . 177

5.6.2 – Ainda Inclusivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184

5.6.3 – Ainda como Intensificador de Advérbio . . . . . . . . . . . . . . . 186

6 – OS RESULTADOS OBTIDOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

13

13

6.1 – A Colocação dos Circunstanciadores Temporais . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

6.1.1 – Os Circunstanciadores de Tempo Determinado . . . . . . . . . . . . 189

6.1.2 – Os Circunstanciadores de Tempo de Indeterminado . . . . . . . . 194

6.1.3 – Os Circunstanciadores de Simultaneidade . . . . . . . . . . . . . . . . 197

6.1.4 – Os Circunstanciadores Delimitativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199

6.1.5 – Os Circunstanciadores Iterativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

6.1.6 – Análise dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204

6.2 – A Colocação dos Operadores Argumentativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

6.2.1 – O Operador Argumentativo Aí . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

6.2.1.1 – As Trajetórias da Gramaticalização . . . . . . . . . . . . . 210

6.2.1.1.1– A Trajetória para Elemento Seqüen-cializador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

6.2.1.1.2 – A Trajetória Para Elemento Modificador . 210

6.2.1.1.3 – Aí em Degramaticalização . . . . . . . . . . .

.

213

6.2.2 – O Operador Argumentativo Depois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214

6.2.3 – O Elemento Logo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216

6.2.4 – O Elemento Então . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

6.2.5 – O elemento Já . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

6.2.6 – O Elemento Ainda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225

6.3 – Análise dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231

14

14

7 – CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . .

232

8 – BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 235

15

15

1 – INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a observar a colocação dos circunstanciadores temporais na

sentença, na busca de aspectos discursivos que a determinem.

1.1 – Corpus

Utilizo, como corpus para esta pesquisa, entrevistas concedidas por crianças e

adultos para os projetos Censo de Variação Lingüística, Competências Básicas do Português

e NURC. Observar mais de um nível de utilização oral da língua me pareceu fundamental, na

medida em que meu objetivo é chegar a uma teoria mais abrangente, capaz de explicar o

mecanismo da ordenação dos circunstanciadores temporais em termos estruturais, e não em

termos deste ou daquele grupo de falantes.

A pesquisa diacrônica referente aos operadores argumentativos foi feita com base

em textos antigos: Vigeu da Consolação (1959), A Demanda do Santo Graal de Magne

(1944), O Boosco Deleitoso de Magne (1950), Crestomatia Arcaica de Nunes (1959) e

Cantigas d'Amor dos Trovadores galego-portugueses de Nunes (1932) para o português

arcaico (do séc. XII, em que apareceram os primeiros textos, até meados do séc. XVI, ou,

segundo Melo (1975), até 1536, data da morte de Gil Vicente e da edição da gramática de

Fernão de Oliveira); e Os Lusíadas de Camões (1975), A Vingança da Cigana de Caporalini

(1749) e O Auto dos Dois Ladrões de Lisboa (1965) para o português moderno (de 1536 até

os dias de hoje).

1.2 – Suporte Teórico

16

16

O trabalho apresenta duas partes. Cada uma delas analisa manifestações diferentes

dos circunstanciadores temporais. Uma parte se refere aos circunstanciadores temporais

propriamente ditos: termos que expressam uma circunstância temporal e se referem à

sentença inteira. Outra parte analisa alguns operadores argumentativos, que foram tratados,

nesta pesquisa, como circunstanciadores temporais por apresentarem valor temporal em

alguns de seus usos, embora a tradição gramatical se mostre insegura no que se refere à

classificação desses elementos.

Cada uma destas partes é analisada à luz de referenciais teóricos parcial-mente di-

ferentes. Para ser mais específico, há um referencial teórico geral, que norteia a pesquisa

como um todo, e aspectos teóricos mais específicos de cada uma destas partes.

Como princípio geral do trabalho, parto, como Hooper & Thompson (1980), da

idéia de que o discurso narrativo apresenta duas estruturas chamadas figura e fundo, cada

uma delas caracterizada por determinados traços semântico-gramaticais. Adotei também a

hipótese desenvolvida por Martelotta (1986) de que esta distinção pode ser aplicada também

ao discurso não-narrativo.

Segundo o que está desenvolvido em Martelotta (1986), a oposição entre figura e

fundo não se restringe à narrativa, assumindo um papel mais amplo no discurso. Existem

dois níveis de distinção entre figura e fundo. O primeiro reflete a intenção do falante de dire-

cionar o fluxo do discurso para a narrativa ou para a não-narrativa: se o falante está narrando,

eventos e situações não-narrativos funcionam como fundo; e, ao contrário, se o falante está

comentando ou descrevendo, eventos e situações narrativos funcionam como fundo, servindo

para evidenciar este comentário ou esta descrição. Direcionando o fluxo do discurso para um

ou outro desses dois planos, estabelece-se um segundo nível de distinção entre figura e

fundo, baseada nos traços semântico-gramaticais que caracterizam cada um destes dois tipos

de discurso.

17

17

Na narrativa, a oposição figura/fundo se manifesta do seguinte modo: tendem a

funcionar como figura os eventos marcados pelos traços [+específico], [+perfectivo],

[+cinético], [+punctual]. E, como fundo, as situações levam basicamente os traços [–

específico], [–perfectivo], [–cinético], [–punctual].

O discurso não-narrativo também apresenta essa distinção. Funcionam como figura

eventos marcados pelos traços [–específico], [+perfectivo], [+cinético], [+punctual]. E, como

fundo, as situações que levam os traços [–específico], [–perfectivo], [–cinético], [–punctual].

Além disso, procurei observar a colocação dos circunstanciadores temporais de

acordo com as seguintes posições na sentença:

ANTES DO VERBO

POSIÇÃO 1– Não ocorrendo sujeito antes do verbo. Aí estão enquadrados os casos tradicionalmente

chamados de sujeito inexistente, indeterminado e elíptico e casos em que o sujeito

ocorre depois do verbo.

Ex: Depois daquela muda se adaptar à mudança de local, fazia-se o enxerto.

POSIÇÃO 2 – Antes do sujeito.

Ex: Quando eu olhei no boletim, meu nome não estava lá.

POSIÇÃO 3 – Entre o sujeito e o verbo (ou entre o sujeito e o primeiro verbo em caso de locução verbal:

foram raríssimas as ocorrências de circunstanciadores temporais entre os verbos da

locução).

Ex: A gente às vezes se cansa.

DEPOIS DO VERBO

POSIÇÃO 4 – Não ocorrendo complemento ou predicativo depois do verbo. Aí estão incluídos os

casos em que o complemento ou predicativo ocorrem antes do verbo.

18

18

Ex: Ela chegou quatro horas.

POSIÇÃO 5 – Entre o verbo e o complemento ou predicativo.

Ex: ... então, ali boto logo depois o pijama.

POSIÇÃO 6 – Depois do complemento ou predicativo.

Ex: Eu deixo vocês falarem com ele segunda feira.

No que diz respeito à primeira parte deste trabalho, referente à análise dos circuns-

tanciadores temporais propriamente ditos, procurei detectar as tendências segundo as quais

estes elementos se distribuem pelas posições na sentença, que foram demonstradas acima.

Para isto adotei uma classificação dos circunstanciadores temporais proposta em Martelotta

(1986), que, modificada para se adaptar aos objetivos deste trabalho, apresenta os seguintes

tipos de circunstanciadores de tempo:

a) Circunstanciadores de tempo determinado — Dão uma indicação relativamente precisa do

momento em que ocorre o evento. Este tipo de circunstanciador aparece normalmente em

eventos específicos, mas também podem aparecer em eventos não-específicos, desde que

apresentem o traço [+punctual].

Ex.: Hoje, ontem, semana passada, às sete horas, quando ele chegou, etc.

b) Circunstanciadores de tempo indeterminado — Dão a idéia de que os eventos e situações

ocorrem, não em um momento específico, mas ao longo do tempo. Este tipo de

circunstanciador aparece normalmente ligado a eventos e situações marcados pelo traço [–

específico].

Ex.: Sempre, geralmente, atualmente, nunca, nunca mais, etc.

c) Circunstanciadores iterativos — Indicam a freqüência com que os eventos não-específi-

cos ocorrem ao longo do tempo.

Ex.: Às vezes, duas vezes por semana, de vez em quando, etc.

19

19

d) Circunstanciadores de simultaneidade — Delimitam os eventos ou situações, indicando o

início e/ou o fim de sua permanência no tempo.

Ex.: Há três anos, até hoje, durante três meses, etc.

Com relação à segunda parte do trabalho, referente à análise dos opera-dores

argumentativos que podem, em alguns de seus usos, expressar circunstância temporal, adotei

a teoria de gramaticalização de acordo com o que está sendo exposto em Heine et alii (1991),

Traugott & Heine (1991) e Sweetser (1990).

Segundo esta teoria, os vários usos dos operadores argumentativos são provenientes

uns dos outros por basicamente dois processos de mudança semântica: metáfora espaço >

(tempo) > texto, segundo Heine et alii (1991) e pressão de informatividade, segundo

Traugott & Heine (1991).

A metáfora espaço > (tempo) > texto é um processo segundo o qual um elemento

lingüístico de valor espacial, por processo analógico, assume um sentido temporal e, daí,

passa a expressar relações lógicas no discurso. Assim, por exemplo, o operador

argumentativo aí, originalmente um dêitico espacial, pode também ser usado para

seqüencializar (temporalmente) os eventos e expressar uma idéia de conseqüência em

relação a sentenças anteriormente mencionadas.

A mudança por pressão de informatividade ocorre quando, em determinados

contextos, por um processo de inferência conversacional, um determinado elemento

lingüístico assume um novo valor. É o que ocorre, como se verá no decorrer do trabalho,

com o operador argumentativo ainda, por exemplo, cujo uso como marcador de contra-

expectativa, por um processo de inferência passa a assumir um valor inclusivo semelhante ao

do termo também (ver pág. 173)

De acordo com Traugott & König (1991: 190), os mecanismos de metáfora espaço>

(tempo) > texto e pressão de informatividade não são incompatíveis, podendo inclusive

20

20

coocorrer no processo de mudança de um determinado elemento lingüístico. A diferença

entre eles está no fato de que, no primeiro, o sentido novo é intrinsecamente inferível do

sentido primeiro, como se pode notar, por exemplo, na passagem então em contexto

seqüencial > então em contexto conclusivo, em que a idéia de conseqüência expressa pelo

elemento conclusivo é inferível da noção de seqüencialidade temporal, uma vez que, em

termos lógicos, a causa vem antes da conseqüência. Já no segundo mecanismo o sentido

novo provém de uma relação semântica que se estabelece em determinados contextos. Mas,

na prática, o que se nota, pelo menos no que diz respeito ao surgimento de operadores

argumentativos, e inclusive na passagem mencionada acima, é que aquela relação intrínseca

do processo metafórico tende a ocorrer efetivamente em determinados contextos que a

estimulam. Por isto é comum que os dois processos ocorram juntos em casos de surgimento

de operadores argumentativos.

1.3 – Objetivo

O objetivo deste trabalho é demonstrar que a colocação dos circunstanciadores

propriamente ditos não segue as mesmas leis ou tendências da colocação dos operadores

argumentativos. A colocação dos circunstanciadores temporais está subordinada à sua função

dentro do discurso de que fazem parte.

Em termos mais específicos, a característica básica do discurso de figura é a

seqüencialidade das ações, que, nas narrativas são marcadas pelo traço [+específico] e, nas

não-narrativas, pelo traço [–específico]. Os circunstanciadores de tempo determinado são a

marca temporal que regulariza esta seqüencialidade e sua importância deve ser

gramaticalmente marcada. Daí a tendência para a enfatização ou focalização (movimento

21

21

para a esquerda), ou topicalização (movimento para a extrema esquerda ou início da

sentença) deste tipo de circunstanciador temporal neste tipo de discurso1.

Por outro lado, o discurso de fundo, em narrativas ou em não-narrativas, é

caracterizado pela ausência de seqüencialidade e pela presença de situações estáticas não-

específicas, que são temporalmente simultâneas entre si e em relação aos eventos de figura.

Os circunstanciadores de tempo indeterminado e de simultaneidade estão semanticamente

ligados a este tipo de discurso, tendendo, portanto a ser focalizados ou topicalizados através

de sua anteposição ao verbo.

Os circunstanciadores iterativos tendem a ocorrer em eventos e situações não-

específicos, uma vez que eles indicam a repetição destes eventos e situações ao longo do

tempo. Estes circunstanciadores são, portanto, semanticamente importantes dentro do

discurso de fundo e tendem a ser focalizados ou topicalizados em sentenças narrativas e não-

narrativas de fundo.

Com relação aos circunstanciadores delimitativos, pode-se dizer que apresentam

duas características distintas. Por um lado, indicam o momento especifico em que se inicia

e/ou termina o evento, funcionando como uma espécie de circunstanciador de tempo deter-

minado. Por outro lado, expressa a duração de eventos específicos imperfectivos ao longo do

tempo, apresentando características semântico-gramaticais de fundo. Isto faz com que os

circunstanciadores delimitativos apresentem tendências mais livres de colocação.

Estou querendo demonstrar que a noção de circunstância é algo maleável que se

adapta aos aspectos pragmático-discursivos que caracterizam o ato da comunicação. Com

isto, a circunstância temporal assume formas diferentes, expressando noções temporais

determinadas, indeterminadas, simultâneas, iterativas e delimitativas. Mas também as

diferentes noções circunstanciais acabam se adaptando umas às outras, o que gera

1 Os conceitos de foco e tópico aqui utilizadas se baseiam na proposta de Votre e Santos (1984).

22

22

transformações semânticas como depois (espacial) > depois (temporal), tal vez (temporal) >

talvez (dúvida) e em boa hora (temporal) > embora (concessivo), que serão demonstradas

no decorrer do trabalho.

Ocorre que gramaticalização que transforma os circunstanciadores em operadores

argumentativos faz com que o elemento perca os traços semântico-gramaticais que os

organizam dentro da estrutura do discurso em que ocorrem, para assumir funções discursivas

mais direcionadas. Com a perda destes traços semântico-gramaticais, que regulam sua

colocação na sentença, estes elementos tendem a ir perdendo sua mobilidade original, para

assumir posições mais fixas.

1.4 – Procedimentos

Tomei 1.000 casos de circunstanciadores temporais das entrevistas observadas e

procurei analisar sua colocação na sentença em relação às variáveis tipos de discurso e tipos

de circunstanciadores. Também observei 728 casos de operadores argumentativos e procurei,

à luz da teoria da gramaticalização, analisar seus diferentes usos e suas tendências de

colocação na sentença, no português atual, de acordo com a variável tipo de discurso.

Quando a gramaticalização espaço > (tempo) > texto não se apresentava completa

no português atual, procurei observar, no português não-atual (arcaico e moderno) usos que

comprovassem esta gramaticalização.

23

23

2 – REVISÃO DA LITERATURA SOBRE A COLOCAÇÃO DOS

ADVÉRBIOS NA SENTENÇA

A fim de analisar as posições teóricas já desenvolvidas acerca da colocação dos

advérbios na sentença, procurei examinar os trabalhos dedicados inteira ou parcialmente ao

assunto. Esta seção consiste na apresentação sucinta dos principais destes trabalhos, que,

aliás, se mostraram pobres no que diz respeito a uma explicação definitiva do problema.

24

24

2.1 – As Gramáticas de Orientação Tradicional

Os gramáticos tradicionais, de um modo geral, nada dizem a respeito da colocação

dos advérbios. Apenas Cunha e Cintra (1985: 533) atribuem ao assunto uma seção de sua

gramática.

Cunha e Cintra (1985:533) afirmam que "os advérbios que modificam um adjetivo,

um particípio isolado ou outro advérbio colocam-se de regra antes destes".

Mais adiante, afirmam que, com relação aos advérbios que modificam o verbo,

ocorre o seguinte:

a) Os advérbios de modo colocam-se normalmente depois do verbo.

b) Os advérbios de tempo e de lugar podem colocar-se antes ou depois do verbo.

c) O advérbio de negação antecede sempre o verbo.

Em seguida, propõem que "o realce do adjunto adverbial é expresso de regra por sua

antecipação ao verbo", mas nada dizem em relação à colocação de cada tipo específico de

advérbio para fins de realce, muito menos o que ocorre neste sentido, com os tipos de

advérbios que já tendem a ocorrer antes do verbo.

Além disto, estas colocações básicas propostas para os diferentes tipos de advérbios

são bastante questionáveis: os advérbios de negação, por exemplo, não antecedem sempre o

verbo e podem ocorrer antecedendo o termo, na sentença, que está sendo negado (Ex.: Eu

chamei não a você, mas a seu irmão). E afirmar que os advérbios de modo colocam-se

normalmente depois do verbo é nada dizer diante da complexidade da colocação deste tipo

de advérbio na sentença.

25

25

Como se pode observar, as gramáticas tradicionais praticamente nada dizem a

respeito da colocação dos advérbios na sentença, estando longe de oferecer um mínimo de

auxílio teórico a um trabalho mais aprofundado sobre o assunto.

2.2 – As Gramáticas de Orientação Lingüística

Um dos importantes trabalhos desenvolvidos a respeito dos advérbios é o de

Jackendoff (1972). Demonstrando que uma abordagem transformacional, exigiria um grande

número de transformações, Jackendoff (1972) propõe introduzir os advérbios dentro da

sentença no componente de base e apresenta uma classificação dos advérbios correlacionada

com regras de interpretação semântica. Eis a classificação de Jackendoff (1972) e suas

respectivas regras de interpretação semântica:

a) VP adverbs — advérbios para os quais P manner constitui a regra de projeção

correspondente.

P manner — Se Adv é dominado por VP, ligam-se seus marcadores

PP semânticos à interpretação do verbo, sem mudar sua estrutura funcional.

Isto significa que o advérbio de modo modifica o sentido do verbo e constitui uma

parte de apenas uma proposição expressa pela sentença em que ocorre. Pode-se caracterizar

este caso pelo fato de as sentenças que contêm estes advérbios, estando na forma afirmativa,

negativa ou interrogativa, implicam sempre a sentença correspondente sem advérbio;

1 – John is speaking loudly.

2 – John is not speaking loudly.

3 – Is John speaking loudly?

26

26

4 – John is speaking.

Pode-se notar que as frases 1, 2, e 3 implicam a frase 4, ou seja, se 1, 2 e 3

constituem uma verdade, a frase 4 também constitui uma verdade. Isto não ocorre com

outros tipos de advérbios, como se pode ver adiante.

b) Subject-oriented adverbs advérbios para os quais P subject constitui a regra de

projeção correspondente.

P subject Se Adv1 é proveniente de S, se encaixa na interpretação de S (incluindo

qualquer membro de F à direita de Adv1) como argumento para Adv1, e se

encaixa no sujeito derivado de S como o segundo argumento para Adv1.

De acordo com esta regra, o advérbio funciona como uma espécie de predicado com

dois argumentos: um ligado ao sujeito da sentença; outro, à própria sentença.

5 – John cleverly dropped his cup of coffee.

wise

carefully

Neste caso, as condições de verdade de S (sem o advérbio) são necessariamente as

mesmas condições de verdade da sentença inteira. Mas, além disso, existem algumas

condições de verdade adicionais referentes a uma segunda proposição, que expressa uma

atitude específica do sujeito.

Há diferenças importantes entre sentenças com este tipo de advérbio e sentenças

com advérbios de modo (VP adverb). Por um lado, sentenças com subject-oriented adverbs

na forma negativa correspondem à sentença na forma negativa sem o advérbio:

6 – John cleverly did not drop his cup of coffee.

wisely

carefully

27

27

7 – John did not drop his cup of coffee.

Por outro lado, existem neste caso duas preposições em uma sentença, sendo que

cada uma delas pode ser negada independemente.

8 – John wisely did not drop his cup of coffee.

9 – John unwisely drop his of coffee.

c) Speaker-oriented adverbs — advérbios para os quais P speaker constitui a regra de

projeção correspondente

P speaker — se F1 é proveniente de S, se encaixa na interpretação de S (incluindo

qualquer membro de F à direita de F1) como um argumento da

interpretação de F1.

Irena Bellert (1977), em seu artigo sobre as propriedades semânticas e

distribucionais dos advérbios proposta por Jackendoff (1972), que reuniu em uma só classe

advérbios que não têm as mesmas propriedades semânticas e distribucionais. Segundo a

autora, a regra de projeção P speaker é inadequada do modo como foi proposta.

Bellert (1977) apresenta, então, uma subdivisão:

a) Advérbios avaliativos — constituem informações referentes aos fatos expressos pela

sentença.

Uma sentença que apareça com este tipo de advérbio corresponde à mesma sentença

sem o advérbio, independentemente da sentença ser negativa ou não:

10 – Fortunately John has come.

11 – John has come.

12 – Fortunately John has not come.

13 – John has not come.

28

28

As condições de verdade dos exemplos 10 e 11 e dos exemplos 12 e 13 são

necessariamente as mesmas.

Além disto, as sentenças que contêm advérbio avaliativo apresentam duas

proposições, que podem ser negadas independentemente:

14 – Fortunately John has not come.

15 – Unfortunately John has come.

b) Advérbios modais — Constituem informações referentes ao nível de veracidade da

sentença.

Este advérbios não podem ser negados independentemente e não pode ocorrer em

perguntas:

16 – * Improbably, John has come.

17 – * Has John probably come?

c) Advérbios de domínio Expressam o domínio no qual o conteúdo da sentença é

verdadeiro.

Estes advérbios ocorrem em perguntas e não têm correspondentes negativos:

18 – Is this linguistically interesting?

19 – * John is immorally right.

d) Advérbios conjuntivos Funcionam como conectivos entre sentenças.

Estes advérbios ocorrem não apenas em afirmativas, mas em perguntas e em outras

sentenças performativas com várias funções ilocucionárias:

20 – Firstly I dismiss you as my secretary, and secondly I appoint you as the mana-

ger of the department.

29

29

21 – I promisse you, however, to do it in time.

e) Advérbios pragmáticos São os únicos que são estritamente speaker-oriented adverbs.

Estes advérbios podem ser divididos em duas classes:

(I) (frankly, sincerely, honestly, etc.) – Este tipo de advérbio constitui um predicado com

dois argumentos; um é o falante, o outro é o conteúdo da proposição. Neste caso, o falante

caracteriza sua atitude através do que está dizendo.

(II) (briefly, precisely, roughly, etc.) – Este tipo de advérbio constitui um predicado com dois

argumentos: um é o falante, o outro, a forma da sentença. Neste caso, o falante caracteriza

o modo como ele expressa a proposição.

Nenhum advérbio pragmático admite um correspondente negativo:

22 – * Insincerely, I love you.

Até aqui foi apresentada uma visão resumida das posições teóricas de Jackendoff

(1972) e Bellert (1977) a respeito dos advérbios. Resumirei agora o trabalho a respeito do

assunto desenvolvido por Francisco de Assis Dantas (1983).

Partindo da hipótese de que a colocação dos advérbios está ligada a seu funciona-

mento no enunciado, Dantas (1983) propõe a existência de elementos não-remáticos e

elementos potencialmente remáticos. Os elementos não-remáticos se dividem nos seguintes

tipos: "(a) os indicadores da atitude do falante; (b) os relacionadores de orações; (c) os

elementos topicais; (d) os rematizadores; (e) outros". Os elementos potencialmente remáticos

são definidos como elementos que podem ou não aparecer como veiculadores de informação

nova, dependendo da posição que ocupam. Entre eles estão incluídos "os advérbios e

expressões adverbiais de modo, tempo, lugar, instrumento, etc."

Quanto à ordem destes elementos, Dantas (1983) propõe o seguinte:

30

30

a) Indicadores de atitude do falante — podem aparecer em qualquer posição linear.

Reproduzindo sempre os exemplos de autor:

23 – Aflige-me, francamente, falar do assunto.

24 – Francamente, afligi-me falar do assunto.

25 – Aflige-me falar do assunto, francamente.

26 – Afligi-me falar, francamente, do assunto.

A posição normal destes indicadores de atitude (advérbios oracionais, segundo o

autor) é o início da sentença. As demais posições, sobretudo a final, não são possíveis, a

menos que haja uma alteração da entoação da frase. Sem a entoação necessária, um indicador

de atitude do falante pode soar como um advérbio de modo modificador do verbo, passando

a ser um elemento remático.

b) Relacionadores de orações — São aqueles que servem para relacionar uma determinada

oração com o contexto precedente e normalmente aparecem em posição final ou interna:

27 – (Ninguém desconfia de você) Em todo caso, é bom você tomar cuidado.

28 – (Deixe de choradeira. Homem não chora!) Pelo menos não o faz em via

pública.

29 – (Não tenho dinheiro). Deves, então, (Então deves) devolver-me (, então,)

o que te emprestei (, então).

Admitindo-se indeciso quanto a considerar estes elementos como advérbios ou

conjunções, Dantas (1983) afirma que, como elementos não-remáticos, estes termos tendem

à posição inicial, mas podem deslocar-se para posições finais desde que ocorram as pausas e

as entoações essenciais a estes deslocamentos, assim como ocorre com os indicadores de

atitude.

c) Elementos topicais — Expressam o ponto de vista em função do qual se faz a afirmação:

31

31

30 – Tecnicamente, o problema não tem solução.

31 – Estruturalmente, não há idiomas primitivos.

Estes elementos tendem a aparecer no início da frase e são marcados por uma pausa

e uma entoação característicos.

d) Rematizadores — Elementos responsáveis pela interpretação de toda uma oração ou só

uma de suas partes. Segundo o autor, o papel deste tipo elemento é "acrescentar um matiz

significativo, pertinente, em relação à seqüência rematizada, isto é, veiculadora de in-

formação nova, de que funcionam como modificadoras." Eis os exemplos:

32 – Pedro compareceu à reunião.

33 – Apenas Pedro compareceu à reunião.

34 – Pedro apenas compareceu à reunião.

35 – Pedro compareceu apenas à reunião.

Como rema, ou informação nova, estes elementos tendem a aparecer à esquerda dos

elementos por eles rematizados, sendo que, quando colocados no início da oração, podem

rematizar a oração inteira ou só o termo que lhe fica imediatamente à direita, quando

colocado antes de um elemento em posição medial, podem se referir a todo predicado ou

apenas ao elemento à sua direita.

e) Elementos potencialmente remáticos — Podem ou não aparecer como veiculadores de

informação nova dependendo da posição que ocupam na sentença e independentemente

de pausa, entoação ou outros fatores. Como remáticos ou veiculadores de informação

nova, estes elementos aparecem normalmente em posição final e, como não-remáticos,

tendem às posições não finais. Trata-se dos advérbios de modo, intensidade, tempo, lugar,

freqüência e ordem.

Quanto à colocação destes elementos, Dantas (1983) propõe:

32

32

– Os advérbios de modo tendem a vir depois do verbo em posição final ou não e podem vir

antes do verbo, havendo casos, porém, de "resistência a uma colocação imediatamente

anterior ao verbo". Dantas (1983) nada diz a respeito do status informacional deste tipo de

advérbio nas posições mencionadas ou da função funcional do seu deslocamento na

sentença.

– Os chamados advérbios circunstanciais (de tempo, modo, lugar, freqüência, ordem,

instrumento, meio, etc.) apresentam uma ampla mobilidade dentro da frase, sendo que a

posição final lhes dá destaque informacional.

– Os advérbios de intensidade tendem a aparecer depois do verbo e são veiculadores de

informação nova quando aparecem em posição final. Esta informação pode estar centrada

apenas no advérbio ou fazer parte de elemento maior que veicula, como um todo, a

informação nova, como o predicado ou toda a sentença.

Esta é a visão de Dantas (1983). Passo agora a resumir o trabalho de Votre e Santos

(1984) a respeito da colocação dos advérbios na sentença.

Adotando uma metodologia variacionista de acordo com a qual cada posição

ocupada pelo advérbio depende da ação conjunta de diferentes fatores estruturais e não-estru-

turais, Votre e Santos (1984) observaram os advérbios nas seguintes posições:

1 2 3 4

(ADV) suj (ADV) v (ADV) comp (ADV)

A hipótese geral é que as posições em que os advérbios aparecem associam-se a

determinadas funções informacionais e pragmáticas contrárias às posições de sujeito:

a) A posição não-marcada é o fim da sentença; logo, todo movimento para a esquerda é

enfatizador, focalizador, e se for para a extrema esquerda é topicalizador.

33

33

b) Para os advérbios cuja posição não-marcada é a extrema esquerda, todo movimento para a

direita é desenfatizador, desfocalizador.

c) Para qualquer advérbio, não existe posição não-marcada intermediária, logo as posições 2

e 3 sempre resultam de movimentos de reordenação.

Como prováveis influenciadores da colocação do advérbio, foram observados os

seguintes grupos de fatores: TIPO SEMÂNTICO DO ADVÉRBIO, NÍVEL DE VÍNCULO

DO ADVÉRBIO COM O VERBO OU COM A SENTENÇA, TIPO SINTÁTICO DO

VERBO, CONSTITUIÇÃO MORFOLÓGICA DO ADVÉRBIO, PESO DO ADVÉRBIO,

TIPO DE SUJEITO.

A escolha destes grupos de fatores está ligada às seguintes hipóteses:

a) Quanto ao TIPO SEMÂNTICO DO ADVÉRBIO, esperava-se que tempo, condição e

concessão aparecessem mais no início da sentença, e os demais no fim ou no meio da

sentença.

b) Quanto ao NÍVEL DE VÍNCULO DO ADVÉRBIO COM O VERBO OU COM A

SENTENÇA, esperava-se que os advérbios vinculadores ao verbo ficassem mais

próximos a ele.

c) Quanto ao TIPO SINTÁTICO DO VERBO, esperava-se:

– o complemento oracional deveria favorecer a posição 1, por uma espécie de efeito de

compensação.

– A presença do advérbio deveria ser inversamente proporcional à extensão do

complemento, ou seja, complementos pesados deveriam desfavorecer a presença de

outros constituintes após eles.

- Quanto mais forte o vínculo entre o verbo e o complemento menos provável seria o

aparecimento de advérbios nesta posição, uma vez que seu vínculo com o verbo é mais

fraco.

34

34

– Como no que diz respeito à posição 2, o problema não é o vínculo entre o verbo e o

complemento e sim o tipo do verbo, os verbos de ligação deveriam favorecer a presença

de advérbios nesta posição, já que este tipo de verbo mantém um vínculo mais fraco com

o sujeito.

d) Quanto à CONSTITUIÇÃO LÓGICA DO ADVÉRBIO, esperava-se que os advérbios

oracionais tendessem às extremidades 1 e 4 e que os advérbios locucionais os seguissem

de perto, tendendo os demais a aparecerem nas posições mediais.

e) Quanto ao PESO DO ADVÉRBIO, esperava-se que os advérbios breves ocorressem mais

nas posições internas e os longos nas posições externas, principalmente na posição final.

f) Quanto ao TIPO DE SUJEITO, esperava-se que as orações sem sujeito ou com sujeito

vazio apresentassem mais advérbios no início em função de uma espécie de arranjo de

balanceamento.

Os resultados da pesquisa de Votre e Santos (1984) demonstraram que os grupos de

fatores mais determinantes para a colocação dos advérbios na fala e na escrita são do TIPO

SEMÂNTICO DO ADVÉRBIO e o NÍVEL DE VÍNCULO DO ADVÉRBIO COM O

VERBO OU COM A SENTENÇA. Neste sentido foram detectadas as seguintes tendências.

a) Com constituição nominal, os advérbios de lugar tendem a aparecer em posição final e,

em seguida, em posição inicial. Os advérbios de tempo tendem à posição inicial e à

posição 2. Quanto aos advérbios de constituição oracional, pode-se dizer que eles se

mostram extremamente raros no interior das sentenças. Notou-se também que os

advérbios de condição, de concessão e de tempo tendem a ocorrer no início da sentença,

assim como os de causa e de fim, sendo que este último, na fala, aparece também em

posição inicial, num processo bem marcado de topicalização.

35

35

b) Os advérbios vinculados à sentença aparecem mais na posição 1, sobretudo na escrita,

enquanto que os advérbios vinculados ao verbo tendem a aparecer mais nas posições 2, 3

e 4, sendo que a posição 3 é menos comum.

Quanto aos demais grupos de fatores, foram registradas as seguintes tendências:

a) Quanto ao TIPO SINTÁTICO DO VERBO, notou-se a importância do complemento: no

caso de advérbios de constituição nominal, os complementos oracionais tendem a inibir a

presença deste tipo de advérbio na posição final, enquanto que a ausência de

complemento incentiva a presença deste tipo de advérbio nesta posição. Além disto,

foram encontrados os maiores índices na posição 3, quando o complemento é oracional,

tipo de complemento que mantém vínculo mais fraco com o verbo. Já as hipóteses de que

construções sem complementos desfavorecem o aparecimento de advérbios no início e

favorecem no fim, e que construções sem complemento pesado favorecem o advérbio no

início e desfavorecem no fim foram confirmadas muito fracamente pelos dados. No caso

de advérbios de constituição oracional, notou-se que com ausência de complemento e com

presença de predicativo, o advérbio tende para o final da sentença, e com presença de

complemento relativo, o advérbio tende para o início da sentença.

b) Quanto ao PESO DO ADVÉRBIO, notou-se que as extremidades esquerda e direita

tendem a aceitar advérbios mais longos, já que, desta forma, o processamento da sentença

não fica prejudicado. E, por outro lado, as posições internas tendem a receber advérbios

mais breves.

36

36

3 – SOBRE O CONCEITO DE ADVÉRBIO

Tentarei agora demonstrar que, fora da visão funcionalista, não se pode encontrar

uma teoria convincente dos advérbios, uma vez que o rótulo advérbio designa um conceito

fluido, que tende a se adaptar às intenções comunicativas envolvidas no discurso.

Farei, então, uma avaliação crítica do conceito tradicional de advérbio,

demonstrando que, em função de uma falsa visão de que esta classe de palavras apresenta

características gramaticais lineares, os trabalhos de orientação tradicional e de orientação

lingüística apresentam propostas teóricas no mínimo questionáveis a respeito dos advérbios.

3.1 – Os Advérbios

Os advérbios são tradicionalmente caracterizados, de um ponto de vista semântico,

por expressarem circunstâncias e, de um ponto de vista formal, por modificarem um verbo,

um adjetivo, outro advérbio, ou todo o enunciado. Passo agora a analisar, em separado, cada

um destes dois pontos de vista.

Começando pelo ponto de vista semântico, tem-se a idéia de circunstância. Entendo

como circunstância determinadas condições ou particularidades que caracterizam o conteúdo

expresso pelo termo ao qual o advérbio se refere. Sendo assim, pode-se entender como

expressando circunstâncias dados informacionais bastante diferentes entre si, como tempo,

lugar, modo, causa e, até mesmo, intensidade. Mas é difícil admitir que determinados tipos

de advérbios expressem circunstâncias, como é o caso, por exemplo, dos advérbios de

dúvida, de afirmação e de negação, respectivamente exemplificados abaixo:

1 – Talvez amanhã chova.

2 – Sim, choveu muito.

37

37

3 – Não choveu muito.

Nestes casos, os advérbios sublinhados não expressam circunstâncias, pelo menos

de acordo com a definição proposta acima, e sim uma atitude ou posicionamento do falante

em relação àquilo que está falando. O mesmo ocorre com os advérbios abaixo:

4 – Com certeza, vai chover amanhã.

5 – Felizmente, não choveu.

6 – Sinceramente, eu não gosto de chuva.

Nestes casos, ocorre nitidamente uma atitude ou posicionamento do falante em

relação ao que fala. Ducrot (1972) propõe que estes advérbios referem-se ao próprio ato

ilocucionário de afirmar, uma vez que qualificam o ato de dizer e não a coisa direta. Para ele,

alguns advérbios têm sua utilização explicada apenas por uma teoria dos atos da fala ou

teoria da enunciação, cuja unidade é o discurso.

Ducrot (1972) também apresenta alguns advérbios que indicam pressuposição: mal,

quase, exceto, também, somente, muito, pouco, entre outros. Embora alguns destes

elementos não sejam considerados tradicionalmente como advérbios, Ducrot (1972) os

apresenta como tal, afirmando que sua introdução no enunciado permite que determinado

fato seja pressuposto:

7 – Ele quase parou de fumar.

Nesta frase, o uso do elemento quase leva à pressuposição de que "ele" tentou parar

de fumar.

Como se pode ver, a visão de que os advérbios exprimem circunstâncias é muito

simplificadora. Há determinados tipos de advérbios cujo uso é basicamente determinado por

fatores pragmático-discursivos. E mesmo aqueles que funcionam normalmente como

circunstanciadores (de tempo, de lugar, de modo, de causa, de intensidade) muitas vezes

38

38

são usados para direcionar a interpretação do ouvinte, promover a organização das

informações no discurso além de outras funções pragmático-discursivas.

É o caso, por exemplo, do advérbio de tempo já, que pode assumir um papel de

elemento de contra-expectativa, no sentido que Heine et alii (1992) dão ao termo:

8 – A reunião já terminou?

Nesta frase, mais que uma noção temporal, o elemento já demonstra uma

expectativa do falante de que a reunião não tivesse terminado. Ou seja, a frase expressa o

contrário da expectativa e o advérbio já é a marca disto: é um elemento de contra-

expectativa.

Mas também é muito importante pensar no aspecto formal da definição de advérbio.

É correto caracterizar os advérbios como elementos que se referem a um verbo, a um

adjetivo, a outro advérbio ou à oração inteira? Há autores que já tentaram questionar isto,

como, por exemplo, Silva Jr. e Andrade (1907: 155), que afirmaram que os advérbios podem

modificar substantivos:

9 – Gonçalves Dias era verdadeiramente poeta.

Bomfim (1988: 9) questiona esta hipótese, afirmando que o termo poeta, no caso,

não pode ser entendido substantivamente, mas como um conjunto de qualidades atribuídas

ao elemento que recebe a referência. Assim, segundo autora, o elemento verdadeiramente

funciona, na realidade, como intensificador de poeta.

Por outro lado, pode-se pensar em outros exemplos, como os agrupados abaixo:

10 – A reunião na casa de Paulo foi proveitosa.

11 – O exemplo acima demonstra a hipótese.

12 – O país precisa de pessoas assim.

Nestas frases, os termos sublinhados referem-se claramente aos substantivos que os

antecedem e expressam circunstância (lugar nos exemplos 10 e 11 e modo no exemplo 12).

39

39

São casos diferentes do exemplo 9, onde o substantivo a que se o advérbio se refere

desempenha função de predicativo. Deve-se considerar estes casos advérbio ou não? Mais

uma vez se evidencia a necessidade de se repensar o conceito tradicional de advérbio.

Mas este trabalho se dedica apenas ao estudo dos advérbios de tempo. Com relação

a este tipo de advérbio, que serão chamados a partir de agora de circunstanciadores

temporais, tomei as posições teóricas que passo, neste momento a expor.

3.1.1 – Os Circunstanciadores Temporais

Para efeito de análise, considerei circunstanciadores temporais termos que

expressam uma idéia ou circunstância de tempo e que tendem a modificar todo o enunciado,

o que lhes confere uma maior mobilidade na sentença. Enquadram-se, neste tipo de

circunstanciadores, elementos não-oracionais, como, por exemplo, hoje, agora, sempre,

nunca, durante a semana, uma vez por mês, ao mesmo tempo; e elementos oracionais, como

por exemplo, quando ele chegou, sempre que alguém queira, etc.

Como os circunstanciadores temporais no que diz respeito à sua colocação não

podem ser compreendidos, senão em termos de sua função discursiva, procurei observar seu

comportamento dentro da estrutura discursiva em que aparecem. Notei, então, que os

circunstanciadores temporais compõem uma lista de elementos que apresentam

características semântico-gramaticais bastante diferentes.

Apresento o exemplo abaixo, retirado de uma das entrevistas analisadas, em que o

informante (I.) fala ao entrevistador (E.) de uma entrevista que ele concedeu a um jornal:

13 – I: ... aí chegou um rapaz... começou a tirar retrato de costa, de frente, de lado e

esse negócio todo. Eu estou pensando que é negócio aqui do bairro, essa

coisa toda. E quando chegou o dia seguinte, que eu desço aqui, o jornaleiro

40

40

me chama ali na banca, não é? E eu vejo o meu retrato lá. Depois que saiu

aquilo, apareceu um senhor lá na praça...

Este exemplo apresenta uma seqüência de eventos específicos, ou seja, os fatos que

ocorreram uma vez só em um momento definido. Os circunstanciadores temporais

sublinhados definem o momento em que estes fatos ocorreram. Outros exemplos deste tipo

de circunstanciador temporal, que convencionei chamar circunstanciador de tempo

determinado são: agora, às sete horas, quando ele chegou, etc.

Já o exemplo seguinte, que fala da vocação do irmão do informante para ser padre,

apresenta circunstanciadores temporais de características semântico-gramaticais diferentes:

14 – I: Olha, o meu irmão, desde garotinho, ele sempre lá no quarto dele, ele

gostava de brincar de altar, botava o santinho, fazia altar, ele sempre

gostou de negócio de igreja...

Neste caso, ao contrário do que ocorre no exemplo anterior, os circunstanciadores

temporais sublinhados não dão indicações precisas do momento de ocorrência de eventos

específicos seqüenciais, e sim passam a idéia de que as situações perduram no tempo de uma

forma indeterminada. São também exemplos deste tipo de circunstanciadores temporais, que

convencionei chamar de circunstanciadores de tempo indeterminado: nunca, geralmente,

antigamente, nos dias de hoje, etc.

Outro tipo de circunstanciador temporal é o apresentado no exemplo abaixo, em que

o informante fala como se deve usar o adubo:

15 – I: É adubo mesmo. Essas fezes são colocadas num lugar apropriado ou num

canto do quintal e deixa-se ficar um certo tempo para curtir, não é?

Apanhando chuva... Quando a época é de estiagem, então costuma-se

molhar de vez em quando... Aquilo depois fica bem curtido, então é

colocado misturando com a terra.

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41

Diferente dos dois casos demonstrados anteriormente, o circunstanciador temporal

destacado neste exemplo indica a freqüência com que o evento se refere ao longo do tempo:

não se trata de um evento ocorrido uma só vez, mas de um evento não-específico que ocorre

de vez em quando. Este tipo de circunstanciador temporal será chamado daqui em diante de

circunstanciador iterativo. Citando outros exemplos: às vezes, duas vezes por semana, uma

vez por mês, etc.

Mas há ainda outros tipos de circunstanciadores temporais, como o que aparece no

exemplo abaixo, em que o informante fala de seu trabalho como cozinheiro:

16 – I: ...aí, quando chega lá pra meia-noite, eu dou um toque no garção... enquanto

eles vão comendo o meu pastel, eu vou tomando a cerveja deles... no fim

dava tudo certo...

O circunstanciador sublinhado expressa a idéia de que o evento ao qual se liga

ocorre simultaneamente ao outro, ou seja, os eventos ocorrem ao mesmo tempo. Como

exemplos deste tipo de circunstanciador temporal, que convencionei chamar

circunstanciador de simultaneidade, apresento também: ao mesmo tempo, enquanto isso,

etc.

Outro tipo de circunstanciador está registrado no exemplo abaixo, em que o

informante fala de sua mulher:

17 – I: Sempre foi boa. Desde o primeiro dia de casado. Até hoje nunca brigamos.

Os circunstanciadores temporais aí sublinhados marcam o início e o fim da

permanência da situação no tempo. Desde o primeiro dia de casado e até hoje delimitam,

na linha do tempo, os fatos de a mulher do informante ser boa e de eles nunca terem brigado.

Convencionei chamar este tipo de circunstanciador temporal de circunstanciador

delimitativo, pois sua função é referir-se a situações estáticas ou a eventos não-específicos,

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42

delimitando o início e/ou o fim de sua permanência no tempo. Citando outros exemplos: há

três anos, durante dois meses, até o ano que vem, etc.

Resumindo o que foi visto até aqui, os circunstanciadores temporais, analisados de

acordo com sua função discursiva podem ser classificados em circunstanciadores de tempo

determinado, circunstanciadores de tempo indeterminado, circunstanciadores iterativos,

circunstanciadores de simultaneidade e circunstanciadores delimitativos. Cada um deles

ocorre em tipos de discurso que apresentam traços semântico-gramaticais semelhantes aos

seus e, sobretudo, sua colocação, como será visto mais adiante, depende de sua função dentro

deste tipo de discurso, ou, melhor dizendo, da sua relação com a estrutura deste tipo de

discurso.

Não se pode, portanto, tomar a noção de circunstância como algo uniforme. Ao

contrário, a circunstância é algo fluido que se amolda às características semântico-

gramaticais do discurso em função das conveniências comunicativas características do

diálogo. Com isto, não só a circunstância temporal assume formas diferentes, como se vê na

classificação proposta acima, mas também as diferentes noções circunstanciais acabam se

adaptando uma às outras. Assim, por exemplo, elementos espaciais se tornam temporais

(depois esp.> depois temp.), elementos temporais passam a expressar dúvida (arc. tal vez

temp. > talvez de dúvida). E, nesse processo, muitas vezes, um circunstanciado torna-se

operador argumentativo, como, por exemplo, na passagem assim (modo) > assim que

(temp.), ou na passagem em boa hora (temp.) > embora (concessão).

3.1.2 – Os Operadores Argumentativos

43

43

Outro caso interessante que deve ser examinado em qualquer trabalho referente a

circunstanciadores temporais é o dos chamados operadores argumentativos ou discursivos.

Trata-se de termos que a gramática tradicional considera elementos meramente relacionais,

ou palavras denotativas, que, como propõem Cunha e Cintra (1985: 540), "passaram a ter,

com a Nomenclatura Gramatical Brasileira, classificação à parte, mas sem nome especial".

Estes operadores argumentativos, tratados ainda pelos estruturalistas e gerativistas,

de um modo geral, como meros relacionadores de sentenças, somente podem ser entendidos

se avaliados à luz de uma teoria de base pragmático-discursiva, pois sua função não é

simplesmente relacionar orações, mas, principalmente, dar uma orientação argumentativa ao

enunciado.

Silva e Macedo (1989: 18), numa colocação mais precisa, afirmam que estes ele-

mentos estão basicamente envolvidos em três macro-funções: a organização do discurso, a

interação dialógica e a ligação entre segmentos do discurso.

São exemplos de operadores argumentativos termos como por outro lado, em todo

caso, aliás, embora, todavia, entretanto, aí, logo, então, depois, ainda, já, etc. Dentre estes

elementos, interessam para este trabalho apenas aqueles que, além da sua função

argumentativa, apresentam marca temporal pelo menos em alguns de seus usos atuais em

língua portuguesa: aí, logo, depois, então, ainda e já, que serão analisados em outro

capítulo.

Além destes elementos, existem outros que, com a evolução da língua, deixaram de

ser circunstanciadores para assumir definitivamente função argumentativa, como é o caso de

embora, todavia e outros. Esta é a razão do problema que surge quando se tem de decidir se

determinados elementos, como por exemplo, depois ou então devem ser classificados como

advérbios ou conjunções.

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Por isto acredito que a melhor maneira de abordar o uso de operadores

argumentativos é através do paradigma gramaticalização/degramaticalização, de acordo com

o que está desenvolvido em Heine et alii (1991), Traugott & Heine (1991) e Sweetser (1990).

Com este suporte teórico, pode-se traçar uma trajetória para os usos sincrônicos destes

elementos e, por outro lado, explicar sua origem em termos diacrônicos.

A gramaticalização constitui um processo linear e unidirecional de acordo com o

qual determinados elementos lingüísticos passam a assumir, no curso do tempo, um novo

status como elemento gramatical, tendendo, assim, a se tornar mais regular e mais previsível,

pois este processo transporta o elemento do nível da criatividade eventual do discurso para as

restrições da gramática. Por outro lado, a degramaticalização ocorre quando um elemento,

que está na gramática, passa a ter comportamentos imprevisíveis, escapando das restrições

gramaticais e retornando ao discurso.

Segundo Heine et alii (1991: 160), para se arrumar rótulos para novos conceitos,

uma das estratégias possíveis é utilizar formas já existentes, estendendo seu uso à expressão

destes conceitos. Esta estratégia caracteriza-se pelo princípio de que conceitos concretos são

usados para expressar conceitos menos concretos de acordo com a escala abaixo:

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

Os elementos desta escala constituem domínios de conceptualização importantes

para estruturar a experiência em termos cognitivos e a relação entre eles é metafórica, o que

significa que qualquer um deles pode ser usado para conceptualizar qualquer categoria à sua

direita. Daí a noção de metáfora categorial, como, por exemplo, objeto p/ espaço ou espaço

p/ tempo, onde a primeira categoria constitui o veículo metafórico para a expressão da

segunda.

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Mas esta escala se adapta muito bem à análise de categorias que são tipicamente

codificadas por material lexical. Quando se parte para a análise dos operadores

argumentativos, que são essencialmente elementos pragmático-discursivos, o caso é

diferente.

Heine et alii (1991: 179) afirmam que, neste caso, ocorre uma transferência do

contexto situacional externo ou referencial para o contexto discursivo interno, que constitui a

manifestação da experiência intersubjetiva do conhecimento compartilhado por falante e

ouvinte.

Heine et alii (1991: 182) propõem, então, o seguinte quadro representativo do pro-

cesso de gramaticalização característico do uso dos operadores argumentativos:

���� TEMPO

ESPAÇO

���� TEXTO

Este quadro apresenta um outro modelo de escala para o processo +concreto > –

concreto, em que a expressão de dados espaciais é mais básica e mais concreta que a

expressão de dados temporais, que por sua vez é mais básica e mais concreta que a expressão

das relações discursivas. Segundo este quadro, existem, no texto, elementos de organização

interna, que são provenientes da gramaticalização de dados espaciais, que podem ou não,

seguindo um processo escalar de abstração, expressar intermediariamente expressões

temporais.

Não se pode, portanto, analisar a expressão da circunstância de tempo sem pensar

diacronicamente, uma vez que ela tende a ocupar uma posição intermediária numa mudança

por gramaticalização espaço > (tempo) > texto, ou sem levar também em consideração outras

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46

noções analogicamente semelhantes às quais a noção temporal pode se adaptar no uso

sincrônico da língua, em função das conveniências comunicativas características do diálogo.

A trajetória espaço > texto se manifesta comumente através do fenômeno da

anáfora, em que elementos espaciais dêiticos são perfeitos para fazer alusão a dados já

mencionados no texto, como se pode observar no exemplo abaixo, que trata da questão do

aborto, em que o espacial dêitico aí é usado como elemento anafórico:

18 – I: ... a não ser um caso especial em que há necessidade de fazer aborto, certo?

A pessoa não pode ter o filho. Pegou, mas, se ficar, vai morrer a pessoa,

então, vamos fazer o aborto para salvar a pessoa. Aí eu concordo. Neste

ponto de vista, certo?

O elemento aí, neste exemplo, faz alusão anafórica a um dado mencionado

anteriormente: um caso particular em que o informante concorda que se faça o aborto. Aí,

neste caso, equivale a neste ponto de vista.

Com relação à trajetória espaço > (tempo) > texto deve-se levar em consideração

dois fatores importantes. Em primeiro lugar, as noções de espaço e tempo, na prática

comunicativa, se manifestam como coisas bastante semelhantes. Aliás, ambas as noções são,

muitas vezes, expressas por elementos dêiticos cujo uso é relativo ao local/momento em que

o falante produz seu enunciado e expressões como daqui a uma hora demonstram que, em

função disto, as duas noções podem se confundir. Em outras palavras, a sutileza que

caracteriza a fronteira entre as noções de espaço e tempo torna a primeira uma metáfora

perfeita para a segunda.

Por outro lado, a utilização dos elementos textuais, principalmente no que diz

respeito à organização lógica das idéias, caracteriza-se por uma linearidade espácio-

temporal, como já demonstrava Saussure (1978: 103). Logo é natural que operadores

argumentativos provenham de circunstanciadores. É o que ocorre, por exemplo, na passagem

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logo temporal > logo conclusivo e então temporal > então conclusivo, que serão

demonstradas no decorrer do trabalho. A relação metafórica, que se encontra aí é que, em

termos de tempo, a conseqüência expressa pelo elemento conclusivo vem depois da causa.

Esta relação tempo/lógica já foi demonstrada em Paiva (1991).

Mas o processo de gramaticalização que caracteriza a passagem de

circunstanciadores para operadores argumentativos não se faz apenas pelo mecanismo de

metáfora espaço > (tempo) > texto, que foi até aqui demonstrado. Existe ainda um outro

mecanismo de mudança, que Traugott & König (1991: 194) chamam pressão de

informatividade, em que a mudança não ocorre em função de uma analogia que se estabelece

entre valores semânticos intrinsecamente semelhantes, mas por um processo em que, por

convencionalização de implicaturas conversacionais, o elemento lingüístico passa a assumir

um valor novo que emerge de determinados contextos em que este sentido novo pode ser

inferido do sentido primeiro, independentemente do valor textual das sentenças envolvidas

no processo. A passagem de ainda como marcador de contra-expectativa para ainda

inclusivo, que será demonstrada mais adiante, exemplifica este mecanismo de mudança por

pressão de informatividade.

De acordo com Traugott & König (1991: 190) os mecanismos de metáfora e pressão

de informatividade não são incompatíveis, podendo, inclusive, coocorrer no processo de

mudança de um determinado elemento lingüístico. A diferença entre eles está no fato de que,

no primeiro, o sentido novo é intrinsecamente semelhante (e, portanto, intrinsecamente

inferível) ao sentido primeiro; e, no segundo, o sentido provém de uma relação semântica

que se estabelece em determinados contextos, por isto é mais difícil de ser detectado. Mas,

na prática, o que se nota é que aquela relação intrínseca do processo metafórico tende a

ocorrer efetivamente em contextos determinados que a estimulam, pelo menos no que diz

respeito ao surgimento de operadores argumentativos.

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A gramaticalização que gera a passagem de circunstanciador para operador

argumentativo não é exclusiva dos fatos sincrônicos. Segundo Coutinho (1976: 269), ao

contrário do que ocorreu com as preposições, foram poucas as conjunções latinas que

chegaram ao português. Para remediar esta deficiência, os falantes foram buscar em outras

classes de palavras, sobretudo nos advérbios e nas preposições, elementos que

desempenhassem as funções argumentativas típicas das conjunções. Daí o surgimento de

termos argumentativos como depois que, para que, assim que, entretanto, portanto, no

entanto, todavia, embora, apenas, mal, etc.

Esta passagem de circunstanciador para operador argumentativo normalmente

obedece à trajetória de gramaticalização espaço > texto > tempo. Em relação a isto, pode-se

citar vários casos, como, por exemplo, o vocábulo agora, cujo valor básico no português

atual é de circunstanciador temporal: significa neste momento, ou seja, o momento em que o

falante produz o seu enunciado. Trata-se, portanto, de um elemento dêitico temporal. Não se

pode, entretanto, deixar de mencionar a etimologia desse vocábulo: do latim hac hora

(ablativo), segundo Machado (1977). Sendo hac um advérbio espacial dêitico, que expressa

proximidade em relação ao falante. Esta fusão entre as noções de aqui (espaço) e agora

(tempo), se manifesta, na língua, através de vários outros casos, como, por exemplo, na

expressão daqui a uma hora, em que o elemento originalmente espacial aqui é usado como

ponto de referência para uma medida de tempo. Isto demonstra a origem da metáfora espaço

> tempo: as noções de espaço e tempo têm seu ponto de interseção no ato da fala.

No que diz respeito à passagem tempo > texto, é interessante citar que Adrião

(1945) registra o uso agora... agora equivalente a ora... ora, inexistente no português atual,

apresentando, além de outros exemplos, o trecho d'Os Lusíadas (c. IIº e. 108) reproduzido

abaixo:

19 – Em práticas o Mouro diferentes

Se deleitava, perguntando agora

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Pelas guerras famosas e excelentes.

Co povo havidas que a Mafona adora;

Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hespéria última, onde mora;

Agora, pelos povos seus vizinhos,

Agora, pelos húmidos caminhos.

Neste exemplo, o elemento agora perde parte de sua estrutura semântica, ou seja,

perde seu valor de proximidade temporal em relação ao falante, mas mantém a idéia básica

de tempo, que por pressão de informatividade, acaba assumindo um valor de alternância:

trata-se de um operador argumentativo. Este uso desapareceu no português atual, mas

permanece o uso ora... ora, que segundo Adrião (1945), já coexistia naquela época com o uso

agora... agora e que constitui exatamente o mesmo fenômeno, uma vez que a hora e agora

possuem a mesma origem e valores semelhantes, como se pode notar no trecho abaixo,

retirando de Lisboa (1965: 80):

20 – Por amor de mi,

Pacheco, esparai-me aqui

que logo torno ness'ora.

No português atual a forma ora se manteve apenas como elemento argumentativo,

expressando a idéia de alternativa, ou assumindo funções pragmático-discursivas, como no

exemplo abaixo, retirado de uma das entrevistas analisadas, em que a informante ensina

como se faz pudim de leite:

21– E: Eu nunca fiz pudim de leite. E como faz? Nunca fiz. Estou falando sério,

Glorinha.

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50

I: Bom, então eu vou dar heim! Vê lá, heim! Uma lata de leite

condensado... mas não vai escrever pelo menos, ora? Lógico, pega o lápis

aí, Tereza.

E: Manda fundo, vai fundo, vai lá.

I: Uma lata de leite condensado, cinco ovos...

Mas, voltando ao termo agora, que no momento é o foco de minha análise, pode-se

encontrar também no português atual um uso de agora sem valor temporal, em que o ele-

mento funciona como operador argumentativo. Isto está demonstrado no exemplo abaixo,

também retirado de uma das entrevistas, em que a informante fala de sua mãe:

22 – I: Olha, você sabe que minha mãe, quando enviuvou do meu pai, ela não ficou

em condição econômica muito boa, não. Agora, ela tinha jeito para costura.

Ela não gostava era de serviço de cozinha. Então, acho que ela já costurava

– não sei até se ela costurava pra fora, não sei.

O elemento agora, por exemplo, perdeu inteiramente o valor temporal, funcionando

como organizador das idéias no texto, ou seja, como operador argumentativo. Seu valor

nestes casos é de elemento contrastivo, que tende a introduzir informações novas opostas, em

termos argumentativos, ao que já foi dito: ela não ficou em condição econômica muito boa,

mas ela tinha jeito pra costura.

Acredito que a origem deste uso esteja na possibilidade de esse elemento introduzir

informações novas com a passagem do plano narrativo para o plano não-narrativo, como

demonstra o exemplo abaixo, em que a informante fala que antiga-mente se chocava ao ver

homens em manga de camisa em ambientes formais:

23 – I: ... Bom, eu, às vezes, hoje em dia eu já estou me acostumando. Eu me

espantava quando eu encontrava os homens em manga de camisa em certos

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51

ambientes. Isso ainda me chocava. Isso ainda me chocava. Agora, hoje em

dia, já nem me choco mais. Pode ir até...

Como o elemento agora é originariamente circunstanciador temporal e marca

sentenças no presente, tempo gramatical tipicamente não-narrativo, ele pode ser usado para

iniciar sentenças não-narrativas precedidas de sentenças narrativas, marcando, como tópico,

este contraste discursivo. É provavelmente este contexto que origina este valor

argumentativo contrastivo, que, por pressão de informatividade, se convencionaliza,

passando a ser usado em outros contextos. Ou seja, o elemento passa de contrastivo textual

para contrastivo argumentativo.

O vocábulo hora (que originou agora) sofreu ainda um outro processo de

gramaticalização, gerando um outro operador argumentativo. Trata-se de um processo que

tem como ponto de partida a antiga expressão de valor temporal em boa hora, que, segundo

Said Ali (1971: 189), era comumente acrescentada a frases optativas ou imperativas, por

sinceridade ou mera cortesia, em virtude de uma crença que existiu na era medieval e ainda

nos séculos subseqüentes de que o êxito dos atos dependia da hora em que eram praticados.

Este uso gerou o termo embora no português atual.

Por outro lado, ainda segundo Said ali (1971: 189), os maus desejos também eram

manifestados através da expressão contrária à anterior em hora má, que gerou eramá, aramá,

ieramá e amará, que desapareceram.

Os dois exemplos apresentados abaixo, retirados respectivamente de Lisboa (1965:

93) e Lisboa (1965: 58), demonstraram estes dois usos:

24 – Em minha mão?

Nisso não tendes razão

e assi vo-lo provarei

por vos tirar de paixão

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e logo, senhor, m'irei

muito em'bora.

25 – Que maora m'hoje ergui!

Ei-lo aqui, corpo de são!

Eramá

Por perdido o dava já,

já lhe eu fazia esta conta.

Segundo Said Ali (1971: 190), o termo embora, no português atual, perdeu total-

mente seu valor original, assumindo dois valores distintos. No primeiro, como advérbio, o

elemento dá uma idéia de afastamento e se liga apenas a verbos ir e vir (vou embora), o que

torna o inteligível junto a verbos estáticos, uso que já foi possível no português. No segundo,

como conjunção, apresenta um valor concessivo, sendo, argumentativamente, contrastivo em

relação à sentença à qual se subordina.

Ainda segundo Said Ali (1971: 190), a origem deste uso contrastivo está no fato de

que o uso original de embora também podia introduzir sentenças para "denotar que se

concede a possibilidade do fato, ou que o indivíduo que fala não se opõe ao seu

cumprimento". O autor oferece alguns exemplos deste caso, inclusive a frase de Gil Vicente

reproduzida abaixo:

26 – Ria embora quem quiser, que eu em meu siso estou.

Terminando sua explicação ao dizer que, a partir deste uso, que implica um valor

contrastivo, o advérbio embora se transforma em conjunção concessiva, e que esta trans-

formação é acompanhada de uma mudança na organização das orações; Said Ali (1971: 190)

descreve perfeitamente o processo que Traugott & König (1991: 194) chamam pressão de

informatividade, mecanismo de mudança comum ao surgimento de operadores

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argumentativos, através do qual novos sentidos são inferidos de determinados contextos em

que o elemento aparece.

Essa passagem tempo > concessão é, aliás, corriqueira. Traugott & König (1991:

199) chamaram atenção para o fato de que elementos que expressam concomitância ou

coocorrência entre fatos podem, por pressão de informatividade, assumir valor contrastivo,

demonstrando este processo, entre outros exemplos, com a passagem, em língua inglesa, de

while (concomitância temporal) para while (concessivo).

No que diz respeito à língua portuguesa, existem alguns exemplos disso. Um deles é

o caso do elemento todavia, que segundo Machado (1977) vem do latim tuta via (a palavra

via dá uma idéia espacial), que "primeiramente significou constantemente, sempre, a cada

passo; depois, não obstante ainda".

O exemplo abaixo, retirado de Magne (1944: I, 99), apresenta o uso de todavia com

valor de sempre:

27 – Quando el-rei viu que el havia de passar, rogou-lhe por Deus que lhe leixasse

algua coisa per que todavia se nembrasse dele.

Ocorre que, em seu antigo valor temporal, o elemento todavia funcionava como

circunstanciador de tempo indeterminado, que é típico de fundo, plano discursivo que tende

a apresentar situações imperfectivas, ou seja, simultâneas entre si e em relação aos eventos

de figura. Tem-se aí, portanto, uma passagem todavia (concomitância temporal) > todavia

(contrastivo).

Esta passagem ocorre através do mecanismo de pressão de informatividade. Said

Ali (1971: 223) apresenta o contexto do qual surge o novo uso contrastivo, quando

demonstra que pode-se encontrar todavia empregado como correlato enfático de conjunções

concessivas, mostrando o exemplo abaixo reproduzido:

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28 – E ainda que alguns sejam de obscura geração, todavia são venerados e

acatados.

Neste caso, o valor de tempo indeterminado do elemento todavia se apresenta como

simultâneo à idéia concessiva expressa pela sentença anterior. Este é o contexto que gera, por

pressão de informatividade, o uso concessivo atual de todavia.

Para ilustrar com mais um exemplo esta possibilidade de circunstanciadores de

tempo indeterminado tornarem-se elementos de valor contrastivo, cito a interessante análise

de Reis (1921), que propõe que o circunstanciador sempre pode funcionar como conjunção

adversativa e reproduzo abaixo um de seus exemplos:

29 – Você ganhou a questão; vá tendo sempre muito cuidado.

Segundo Reis (1921), o elemento sempre, neste contexto, equivale a contudo. Ou

seja, este exemplo é válido para reforçar a idéia de que, em determinados contextos, se pode

inferir um valor contrastivo de circunstanciadores de tempo indeterminado, como o elemento

sempre.

Outro exemplo interessante de elemento indicador de concomitância temporal que

se torna contrastivo é o caso do operador entretanto. Atualmente, entretanto tem basicamente

um valor contrastivo, que lhe confere a classificação como conjunção adversativa, mas sua

origem, segundo Said Ali (1971: 223), é de circunstanciador temporal com valor de

"entrementes", "enquanto isso sucede".

Esta origem temporal pode ser vista nos exemplos 30 e 31, retirados, respectiva-

mente, d'Os Lusíadas (c. VIº e. 77) e Caporalini (1794: 30):

30 – As Alcióneas aves triste canto

Junto da costa brava levantaram,

Lembrando-se de seu passado pranto,

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55

Que as furiosas águas lhe causaram.

Os delfins namorados, entretanto,

Lá nas covas marítimas entraram,

Fugindo à tempestade e ventos duros,

Que nem no fundo os deixa estar seguros.

31 – Isto se repete muito de vagar, entretanto Grilo abre sua loja, chega huma ca-

deira junto à porta em que Cazumba se senta, e Grilo traz a toalha no braço.

Vê-se que, nestes exemplos, o elemento entretanto não tem valor contrastivo, e sim

de concomitância temporal: entretanto, nestes casos, equivale a enquanto ou enquanto isso.

Dos contextos em que esse elemento expressa concomitância temporal entre fatos

contrastivos, surge, por pressão de informatividade, o entretanto adversativo. O exemplo

seguinte, também retirado de Caporalini (1794: 31), apresenta este contexto:

32 – Vai buscar o estojo das navalhas, e entre tanto diz Cazumba o que se segue.

Neste caso, já se pode ver contraste entre os dados vai o estojo das navalhas (ou

seja, afasta-se do local da conversa) e diz Cazumba o que se segue. Além disto, há aí uma

nítida idéia de concomitância entre os fatos.

É também interessante notar que, dessa vez, o elemento foi grafado separadamente,

sugerindo, assim, que sua origem está na formação entre + tanto, como simplificação de

alguma expressão do tipo entre tanto acontecimento, entre tantas coisas, ou algo semelhante.

Mais de uma vez, vê-se concretizada a gramaticalização espaço > (tempo)> texto,

nos moldes de Heine et alii (1991: 182). A relação espaço/tempo se manifesta

principalmente através da preposição entre e a relação tempo/texto, na própria passagem de

concomitante para contrastivo.

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Mas é também interessante analisar a presença do elemento tanto na formação deste

operador, uma vez que ele aparece em outros casos semelhantes, como o do elemento

entanto, que, segundo Said Ali (1971: 223), também tinha valor de simultaneidade temporal

na linguagem da Renascença e hoje, através da forma no entanto, apresenta valor contrastivo.

O exemplo abaixo, retirado d'Os Lusíadas (c. IIº e. 64-65), mostra o valor temporal do

elemento entanto:

33 – Tal embaixada dava o Capitão,

A quem o Rei gentio respondia

Que, em ver embaixadores de nação

Tão remota, grão glória recebia;

Mas neste caso a última tenção

Com os de seu conselho tomaria,

Informando-se certo de quem era

O Rei e a gente e a terra que dissera;

E que, entanto, podia do trabalho

Passado ir repusar; e em tempo breve

Daria a seu despacho um justo talho,

Com que a seu Rei resposta alegre leve.

Nesse exemplo, vê-se o valor temporal de entanto, em que se pode apontar a origem

da conjunção adversativa no entanto. Este é mais um caso de gramaticalização por pressão

de informatividade, em que um elemento indicador de concomitância temporal passa a

assumir valor contrastivo.

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Outro caso interessante em que o elemento tanto compõe locução de valor temporal

está na antiga construção tanto que, que o trecho abaixo, retirado d'Os Lusíadas (c. Iº e. 82)

exemplifica:

32 – Tanto que estas palavras acabou,

O Mouro, nos tais casos sábio e velho,

Os braços pelo colo lhe lançou,

Agradecendo muito o tal conselho;

Segundo Said Ali (1971: 222), a locução tanto que "se emprega geralmente como

conjunção temporal até o século XVIII, mas o falar hodierno lhe restitui o sentido de

quantidade ou intensidade". A conjunção tanto que, atualmente, inicia sentenças que

expressam conseqüência em relação à sentença anterior, mas normalmente aparecem

separadas, ficando o que, na subordinada, como elemento correlativo, expressando a

conseqüência da intensidade indicada por tanto (ou tão, ou tamanho) na principal: tanto...

que.

Aliás, este fenômeno é típico de elementos de intensificação, como tanto, tão e tal;

assim como de seus correlativos por comparação quanto, como e qual; que comumente

geram expressões temporais, ou elementos de causa, de conseqüência, de condição, de

contraste, de dúvida, de inclusão, que podem ou não apresentar um valor temporal interme-

diário. Como exemplos disto, pode-se citar elementos como nunca (temporal), enquanto

(temporal), como (causa), portanto (conseqüência), os arcaicos tal que (conseqüência) e por

tal que (condição), entretanto (contraste), talvez (dúvida), tal qual (pron. relativo e

atualmente comparativo), o qual (pron. relativo), também (inclusivo), etc.

Para se entender este fenômeno, deve-se, primeiramente, ir à origem dos elementos

de intensificação e depois observar a função de seus correlativos por comparação.

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No que diz respeito à origem dos intensificadores, Leite & Jordão (1958) afirmam

que os elementos originais latinos talis, tantus, tot, tam e tum são derivados da raiz do grego

antigo te. A mesma raiz que compõe os pronomes iste, ista, istud (is + te), que significa, em

latim, esse, essa, isso; o, a, os, as; tal, tamanho, semelhante.

Segundo Bailly (1987), te, em grego antigo, funcionava como partícula enclítica,

que ocorria sempre atrás de um palavra e que apresentava dois sentidos básicos. No primeiro,

como palavra demonstrativa, correspondia a um pronome relativo e tinha valor de por isso,

por essa razão. No segundo, como conjunção, podia apresentar valor equivalente a e, em

outro; em resumo, em fim; com.

Isto dá elementos para se ver aí um processo de gramaticalização espaço> (tempo) >

texto, que explica essas trajetórias. Da origem espacial persiste, nesses elementos de

intensificação, a função anafórica, que eles até hoje apresentam.

É esta função anafórica o principal elemento que permite o surgimento de usos

como, entretanto e entanto com valor temporal e portanto (= por isso) com valor conclusivo,

em que o elemento tanto faz alusão anafórica a eventos simultâneos anteriores, como já foi

demonstrado. Ou que permite a formação talvez (tal + vez), antigamente temporal, atual-

mente indicador de dúvida.

Quanto aos chamados correlativos por comparação referentes a esses intensifica-

dores (cum, quam, quantum, qualis, em latim; quanto, como, qual, em português), pode-se

notar que alguns geraram expressões temporais, como, por exemplo, enquanto e nunca (num

+ quam). A capacidade de expressar noções temporais destes elementos é decorrente de seu

uso como correlativo, por com-paração, dos intensificadores (tum.. cum, tam... quam,

tantum... quantum, talis... qualis, em latim; tanto... quanto, tanto... como, tal... qual, em

português). Estes elementos comparam eventos e situações, que, em alguns contextos, se

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apresentam como concomitantes em termos temporais. A pressão de informatividade, nesses

casos, se encarrega de gerar o sentido novo.

Casos de comparação de eventos temporalmente simultâneos estão demonstrados

nos três exemplos abaixo: em latim, retirado de Leite & Jordão (1958), em português

arcaico, retirado de Magne (1950) e em português atual, retirado de Cunha & Cintra (1985):

33 – Tum ludit, cum saltat. (= Tanto toca, quanto dança)

34 – Bem assi fazia a força e a virtude do entendimento da minha alma alomeada

com o dom de Deus, quando era sospensa: veendo e maravilhando-se na

contempraçom daquelas cousas divinaaes que entendia, entom se estendia ela

mais. E quanto mais era aduzida e levada aas cousas mais altas e mais

maravilhosas, tanto se mais entendia: e quanto era mais afastada das cousas

baixas, tanto era mais pura em si mesma e tanto se achava mais sotil pera as

cousas mais altas.

35 – O filho andava tão depressa como (ou quanto) o pai.

O que estes exemplos apresentam é o contexto, que provavelmente provoca, por

pressão de informatividade, a transformação comparativo > temporal, que ocorre com os

correlativos por comparação referentes aos intensificadores.

O caso dos elementos intensificadores é, portanto, diferente do caso de seus

correlativos por comparação. Ambos podem assumir, por gramaticalização, valor temporal.

A diferença está no fato de que os intensificadores têm, como já foi demonstrado, uma

origem espacial e um valor anafórico e os correlativos, não.

Em outras palavras, com os intensificadores ocorre uma gramaticalização espaço >

(tempo) > texto e com os correlativos, que não possuem origem espacial, a transformação

para elemento temporal é uma conseqüência do seu uso comparativo ao lado de

intensificadores, que acabam levando, na correnteza, os seus correlativos.

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60

Isto significa que a gramaticalização circunstanciador > operador argumentativo

pode não seguir a trajetória espaço > (tempo) > texto. É o que ocorre, por exemplo, com o

elemento apenas, que, segundo Machado (1977), é o resultado da formação a + penas, sendo

este proveniente do latim poena (expiação, castigo). Ou seja, originalmente o elemento

apenas funcionava como um circunstanciador de modo, que possuía o valor da atual

expressão a duras penas, como se pode observar no exemplo abaixo, retirado d'Os Lusíadas

(c. IVº e. 87), em que, segundo Peixoto & Pinto (1924), o elemento apenas aparece com este

valor:

36 – Partimo-nos assi do santo templo

Que nas praias do mar está assentado,

Que o nome tem da terra, pera exemplo,

Donde Deus foi em carne ao nosso mundo dado.

Certifico-te, ó Rei, que, se contemplo

Como fui destas praias afastado,

Cheio dentro de dúvida e receio,

Que apenas nos meus olhos ponho freio.

Peixoto & Pinto (1924) apresenta este exemplo de apenas com valor de a duras

penas. Não é difícil também compreender que, deste contexto, pode-se inferir (pressão de

informatividade) o valor de elemento de exclusão que existe no português atual. Por outro

lado este elemento de exclusão pode ser usado com valor temporal em sentenças do tipo

(exemplo meu):

37 – Apenas ele saiu de casa, começou a chover.

Neste caso, o elemento apenas dá uma idéia de seqüencialidade temporal imediata:

um evento ocorre imediatamente depois de outro. E este fenômeno não é exclusivo do ele-

mento apenas, ocorrendo também em transformações como mal (modo) > mal (conj.

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temporal), tão bem (intensidade/modo) > também (inclusão) e assim (modo) > assim que

(conj. temporal), embora para estes dois últimos casos se possa apontar uma origem espacial,

pois o intensificador tão, segundo Leite & Jordão (1958), possui a mesma raiz da partícula

demonstrativa grega te, e o elemento assim provém do latim sic, que, de acordo com Ernout

& Meillet (1959), apresenta a partícula comum nas línguas itálicas ce, que tem valor dêitico

e expressa um posicionamento espacial em relação aos interlocutores, e que aparece em

pronomes demonstrativos latinos como hic(e) (este) e illic(e) (aquele) e em advérbios

tirados de temas demonstrativos como sic(e) (assim), tunc(e) (então) e nunc(e) (agora). Mas

o que me parece importante é não deixar de registrar um aspecto diferente da

gramaticalização na trajetória que pode ser representada da seguinte forma modo >

(inclusão/exclusão) > tempo.

Outra formação interessante, que não se faz pela trajetória espaço > (tempo) > texto,

é a locução tam toste que de valor temporal, onde o elemento toste funciona como

circunstanciador temporal que equivale a depressa, logo. Os exemplos abaixo, retirados de

Magne (1944: I, 104) e Magne (1944: I, 203) ilustram isto:

38 – Depós êsto nom atendeu mais Galaaz, mas foi-se toste ao muimento e tanto

que i chegou, ouviu logo ua voz de grã dor, que maravilha era, e disse assi...

39 – ... mas tam toste que o ela viu, pagou-se dele dês aí e o amou.

Segundo Magne (1944), o elemento toste vem do latim tostus, do verbo torrere, que

significa secar ao sol e, por analogia, queimar, tostar. Parece haver aí uma analogia com o

tempo de secar: algo como tão logo ficou seco, fez tal coisa. Neste caso, existe, sem dúvida,

uma trajetória de gramaticalização que vai do +concreto (ato de secar) para o –concreto (a

noção de tempo), mas não uma trajetória espaço > tempo.

O que estou querendo demonstrar com este e os demais exemplos apresentados é que

a noção de circunstância é algo fluido, que se adapta aos aspectos pragmático-discursivo que

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62

envolvem o ato da comunicação. Com isto, não só a circunstância temporal assume formas

diferentes, expressando noções temporais determinadas, indeterminadas, simultâneas,

iterativas e delimitativas, como também as diferentes noções circunstanciais acabam se

adaptando umas às outras ou se adaptando à expressão de diferentes relações lógicas no

texto.

Nunes (1956) já havia demonstrado isto, ao questionar a divisão das "partículas" em

quatro espécies: advérbios, preposições, conjunções e interjeições. Para ele, existem apenas

duas espécies. Uma, que compreende as partículas de sentimento ou interjeições e outra, que

compreende as partículas de relação, que são os advérbios, as preposições e as conjunções,

entre os quais não há, em rigor, diferença real, uma vez que as conjunções provêm

basicamente de advérbios e destes as preposições latinas que foram adotadas pela nossa

língua.

É, portanto, comum a trajetória circunstanciador > operador argumentativo, em que o

elemento perde o valor semântico e ganha valor pragmático-discursivo. No que diz respeito

aos elementos temporais, foco deste trabalho, pode-se dizer que, ao se tornarem operadores

argumentativos, eles perdem os traços semântico-gramaticais que os organizam dentro da

estrutura do tipo de discurso em que aparecem, para assumir funções discursivas mais

direcionadas. Com a perda destes traços semântico-gramaticais, que regulam sua colocação

na sentença, estes elementos perdem sua mobilidade original, assumindo posições mais

fixas.

Por isto acredito que só se pode compreender os circunstanciadores temporais, seja

do ponto de vista da sua conceituação, seja do ponto de vista da sua colocação, através da

teoria da gramaticalização/degramaticalização, de acordo com o que está desenvolvido em

Heine et alii (1991), Traugott & Heine (1991) e Sweetser (1990). Com este suporte teórico,

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pode-se traçar uma trajetória para os usos sincrônicos destes elementos, explicar sua origem

diacrônica e justificar sua colocação na sentença.

4 – OS DADOS ANALISADOS

Esta seção trata dos dados gramaticais e discursivos através do quais analiso a

colocação dos circunstanciadores temporais na sentença e dos conceitos de gramaticaliza-

ção/degramaticalização que serviram de base para a análise dos operadores argumentativos.

Os dados gramaticais e discursivos referentes à análise dos circunstanciadores foram

utilizados basicamente de acordo com Martelotta (1986).

4.1 – Os Circunstanciadores Temporais

A análise das funções discursivas e da colocação dos circunstanciadores temporais

foi feita com base nos seguintes dados: tipos de circunstanciadores temporais, posições na

sentença, tipos de discurso e traços semântico-gramaticais. Passo a demonstrar cada um

deles.

4.1.1 – Tipos de Circunstanciadores Temporais

Partindo do princípio de que a circunstância de tempo não pode ser vista

como algo uniforme, e sim como algo fluido que se amolda às características

semântico-gramaticais do discurso em função das necessidades comunicativas

envolvidas no ato de comunicação e também do princípio de que a colocação dos

circunstanciadores temporais depende do papel que desempenham no tipo de

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discurso em que ocorrem, adotei uma classificação dos circunstanciadores

temporais retirada de Martelotta (1986), que adaptada aos objetivos da presente

pesquisa, apresenta a seguinte configuração:

a) Circunstanciadores de tempo determinado Dão uma indicação mais precisa do

momento em que ocorre o evento, como ontem, hoje, semana passada, quando ele

chegou, entre outros.

Estes circunstanciadores costumam aparecer em figura narrativa ligados a eventos

específicos, organizando, em termos temporais, a seqüencialidade que os caracteriza. Cito,

como exemplo, o trecho abaixo, em que o informante conta como, ao tentar consertar o freio

de um Dodge do exército, quase sofreu um acidente por culpa do sargento:

1 – I : ... uma Dodge da manutenção, ela trancou o freio. Eu disse: "ô, sargento, faz

o seguinte: o senhor engrena a Dodge que eu vou dar uma sangria".

Porque o freio quando tranca... o burrinho não dá retorno, o burrinho de

freio. Então fui lá para abrir a sangria. Nisso que eu deitei, que eu ia abrir

a sangria, o sargento esqueceu de engrenar. Então, no que eu abri a

sangria, ela soltou o freio. Eu fiquei deitado. Quando eu senti que a

Dodge andou, eu virei para o lado e a Dodge passou e foi se acabar no

barranco que tinha lá em baixo e eu deitado no chão.

Note-se que se trata de uma narrativa de eventos basicamente específicos

seqüenciais. Os circunstanciadores sublinhados determinam o momento em que ocorrem os

eventos aos quais se ligam, ajudando a organizar a seqüencialidade destes eventos. Neste

contexto, estes circunstanciadores, como será demonstrado mais tarde, tendem a ocupar as

posições pré-verbais da sentença.

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Este tipo de circunstanciador temporal também pode aparecer em tipos de discurso

marcados por uma seqüencialidade não-específica, como se pode notar no seguinte exemplo,

em que o informante explica como fazia enxerto para transformar limoeiro em laranjeira:

2 – I: Bom, eu plantava a laranja da terra em caroço ou limão, que o povo chama aí

de limão cravo ou limão galego. E, depois que ele adquiria, estas mudas

adquiriam certo desenvolvimento, então nós fazemos o enxerto. Aliás,

tirávamos a muda de um recanto da chácara, que costuma-se dar o nome de

viveiro... e levava para o lugar definitivo. Depois daquela muda se adaptar à

mudança de local, então fazia-se o enxerto.

Trata-se de uma seqüência de eventos não-específicos, onde se encontram

circunstanciadores de tempo determinado indicando o momento em que estes eventos ocorri-

am.

O que se deve entender é que existem dois tipos de seqüencialidade: uma

seqüencialidade de eventos específicos e uma seqüencialidade de eventos não-específicos.

Em ambos os casos, os circunstanciadores de tempo determinado tendem a ocorrer em

posições pré-verbais.

b) Circunstanciadores de tempo indeterminado Dão a idéia de que os eventos e situações

perduram no tempo, de forma indeterminada, como sempre, geral-mente, atualmente,

nunca, entre outros.

Estes circunstanciadores costumam aparecer em eventos e situações não-específicas

e não-seqüenciais. O trecho abaixo, em que a informante fala de seu respeito pelos mais

velhos, é um bom exemplo deste caso:

3 – I: Olha, eu sempre respeitei os mais velhos. Eu sempre fui muito moleca, mas

respeitava os mais velhos. Quando eu fui trabalhar no bromatológico, tinha

um diretor velhinho. Quando ele chegava, eu ma levantava...

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As situações em que ocorrem os circunstanciadores de tempo indeterminado não

são seqüenciais entre si ou em relação aos demais eventos e situações que compõem o

exemplo. Elas manifestam, ao contrário, uma simultaneidade conseqüente da generalização

temporal expressa pelo circunstanciador que apresentam. Estes circunstanciadores são

típicos de fundo, tendendo a aparecer, neste tipo de discurso, em posições pré-verbais.

c) Circunstanciadores iterativos Indicam a freqüência com que os eventos não-específicos

ocorrem ao longo do tempo, como à vezes, duas vezes per semana, de vez em quando,

entre outros.

Estes circunstanciadores, por definição, tendem a aparecer em eventos e situações

não-específicos. Um exemplo disto está no trecho abaixo, em que a informante responde se

costuma deixar seu irmão brincar com ela e sua amiga:

4 – E: E vem cá, quando você está brincando com a Alexandra, ele brinca junto

também?

I: Às vezes ele brinca junto, mas às vezes eu se invoco, eu não deixo.

Os circunstanciadores iterativos são típicos de fundo narrativo e não-narrativo e de

figura não-narrativa e costumam, nestes planos discursivos, assumir as posições pré-verbais.

d) Circunstanciadores de simultaneidade Indicam concomitância entre eventos e

situações, como, enquanto isso, ao mesmo tempo, entre outros.

Estes circunstanciadores são típicos do discurso de fundo, que se caracteriza pela

simultaneidade temporal em relação aos eventos de figura. O seguinte exemplo, em que o

informante fala de seu trabalho, ilustra o caso:

5 – I: ...aí, quando chega lá pra meia-noite, eu dou um toque no garção... enquanto

eles vão comendo o meu pastel, eu vou tomando a cerveja deles... no fim

dava tudo certo.

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67

A tendência destes circunstanciadores, no que diz respeito à sua colocação, é apa-

recer antes do verbo em fundo narrativo e não-narrativo.

e) Circunstanciadores delimitativos Delimitam os eventos e as situações, indicando o

início e/ou fim de sua permanência no tempo, como há três anos, até hoje, durante dois

meses, entre outros.

Os circunstanciadores delimitativos se assemelham aos circunstanciadores de tempo

determinado em um aspecto: ambos expressam uma informação mais determinada acerca das

marcas temporais dos eventos e situações. A diferença é que os circunstanciadores de tempo

determinado tendem a expressar o momento em que se inicia um evento não-punctual

específico ou o momento em que ocorre um evento punctual específico. Ao passo que os

delimitativos tendem a expressar o tempo de ocorrência de uma situação ou evento não-

punctuais específicos (que se pode ver no exemplo 6, em que o informante fala do carro de

sua esposa que foi roubado) ou a permanência, e conseqüente repetição, no tempo de um

evento específico punctual ou não (veja-se o exemplo 7, em que o informante fala da guerra

na FEB).

6 – I: Uma ocasião, o carro de minha senhora foi roubado e ficou três dias desapa-

recido. Depois esse carro apareceu aqui, numa delegacia aqui... então eu

estava procurando o carro já há quase três dias... recebi um telefonema na

oficina que o carro apareceu no Jabour.

7 – I: Durante a guerra na FEB, morreu muito soldado brasileiro. E depois foi

necessário puni-lo... é... muito rigorosamente, porque começou a ficar

popular uma mania de dar sopinha pro alemão...

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Estes são, então, os tipos de circunstanciadores temporais observados em relação a

sua função no discurso e a sua conseqüente colocação nas posições da sentença, que passo

agora a analisar.

4.1.2 – Posições na Sentença

No que diz respeito à variável posições na sentença, o problema inicial a considerar

é a tendência dos circunstanciadores temporais para assumir uma colocação básica dentro de

uma ordem canônica dos constituintes da sentença típica da língua portuguesa. Surgem daí as

seguintes perguntas:

a) Os circunstanciadores temporais possuem uma colocação básica na sentença, em relação à

que movimentos para a direita ou para a esquerda são utilizados para des/focalizar ou

topicalizar?

b) Se isto ocorre, qual é esta colocação básica na sentença, e quais são os fatores que a ela se

associam?

Os textos que li, tanto em termos de gramática tradicional quanto em termos de

trabalhos de orientação lingüística, foram em geral pouco elucidativos em relação às

perguntas acima. Resolvi, então, no que diz respeito ao caso específico dos

circunstanciadores temporais, adotar uma posição em relação a estes problemas, que me

pareceu mais coerente em face das leituras feitas e, sobretudo, da prática das análises

desenvolvidas na pesquisa.

Acredito que a idéia da existência de uma ordem básica em uma determinada língua

resulta de uma análise percentual realizada sem a adoção de fatores discursivos específicos.

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Quando estes fatores discursivos são levados em consideração, nota-se que eles determinam

de tal modo a colocação dos elementos na sentença, que não podem ser deixados de lado em

uma análise que busque algo mais que uma generalização acerca das tendências da língua em

termos de ordenação vocabular.

Preferi, portanto, não considerar a existência de uma posição básica para

os circunstanciadores temporais na sentença como ponto de partida para a minha

pesquisa. Com exceção de uns poucos itens lexicais específicos, que demonstram

uma tendência para assumir posições mais fixas, os circunstanciadores temporais,

em sua condição de modificadores de toda a sentença, possuem uma mobilidade

muito grande dentro desta sentença, e a sua colocação efetiva depende de uma

tendência resultante da interação de suas características semântico-gramaticais

com fatores de natureza pragmático-discursiva.

Adotei, então, a distinção entre topicalização e focalização encontrada em Votre &

Santos (1984) e trabalhei com os seguintes princípios:

a) As posições pré-verbais são focalizadoras, sendo a posição de início da frase

topicalizadora.

b) As posições pós-verbais são desfocalizadoras.

E observei os circunstanciadores temporais nas posições abaixo:

ANTES DO VERBO

POSIÇÃO 1– Não ocorrendo sujeito antes do verbo. Aí estão enquadrados os casos tradicionalmente

chamados de sujeito inexistente, indeterminado e elíptico e casos em que o sujeito

ocorre depois do verbo.

Ex: Depois daquela muda se adaptar à mudança de local, fazia-se o enxerto.

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POSIÇÃO 2 – Antes do sujeito.

Ex: Quando eu olhei no boletim, meu nome não estava lá.

POSIÇÃO 3 – Entre o sujeito e o verbo (ou entre o sujeito e o primeiro verbo em caso de locução

verbal: foram raríssimas as ocorrências de circunstanciadores temporais entre os verbos

da locução).

Ex: A gente às vezes se cansa.

DEPOIS DO VERBO

POSIÇÃO 4– Não ocorrendo complemento ou predicativo depois do verbo. Aí estão incluídos os casos

em que o complemento ou predicativo ocorrem antes do verbo.

Ex: Ela chegou quatro horas.

POSIÇÃO 5 – Entre o verbo e o complemento ou predicativo.

Ex: ... então, ali boto logo depois o pijama.

POSIÇÃO 6– Depois do complemento ou predicativo.

Ex: Eu deixo vocês falarem com ele segunda feira.

Estas são as posições na sentença que os circunstanciadores temporais podem

ocupar dependendo da interação de suas marcas semântico-gramaticais com as do tipo de

discurso em que ocorrem.

4.1.3 – Tipos de discurso

Um fator fundamental para a colocação dos circunstanciadores temporais é o tipo de

discurso. Em relação a isto adotei a hipótese que foi apresentada em Martelotta (1986),

segundo a qual, de acordo com sua interação comunicativa, o falante possui basicamente

duas opções. Ou assume uma atitude narrativa, caracterizada por relatos de acontecimentos

reais ou não, efetivados pela utilização de seus dois tempos verbais mais característicos: os

pretéritos perfeitos e imperfeito. Ou assume uma postura não-narrativa, caracterizada pela

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71

descrição, pelo comentário, ou por qualquer outra atitude comunicativa que não constitua um

relato e que possua, com tempo verbal mais representativo o presente do indicativo.

O discurso narrativo também se diferencia do discurso não-narrativo pelo fato de o

primeiro localizar os eventos e situações na linha do tempo e o segundo não. Como a

narrativa tende para o passado, os pretéritos perfeito e imperfeito localizam as ações no

passado. Já o presente, tempo básico do discurso não-narrativo, não projeta as situações na

linha do tempo, soando como uma forma verbal indeterminada em termos temporais. O que

importa no discurso não-narrativo são os aspectos referentes à natureza dos fatos, e não o

momento em que eles ocorrem.

Seguindo ainda a proposta desenvolvida em Martellota (1986), tanto a narrativa

quanto a não-narrativa apresentam distinção entre figura e fundo. No trabalho supracitado, é

apresentado um quadro de traços semântico-gramaticais característicos de figura e fundo

dentro do discurso narrativo e do discurso não-narrativo. Este quadro está reproduzido

abaixo, reduzido aos traços que, estatisticamente, se mostraram mais representativos de cada

um desses tipos de discurso e que, portanto, interessam mais à presente pesquisa:

QUADRO A

REFERENTE AOS TRAÇOS SEMÂNTICO-GRAMATICAIS CARACTERÍSTICOS DA OPOSIÇÃO FIGURA/FUNDO EM NARRATIVAS E NÃO-NARRATIVAS.

NARRATIVAS NÃO-NARRATIVAS

FIGURA FUNDO FIGURA FUNDO

+ Perfectivo – Perfectivo + Perfectivo – Perfectivo

+ Específico – Específico – Específico – Específico

+ Cinético – Cinético + Cinético – Cinético

+ Punctual – Punctual + Punctual – Punctual

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Segundo este quadro, o que caracteriza a figura narrativa é a tendência para

apresentar eventos perfectivos, específicos, cinéticos e punctuais, enquanto que o fundo

narrativo, ao contrário, tende a apresentar situações não-perfectivas, não-específicas, não-

cinéticas e não-punctuais.

É importante notar que a figura não-narrativa se distingue da figura narrativa por

apresentar o traço [–específico]. E o fundo, nos dois tipos de discurso, apresentam exata-

mente os mesmos traços semântico-gramaticais. A diferença aí está no fato de que a

narrativa projeta os acontecimentos na linha do tempo. Ou seja, as situações de fundo

narrativo, expressas normalmente pelo pretérito imperfeito e pelo pretérito perfeito com

sentido imperfectivo, são localizadas no passado. Por outro lado, as situações de fundo não-

narrativo, expressas basicamente pelo presente do indicativo, não são projetadas na linha do

tempo, soando como determinadas em termos temporais. Isto ocorre, como já foi

mencionado, porque o discurso não-narrativo trata mais dos aspectos referentes à natureza

dos fatos, importando menos o momento em que eles ocorrem.

Passo agora a demonstrar em que sentido estão sendo empregados estes traços

semântico-gramaticais.

4.1.4 – Traços Semântico-Gramaticais

De acordo com as posições teóricas que se seguem, foram aqui utilizados os traços

semântico-gramaticais [±perfectivo], [±específico], [±cinético] e [±punctual].

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4.1.4.1 – O Traço [± Perfectivo]

Hopper (1979: 216) identifica a distinção entre perfectivo e imperfectivo com a

distinção entre figura e fundo, estabelecendo um conjunto de características, que estão

reproduzidas no quadro abaixo:

QUADRO B

REFERENTES ÀS CARACTERÍSTICAS QUE HOPPER (1979: 216) ATRIBUI A SENTENÇAS PERFECTIVAS E IMPERFECTIVAS.

PERFECTIVO IMPERFECTIVO

• Seqüencialidade cronológica. • Simultaneidade ou encobrimento cronológico de situação C com evento A e/ou B.

• Visão do evento como um todo, logo, o acabamento é um pré-requisito necessário para o evento subseqüente.

• Visão de uma situação ou acontecimento cujo acabamento não é um pré-requisito necessário para o acontecimento subseqüente.

• Tópicos humanos. • Variedade de tópicos, incluindo fenômenos naturais.

• Dinamicidade, eventos cinéticos. • Estaticidade, situações descritivas.

• Figura. Evento indispensável para a narrativa. • Fundo. Estado ou situação necessária para a compreensão de motivos, atitudes, etc.

O exemplo abaixo, em que a informante conta como sua vida se tornou agitada de-

pois da morte de sua avó, ilustra a oposição entre perfectividade e imperfectividade:

8 – I: Depois que minha avó morreu, aí eu vim pra... Fiquei em Olaria. Aí depois

saí, fui pra Jacarepaguá. Trabalhei numa casa de família aqui na Tijuca e

depois voltei pra Jacarepaguá... Sempre assim, nunca fui de ficar à toa assim

dentro de casa. Eu nunca gostei mesmo de ficar parada.

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Os eventos que não estão sublinhados são marcados pelo traço [+perfectivo], ou

seja, constituem uma seqüência cronológica linear (marca principal da perfectividade) de

acontecimentos cinéticos marcados por tópicos humanos. Esta seqüência, em que o

acabamento de um evento é necessário para a ocorrência do evento subseqüente, é

evidenciada pelos elementos seqüencializadores depois, aí, e então e constitui o chamado

primeiro plano da narrativa: a figura.

Já as situações sublinhadas constituem comentários de fundo referentes àqueles

eventos de figura, que não estão sublinhados e, o que é mais importante, não são seqüenciais

entre si nem em relação aos eventos que não estão sublinhados, em relação aos quais

expressam simultaneidade ou encobrimento temporal. As situações sublinhadas são,

portanto, imperfectivas.

4.1.4.2 – O Traço [± Específico]

Segundo Chafe (1979), a noção de especificidade caracteriza-se por expressar

situações individualizadas, ou seja, sentenças que exprimem um fato específico, que ocorreu

em um momento específico. Ilustro isto com o seguinte exemplo, em que a informante fala

de seu cachorro:

9 – E: Ele já mordeu alguém?

I: Já.

E: Como é que foi, me conta?

I: Eu não vi. Só vi que eu... eu estava dormindo. Ele atacou a minha tia, aí ele

atacou a moça. E quando eu estava é... ali na casa da outra moça que mora

ali, ele atacou a outra moça.

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75

O exemplo acima relata uma série de acontecimentos individualizados, ou seja, que

ocorreram uma só vez em um momento específico. Trata-se de uma narrativa de eventos

específicos.

Agora, sob a forma de um outro exemplo, apresento o trecho abaixo em que o

informante fala de como são os jovens atualmente:

10 – I: Antigamente, no meu tempo, a criança era muito presa. Eu, por exemplo,

até dezessete, dezoito ano, meu pai dizia: "Ó, dez hora tem que estar em

casa". Hoje em dia, uma criança com dezessete, dezoito ano nem vem para

casa...

O que caracteriza este exemplo é o traço [–específico], pois ele apresenta uma série

de situações genéricas, ou não-individualizadas, ou seja, fatos que não ocorrem, ou

ocorreram uma só vez, mas que costumam, ou costumavam ocorrer. Trata-se de uma visão

genérica dos fatos.

4.1.4.3 – O Traço [± Cinético]

Os eventos dinâmicos, ou marcados pelo traço [+cinético], se dividem, segundo

Chafe (1979) em ações e processos. As ações são caracterizadas por orações cujos verbos

expressam uma ação ou a atitude praticada por alguém, apresentando, portanto, um agente.

Já os processos constituem orações que apresentam uma mudança de estado de um paciente.

Em Chafe (1979: 100–101) encontra-se também uma espécie de regra prática a

distinguir uma ação de um processo: a pergunta "o que fez N?" terá sempre como resposta

uma ação. Este elemento N representa o agente ou elemento causativo da situação, que,

seguindo uma gradação de causatividade, poderá apresentar os traços [±humano],

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[±animado] e [±intencional]. Por outro lado, a pergunta "o que aconteceu a N?", onde o

elemento N representa um paciente, terá sempre como resposta um processo.

Apresento o seguinte exemplo, em que a informante explica como mandava fazer

suas roupas:

11 – I: ...arranjava sempre umas pessoas de boa vontade, que faziam. Eu mandava

a fazenda, de acordo com a fazenda, já fazia o...

Todos os verbos sublinhados constituem ações, nos moldes do que foi

definido acima. Já no exemplo abaixo, pode-se encontrar um processo no evento

sublinhado:

12 – I: Ultimamente, eu compro vestido pronto, porque agora, então, depois de

velha, a... a preguiça aumenta, não é?

Por outro lado, as situações estáticas, ou marcadas pelo traço [–cinético], ocorrem

ainda segundo Chafe (1979), quando a oração apresenta um paciente em um estado ou

condição, não havendo um agente ou mudança deste estado ou condição.

No exemplo abaixo, que trata de animais, os verbos sublinhados ilustram bem o

caso:

13 – E: O senhor gosta só de cachorro, ou o senhor gosta de gato?

I: De tudo bicho.

E: É? Sua senhora também?

I: Detesta gato.

E: Acho gato muito falso.

I: Não, todo bicho é amigo.

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Todos os verbos sublinhados se encaixam nas características das situações não-

cinéticas apresentadas acima.

4.1.4.4 – O Traço [± Punctual]

A punctualidade é uma noção aspectual que diz respeito ao tempo interno da

situação expressa pelo lexema do verbo, ou, mais especificamente, ao período de tempo

compreendido entre o início e o fim da situação. Se este período de tempo é muito curto, ou

praticamente inexistente, a situação é marcada pelo traço [+punctual]; caso contrário, ela é

marcada pelo traço [–punctual].

Em virtude da impossibilidade de se trabalhar com estes conceitos sem cair em uma

análise subjetiva, preferi adotar a posição de Thompson (1983: 61), que propõe um critério

mais objetivo para diferenciar uma situação punctual de uma situação durativa (ou não-

punctual): se o verbo admite semanticamente o circunstanciador temporal durante um longo

tempo, quando colocado no pretérito perfeito do indicativo, ele é marcado pelo traço [–

punctual]; se isto não ocorre, ele é marcado pelo traço [+punctual]. Apresento os exemplos

14 e 15, colocados abaixo, para demonstrar o funcionamento do teste.

Veja-se, em primeiro lugar, o exemplo 14, em que a informante fala de sua

professora:

14 – I: ... porque eu acho a Heloísa muito bacana, o jeito que ela dá aula. Ela

brinca muito com a gente, mas explica as coisas legal,

14.a – Ela brincou durante um longo tempo com a gente.

Em 14.a, notamos que o verbo da sentença sublinhada no exemplo 14 admite a

transformação. Trata-se, portanto, de um verbo não-punctual.

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Já no exemplo 15, em que o informante conta como sua pressão subiu tanto que ele

foi parar no hospital, ocorre o contrário:

15 – I: Minha pressão foi a vinte e seis... Fiquei entregue às baratas.

E: E o senhor ficou quanto tempo no hospital?

I: Foi num dia, no outro me trouxe pra cá. Minha mulher ficou louca... Não

morri não sei... Não morri de sorte. Não se morre no dia mesmo, né?

E: Não é que nem peru que morre na véspera.

15.a – O peru morreu durante um longo tempo na véspera.

Neste caso, a transformação não é possível porque o verbo morrer é punctual e não

admite o circunstanciador em questão.

Resta apenas acrescentar que, no português, verbos punctuais podem admitir o

circunstanciador temporal durante um longo tempo em uma leitura imperfectiva e não-

perfectiva que dá à situação uma espécie de sentido iterativo.

O exemplo abaixo, falando de uma amiga que não deu mais notícias, demonstra

isto muito bem:

16 – I: ... então ela foi e saiu. A gente não soube mais notícia dela.

E: A gente se ilude tanto com as amizades, né?

16.a – A gente se desiludiu durante um longo tempo com as amizades.

A transformação feita em 16.a é possível em português se o circunstanciador for

interpretado como medindo a permanência da situação no tempo, e não a duração interna da

situação expressa pelo verbo. Ou seja, o circunstanciador durante um longo tempo indica

que a situação punctual não é específica, pois se repetiu no tempo.

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Deve ficar claro, portanto, que este critério só funciona se for levada em conta a

possibilidade de uma leitura perfectiva e específica da frase que resultou da transformação.

Para concluir, a base teórica até aqui desenvolvida serviu para a análise dos

circunstanciadores temporais propriamente ditos e operadores argumentativos, que, como

apresentam aspectos diferentes no que diz respeito à sua utilização, exigiram também a

abordagem à luz dos conceitos de gramaticalização/degramaticalização, como será visto

daqui em diante.

4.2 – Os Operadores Argumentativos

Os operadores argumentativos, como já foi demonstrado anteriormente, são termos,

cuja função, mais do que simplesmente relacionar sentenças, é dar uma orientação

argumentativa ao enunciado. São exemplos de operadores argumentativos termos como só,

senão, isto é, afinal, por outro lado, em todo caso, aliás, apenas, agora, todavia, entretanto,

no entanto, aí, logo, então, depois, já entre outros. Trata-se de elementos classificados

confusamente pela tradição gramatical como advérbios, conjunções, palavras de realce,

palavras denotativas, etc.

Esta confusão resulta do fato de que estes elementos só podem ser entendidos à luz

de uma teoria pragmático-discursiva, que relaciona, numa trajetória linear, seus usos

sincrônicos e suas origens diacrônicas. Por isto, adotei a teoria da gramaticalização/ degra-

maticalização, que relaciona os valores argumentativos desses elementos a uma origem

basicamente espácio-temporal, e centrei minha análise nos operadores que, além de sua

função argumentativa, apresentam marca temporal pelo menos em alguns de seus usos no

português atual: aí, logo, depois, então, ainda e já.

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A hipótese que apresento em relação a estes elementos é a seguinte: tendo origem

em circunstanciadores temporais (por sua vez provenientes de elementos de valor espacial),

os operadores argumentativos tendem a perder parte de seus traços semântico-gramaticais

originais, relacionados a uma estrutura mais ampla e mais geral, resultante do ato de tecer o

texto como um todo organizado e a assumir funções argumentativas referentes à organização

lógica das idéias ou a estratégias para direcionar a interpretação do ouvinte. Com isto, os

operadores argumentativos tendem a tornar-se mais regulares e previsíveis, inclusive no que

diz respeito à sua colocação na sentença.

4.2.1 – Gramaticalização e Degramaticalização

Partindo do princípio funcionalista segundo o qual a gramática é um sistema de

regularidades resultante das pressões do uso, e que, em conseqüência disto, nunca se

estabiliza, caracterizando-se, ao contrário, por um constante fazer-se, adotei, em minha

análise, os conceitos de gramaticalização e degramaticalização, que têm sido usados, de

modo eficiente, na explicação de determinados fenômenos de mudança lingüística e que,

como procuro neste trabalho demonstrar, caracterizam o uso dos operadores argumentativos

por mim estudados.

Uso o termo gramaticalização, de acordo com Heine et alii (1991), Traugott &

Heine (1991) e Sweetser (1990), entre outros, para designar um processo linear e

unidirecional, segundo o qual determinados itens lexicais passam a assumir, no curso do

tempo, um novo status como elemento gramatical, tendendo assim a se tornar mais regular e

mais previsível, uma vez que este processo transporta o elemento do nível da criatividade

momentânea do discurso para as restrições da gramática.

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81

Já a degramaticalização, de acordo com Votre (199: 103), ocorre quando algum

elemento, que está na gramática, passa a ter comportamentos imprevisíveis, escapando das

restrições da gramática e retornando ao discurso.

Quanto às restrições da gramática, pode-se dizer que se caracterizam basicamente

por regularidades que se manifestam nas relações de ordenação vocabular e de regência, nas

relações de concordância de gênero e número para os pronomes, substantivos e adjetivos e

nas relações de número e pessoa e atribuição de modo, tempo, aspecto e voz para os verbos.

Normalmente se atribui ao paradigma gramaticalização/degramaticalização os

seguintes fenômenos:

a) A trajetória de itens lexicais de valor semântico X para valor semântico Y, que consiste

na ampliação do uso destes itens lexicais a partir de sentidos mais concretos para a

expressão de valores mais abstratos, como ocorre, por exemplo, com o verbo de ação vir

(de longe para perto do falante), que passa a vir (do passado para o presente).

b) A trajetória de elementos lingüísticos da condição de menos gramatical (ou menos

regular) para mais gramatical (ou mais regular), como ocorre, por exemplo, com seja >

seje e menos > menas.

c) A trajetória de elementos lingüísticos do léxico à gramática, que compreende, por

exemplo, a passagem de verbo pleno a verbo auxiliar, como ocorre com o verbo ir (de

perto para longe do falante), que passa a designar futuro como auxiliar.

d) Trajetória de elementos lingüísticos de mais referencial para menos referencial,

caracterizada pela perda de significação referente a dados extralingüísticos e aquisição de

significados baseados em dados pragmáticos, relativos a atitudes comunicativas dos

falantes, e em dados textuais, relativos à organização interna dos argumentos no texto,

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como ocorre com o uso de operadores argumentativos como aí, depois, então, já, ainda,

entre outros.

e) A trajetória de elementos lingüísticos gramaticais para não-gramaticais, que consiste na

perda de restrições gramaticais e no uso imprevisto do elemento por parte do falante. Este

retorno da gramática ao discurso, em que é comum ocorrer perda de parte da estrutura

fonética do elemento, pode ser exemplificada pelos usos de né? (proveniente de não é

verdade?) e aí (proveniente de olha aí), que, com este processo de degramaticalização,

perdem seu valor original, passando a ser usados indiscriminadamente no discurso.

Cabe agora analisar mais profundamente a natureza destes fenômenos enumerados

acima e detectar o que os diferencia de outros tipos de mudança lingüística como reanálise e

a mudança fonética. O fato é que o paradigma gramaticalização/degramaticalização constitui

um fenômeno diacrônico, onde se vê um tipo específico de mudança lingüística

caracterizado por certos processos gerais provenientes de estratégias fixas do discurso.

Daqui em diante demonstrarei quais são estes processos gerais.

4.2.1.1 – A Natureza da Gramaticalização

Quando se quer arranjar rótulos para novos conceitos, uma das estratégias possíveis

é utilizar formas já existentes na língua, estendendo seu uso à expressão destes conceitos

novos. Essa estratégia segue o princípio de que conceitos concretos são usados para

descrever conceitos menos concretos e mais difíceis de serem conceptualizados, de acordo

com a escala apresentada por Heine et alii (1991: 49):

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

83

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Os elementos desta escala constituem domínios de conceptualização importantes

para estruturar a experiência em termos cognitivos e a relação entre eles é metafórica, o que

significa que qualquer um deles pode ser usado para conceptualizar qualquer categoria à sua

direita. Surge, então, a noção de metáfora categorial, como, por exemplo, objeto p/ espaço

ou espaço p/ tempo, onde a primeira categoria constitui o veículo metafórico para a

expressão da segunda.

Ainda segundo Heine et alii, (1991: 49), em muitas línguas, o item lexical

designativo de uma parte do corpo atrás é usado para designar um conceito espacial, como,

por exemplo, em a parte de trás da casa (objeto/espaço) e este último é usado como veículo

para a expressão de conceitos temporais, como, por exemplo, em há dois anos atrás (espaço

p/ tempo).

4.2.1.2 – Princípios da Gramaticalização segundo Hopper

Hopper (1991) propõe alguns princípios essenciais da gramaticalização: camadas

(layering), divergência (divergence), especialização (specialization), persistência

(persistence) e decategorização (de-categorilization). Passo agora a analisar cada um deles.

4.2.1.2.1 – Camadas (Layering)

A noção de camada se identifica com os usos ou os valores (funções) que os ele-

mentos podem assumir e prevê a coexistência entre unidades lingüísticas. Mais

especificamente, refere-se ao fato de as línguas tendem a apresentar mais de uma forma para

desempenhar funções idênticas.

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Segundo Hopper (1991), em um domínio funcional complexo, estão sempre

surgindo novas camadas e as camadas antigas não desaparecem necessariamente, podendo

coexistir e interagir com as novas.

4.2.1.2.2 – Divergência (Divergence)

A noção de divergência diz respeito ao fato de que quando uma determinada forma

sofre gramaticalização, a forma original pode permanecer como elemento autônomo,

estando sujeita às mesmas mudanças de qualquer outro item lexical. Resulta daí que podem

surgir várias formas com a mesma etimologia, com funções diferentes.

A noção de divergência pode se confundir com a noção de camada, uma vez que

existe uma interseção entre elas. A diferença básica é que camadas dizem respeito a

diferentes graus de gramaticalização em domínios funcionais similares, envolvendo itens

lexicais diferentes, enquanto que a divergência se aplica ao fato de que um mesmo item

lexical se gramaticaliza em um contexto e não em outro.

4.2.1.2.3 – Especialização (Specialization)

O conceito de especialização se refere à diminuição de possibilidades de escolha

para expressão de uma determinada noção gramatical. Com a gramaticalização pode ocorrer

que a variedade de formas se estreite, com isto, um número menor de formas assume a

expressão de sentidos mais gerais.

Hopper (1991) exemplificaria especialização com a forma de negação no francês

moderno ne... pas, onde pas (passo) ligava-se a verbos de movimento para enfatizar a

negação (não andar um passo), que coexistia com formas semelhantes, como mie (migalha

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de pão) em verbos referentes à ação de comer (não comer uma migalha), ou como gote

(gota) em verbos referentes ao ato de beber (não beber uma gota). De todos estes, apenas pas

permaneceu como elemento básico de negação, perdendo seu valor enfático inicial. E, em

francês falado, o elemento ne é normalmente suprimido, ficando apenas o elemento pas

funcionando como marca de negação (ja sais pas).

4.2.1.2.4 – Persistência (Persistence)

A noção de persistência está ligada ao fato de que, com o processo de

gramaticalização, alguns traços do sentido original tendem a permanecer nos novos sentidos,

e, por outro lado, detalhes de sua história lexical tendem a ser refletidos nas restrições

referentes à sua distribuição gramatical.

Hopper (1991) propõe alguns exemplos para o fenômeno da persistência. Entre

eles, os marcadores de objeto (caso acusativo) gramaticalizados de verbos como pegar em

línguas africanas, como ocorre com o elemento Kε em Gã (Benue-Kwa):

17 – È Kε wòlò nmè-si

Ela OJB. livro largou

Ela largou o livro.

A marca de acusativo Kε se origina de um verbo que designa pegar. Segundo Ho-

pper (1991), frases como esta são historicamente do tipo Ela pegou o livro e largou e o uso

desta partícula implica um dado que persiste do sentido original: apenas objetos que podem

ser pegos admitem esta marca gramatical.

4.2.1.2.5 – Decategorização (De–categorialization)

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A noção de decategorização diz respeito à perda, que formas lingüísticas sofrem

com a gramaticalização, de marcas morfológicas ou privilégios sintáticos característicos de

categorias plenas como nomes e verbos para contrair características gramaticais de

categorias secundárias, como adjetivos, preposições, etc.

Eis um dos exemplos dados por Hopper (1991) em língua inglesa:

18 – His face was pale – in (the) face of new demands.

Ocorre, na nova função, uma espécie de cristalização, com conseqüente perda de

liberdade gramatical: in (the) face of não pode ocorrer, assim como in that face of, o que

constitui uma restrição sintática do elemento face nessa expressão. Isto diz respeito à

decategorização.

Até aqui resumi os princípios de gramaticalização propostos por Hopper (1991).

Passo agora a analisar a tendência maior que determinados elementos lingüísticos têm de

sofrer gramaticalização que outros e as características básicas dos pontos de chegada ou

resultados da gramaticalização.

4.2.1.3 – Os Pontos de Partida e os Resultados da Gramaticalização

Os pontos de partida do processo de gramaticalização, segundo Heine et alii (1991)

tendem a se identificar com objetos concretos (partes do corpo), processos (come, give,

take/hold, do/make, finish, go, leave, arrive), verbos de postura (stand, sit, be at), verbos de

processo mental (say), quantificadores (one, many), demonstrativos básicos ou localizações,

ao lado de uns poucos dêiticos e interrogativos.

Já os resultados tendem a constituir noções mais abstratas (ex: noção temporal ou

aspectual), expressões ligadas a dados conversacionais (ex: marca-dores de contra-

expectativa) e elementos relativos à organização interna do texto (ex: conectivos). Do ponto

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de vista formal, a tendência é esses resultados constituírem elementos de características

gramaticais mais restritas, como auxiliares, clíticos, morfemas, etc.

Mas qual é a razão para existirem estas tendências em relação aos pontos de partida

e aos resultados da gramaticalização?

Partindo do princípio de que a gramaticalização é basicamente um processo pelo

qual unidades mais livres assumem comportamentos gramaticais, é lógico entender que seus

resultados tendem a perder valor referencial, assumindo, funções relativas à estrutura do

discurso.

Com relação aos pontos de partida, existem fatores que fazem com que determina-

dos elementos tenham mais probabilidade de sofrer gramaticalização que outros. Traugott &

Heine (1991: 8) afirmam que estudos feitos em várias línguas demonstram que apenas certas

classes de palavras são prováveis de serem gramaticalizadas, pois existem uma série de

fatores que incentivam ou restringem o processo.

Segundo Traugott & Heine (1991: 8), os pontos de partida da gramaticalização se

ajustam aos seguintes fenômenos: adequação semântica, saliência e freqüência.

Adequação semântica diz respeito ao seguinte: se o conteúdo semântico de uma

forma lingüística, ou as inferências que delas podem ser retiradas, pode servir a propósitos

metalingüísticos relativos à organização de texto de modo relativamente natural, esta forma

lingüística tem potencial para sofrer gramaticalização.

Outro dado importante é a saliência perceptual. Traugott & Heine (1991: 8) de-

monstram que a palavra inglesa corner pode ser usada metaforicamente em expressões

temporais como go round a corner in time, mas não se gramaticaliza em categorias de tempo

ou aspecto. Isto pode ser explicado pelo fato de que cristalizações e lexicalizações tendem a

bloquear, ou, pelo menos, retardar o processo de gramaticalização.

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Quanto à questão da freqüência, ocorre o seguinte: quanto mais freqüente é a forma

lingüística, mais provável ela é de se gramaticalizar.

Outro dado importante, que se relaciona às questões que envolvem as noções de

ponto de partida e resultado é a unidirecionalidade do processo da gramaticalização.

4.2.1.4 – A Unidirecionalidade da Gramaticalização

Gramaticalização constitui uma mudança diacrônica unidirecional. Heine et alii

(1991: 49), por exemplo, propõem, como já foi mencionado anteriormente, a seguinte escala

centrada na idéia de abstraticidade crescente:

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

A unidirecionalidade expressa nesta tabela é uma conseqüência do fato de que, por

exemplo, partes do corpo se gramaticalizam em objetos, noções espaciais se gramaticalizam

em noções temporais, mas o contrário não ocorre, uma vez que a gramaticalização tende a se

processar num crescente de abstraticidade.

Outro tipo de unidirecionalidade freqüente associada à gramaticalização está ligada

ao conceito de vínculo crescente, segundo o qual elementos independentes tornam-se

subordinados, elementos móveis tornam-se menos móveis, itens lexicais tornam-se

morfemas.

Outra noção tradicionalmente ligada à unidirecionalidade e que se desenvolveu a

partir das teorias de Meillet é a idéia de que gramaticalização envolve, além de perda de

liberdade sintática, esvaziamento semântico, ou seja, implica uma espécie de descoramento,

de empobrecimento.

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Mas Traugott & König (1991: 190) questionam isso, admitindo apenas a existência

de descoramento nos últimos estágios da gramaticalização. Nos primeiros estágios, a

gramaticalização implica um crescimento de sentido pragmático, ou seja, o elemento perde

significação semântica, mas ganha em significação relativa às atitudes de falante e ouvinte e

à organização interna do texto.

Segundo Traugott & König (1991: 191), na gramaticalização de while temporal

para while concessivo, não ocorre apenas uma perda do sentido semântico temporal original,

mas, sobretudo, um ganho de significação pragmática referente a um direcionamento da

interpretação da sentença. Não se trata, portanto, de um processo unidirecional do tipo

+semântico > –semântico, e sim de um processo unidirecional do tipo semântico > pragmá-

tico > –semântico-pragmático.

Heine et alii (1991: 182), por outro lado, demonstram que, quando se trata de ele-

mentos argumentativos, a gramaticalização envolve a seguinte escala:

���� TEMPO

ESPAÇO

���� TEXTO

Esta escala representa um processo unidirecional +concreto > –concreto, de acordo

com o qual elementos espaciais externos passam a ser usados para organizar o universo

discursivo, podendo, intermediariamente, expressar uma noção temporal, que também tende

a se gramaticalizar em elementos textuais, passando assim a expressar noções

argumentativas, como causa, ou concessão, por exemplo.

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90

Falarei mais detalhadamente sobre esta escala na seção referente aos operadores

argumentativos. No momento, é mais interessante focalizar os mecanismos de mudança que

geram estas escalas unidirecionais de gramaticalização.

4.2.1.5 – Mecanismo de Mudança Referentes à Gramaticalização

Segundo Traugott & König (1991: 190), diferentes tipos de inferência podem

ocorrer na gramaticalização, dependendo do tipo de elemento que está envolvido no

processo. Os mecanismos de mudança mais importantes, pelos menos no que diz respeito a

este trabalho, são a inferência metafórica e a inferência do tipo pressão de informatividade.

A inferência metafórica constitui um processo unidirecional de abstração crescente,

pelo qual conceitos que estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar

aquilo que é mais abstrato e, conseqüentemente, mais difícil de ser definido. A inferência

metafórica caracteriza, por exemplo, o surgimento de marcas de tempo, aspecto e caso,

podendo também gerar usos novos para operadores argumentativos.

Um exemplo de como a metáfora gera operadores argumentativos está no que

Heine et alii (1991: 179) chamam metáfora espaço > discurso, em que conceitos espaciais

são utilizados, por processo analógico, para designar pontos do discurso. O elemento

espacial é, nestes casos, o elemento mais concreto que serve de base para o surgimento de

novas camadas (de valor menos concreto), que funcionam como elementos de organização

interna do discurso.

Isto pode ocorrer, por exemplo, com o operador argumentativo aí, como se pode

observar no trecho abaixo, retirado de uma das entrevistas analisadas em que a informante

responde a uma pergunta do entrevistador referente aos problemas econômicos do Brasil:

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19 – E: Você acha que custo de vida, então, um dos maiores problemas do Brasil?

I: Ah, aí eu não sei não, mas o custo de vida também influi, não é?

Neste caso, o operador argumentativo aí, originalmente um dêitico espacial, é

utilizado para fazer alusão anafórica a dados que foram mencionados anteriormente: alude

ao ponto que está sendo questionado pelo entrevistador.

Por outro lado, a inferência por pressão de informatividade caracteriza basicamente

o surgimento de conectivos e está ligada à noção de implicatura conversacional. Apresento o

seguinte exemplo:

20 – Quando ele foi despedido sua vida mudou.

A primeira oração, que possui, em termos básicos, um valor temporal, pode ter,

neste contexto, uma leitura casual: sua vida mudou, porque ele foi despedido. Ocorre que

este novo valor está implícito na valor básico da oração, independentemente do sentido

textual dos elementos que a compõem. Este processo só pode ser entendido em termos da

noção de inferência conversacional.

A gramaticalização ocorre, em termos efetivos, quando este tipo de inferência se

convencionaliza na língua. É o que ocorre, de acordo com Traugott & König (1991: 194), na

transformação de since (com valor temporal) para since (com valor casual):

21 – I have done quite a bit of writing since we last meet. (temporal)

22 – Since Susan left him, John has been very misarable. (temporal/causal)

23 – Since you are no coming with me, I will have to go alone. (causal)

Esta seqüência de exemplos propostos por Traugott & König (1991: 194)

demonstra que há uma possibilidade de leitura causal em alguns contextos em que ocorre

since e, com a convencionalização desta nova leitura, surge o since causal. O que ocorre em

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casos deste tipo é que o sentido textual é pressionado pelo contexto em que ocorre a admitir

um sentido novo, que é inferido do primeiro. Isto caracteriza a inferência por pressão de

informatividade.

Segundo Traugott & König (1991: 199), este mecanismo de mudança também

explica a passagem while (concomitância temporal) > while (concessivo), e alguns casos de

formação de conectivos, ou elementos argumentativos em geral.

Estou partindo do princípio de que este mecanismo de mudança explica a existên-

cia de alguns usos dos operadores argumentativos analisados neste trabalho, como, por

exemplo, a passagem já (marcador de contra-expectativa) > já (comparativo). O trecho

abaixo, em que o informante fala de sua filha, exemplifica o caso de já como marcador de

contra-expectativa, que, além de possuir uma função argumentativa, mantém um valor

temporal, que persiste do uso que o originou:

24 – I: A Cláudia? a Cláudia está com dezesseis... vai fazer dezesseis anos agora,

entendeu? Já tem namoradinho, coisa e tal, já dá umas aulinha de... aqui em

casa, é... português, matemática, tudo que ela gosta, não é?

Neste exemplo, o já, além de expressar uma noção temporal, possui algumas

características que, como será demonstrado mais adiante, são típicas dos marcadores de

contra-expectativa observados nesta pesquisa: expressa informação nova e ocorre em

sentenças que expressam situações contrastivas em relação às informações anteriores. Ou

seja, as sentenças já tem os namoradinhos e já dá umas aulinha trazem informação nova e

são constrativas em relação ao fato de a menina não ter ainda dezesseis anos.

Em alguns contextos, pode-se inferir deste uso de já como marcador de contra-

expectativa um valor comparativo. Isto pode ser observado no exemplo abaixo, referente à

agricultura, em que o falante explica como são plantadas as hortaliças:

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25 – I: É colocada... Também costuma-se fazer viveiro. Costuma-se fazer, às

vezes, um canteiro viveiro para determinadas hortaliças: por exemplo,

alface, certos tipos de couve, é... planta-se no viveiro e, depois de a

mudinha alcançar um certo desenvolvimento, aí é colocada no lugar

definitivo. Agora, outras não. Outras já são colocadas a granel no canteiro,

proporcionalmente à área do canteiro.

Pode-se notar, que, neste contexto, há uma certa ambigüidade. A frase marcada por

já oscila entre duas leituras: outras já (anteriormente, desde o princípio) são colocadas no

canteiro, onde o já, mantendo sua marca temporal, funciona como marcador de contra-

expectativa: e já (por outro lado) outras sementes são colocadas no canteiro, onde já

apresenta um valor comparativo. Mas, é importante ressaltar, comparativo aí deve ser

entendido como confrontativo ou contrastivo, uma vez que o elemento já, nestes casos, não

tem valor semelhante a igualmente, mas por outro lado.

Daí se convencionaliza no uso da língua o valor comparativo do elemento já,

exemplificado no trecho abaixo, em que a informante conta como seus pais se conheceram:

26 – E: E ela conheceu seu pai, quer dizer, havia o relacionamento do seu pai com

os pais dela?

I: Não, não. Ela conheceu, eu me lembro, eles contavam aí. Já o meu pai

veio da Síria com nove anos. Ela veio pequenininha. Eles se conheceram

porque meu pai, parece, tinha uma família conhecida em Botafogo...

Neste exemplo, o já assume valor comparativo: perde o valor temporal

característico de seu uso como marcador de contra-expectativa e funciona como elemento de

confronto entre as informações meu pai veio da Síria com nove anos e minha mãe veio

pequenininha.

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Os traços que persistem do uso original com marca de contra-expectativa nesta

nova camada são:

a) Introduz informação nova: desde a pergunta do entrevistador, o assunto em pauta é a mãe

(ela). Portanto, a sentença iniciada por já, que menciona pela primeira vez o pai apresenta

assunto novo.

b) Constitui informação contrastiva: há um contraste entre as sentenças meu pai veio da

Síria com nove anos e minha mãe veio pequinininha. Algo como Meu pai veio da Síria

com nove anos, já minha mãe veio com nove anos é agramatical em português.

Resumindo, este processo de mudança por pressão de informatividade e o processo

de metáfora são basicamente os mecanismos de gramaticalização que caracterizam o

surgimento de novas camadas para os operadores argumentativos.

4.2.2 – Gramaticalização em Operadores Argumentativos

A escala proposta por Heine et alii (1991: 49), mais uma vez aqui reproduzida:

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

representa, como já foi visto, um processo que ocorre no sentido +concreto > –concreto.

Esta escala é válida especialmente para categorias que são tipicamente codificadas por

material lexical, como nomes e verbos. Quando se toma para análise elementos

argumentativos, o caso é diferente, pois se está lidando com elementos essencialmente

pragmático-discursivos.

Neste caso, Heine et alii (1991: 179) propõem que ocorre uma transferência do

contexto situacional externo para o contexto discursivo interno, que é o resultado da

experiência intersubjetiva do conhecimento compartilhado por falante e ouvinte.

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É o que ocorre, por exemplo, com a metáfora espaço > discurso, que é usada para

organizar o universo discursivo em termos de referentes espaciais externos, que

representam, nestes casos, os elementos mais básicos, ou mais concretos da escala de

gramaticalização. Em outras palavras, conceitos espaciais são utilizados, por um processo

analógico, para designar pontos do discurso, ou estabelecer relações entre eles.

Este tipo de metáfora se manifesta comumente através do fenômeno da anáfora, em

que um elemento dêitico espacial faz referência a dados já mencionados:

27 – João não veio. Isto é um problema.

Este tipo de metáfora também pode se manifestar através do fenômeno da catáfora,

em que o mesmo elemento faz referência a dados posteriores:

28 – Eu digo isto: João não vem.

Isto ocorre também com operador argumentativo aí, que, sendo basicamente um

elemento dêitico espacial, pode fazer alusão anafórica a pontos do discurso, como se pode

ver no exemplo abaixo, retirado de uma das entrevistas analisadas, em que o informante

explica o único caso em que ele concorda com o aborto:

29 – I: ... a não ser um caso especial em que há necessidade de fazer o aborto,

certo? A pessoa não pode ter o filho. Pegou, mas, se ficar, vai morrer a

pessoa. Aí eu concordo. Neste ponto de vista, certo?

O elemento aí, neste exemplo, faz alusão a um dado mencionado anteriormente: um

caso particular que pode terminar em aborto. Aí, neste caso, equivale a neste ponto de vista.

Heine et alii (1991: 182) também demonstraram que existe uma estreita relação

entre as noções de espaço e de tempo, afirmando que tanto o universo real quanto o universo

discursivo se manifestam no tempo e propõem a escala representativa do processo de

96

96

gramaticalização dos operadores argumentativos, já apresentada anteriormente e aqui

repetida para efeito de clareza:

���� TEMPO

ESPAÇO

���� TEXTO

Trata-se de um outro modelo de escala para o processo +concreto > –concreto, em

que a expressão de dados espaciais é mais básica e mais concreta do que a expressão das

relações discursivas. Segundo esta escala, encontram-se no texto elementos de organização

interna, que são provenientes da gramaticalização de dados espaciais (que podem, ou não,

seguindo um processo escalar de abstração, expressar intermediariamente noções temporais)

e de dados temporais.

No exemplo abaixo, o elemento aí, assim como no exemplo anterior (ex. 29), faz

alusão a um dado mencionado anteriormente. A diferença é que, no caso abaixo, a alusão

remete a um dado temporal:

30 – E: Onde você gostaria mais de cantar?

I: Eu queria no Povo na Tevê.

E: E no Sílvio Santos você iria cantar?

I: É, por que aí eu já era cantora, não é? Não ia ser vaiada.

Neste caso, o aí não alude exatamente a um ponto no espaço, mas a uma situação,

ou a um contexto. E o elemento já, que aparece na sentença, leva a uma interpretação de que

se trata de um contexto dentro de um processo que se desenvolve no tempo.

97

97

Tentarei também demonstrar que a relação causa/conseqüência constitui mais um

dado na escala de abstração proposta acima e que elementos que, originalmente, expressam

informações espaciais, via expressão temporal, podem ser usados com valor conclusivo. A

analogia é: em termos de tempo, a conseqüência vem depois da causa.

O exemplo abaixo, em que a informante fala de suas aulas de artesanato, apresenta

o operador argumentativo aí, funcionando como conclusivo:

31 – E: Vem cá, vocês têm aula de artesanato?

I: Temos.

E: E como é essa aula? Me conta.

I: Quem não leva nada é chato. Porque que, quem não leva nada não pode

pintar. É só vidro por enquanto, não é? É só vidro. E eu não levo vidro, aí

eu fico sem fazer nada.

Neste exemplo, o elemento aí não faz referência anafórica a dados anteriores, mas

se liga a uma sentença que expressa idéia de conseqüência: eu não levo vidro,

conseqüentemente eu fico sem fazer nada. Ocorre, neste caso, uma metáfora espaço >

(tempo) > texto, mecanismo de mudança em que noções espaciais/temporais são utilizadas

para fins pragmático-discursivos, ou, no caso específico deste exemplo, expressar uma

noção lógica referente à estruturação dos argumentos.

Cabe aqui estabelecer um confronto entre a metáfora espaço > (tempo) > texto e o

mecanismo de mudança por pressão de informatividade, que, de acordo com Traugott &

König (1991: 194), caracteriza, entre outros, um caso semelhante ao surgimento do aí

indicador de conseqüência: a passagem since (temporal) > since (causal). Não se trata de

conceitos incompatíveis, mas de processos pragmáticos complementares, que costumam co-

ocorrer.

98

98

O processo que gera a passagem de aí para conclusivo (conseqüência) é um pouco

diferente do processo que caracteriza a passagem de since para causal.

No primeiro caso, tem-se um mecanismo metafórico de mudança: dados +concretos

são utilizados para expressar dados –concretos, num processo analógico, que relaciona

conceitos semântica e pragmaticamente compatíveis. Ou seja, o elemento aí

(originariamente espacial), que funciona como seqüencializador temporal de sentenças, pode

analogicamente se tornar um seqüencializador de idéias, passando a expressar conseqüência

(seqüencializador temporal > seqüencializador lógico). O fator que persiste nesta nova

camada é a função seqüencializadora. Apresento abaixo um exemplo de aí seqüencializador

temporal, que, como será demonstrado mais adiante, gera o aí conclusivo, através do trecho

de uma das entrevistas, em que a informante diz como ela brinca com seu gravador:

32 – I: Eu... eu fico pensando, invento uma música de repente. Eu ligo e fico

inventando uma música de repente. Aí eu falo assim: "Érica falando". Aí

eu canto. Aí depois eu fico imitando coisa errada que eu nem sei.

Neste exemplo, os elementos aí sublinhados seqüencializam os eventos no tempo.

Ou seja, os eventos iniciados por aí ocorrem quando os eventos anteriores se concluem.

Minha hipótese é que este uso do elemento aí gerou, por metáfora espaço > tempo > texto, o

aí com valor conclusivo.

No segundo caso, referente à passagem de since temporal para since causal, ocorre

um fato diferente. Não há uma analogia tempo > texto, resultante de semelhanças

semântico-pragmáticas, mas num processo em que, por convencionalização de implicaturas

conversacionais, um elemento passa a assumir um valor novo, que emerge de determinados

contextos, em que este sentido novo pode ser inferido do sentido primeiro, independente-

mente do valor literal das sentenças envolvidas no processo. Em outras palavras, a relação

tempo/causa, no caso de since, ao contrário do que ocorre na relação tempo/conseqüência de

99

99

aí, não está implícita ao valor intrínseco dos dois usos, mas nasce de contextos específicos,

que pressionam o surgimento do valor novo.

Trata-se, como foi dito anteriormente, de dois processos diferentes, mas não in-

compatíveis, que, inclusive, podem coocorrer. Em termos mais específicos, no que diz

respeito ao surgimento de conectivos, a metáfora espaço > (tempo) > texto tende a se

manifestar efetivamente com a pressão de informatividade, pois mesmo intrinsecamente

relacionados, o valor novo tende, nestes casos, a emergir do valor primeiro em contextos

específicos que privilegiam a mudança.

4.2.2.1 – As Funções da Linguagem no Processo de Gramaticalização

Segundo Heine et alii (1991: 190), depois que Bühler propôs a sua teoria das

funções da linguagem, vários estudos têm se dedicado a observar como esta classificação

pode ajudar a compreender o uso e a estrutura das línguas. Com relação à teoria da

gramaticalização ocorreu a mesma coisa. Surgiu, então, a idéia de que, para se entender

determinados aspectos da gramaticalização, deve-se levar em consideração três funções da

linguagem:

a) Função ideacional – Consiste na expressão da experiência do falante em relação ao

mundo real (incluindo as noções de tempo e espaço) e ao mundo

interno de sua consciência.

b) Função textual – Consiste na construção e organização do texto.

c) Função interpessoal – Consiste na interação entre a expressão e o desenvolvimento da

personalidade do falante e a expectativa do ouvinte.

100

100

Com relação a esta última função, deve-se distinguir o componente de orientação

para o falante do componente de orientação para o ouvinte. O primeiro é constituído de

tudo o que está na mente do falante, como, por exemplo, suas atitudes, seus julgamentos e

suas crenças. O segundo diz respeito ao estabelecimento das relações comunicativas.

O componente de orientação para o falante se manifesta, por exemplo, através de

advérbios de opinião, ou, na terminologia de Jackendoff (1972), speaker-oriented adverbs:

provavelmente, infelizmente, etc.

O componente de orientação para o ouvinte, que é mais importante para este

trabalho, se manifesta basicamente por ordens, pedidos, ou, de um modo geral, expressões

que direcionam imposições ao ouvinte. Mas também pode apresentar estruturas, cuja

principal função é estabelecer relação coesiva entre sentenças, ou, de um modo geral, entre

partes do texto, quando esta relação coesiva é uma conseqüência da intenção do falante de

trabalhar comunicativamente com as expectativas do ouvinte.

Heine et alii (1991: 191) apresentam como exemplo deste fenômeno em língua

inglesa o fato de pronomes interrogativos, como who? e which?, sofrerem um processo de

gramaticalização, passando assim a subordinar orações como pronomes relativos. A hipótese

para estes casos e que o falante usa esses pronomes, originariamente interrogativos, na

função subordinativa, como se já estivesse se antecipando a possíveis perguntas de seus

ouvintes. No decorrer deste trabalho, demonstrarei que fenômenos semelhantes podem

ocorrer com alguns dos operadores argumentativos aqui estudados. Cito, como um exemplo

disto, o operador argumentativo então no trecho abaixo, em que o informante conta que

começou a trabalhar cedo com seu pai:

34 – I: ... com treze anos, eu comecei a trabalhar na obra com meu pai. Comecei a

ajudar o meu pai. Pintava uma parede, pintava isso, pintava aquilo. Eu sei

até assentar tijolo, botar cerâmica, essas coisa assim, dentro duma casa, eu

101

101

sei fazer. Trocar um cano d'água, ver um fio, fazer uma instalação, colocar

uma bucha na parede. Isso tudo eu sei fazer dentro de uma casa. Tudo eu

faço, certo? Cimentar um chão, isso aí eu quebro um galho. Mas, então,

com meu pai não dava muito certo, porque meu pai era uma pessoa muito

boa, muito bacana, mas filho com pai na profissão geralmente nunca dá

certo.

Nota-se aí que o informante começa narrando o seu trabalho com o pai, interrompe

esta narrativa para introduzir um comentário relativo às suas capacidades para o trabalho de

construção e, em seguida, retoma a narrativa referente ao seu trabalho com o pai, utilizando

o elemento então, que tem a função, neste caso, de direcionar o ouvinte para a volta ao

assunto anteriormente interrompido.

O que quero demonstrar aqui é a existência de uma trajetória da função interpessoal

para a função textual, que ocorre através de estratégias usadas pelo falante para estabelecer

relações entre o ouvinte e o texto, como, por exemplo, chamar atenção para um aspecto

particular do texto.

Pode-se concluir, então, que, pelo menos quando se leva em consideração o

componente de orientação para o ouvinte, o processo de gramaticalização se desenvolve

através das funções da linguagem de acordo com a seguinte escala:

FUNÇÃO IDEACIONAL > FUNÇÃO INTERPESSOAL > FUNÇÃO TEXTUAL

4.2.2.2 – A Noção de Expectativa

102

102

Outros casos que se caracterizam pela trajetória da função interpessoal para a

função textual são encontrados nos elementos que Heine et alii (1991: 192) chamam

marcadores de contra-expectativa.

As línguas, em geral, apresentam meios de expressão para codificar a distinção

entre situações que correspondem às normas compartilhadas e situações que se desviam das

normas compartilhadas, sendo que apenas as últimas são gramaticalmente marcadas. Os

elementos que possuem a função de indicar este segundo tipo de situações são os chamados

marcadores de contra-expectativa, cujo uso implica uma comparação entre o que é dito e o

que se espera, ou o que se pressupõe, ou o que se assume como norma.

Heine et alii (1991: 192) apresentam, entre outros, o seguinte exemplo em língua

inglesa:

35 – Your house is too small, even if you are only two.

Esta frase reflete o que o falante considera norma no contexto: a casa é pequena em

relação ao normal e duas pessoas constituem um número pequeno em relação ao que

normalmente ocorre. Os elementos too e only são, portanto, marcadores de contra-

expectativa.

É claro que, quando se abandonam as frases isoladas construídas artificialmente, a

análise se torna mais difícil. Isto ocorre por dois motivos basicamente. Em primeiro lugar,

nem sempre as expectativas são as mesmas para falante e ouvinte, podendo diferir de acordo

com fatores como idade, sexo, ideologia, status social, nível de instrução, ou mesmo nível

de conhecimento do assunto que está em pauta. Em segundo lugar, nem sempre as

afirmativas expressam questões para as quais há um padrão ou norma estabelecida que possa

suscitar uma expectativa.

103

103

A solução que encontrei para este problema foi observar o que foi dito antes (ou

mesmo depois) da sentença que apresenta o marcador de contra-expectativa, ou algo que

justificasse a presença do marcador na sentença e os resultados foram positivos.

Estudei apenas os marcadores de contra-expectativa ainda e já, que apresentam,

pelo menos em alguma de suas ocorrências, uma marca semântica temporal por ser este o

foco principal do meu trabalho. Observei, então, que podem ser encontrados uns poucos

casos, em que sentenças marcadas por contra-expectativa apresentam uma norma

estabelecida que gera uma expectativa definida, como ocorre no exemplo abaixo, em que a

informante fala que, embora esteja velha para isto, ainda gostaria de combinar roupas de

acordo com a moda jovem:

36 – I: ... Agora, moda de um modo geral... agora, essa coisa... adoro essa moda.

Se eu fosse moça, eu adoraria usar, eu acho descontraído, eu acho

fabuloso, por que ainda tenho ainda aquela coisa de querer combinar

sapatinho com bolsa, a calça com lencinho no pescoço. Ainda guardo

essas coisas, mas para esta juventude eu acho fabulosa esta moda.

Nesse caso, a expectativa é que uma pessoa de idade não deveria ligar para esse

tipo de coisa. O elemento ainda serve, então, para marcar a idéia de contra-expectativa.

O problema é que, na maioria dos casos, como já foi dito, ocorrem afirmações para

as quais não há uma norma determinada. Neste caso, observando o contexto lingüístico em

que ocorre a sentença, notei que, em muitos casos, a expectativa deriva do próprio texto,

onde são apresentados fatos em relação aos quais a sentença em que ocorre o marcador de

contra-expectativa constitui um contraste.

O exemplo abaixo, que fala sobre a agricultura e a pecuária no Brasil, ilustra este

caso:

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104

37 – I: ... Eu penso que nessa, nesse problema da agricultura, embora nossa

agricultura não esteja de acordo com o desejo dos brasileiros, mas ela...

já dá mais ou menos pras nossas necessidades. Agora... deveria haver

interesse em que se cultivar o trigo... Nós temos o, o... uma agricultura

do trigo no Rio Grande, mas não dá pra suprir as nossas necessidades. E

eu penso que é fundamental, porque um país, um país que quer ser

independente, e quer se emancipar no jogo econômico de outros, ele

precisa ter, principalmente, independência na parte de sua alimentação,

não é? Ele precisa ter o trigo, é preciso que... que o próprio país tenha o

domínio total, por exemplo, da carne... Nós vemos, por exemplo, o Brasil

tem um grande rebanho, mas ainda não é o... é... rebanho do... para a

carne, mas ainda não está de acordo com as nossas necessidades.

Pode-se notar um claro contraste, tanto no que se refere ao uso do já quanto ao uso

do ainda, entre a sentença em que estes marcadores ocorrem e que foi dito antes delas. O uso

do marcador já implica contraste entre a sentença já dá mais ou menos pras nossas

necessidades e o que foi dito antes: nossa agricultura não está de acordo com o desejo dos

brasileiros. E o uso do marcador ainda também evidencia o contraste entre a sentença em

que ele ocorre ainda não está de acordo com as nossas necessidades e a sentença precedente

o Brasil tem um grande rebanho. É importante notar a presença, muito comum no uso desses

marcadores, de conjunções concessivas e adversativas nos dois casos, o que torna patente

esse contraste.

No caso acima exemplificado, a expectativa é previamente tecida no texto pelo

falante, logo o uso desses operadores está voltado para a organização das informações no

texto, caracterizando-se pela passagem da função interpessoal para a função textual.

105

105

Mas há outros usos de ainda e já, em que não ocorre esse contraste em relação ao

que foi dito antes. Nestes casos, estabelece-se um contraste em relação em à expectativa do

ouvinte. Em outras palavras, entendendo o diálogo como o resultado de uma tensão entre o

ponto de vista do falante e as expectativas do ouvinte, o operador argumentativo pode servir

de elemento de contra-expectativa em relação às conjecturas do ouvinte. O exemplo abaixo,

em que o informante diz que não se casaria novamente, ilustra bem o caso:

38 – E: O senhor se casaria outra vez? Deus o livre, mas...

I: Não, se eu ficar viúvo, eu não vou garantir a você que eu vou me casar

outra vez, porque um homem com quarenta ano, certo? Não precisa mais

casar, ele já sabe como é que é, não é? Ele sai por aí, coisa e tal, bom dia,

boa tarde, mas vai casar pra quê? Não precisa mais casar. Já tem filho, já é

um homem realizado, não vai arrumar abacaxi, não é, meu irmão?

Nota-se que aí os casos de já sublinhados ocorrem em sentenças, que não são

contrastivas em relação ao que foi dito antes, mas sem relação à expectativa do ouvinte no

que diz respeito a um possível segundo casamento do informante: ele já sabe como é que é,

já tem filho, já é um homem realizado. Estes argumentos são favoráveis ao ponto de vista do

falante (não são contrastivas em relação ao que foi dito), mas são contrários à expectativa do

ouvinte, que se estabelece, no caso, a partir da pergunta que ele fez.

Estes e outros casos de ainda e já, assim como de outros operadores argumentativos

serão demonstrados mais detalhadamente no capítulo seguinte.

106

106

5 – ANÁLISE DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS

Farei agora uma análise, de acordo com os conceitos de gramaticalização

e degramaticalização, de alguns operadores argumentativos que podem, em

determinados usos, expressar circunstância temporal: aí, logo, depois, então, já

e ainda.

5.1 – O Operador Argumentativo Aí

A análise aqui desenvolvida parte da proposta de Hopper (1991), de que a

gramaticalização de um elemento lingüístico envolve a existência de diferentes

camadas, que podem, ou não, coexistir no mesmo momento (sincrônicas) e que,

por serem provenientes uma das outras, tendem a manter traços que persistem

das camadas originárias.

Estou admitindo, portanto, a existência de várias camadas ou usos do

operador argumentativo aí, que, assim como ocorre com os outros operadores,

descendem de camadas anteriores, obedecendo a trajetórias de mudanças

delimitáveis, que seguem os processos básicos que caracterizam o paradigma

gramaticalização/degramaticalização.

Estou também admitindo que o elemento aí, assim como ocorre com

outros operadores, não pode ser visto isoladamente, mas como um elemento que

pode assumir valores diferentes lhe são emprestados dos diferentes contextos em

que ocorre.

São os seguintes os usos do operador argumentativo aí, em língua

portuguesa atual, encontrados nas entrevistas:

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107

a) Aí dêitico

b) Aí anafórico

c) Aí seqüencial

d) Aí introduzindo informação nova

e) Aí conclusivo

f) Aí como elemento modificador de substantivos

g) Aí em degramaticalização

Passo agora a analisar cada um destes casos.

5.1.1 – Aí Dêitico

O elemento aí, segundo Machado (1977), provém do arcaico i (ou hi), que,

por ser palavra muito curta, se aglutinou a a. O advérbio arcaico i é proveniente do

latim ibi, termo que, segundo Faria (1975), pode significar aí, nesse lugar (sentido

espacial); então, nesse momento (sentido temporal) e nisso, nesse assunto

(sentido textual). Isto demonstra que, já no latim, havia ocorrido a gramaticalização

espaço > (tempo) > texto, que é típica desse tipo de elemento. E desta

gramaticalização surgiram camadas que continuam coexistindo em português.

No que diz respeito à língua portuguesa, o operador argumentativo aí é o

único, entre os operadores estudados, que apresenta, no português atual, o

processo completo da gramaticalização espaço > (tempo) > texto e o processo da

degramaticalização.

Para entender o processo que gera as camadas ou usos do operador aí,

deve-se partir do fato de que o aí é visto tradicionalmente com um advérbio, que,

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juntamente com outros indicadores espaciais, localiza pontos no espaço em

relação aos participantes do ato de comunicação:

AQUI – Próximo ao falante

AÍ – Próximo ao ouvinte

ALI – Distante do falante e do ouvinte

LÁ – Mais distante do falante e do ouvinte

O trecho abaixo, em que a informante ensina como se faz pudim de leite,

exemplifica o uso dêitico do elemento aí:

39 – E: Eu nunca fiz pudim de leite. E como se faz? Nunca fiz. Estou

falando sério, Glorinha.

I: Bom, então eu vou dar, heim! Vê lá heim! Uma lata de leite

condensado... mas não vai escrever pelo menos, ora? Lógico,

pega aí o lápis, Tereza.

E: Manda fundo, vai fundo, vai lá.

I: Uma lata de leite condensado, cinco ovos...

Neste caso, o elemento aí, indica o posicionamento do lápis como estando

próximo ao ouvinte. Trata-se do uso tipicamente dêitico deste elemento.

Minha análise dos usos do operador argumentativo aí parte do princípio de

que o seu valor dêitico espacial é o ponto de partida de uma gramaticalização

espaço > (tempo) > texto, em que o elemento vai perdendo seu valor semântico de

indicador espacial, e tendendo a assumir funções pragmático-discursivas.

Proponho também que os usos do operador aí seguem duas trajetórias de

gramaticalização diferentes, que partem do mesmo ponto inicial (seu uso dêitico

espacial) e chegam a resultados diferentes: uma trajetória leva o elemento a

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109

assumir, em determinados contextos, uma função sequencializadora de base

temporal, que desemboca nos usos aí introduzindo informação nova e aí em

contexto conclusivo. Outra trajetória leva o elemento aí a entrar na estrutura do

sintagma nominal e funcionar como uma espécie de elemento modificador de

substantivos.

Proponho também a existência de um uso de aí conseqüente de uma

degramaticalização que envolve a expressão olha aí, que, perdendo parte de sua

estrutura fonética, torna-se aí (olha aí > aí) e passa a ser usada sem restrições

gramaticais, estando apenas sujeita à criatividade eventual do discurso.

5.1.2 – As trajetórias da Gramaticalização

Parto do princípio de que ocorrem duas trajetórias diferentes que

caracterizam a gramaticalização do operador argumentativo aí. Passo agora a

analisar cada uma delas.

5.1.2.1 – A Trajetória Para Elemento Seqüencializador

Existem vários usos ou camadas de aí que ocorrem em contextos em que

há uma seqüencialidade de informações e que acabam funcionando como

conectivos. Traçando uma trajetória a partir do uso dêitico espacial, que gera estes

novos usos ou camadas de aí, começo a analisar o seu uso anafórico.

110

110

5.1.2.1.1 – Aí Anafórico

Heine et alii (1991: 179) conforme já foi mencionado antes, demonstram a

tendência que elementos espaciais dêiticos têm de assumir função anafórica. O

operador argumentativo aí não constitui exceção a isto, conforme se pode notar

no exemplo abaixo, em que a informante fala de sua vontade de viajar:

40 – I: Eu sonho com muitas viagens, não é? Eu gostaria sim de viajar, ir

a Europa, passear, não é? Correr... conhecer o mundo aí afora.

Isso no caso que o dinheiro desse.

E: E a terra de seus pais?

I: Também. Essa aí também.

Neste exemplo, o elemento aí, que está sublinhado, faz alusão anafórica a

um dado mencionado anteriormente: a terra dos seus pais. O interessante, neste

caso, é que é difícil decidir se se trata de uma alusão anafórica a um local ou

ponto real o espaço, ou a um ponto do discurso: as noções de espaço real e

espaço discursivo, em alguns contextos, tendem a se confundir. Daí a existência

de uso anafórico do elemento aí com valor meramente discursivo, em que há uma

alusão a dados já mencionados que nada têm de especial. É o que ocorre no

exemplo abaixo, em que a informante diz o que faria, se ganhasse na loteria:

41 – I: Me mudar, em primeiro lugar...

E: E vai para onde?

I: Olha, o lugar que eu gosto mesmo, que eu acho central é o

Flamengo. Ali você tem tudo, entra numa esquina, vai dar no

comércio, tem tudo. Se quiser vir ao centro da cidade, é fácil de

condução...

E: E depois de se mudar, você faria mais o quê com o dinheiro?

111

111

I: Bom, aí eu não sei. Aí já é caso a ser estudado, não é?

As duas ocorrências do elemento aí sublinhadas fazem alusão anafórica a

uma situação proposta pelo entrevistador. Não há dados especiais envolvidos

neste processo. Estes dois casos de aí têm valor semelhante a algo como nessa

situação, ou nesse caso, ou, até mesmo, nesse momento, se admitirmos uma

leitura temporal para as sentenças; mas nunca a algo como nesse lugar.

Essa leitura temporal mencionada no parágrafo anterior não é uma

possibilidade absurda, porque há uma idéia de tempo na sentença que é objeto da

anáfora: Depois de se mudar você faria mais o quê com o dinheiro?. Além do mais

não é incomum acontecer de a anáfora focalizar um dado temporal. Veja-se o

exemplo abaixo, em que a informante diz que gostaria de cantar na televisão:

42 – E: Onde você gostaria mais de cantar?

I: Eu queria no Povo na Tevê.

E: E no Sílvio Santos você iria cantar?

I: É, porque aí eu já era cantora, não é? Não ia ser vaiada.

Neste exemplo, uma leitura temporal do operador aí, evidenciada pela

presença do elemento já na sentença, me parece mais viável que no exemplo

anterior: neste momento eu já seria cantora. Mas eu me pergunto se o elemento

aí, neste caso, não pode ser interpretado também como fazendo alusão espacial

(nesse lugar) ao programa Sílvio Santos, ou como focalizando, não o aspecto

temporal ou espacial da situação mencionada, mas a situação em si: estar no

programa Sílvio Santos.

Ocorre que, em alguns contextos, estas noções de tempo e espaço, por

um lado, acabam se confundindo entre si e, por outro, acabam se confundindo

com outras noções discursivas referentes à organização lógica dos elementos no

112

112

texto. É que estas noções apresentam aspectos semelhantes, que, em

determinados contextos se evidenciam. Este é o princípio do mecanismo de

mudança por pressão de informatividade, que possibilita a gramaticalização

espaço > (tempo) > texto. Quando colocado na sentença, os diversos contextos

podem emprestar ao elemento lingüístico várias significações, o que muitas vezes

torna a sentença ambígua, como ocorre com o exemplo acima.

Passo agora a analisar um tipo especial de aí anafórico, que, por

apresentar comportamentos discursivos diferentes, resolvi analisar

separadamente, chamando-o aí seqüencial.

5.1.2.1.2 – Aí Seqüencial

O operador argumentativo aí, muitas vezes, funciona como

seqüencializador de eventos narrativos ou não-narrativos. Segue a título de

exemplo, o trecho de uma das entrevistas analisadas em que a informante narra a

estória A cigarra e a formiga:

43 – I: Era uma vez uma formiguinha que estava andando. Aí a cigarra

tocava violão. Aí ele falou assim: "vai vim o inverno aí, cigarra, por

que você não procura comidinha para você?". Aí ela: "Ah, não, o

inverno está muito longe. Não vou procurar não, porque eu não

vou ficar perdendo tempo. Eu vou tocar minha viola. Aí o inverno

chegou, estava frio, procurando comida. Aí as formiguinha tudo

cantando na casa dela. Bebendo, comendo. Aí ela bateu na porta.

Aí as formiguinha pegaram ele, botaram o pé dele na água quente.

Aí ele bebeu, dançou, tocou a viola. É só isso.

113

113

Os casos de aí sublinhados neste exemplo têm a função de seqüencializar

eventos narrativos. Considero este uso uma forma de anáfora, que faz alusão a

um momento no tempo (ou a um ponto no discurso). Nestes casos, o operador aí

equivale a nesse momento (tempo), ou a nesse ponto (discurso), já que indica que

o evento seguinte ocorre no momento em que o anterior se conclui. Creio que o

exemplo abaixo, em que o informante fala sobre as ferramentas normalmente

usadas no trabalho da agricultura, demonstra a origem anafórica desse uso

seqüencial do operador aí:

44 – I: ... Agora, depois do canteiro pronto, em geral ele fica um, um

certo... um pe... um período... Eles costumam dizer os... os

lavradores – na sua linguagem rústica – para descansar, deixa a

terra descansar um pouco. agora, na ocasião de semear, aí usa-se

uma... uma pequena colher; pequena colher apropriada para fazer

pequenas cavidades na terra e aí colocar as sementes.

Há dois casos de aí, neste exemplo, que merecem comentários

separados. No primeiro caso, o operador aí pode ser visto como um termo de valor

anafórico, que faz alusão ao dado temporal explicitado na sentença que o

antecede: na ocasião de semear. Mas por outro lado, pode-se inferir daí uma

seqüencialidade: deixa a terra descansar um pouco e depois usa-se uma colher

apropriada para fazer pequenas cavidades na terra. Trata-se, portanto, de um uso

que pode ser visto, por um lado, como anafórico e, por outro, como seqüencial.

Já no segundo caso de aí sublinhado, ocorre outro tipo de ambigüidade. O

elemento aí pode ser entendido como anafórico espacial: fazer pequenas

cavidades na terra para nelas colocar as sementes. Ou pode ser interpretado

114

114

como elemento seqüencial: fazer pequenas cavidades na terra para depois colocar

as sementes.

O valor seqüencial do operador argumentativo aí, portanto, tem sua

origem, seja por via espacial ou temporal, no uso anafórico do termo. O

mecanismo de gramaticalização que gera esta mudança é a pressão de

informatividade, nos moldes do que está desenvolvido em Traugott & König (1991:

194), pois pode ser inferido desses contextos este valor seqüencial do operador,

em que persiste do primeiro a função de aludir a um dado anterior, como foi visto

no exemplo 43: o ponto em que se conclui o evento anterior ao evento marcado

pelo elemento aí.

Por outro lado, este uso do elemento aí adquire, com seu novo status de

seqüencializador de base temporal, um traço semântico-gramatical característico

dos circunstanciadores temporais: o traço [+ perfectivo].

O elemento aí em contexto seqüencial é, portanto, tópico de figura

narrativa e não-narrativa, pois funciona como elemento organizador da

seqüencialidade que caracteriza este plano discursivo.

Demonstrarei também que este uso em contexto seqüencial de base

temporal do operador aí gera alguns outros usos ou camadas deste elemento,

como, por exemplo, o que convencionei chamar de aí introduzindo informações

novas, que passo agora a demonstrar

5.1.2.1.3 – Aí Introduzindo Informações Novas

Em alguns casos, o aí seqüencial não é usado propriamente para

organizar a seqüencialização de eventos perfectivos, mas em uma função

115

115

seqüencial mais ampla: introduzir sentenças que expressam informação nova. O

exemplo abaixo, em que a informante conta o que ela não gosta de ver na

televisão, ilustra isso:

45 – E: E diz uma coisa... assim que você não gosta quando está

passando na televisão e você sai: "Ih, isso eu não quero ver".

I: É quando dá reporter. Ih, eu não gosto de ver.

E: Você não gosta não? Vai fazer o que? Vai brincar?

I: É. Aí, quando começa a novela, eu venho... e vejo um pouquinho,

depois vou brincar.

Neste caso, parece-me claro que não é o elemento aí que indica o

momento em que ocorre o evento, mas a oração temporal que o sucede. Em

outras palavras, o operador argumentativo aí não funciona, neste exemplo, como

marcador temporal, mas como uma espécie de continuador do discurso, que abre

espaço para que novas informações sejam acrescentadas, independentemente da

sua relação semântica com a sentença anterior. O mesmo acontece nos exemplos

abaixo: o exemplo 46, em que a informante fala de quando foi ver a chegada de

Papai Noel no Maracanãzinho, e o exemplo 47, em que a informante conta a

estória do filme A Professia:

46 – I: É assim: eu fiquei lá, aí estava cantando os artistas. Foi a Emília

do Sítio do Pica-pau, foi a Narizinho, de verdade. Aí, quando Papai

Noel estava vindo eu ia embora. Aí, quando o meu pai viu ele

estava querendo voltar...

116

116

47 – I: ... então ela... ela ficou feliz que teve nenen. Então, o menino era...

era muito ruim. Aí, que ela... que ela fazia coisa ruim, coisa boa

pra ele, comprava, aí ele fazia coisa ruim para ela. Aí era o padre

que ficava falando para o moço que ele era filho do diabo. Aí ele

não acreditava e ficava rindo...

Estes casos de aí, que estão sublinhados nos dois exemplos, também não

expressam propriamente a marca temporal típica de eventos perfectivos (o evento

seguinte se inicia quando o anterior se conclui), mas constituem uma espécie de

elemento possibilitador de se introduzirem informações novas.

Neste caso de aí introduzindo informações novas o elemento funciona

como seqüencializador não-perfectivo (e, à vezes, não temporal), ou seja, um

seqüencializador universal, que, pela pressão do uso, passa a introduzir

indiferentemente qualquer tipo de informação nova.

Perdendo em carga semântica e ganhando em função discursiva, o aí

introduzindo informações novas perde o valor temporal de cunho perfectivo, mas

as características originais de seqüencializador e de introdutor de informações

novas persistem.

Passo agora a analisar outro uso de aí, originário do seu uso seqüencial,

que convencionei chamar aí conclusivo.

5.1.2.1.4 – Aí Conclusivo

117

117

O operador argumentativo aí também pode iniciar sentenças que

expressam conseqüência em relação ao que foi dito anteriormente. Neste

contexto, tem-se o aí conclusivo, exemplificado no trecho abaixo, em que a

informante explica porque, entre os personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo,

prefere a Emília:

48 – E: Qual o personagem que você mais gosta no Sítio?

I: Eu gosto da Emília, mais.

E: Da Emilía, por quê?

I: Porque ela é mais engraçada, porque ela fala as coisa muito

bonitinha, aí eu gosto mais dela.

A sentença iniciada por aí, neste exemplo, dá uma idéia de conseqüência

e o elemento aí poderia ser trocado por qualquer conjunção conclusiva: ela fala

das coisa muito bonitinha por isso eu gosto mais dela.

Este uso do operador aí é um exemplo de metáfora espaço > (tempo) >

texto, de acordo com Heine et alii (1991: 182), através do qual noções espaciais/

temporais são utilizadas para promover a organização interna das idéias no texto.

A origem sobre a qual opera este processo metafórico é o uso seqüencial do

elemento aí, que gera, portanto, o uso conclusivo.

Mas como metáfora espaço > (tempo) > texto e pressão de informatividade

não são processos complementares, pode-se ver aí a atuação da pressão de

informatividade, segundo Traugott & König (1991: 194), uma vez que esta

metáfora se realiza basicamente em contexto de seqüencialidade em que, muitas

vezes, se confundem usos entre os quais há uma fronteira muito tênue:

118

118

seqüencial, introduzindo informações novas e conclusivo. Cada um deles

predominando de acordo com o sentido que o contexto oferece, mas em cada um

deles persistindo as marcas de seqüencialidade e de informação nova.

Para finalizar, apresento o quadro abaixo, que apresenta a trajetória para

elemento seqüencilizador que caracteriza o operador argumentativo aí, a partir do

seu uso como dêitico espacial:

QUADRO C

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO

DO OPERADOR ARGUMENTATIVO AÍ.

Aí Dêitico Espacial

Aí Anafórico

Aí Seqüencial

� �

Aí Introdutor de Aí

Informações Novas Conclusivo

119

119

Este quadro demonstra que o operador aí cumpre todo o processo de

gramaticalização espaço > (tempo) > texto em língua portuguesa atual. Esta

trajetória da gramaticalização tem seu ponto de partida no uso dêitico espacial,

que, por metáfora espaço> (tempo) > texto, de acordo com Heine et alii (1991:

182), gera o uso anafórico, que, por pressão de informatividade no sentido de

Traugott & König (1991: 194), gera o uso seqüencial. Este uso em contexto

seqüencial origina duas camadas distintas: aí introduzindo informações novas, por

pressão de informatividade e aí conclusivo pela coocorência dos mecanismos de

metáfora espaço > (tempo) > texto e de pressão de informatividade.

Passo agora a demonstrar a trajetória de gramaticalização que leva o

elemento aí a assumir função de modificador.

5.1.2.2 – A Trajetória Para Elemento Modificador de Substantivos

Paralelamente à trajetória descrita até aqui, ocorre outra trajetória, que

leva o elemento aí a assumir função de modificador, passando a fazer parte de

sintagmas nominais. O ponto de partida desta trajetória é também o uso dêitico

espacial, que, com este processo de gramaticalização, vai perdendo especificação

semântica e vai assumindo uma posição mais fixa na sentença.

Para demonstrar esta trajetória repito aqui, como exemplo 49, o trecho já

citado como exemplo 39, em que a informante ensina como se faz pudim de leite:

49 – E: Eu nunca fiz pudim de leite. e como se faz? Nunca fiz. Estou

falando sério, Glorinha.

120

120

I: Bom, então eu vou dar, heim! Vê lá heim! Uma lata de leite

condensado... mas não vai escrever pelo menos, ora? Lógico,

pega aí o lápis, Tereza.

E: Manda fundo, vai fundo, vai lá.

I: Uma lata de leite condensado, cinco ovos...

Como já foi mencionado anteriormente, o elemento aí, neste caso, indica o

posicionamento do lápis, como estando próximo ao ouvinte. Este é o uso

tipicamente dêitico espacial deste elemento, que, juntamente com outros dêiticos

espaciais, forma o grupo abaixo:

AQUI – Próximo ao falante

AÍ – Próximo ao ouvinte

ALI – Distante do falante e do ouvinte

LÁ – Mais distante do falante e do ouvinte

O primeiro fenômeno que ocorre no processo de abstratização da noção

de espaço que caracteriza a trajetória para elemento modificador é a perda da

indicação de proximidade em relação ao ouvinte, que opõe o elemento aí aos

demais dêiticos espaciais. Isto pode ser observado no exemplo abaixo, em que o

informante diz que não consegue se adaptar a outro lugar que não seja o seu

bairro:

50 – I: Às vezes eu saio para Copacabana, Ipanema, esses lugares

assim, então, chego lá: confeitaria e padarias e não sei o quê.

Tudo, doce, salgadinhos e tal. Eu sento numa mesa, tomo um

chope, como um negócio daquele e tal. Aí venho correndo por

121

121

aqui. Parece que eu tenho de encontrar com alguém, não é? E

chego aqui, paro numa praça onde não tem nada, não tem

padaria, não tem confeitaria, não tem às vezes, nem os amigos

estão aí, entendeu? Mas é aquele... aquela angústia de estar no

lugar onde eu... onde eu moro, entendeu? Então, não me adapto

em qualquer... em lugar nenhum.

Pode-se notar que, primeiramente, o informante se refere duas vezes ao

seu bairro (lugar onde se encontra momento de fala), utilizando o advérbio aqui,

em oposição a lá (Copacabana, Ipanema, esses lugares assim). Em seguida diz

nem os amigos estão aí, utilizando o elemento aí para fazer referência ao mesmo

dado espacial designado anteriormente por aqui. Ou seja, neste exemplo, o

elemento aí mantém sua função de dêitico/anafórico, mas perde a marca

semântica de proximidade em relação ao ouvinte e passa a fazer referência

espacial de um modo mais genérico.

Algo semelhante ocorre no exemplo abaixo, em que o mesmo informante

continua falando de seu bairro:

51 – I: ... então, sei lá, estou acostumado, sabe? Como o ambiente,

conhecimento, tudo aqui.

E: O senhor conhece todo mundo aí?

I: Eu nasci aqui, não é? Vi essas casas todas nascerem, essas

ruas nascerem, pracinha, igreja. E a maioria que tem aí eu

conheço tudo mocinha, está casado. Então, elas passam aí na

praça: sabe quem é essa? É filha de fulano, é neta do beltrano, e

tal. Porque o Grajaú é um bairro que o pessoal nem liga muito,

122

122

sabe? O pessoal vem pra cá... agora, tem muita gente nova,

muito edifício de apartamento, e tal...

O operador aí, tanto na pergunta do entrevistador quanto na resposta do

informante, não designa um local próximo ao ouvinte (ou onde o ouvinte está), em

oposição à localização do falante, marcada pelos elementos aqui e cá nas

sentenças eu nasci aqui e o pessoal vem pra cá. O operador aí, nestes casos, soa

como um por aí, ou pelas redondezas, assumindo um sentido espacial mais

amplo, ou menos particularizado, que se encontra no meio de um processo de

gramaticalização em que, como será demonstrado, o elemento perde seu valor de

proximidade ao ouvinte, perde seu valor dêitico/anafórico, passando a fazer

designação espacial de modo mais abstrato.

Outro exemplo, em que o elemento aí faz alusão a um dado espacial mais

abstrato, está no trecho abaixo, em que o informante fala de uma matéria de

jornal, que foi feita a respeito do seu bairro e para a qual foi entrevistado:

52 – I: ... e aquilo é conversa, não é? Porque a maioria sabe como é jornal,

a gente fala de uma coisa assim e eles aumentam, não é?

Contaram a estória de um papagaio aí, que eu nunca soube de

papagaio, não existiu aquilo. Não teve nada. Aí, por aí foi.

O elemento aí sublinhado demonstra a existência de uma indicação

espacial mais abstrata. Embora mantenha seu valor original dêitico/anafórico, o

elemento aí não indica, neste caso, um ponto no espaço, mas o caminho ou o

rumo que as coisas tomaram.

Mas quando o operador aí perde seu valor dêitico/anafórico, ele atinge um

ponto mais alta de abstração no que diz respeito à noção de espaço a que ele se

refere. Neste caso, a medida espacial que o elemento aí expressa é a própria

123

123

realidade dos fatos que estão diante dos interlocutores. O exemplo abaixo, em que

o informante fala de uma piada americana ilustra este caso:

53 – I: ... tem até uma piada americana aí, que diz que o garoto falou:

"Poxa o meu pai é bacana, não sei o que, papai me deu uma

bicicleta". "Quem é teu pai?". "O fulano de tal". "Ah, foi meu pai no

ano passado e tal".

O elemento aí, neste caso, perde suas características básicas: não

funciona como elemento dêitico/anafórico e não expressa uma noção espacial

concretamente limitada. A expressão uma piada americana aí quer significar uma

piada americana que existe, que é contada por aí.

Esta perda da noção de espaço fica clara no exemplo abaixo, em que a

informante diz que houve uma época em que se espantava ao ver homens em

manga de camisa em determinados ambientes mais formais:

54 – E: Mas o que seria este formalmente?

I: Paletó! paletó e gravata. Já... achava bonita, até aquela

combinação de gravata com a ca... com a camisa, achava bonito.

De modo que houve uma, uma fase que eu estranhei essa coisa

de, de eles não usarem mais paletó. Nem que seja um blaser, uma

coisa... Nem isso, porque houve uma, uma época aí que eu me

espantava, porque eles iam mesmo em manga de camisa! Mas

isso já passou: hoje em dia acho que é válido.

A expressão houve uma época aí demonstra que o espaço físico nada tem

a ver com este uso do elemento aí. Trata-se de uma época definida, que existiu.

124

124

Este é o caminho da gramaticalização. Por um lado, o elemento aí perde a

marca semântica de proximidade me relação ao ouvinte e a função

dêitica/anafórica e passa a se referir não apenas a dados espaciais. Por outro

lado, o elemento perde a mobilidade dos advérbios espaciais, penetra no sintagma

nominal e assume uma espécie de função modificadora.

Apresento abaixo mais um exemplo, em que o filho pergunta para o pai

aonde ele vai:

55 – I: ... vai na casa de um filho: "não, papai, eu vou sair, vou para... para

casa do meu sogro, vou para a casa do não sei quê, e tal. O senhor

vai onde?" Eu digo: "eu vou para uma festa aí. Está tudo legal, eu

vou". Mas eu não vou a festa nenhuma...

Neste exemplo, fica claro que o elemento aí não funciona como advérbio

indicador de proximidade ao ouvinte, que expressa onde é a festa, mas se refere

ao substantivo festa: vou a uma determinada festa. Nestes casos, o falante usa o

elemento aí para caracterizar o substantivo, como algo que existe, mas a respeito

do qual não quer ou não pode entrar em detalhes.

O trecho abaixo, que trata do gosto do informante pela música, apresenta

um dos vários casos deste tipo de uso do elemento aí que ocorreram nas

entrevistas:

56 – E: E arte de um modo geral, música?

I: Eu gosto de música, como é que eu não gosto de música? Canto

uma porção delas aí: samba, uma porção de troço aí eu canto.

Nestes casos, os elementos aí, que estão sublinhados se referem aos

substantivos que os antecedem, não funcionando, portanto, como advérbios

125

125

indicadores do local onde o informante canta. O fato de que, na segunda

ocorrência, o elemento aí acompanha a inversão do objeto direto demonstra que o

elemento pertence ao sintagma nominal, funcionando como elemento modificador.

O aparecimento deste uso do elemento aí é provavelmente estimulado

pelo fato de que os dêiticos espaciais, em geral, também podem ser empregados

fazendo referência a substantivos, em expressões como esse lápis aí, ou aquela

menina lá, por exemplo. O trecho abaixo, em que o informante diz que os policiais,

com seus carrinhos, não conseguem pegar os garotos que apostam corrida de

carro nas ruas de seu bairro, apresenta um caso semelhante:

57 – I: ... porque o sujeito vê de longe o cara fardado, o guarda, ele sai

correndo. Cavalaria, aquele barulho que a... a três quilômetros eles

estão sentido que é cavalaria, não é? Rádio Patrulha, com esses

carrinhos aí não dá pra pegar essa garotada, não...

Este uso de aí exemplifica o que estou aqui chamando aí como elemento

modificador, onde o termo modificador é empregado num sentido amplo: elemento

que se refere a um substantivo.

Este uso resulta de um processo de gramaticalização espaço > (tempo) >

texto, pois o elemento perde as especificações semânticas típicas dos dêiticos

espaciais para se especializar como modificador de substantivos e funcionar como

uma espécie de pronome adjetivo. Com este processo ocorre também uma

diminuição das possibilidades de colocação do elemento na sentença, como será

demonstrado no capítulo refrente à colocação dos operadores argumentativos.

5.1.3 – Aí em Degramaticalização

126

126

O processo de degramaticalização, como já foi dito anteriormente, consiste

na perda de restrições gramaticais de um determinado elemento lingüístico. Estas

restrições gramaticais se manifestam basicamente por regularidades que ocorrem

nas relações de ordenação vocabular e de regência, nas relações de concordância

de gênero e número para os pronomes, substantivos e adjetivos e nas relações de

número e pessoa e atribuição de modo, tempo, aspecto e voz para os verbos.

Com a perda destas regularidades, o elemento passa a ser usado de

modo imprevisto pelo falante, retornando assim à criatividade eventual do

discurso. Além disto, é comum ocorrer, neste processo, a perda de parte da

estrutura fonética do elemento, que se torna uma pequena partícula.

Votre (1992) demonstra como este processo de gramaticalização ocorre

com o elemento né?, que, sendo proveniente da expressão não é verdade?,

perde, em termos semânticos, sua função de pedir a concordância do ouvinte,

passando a ser usado livremente pelo falante. Em termos fonéticos, há uma perda

de parte da estrutura do elemento: não é verdade? > não é? > né?.

Minha hipótese é que o mesmo fenômeno ocorre com o elemento aí num

processo de transformação diferente daqueles que foram descritos até aqui. A

degramaticalização que gera o uso que estou aqui chamando aí em

degramaticalização se origina da expressão olha aí, que, seguindo um processo

de transformação determinado, assume primeiramente um valor fático, sendo

usada como um aviso, ou melhor, uma expressão que prenuncia um aviso, um

conselho ou uma ordem. Em seguida, perde este valor semântico (e as restrições

gramaticais dele características), passando a ser usado de modo mais livre e

espontâneo. Esta transformação semântica é acompanhada de uma perda de

estrutura fonética: olha aí > aí.

127

127

A frase abaixo (exemplo meu) ilustra este tipo de uso do elemento aí:

58 – Aí, não fala alto comigo não, heim!

Acredito que seja esta a origem do aí em degramaticalização, uso que não

ocorreu nas entrevistas analisadas, mas que é comum, por exemplo, na linguagem

dos surfistas, que, aliás, têm sido fonte de caricaturas em programas humorísticos

da televisão, onde aparecem, não só com os tradicionais cabelo louro e roupa

colorida, mas respondendo a todas as perguntas com a frase:

59 – Ih, aí, nada a ver, aí.

Não me proponho aqui a um maior aprofundamento na análise do

processo de degraticalização que envolve o elemento aí, por basicamente dois

motivos. Em primeiro lugar, não encontrei este uso nas entrevistas analisadas. Em

segundo lugar, a degramaticalização não é o foco principal deste trabalho, e sim,

não só no que diz respeito ao operador aí, mas a todos os demais aqui estudados,

o processo de gramaticalização através do qual estes operadores podem

apresentar, entre outros, um valor temporal.

Para resumir tudo o que foi dito até aqui sobre o operador argumentativo

aí, pode-se dizer que seus usos obedecem a duas trajetórias de gramaticalização

diferentes, que partem do mesmo ponto inicial (seu uso dêitico espacial) e chegam

a resultados diferentes: uma trajetória leva o elemento a assumir, em

determinados contextos, uma função seqüencializadora de base temporal, que

gera os usos aí introduzindo informação nova e aí em contexto conclusivo. Outra

trajetória leva o elemento aí a entrar na estrutura do sintagma nominal e funcionar

como elemento modificador de substantivos.

128

128

Estas trajetórias de gramaticalização se caracterizam pelos mecanismos

de mudança pressão de informatividade, de acordo com Traugott & König (1991:

194) e metáfora espaço > (tempo) > texto, segundo Heine et alli (1991: 182) e

implicam basicamente a trajetória função ideacional > função interpessoal >

função textual, de acordo com que está exposto em Heine et alli (1991: 191).

Por outro lado, o elemento aí pode sofrer um processo de

gramaticalização, que se inicia na expressão olha aí, que, perdendo parte de sua

estrutura fonética, torna-se aí (olha aí > aí) e passa a ser usada sem restrições

gramaticais, retornando à criatividade do discurso.

5.2 – O Operador Argumentativo Depois

A origem do operador argumentativo depois está na partícula latina post

(atrás de, por trás de). Esta partícula possuía um valor básico de indicador

espacial, que fica evidente em palavras como postica, –ae (porta traseira) ou

posticulum, –i (pequeno quarto que fica nos fundos da casa). Mas em latim podia

expressar também uma localização no tempo, o que evidencia o processo de

gramaticalização, de acordo com o qual as noções de tempo e espaço tendem a

se confundir.

Said Ali (1971) afirma que a partícula post gerou as formas pós e pois,

caracterizando-se cada uma por comportamentos gramaticais diferentes.

A forma pós assumiu papel de preposição, mantendo o valor semântico

original. O exemplo, retirado de A Demanda do Santo Graal, é apresentado pelo

próprio Said Ali (1971):

60 – Cavalgou em seu cavallo e foy-se pos ele.

129

129

Com o tempo surgiu a tendência de se usar esta preposição antecedida de

a, de, em, surgindo, então, após e as formas em desuso depós e empós, sendo a

forma depós mais usada para expressar sucessão no tempo. Os exemplos abaixo,

retirados respectivamente de Magne (1944: III, 74), Magne (1944: II, 124) e Vigeu

da Consolação (1959: II, 645) ilustram estes fatos:

61 – O escudeiro ia apos ele a pee.

62 – E depois el vinha uu cavaleiro com escudo negro em uua maão.

63 – Bem aventuyrado he aquel que não vai em pos aquelas cousas que

confunden.

Já a forma pois, que também manteve o valor semântico original,

funcionou inicialmente como advérbio e depois como conjunção. Como advérbio, o

elemento pois tinha valor de mais tarde, em seguida, como se pode notar no

exemplo abaixo, apresentado por Said Ali (1971), também retirado de A Demanda

do Santo Graal:

64 – Quando el esto ouvju, syo e foy-sse ao paaço. E pois achou seu

filho com gram companha de cavaleiros que vjnham com elle do

torneo.

Seguindo a tendência da gramaticalização, o elemento pois, de advérbio

seqüencializador, torna-se conjunção, assumindo função argumentativa. Com isto,

assim como ocorre com o elemento aí, o pois passa a funcionar como um

seqüencializador de argumentos, tornando-se um introdutor de informações novas,

como se pode notar na última frase abaixo, retirado de Lisboa (1965: 92):

65 – João:

Vós, senhora,

130

130

como quer que esteja de fora

julgais isso muito mal.

Se vós sentísseis agora

A grã pena que me mim mora

não direis isso tal.

Moça:

Que sentis

é corrença ou prioris?

João:

Mal que em vida me mata.

Moça:

Pois, e isso eu vô-lo fiz?

Pode-se notar que o elemento pois não estabelece relação semântica

específica em relação ao que é dito antes. É antes um seqüencializador de

argumentos que introduz informação nova.

Estabeleço aqui uma comparação entre a trajetória que leva o elemento aí

de valor seqüencial a gerar o aí introduzindo informações novas e o aí conclusivo e

a trajetória em que o pois, de advérbio de valor seqüencial, que ordena eventos

perfectivos, torna-se um seqüencializador de argumentos que trazem informação

nova por um mecanismo de pressão de informatividade, de acordo com Traugott &

König (1991: 194). E, por este mesmo mecanismo de mudança, o elemento pois

pode seqüencializar argumentos que, dependendo do contexto, acabam soando

como causais, conclusivos, ou, até mesmo como contrastivos, como se pode

notar, respectivamente, nos exemplos 61, 62 e 63, retirados respectivamente de

Lisboa (1965: 58), Lisboa (1965: 69) e Lisboa (1965: 79):

131

131

66 – Antônio:

Quanto há que vos casastes?

Vilão:

Di-lo-ei, pois perguntais:

Um ano faz acabado.

67 – Quero ver

se vos tivésseis molher,

digo, a qual criatura

fôsse de sua natura

Trabalhar e correger

que remédio podeis ter:

matá-la não é direito

poi, dar-lhe não é bem feito

Pois quê? deixá-la fazer.

68 – Oliveira:

Que vinda foi esta cá?

a folgar?

Antônio:

Senhor, vinha a passear.

Oliveira:

Pois tão longe da cidade?

Antônio:

Venho cá ver ua herdade

que quero agora comprar.

132

132

Destes apenas se convencionalizaram, ainda existindo no português atual

e o uso conclusivo, que, no português atual o uso casual e o uso conclusivo, que,

no português atual, caracteriza-se pela posposição da conjunção em relação ao

verbo.

O elemento depois, segundo Said Ali (1971), originou-se de pois com valor

de advérbio (= mais tarde, em seguida), que foi reforçado pela partícula de,

mantendo-se, na língua, apenas o pois com valor de operador argumentativo.

O elemento depois, durante algum tempo (português arcaico), conviveu

com a forma depos (de+ pós) de valor semelhante, mas esta, mas tarde,

desapareceu.

Magne (1944) registra que o elemento depois, em português arcaico,

possui ora um sentido local, ora um sentido temporal. Reproduzo abaixo exemplos

de depois com sentido local, retirados de Magne (1944: III, 162) e Magne (1944: I,

104):

69 – Eu vou depois uu cavaleiro.

70 – Depois mim nom veerrá nehuu Artur.

O elemento depois, nestes exemplos, possui um valor local de atrás de.

Com valor temporal, o elemento depois está exemplificado abaixo no trecho

retirado de Nunes (1959: 19).

71 – ... e depois, a cabo de tempo, morreo Dom Diego Lopes e ficou a

terra a seu filho, Dõ Enheguez Guerra.

Neste caso, o elemento depois possui valor temporal e a expressão a cabo

de tempo evidencia isto.

133

133

No português atual, o elemento depois pode apresentar estes valores,

além de outros de valor mais pragmático-discursivo. As entrevistas apresentaram

os seguintes usos do operador argumentativo depois:

a) Depois espacial

b) Depois temporal

c) Depois seqüencial

d) Depois aditivo

A partir de agora, passo a analisar cada um destes usos do elemento

depois.

5.2.1 – Depois Espacial

O elemento depois pode apresentar valor espacial, principalmente em

localizações do tipo a loja fica depois da esquina, que não foram encontradas nas

entrevistas. O que encontrei foi uma manifestação mais abstrata de localização

espacial: a ordenação. O trecho abaixo, em que a informante fala de suas

professoras preferidas exemplifica este caso:

72 – I: Ah, uma professora que eu gosto... a professora que eu gosto é a...

que eu gosto mesmo é a dona Regina. Depois a dona Inês.

Trata-se de uma ordenação das professoras baseada no que a informante

sente por cada uma delas. Considero este tipo de ordenação uma abstração

decorrente, por processo metafórico, da localização espacial: uma coisa está na

frente da outra, ou seja, é melhor que a outra.

134

134

5.2.2 – Depois Temporal

O elemento depois também pode apresentar em determinados contextos

valor temporal, ou seja, expressar uma sucessão no tempo e não no espaço, como

se pode observar no exemplo abaixo, em que o informante conta que já ganhou

calote de cliente:

73 – E: Já houve alguma vez assim que algum cliente não tenha pagado?

I: Já, muitas vezes. Calote, meu irmão, é toda hora.

E: Mas como acontece? A pessoa diz que não tem dinheiro ou...

I: É, não tem dinheiro. "Está ruim, depois eu pago".

Nestes casos, o elemento depois pode vir acompanhado de uma outra

indicação temporal que especifica seu sentido de elemento indicador de tempo,

como se pode notar no exemplo abaixo, que trata da saúde do irmão da

informante:

74 – I: ... esse morreu lá em Campos do Jordão, que esse morava lá. Ele

tinha problema... diabético e com... deu complicação de rins, mas

com isso ele viveu muito diabético, esse negócio, mas depois,

muitos anos depois é que veio atacar os rins, foi que ele teve

problema.

Como se pode observar, a sucessão expressa pelo elemento depois é

nitidamente temporal nos dois exemplos acima. Estes casos são mais comuns,

nas entrevistas, do que os de indicação espacial. Aliás, as gramáticas tradicionais

colocam o elemento depois entre os advérbios de tempo, embora isto nem sempre

seja verdadeiro, como já vimos.

135

135

Partindo da proposta de Heine et alii (1991: 182) de que existe o fenômeno

da gramaticalização espaço > (tempo) > texto, via função ideacional > função

interpessoal > função textual, pode-se entender o depois como um elemento

espacial, que adquire a capacidade de expressar noções temporais em

determinados contextos e, em seguida, como veremos adiante, passa a assumir

funções textuais referentes à organização das informações. O que ocorre é que

estas noções de espaço e tempo, em alguns contextos, se tornam muito próximas

e acabam se confundindo entre si e com outras noções argumentativas também

muito próximas do ponto de vista semântico. Isto é o que impulsiona o processo da

gramaticalização.

5.2.3 – Depois Seqüencial

O que estou aqui chamando de depois seqüencial é um tipo de depois

temporal, que, em função do contexto em que ocorre, assume um comportamento

de elemento gramatical, uma vez que serve para organizar as informações do

texto. Em termos mais específicos, o depois seqüencial organiza a

seqüencialidade dos eventos de figura narrativa e não-narrativa: o evento seguinte

ocorre depois que o anterior se conclui. O trecho abaixo, em que o informante

narra um acidente em que quase se machucou, exemplifica o caso:

75 – I: ... quando eu senti que a Dodge andou, eu virei para o lado assim

e a Dodge passou e foi se acabar no barranco, que tinha lá em

baixo e eu deitado no chão. Eu sei que foi um susto... Não houve

nada, que era um barranco muito próximo, então só deu aquele

impacto e tudo bem. Depois saímos dali, chegamos no quartel

todo mundo frio. O sargento passou um pouquinho mal, mas

depois ficou bom.

136

136

Trata-se de uma narrativa de eventos específicos e perfectivos, ou seja,

fatos seqüenciais que ocorreram uma só vez em um momento definido. Esta

seqüencialidade é organizada pelo elemento depois.

Este uso seqüencial de depois é o resultado da trajetória circunstanciador

> operador argumentativo, pois, ao contrário do seu uso espacial/temporal, o

depois seqüencial assume uma posição mais fixa e uma função típica de

conectivo: inicia orações seqüencializando-as no texto, sendo, portanto, típico do

discurso de figura. Persiste, neste novo uso, o valor seqüencial original que dá ao

elemento o traço [+perfectivo].

O mesmo pode ocorrer em discursos não-narrativos, como se pode notar

no exemplo abaixo, que trata das ferramentas usadas no trabalho do campo:

76 – I: ... o enxadão é uma, é uma enxada estreita que... alta. Ela é usada

para penetrar fundo na terra, pra ir buscar a raiz do tiririca ou de

outras plantas prejudiciais, né? agora, depois da terra revolvida,

passa-se o ancinho, para tirar tudo aquilo que não sirva – resíduos.

Depois a enxada, a enxada é que vai modelando o canteiro, não

é? Agora, depois, em geral, fica um certo... período para

descansar, deixa a terra descansar um pouco.

Neste caso, o que se vê é uma seqüência de eventos não-específicos, ou

seja, fatos que não ocorreram uma única vez, em um único momento, mas fatos

que demonstram o que se costuma fazer, ou o que deve ser feito: primeiro usa-se

o enxadão, depois o ancinho e assim por diante.

Vê-se aí o mesmo que ocorre no exemplo anterior. O elemento depois,

embora mantendo sua base lexical temporal, que persiste nestes casos, funciona

gramaticalmente como um organizador das orações no texto.

137

137

Considero este uso seqüencial de depois decorrente do seu uso temporal

através de um processo de gramaticalização por mecanismo de pressão de

informatividade, em termos do que está desenvolvido em Traugott & König (1991:

914), em que, pela força do uso, em determinados contextos, sobressai este valor

seqüencial. E, daí, pelo mesmo processo, derivam a locução conjuntiva depois que

e a locução prepositiva depois de, usos em que o elemento depois assume

definitivamente um valor relacional.

Vejamos um exemplo de depois que no trecho abaixo, em que o

informante fala de uma notícia que saiu no jornal a seu respeito:

77 – I: ...porque depois que saiu aquilo, no dia seguinte apareceu um

senhor lá e ficou me olhando e disse assim: "O senhor é o prefeito

daí, não é?"

O termo depois que é, segundo a tradição gramatical, uma locução

conjuntiva e sua função é unir orações. Ele ocorre no início de orações que dão

informações referentes ao momento em que ocorrem os eventos expressos por

outras orações a elas ligadas.

O mesmo acontece com a locução prepositiva depois de, como se pode

ver no exemplo abaixo, em que o informante diz que o que normalmente se faz

para plantar alguma coisa:

78 – I: Agora, depois de ter a semente, temos que ter o adubo, em

seguida, preparar o canteiro – ou os canteiros e, preparando os

canteiros, escolhe-se um lugar exposto ao sol – porque nenhuma

planta poderá sobreviver sem sol, não é? E depois limpa-se o

terreno... Então, depois do terreno bem limpo, revira-se bem a

terra...

138

138

Este exemplo demonstra que a locução conjuntiva depois de, ao contrário

da locução depois que, pode iniciar sintagmas oracionais ou não-oracionais, mas,

de resto, as duas apresentam características sintáticas semelhantes. Ambas

derivam, por pressão de informatividade, do uso de depois com valor temporal.

5.2.4 – Depois Aditivo

Outro uso de depois encontrado nas entrevistas é o uso com acepção

próxima a além do mais, que pode ser visto no exemplo abaixo, em que a

informante dá sua opinião sobre mulheres trabalharem fora:

79 – E: Então você acha bom a mulher trabalhar fora?

I: Acho. Atualmente acho, não pra mim que já estou com uma vida

formada, casada há vinte e sete anos já, não, não, não. E depois

não preciso, graças a Deus...

Neste exemplo, o elemento depois assume definitivamente valor

argumentativo, perdendo aquele sentido espacial/temporal original. Sua função,

neste caso, é acrescentar informações em favor do que está sendo dito. Minha

hipótese é que este uso é derivado do depois seqüencial por uma trajetória de

gramaticalização em que coatuam os mecanismos de pressão de informatividade,

no sentido de Traugott & König (1991: 194) e metáfora espaço > (tempo) > texto,

segundo Heine et alii (1991: 182). Com esta trajetória, o elemento, que

originalmente acrescenta eventos novos, seqüencializando-os em figura narrativa

e não-narrativa, por processo analógico, passa a acrescentar argumentos novos

em fundo narrativo e não-narrativo em função de determinados contextos em que

este valor é pressionado a aparecer.

139

139

Para resumir o que foi dito até aqui sobre o operador argumentativo

depois, apresento o quadro abaixo:

QUADRO D

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO

DO OPERADOR ARGUMENTATIVO DEPOIS.

Post

Espacial/Temporal

� �

Pós

Preposição

Espacial/Temporal

Pois

Advébio

Espacial/Temporal

� �

Após

Preprosição

Espacial/Temporal

Pois

Seqüencial

Depois

Espacial/Temporal

� � �

Pois

Causal

Pois

Conclusivo

Depois

Seqüencial

� � �

Depois

que

Depois

de

Depois

aditivo

Este quadro mostra que a origem do operador depois está na forma latina

post que possui basicamente valor espacial, mas que, por gramaticalização

espaço > tempo, pode também apresentar valor temporal. Esta forma post gera,

por um lado, as preposições pós, após e as extintas após em pós e de pós; e, por

outro, o circunstanciador de valor espacial e temporal pois, que, por sua vez, gera

140

140

os conectivos argumentativos pois seqüencial, pois causal e pois conclusivo e o

circunstanciador espacial/temporal depois que, depois de e depois aditivo.

Assim como aconteceu com o pois circunstanciador, o elemento depois de

circunstanciador passa a operador argumentativo, assumindo, inicialmente, função

seqüencializadora e, em seguida, assumindo definitivamente função argumentativa

através das formas depois que, depois de e depois aditivo.

Estas transformações, que são basicamente regulares, já foram

demonstradas na análise do operador aí e também explicam, como será visto

adiante, o uso de outros operadores argumentativos. Trata-se do fenômeno da

gramaticalização, que opera, nos elementos lingüísticos, transformações

unidirecionais como circunstanciador > operador argumentativo e espaço >

(tempo) > texto, através dos mecanismos de mudança pressão de informatividade

e metáfora espaço > (tempo) > texto.

5.3 – O Operador Argumentativo Logo

Logo é outro elemento que demonstra bem a gramaticalização

circunstanciador > operador argumentativo, que caracteriza a trasformação espaço

> (tempo) > texto. Machado (1977), em seu dicionário etimológico, apresenta dois

verbetes referentes ao vocábulo logo. Segundo o primeiro verbete, logo, como

substantivo, provém "do lat. locu–" e pode significar "lugar, local, sítio; lugar de

habitação, alojamento assinalado aos embaixadores em Roma; fig., lugar, ocasião,

pretexto, posição, posto, cargo; situação, estado; ponto, questão, matéria, assunto;

parte de um assunto, capítulo, artigo, ponto; tema a desenvolver; passo dum

escrito, dum discurso. De acordo com o segundo verbete, logo, como advérbio,

141

141

provém "do latim loco, ablativo locu–", que pode significar "no lugar, no sítio, no

momento, logo".

Isto demonstra que, no latim, já havia ocorrido o processo de

gramaticalização espaço > (tempo) > texto com o elemento logo, que apresentava

valores espaciais, temporais e discursivos.

Macchi (1951) é mais específico no que diz respeito à origem da

transformação espaço > tempo, apresentando contextos que pressionam uma

leitura temporal para o elemento logo nos exemplos latinos: eo loci res erat ut (= o

negócio estava em tais términos que...) e loco dicere (= falar a tempo).

Estes exemplos evidenciam a hipótese de que a passagem logo espacial >

logo temporal se deu pela aplicação do mecanismo de mudança que Traugott &

König (1991: 194) chamam pressão de informatividade em função de contextos

determinados que estimulam a metáfora espaço > tempo.

No português arcaico (do séc. XII até meados do séc. XVI), o uso temporal

de logo já está convencionalizado, como se pode notar no exemplo abaixo,

retirado de um texto do século XIII ou XVI, que se encontra em Nunes (1959: 18):

80 – Dom Diego Lopes era muy boo monteyro e, estado huu dia en sa

armada e atemdemdo quando verria o porco, ouuyo cantar muyta

alta huua molher em çima de huua pena e el foy pera lá e vio-a seer

muy fermosa e muy bem vistida e namorou-sse logo dela muy

fortemente...

Mas também se pode encontrar logo com valor espacial, que o trecho

abaixo, retirado de Magne (1950: I, 55):

142

142

81 – ... e polo arroio que há o ocupado e negociador, que mora entre as

gentes, há o solitário, aa hora do seu comer, folgança e assossego

e silêncio; e pola multidoem das gentes, que o negociador tem

consigo, tem o solitário si meesmo e consigo meesmo fala, e ele é

convidado de si meesmo e nom há temor de estar soo, pois que

está consigo. E em logo de paaços, tem as paredes da casa, mais

feita de barro e de pedra e cuberta com madeiros monteses...

No português moderno (de meados do séc. XVI até os dias de hoje) a

tendência foi predominar o uso temporal do elemento, tendo o seu uso espacial

desaparecido no português atual, em que ocorrem os seguintes usos de logo:

a) Logo temporal

b) Logo conclusivo

Passo agora a demonstrar cada um destes casos.

5.3.1 – Logo Temporal

O elemento logo pode, em determinados contextos, expressar sentido

temporal, funcionando como um circunstanciador. Com este valor, encontrei

apenas nas entrevistas logo significando imediatamente depois, valor que o trecho

abaixo, que trata da questão da amamentação, exemplifica:

82 – E: Mas seus filhos não tiveram dificuldade, você amamentou.

I: De mamar? Dei o peito logo assim. Quando eles vieram, a gente

dá.

E: Você achou importante amamentar a criança?

143

143

I: Olha, antigamente, não sei não, sabe? Os meus foram

amamentados de início assim, mas como eu não tinha muito leite,

não dava pra nada, eles choravam muito mesmo, que era pouco,

quer dizer que tinha que fazer era mamadeira mesmo. Quer dizer

que então teve que passar logo para mamadeira...

O elemento logo, nas ocorrências sublinhadas, dá uma idéia de

proximidade temporal, ou seja, o evento seguinte ocorre imediatamente após o

anterior. Esta é a ocorrência que mais encontrei nas entrevistas.

O elemento logo também pode significar mais tarde, como, por exemplo,

na expressão logo mais, mas isto não ocorreu nas entrevistas.

Levando em consideração a existência de uma origem espacial do

elemento logo, pode-se dizer que o uso temporal deste elemento localiza-se

dentro de um processo de gramaticalização em que coocorrem os mecanismos de

pressão de informatividade segundo Traugott & König (1991: 194) e metáfora

espaço > (tempo) > texto, segundo Heine et alii (1991: 182), de acordo com os

quais o elemento passa, de espacial, a temporal e, em seguida, assume função

argumentativa iniciando sentenças com valor conclusivo.

5.3.2 – Logo Conclusivo

O elemento logo, cumprindo a trajetória circunstanciador > operador

argumentativo, pode apresentar um valor conclusivo, quando ocorre em contextos

em que a sentença por ele regida expressa uma conseqüência em relação à

sentença anterior. Vê-se uma ocorrência deste tipo no exemplo abaixo, em que o

informante explica por que não tem problemas com ladrões na vila onde mora:

144

144

83 – I: ... como aliás aqui não temos, engraçado... E aqui se explica por

um motivo, não é? Porque você, não sei se reparou a divisa no

fundo dessa vila com a amendoeira: essa... essa o... oficina de

automóveis enorme que tem aí. Então os muros são muito altos,

logo não tem saída pelo fundo da vila. E o ladrão que entrar aqui

ele... tem... ele corre o risco de, de, de ser encurralado, não é? De

modo que não temos tido problema de ladrão não.

Neste caso, o elemento logo inicia uma sentença conclusiva, que expressa

uma conseqüência em relação ao que foi dito antes. Trata-se do logo conclusivo.

Este valor do elemento logo é originado de um processo de

gramaticalização via metáfora espaço > (tempo) > texto, segundo Heine et alii

(1991: 182), em que um elemento circunstanciador que indica seqüencialidade

temporal passa a elemento argumentativo indicador de seqüencialidade lógica, por

um processo analógico baseado na seguinte idéia: em termos de tempo, a

conseqüência vem depois da causa. Com este mecanismo coopera a pressão de

informatividade, segundo Traugott & König (1991: 194), pois, pelo menos no que

diz respeito ao surgimento de operadores argumentativos, o processo metafórico

tende a se realizar em contextos que o estimulem. A característica que persiste do

sentido temporal no sentido conclusivo é a capacidade de expressar dados

posteriores em um seqüencialidade.

Para resumir o que foi dito até aqui a respeito do elemento logo, apresento

o quadro abaixo:

QUADRO E

145

145

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO

DO OPERADOR ARGUMENTATIVO LOGO

LOGO ESPACIAL

LOGO TEMPORAL

LOGO CONCLUSIVO

De acordo com este quadro, o elemento logo cumpre a gramaticalização

espaço > tempo > texto, uma vez que o logo temporal, proveniente de um uso

como elemento espacial já desaparecido, gera uso conclusivo, pela atuação

conjunta dos mecanismos de pressão de informatividade, segundo Traugott &

König (1991: 194), e metáfora espaço > (tempo) > texto, segundo Heine et alii

(1991: 182).

5.4 – O Operador Argumentativo Então

Para se observar o operador argumentativo então na trajetória espaço >

(tempo) > texto é necessário voltar à raiz latina destes elemento, uma vez que, já

no português arcaico, o então apresentava apenas os valores temporais e textuais

que apresenta atualmente. Para isto, cito abaixo um trecho de um texto do século

XIII ou XIV, retirado de Nunes (1959: 19):

146

146

84 – ... e ell foi alaa soo, em çima de seu cauallo, e achou-a em çima de

huua pena, e ella lhe disse:

— Filho Enheguez Guerra, vem a mym, ca be sey eu ao que uees.

E ell foy pera ella e ellla lhe disse:

— Vees a perguntar como tirarás teu padre da prisão.

Emtom chamou um cauallo que amdaua solto pello monte, que havia

nome Pardallo, e chamou-o per seu nome, e ellla meteo hua freo no

cauallo...

Registra-se também a forma entonce ou entõce, como se pode observar

no exemplo abaixo, retirado de Vigeu da Consolação (1959: V, 419):

85 – Entõce plaz a Deos a nossa conversação.

Nestes exemplos, o elemento sublinhado apresenta o mesmo valor

seqüencial, que mais caracteriza, como será visto adiante, o atual então. E, de um

modo geral, os textos antigos demonstram que o elemento apresentava

basicamente os mesmos comportamentos que apresenta atualmente.

A relação com dados espaciais aparece apenas quando se analisa a

origem do elemento: proveniente do latim intunc (in + tunc), sendo que tunc,

segundo Faria (1975), pode significar então, naquele momento; depois disso.

De acordo com Ernout & Meillet (1959), tunc é o resultado da formação

tum + ce. O elemento latino tum tem valor de advérbio e pode significar, segundo

Faria (1975), então, naquele tempo; depois disso; donde; além disso, por outro

lado. O elemento ce, segundo Ernout & Meillet (1959), é uma partícula "epidêitica"

demonstrativa comum nas línguas itálicas, que se liga normalmente a pronomes

demonstrativos como hic (e) (este) e illic (e) (aquele), ou a advérbios tirados de

temas demonsrativos, como sic (e) (assim), tunc (e) (então) e nunc (e) (agora).

147

147

A base demonstrativa de tum se explica pelo fato de que, segundo Leite e

Jordão (1958), este elemento deriva da raiz do grego antigo te. A mesma que está

na base dos outros elementos de intensificação tális, tantus, tot e tam e dos

pronomes iste, ista, istud, que podem significar esse, essa, isso; tal, tamanho,

semelhante.

Segundo Bailly (1987), o elemento te, em grego antigo, funcionava como

partícula enclítica e apresentava dois sentidos básicos. No primeiro, como palavra

demonstrativa, correspondia a um pronome relativo e tinha valor de por isso, por

esse razão. No segundo, como conjunção, podia apresentar valor equivalente a e,

em outro; em resumo, em fim; com.

Esta origem demonstrativa (que remete a dados espaciais) do elemento

tum e dos demais elementos de intensificação talis (tal), tantus (tanto), tot (tantos)

e tam (tão, tanto) gera, por metáfora espaço > (tempo) > texto no sentido de Heine

et alii (1991: 182), o valor anafórico, que estes elementos apresentam até hoje.

Esta passagem para anafórico, aliás, é comum entre os demonstrativos.

O valor temporal do elemento então, assim como de entanto, entretanto e

talvez (que já possuíram valor temporal) e outros é proveniente deste valor

anafórico por processo de gramaticalização.

Em português atual, o elemento então pode apresentar valor temporal e

seqüencial, provenientes de sua característica anafórica e outros valores, que

possuem função mais pragmático-discursiva. As entrevistas apresentram os

seguintes usos de então:

a) Então seqüencial

b) Então introduzindo informação nova

c) Então retomando assunto

148

148

d) Então conclusivo

e) Então alternativo

f) Então intensificador

5.4.1 – Então Seqüencial

Como foi dito anteriormente, o operador argumentativo então pode

expressar, no português atual, uma noção temporal, quando o elemento faz alusão

anafórica a um momento no tempo já mencionado, como acontece em frases do

tipo eu era jovem então (então = naquela época), sentido que já ocorria com o tunc

latino. Mas este uso não foi encontrado nas entrevistas.

O que encontrei nas entrevistas em termos de valor temporal foi o que

convencionei chamar de uso seqüencial, em que o elemento então seqüencializa

eventos específicos ou não-específicos, ocorrendo em figura ou fundo narrativos,

ou em figura não-narrativa. O trecho abaixo, em que o informante explica como se

faz o enxerto de mergulho, exemplifica ocaso de seqüencilidade de eventos não-

específicos em figura não-narrativa:

86 – I: ... procura-se a laranjeira que se quer fazer o enxerto... encontra-

se, nessa laranjeira, um galho que tenha a mesma grossura... do

que vai servir de cavalo, quer dizer do que vai surgir dali. Então,

num ponto onde há um olho, onde vai sair um broto, tira-se ali a

casca num pequeno retângulo... Depois levanta-se a casca que

está sendo enxertada e coloca-se a outra...

Neste exemplo, o informante diz, em termos gerais, o que se deve fazer

para conseguir o tipo de enxerto em questão, e não o que se fez em um momento

149

149

particular. Trata-se de um conjunto de procedimentos, que constituem uma

seqüência de ventos não-específicos típicos de figura não-narrativa. E o elemento

então indica o momento em que se inicia o evento por ele regido: o momento em

que se conclui o evento anterior. O operador então, neste caso, equivale a neste

momento.

Minha hipótese é que, assim como ocorre com o operador aí, o uso

seqüencial de então é proveniente do uso anafórico deste elemento, pois

subentende-se que então (=neste momento) alude ao momento em que se conclui

o evento anterior. Ocorre aí uma gramaticalização por pressão de informatividade,

nos moldes do que está desenvolvido em Traugott & König (1991: 194), em que se

pode inferir, de determinados contextos em que ocorre então anafórico, um valor

seqüencial de base temporal. O exemplo abaixo, em que o informante fala de

quando seu pai chegou ao Brasil, demonstra este tipo de contexto:

87 – I: O meu pai chegou em mil novecento e vinte e nove, ele tinha

dezoito ano, certo? O meu pai, então, ele foi trabalhar, é, vendendo

jornal nos trem lá em São Paulo junto com uns italianos...

Neste caso, o então tem valor seqüencial, mas também se pode ver aí

uma alusão anafórica ao momento de chegada do pai ao Brasil: então alude a mil

novecentos e vinte e nove. Este é o tipo de contexto que pressiona a mudança

anafórico > seqüencial. Com esta mudança, o elemento então assume um novo

status de seqüenciador temporal, adquirindo o traço semântico-gramatical típico de

seqüencialidade: o traço [+perfectivo], mas mantendo a capacidade para fazer

alusão anafórica, característica que persiste do uso anterior.

Passo agora a analisar uma espécie de então seqüencial, que

convencionei chamar de então introdutor de informações novas.

150

150

5.4.2 – Então Introduzindo Informação Nova

Em muitos casos, o elemento então, assim como ocorre com o elemento

ai, perde o valor temporal e assume uma função seqüencial mais ampla,

funcionando como uma espécie de abridor de espaço, no discurso, para a

introdução de informações novas. Isto se pode notar na pergunta abaixo retirada

de uma das entrevistas em que o informante quer saber por que as laranjeiras, em

seqüência, não são plantadas em linha reta, mas de forma irregular ou sinuosa:

88 – E: Eu acho interessante uma coisa que eu gostaria que você me

explicasse porque a gente passa às vezes assim na estrada e vê,

por exemplo, as laranjeiras plantadas – esta área aqui do estado

do Rio, quando a gente vai para Rio Bonito, por aí... ainda

atualmente estão representando. Então, em vez delas irem assim

em linha reta... umas, umas... não é uma linha, não são linhas

retas... o processo de plantar, mas aquilo é mais sinuosa...

O operador então, neste exemplo, não é um seqüencializador temporal e

não tem qualquer ligação lógica (causa, conseqüência, condição, etc.) com as

informações anteriores. Trata-se aí de uma espécie de alimentador da

engrenagem do discurso, que abre espaço, permitindo a introdução de

informações novas, ou seja, uma espécie de seqüencializador universal. Então,

neste caso, tem valor aproximado de dando seqüência ou continuando.

Isto também pode aparecer em narrativas, como no exemplo abaixo, em

que o informante narra o que aconteceu quando encontraram seu carro, que havia

sido roubado:

151

151

89 – I: ... depois esse carro apareceu aqui, numa delegacia aqui em...

Senador Camará, não é? É no Bairro do Jabour. Então, eu

estava procurando o carro, recibi um telefonema no oficina que o

carro apareceu no Jabour. Então, eu vim apavorado, cheguei em

casa, a patroa estava mais apavorada do que eu, porque chegou

um carro da polícia, dizendo que ela ia ser presa, porque o carro

tinha sido roubado e podia ter feito um assalto, isso e aquilo,

então, eu cheguei em casa, encontrei a patroa chorando...

Eis aí três exemplos de então. Todos os três funcionam como

seqüencializadores, que introduzem informação nova. Mas o primeiro é aquele

típico seqÚencializador universal, que introduz informação nova e que inicia

sentenças sem estabelecer conexão lógica de temporalidade, condição ou

causa/conseqüência, ou qualquer outra relação com a sentença anterior. O

segundo já pode ser visto como seqüencializador temporal: depois que ele

recebeu o telefonema, veio para casa. E o terceiro já admite uma interpretação

como conclusivo (uso que será analisado adiante): a polícia havia dito que sua

mulher ia presa, conseqüentemente, ele chegou em casa e a encontrou chorando;

mas também pode ser interpretado como um reto-mador de assunto (uso que

será analisado adiante), pois o elemento direciona o ouvinte para uma volta ao

ponto em que a linha narrativa tinha sido interrompida: cheguei em casa.

O que quero demonstar é que estes casos estão relacionados pelo uso,

um é conseqüência do outro e, à vezes, podem ser confundidos um com o outro.

Em outras palavras, são manifestações do uso seqüencial de então, que se

tornam semanticamente diferentes em função dos diferentes contextos em que

ocorrem. Isto é o ponto de partida do processo que Traugott & König (1991: 194)

152

152

chamam pressão de informatividade: em determinados contextos, sentidos novos

de um elemento lingüístico podem ser inferidos, e da convencionalização desta

inferência, surgem os novos usos deste elemento.

Passo agora a analisar outros valores do operador então.

5.4.3 – Então Retomando Assunto

Outro uso interessante do operador argumentativo então, que também é

decorrente do mesmo mecanismo de mudança mencionado no item anterior, é o

que convencionei chamar de então retomando assunto, que está exemplificado no

trecho abaixo, em que o informante conta que começou a trabalhar cedo com seu

pai:

90 – I: ... com treze anos, eu comecei a trabalhar na obra com meu pai.

Comecei a ajudar meu pai. Pintava um aparede, pintava isso,

pintava aquilo. Eu sei até assentar tijolo, botar cerâmica, essas

coisas assim dentro duma casa eu sei fazer. Trocar um cano

d'água, ver um fio, fazer instalação, colocar uma bucha na parede.

Isso tudo eu sei fazer dentro duma casa. Tudo eu faço, certo?

Mas, então, com meu pai não dava muito certo, porque meu pai

era uma pessoa muito boa, muito bacana, mas filho com pai,

geralmente, na profissão nunca dá certo.

Pode-se notar aí que o informante começa narrando seu trabalho com o

pai, interrompe esta narrativa para fazer um comentário relativo à suas

capacidades para o trabalho de construção e, em seguida, retoma a narrativa

referente ao seu trabalho com o pai, utilizando-se do elemento então, que, neste

153

153

exemplo, está precedido da conjunção mas, que evidencia esta mudança, mas

que nem sempre aparece nestes casos, como se pode notar no exemplo abaixo,

em que o informante fala sobre o Fundão:

91 – I: ... Afinal, deu um ataque de bobagem e fizeram a porcaria do

Fundão. E eles atribuíram o problema ao fato de que... sabe,

quer dizer... ele dizia que ele não estava errado em planejar a

Universidade na Ilha do Fundão; errado foi fazer a Avenida Brasil

e... toda a industrialização do Rio naquele local. Mas o Fundão é

um absurdo, não é? O Fundão é um negócio inacreditável. Eu

andei dando umas aulas no Fundão em janeiro e fevereiro, que

me perguntaram num programa da COPE. Vocês conhecem o

COPE?

E: Hum, hum.

I: Então, eu dava aulas lá de direito para engenheiro... mas eu

nunca imaginei que o Fundão pudesse ser uma calamidade...

Neste exemplo, ocorre basicamente a mesma coisa. O informante

interrompe seu comentário a respeito do Fundão, para perguntar se o

entrevistador conhece a COPE e depois retoma o assunto referente ao Fundão,

utilizando o operador então, cuja função é direcionar o ouvinte para esta volta ao

assunto interrompido. Trata-se de uma clara trajetória da função interpessoal para

a função textual no sentido demonstrado por Heine et alii (1991: 191), em que o

falante chama a atenção do ouvinte para esta manobra discursiva. E este uso do

elemento então é uma decorrência de um processo de gramaticalização por

pressão de informatividade, de acordo com Traugott & König (1991: 194), que se

aplica, conforme ficou demonstrato anteriormente, sobre o uso que o gerou: o

então seqüencial.

154

154

Este mesmo processo gera o então conclusivo, que passo agora a

analisar.

5.4.4 – Então Conclusivo

O operador argumentativo então também pode apresentar valor

conclusivo, introduzindo informações que constituem conseqüências do que foi

dito antes. Isto pode ser exemplificado com o trecho abaixo, em que o informante

explica por que a crise de gasolina não tem prejudicado seu trabalho como

mecânico:

92 – I: Não, não tem prejudicado em nada. Pelo contrário, essa crise de

gasolina até está melhor, porque o preço do carro aumentou muito.

Então, ninguém esta querendo comprar carro novo, está querendo

reformar.

Neste exemplo, o operador então tem um valor conclusivo, uma vez que

ninguém está querendo comprar carro novo é conseqüência de o preço do carro

novo aumentou muito. Este valor conclusivo do operador então é um dos mais

comuns nas entrevistas e, embora possa ocorrer em figura, predomina em fundo.

Explico este valor conclusivo do elemento então pela ocorrência de uma

gramaticalização em que coatuam os mecanismos metáfora espaço > (tempo) >

texto, de acordo com Heine et alii (1991: 182) e pressão de informatividade, de

acordo com Traugott & König (1991: 194). A metáfora constitui um processo em

que, por analogia, um elemento que seqüencializa, posteriorizando no tempo

informações novas, passa a expressar a noção de conseqüência, logicamente

posterior à causa. Mas este processo se concretiza basicamente em determinados

155

155

contextos que estimulam esta analogia, portanto a pressão de informatividade

ocorre também neste caso.

5.4.5 – Então Alternativo

Outro caso interessante é o uso de então com valor alternativo. Neste

caso, o operador em questão é acompanhado da conjunção ou. O trecho abaixo,

que fala sobre as antigas fazendas de café, exemplifica o caso:

93 – I: ... tinha o café, que era o meio de vida... mas eles tinham tudo o

mais: eles plantavam a cana para produzir o melado ou açucar, eles

plantavam a verdura para o consumo ou para os porcos, não é?

Tinha também o... uma pequena quantidade de gado, para

abastecer a fazenda de carne ou então de leite, não é?

Nestes casos, o elemento então precedido da conjunção ou, tem valor

alternativo: carne ou então leite. Este uso de então provém do então conclusivo,

por pressão de informatividade segundo Traugott & König (1991: 194). Para

demonstrar isto, cito o exemplo abaixo, em que a informante fala sobre a Xuxa:

94 – E: Você gosta de imitar a Xuxa, não é?

I: É, porque eu acho ela bonita. Aí, quando eu vou brincar, eu falo

que é a Xuxa. Aí a Alessandra: "Não, sou eu". "Então eu sou a

Gretchem". "Ah, então sou eu". Aí a gente briga.

O que se tem aí é o uso conclusivo do elemento então, que, neste caso,

se manifesta em forma de alternativa: se ela não pode ser a Xuxa,

156

156

conseqüentemente terá de ser uma outra. Esta é a origem do uso alternativo do

elemento então, que ocorre por gramaticalização via pressão de informatividade,

pois nesses contextos para os quais o exemplo acima aponta, pode-se inferir um

valor alternativo do então conclusivo.

5.4.6 – Então Intensificador

Ainda como introdutor de informações novas, há que mencionar o uso do

operador argumentativo então com valor intensificador, que o trecho abaixo, em

que a informante fala de lojas de roupas masculinas, exemplifica:

95 – I: Olha aqui: eu vejo... eu acho que as lojas de homens são

lindíssimas. A gente encontra até coisa mais bonita em homem que

em... Então agora com o unique sex, então, está apara mim. Porque

às vezes a gente quer comprar um blazer, que não encontra na loja

de mulher, vai na loja de homem e encontra.

Neste exemplo, o elemento então possui valor semelhante a ainda mais,

funcionando como uma espécie de intensificador. Este uso não é estranho,

quando se conhece a origem do elemento então na formação in + tunc, onde o

elemento latino tum (adv. de tempo), cognato de intensificadores como tallis (tal),

tantus (tanto), tot (tantos) e tam (tão, tanto), já apresentava em latim, segundo

Faria (1975), valor intensificador, pois era freqüentemente usado ligado a outro

advérbio de tempo para reforçá-lo.

Normalmente este tipo de então não se refere à sentença inteira, mas a

um sintagma desta sentença e tende a se posicionar depois deste sintagma,

sobretudo quando ele vem no início da sentença, para não se confundir com o

então seqüencial. É interessante notar que a informante repete o termo então, que

157

157

já havia mencionado, deixando clara a intenção de usar este valor intensificador

do elemento.

Este uso é proveniente do usos conclusivo de então, pois a lógica que o

origina é: se sempre foi assim, conseqüente agora, com o unique sex, está melhor.

Ocorre neste caso um processo de gramaticalização pelo mecanismo de mudança

que Traugott & König (1991: 194) chamam pressão de informatividade, pois estes

uso surge de alguns contextos em que se pode inferir um valor intensificador da

sentença conclusiva. Por este processo, a língua resgata o valor intensificador

original do elemento. O exemplo abaixo, em que o informante fala de seu segundo

casamento, argumentando que hoje em dia os filhos não dão atenção aos pais,

apresenta um contexto em que se pode ver a relação conclusivo/ intensificador:

96 – I: ... o segundo, a moça que eu vivi tinha um meninozinho de um ano,

e eu me dediquei como pai ao menino. Como não sou pai do

garoto, briguei, esse, então, nem vejo, nem me procura, nem coisa

nenhuma, entendeu?

Nestes exemplo, é mais evidente a origem conclusiva do então

intensificador: briguei, conseqüentemente, esse nem vejo.

Para resumir o que foi dito até aqui sobre o operador argumentativo então,

apresento o quadro abaixo:

QUADRO F

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO

SOFRIDO PELO OPERADOR ARGUMENTATIVO ENTÃO.

Então

Anafórico

158

158

Então

Seqüencial

� � �

Então Retomando Então

Intr. Inf. Novas Assunto Conclusivo

� �

Então Então

Alternativo Intensificador

Este quadro demonstra que o elemento então possui valor anafórico, que

se origina do antigo tum, e que atualmente se apresenta como um anafórico

temporal. Este uso gera o valor seqüencial (de base temporal) que pode se

manifestar como introdutor de informações novas, como retomador de assunto ou

como conclusivo. Este último, por sua vez, gera os usos alternativo e

intensificador. Este processo de gramaticalização se dá por metáfora espaço >

(tempo) > texto e pressão de informatividade.

5.5 – O Operador Argumentativo Já

Segundo Machado (1977), o operador argumentativo já provém do latim

vulgar *já, do clássico jam que pode significar "neste momento, agora, já; dentro

dum instante, imediatamente; em breve; até agora; então, logo; por outro lado".

Vê-se que este operador já apresentava, em latim, usos correspondentes aos

atuais, inclusive o de valor não-temporal, em que o elemento, por

gramaticalização, torna-se meramente argumentativo: já = por outro lado.

De acordo com Ernout & Meillet (1959) o elemento latino jam apresenta a

mesma raiz de palavras como is (este), ibi (aí) e ita (assim), o que demonstra uma

159

159

origem espacial do elemento e justifica alguns dos valores apresentados acima por

Machado (1977), que são típicos de dêiticos espacio-temporais: neste momento,

agora, desde já, até agora.

No português arcaico, encontra-se normalmente o elemento já com um

dos valores que ele apresenta basicamente no português atual, que é o de

elemento de contraexpectaiva com valor temporal, como se pode ver no exemplo

abaixo, retirado de Magne (1944: I, 46).

97 – Senhor, disse Queia, já tempo é de comer, ca já é perto de meo dia.

Mas ainda se pode encontrar no português arcaico valores do elemento já

em que persiste algo do sentido dêitico espacial/temporal original. Magne (1944)

afirma que, no texto do Santo Graal, o elemento já pode significar "daqui em

diante, doravante; neste momento, agora". Este valor como daqui em diante,

doravante, que desapareceu no português atual, se encontra, por exemplo, na

antiga expressão jamais nunca, que o trecho abaixo, retirado de Magne (1944: II,

56), exemplifica:

98 – Nom quero ta espada e naem rem de teu. Pero leixo-te a batalha;

mais pero te juro que jamais nunca haverei prazer taa que seja de ti

vingado, ca no primeiro lugar u te eu achar, podes ser seguro da

batalha e da morte, se mais posso ca tu.

É evidente que jamais (já + mais) não tem aí o seu valor atual (= nunca). O

já, neste caso, possui valor de daqui em diante e a expressão jamais nunca

significa algo como daqui em diante nunca mais. É provável que o valor atual de

jamais (=nunca) se origine, por pressão de informatividade, do uso arcaico jamais

nunca, que, com este processo, perde seu valor dêitico original, assumindo o valor

de circunstanciador de tempo indeterminado semelhante ao atual nunca. O

160

160

elemento jamais se torna autônomo, passando a ser empregado sozinho com este

valor, que a ele acaba se estendendo.

Outro dado interessante é que Magne (1944) registra, já no português

arcaico, a existência da conjunção já que com valor causal, exemplificando com a

expressão já que est assi. Esta conjunção, como será visto adiante, existe no

português atual e é o resultado de uma gramaticalização espaço > (tempo) > texto,

com o qual o elemento já passa a ter um valor argumentativo.

No português atual, o operador já perde aquele valor dêitico espacial/

temporal, que ficou restrito a umas raras construções do tipo desde já, em que o

elemento já (= agora, neste momento) mantém o valor dêitico, designando o

momento em que o falante produz o seu enunciado. Encontra-se também um uso

temporal não-dêitico do operador já, com valor semelhante a imediatamente e que

ocorre normalmente em construções imperativas do tipo venha já aqui. Estes dois

usos são bem menos comuns e não foram encontrados nas entrevistas

observadas.

As entrevistas apresentaram os seguintes usos do operador argumentativo

já:

a) Já marcador de contraexpectiva

b) Já comparativo

c) Já conclusivo

d) Já em locução conjuntiva causal já que

e) Já em exprssões fáticas tipo já viu, né?

Passo agora a demonstrar cada um destes casos.

161

161

5.5.1 – Já Marcador de Contra-expectativa

O termo já, como marcador de contra-expectativa, predomina nas

entrevistas, somando 165 ocorrências de um total de 187 usos de já analisados

(ou 90,1% do total). Este uso constitui uma conseqüência de um processo de

gramaticalização espaço > (tempo) > texto, uma vez que o valor temporal deste

elemento tende a expressar um posicionamento em relação à expectativa dos

interlocutores a respeito do assunto que está sendo falado. Este uso também

constitui uma trajetória da função interpessoal para a função textual, de acordo

com o que está em Heine et alii, (1991: 190), pois é uma maneira de o falante

direcionar a interpretação do ouvinte.

Em outras palavras, o uso do operador já como marca de contra-

expectativa, apesar de manter o valor temporal do uso do qual se origina, passa a

assumir também uma função argumentativa: marcar sentenças cujo conteúdo

contrasta com as expectativas envolvidas, nos diálogos, entre falante e ouvinte.

Como já foi dito antes, é extremamente difícil trabalhar com o conceito de

expectativa relacionado a noções ou princípios que funcionam como norma

compartilhada por falante e ouvinte. Em primeiro lugar, porque estas normas

podem variar de acordo com as características sociais dos participantes. Em

segundo lugar, porque nem sempre as sentenças expressam questões para as

quais há um padrão ou norma estabelecida que possa gerar uma expectativa.

Trabalhei, portanto, com três tipos de expectativa: expectativa estabelecida pelo

contexto sócio-cultural, expectativa estabelecida pelo falante e expectativa

estabelecida pelo ouvinte.

A expectativa estabelecida pelo contexto sócio-cultural é estabelecida não

pelos participantes no momento da fala, mas por padrões sócio-culturais já

162

162

estabelecidos, que são compartilhados por eles. Neste contexto, o operador

argumentativo já funciona como elemento de contra-expectativa, como se pode

observar no exemplo, em que o informante afirma querer ter muitos netos:

99 – E: E os netos?

I: Não, os netinhos a gente vai pegar ele no colo e balançar, não é?

E: Ela vai querer ter muito neto?

I: Se vier aí um cacho já está bom. Uma penca de doze está bom.

E: Um cacho? Sua filha já sabe?

I: Milha filha já sabe, mas eu tenho três filho, certo? Cada um me

arranja quatro...

O já sublinhado, que aparece na pergunta do entrevistador funciona como

marcador de contra-expectativa em relação ao contexto sócio-cultural, ou seja, ele

marca um contraste entre a sentença e o padrão sócio-cultural, segundo o qual as

mulheres não querem ter muitos filhos. E a resposta do informante, aliviando a

responsabilidade da filha ao dizer que tem outros dois filhos, que também podem

contribuir com netos, evidencia que ele percebeu a intenção deste uso do já pelo

entrevistador, e que compartilha desta expectativa sócio-cultural.

Por outro lado, a expectativa estabelecida pelo ouvinte nasce no

desenrolar do diálogo e o uso do termo já, neste caso, reflete um posicionamento,

em termos argumentivos, do falante em relação às presumíveis expectativas do

ouvinte.

Entendendo o diálogo como o resultado da interação de duas forças

distintas, que são as intenções do falante e as expectativas do ouvinte, pode-se

dizer que as sentenças em que ocorre o operador já podem expressar argumentos

a favor do ponto de vista do falante e o contraste, que caracteriza o uso dos

163

163

elementos de contra-expectativa, se estabelecer em relação ao que o ouvinte

espera ou pressupõe. O trecho abaixo, em que a informante fala sobre o trabalho

da mulher fora da casa hoje em dia, é um bom exemplo disto:

100 – I: ... era mais fácil... Antigamente se vivia com o ordenado do

marido, hoje não se vive.

E: Então você acha bom a mulher trabalhar fora?

I: Acho, atualmente acho. Não pra mim, que já estou com a vida

formada, casada há vinte anos já... e depois não preciso, graças a

Deus...

As sentenças com operador argumentativo já constituem argumento em

favor do ponto de vista da informante de que para ela especificamente trabalhar

fora não é mais interessante, mas são contrastivas em relação à expectativa que

se estabelece a partir da pergunta do entrevistador: Então você acha bom a

mulher trabalhar fora?.

Este outro trecho, em que a informante fala de uma colega da escola,

demonstra claramente o uso do já, como elemento contrastivo em relação à

expectativa do ouvinte:

101 – E: E, vem cá, com quem que você se dá melhor lá? Me conta.

I: Com a Patrícia.

E: Patrícia? Aquela lourinha, não é?

I: É. Mas eu acho... ela não... está faltando uma porção de dia. Eu

acho que ela já saiu de escola.

E: É? Ela ia sair da escola?

I: Hum-hum.

164

164

Neste caso, o já é usado pelo falante para quebrar a expectativa do

ouvinte, que, naturalmente, não sabia que a colega ia sair da escola e a pergunta

É? Ela ia sair da escola? evidencia isto. O elemento já, portanto, é um marcador

de contra-expectativa em relação à expectativa do ouvinte.

Há também o caso da expectativa estabelecida pelo falante, em que o

próprio falante tece as expectativas no decorrer do seu discurso. A sentença

marcada pelo elemento já, neste caso, é contrastiva em relação ao que se disse

antes, e não em relação à expectativa do ouvinte. O exemplo abaixo, que trata de

uma mulher que o informante conheceu em uma de suas viagens, ilustra este

caso:

102 – I: ... Aí era uma dona. Ela foi miss em São Paulo. D. Maria, num sei

que lá, nome original dela, mas como miss não, como miss, ela

tinha outro nome. mas ele já tava velha, só sei que ela foi miss.

Ela tem... as faixa, retrato, só tu veno. No tempo dela é... ela já

tinha naquela época, já tava com quê? Podia tá com seus trintão,

mas qu'ela já tava bem enferrujada...

Pode-se notar que há um contraste entre a informação ela já foi miss em

São Paulo e as sentenças marcadas por já: Mas ela já tava velha, ela já tinha

naquela época, já tava com quê?, mas qu'ela já tava bem enferrujada. E este

contraste é evidenciado pela presença, em duas sentenças, da conjunção

adversativa mas. Aliás, é bastante comum, nestes casos, as sentenças virem

precedidas de elementos de valor contrastivo: do total de ocorrências de

expectativa estabelecida pelo falante (81 ocorrências), 45% (36 ocorrências)

apareceram precedidas de conjunções adversativas, concessivas, alternativas e

de outros termos que dão idéia de contraste, como por outro lado, no mais, etc.

165

165

Para citar outro exemplo, apresento o trecho abaixo, em que o informante

fala das deficiências do país nos campos da agricultura e da pecuária:

103 – I: ...Então, havia necessidade de crescer mais no rebanho. E

também outra coisa, que deve ser preocupação do governo, é o

problema dos frigoríficos. Os frigoríficos, quase todos estão na

mão de... de entidades poderosas que prejudicam, às vezes, a

orientação do governo nesta parte. O governo quer, às vezes,

tomar certas medidas e encontra determinadas dificuldades,

porque ele não... por esse motivo, não é? De maneira que há

necessidade de... de nós termos um... um rebanho muito maior, o

domínio total sobre a carne, ter o domínio do trigo em proporção

para o nosso consumo e até para exportar... No mais eu acho que

nós...

E: Já houve um progresso grande.

I: Já houve um progresso grande, não é?

É interessante o modo como o entrevistador, acompanhando o raciocínio

do informante, que hesita e deixa a frase em suspenso, completa a sua fala com

uma sentença marcada por já, que expressa um conteúdo contrastivo em relação

ao que o informante vinha falando. O que levou o entrevistador a esta atitude foi,

provavelmente, o elemento de valor contrastivo no mais, que inicia a sentença que

foi deixada em suspenso.

Mais que um mero elemento de conteúdo temporal, o operador

argumentativo já assume principalmente a função de expressar uma contra-

expectativa em relação ao assunto desenvolvido pelo falante, caracterizando-se,

portanto, por expressar uma idéia contrastiva em relação a este assunto. Trata-se

166

166

de uma trajetória da função interpessoal para a função textual, nos moldes do que

foi desenvolvido em Heine et alii (1991: 190), uma vez que este tipo de uso do

elemento já é conseqüência de uma preocupação do falante de trabalhar com as

expectativas do ouvinte decorrentes do que ele está falando.

Este uso do operador argumentativo já, como ocorre com os outros dois

casos de contra-expectativa vistos, é o resultado da gramaticalização por pressão

de informatividade, segundo Traugott & König (1991: 194), pois o elemento perde

parte do seu valor referencial para ganhar função argumentativa, assumindo, como

elemento de contra-expectativa, um valor, que é inferido do uso com valor

temporal, que, na maioria dos contextos, acaba implicando necessariamente uma

posição do falante em relação a uma expectativa estabelecida.

Registrei também, como característica dos marcadores de contra-

expectativa (em relação ao contexto sócio-cultural, ao falante e ao ouvinte), a

tendência de ocorrer em fundo. Ou seja, é comum o aparecimento de já em fundo

narrativo e não-narrativo e em sentenças não-narrativas, que seguem trechos

narrativos, servindo-lhes de fundo, ou vice-versa. Ou seja, além de,

argumentativamente, o marcador já expressar contraste em relação à expectativa

estabelecida por contexto cultural/ falante/ouvinte; gramaticalmente, funciona

como elemento contrastivo textual, que marca a mudança de um plano discursivo

para outro. O trecho abaixo, em que a informante fala de seu costume de fazer

constantemente exames de saúde, exemplifica um tipo de contraste textual, em

que o elemento já aparece em uma sentença narrativa, que ocorre no meio de um

trecho não-narrativo:

104 – I: ... É constante... assim, uma vez por ano, ou de seis em seis

meses eu faço exames. Também eu procuro ver. Faço exame de

167

167

sangue completo, não é? Ver aquele negócio de colesterol,

glicose, essas coisas assim, que a minha família do lado da

minha mãe é muito chegada a diabético. Então eu procuro estar

sempre fazendo os exames. este ano eu já fiz, inclusive fiz em

abril o exame de sangue completo, urina. Não deu nada, graças

a Deus.

Pode-se notar que, neste exemplo, o falante está comentando que

costuma fazer exames freqüentemente e, de repente, passa para o plano

narrativo, utilizando pretéritos perfeitos, e conta que já fez exames este ano. Na

primeira sentença deste trecho narrativo, aparece um já contrastivo textual: marca

a passagem de um tipo de discurso para outro.

Neste caso, além de marcar contraste em relação à expectativa do

ouvinte, o elemento já ocorre num contexto em que há mudança de plano

discursivo.

Neste outro exemplo, em que a informante fala sobre a importância da

amamentação, ocorre um trecho não-narrativo, após um trecho narrativo:

105 – I: Olha, antigamente, não sei não, sabe? Os meus foram

amamentados de início assim, mas como eu não tinha muito leite,

não dava pra nada. Eles choravam mesmo, que era pouco, quer

dizer que tinha que fazer era mamadeira mesmo, quer dizer que

teve que passar logo pra mamadeira, mas hoje em dia já tem

muita gente aí que cuida mais, não sei. E essa parte aí está mais

desenvolvida.

Aí ocorre o contrário. A informante inicia sua fala, com verbos nos pretérito

perfeito e imperfeito, narrando o que ocorreu com a amamentação dos filhos, para,

168

168

em seguida, comentar, com verbos no presente, o que acontece hoje em dia. A

primeira sentença que aparece no trecho não-narrativo apresenta o elemento já.

Trata-se de um contraste entre um momento passado (narrativo) e um momento

presente (não-narrativo).

Por outro lado, esta marca de contraste textual pode manifestar-se

também em sentenças de fundo imediatamente precedidas de sentenças de

figura. Segue a título de exemplo, o trecho abaixo, em que o informante narra o

acidente que ocorreu com seu filho:

106 – I: Uma ocasião nós estávamos lá na... esse dia até fui com o taxi.

Um outro carro meu particular estava enguiçado, eu fui com o taxi

mesmo. Era um fusquinha quatro portas. Meia nove quatro portas.

Mas eu fui... com a patroa, as crianças, eu já tinha os três... eu já

tinha os três garotos. Aí fomos, paramos na Parada Modelo pra

tomar um café. Nisso tinha um balanço lá. O garoto foi lá, passou

na frente do balanço, abriu a cabeça do garoto, cinco ponto na

cabeça.

Neste exemplo, a sentença marcada por já funciona como fundo narrativo.

É interessante notar que, como argumento, a sentença não é contrastiva em

relação ao que foi dito, e sim em relação à expectativa do ouvinte: o falante se

previne de uma possível expectativa do ouvinte no sentido de achar que ele ainda

não tinha os três filhos. Mas o contraste também se evidencia a nível textual, ou

seja, a sua função, nestes casos, é também marcar o contraste figura/fundo na

narrativa.

169

169

O mesmo pode ocorrer em discurso não-narrativo, como se pode observar

no exemplo abaixo, em que o informante descreve seu trabalho com a esposa e

uma das ajudantes na cozinha de um clube:

107 – I: ... as menina aproveita e vai com a gente. Vai e quando eu tô

cansado, por exemplo, aí fica lá fritano e minha esposa abrino e

recheano, né? Porque tem que cortá no tamanho certo, então a

gente já tem mais ou meno nos olho no tamanho certo, já tem o

tamanho na idéia... num tem nada de medida não. E assim põe...

então, quando a massa vai acabano, sabe que qu'eu faço? Eu vô

diminuíno o tamanho do pastel, mas sai tudo dum tamanho só...

Neste exemplo, as sentenças marcadas por já funcionam como fundo não-

narrativo: não descrevem a seqüência de procedimentos necessários para a

feitura do pastel, mas expressam situações (não-dinâmicas) essenciais à

compreenssão desta seqüência de procedimentos. O elemento já tem aí a função

de evidenciar o contraste figura/fundo no discurso não narrativo.

Procurei observar a percentagem referente à distribuição do elemento já

em relação à oposição figura/fundo em narrativas e não narrativas e encontrei os

seguintes resultados:

QUADRO G

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO OPERADOR ARGUMENTATIVO JÁ

EM RELAÇÃO À OPOSIÇÃO FIGURA/FUNDO EM NARRATIVAS E NÃO-NARRATIVAS.

170

170

FIGURA FUNDO

NAR 60 casos NAR 47 casos

NÃO-NAR 18 casos NÃO-NAR 63 casos

TOTAL 78 casos TOTAL 109 casos

TOTAL DE OCORRÊNCIAS 187 CASOS

Ao contrário do que eu esperava, este quadro demonstra uma

superioridade numérica muito pouco significacativa de ocorrências do elemento

em fundo (narrativo e não-narrativo): do total de 187 casos observados, 109 casos

de ocorrência de já (58,3%) apareceram em fundo, enquanto que 78 casos

(41,7%) ocorreram em figura.

Mas, observando mais atentamente, notei que, dos 78 casos de já em

figura, 17 casos (21,8%) ocorreram em perguntas do tipo Você já foi assaltada?,

Você já ajudou sua mãe em casa?, feita, na maioria dos casos, pelos

entrevistadores com o intuito de introduzir assunto novo, constituindo sentenças

isoladas, que nem sempre apresentam uma ligação coesiva com o assunto

anterior. Por outro lado, 41 casos (52,5%) são daquele tipo de contraste textual

visto anteriormente em que ocorre passagem de narrativa para comentário ou vice-

versa. Neste caso, é comum encontrar o elemento já em sentenças de figura

narrativa dentro de trechos não-narrativos (narrativa como fundo para a não-

narrativa) ou em sentenças de figura não-narrativa dentro de trechos narrativos

(não-narrativa como fundo para a narrativa), para marcar esta mudança ou

contraste textual.

171

171

Três casos (4%) constituem ocorrência não-temporal do elemento já, que

nestes casos possui valor comparativo ou conclusivo. Casos que, como será visto

mais adiante, não funcionam como elementos de contra-expectativa.

Quatorze casos (18,5%) ocorreram em figura em oposição a fundo dentro

de trechos narrativos ou não-narrativos e apenas 2 casos ocorreram em sentença

de figura dentro de trecho de figura, ou seja, sem haver contraste textual. O

quadro abaixo demonstra detalhadamente a percentagem das oorrências do

operador argumentativo já em figura narrativa e não-narrativa:

QUADRO H

REFERENTE À PERCENTAGEM DAS OCORRÊNCIAS DO OPERADOR ARGUMENTATIVO

JÁ EM FIGURA NARRATIVA E NÃO-NARRATIVA.

NARRATIVAS NÃO-NARRATIVAS

PERGUNTAS 17 casos (21,8%) PERGUNTAS 1 caso (1,2%)

FIG X NÃO-NAR. 35 casos (44,8%) FIG X NÃO-NAR. 0 casos (0%)

FIG X FUN. 3 casos (4%) FIG X FUN. 6 casos (7,6%)

FIGURA 2 casos (2,5%) FIGURA 11 casos (14,3%)

NÃO-TEMP. 2 casos (2,5%) NÃO-TEMP. 1 caso (1,2%)

TOTAL DE JÁ EM FIGURA 78 CASOS

Este quadro demonstra que o operador argumentativo já tende a ocorrer

em casos de mudança textual. Ou seja, o elemento de contra-expectativa já,

172

172

indicando contraste textual entre figura e fundo, tende a ocorrer e se ligar a

sentenças que expressam informação nova.

Por outro lado, estes quadro ameniza os resultados numéricos do quadro

anterior (QUADRO G), que apresenta o número maior que o esperado de casos de

operador já em figura (41,7%), e evidencia a tendência deste operador de ocorrer

em fundo.

5.5.2 – Já Comparativo

Outro tipo de ocorrência do operador já, neste caso não mais como

elemento de contra-expectativa, é o que ocorre em contextos comparativos. O

trecho abaixo, em que a informante fala de lojas de roupas para homens e para

mulheres, exemplifica este tipo de uso de já:

108 – I: Ah, essa... a gente fala tanto aí na te... "O homem entende de

mulher". É um turco, tem o nome de turco... ah... é Windsor.

Tem... tem várias lojas de homem que eu acho lindas, lindas! E já

de mulher não, porque é... não sei...

O elemento já, neste caso, também introduz informação nova, mas

assumindo um valor comparativo, e não de marcador de contra-expectativa. Neste

caso, o operador já perde inteiramente seu valor temporal, para funcionar

exclusivamente como elemento argumentativo, ou seja, ele perde teor referencial

para assumir função textual.

Este uso pode ser explicado por gramaticalização via pressão de

informatividade, segundo Traugott & König (1991: 194), em que o uso de já como

marcador de contra-expectativa constitui elemento intermediário, uma vez que

173

173

constitui o primeiro movimento em direção ao texto, que irá se concretizar

definitivamente com este uso comparativo (e com o uso conclusivo, que será visto

mais adiante).

A origem deste uso em contexto comparativo está especificamente no uso

como marcador de contra-expectativa relacionado à expectativa estabelecida pelo

falante, pois, nestes casos, ocorre um contraste entre a frase marcada por já e o

que foi dito antes. O uso comparativo também implica dois argumentos distintos e

a sentenças marcada por já introduz o segundo elemento em forma de informação

nova. Mas, com a gramaticalização, o elemento perde o seu valor temporal original

e a marca de contra-expectativa.

O exemplo abaixo, em que o informante explica onde são colocadas as

sementes de hortaliças, apresenta um já marcador de contra-expectativa em

relação ao falante, que quase pode ser visto como comparativo:

109 – I: É colocada... também costuma-se fazer viveiro. Costuma-se fazer,

às vezes, um canteiro de... de viveiro, para determinadas

hortaliças; por exemplo, alface, certos tipos de couve, é... planta-

se no viveiro e, depois da mudinha alcançar um certo

desenvolvimento, aí é colocada no lugar definitivo. Agora, outras

não. Outras sementes já são colocadas a granel no canteiro,

proporcionalmente à área do canteiro.

Este exemplo evidencia a hipótese de uma gramaticalização por pressão

de informatividade, nos termos de Traugott & König (1991: 194), através da qual

um novo sentido é inferido do sentido original em alguns contextos. A sentença

Outras sementes já são colocadas a granel no canteiro pode ser mudada para Já

174

174

outras sementes são colocadas a granel no canteiro sem prejuízo da idéia geral.

Em outras palavras, um uso decorre naturalmente de outro.

Eis outro exemplo que também demonstra esta relação entre os dois

reproduzido abaixo, em que a informante diz que nem sempre consegue fazer

direito a calda de pudim de leite:

110 – E: Mas como é que a gente sabe o ponto da calda?

I: Ah, isso aí, minha filha, eu não sei te explicar. Não sei mesmo,

porque isso depende muito da mão da gente no dia. Depende

muito. É experimentando. É porque também tem isso, não é?

Tem dia que eu faço uma coisa bem, no dia seguinte já... na

outra hora quer fazer, você já não faz igual.

Neste exemplo, ocorre a mesma coisa. Pode-se inferir daí um valor

comparativo do elemento já: já na outra hora você não faz igual.

5.5.3 – Já Conclusivo

Há contextos em que o operador argumentativo já assume um valor

conclusivo, uma vez que ocorre em uma sentença que expressa conseqüência em

relação ao que foi dito antes. O trecho abaixo, em que o informante fala dos

problemas do casamento, exemplifica este caso:

111 – I: ... então eu falo pra minha filha: "Cuidado, vê quem está

namorando, procura ver". Mas é uma loteria realmente.

Casamento é uma loteria.

E: Mas o tempo do namoro não dá para conhecer?

175

175

I: O tempo do namoro muitas vezes dá, mas às vezes as pessoas

muda a cabeça. Principalmente, às vezes a pessoa é nova e

começa muita da vez até numa condução com uma colega, o

homem, por exemplo: bate papo daqui, bate papo dali, e um

chopinho, coisa e tal papapá e já vem aquele esquentamento de

cabeça e é bonitinha, a mulher de casa é mais feia, aí já vem

aquele degócio e já começa as briga em casa e vem a

separação, como vice-versa. A mulher é a mesma coisa...

Pode-se notar que os elementos já sublinhados se encontram em

contextos que lhes emprestam uma idéia de conseqüência: as sentenças que eles

precedem expressam conseqüências em relação às anteriores. As sentenças

marcadas por já, inclusive, costumam aparecer precedidas de termos que marcam

esta idéia, como, então, aí, etc.

Assim como ocorre com o uso comparativo do elemento já observado

anteriormente, nestes contextos, o elemento já também atinge um ponto no

processo de gramaticalização em que seu valor temporal e sua função de

marcador de contra-expectativa tornam-se enfraquecidos e sua função passa a ser

mais argumentativa. Pode-se. portanto, ver aí um processo de gramaticalização

por pressão de informatividade e o uso sobre o qual este processo se aplica é o de

marcador de contra-expectativa em relação à expectativa estabelecida pelo

ouvinte, pois este tipo de marcador é contrastivo apenas em relação à expectativa

do ouvinte, constituindo argumento favorável ao que já foi dito, ou seja, ao ponto

de vista que o falante vem desenvolvendo no seu discurso. Este argumento

favorável tende a expressar idéias de causa, conclusão, explicação e outros tipos

176

176

de informação característicos de fundo, plano discursivo onde, como já foi visto, o

elemento já tende a aparecer.

O trecho abaixo, em que o informante fala do desejo de sua filha de ser

professora, demonstra o tipo de uso de já, como marcador de contra-expectativa

direcionado para o ouvinte, que origina esta gramaticalização:

112 – I: ... a minha filha, por exemplo, ela quer ser professora. Já está no

caminho certo, inclusive ela já dá as aulinhas dela, entendeu?

Pode-se notar aí que os dois casos de já sublinhados mantêm seu valor

temporal e, por isso, são casos típicos de marcador de contra-expectativa. Pode-

se notar também que as sentenças em que ocorrerem os marcadores expressam

conseqüências do fato primeiro: ela quer ser professora. Isto demonstra que há

contextos em que se pode inferir um valor conclusivo das sentenças com

marcador de contra-expectativa direcionado para o ouvinte: é o que caracteriza o

mecanismo de mudança, que Traugott & König (1991: 194) chamam pressão de

informatividade.

5.5.4 – Já em Locução Conjuntiva Causal Já que

Cunha & Cintra (1985: 576) definem locução conjuntiva como conjunções

formadas da partícula que antecedida de advérbios, preposições e particípios,

como desde que, antes que, até que, já que, dado que, visto que, etc.

A tradição gramatical já registra o fato de que é comum a união de

advérbios com a partícula que para formar este tipo de locução, mas nada diz a

respeito do processo, segundo o qual isto ocorre. No caso da locução já que, a

pergunta é: que processo levou o elemento já a este tipo de formação?

177

177

Para registrar um exemplo, transcrevo o trecho abaixo, em que o

informante fala sobre seus filhos:

113 – E: O senhor tinha vontade de ter mais filhos?

I: Não, estou satisfeito. Inclusive, eu nem era pra ter... eu não, a

patroa, tantos filhos ceto? Eu ia ficar só na Cláudia, mas aí, coisa

e tal, veio o Júnior, aí, bobeou, coisa e tal, veio o Marcelo. Mas já

que veio, está tudo bem, graças a Deus. Três crianças

maravilhosa, eu estou satisfeito.

Respondendo a pergunta formulada acima, minha hipótese é que ocorre

um processo de gramaticalização, em que o advérbio passa de elemento

meramente temporal para marcador de contra-expectativa direcionado para o

ouvinte, surgindo daí a formação já que, que, apresentando um valor causal,

passa a funcionar como elemento argumentativo, perdendo seu sentido temporal,

numa trajetória típica de gramaticalização: referencial > textual. E esta

gramaticalização pode ser explicada pelo mecanismo de mudança metáfora

espaço > (tempo) > texto e pelo mecanismo de mudança pressão de

informatividade.

Pode-se ver aí um processo de metáfora espaço > (tempo) > texto, de

acordo com Heine et alii (1991: 182), porque a noção temporal original do

elemento já, marcando situações como já ocorridas, passa, metaforicamente, a

expressar um fato primeiro, inquestionável ou imutável, que funciona

argumentativamente como causa ou condição.

Por outro lado, pode-se ver aí um processo de pressão de informatividade,

de acordo com Traugott & König (1991: 194). Em alguns contextos, pode-se inferir

um valor causal do uso de já como marcador de contraexpectariva direcionado

178

178

para o ouvinte, como se vê no exemplo abaixo, em que a informante diz que não

costuma usar creme para a pele:

114 – I: Minha filha, eu nunca usei nada quando era moça. Agora é que eu

não vou usar. Eu gosto de apanhar sol, me queimar. Me

descascar, não descasco não, que eu agora já estou curtida.

Gosto é disso, minha filha. Não. Não quero nada de creme não.

O elemento já, aí desempenhando o papel de marcador de contra-

expectativa relacionado à expectativa do ouvinte, aparece na sentença que

expressa causa agora já estou curtida em relação à conseqüência Me descascar,

não descasco não. Acredito que seja este o caminho da gramaticalização que

gerou a construção já que.

Acontece, neste caso, algo semelhante ao que ocorre com o uso de já

com valor conclusivo analisado na seção anterior. Só que, naquele caso, o

elemento já passa a se ligar à conseqüência com a gramaticalização; e, neste

caso, o elemento já se liga à causa. Sendo que, como já foi dito anteriormente,

dados argumentativos que expressam causa, conseqüência e outras noções

lógicas tendem a ocorrer em fundo, tipo de discurso em que o elemento já tende a

aparecer.

5.5.5 – Já em Expressões Fáticas do Tipo Já viu, né?

Outro caso de já, que apareceu nas entrevistas, foi em expressões do tipo

já viu, né?. O exemplo abaixo, em que a informante fala sobre as farras que são

feitas na casa dela em dia de jogo de seleção brasileira, ilustra isto:

115 – E: Já tem alguma coisa programada?

179

179

I: Não, não, assim acho que não tem nada, não. Não sei se o

Nestor já tem alguma coisa programada. Mas a farra é sempre a

mesma, não é? Porque jogou o Brasil, ganhou, tu já viu, não é?

O já, na expressão sublinhada, não funciona como marcador de contra-

expectativa, porque não estabelece nenhum tipo de contraste. A expressão indica

um espécie de busca da compreensãodo ouvinte, pois equivale a expressões

fáticas como sabe como é, né? ou entende, né?.

Como o elemento já, nestes casos, perde seu valor temporal e sua marca

de contra-expectativa, ocorre aí também uma gramaticalização por pressão de

informatividade, no sentido de Traugott & König (1991: 194), que se desenvolve

através da escala função ideacional > função textual, de acordo com o que está

desenvolvido em Heine et alii (1991: 190). A força do uso faz com que o termo

perca seu valor original, para compor uma expressão cristalizada de valor fático,

assumindo uma função pragmática.

Para resumir o que foi dito até aqui sobre o operador argumentativo já

apresento o quadro abaixo:

QUADRO I

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO

SOFRIDO PELO OPERADOR ARGUMENTATIVO JÁ.

Já dêitico

espacial/temporal

Já marca de

contraexpec.

180

180

� � � �

comparativo

conclusivo

que

Já viu,

né?

Este quadro ilustra que o operador argumentativo já apresenta, no latim,

uma origem como elemento dêitico espacial, pois sua raiz i é a mesma que está no

elemento aí. No português arcaico se encontra este valor espacio-temporal do

elemento já em expressões como jamais nunca. No português atual, este valor

desapareceu, predominando o valor de marca de contra-expectativa, originário por

gramaticalização deste uso dêitico do qual herda o sentido temporal que coexiste

com a nova função pragmático-discursiva que ele assume. Este uso como marca

de contra-expectativa gera o já comparativo, o já conclusivo, a locução conjuntiva

causal já que e a expressão fática já viu, né?.

5.6 – O Operador Argumentativo Ainda

Não há um consenso quanto à etimologia do termo ainda. Nunes (1956) e

Leite de Vasconcelos (1959) apontam, como provável origem, a formação hinc +

de + ad ou ad + hinc + de + ad. Machado (1977) repete textualmente os

argumentos de Leite de Vasconcelos.

Por outro lado, Carolina Michaelis de Vasconcelos (1921) apresenta o

étimo inde+ ad ou ab + inde + ad, preferindo ver o elemento latino inde na

formação do vocábulo. Coelho (s.d.), Bueno (1968) e Cunha (1982) apontam

também a origem do elemento no latim inde. Nascentes (1955) apresenta esta

181

181

divergência quanto à origem de ainda, afirmando que Meyer-Lübke considera que

este elemento deriva de indagora, onde vê o elemento inde.

Em princípio, para o meu obejtivo de encontrar, nos usos do elemento

ainda, uma gramaticalização espaço > (tempo) > texto, que caracteriza o uso dos

operadores argumentativos em geral, as duas hipóteses são válidas. Tanto em

hinc, que segundo Faria (1975), pode significar daqui, deste lugar, donde; a partir

daqui, deste ponto; de onde, desta fonte; dele; daí, a partir deste momento; quanto

em inde, que, segundo Faria (1975), pode significar de lá, daí, daquele lugar;

desde então, a partir desse momento, pode-se ver uma origem espacial.

Todavia, vou adotar a posição, que parece ser a mais aceita, de que o

elemento ainda provém do advérbio latino inde, que também gerou o arcaico ende

de valor basicamente espacial.

No português arcaico, encontra-se ainda (ou inda) com o mesmo valor de

hoje em dia, como se pode ver no exemplo abaixo, retirado de Magne (1944: II,

150):

116 – E tanto que a el chegou, salvou-o mui bem e mui apôsto; e Erec o

ar salvou, que o nom conhecia ainda e perguntou-lhe quem era.

Ao lado deste ainda, existia o cognato ende, que, nas palavras de Magne

(1944), "é o advérbio latino inde. Indica lugar daí, daqui". O exemplo abaixo é de

Magne (1944: III, 183):

117 – Vós me meteste tam gram pesar no coraçom, que jamais nom sairá

ende.

Nestes exemplo, o valor espacial do elemento sublinhado é claro e se

evidencia na anáfora alusiva ao termo anteriormente mencionado coraçom. Mas o

182

182

elemento ende, em alguns contextos, pode significar a respeito disto, como se

pode observar nos exemplos abaixo retirados de Magne (1944: I, 76) e Magne

(1944: I, 155):

118 – Amigo, de onde sodes e de qual linhagem?

E ele lhe disse ua peça, mas pero nom lhe disse ca era filho

de Lançarot, e que sua mãe era filha d'el-rei Peles, ca muitas vezes

ouvira já ende falar.

119 – E depois que foram dentro e foram desarmados, el-rei feze-os

assentar apar de si e fez-lhes muita honra e começou-lhes a

perguntar das suas fazendas. E eles disserom ende algumas

coisas.

Como se pode notar, o elemento ende, nestes dois exemplos, faz alusão

anafórica de modo diferente: equivale a sobre o assunto mencionado ou a respeito

do assunto mencionado.

O elemento ende também pode fazer alusão anafórica a um motivo ou

causa já mencionada, assumindo o valor de por isso, ainda segundo Magne (1944:

I, 37), de onde foi retirado o exemplo abaixo:

120 – Véspera de Pinticoste, foi grande gente assuada em Camaalot, assi

que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e

muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo,

honrou-os muito e feze-os mui bem servir.

Neste caso, o elemento ende alude anaforicamente a algo já mencionado,

fazendo-o a causa do conteúdo expresso pela sentença em que acorre, ou seja,

funcionando como elemento conclusivo. Nestes casos o ende também pode

183

183

aparecer seguido de preposição por, como demonstra o exemplo abaixo, retirado

de Nunes (1959: 6):

121 – ... e depois quando veo nostro señor Ihesu Christo, confirmoo

dizedo aos judeus que, macar dezemauã as cousas meudas, que

nõ deue leyxar de o fazer das graandas, e esta paraula lles disso,

porque ten que deuiã dezemar de todo. Por ende os cristiãos

guardaron esto sempre...

Este elemento por ende (ou porende), que dá uma idéia de conseqüência

à sentença em que ocorre, pode também aparecer sob a forma de porém, como

se pode ver no exemplo abaixo, retirado de Magne (1950: I, 82):

122 – ... cada uu pense en si qual cousa e qual vida é melhor para si

meesmo, ca non é cousa que possa seer que perteença nem

compra a todos seguir uua carreira de vida, posto que todos

entendam uua fim.

E porém cada uu deve pensar mui discretamente quejando o

fez a natura e quejando ele fez de si meesmo; ca alguus há i de

tal condiçom que a vida solitária é a eles mais grave que a

morte...

Neste exemplo, o porém não tem valor adversativo, como ocorre

atualmente, e sim um valor conclusivo, equivalente a por isso, conseqüentemente,

em que o elemento faz alusão anafórica fazendo dos dados mencionados

anteriormente a causa das situações por eles regidas.

A forma porém é a única reminiscência do elemento ende no português

atual, em que ele assume um valor adversativo bastante diferente do original. Esta

184

184

passagem porém (conclusivo) é o resultado de uma gramaticalização por pressão

de informatividade no sentido de Traugott & König (1991: 194), pois surge de um

contexto específico em que se pode inferir um valor adversativo do porém

originalmente conclusivo. Said Ali (1971: 187) propõe que esta mudança

semântica partiu de construções negativas, que constituem o ponto de contato

entre estas idéias tão diversas e apresenta este contexto gerador da mudança

através de alguns exemplos, dois dos quais reproduzo abaixo:

123 – E ainda que quando o levaram adiante del-rei desmaiou, não

desfalleceu porém em sua firmeza, mas foi um natural pejo.

124 – A corda quebrou outra vez, parece que com piedade, mas não

quebraram porém os duros ânimos dos crueis algozes, antes com

gram presteza foram buscar a um poço outra.

Embora ainda significando por isso, o elemento porém, nestes casos,

ocorre, em função da negação, em sentenças contrastivas em relação ao que foi

dito anteriormente. este é o contexto do qual, por pressão de informatividade,

surge o uso contrastivo de porém.

Este é mais um exemplo de gramaticalização espaço > texto, em que um

elemento dêitico espacial passa a assumir um valor argumentativo, tornando-se

conjunção.

Dos derivados do advérbio latino inde, portanto, desapareceu o arcaico

ende, chegando aos dias de hoje apenas as formas porém (proveniente de ende),

que acabei de demonstrar e a forma ainda, que passo agora a analisar.

No português atual, como já ocorria na Idade Média, o elemento ainda não

possui valor espacial e, pelo menos de acordo com o que foi visto nas entrevistas,

185

185

seu valor temporal se manifesta basicamente nos casos de marcador de contra-

expectativa, uso que constitui o resultado de uma gramaticalização, em que o

elemento passa a assumir, além do valor temporal, uma função pragmático-

discursiva.

As entrevistas apresentaram os seguintes casos de ainda:

a) Ainda marcador de contra-expectativa

b) Ainda inclusivo

c) Ainda como intensificador de advérbio

d) Ainda ligado a predicativo

Passo agora a analisar cada um destes casos.

5.6.1 – Ainda Marcador de Contra-expectativa

O elemento ainda, como marcador de contra-expectativa, predomina nas

entrevistas. De um total de 41 casos observados, 37 casos (90,2%) foram

classificados como marcadores de contra-expectativa.

Assim como foi demonstrado com o operador argumentativo já, o uso de

ainda, como marca de contrexpectativa, é resultado de um processo de

gramaticalização por pressão de informatividade, de acordo com Traugott & König

(1991: 194), através da escala função ideacional > função interpessoal > função

textual, assim como foi proposto por Heine et alii (1991: 190). Com este processo,

o elemento passa de indicador temporal para marcador de contra-expectativa, em

que, apesar de manter ainda seu valor temporal básico, passa a assumir uma

função argumentativa: marcar sentenças cujo conteúdo contrasta com as

expectativas envolvidas nos diálogos entre falante e ouvinte.

186

186

Assim como na análise do elemento já, observei o uso do ainda de acordo

com três tipos de expectativa: expectativa estabelecida pelo contexto sócio-

cultural, expectativa estabelecida pelo falante e expectativa estabelecida pelo

ouvinte.

É muito difícil encontrar, no discurso, casos de expectativa sócio-cultural

pura. Mesmo quando se menciona algum fato para o qual há uma expectativa

culturalmente estabelecida, o que é raro, o falante tende a mencioná-la como

argumento, o que transforma a ocorrência em um caso de expectativa

estabelecida pelo falante ou pelo ouvinte. Um dos poucos exemplos encontrados

está no trecho abaixo, em que a informante fala que, embora esteja velha, ainda

gostaria de combinar roupas de acordo com a moda jovem:

125 – ... Agora, moda de um modo geral... agora, essa coisa... adoro essa

moda. Se eu fosse moça, eu adoraria usar, eu acho descontraído,

eu acho fabuloso, porque eu ainda tenho ainda aquela coisa de

querer combinar sapatinho com bolsa, a calça com o lencinho no

pescoço. Ainda guardo estas coisas, mas para essa juventude eu

acho fabulosa essa moda.

A expectativa culturalmente estabelecida, neste caso, é que, por ser uma

pessoa de certa idade, a informante não deveria ligar para este tipo de coisa. O

elemento ainda serve, então, para marcar a sentença cujo conteúdo vai de

encontro a esta expectativa. É este aspecto contrastivo que caracteriza o uso dos

marcadores de contra-expectativa.

Mas o que mais ocorre são casos em que, havendo ou não um padrão

cultural que estabeleça uma expectativa perceptível contextualmente, falante e

ouvinte tendem a trabalhar as expectativas no diálogo. Ou seja, o falante direciona

187

187

seus argumentos para as expectativas estabelecidas pelo ouvinte, ou tece seus

argumentos de modo a ele mesmo estabelecer as expectativas no seu discurso,

sendo as sentenças marcadas por ainda, contrastivas em relação a estas

expectativas.

Como exemplo de expectativa estabelecida pelo ouvinte, apresento o

trecho abaixo, que trata de uma família conhecida sua:

126 – I: ... porque meu pai parece que tinha uma família conhecida em

Botafogo. É... da família Cruz Seco... Ainda tem gente deles

vivo. Eles eram da costeira e meu pai e minha mãe começou a

frenqüentar lá também por amizade. E foi aí que eles se

conheceram. Tanto que... tem pessoas da família que uma...

meus padrinhos de batismo era os pais dessa moça que... da

Maria Eugênia. E Maria Eugênia ainda é viva. Mora em Vitória...

Pode-se notar que as sentenças marcadas por ainda não são contrastivas

em relação ao que foi dito antes. Pelo contrário, o contraste se estabelece em

relação à expectativa do ouvinte: como o informante fala de antigos amigos de

seus pais, é natural que o ouvinte pense que estas pessoas já estão mortas. As

sentenças com ainda refletem, portanto, uma preocupação do falante de quebrar

esta expectativa no ouvinte. A característica básica do operador ainda como marca

de contra-expectativa em relação ao ouvinte é não ser contastivo ao que foi dito,

mas ao que o ouvinte espera.

Por outro lado, o que caracteriza a expectativa estabelecida pelo falante é

o fato de a sentença com ainda expressar um conteúdo que contrasta com o que

já foi dito. Apresento, como exemplo deste tipo de ocorrência, o trecho abaixo, em

188

188

que o informante diz que, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não tem

condições de fazer uma vigilância que impeça o desmatamento:

127 – I: ... Mas a questão é que o nosso país é muito grande, os recursos

são pequenos relativamente às nossas necessidades, não é? E o

governo encontra dificuldade em aparelhar os orgãos

adequadamente para fazer uma vigilância constante. Porque, por

exemplo, precisariam de aviões, de helicópteros... de uma porção

de outras máquinas caríssimas para... como no, nos Estados

Unidos, que o cidadão... o menor abuso, o menor desrespeito às

leis que regem, por exemplo, a conservação das florestas, ele...

instantaneamente é visitado por um orgão da fiscalização. Mas

aqui não há ainda recursos para isso.

Há aí um contraste entre os Estados Unidos com recursos e o Brasil sem

recursos. A sentença mas aqui não há ainda recursos para isso, que se refere ao

Brasil, é constrativa em relação ao que é dito em relação aos Estados Unidos,

sendo, inclusive, precedida de uma conjunção adversativa mas, que evidencia isto.

Aliás, é comum, nestes casos, aparecerem elementos que dão idéia de

contraste ou oposição, como conjunções adversativas, concessivas, alternativas, e

outros elementos valor semelhante, como por outro lado, no mais, etc. Do total de

ocorrências de expectativa estabelecida pelo falante (22 casos), 45% (10 casos)

apareceram precedidos deste tipo de elemento, o que evidencia a existência deste

contraste.

A hipótese que defendo é que o termo ainda, que apresenta uma origem

como elemento indicador de noção espacial em latim, passa a expressar a noção

temporal por gramaticalização via metáfora espaço > (tempo) > texto, de acordo

189

189

com Heine et alii (1991: 182), e, de elemento temporal, passa a marcador de

contra-expectativa, por gramaticalização via pressão de informatividade, de acordo

com Traugott & König (1991: 194), pois o uso do valor temporal deste elemento

tende a expressar um posicionamento em relação às expectativas dos

interlocutores a respeito dos assuntos que estão sendo falados. Este uso também

constitui uma trajetória função ideacional > função interpessoal > função textual,

de acordo com Heine et alii (1991: 190), pois é o resultado da intenção do falante

de direcionar a interpretação do ouvinte.

É através deste processo de gramaticalização por pressão de

informatividade, que torna os elementos mais discursivos e menos referenciais,

que este uso contrastivo de ainda origina, entre outras ocorrências que ainda

serão analisadas, locuções como ainda que e ainda assim, em cujo valor

concessivo persiste este contraste. Estas locuções não foram encontradas nas

entrevistas.

Assim como ocorre com o operador argumentativo já, o operador ainda

tende a ocorrer em fundo. Ou seja, é muito comum o aparecimento de ainda em

fundo narrativo ou não-narrativo e também em sentenças não-narrativas que

seguem trechos narrativos, servindo-lhes de fundo, ou vice-versa. Isto significa

que, além de o marcador ainda expressar, em termos argumentativos, um

contraste em relação às expectativas estabelecidas por falante e ouvinte, funciona

como contrastivo textual: marca a passagem de um plano discursivo a outro.

Isto pode ser percebido no exemplo abaixo, em que o informante conta

que antigamente animava festas da igreja:

128 – I: Agora, eu, depois que dei baixa do exército, mesmo antes de dar

baixa no exército, eu animava as festinha da igreja, entendeu? Eu

190

190

imitava Zé Trindade, Chico Anísio, até hoje ainda imito, entendeu?

Então, nas festinhas, eu tinha dispensa até do quartel.

Neste exemplo, o informante passa do plano narrativo para o não-

narrativo, marcando, com o operador argumentativo ainda, a sentença não-

narrativa, que constitui um comentário de fundo para o que está sendo narrado.

O contrário também pode ocorrer, como se vê no exemplo abaixo, em que

o informante responde um comentário do entrevistador de que moradores de uma

outra vila têm sido pressionados a vender suas casas, dizendo que isto não

acontece na sua vila:

129 – I: Então deve ser um caso especial. Vai ver que... é... Bom, aqui

não, felizmente, então talvez não seja o motivo... o motivo seja

que realmente ainda não atraiu a atenção nem a cobiça de

alguma pessoa.

Aqui ocorre o contrário. O informante inicia no plano não-narrativo e depois

passa para o plano narrativo, utilizando uma sentença marcada por ainda.

Este contraste textual também se manifesta em sentenças de fundo em

oposição a sentenças de figura em narrativas e não-narrativas. Apresento, como

exemplo disto, o trecho abaixo, em que o informante narra a história de

Tutankamon, que leu em um livro:

130 – I: ... aí eles foram, não é? E foram para... e desceram, não é?

Quando... aí chegou uns amigos deles, não é? Chegaram e

brigaram com os caras lá, não é? Aí, na hora de começar a

coroação, ele chegou, não é? Mas ele ainda era pequeno, criança

ainda, não é? Então para ser rei ele tinha que casar com uma

191

191

menina, não é? Aí casaram, não é? Ficaram marido e mulher as

crianças, não é? Aí ficaram sendo os reis.

As sentenças marcadas por ainda apresentam todas as características de

fundo narrativo: não expressam eventos seqüenciais dinâmicos de figura, mas

situações não-dinâmicas imperfectivas.

O mesmo pode ocorrer em discurso não-narrativo, como se pode observar

no exemplo abaixo, que trata da participação do homem e da mulher na divisão do

trabalho da casa:

131 – I: ... e os homens são mais especializados em produzir dinheiro pra

se comprar: é a própria organização social que nós temos que

leva a isso. Então, a mulher é mais levada a fazer compras,

prover a casa e tal, que é a obrigação dela, não é? Geralmente,

na divisão do trabalho é assim. Está se modificando muito, mas

ainda é muito assim.

Neste exemplo, a sentença marcada por ainda funciona como fundo não-

narrativo, pois expressa um situação não-dinâmica simultânea em relação à

sentença anterior. O elemento ainda, que em termos temporais expressa uma

idéia de algo que se prolonga no tempo, se adapta bem às situações de fundo,

que são simultâneas aos eventos momentâneos de figura. Trata-se de um

marcador de contra-expectativa em relação ao falante, que marca sentenças que

contrastam, não apenas como argumentos, mas por indicarem mudança de plano

discursivo.

Procurei observar a percentagem referente à distribuição do operador

argumentativo ainda em relação à oposição figura/fundo dentro das narrativas e

não-narrativas, e em relação à oposição narrativa como fundo para não-narrativa

(NAR/NÃO-NAR) ou não-narrativa como fundo para narrativa (NÃO-NAR/NAR).

192

192

QUADRO J

DISTRIBUIÇÃO DE AINDA EM RELAÇÃO À POSIÇÃO FIGURA/FUNDO DENTRO DE UM MESMO PLANO DISCURSIVO E EM RELAÇÃO À PASSAGEM

DE UM PLANO PARA OUTRO.

FIGURA FUNDO

NAR 3 casos (7,3%) NAR 9 casos (22%)

NÃO-NAR 1 caso (2,4%) NÃO-NAR 10 casos (24,4%)

NÃO-NAR/NAR 1 caso (2,4%) NÃO-NAR/NAR 12 casos (29,3%)

NAR/NÃO-NAR 2 casos (7,3%) NAR/NÃO-NAR 3 casos (7,3%)

TOTAL 7 casos (17%) TOTAL 34 casos (83%)

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS: 41 CASOS

Como se pode ver neste quadro, do total de ocorrências de ainda

observadas (41 casos), 83% (34 casos) ocorreram em fundo, o que demonstra

uma forte tendência deste elemento para ocorrer neste plano discursivo.

Por outro lado, apenas 7 caos (17%) apareceram em figura. Mas é

importante ressaltar, em relação a isto, duas coisas. Em primeiro lugar, 3 casos de

figura foram de contraste narrativo, sendo que 1 casos de não-narrativa como

fundo para narrativa (NÃO-NAR/NAR) e 2 de narrativa como fundo para não-

narrativa (NAR/NÃO-NAR) como se pode notar no quadro. Em segundo lugar, a

única ocorrência de figura não-narrativa foi um caso de ainda inclusivo, que não é

um marcador de contra-expectativa.

Dos 3 casos de figura narrativa que aparecem no quadro, 1 é precedido de

fundo, configurando um caso de contraste textual, e 2 casos aparecem precedidos

de conjunções ou elementos de contraste, como mas, apesar de e outros, o que

leva à hipótese de que o marcador de contra-expectativa ainda, se não marca

193

193

contraste textual, tende a ser marcado pela presença destas conjunções ou

elementos de contraste.

5.6.2 – Ainda Inclusivo

Outra ocorrência do operador argumentativo ainda registrada nas

entrevistas é o que convencionei chamar de ainda inclusivo. Trata-se de um tipo

de uso de ainda com valor semelhante ao termo também, que perde seu valor

temporal, assumindo uma função argumentativa, que é a de incluir novas

informações. O trecho abaixo, em que o informante fala sobre a vegetação no

Brasil, serve de exemplo:

132 – I: Agora, no Paraná predomina o pinho. O pinheiro, não é? O que

abastece o Brasil de madeira para as construções, que é o pinho,

vem do Paraná. Também um... uma pequena parte do, do norte

do Rio Grande, mas principalmente do Paraná e pouquinho

também de Santa Catarina... No mais eu acho que a vegetação é

constituída de... uma mata rala, não é? Porque já foram quase

totalmente destruídas, temos ainda uma vegetação que é muito

conhecida dos brasileiros lá no Nordeste, que é também uma

mata rala...

Neste contexto, o operador ainda não é marcador de contra-expectativa,

pois não tem valor temporal, assumindo a função de incluir novos argumentos ao

discurso. Pode-se ver aí um processo de gramaticalização por pressão de

informatividade segundo Traugott & König (1991: 194), pois este valor inclusivo do

ainda é inferido de alguns contextos em que o ainda marcador de contra-

expectativa pode ser interpretado como inclusivo. O exemplo abaixo, em que o

194

194

informante fala sobre a vegetação no Brasil, demonstra como este uso se origina

do uso como marcador de contra-expectativa:

133 – I: Agora, floresta... hoje em dia, nós poderemos dizer, infelizmente

nós só encontramos uma pequena faixa do estado do Espírito

Santo e amazônica. São florestas tipo tropical, não é? Onde

predominam as árvores de grande porte e.. por exemplo, o pau-

ferro, a maçaranduba, o jaquitibá, o cedro, o jacarandá, a

castanheira, a seringueira – isso na região amazônica. Agora, na

Bahia, também ainda há uma pequena região... em que

encontramos muita madeira preciosa...

A semelhança entre este exemplo e o anterior (ex. 80) é muito grande.

Ambos introduzem informação nova em sentença marcada por ainda. Mas, neste

exemplo, o elemento funciona como marcador de contra-expectativa, pois o valor

temporal do elemento se mantém: ainda existe uma pequena região, ou seja, não

foi desmata ainda. Já no exemplo anterior (ex. 80), este valor temporal se perde.

É também interessante notar que, em alguns contextos, este uso inclusivo

pode assumir um valor enfático, em que o ainda é, às vezes, acompanhado da

expressão por cima (ainda por cima). Um exemplo disto é o trecho abaixo, que

estabelece uma comparação entre as mulheres de hoje e as de antigamente:

134 – I: ... eu noto que a... essas meninas de hoje são todas bem altas,

esguias, sem barriga, pouco busto... Ao passo que no nosso

tempo... Acho que era até bonito mulher avantajada, né?

E: É, pra en... e ainda tinha assim mil recursos pra encher, não é?

O elemento ainda não tem aí valor temporal, pois sua função é ampliar,

somar argumentos em favor, enfatizar a idéia. Este uso é também resultado da

195

195

gramaticalização por pressão de informatividade, de acordo com Traugott & König

(1991: 194), pois é inferível, em termos conversacionais, do uso inclusivo de ainda.

5.6.3 – Ainda como Intensificador de Advérbio

Como é comum nos advérbios, sobretudo nos de intensidade, o operador

argumentativo ainda pode referir-se a outro advérbio. Os casos deste tipo

encontramos nas entrevistas são ainda mais, ainda bem, ainda esta semana, mas

são também possíveis construções como ainda agora, ainda ontem, ainda assim,

etc.

Reproduzo uma das ocorrências das entrevistas através do exemplo

abaixo, em que a informante diz que seus filhos ainda não foram assaltados:

135 – E: E os meninos já foram assaltados?

I: Não também, graças a Deus.

E: Ainda bem, não é?

O valor deste ainda é de intensidade. Ele se refere ao advérbio que o

sucede, enfatizando ou intensificando o conteúdo por ele expresso: ainda bem é,

mais ou menos, equivalente a melhor.

O mesmo ocorre no exemplo abaixo, em que a informante fala de um

parente de Campos do Jordão:

136 – E: E você mantém contato com seus sobrinhos ainda?

I: Esse lá de Campos do Jordão eu mantenho. Ainda essa semana

ele ligou pra mim.

Assim como a expressão ainda agora tem valor semelhante a agorinha,

neste minuto; o elemento ainda, no exemplo acima, enfatiza a proximidade do

dado temporal expresso pelo advérbio a que se refere. Interpreto esta ocorrência

196

196

como pertencendo ao mesmo fenômeno do exemplo anterior (ex. 135). Nestes

casos, o elemento ainda não possui valor temporal, como ocorre com os

marcadores de contra-expectativa. Sua função é enfatizar a idéia expressa pelo

advérbio a que se refere. Este uso é decorrente, por gramaticalização via pressão

de informatividade, segundo Traugott & König (1991: 194), do uso enfático do

ainda inclusivo, demonstrado no exemplo 128. Com a aplicação deste processo, o

elemento, pressão do uso, passa a se referir a advérbios.

O quadro abaixo resume o processos de gramaticalização que envolve o

operador argumentativo ainda:

QUADRO L

REFERENTE AO PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO QUE

CARACTERIZA O OPERADOR ARGUMENTATIVO AINDA.

Inde

Espacial/Temporal

� �

Ende

Anafórico

Ainda marca

de contraexpec.

� � �

Ende Equival.

a sobre isso

Por ende

Conclusivo

Ainda

Inclusivo

� �

Porém

Contrastivo

Ainda ligado

a outro adv.

197

197

Este quadro ilustra o processo de gramaticalização que caracteriza os

usos do operador argumentativo ainda. O advérbio latino de valor espácio-

temporal inde, gera no português arcaico, a forma ende e a forma ainda (ou inda).

Esta forma ende, que se manifesta basicamente como anafórico de base espacial,

gera o ende quivalente a sobre isso e o ende conclusivo (por ende), que, por sua

vez se gramaticaliza em porém constrastivo.

A forma ainda, com valor de marcador de contra-expectativa, gera o ainda

inclusivo, que pode se ligar a outro advérbio enfatizando o seu sentido.

198

198

6 – OS RESULTADOS OBTIDOS

Esta seção do trabalho se refere aos resultados obtidos nas análises desenvolvidas a

respeito da colocação dos circunstanciadores temporais e dos operadores argumentativos.

6.1 – A Colocação dos Circunstanciadores Temporais

Trato aqui dos resultados numéricos obtidos das entrevistas observadas em termos

da colocação de cada tipo de circunstanciador temporal pelas posições dentro da sentença

em que aparecem e pelos tipos de discurso em que ocorrem. Passo, então, a relatar estes

resultados.

6.1.1 – Os Circunstanciadores de Tempo Determinado

O quadro abaixo distribui os circunstanciadores de tempo determinado, que

ocorrem nas entrevistas observadas, em cada uma das posições na sentença analisadas, de

acordo com o tipo de discurso de que fazem parte:

QUADRO A

DISTRIBUIÇÃO DOS CIRCUNSTANCIADORES DE TEMPO DETERMINADO EM RELAÇÃO AOS GRUPOS DE FATORES POSIÇÃO NA SENTENÇA E TIPO DE DISCURSO.

FIGURA — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito) 48 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 81 casos 135 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 6 casos 78%

(continuação Quadro A)

199

199

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 30 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 3 casos 38 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 5 casos 22%

TOTAL 173 casos

FUNDO — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 8 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 30 casos 41 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 3 casos 59,4%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 18 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 2 casos 28 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 8 casos 40,6%

TOTAL 69 casos

FIGURA — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 40 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 37 casos 81 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 4 casos 79,4%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 13 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 5 casos 21 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 3 casos 20,6%

TOTAL 102 casos

FUNDO — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 25 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 40 casos 67 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 2 casos 55,4%

(continuação Quadro A)

200

200

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 29 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 7 casos 54 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 18 casos 44,6%

TOTAL 121 casos

Nota-se, em primeiro lugar, que, do total de circunstanciadores de tempo

determinado em figura narrativa (173 casos), 135 casos (78%) apareceram em posições pré-

verbais. Por outro lado, apenas 38 casos (22%) ocorreram nas posições pós-verbais.

A mesma tendência aparece na não-narrativa, em que, de um total de 102 casos

deste tipo de circunstanciador, 81 casos (79,4%) ocorrem nas posições pré-verbais e apenas

21 casos (20,6%), em posições pós-verbais.

O que estamos constatando aqui é a tendência dos circunstanciadores de tempo

determinado de serem topicalizados ou enfatizados através da sua colocação em posições

pré-verbais em figura narrativa e não-narrativa. Isto ocorre porque o discurso de figura

caracteriza-se por apresentar basicamente eventos específicos seqüenciais e os

circunstanciadores de tempo determinado são a marca temporal que regulariza esta

seqüencialidade. A topicalização ou enfatização, neste caso, se manifesta como

conseqüência da importância deste tipo de circunstanciador neste tipo de discurso.

Com relação discurso de fundo, constatamos ainda uma superioridade numérica

deste tipo de circunstanciador nas posições pré-verbais, mas com uma diferença percentual

bem menor. No caso de fundo narrativo, de um total de 69 ocorrências de circunstanciador

de tempo determinado, 41 casos (59,4%) ocuparam as posições pré-verbais e 28 casos

(40,6%), as posições pós-verbais.

No caso de fundo não-narrativo, de um total de 121 casos, 67 casos (55,4%)

apareceram nas posições pré-verbais e 54 casos (44,6%), nas posições pós-verbais.

201

201

Quanto ao discurso de fundo narrativo, o que se esperava a princípio é que

ocorressem mais circunstanciadores de tempo determinado após o verbo, uma vez que o

discurso de fundo narrativo, por definição, não tende a apresentar eventos específicos

seqüenciais, caracterizando-se, ao contrário, pela presença de situações não-específicas

temporalmente simultâneas aos eventos de figura. Sendo assim, o discurso de fundo deveria

apresentar a tendência oposta à figura; a maior ocorrência de circunstanciadores de tempo

determinado em posições pós-verbais.

Mas uma análise mais aprofundada mostrou a existência, em fundo narrativo, da

mesma seqüencialidade não-específica, que caracteriza a figura não-narrativa, e que, na

maioria dos casos, apresentou circunstanciadores de tempo determinado antes do verbo.

Compare-se o exemplo 1, em que a informante conta a bagunça que ela e os

colegas fizeram numa padaria, com o exemplo 2, em que o informante explica como fazia

enxerto para transformar limoeiro em laranja:

1 – I: ... a gente estava para brincar, para fazer bagunça, para ver o forno, o homem

abriu, assim, o forno, aí eu: eu vou entrar lá, quando eu sair, eu saio

torradinha. Ficamos brincando assim... No outro dia, o seu Mário não foi, a

gente falamos que ia fazer uma pesquisa. Nisso tinha um negócio assim

grandão, aí o homem estava explicando... depois entraram os garotos:

"Vamos pegar pão." Aí a gente entramos para pegar pão. Garota, quando o

homem olhou assim para minha cara, a gente pegamos o pão e ó, se

mandamos, depois Dona Manoelina viu e aí ela brigou. Neste dia, meu pai

ia fazer a espada então ela não falou nada, ficou um doce. Depois que eu

cheguei, fui lá e falei assim...

2 – I: Bom, eu plantava, plantava a laranja-da-terra em caroço ou limão, que o

povo chama aí de limão-cravo ou limão-galego. E, depois que ele adquiria,

essas mudas adquiriam certo desenvolvimento, então nós fazemos o

202

202

enxerto. Aliás, tirávamos a muda de um recanto da chácara, que costuma-se

dar o nome de viveiro... e levava para o lugar definitivo. Depois daquela

muda se adaptar à mudança local, então fazia-se o enxerto.

Nos exemplos emparelhados acima, aparecem conjuntos de eventos seqüenciais

acompanhados dos circunstanciadores de tempo que estão sublinhados, e que estão em

posição pré-verbal. A diferença está no fato de que, no primeiro, exemplo, ocorre uma

narrativa de eventos específicos, enquanto que, no segundo exemplo, encontra-se uma

narrativa de eventos não-específicos, ou seja o informante conta como ele costumava agir, e

não como ele agiu em uma ocasião particular.

A colocação do circunstanciador em posição pré-verbal, nestes contextos, tem a

função de enfatizar os dados temporais que marcam a seqüencialidade dos eventos. Em

outras palavras, esta topicalização do circunstanciador temporal ocorre em função de sua

força informativa dentro do tipo de discurso em que ocorre. Esta força informativa deve ser

entendida como o resultado da interação entre as características semânticas do

circunstanciador e os traços semântico-gramaticais típicos do plano discursivo em que ele

ocorre.

Nos exemplos acima, a topicalização dos circunstanciadores temporais ocorre

porque eles expressam os dados temporais que regulam a seqüencialidade dos eventos, que,

embora seja basicamente típica do discurso de figura, também pode ocorrer em fundo com

eventos não-específicos.

Ocorrências como as registradas no exemplo 2 foram comuns nas entrevistas,

sempre marcadas pela presença de circunstanciadores de tempo determinado em posição

pré-verbal. Daí a presença de uma grande quantidade, ou, pelo menos, de uma quantidade a

princípio inesperada deste tipo de circunstanciador em posições pré-verbais no discurso de

fundo narrativo.

203

203

6.1.2 – Os Circunstanciadores de Tempo de Indeterminado

O quadro abaixo demonstra a quantidade de circunstanciadores de tempo

indeterminado, que ocorrem nas entrevistas, em cada uma das posições observadas, e de

acordo com o tipo de discurso de que fazem parte:

QUADRO B

DISTRIBUIÇÃO DOS CIRCUNSTANCIADORES DE TEMPO INDETERMINADO EM RELAÇÃO

AOS GRUPOS DE FATORES POSIÇÃO NA SENTENÇA E TIPO DE DISCURSO.

FIGURA — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 8 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 0 casos 8 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 0 casos 50%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 3 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 1 caso 8 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 4 casos 50%

TOTAL 16 casos

(continuação Quadro B)

FUNDO — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito) 40 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 37 casos 111 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 34 casos 85,4%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Em predicado sem compl. ou pred.) 11 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 19 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 8 casos 14,6%

TOTAL 130 casos

FIGURA — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 3 casos

204

204

POS 2 (Antes do sujeito) 1 caso 4 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 0 casos 57%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 0 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 3 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 3 casos 43%

TOTAL 7 casos

FUNDO — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 58 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 41 casos 131 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 32 casos 78,9%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 16 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 10 casos 35 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 9 casos 21,1%

TOTAL 166 casos

Neste quadro, há duas coisas a observar. Em primeiro lugar, aparece uma

quantidade de muito pequena de circunstanciadores de tempo indeterminado em figura,

tanto em narrativas quanto em não-narrativas. Isto ocorre porque este tipo de

circunstanciador, que expressa informações temporais imprecisas ou indeterminadas, não é,

em essência, compatível com as tendências semânticas do discurso de figura, cujos eventos

seqüenciais específicos pedem informações temporais mais precisas, tendendo, portanto a

apresentar circunstanciadores de tempo determinado.

Em segundo lugar, chama atenção a distribuição destes circunstanciadores nas

posições pré-verbais em fundo narrativo e não-narrativo. Em fundo narrativo, de um total de

130 casos, 111 casos (85,4%) apareceram antes do verbo, enquanto que apenas 19 casos

(14,6%) apareceram depois do verbo. Em fundo não-narrativo, de um total de 166 casos,

205

205

131 casos (78,9%) ocuparam as posições pré-verbais, enquanto que apenas 35 casos (21,1%)

ocorreram em posições pós-verbais.

Ocorre que este tipo de circunstanciador, estando relacionado às características

semântico-gramaticais do discurso de fundo, tende a constituir informação forte, o que leva

às posições pré-verbais. Entendendo sempre força informativa como a tendência de

topicalização conseqüente da interação entre as características semânticas do

circunstanciador e do tipo de discurso em que ele ocorre.

Apresento, a título de exemplo, o trecho abaixo, retirado de uma das entrevistas, em

que o informante fala de como as crianças eram educadas antigamente.

3 – I: Antigamente, no meu tempo, a criança era muito presa. Eu, por exemplo, até

dezessete, dezoito ano, meu pai dizia: "Dez hora tem que estar em casa".

Hoje em dia, uma criança com dezessete, dezoito ano nem vem pra casa...

Então essa liberdade é que afasta da igreja. Que antigamente a gente tinha que

ir pra igreja, ficava até oito horas e depois vinha pra casa. Mas agora, com

essa liberdade de poder ficar a noite toda, então não vai mais para a igreja...

Pode-se notar que os circunstanciadores de tempo indeterminado que estão

sublinhados, estão todos em posição pré-verbal, assumindo a tendência que os caracteriza

em discurso de fundo, que é marcado por situações não-seqüenciais e não-específicas, que

são mais compatíveis com este tipo de circunstanciador.

6.1.3 – Os Circunstanciadores de Simultaneidade

206

206

O quadro abaixo distribui os circunstanciadores de simultaneidade, que ocorreram

nas entrevistas, em cada uma das posições observadas, de acordo com o tipo de discurso de

que fazem parte:

QUADRO C

DISTRIBUIÇÃO DOS CIRCUNSTANCIADORES DE SIMULTANEIDADE EM RELAÇÃO AOS GRUPOS DE FATORES POSIÇÃO NA SENTENÇA E TIPO DE DISCURSO.

FUNDO — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 4 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 0 casos 6 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 2 casos 100%

(Continuação Quadro C)

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred.depois do verbo)

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) NÃO OCORRE

POS 6 (Depois do compl. ou pred.)

TOTAL 6 casos

FUNDO — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 3 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 2 casos 5 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 0 casos 100%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo)

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) NÃO OCORRE

POS 6 (Depois do compl. ou pred.)

TOTAL 5 casos

Nota-se, neste quadro, por um lado, a total ausência deste tipo de circunstanciador

em figura, tanto em narrativas quanto em não-narrativas, e, por outro lado, a presença de

100% destes circunstanciadores nas posições pré-verbais em fundo nos dois tipos de

207

207

discurso. Ocorre que a característica básica do discurso de fundo é a existência de situações

marcadas pela simultaneidade ou encobrimento cronológico em relação aos eventos

seqüenciais de figura, logo este tipo de circunstanciador, que expressa essa simultaneidade,

tende a só ocorrer em fundo.

Isto também explica o fato de estes circunstanciadores aparecerem todos em

posições pré-verbais em fundo, ou seja, a interação entre os traços semântico-gramaticais

deste tipo de circunstanciador com os do tipo de discurso em que ele ocorre o leva a parecer

no início da frase.

O exemplo abaixo, que fala do diretor de uma penitenciária, ilustra bem o caso:

4 – I: Nós tínhamos lá um diretor, que funcionou lá durante um ano e dez meses O

fato é que ele, enquanto organizava, ele não permitia mais preso durante o

dia dormindo...

Também este outro exemplo, em que o informante fala de seu trabalho:

5 – I: ... aí, quando chega lá pra meia-noite, eu dou um toque no garção...

enquanto eles vão comendo o pastel meu, eu vou tomando a cerveja deles...

no fim dava tudo certo...

Nos dois exemplos, encontramos trechos de fundo e os circunstanciadores de

simultaneidade, que estão sublinhados, aparecem em posição pré-verbal.

6.1.4 – Os Circunstanciadores Delimitativos

O quadro abaixo mostra a quantidade de circunstanciadores delimitativos, que

ocorreram nas entrevista, em cada uma das posições observadas, e de acordo com o tipo de

discurso de que fazem parte:

208

208

QUADRO D

DISTRIBUIÇÃO DOS CIRCUNSTANCIADORES DELIMITATIVOS EM RELAÇÃO AOS GRUPOS

DE FATORES POSIÇÃO NA SENTENÇA E TIPO DE DISCURSO.

FIGURA — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 5 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 6 casos 12 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 1 caso 75%

(continuação Quadro D)

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 3 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 4 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 1 casos 25%

TOTAL 16 casos

FUNDO — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 6 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 5 casos 11 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 0 casos 34,4%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 12 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 3 casos 21 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 6 casos 65,6%

TOTAL 32 casos

FIGURA — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 0 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 4 casos 5 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 1 caso 38,4%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 6 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 8 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 2 casos 61,6%

TOTAL 13 casos

209

209

FUNDO — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 10 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 10 casos 21 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 1 casos 44,6%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 16 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 26 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 10 casos 55,4%

TOTAL 47 casos

Nota-se, através deste quadro, que os circunstanciadores delimitativos assumem, na

narrativa, um comportamento semelhante aos circunstanciadores de tempo determinado, ou

seja, tendem a ocorrer nas posições pré-verbais em figura e nas posições pós-verbais em

fundo: de um total de 16 casos em figura narrativa, 12 casos (75%) apareceram antes do

verbo, enquanto que 4 casos (25%) ocorreram depois do verbo; e, de um total de 32

ocorrências em fundo, 21 casos (65,6%) apareceram depois do verbo, enquanto que 11 casos

(34,4%) ocuparam as posições pré-verbais.

Já no discurso não-narrativo, esta tendência não se manteve, pelo menos no que diz

respeito à figura, que apresentou mais casos deste tipo de circunstanciador em posições pós-

verbais: de um total de 13 casos, 5 (38,4%) ocorreram antes do verbo, enquanto que 8

(61,6%) ocorreram depois do verbo.

Isto se explica pelo fato de que este tipo de circunstanciador apresenta duas

características distintas. Por um lado, indica o momento específico em que se inicia e/ou

termina o evento, funcionando como um circunstanciador de tempo determinado. Por outro

lado, expressa a duração de eventos específicos imperfectivos, ou de eventos não-

específicos ao longo do tempo, apresentando características semântico-gramaticais típicas de

210

210

fundo. Isto faz com que os circunstanciadores delimitativos apresentem tendências mais

livres de colocação.

Para citar um exemplo de circunstanciador delimitativo, apresento o trecho abaixo.

Nele o informante fala das vezes em que foi ao Maracanã:

6 – I: ... fui no Maracanã duas vezes na minha vida. Durante todo tempo meu aqui

no Rio de Janeiro, só fui no Maracanã duas vezes...

Encontra-se, neste exemplo, o circunstanciador delimitativo sublinhado em posição

pré-verbal em uma narrativa de figura.

6.1.5 – Os Circunstanciadores Iterativos

O quadro abaixo se refere à quantidade de circunstanciadores iterativos em cada

uma das posições observadas, e de acordo com o tipo de discurso de que fazem parte:

QUADRO E

DISTRIBUIÇÃO DOS CIRCUNSTANCIADORES ITERATIVOS EM RELAÇÃO AOS GRUPOS DE FATORES POSIÇÃO NA SENTENÇA E TIPO DE DISCURSO.

FIGURA — NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo)

POS 2 (Antes do sujeito) NÃO OCORRE

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo)

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 2 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 caso 5 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 3 casos 100%

TOTAL 5 casos

FUNDO — NARRATIVA

211

211

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 0 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 3 casos 7 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 4 casos 78%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 0 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 2 casos 2 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 0 casos 22%

TOTAL 9 casos

(Continuação Quadro E)

FIGURA — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 3 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 6 casos 12 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 3 casos 93%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 1 caso

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 0 casos 1 caso

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 0 casos 7%

TOTAL 13 casos

FUNDO — NÃO–NARRATIVA

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito antes do verbo) 12 casos

POS 2 (Antes do sujeito) 42 casos 57 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 3 casos 81,5%

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Sem compl. ou pred. depois do verbo) 5 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 5 casos 13 casos

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 3 casos 18,5%

TOTAL 70 casos

No que diz respeito à narrativa, este quadro mostra que ocorreram pouquíssimos

casos de circunstanciadores iterativos em figura e que todos os casos apareceram em

posições pós-verbal. Por outro lado, em fundo, onde também apareceram poucos casos, de

212

212

um total de 9 ocorrências, 7 (78%) apareceram antes do verbo, e apenas 2 casos (22%)

apareceram depois do verbo.

Não é por acaso que ocorrem poucos casos de circunstanciadores iterativos em

figura narrativa, pois este tipo de discurso caracteriza-se basicamente pela seqüencialidade

(perfectividade) de eventos específicos diferentes e a iteratividade marcada por estes

circunstanciadores implica a idéia de uma repetição sistemática dos mesmos eventos. A

interatividade, portanto, não é semanticamente compatível com a figura narrativa. Daí a

existência de poucos casos e todos eles aparecerem depois do verbo, desfocalizados. Já o

fundo narrativo é marcado pelo traço [–específico] e a iteratividade, que expressa a repetição

no tempo que caracteriza por definição os eventos não-específicos e se encaixa bem neste

contexto. Isto faz com que os circunstanciadores iterativos assumam posições pré-verbais

neste tipo de discurso, já que eles carregam informações que devem ser enfatizadas pela

antecipação do circunstanciador em relação ao verbo.

Quanto à não-narrativa, notamos que a grande maioria dos casos ocorreu em

posição pré-verbal, já que o traço [–específico] caracteriza este tipo de discurso tanto em

fundo quanto em figura.

Eis um exemplo, em que o informante fala de si e de sua esposa:

7 – E: Você e sua esposa costumam passear muito?

I: De vez em quando a gente passeia... de vez em quando, até pra variar,

procuro um motel eu e ela...

Neste exemplo, encontram-se situações não-específicas de fundo e os

circunstanciadores iterativos, que estão sublinhados, apareceram antes do verbo. Na própria

pergunta costuma passear muito?, a presença do verbo costumar evidencia a importância da

informação iterativa neste caso.

213

213

6.1.6 – Análise dos Resultados

Os resultados numéricos apresentados acima leva, à conclusão de que existe uma

tendência determinada para a colocação dos circunstanciadores temporais na sentença.

Segundo esta tendência, a colocação do circunstanciador depende da força que a informação

que ele carrega assume dentro da estrutura do discurso em que ele ocorre. Esta força

informativa deve ser entendida como a tendência de topicalização resultante da iteração

entre o tipo de informação temporal expressa pelo circunstanciador e os traços semântico-

gramaticais característicos de tipo de discurso em que ele aparece.

Em outras palavras, o circunstanciador tende a ocorrer em posições pré-verbais

quanto traz informações temporais análogas aos traços semântico-gramaticais do discurso

em que ocorre. Esta relação semântica empurra o circunstanciador para as posições pré-

verbais, enfatizando-o ou topicalizando-o.

Ao contrário, se não há esta relação semântica, o circunstanciador tenderá a ocupar

as posições pós-verbais, ou mesmo a não ocorrer em tipos de discurso cujos traços

semântico-gramaticais são não-análogos ou incompatíveis com a informação temporal por

ele expressa.

Neste sentido, a tendência dos circunstanciadores de tempo determinado é assumir

posições pré-verbais em figura narrativa e não-narrativa (e pós-verbais em fundo narrativa e

não-narrativo), pois a força informativa que assumem nestes contextos os leva a ser

topicalizados ou enfatizados. Pela mesma razão, os circunstanciadores de tempo

indeterminado e os circunstanciadores de simultaneidade tendem a aparecer antes do verbo

em fundo narrativo e não-narrativo.

Quanto ao circunstanciadores iterativos, sua tendência é aparecer em posições pré-

verbais em fundo narrativo e em figura e fundo não-narrativos, tipos de discursos marcados

pelo traço [–específico], que estimula a existência de iteratividade.

214

214

E finalmente, os circunstanciadores delimitativos tendem a apresentar tendências

mais gerais de colocação, uma vez que apresentam duas características distintas. Por um

lado, indica o momento específico em que se inicia e/ou termina o evento, funcionando

como um circunstanciador de tempo determinado. Por outro lado, expressa a duração de

eventos específicos imperfectivos ou de eventos não específicos ao longo do tempo,

apresentando características típicas de fundo.

6.2 – A Colocação dos Operadores Argumentativos

Este capítulo se refere à distribuição dos operadores argumentativos pelas posições

abaixo:

ANTES DO VERBO

POS 1 – Em sentenças sem sujeito antes do verbo.

POS 2 – Antes do sujeito.

POS 3 – Entre o sujeito.

DEPOIS DO VERBO

POS 4 – Sem complemento ou predicativo depois do verbo.

POS 5 – Entre o verbo e o complemento ou predicativo.

POS 6 – Depois do complemento ou predicativo.

Vejamos, então, como se comportam, neste sentido, os operadores argumentativos

analisados neste trabalho.

6.2.1 – O Operador Argumentativo Aí

No que diz respeito à colocação do operador argumentativo aí, pode-se dizer que

existem tendências bem delineadas para os diferentes usos deste operador.

215

215

Como foi vista na análise dos usos de aí, existem duas trajetórias de

gramaticalização diferentes, que partem do mesmo ponto inicial (seu uso dêitico espacial) e

chega, a resultados diferentes: uma trajetória leva o elemento a assumir, em determinados

contextos, uma função seqüencializadora de base temporal e outra leva o elemento a entrar

na estrutura do sintagma nominal e funcionar como elemento modificador de substantivos.

Além disso, o elemento sofre um processo de degramaticalização, que se inicia na expressão

olha aí, que, perdendo parte de sua estrutura fonética, torna-se aí (olha aí > aí) e passa a ser

usada sem as restrições gramaticais características da expressão original, retornando à

criatividade do discurso.

Como estas três trajetórias demonstram tendências diferentes em termos de

colocação, tratarei separadamente de cada uma delas.

6.2.1.1 – As Trajetórias da Gramaticalização

A gramaticalização implica normalmente a especialização gramatical de um

elemento lingüístico, o que tende a levar este elemento a assumir um posicionamento mais

fixo na sentença. Especialmente no que diz respeito a este tipo de gramaticalização –textual

> +textual, em que estão envolvidos os operadores argumentativos. No caso do elemento aí,

ocorrem duas trajetórias distintas que o levam a assumir funções distintas com tendências de

colocação distintas.

6.2.1.1.1 – A Trajetória para Elemento Seqüencializador

A trajetória para elemento seqüencializador, que ocorre com o elemento aí, tem seu

ponto de partida, como já foi visto, no uso dêitico espacial deste elemento. Este uso dêitico

gera o uso anafórico, que, por sua vez, gera o uso seqüencial. Este uso seqüencial origina

216

216

dois usos distintos: aí introduzindo informação nova e aí conclusivo. Inicio observando a

colocação do uso dêitico espacial, que constitui o ponto de partida da gramaticalização.

Os cinco únicos casos de aí dêitico espacial que ocorram nas entrevistas

apareceram em fundo não-narrativo, em posição 6. Com relação ao tipo de discurso, pode-se

dizer que o elemento aí, como dêitico espacial é tipicamente não-narrativo, já que, em

narrativas, a alusão dêitica se faz normalmente pelos advérbios ali e lá, que se referem a

dados espaciais pertencentes aos fatos narrados e, portanto, distantes do falante e do ouvinte.

Com relação à posição em que ocorre, apesar do número muito pequeno de ocorrências

(apenas cinco), pode-se registrar uma tendência do aí dêitico espacial de ocupar posições

pós-verbais, o que o distingue do aí com função seqüencializadora, que tende a ocorrer,

como está demonstrado no quadro abaixo, em posições pré-verbais 1 e 2, que são típicas de

conectivos.

QUADRO F

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DE AÍ RESULTANTES DA TRAJETÓRIA DE GRAMATICALIZAÇÃO PARA ELEMENTO SEQÜENCIALIZADOR

NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 65 casos POS 1 6 casos

POS 2 20 casos POS 2 4 casos

POS 3 0 casos POS 3 0 casos

TOTAL 85 casos TOTAL 10 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 1 caso POS 4

POS 5 0 casos POS 5 NÃO OCORRE

POS 6 0 casos POS 6

TOTAL 1 caso TOTAL 0 casos

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS EM NARRATIVAS – 96 CASOS

(Continuação Quadro F)

217

217

NÃO–NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 18 casos POS 1 23 casos

POS 2 8 casos POS 2 12 casos

POS 3 0 casos POS 3 0 casos

TOTAL 26 casos TOTAL 35 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 POS 4

POS 5 NÃO OCORRE POS 5 NÃO OCORRE

POS 6 POS 6

TOTAL 0 casos TOTAL 0 casos

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS EM NÃO-NARRATIVAS – 61 CASOS

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS 157 CASOS

Este quadro se refere à colocação do aí anafórico e do aí seqüencial com suas

variantes aí introduzindo informação nova e aí conclusivo. O que se nota é uma tendência

muito forte de estes usos do elemento aí ocorrerem em posições pré-verbais 1 e 2: de um

total de 157 casos destes usos de aí, 156 casos (99,3%) ocorreram em posições pré-verbais 1

e 2 (e nenhum em posição 3), enquanto que apenas 1 caso ocorreu em posição pós verbal

(posição 4): um caso de aí anafórico, que não tem a função de subordinar sentenças, como

ocorre com o aí seqüencial e suas variantes, não apresentando, portanto, a tendência básica

de ocorrer em início de sentença.

O aí seqüencial e suas variantes funcionam basicamente como conectivos e

seqüencializam sentenças subordinando-as. Daí a tendência a assumir, na sentença,as

posições típicas de conectivos (posições pré-verbais 1 e 2), nunca aparecendo entre o

sujeito e o verbo (posição 3).

218

218

Esta característica destes usos de aí de ocorrer em posições pré-verbais 1 e 2

contrasta com os usos de aí provenientes trajetória para elemento modificador, como passo

agora a demonstrar.

6.2.1.1.2 – A Trajetória Para Elemento Modificador

Como já foi visto, os usos do elemento aí também refletem uma outra trajetória de

gramaticalização, em que o elemento passa a assumir função de modificador, tornando-se

parte de sintagmas nominais. O ponto de partida desta trajetória é também o uso dêitico

espacial, que, com este processo, vai perdendo especificação semântica e assumindo uma

tendência mais restrita em termos de sua colocação na sentença. Isto pode ser visto no

quadro abaixo:

QUADRO G

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DE AÍ RESULTANTES DA TRAJETÓRIA DE GRAMATICALIZAÇÃO PARA ELEMENTO MODIFICADOR

NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 0 casos POS 1 0 casos

POS 2 0 casos POS 2 0 casos

POS 3 5 casos POS 3 6 casos

TOTAL 5 casos TOTAL 6 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 0 casos POS 4 3 casos

POS 5 0 casos POS 5 0 casos

POS 6 4 casos POS 6 5 casos

TOTAL 4 casos TOTAL 8 casos

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS EM NARRATIVAS – 23 CASOS

219

219

(continuação Quadro G)

NÃO–NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 0 casos POS 1 0 casos

POS 2 0 casos POS 2 0 casos

POS 3 1 caso POS 3 12 casos

TOTAL 1 caso TOTAL 12 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 1 2 casos POS 1 9 casos

POS 2 0 casos POS 2 0 casos

POS 3 5 casos POS 3 16 casos

TOTAL 7 casos TOTAL 25 casos

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS EM NARRATIVAS – 45 CASOS

TOTAL DE CASOS OBSERVADOS 68 CASOS

Este quadro é referente aos elemento que se envolvem na trajetória para elemento

modificador, cujo ponto de partida, como já foi demonstrado, é o aí dêitico espacial.

Tratando esta trajetória como um processo gradual, este quadro engloba dois tipos de

elementos. Em primeiro lugar, determinados usos de aí, que expressam a noção espacial de

maneira mais genérica. Estes usos representam o primeiro passo na direção do aí

modificador, pois nestes casos, já se nota a perda da indicação de proximidade espacial em

relação ao ouvinte. O exemplo abaixo, em que o informante fala dos assaltos que ocorrerem

no seu bairro, exemplifica este uso:

1 – I: Olha, eu vou dizer uma coisa: Eu ando de madrugada aí no Grajaú e eu já

evitei um bocado de assalto aí, porque o sujeito está andando a pé... eu vejo

o garoto roubar gasolina, então ele me vê de longe, ele vai embora, e corre,

está entendendo?

220

220

Neste caso, os elementos aí sublinhados não expressam proximidade em relação ao

ouvinte, pois não fazem alusão ao bairro onde o ouvinte está, mas ao bairro do falante. Ou

seja, neste exemplo, o elemento aí mantém sua função de indicador espacial, mas perde a

marca semântica de proximidade em relação ao ouvinte e passa a fazer referência espacial

de modo mais genérico.

O outro uso registrado nesse quadro é o aí funcionando como um modificador

propriamente dito, em que há a perda do valor dêitico/anafórico original e uma mudança nas

tendências de colocação do elemento, que penetra no sintagma nominal, assumindo função

de modificador. O exemplo abaixo, em que o filho pergunta para onde o pai vai, ilustra este

caso:

2 – I: ... vai na casa de um filho: "não, papai, eu vou sair, vou para... para casa do

meu sogro, vou para a casa do não sei quê, e tal. O senhor vai aonde?" Eu

digo: "eu vou para uma festa aí. Está tudo legal, eu vou". Mas eu não vou a

festa nenhuma...

Neste exemplo, o elemento aí não funciona como advérbio espacial indicador de

proximidade em relação ao ouvinte, mas como elemento modificador do substantivo festa:

vou dar uma determinada festa.

No que diz respeito à colocação destes elemento, nota-se, no quadro, a

predominância das posições 3, 4 e 6. Todos os casos que ocorreram em posição 4 (além de 1

caso em posição 3 e 2 casos e posição 6) não são de elementos modificadores propriamente

ditos, mas daqueles usos espaciais que constituem o primeiro passo da trajetória para

elemento modificador.

221

221

Isto significa que a tendência do aí como elemento modificador é aparecer nas

posições 3 e 6, ou mais especificamente, depois do substantivo ao qual se refere dentro do

sintagma nominal: ocorrerá em posição 3 se, por exemplo, este sintagma nominal

desempenhar a função de sujeito e aparecer antes do verbo; ocorrerá em posição 6 se

desempenhar a função de objeto ou adjunto adverbial e aparecer depois do verbo.

As tendências de colocação do aí seqüencializador e do aí modificador apontam

para uma distribuição complementar, pois o primeiro tende para as posições pré-verbais 1 e

2 e o segundo tende a ocupar a posição pré-verbal 3 e a posição pós-verbal 6.

6.2.1.1.3 – Aí em Degramaticalização

O processo de degramaticalização, como já foi demonstrado anteriormente,

consiste na perda de restrições gramaticais de um determinado elemento lingüístico. Com

esta perda, o elemento passa a ser usado de modo imprevisto pelo falante, retornando à

criatividade do discurso.

Estou partindo da hipótese de que alguns usos do elemento aí, que estou

englobando no rótulo aí em degramaticalização, se explicam por este fenômeno. Estes usos

têm sua origem na expressão olha aí, que seguindo um processo determinado, assume

primeiramente um valor fático, funcionando como uma expressão que prenuncia um aviso,

um conselho ou uma ordem. Em seguida, perde este valor semântico (e as restrições

gramaticais dele características), passando a ser usado de modo mais livre e espontâneo.

Paralelamente ocorre uma perda de estrutura fonética: olha aí > aí.

222

222

Não é objetivo deste trabalho analisar o processo de degramaticalização, mas a

gramaticalização através da qual determinados elementos podem apresentar, entre outros,

um valor temporal seguindo um processo de transformação semântica delimitável. Mas,

certamente, uma análise da colocação do aí em degramaticalização levaria à constatação de

que este elemento apresenta uma mobilidade mais livre na sentença, em função da perda de

restrições gramaticais que a degramaticalização impõe ao elemento.

6.2.2 – O Operador Argumentativo Depois

Outro dado a ser observado é o posicionamento do elemento depois na sentença. O

quadro abaixo demonstra isto.

QUADRO H

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO DEPOIS PELAS POSIÇÕES OBSERVADAS, EM FIGURA E FUNDO NARRATIVOS E NÃO–NARRATIVOS

NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 22 casos POS 1 3 casos

POS 2 14 casos POS 2 2 casos

POS 3 2 casos POS 3 1 caso

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 0 casos POS 4 0 casos

POS 5 0 casos POS 5 0 casos

POS 6 1 caso POS 6 0 casos

OUTROS 3 casos OUTROS 2 casos

TOTAL 42 casos TOTAL 8 casos

(Continuação Quadro H)

NÃO–NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

223

223

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 17 casos POS 1 2 casos

POS 2 14 casos POS 2 0 casos

POS 3 2 casos POS 3 0 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 1 caso POS 4 0 casos

POS 5 1 caso POS 5 0 casos

POS 6 0 casos POS 6 0 casos

OUTROS 3 casos OUTROS 1 caso

TOTAL 38 casos TOTAL 3 casos

TOTAL DE OCORRÊNCIAS 91 CASOS

Este quadro demonstra duas coisas importantes. Em primeiro lugar, a tendência do

elemento depois para ocorrer em figura narrativa e não-narrativa: do total de 91 ocorrências

de depois analisadas, 80 (88%) aparecem em figura. Isto ocorre porque, com valor espacial

ou temporal, o elemento depois é essencialmente seqüencial e a seqüencialidade é a

característica básica da figura. Isto é válido também para as ocorrências marcadas no quadro

como OUTROS, em que estão enquadrados os casos de locução conjuntiva e preprositiva,

que, além de expressarem idéia de seqüencialidade, aparecem sempre no início do sintagma

ao qual se ligam, pois funcionam como conectivos, assim como ocorre com o ai seqüencial

analisado anteriormente.

Outro dado importante é a tendência do elemento depois de aparecer em posições

pré-verbais 1 e 2: do total de 91 ocorrências de depois, 74 (81,3%) apareceram em posições

pré-verbais 1 e 2. Esta é a posição típica do depois seqüencial que constitui a maior parte das

ocorrências.

6.2.3 – O Elemento Logo

224

224

Foram poucas as ocorrências do elemento logo nas entrevistas: apenas 7

ocorrências. Ainda assim pode-se detectar uma tendência estável no que diz respeito à sua

colocação, como se pode perceber no quadro abaixo:

QUADRO I

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO LOGO PELAS POSIÇÕES OBSERVADAS

NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 POS 1

POS 2 NÃO OCORRE POS 2 NÃO OCORRE

POS 3 POS 3

TOTAL 0 casos TOTAL 0 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 0 casos POS 4

POS 5 1 caso POS 5 NÃO OCORRE

POS 6 2 casos POS 6

TOTAL 3 casos TOTAL 0 casos

TOTAL EM FIG. 3 CASOS TOTAL EM FUN. 0 CASOS

NÃO–NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 POS 1 1 caso

POS 2 NÃO OCORRE POS 2 0 casos

POS 3 POS 3 0 casos

TOTAL 0 casos TOTAL 1 caso

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 0 casos POS 4 1 caso

POS 5 2 casos POS 5 0 casos

POS 6 0 casos POS 6 0 casos

TOTAL 2 casos TOTAL 1 caso

TOTAL EM FIG. 2 CASOS TOTAL EM FUN. 2 CASOS

TOTAL DE OCORRÊNCIAS OBSERVADAS 7 CASOS

225

225

O número muito reduzido de ocorrências impede que se chegue a uma conclusão

mais definitiva, entretanto, pode-se registrar algumas coisas interessantes. Em primeiro

lugar, houve apenas uma ocorrência de logo conclusivo e esta única ocorrência apareceu em

POS 1 em fundo não-narrativo. Ora, por funcionar como uma conjunção, a posição típica de

ocorrência é o início da sentença, ou, mais especificamente, nas posições pré-verbais, à

exceção da POS 3 (entre o sujeito e o verbo), em que não ocorrem conectivos.

Acredito, portanto, poder afirmar que a tendência do elemento logo com valor

conclusivo é se colocar em POS 1 e POS 2. Quanto ao tipo de discurso, o logo conclusivo

pode relacionar eventos e situações, ou seja, pode ocorrer tanto em figura quanto em fundo,

tanto em narrativas quanto em não-narrativas, como ocorre com o operador então com valor

conclusivo, que será analisado adiante.

As outras 6 ocorrências do operador logo possuem valor temporal e aparecem todas

em posições pós-verbais, sendo que 5 casos ocorrem em figura (narrativa e não-narrativa).

Acredito poder afirmar que, por apresentar valor temporal e seqüencializar eventos, este tipo

de ocorrência do operador logo tende a aparecer em figura narrativa e não-narrativa, tipos de

discurso que tendem a apresentar eventos seqüenciais.

6.2.4 – O Elemento Então

O elemento então, no que diz respeito à sua colocação, segue a tendência, dos

demais operadores argumentativos, como se pode observar no quadro abaixo:

QUADRO J

226

226

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO ENTÃO PELAS POSIÇÕES OBSERVADAS, EM FIGURA E FUNDO NARRATIVOS E NÃO–NARRATIVOS

NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 11 casos POS 1 22 casos

POS 2 16 casos POS 2 12 casos

POS 3 2 casos POS 3 0 casos

TOTAL 29 casos TOTAL 34 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 POS 4 2 casos

POS 5 NÃO OCORRE POS 5 0 casos

POS 6 POS 6 0 casos

TOTAL 0 casos TOTAL 2 casos

TOTAL EM FIG. 29 CASOS TOTAL EM FUN. 36 CASOS

NÃO–NARRATIVAS

FIGURA FUNDO

ANTES DO VERBO ANTES DO VERBO POS 1 12 casos POS 1 46 casos

POS 2 6 casos POS 2 37 casos

POS 3 0 casos POS 3 0 casos

TOTAL 0 casos TOTAL 83 casos

DEPOIS DO VERBO DEPOIS DO VERBO POS 4 POS 4 3 casos

POS 5 NÃO OCORRE POS 5 1 caso

POS 6 POS 6 2 casos

TOTAL 0 casos TOTAL 6 casos

TOTAL EM FIG. 18 CASOS TOTAL EM FUN. 89 CASOS

TOTAL DE OCORRÊNCIAS OBSERVADAS 172 CASOS

Este quadro demonstra algumas tendências importantes no que diz respeito à

colocação do elemento então. Em primeiro lugar, nota-se uma tendência do elemento então

para ocorrer em fundo, principalmente em não-narrativas: do total de ocorrências de então

227

227

observadas (172 casos), 125 casos, ou 72,6% ocorreram em fundo, sendo que 89 casos, ou

51,7%, ocorreram em não-narrativas e apenas 36 casos, ou 20,9% ocorreram em narrativas.

Isto ocorre porque 72,1% (124 casos) das ocorrências analisadas são de então

conclusivo. E este uso é essencialmente não-narrativo e se enquadra mais nas características

semânticas de fundo, sendo, inclusive, responsável pela imensa maioria das ocorrências em

fundo: dos 124 casos de então conclusivo observados, 110, ou 88,7% ocorreram neste plano

discursivo.

Tanto em narrativas quanto em não-narrativas, só ocorreu então em posição pré-

verbal em discurso de figura. O que aconteceu é que, neste plano discursivo, predomina o

uso de então seqüencial, que é, pela natureza da função que desempenha, um operador

argumentativo essencialmente de posições 1 e 2.

Por outro lado, o quadro apresenta uns poucos casos de então em posição pós-

verbal em fundo narrativo e não-narrativo, o que demonstra uma tendência deste operador

argumentativo de não aparecer depois do verbo.

Esta tendência se evidencia quando se observam dois fatos. Em primeiro lugar, os 2

casos de então que ocorreram em posição 6 e 1 caso dos que ocorreram em posição 4 em

fundo narrativo são de então intensificador, que sempre ocupa as posições finais da

sentença. Em segundo lugar, duas ocorrências de então pós-verbal em fundo apareceram em

perguntas feitas pelo entrevistador, nas quais parece ocorrer uma intenção de realçar o termo

que, no contexto, expressam um ponto importante da informação que está sendo pedida,

retirando-o da sua posição normal. O trecho abaixo, em que a informante diz que prepara o

almoço na parte da manhã, exemplifica isto:

228

228

66 – I: ...mas é tudo neste horário. Só a Fátima é que vem assim, essa hora,

conforme vocês viram.

E: E na parte da tarde, que você vai fazer então?

Este é um caso de então conclusivo que soa como alternativo: por outro lado, o que

você vai fazer à tarde?. A inversão posicional do então realça este por outro lado, essa nova

realidade, que está sendo solicitada pelo entrevistador.

O mesmo ocorre no exemplo abaixo, em que a informante conta como seus pais se

conheceram e como sua mãe aprendeu sírio. Neste caso, aparece um então em posição 3

(entre o sujeito e o verbo):

67 – E: Eles não voltaram à Síria nem para conhecer?

I: Não, não deu para eles irem.

E: E ela conheceu seu pai, quer dizer, havia o relacionamento do seu pai com

os pais dela?

I: Não... eu me lembro... eles contavam aí. Já o meu pai veio da Síria com

nove anos. Ela veio pequenina. Eles se conheceram porque meu pai

parece... tinha uma família conhecida em Botafogo... da família Cruz

Seco...

E: E como é que sua mãe, então, aprendeu sírio?

Neste exemplo ocorre a mesma coisa. O então é transportado para a POS 3, que não

lhe é característica, para realçar o termo que mais reflete a intenção do entrevistador ao fazer

a pergunta naquele contexto. Esta intenção parece ser direcionar o assunto para a informação

nova, ou seja, a outra possibilidade, a outra alternativa: se não foi assim, como foi então ?.

229

229

Para concluir, todos estes dados evidenciam a tendência do elemento então é

colocar-se nas posições pré-verbais 1 e 2 (não depois do sujeito) em figura e fundo

narrativos ou não-narrativos, podendo, em função de aspectos argumentativos particulares a

determinados momentos do discurso, como ocorre em perguntas, aparecer em posições que

não lhe são características.

6.2.5 – O elemento Já

O elemento já se apresentou relativamente estável no que diz respeito à sua

colocação, como se pode observar no quadro abaixo:

QUADRO L

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO JÁ PELAS POSIÇÕES OBSERVADAS

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito) 79 casos (42,2%)

POS 2 (Antes do sujeito) 1 caso (0,5%)

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 95 casos (50,8%)

TOTAL 175 casos (93,5%)

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Em predicado sem compl. ou pred.) 0 casos

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 2 casos (1%)

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 2 casos (1%)

TOTAL 4 casos (2%)

OUTROS CASOS 8 casos (4,2%)

TOTAL DE OCORRÊNCIAS 187 CASOS

230

230

Como se pode observar, dos 187 casos observados, 175 casos (93,5%) ocorreram,

basicamente nas posições pré-verbais 1 e 3. Ou seja, o elemento já tende a ocorrer entre o

sujeito e o verbo (50,8%), ou na ausência de sujeito (42,2%). Sabendo que a única

ocorrência em POS 2 foi de uso comparativo, que é mais compatível com esta posição,

pode-se concluir que o elemento já como marcador de contra-expectativa tende para as

posições pré-verbais, mas não ocorre antes do sujeito (ver QUADRO M mais adiante).

Já em posições pós-verbais, ocorreram apenas 4 casos (2%) dos 187 casos

observados, o que demonstra que não há uma tendência do elemento já para estas posições.

As ocorrências registradas no quadro como outros casos reúnem os seguintes casos:

a) Houve 6 ocorrências (3,2% do total de casos observados) de já ligado a adjetivo. Todos os

casos foram classificados como marcadores de contra-expectativa e ocorreram em

situações de fundo. O exemplo abaixo, em que o informante narra uma apresentação que

fez com seu grupo musical em uma boate, demonstra este tipo de ocorrência:

27 – I: ...então eu saí cantano uma música que pedia que eu saísse cantano andano

pelo salão. Precisava nem, nem microfone, casa pequena, então saí

cantano, já muito bem uisquiado, né? Cheio de uísque...

b) Houve 1 ocorrência (0,5% do total de casos observados) de já no meio de locução verbal.

Este caso foi analisado como marcador de contra-expectativa. Transcrevo este único caso

através do exemplo abaixo, em que o informante fala o que faria se tivesse ganhado na

loteria:

28 – E: Suponha que você ganhe na loteria, o que você faz?

I: Ah, se eu tivesse já ganho na loteria, ou deles tivesse ganho, acho que eu

já nem estava mais aqui.

231

231

c) Houve 1 ocorrência (0,5% do total de casos observados) de já comparativo sem a

presença de verbo. Transcrevo o caso no exemplo abaixo, em que a informante fala de

lojas de homem e de mulher:

29 – I: ... tem várias lojas de homem que eu acho lindas, já de mulher, não sei...

Para uma visão mais detalhada da colocação de cada um dos diferentes usos do

elemento já em relação às posições observadas, apresento o quadro a seguir:

232

232

QUADRO M

REFERENTE À COLOCAÇÃO DOS DIFERENTES USOS DE JÁ EM RELAÇÃO ÀS POSIÇÕES OBSERVADAS

MARCADOR DE

CONTRA-EXPECTATIVA

USO COMPARATIVO USO CONSECUTIVO LOCUÇÃO JÁ QUE NA EXPRESSÃO JÁ VIU,

NÉ?

POS 1 71 casos (41,5%) POS 1 2 casos (28,5%) POS 1 4 casos (66,7%) POS 1 0 casos POS 1 1 caso (50%)

POS 2 0 casos POS 2 1 casos (14,3%) POS 2 2 casos (33,3%) POS 2 0 casos POS 2 0 casos

POS 3 88 casos (51,4%) POS 3 3 casos (42,8%) POS 3 0 casos POS 3 1 caso (100%) POS 3 1 caso (50%)

POS 4 0 casos POS 4 0 casos POS 4 0 casos POS 4 0 casos POS 4 0 casos

POS 5 2 casos (1,2%) POS 5 0 casos POS 5 0 casos POS 5 0 casos POS 5 0 casos

POS 6 1 caso (0,6%) POS 6 1 caso (14,3%) POS 6 0 casos POS 6 0 casos POS 6 0 casos

OUTROS 9 casos (5,3%) OUTROS 0 casos OUTROS 0 casos OUTROS 0 casos OUTROS 0 casos

TOTAL 171 casos TOTAL 7 casos TOTAL 6 casos TOTAL 1 caso TOTAL 2 casos

Além de demonstrar a tendência de cada um dos usos do elemento já para as

posições pré-verbais, este quadro demonstra que o já, como marca de contra-expectativa,

tende a aparecer na POS 1 (41,5% do total de 171 casos desta ocorrência) e na POS 3

(51,4% do total de 171 casos) e de não ocorrer em POS 2 (zero casos).

O uso comparativo e a locução já que, como apresentam uma função meramente

textual, tendem a seguir as características de colocação das conjunções em geral, aparecendo

em posições pré-verbais, podendo, inclusive, de ocorrer em POS 2, ou seja, antes de sujeito.

O uso consecutivo, embora apresente função textual, não tem ainda um

comportamento, em termos de colocação, de conjunção apresentando as características

distribucionais dos marcadores de contra-expectativa, do qual se originou através do

processo de gramaticalização.

Na expressão já viu, né?, que é uma expressão cristalizada, o elemento já só pode

ocorrer em POS 1 e POS 3, ou seja, dependendo apenas da presença ou não de um sujeito a

antecedendo. Na realidade, o aparecimento do já nesta expressão segue originalmente a

tendência de colocação dos marcadores de contra-expectativa dos quais é proveniente.

6.2.6 – O Elemento Ainda

O elemento ainda demonstrou tendências bastante estáveis no que diz respeito à sua

colocação, como se pode observar no quadro abaixo:

QUADRO N

REFERENTE À DISTRIBUIÇÃO DO ELEMENTO AINDA NAS POSIÇÕES OBSERVADAS

ANTES DO VERBO

POS 1 (Sem sujeito) 15 casos (36,6%)

POS 2 (Antes do sujeito) 0 casos

POS 3 (Entre o sujeito e o verbo) 13 casos (31,7%)

TOTAL 28 casos (68,3%)

DEPOIS DO VERBO

POS 4 (Em predicado sem compl. ou pred.) 2 casos (4,9%)

POS 5 (Entre o verbo e o compl. ou pred.) 3 casos (7,3%)

POS 6 (Depois do compl. ou pred.) 2 casos (4,9%)

TOTAL 7 casos (17,1%)

OUTROS CASOS 6 casos (14,6%)

TOTAL DE OCORRÊNCIAS 41 CASOS

Como se pode observar, do total de 41 ocorrências observadas, 28 casos (68,3%)

ocorreram antes do verbo, nas posições 1 e 3, sendo que 7 casos (17,1%) ocorreram em

posições pós-verbais e 6 casos foram de ainda ligado diretamente a advérbio ou a sintagmas

que atribuem um estado a um nome (OUTROS CASOS). Isto demonstra um tendência do

elemento ainda de ocorrer em posições pré-verbais, mas não antes de sujeito.

As ocorrências registradas no quadro como OUTROS CASOS reúnem as seguintes

ocorrências:

a) Houve 3 ocorrências (7,3% do total de casos observados) de ainda como intensificador de

advérbio. O trecho abaixo, em que a informante fala que antigamente não era tão fácil

comprar roupa nas lojas exemplifica isto:

45 – E: E... hoje a gente tem este tipo de coisa... compra roupa nas lojas, mas

antigamente não era tão fácil.

I: Não era tão fácil.

E: Não é?

I: Não. Ainda mais na minha família, que era uma família de... burguesa

simples, né?

Neste caso, o elemento intensifica o valor do advérbio a que se refere, não

constituindo um caso de marcador de contra-expectativa, o que aliás ocorre em todos os

casos deste tipo. Deve-se ressaltar também que o elemento ainda não está sujeito, nestes

casos, à frase como um todo, mas ao sintagma adverbial, não podendo, portanto, ser

enquadrado em nenhuma das 6 posições observadas.

b) Houve 3 ocorrências (7,3% do total de casos observados) de ainda ligado a sintagma que

expressa estado. O trecho abaixo, em que o informante narra a história de Tutankamon,

exemplifica este caso:

46 – I: ... aí eles foram não é? E foram para... e desceram, não é? Chegaram e

brigaram com os cara lá, não é? Aí, na hora de começar a coroação, ele

chegou, não é? Mas ele ainda era pequeno, criança ainda, não é?

Neste caso, não faz sentido observar o elemento ainda de acordo com a 6 posições

observadas porque ele se refere a um elemento de valor adjetivo (criança) e sua colocação

está subordinada às tendências de colocação deste elemento e não à sentença como um todo.

Neste exemplo especificamente nem ocorre uma sentença inteira, apenas o sintagma

adjetival criança ainda.

O mesmo ocorre no trecho abaixo, em que o informante narra a história do Pato

Donald com um amendoim:

47 – I: no fim da estória... o Pato Donald desistiu, não é? E deu o amendoim que

tinha um amendoim dentro mesmo. O amendoim fechado, não é? Ainda

casca com casca não é?

Neste exemplo, o elemento ainda se liga à expressão casca com casca, que tem base

nominal, mas atribui um estado ao amendoim. Assim como no caso anterior o operador

ainda está subordinado às tendências de colocação do elemento criança, neste caso está

ligado ao sintagma nominal casca com casca e acompanha suas tendências de colocação.

Este tipo de ocorrência foi classificada como marcador de contra-expectativa, pois

mantém as mesmas características básicas deste tipo de elemento: possui valor temporal e

aparece em fundo narrativo e não-narrativo. A diferença é que, neste caso, o elemento deixa

de se referir à sentença inteira para subordinar-se, em termos de colocação, ao sintagma

nominal ou ao sintagma adjetival: ainda estava casca com casca > ainda casca com casca; ou,

no caso do exemplo anterior, era criança ainda > criança ainda.

Para uma visão mais detalhada da colocação de cada um dos tipos de usos do

elemento ainda em cada uma das posições observadas apresento o quadro abaixo:

QUADRO O

REFERENTE A COLOCAÇÃO DOS DIFERENTES USOS DE AINDA ÀS POSIÇÕES OBSERVADAS

MARCADOR DE CONTRA-EXPECTATIVA ELEMENTO DO INCLUSÃO

POS 1 15 casos (44,1%) POS 1

POS 2 0 casos 82,3% POS 2 NÃO OCORRE

POS 3 13 casos (38,2%) PRÉ-VERB. POS 3

(Continuação Quadro O)

POS 4 2 casos (5,9%) POS 4 0 casos

POS 5 2 casos (5,9%) 17,7% POS 5 1 caso (100%) 100%

POS 6 2 casos (5,9%) PÓS-VERB. POS 6 0 casos PÓS-VERB.

TOTAL 34 casos TOTAL 1 caso

LIGADO A ADVÉRBIO LIGADO A PREDICATIVO

ANTES DO ADV. 3 casos (100%) ANTES DO ADV. 2 casos (66,7%)

DEPOIS DO ADV. 0 casos DEPOIS DO ADV. 1 caso (33,3%)

TOTAL 3 casos TOTAL 3 casos

Neste quadro evidenciam-se algumas tendências importantes. Em primeiro lugar, o

elemento ainda, como marcador de contra-expectativa, apresentou uma percentagem de

82,3% nas posições 1 e 2, o que demonstra sua tendência para posições pré-verbais, à

exceção da posição 2 (Antes do sujeito).

É importante observar que, dos 6 casos de ainda pós-verbal, 2 ocorrem em

perguntas, em que o entrevistador coloca elemento ainda depois do verbo para enfatizar a

informação que está sendo pedida, como se pode observar no exemplo abaixo, em que o

informante fala das brincadeiras da sua infância:

48 – I: ... na frente da igreja... então que ali tem até umas marquinhas de pedra que

servia pra isso. A brincadeira era... se tornava boa, não é?

E: E continua ainda as crianças de...

I: Não, hoje não tem estas brincadeiras mais não.

O que ocorre aí é a tendência de se formular perguntas colocando fora de sua

posição normal a palavra que pede a informação desejada: isso acontece ainda?

Além disto, três casos apresentaram o advérbio não, de acordo com o que se pode

ver no exemplo abaixo, que trata do Instituto Penal Esmeraldino Bandeira:

49 – I: Bom, o presídio de Bangu de homens... o nome é Instituto Penal

Esmeraldino Bandeira. Ele foi colocado lá pelo governo estadual, com a

finalidade de encaminhar os presos – ou pelo menos parte deles – para o

aprendizado e o trabalho agrícola, entendeu? Eu penso que é feito, mas não

é efeito assim com um certo método – parece que o governo não conseguiu

ainda é... completar essa orientação, entendeu? De maneira que... não é...

não tem um sentido ainda organizado, pedagógico.

Minha hipótese para este fato é que o não pré-verbal pode jogar o elemento ainda

para posições pós-verbais. Ou seja, se o falante casualmente inicia a frase com o advérbio

não, ele não tem outra opção, senão colocar o ainda depois do verbo, uma vez que não é

gramatical no português formar sentenças com ainda entre o advérbio não e o verbo.

Com relação ao marcador de contra-expectativa ainda, portanto, pode-se dizer que

tudo isto evidencia sua tendência para as posições pré-verbais, à exceção da posição 2 (antes

do sujeito).

Já com relação aos demais casos, pouco se pode dizer, em virtude do número muito

pequeno de ocorrências, mas pode-se, pelo menos, chamar a atenção para a tendência do

elemento ainda de ocorrer antes do advérbio, e do sintagma que expressa estado, nos casos

em que a eles se refere.

6.3 – Análise dos Resultados

Os operadores argumentativos são termos que, em função de um processo de

gramaticalização espaço > (tempo) > texto, perderam traços semântico-gramaticais que os

caracterizavam como circunstanciadores propriamente ditos e que os levava à

topicalização/enfatização, ou não, dependendo dos traços semântico-gramaticais do tipo de

discurso em que ocorriam. Com isto, estes elementos assumem novas funções gramaticais

que visam a organizar argumentativamente pontos específicos do discurso.

Trata-se de um processo de regularização –gramatical > +gramatical, em que o

elemento se transporta do nível de maior criatividade do discurso para as restrições da

gramática.

Como especialização gramatical implica regularização de colocação, com a

gramaticalização, o elemento tem sensivelmente diminuído o seu feixe de possibilidades de

colocação, passando a assumir posições mais fixas, que caracterizam cada uma de suas novas

funções gramaticais, distinguindo-as uma das outras.

Assim, por exemplo, o aí seqüencial tende a ocorrer nas posições pré-verbais 1 e 2,

enquanto que a tendência do aí modificador é não aparecer nestas posições. O logo

conclusivo tende a ocupar as posições pré-verbais 1 e 2, enquanto que o logo temporal tende

para as posições pós-verbais. E então seqüencial tende para as posições 1 e 2, enquanto que o

então intensificador tende para as posições pós-verbais.

Por outro lado, nota-se uma regularidade, por exemplo, no fato de que todos os

operadores argumentativos aqui estudados, com função de seqüencializar sentenças, tendem

a assumir as posições pré-verbais 1 e 2, que são típicas de conectivos.

7 – CONCLUSÃO

As conclusões referentes às pesquisas aqui desenvolvidas são as seguintes:

1 – A colocação dos circunstanciadores temporais propriamente ditos, que não sofreram a

perda semântica do processo de gramaticalização, está subordinada à sua função dentro

do discurso de que fazem parte. Tendem a ser topicalizados ou enfatizados, ocupando

posições pré-verbais, os circunstanciadores que apresentam traços semântico-

gramaticais semelhantes aos traços semântico-gramaticais característicos do tipo de

discurso em que aparecem.

2 – Os circunstanciadores de tempo determinado tendem a ocupar posições pré-verbais em

figura (narrativa e não-narrativa), uma vez que este tipo de discurso caracteriza-se por

apresentar uma seqüencialidade de eventos específicos, e os circunstanciadores de

tempo determinado são a marca temporal que regulariza esta seqüencialidade,

assumindo uma importância neste tipo de discurso, que é marcada gramaticalmente pela

sua antecipação ao verbo, ou seja, é enfatizado ou topicalizado.

3 – Os circunstanciadores de tempo indeterminado tendem a ocupar posições pré-verbais em

fundo narrativo e não-narrativo, pois este tipo de discurso caracteriza-se pela presença

de situações não-específicas. Este tipo de circunstanciador, que expressa informações

temporais indeterminadas ou não-específicas, apresenta uma relação mais estreita com

este tipo de discurso, assumindo nele uma importância informativa maior. Daí a sua

topicalização ou enfatização nestes casos.

4 – Os circunstanciadores de simultaneidade tendem a ocorrer basicamente em fundo

(narrativa e não-narrativo) e em posições pré-verbais. Isto ocorre porque o discurso de

fundo tende a apresentar situações não-específicas marcadas pela simultaneidade ou

encobrimento cronológico em relação aos eventos seqüenciais em figura. Daí o fato de

estes circunstanciadores só terem aparecido, nas entrevistas, em posições pré-verbais de

fundo (narrativo e não-narrativo).

5 – Os circunstanciadores iterativos tendem a ocorrer em figura não-narrativa e em fundo

narrativo e não-narrativo em posições pré-verbais, pois estes tipos de discurso são

marcados pela presença de situações não-específicas, e os circunstanciadores iterativos

expressam a freqüência com que estas situações se repetem ao longo do tempo, tendo,

portanto, de sobressair, através de sua topicalização ou enfatização. Mais uma vez a

colocação do circunstanciador é uma conseqüência da sua conexão semântica com o tipo

de discurso em que aparece.

6 – Os circunstanciadores delimitativos apresentam tendências menos restritas de colocação,

uma vez que, por um lado, indicam o momento específico em que se inicia e/ou termina

o evento, funcionando como um circunstanciador de tempo determinado. Por outro lado,

expressa a duração de eventos específicos imperfectivos, ou de eventos não-específicos

ao longo do tempo, apresentando características semântico-gramaticais típicas de fundo.

7 – Os operadores argumentativos, com o processo da gramaticalização, perdem conteúdo

semântico, ao assumirem funções pragmático-discursivas. Com isto, deixam de seguir as

tendências de colocação típicas dos circunstanciadores propriamente ditos, que foram

enumeradas nos itens anteriores.

8 – Com a gramaticalização, o elemento passa a assumir funções argumentativas, tendo

bastante diminuído o seu campo de possibilidades de colocação. Ou seja, sua colocação

passa a depender mais das características gramaticais específicas de suas novas funções,

que surgem em contextos específicos, assumindo posições mais fixas dentro da

sentença, ou seja, sua colocação depende mais de aspectos gramaticais do que de

aspectos discursivos mais amplos.

9 – O trabalho demonstra que a hipótese da gramaticalização espaço > (tempo) > texto se

sustenta e é capaz de ver regularidades onde outra teorias vêem apenas fatos.

10 – A eficiência da teoria da gramaticalização que ficou patente neste trabalho deve servir

de estímulo para que outros pesquisadores estudem o assunto, não só repensando as

propostas aqui desenvolvidas, mas, sobretudo, analisando os dados que não foram aqui

aprofundados.

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