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40 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Braz J Periodontol - September 2011 - volume 21 - issue 03 ORTODONTIA E PERIODONTIA – PARTE I: ALTERAÇÕES PERIODONTAIS APÓS A INSTALAÇÃO DE APARELHO ORTODÔNTICO Orthodontics and periodontics: periodontal changes after the installation of orthodontic appliances Luciana Prado Maia 1 , Arthur Belém Novaes Jr 2 , Sérgio Luís Scombatti de Souza 3 , Daniela Bazan Palioto 3 , Mário Taba Jr 3 , Márcio Fernando de Moraes Grisi 3 . 1 Doutoranda em Periodontia pela FORP-USP 2 Professor Titular do Departamento de CTBMF e Periodontia da FORP-USP 3 Professor Associado do Departamento de CTBMF e Periodontia da FORP-USP Recebimento: 24/02/11 - Correção: 26/04/11 - Aceite: 23/05/11 RESUMO O tratamento ortodôntico apresenta o potencial de, indiretamente, causar alterações periodontais devido ao acúmulo de biofilme, em função da dificuldade de manutenção de higiene bucal adequada na presença de bandas e brackets. Além disso, uma dúvida comum entre os clínicos é se o tratamento ortodôntico pode promover o desenvolvimento de retrações gengivais. O objetivo deste estudo foi, através de uma revisão da literatura atual, esclarecer questionamentos constantes com relação às alterações periodontais após colocação de aparelho ortodôntico. A literatura mostra que: a colocação de aparelhos ortodônticos leva a inflamação gengival e influencia a composição da microbiota subgengival. Porém, essas condições são reversíveis em pacientes com bom padrão de higiene bucal. O aumento gengival inflamatório, em estágios iniciais, pode ser revertido através de tratamento periodontal básico, enquanto que uma situação clínica mais avançada requer intervenção cirúrgica, procedimento que apresenta resultados previsíveis e estáveis. Se um dente apresentar uma gengiva espessa associada a posição proeminente não há necessidade de procedimentos que visem ao aumento da faixa de gengiva em um estágio pré-ortodôntico. No entanto, se a quantidade de gengiva insuficiente estiver associada a um dente que será vestibularizado deve ser avaliada a necessidade de uma intervenção cirúrgica antes do tratamento ortodôntico. UNITERMOS: hiperplasia gengival, movimentação dentária, ortodontia, periodontia, retração gengival. R Periodontia 2011; 21:40-45. INTRODUÇÃO O tratamento ortodôntico apresenta o potencial de atuar como coadjuvante no surgimento de efeitos deletérios ao periodonto (Trentini et al., 1995). Muitas destas sequelas podem ser atribuídas ao acúmulo de biofilme devido à dificuldade de manutenção de higiene bucal adequada na presença de bandas e brackets. Consequentemente, o controle de biofilme inadequado pode promover alterações periodontais, que podem ser agravadas pelo tratamento ortodôntico. Além disso, uma dúvida comum entre os clínicos é se o tratamento ortodôntico pode promover o desenvolvimento de retrações gengivais, um problema estético-funcional, definido como a desnudação da superfície radicular devido ao movimento apical da gengiva (Gorman, 1967). A literatura é escassa em relação à inter-relação entre Ortodontia e Periodontia. O objetivo deste estudo foi, por meio de uma revisão da literatura atual, responder aos seguintes questionamentos: O que pode ocorrer após a instalação de aparelho ortodôntico em pacientes com periodonto saudável? O aumento gengival associado ao tratamento ortodôntico é reversível? O tratamento é previsível? O tratamento de retrações gengivais deve ser realizado antes ou após o tratamento ortodôntico?

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Page 1: ORTODONTIA E PERIODONTIA – PARTE I: ALTERAÇÕES

40 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393

Braz J Periodontol - September 2011 - volume 21 - issue 03

ORTODONTIA E PERIODONTIA – PARTE I: ALTERAÇÕES PERIODONTAIS APÓS A INSTALAÇÃO DE APARELHO ORTODôNTICO Orthodontics and periodontics: periodontal changes after the installation of orthodontic appliances

Luciana Prado Maia1, Arthur Belém Novaes Jr2, Sérgio Luís Scombatti de Souza3, Daniela Bazan Palioto3, Mário Taba Jr3, Márcio Fernando de Moraes Grisi3.

1 Doutoranda em Periodontia pela FORP-USP

2 Professor Titular do Departamento de CTBMF e Periodontia da FORP-USP

3 Professor Associado do Departamento de CTBMF e Periodontia da FORP-USP

Recebimento: 24/02/11 - Correção: 26/04/11 - Aceite: 23/05/11

RESUMO

O tratamento ortodôntico apresenta o potencial de, indiretamente, causar alterações periodontais devido ao acúmulo de biofilme, em função da dificuldade de manutenção de higiene bucal adequada na presença de bandas e brackets. Além disso, uma dúvida comum entre os clínicos é se o tratamento ortodôntico pode promover o desenvolvimento de retrações gengivais. O objetivo deste estudo foi, através de uma revisão da literatura atual, esclarecer questionamentos constantes com relação às alterações periodontais após colocação de aparelho ortodôntico. A literatura mostra que: a colocação de aparelhos ortodônticos leva a inflamação gengival e influencia a composição da microbiota subgengival. Porém, essas condições são reversíveis em pacientes com bom padrão de higiene bucal. O aumento gengival inflamatório, em estágios iniciais, pode ser revertido através de tratamento periodontal básico, enquanto que uma situação clínica mais avançada requer intervenção cirúrgica, procedimento que apresenta resultados previsíveis e estáveis. Se um dente apresentar uma gengiva espessa associada a posição proeminente não há necessidade de procedimentos que visem ao aumento da faixa de gengiva em um estágio pré-ortodôntico. No entanto, se a quantidade de gengiva insuficiente estiver associada a um dente que será vestibularizado deve ser avaliada a necessidade de uma intervenção cirúrgica antes do tratamento ortodôntico.

UNITERMOS: hiperplasia gengival, movimentação dentária, ortodontia, periodontia, retração gengival. R Periodontia 2011; 21:40-45.

INTRODUÇÃO

O tratamento ortodôntico apresenta o potencial de atuar como coadjuvante no surgimento de efeitos deletérios ao periodonto (Trentini et al., 1995). Muitas destas sequelas podem ser atribuídas ao acúmulo de biofilme devido à dificuldade de manutenção de higiene bucal adequada na presença de bandas e brackets. Consequentemente, o controle de biofilme inadequado pode promover alterações periodontais, que podem ser agravadas pelo tratamento ortodôntico.

Além disso, uma dúvida comum entre os clínicos é se o tratamento ortodôntico pode promover o desenvolvimento

de retrações gengivais, um problema estético-funcional, definido como a desnudação da superfície radicular devido ao movimento apical da gengiva (Gorman, 1967).

A literatura é escassa em relação à inter-relação entre Ortodontia e Periodontia. O objetivo deste estudo foi, por meio de uma revisão da literatura atual, responder aos seguintes questionamentos:

O que pode ocorrer após a instalação de aparelho ortodôntico em pacientes com periodonto saudável?

O aumento gengival associado ao tratamento ortodôntico é reversível? O tratamento é previsível?

O tratamento de retrações gengivais deve ser realizado antes ou após o tratamento ortodôntico?

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REVISÃO DA LITERATURA

Alterações nos parâmetros clínicos e biológicosEstudos recentes (Naranjo et al., 2006; Ristic et al.,

2007) mostraram que os parâmetros clínicos periodontais (índice de placa - IP, índice gengival – IG, e sangramento à sondagem - SS) aumentam em um curto período de tempo após o início do tratamento ortodôntico, indicando que o acúmulo de biofilme deve ser considerada a principal razão para a inflamação gengival observada nesses pacientes. As reações inflamatórias e imunológicas ao biofilme microbiano representam as características predominantes da gengivite e da periodontite, agindo nos tecidos gengivais para proteger contra o ataque microbiano e impedindo que os microorganismos se disseminem ou invadam os tecidos5. Clinicamente, em áreas inflamadas observa-se vermelhidão, tumefação gengival e tendência aumentada ao sangramento à sondagem, devido ao aumento da permeabilidade vascular e do fluxo sanguíneo na região (Kinane & Lindhe, 1999).

Além disso, Naranjo et al. (2006) observaram que os brackets influenciam a composição da microbiota subgengival indiretamente, ocorrendo um aumento significante na contagem e frequência de Phorphyromonsa gingivalis, Tannerella forsythia, Prevotella intermedia, Prevotella nigrescens e Fusobacterium nucleatum em um curto período (3 meses) após a colagem de brackets.

Por outro lado, as condições supragengivais relacionadas ao tratamento ortodôntico são reversíveis em pacientes com bom padrão de higiene bucal (Naranjo et al., 2006; Ristic et al., 2007; Zachrisson & Zachrisson, 1972) após a remoção dos brackets. Ristic et al. (2007) observaram um aumento nos parâmetros clínicos (IP, IG, SS e profundidade de sondagem - PS) e microbianos (presença ou ausência de P. intermedia, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, P. gingivalis e F. nucleatum) em 3 meses após o início do tratamento ortodôntico. Porém, os resultados deste estudo demonstraram claramente uma tendência de diminuição dos parâmetros clínicos e dos achados microbianos em 6 meses de avaliação.

Estudos transversais avaliando indivíduos que foram submetidos ou não a tratamento ortodôntico anteriormente, apresentam resultados conflitantes. Enquanto Gomes et al. (2007) observaram condições periodontais semelhantes para ambos os grupos, sugerindo a ausência de dano periodontal permanente relacionado ao uso de aparelhos ortodônticos, Levin et al. (2008) demonstraram um efeito negativo do tratamento ortodôntico, com maior IP, PS e presença de retração gengival em pacientes previamente tratados com ortodontia.

Aumento gengivalO aumento gengival inflamatório crônico é uma sequela

comum do tratamento ortodôntico (Bishara et al., 1993; Genelhu et al., 2005; Kouraki et al, 2005). Esse aumento gengival pode estar associado ao acúmulo de biofilme em torno do aparelho ortodôntico, resultando em uma inflamação crônica característica, com aumento de células inflamatórias, fluido crevicular e permeabilidade vascular. Clinicamente, a gengiva se apresenta edematosa, com coloração vermelho profundo, frouxa e com tendência a sangramento espontâneo.

Além da inflamação induzida pelo acúmulo de biofilme, essa manifestação pode estar associada também com resposta inflamatória induzida pela corrosão dos aparelhos ortodônticos, principalmente pelo níquel (Gursoy et al., 2007). Armini et al. (2008) relataram não haver diferença na concentração de cromo e cobalto nas células da mucosa oral de paciente com ou sem aparelhos fixos. No entanto, uma concentração significativamente maior de níquel foi encontrada. Nesse caso, o aumento gengival apresenta uma aparência gengival fibrosa e espessa, sem tendência ao sangramento, diferente da gengiva frágil com margem gengival avermelhada que é vista em lesões gengivais inflamatórias (Zachrisson & Zachrisson, 1972) decorrentes da presença de cálculo e biofilme dentais. Histologicamente observa-se uma proliferação epitelial proeminente, suportada pelo aumento das fibras colágenas (Gursoy et al., 2007; Carranza et al., 2004).

Os aumentos gengivais são tratados por meio de raspagem e alisamento radicular, desde que o tamanho do aumento não interfira com a completa remoção dos depósitos das superfícies dentárias envolvidas (Carranza et al., 2004). Quando os aumentos gengivais incluem um significante componente fibrótico, que não sofre contração após a raspagem e alisamento radicular e coronal ou que é de um tamanho que oculta depósitos nas superfícies dentárias e interfere com o acesso a elas, a remoção cirúrgica constitui o tratamento de escolha. A intervenção cirúrgica no tratamento de aumento gengival crônico associado a aparelho ortodôntico apresenta resultados previsíveis e estáveis, desde que uma boa higiene bucal seja mantida e um programa de manutenção adequado seja instituído (Figura 1).

Retração gengivalAlterações na dimensão mucogengival podem ocorrer

durante o tratamento ortodôntico. Ao contrário do que se acreditava no passado, essas mudanças são independentes da extensão apicocoronal da gengiva inserida e queratinizada. Em um estudo clássico da literatura, Wennström et al.

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(1987) utilizaram aparelho fixo em macacos para mostrar que a inflamação induzida por biofilme e a espessura do tecido gengival marginal são fatores determinantes para o desenvolvimento de retração gengival. Partindo deste princípio, mais recentemente, Melsen & Allis (2005), em um estudo retrospectivo em adultos, demonstraram que os parâmetros relacionados com o desenvolvimento e aumento de retrações gengivais em dentes que sofreram vestibularização são a presença de retração antes do tratamento ortodôntico, a altura de gengiva queratinizada, o biotipo gengival e a presença de inflamação gengival.

Movimentação dentária favorávelO mau posicionamento dentário no arco é um dos

fatores predisponentes para o desenvolvimento de retrações gengivais (Figura 2).

A literatura mostra que, mesmo em adultos com mordida extremamente profunda, retrações podem ser tratadas com sucesso através da utilização de aparelhos ortodônticos fixos (Zimmer & Seifi-Shirvandeh, 2007). Os autores (Zimmer & Seifi-Shirvandeh, 2007) observaram uma diminuição média de 2,05 mm na profundidade de retrações em incisivos inferiores, e nenhum aumento foi observado. Nesses casos, os procedimentos de cirurgia plástica periodontal só devem ser realizados após a terapia ortodôntica, desde que uma adequada faixa de tecido queratinizado esteja presente e que o paciente consiga manter a região livre de biofilme microbiano (Figuras 2).

Figura 1 – Aumento gingival: A e B) inicial, C e D) após gengivoplastia e gengivectomia.

Figura 2 – Retração gengival: A) em dentes que serão submetidos a movimentação favorável – não há necessidade de intervenção cirúrgica antes do tratamento ortodôntico; B) associada a mal posicionamento dentário, com ausência de gengiva queratinizada - necessidade de cirurgia plástica periodontal previamente ao tratamento ortodôntico

Movimentação dentária desfavorávelDefeitos do tipo retração não irão se desenvolver enquanto

o dente se move dentro do osso alveolar. Adicionalmente, a vestibularização ortodôntica dos dentes, por si só, não causa retração gengival. Estudos retrospectivos demonstraram que não existe relação significante entre a vestibularização de incisivos centrais mandibulares e o aumento de retração gengival tanto em adolescentes (Artun & Grobéty, 2001) quanto em adultos (Djeu et al., 2002; Yared et al., 2006). Djeu et al. (2002), relataram que 8 dos 67 pacientes avaliados exibiram um aumento mensurável na retração gengival de pelo menos 0,5 mm, no entanto, a análise estatística não mostrou correlação entre a vestibularização do incisivo central mandibular e retração gengival. Corroborando com o estudo acima, Melsen & Allis (2005) demonstraram ainda não haver associação entre o overbit e o overjet pré-tratamento e a presença de retrações. Neste estudo, apenas 2,8% dos indivíduos desenvolveram retrações maiores que 2 mm e 5% das retrações gengivais pré-existentes apresentaram melhora.

Yared et al. (2006) sugeriram que a inclinação final dos dentes é um fator mais importante no desenvolvimento de retrações gengivais do que a quantidade de vestibularização. Segundo esse estudo, 92,86% dos pacientes que desenvolveram retração gengival apresentam inclinação final de incisivos igual ou maior que 95°. Outro fator importante observado foi a espessura gengival. 93% dos pacientes que desenvolveram retração gengival tinham espessura gengival menor que 0,5 mm. Apesar da presença de inclinação final, a severidade das retrações foi reduzida quando a espessura da margem gengival foi maior que 0,5 mm, indicando que este é o fator decisivo.

Por outro lado, um estudo experimental em macacos (Wennström et al., 1987) demonstrou a formação de deiscência óssea na área vestibular de incisivos após o movimento anterior excessivo, o que pode ser um fator predisponente para a ocorrência de retrações gengivais na presença de biofilme.

DISCUSSÃO

É muito comum a ocorrência de inflamação gengival após a instalação de aparelhos ortodônticos, indicada pela presença de sangramento a sondagem e hiperplasia gengival, devido principalmente, às dificuldades de higienização frente ao novo aparato instalado intraoralmente. Assim, quando o paciente se adapta e adquire novos hábitos de higiene bucal, muitas vezes ocorre uma regressão do quadro inflamatório, o que foi observado em muitos estudos (Naranjo et al., 2006; Ristic et al., 2007; Zachrisson & Zachrisson, 1972). Esses dados são

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reforçados por estudos transversais, os quais apresentaram resultados conflitantes (Gomes et al., 2007; Levin et al., 2008) provavelmente devido à população estudada. No primeiro estudo (Gomes et al., 2007), no qual não foram observados efeitos negativos do tratamento ortodôntico no periodonto. Foram avaliados estudantes de odontologia, população que apresenta um padrão de controle de biofilme supragengival mais elevado. Já no segundo estudo (Levin et al., 2008) foram avaliados pacientes que procuraram a clínica dentária militar das Forças de Defesa Israelenses para exame de rotina, grupo que além do menor padrão de higienização, inclui fumantes, um fator de risco adicional à doença periodontal. Os autores observaram diferença estatística significante no IP, PS e presença de retração gengival nos pacientes que haviam sido submetidos ao tratamento ortodôntico.

Mesmo apresentando caráter reversível, a inflamação gengival observada em pacientes durante o tratamento ortodôntico pode ocasionar um aumento gengival, de caráter inflamatório (Bishara et al., 1993; Genelhu et al., 2005; Kouraki et al., 2005) ou por alergia de contato (Gursoy et al., 2007; Armini et al., 2008), que não regride apenas com tratamento periodontal básico, sendo necessária intervenção cirúrgica através de técnicas de gengivoplatia e gengivectomia, as quais apresentam resultados estáveis.

Ristic et al. (2007) observaram ainda uma mudança no perfil microbiológico após a instalação de aparelho ortodôntico, com o aumento na contagem de bactérias periodontopatogênicas (P. intermédia, A. actinomycetemcomitans, P. gingivalis e F. nucleatum). Essas bactérias são fatores etiológicos importantes que, quando presentes em um hospedeiro suscetível e ambiente favorável, poderão levar à progressão da doença. Consequentemente, ocorre a perda progressiva da inserção conjuntiva e proliferação e migração apical do epitélio juncional. A inflamação vence, então, as barreiras do tecido conjuntivo gengival, e chega ao osso alveolar, provocando destruição da crista óssea e das fibras do ligamento periodontal, que levam à formação de bolsas periodontais (Page & Schroeder, 1976). Como o conceito atual é de que a progressão da doença periodontal é diferenciada por sítios e indivíduos, em função da resistência do hospedeiro e patogenicidade do biofilme (Kornman, 2001), o controle do perfil microbiológico é de extrema importância na prevenção de doença periodontal.

Como o risco de dano periodontal existe, é necessário realizar controle contínuo dos pacientes ortodônticos, com instruções de higiene bucal e constante motivação durante todo o período da terapia.

Quanto ao tratamento ortodôntico em dentes com retração gengival, as evidências demonstraram a importância

da espessura gengival no desenvolvimento de retração gengival (Wennström et al., 1987) indicando que o movimento dentário deve ser precedido por um exame cuidadoso das dimensões dos tecidos que recobrem os sítios que receberão pressão nos dentes movimentados durante a terapêutica ortodôntica. Nos casos em que encontramos uma gengiva delgada resultante de posição proeminete dos dentes, não há necessidade de procedimentos que visem ao aumento da faixa de gengiva em um estágio pré-ortodôntico, desde que haja uma adequada faixa de gengiva queratinizada e o paciente consiga manter bons níveis de higiene. Nesses casos, os procedimentos cirúrgicos mucogengivais só devem ser realizados após a terapia ortodôntica, pois o tratamento pode melhorar o posicionamento dentário. A retração, assim como as deiscências ósseas, diminuem como consequência da movimentação lingual dos dentes para uma posição mais apropriada dentro do osso alveolar. Caso ela permaneça ao final da terapia ortodôntica, procedimentos cirúrgicos terão maior previsibilidade de sucesso do que se tivessem sido feitos antes da movimentação dentária (Wennström, 1996).

Por outro lado, a movimentação ortodôntica de dentes para uma posição diferente daquela geneticamente determinada no interior do processo alveolar representa fator de risco para o desenvolvimento de problemas mucogengivais, particularmente em áreas de tecido ósseo e gengival delgado, que pode servir como uma área de menor resistência ao desenvolvimento de patologias gengivais na presença de biofilme microbiano e/ou trauma mecânico causado por técnicas de escovação dentária impróprias. Se o tecido marginal é tão fino que a lesão inflamatória ocupa a espessura total do tecido conjuntivo, é mais provável que ocorra retração gengival do que formação de bolsa periodontal devido à proliferação de ambos os epitélios, oral e dento-gengival, em direção ao tecido conjuntivo fino e degradado (Novaes et al., 1975). Neste caso, previamente ao tratamento ortodôntico deve ser avaliada a necessidade de uma intervenção cirúrgica com a finalidade de aumentar a espessura dos tecidos moles.

CONCLUSÃO

Com base na literatura é possível concluir que:A colocação de aparelhos ortodônticos em pacientes

com periodonto saudável leva a um aumento no acúmulo de biofilme e inflamação gengival e influencia a composição da microbiota subgengival indiretamente em um curto período de tempo após o início do tratamento ortodôntico, porém, essas condições são reversíveis em pacientes com bom padrão de higiene bucal;

Em estágios iniciais, o aumento gengival associado

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ao tratamento ortodôntico pode ser revertido através do tratamento periodontal básico. Uma situação clínica mais avançada requer intervenção cirúrgica, procedimento que apresenta resultados previsíveis e estáveis, desde que uma boa higiene bucal seja mantida e um programa de manutenção adequado seja instituído;

Na presença de retrações gengivais, se o dente apresentar um tecido gengival espesso associado à posição proeminente não há necessidade de procedimentos que visem o aumento da faixa de gengiva queratinizada em um estágio pré-ortodôntico. No entanto, se a quantidade de gengiva insuficiente estiver associada a um dente que será vestibularizado a necessidade de uma intervenção cirúrgica antes do tratamento ortodôntico deve ser avaliada.

ABSTRACT

Due to plaque accumulation associated with difficulty of maintaining adequate oral hygiene in the presence of bands and brackets, orthodontic treatment has the potential to cause deleterious effects to the periodontium consequent of bacterial plaque accumulation. Furthermore, a common

question among clinicians is if orthodontic treatment can promote the development of gingival recessions. The aim of this study was through a review of current literature, clarify questions in relation to periodontal changes after placement of orthodontic appliances. Literature shows that: the placement of orthodontic appliances leads to inflammation and influence the composition of the subgingival microflora indirectly, however, these conditions are reversible in patients with good oral hygiene standards; in the initial stages, the gingival overgrowth can be reversed through basic periodontal treatment, while a more advanced clinical situation requires surgery, a procedure that provides predictable and stable results; and that if the tooth has a thick gingiva associated with prominent position there is no need for procedures that aim to increase the range of gum in a pre-orthodontic stage. However, if the insufficient amount of gum is associated with a buccally tooth the need for surgery before orthodontic treatment has to be assessed.

UNITERMS: gingival hyperplasia, tooth movement, orthodontics, periodontics, gingival recession.

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Endereço para correspondência:

Márcio Fernando de Moraes Grisi

Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-

Facial e Periodontia

Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto

Universidade de São Paulo, USP

Av. do Café, Sem número

CEP: 14040-904 - Ribeirão Preto – SP – Brasil

Fax: +55-16-3633-0999

E-mail: [email protected]

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