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ORIGENS E INFLUÊNCIAS DA REALIDADE VIRTUAL: a influência da História da Arte na tecnologia imersiva. Por Rafael Romão Silva 1 O desejo de viajar é por muitos apresentado como uma dimensão da existência humana. Nações se caracterizam pelas viagens feitas em sua história, como Portugal; outros povos possuem o nomadismo como meio de vida, como os Tuaregues no Saara. Ainda, as sociedades sempre tiveram seus meios de comunicar as experiências destas viagens, meios que envolvem desde os próprios contadores de histórias em torno da fogueira, até o desenvolvimento de técnicas que implementaram formas audiovisuais de compartilhar estes relatos . 2 Os relatos de viagens possuem um papel fundamental na consolidação das culturas, já que as relações de identidade passam por este descobrimento do Outro, este vislumbre das possibilidades de Ser que fogem do que se é. Esta busca pelo desconhecido se mostrou importante em todas as sociedades que existiram, o que também as levaram ao contato com histórias que abordavam a ficção, uma viagem aos territórios da imaginação. Para contar as histórias, técnicas se consolidaram em torno das três ferramentas básicas de transmissão destas experiências: a palavra, a imagem e o som. Contadores de histórias são os que conseguem manipular estas três matérias-primas. Eles eram capazes de encantar o espectador e o fazer viajar através das sensações que acessam a imaginação. A palavra foi a ferramenta mais utilizada dentro deste percurso. Assim, quando a imagem técnica surgiu , foi grande o encantamento gerado. A história das 3 1 Rafael Romão Silva é Licenciado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense e estudante do MBA em Docência e Gestão do Ensino Superior na Universidade Estácio de Sá. Roteirista do longa-metragem A Fera na Selva, Rafael é especialista em Educação Audiovisual no projeto Cineastas 360º, um projeto de educação audiovisual em realidade virtual liderado pelo Facebook em parceria com ONG Recode e a Digital promise. Contato: [email protected] 2 Estas ferramentas surgem muito antes do Cinema, vão desde os desenhos que se movimentam com as sombras nas paredes de cavernas paleolíticas, o teatro de sombras, as sombras chinesas e os brinquedos óticos (praxinoscópio, taumatrópio etc.), por exemplo. Para conhecer esta história, recomendo o livro “Pré-Cinemas e Pós-Cinemas” (2011) de Arlindo Machado. MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. 6ª Edição. Campinas: Editora Papirus. 2011. 3 A influência da imagem técnica na “sociedade imagética” é abordado por filósofos como Vilém Flusser, em seu livro “O universo das imagens técnicas” (2012). FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: o elogio da superficialidade. Coimbra: Editora Annablume. 2012.

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ORIGENS E INFLUÊNCIAS DA REALIDADE VIRTUAL: a influência da

História da Arte na tecnologia imersiva. Por Rafael Romão Silva 1

O desejo de viajar é por muitos apresentado como uma dimensão da

existência humana. Nações se caracterizam pelas viagens feitas em sua história,

como Portugal; outros povos possuem o nomadismo como meio de vida, como os

Tuaregues no Saara. Ainda, as sociedades sempre tiveram seus meios de

comunicar as experiências destas viagens, meios que envolvem desde os próprios

contadores de histórias em torno da fogueira, até o desenvolvimento de técnicas

que implementaram formas audiovisuais de compartilhar estes relatos . 2

Os relatos de viagens possuem um papel fundamental na consolidação das

culturas, já que as relações de identidade passam por este descobrimento do Outro,

este vislumbre das possibilidades de Ser que fogem do que se é. Esta busca pelo

desconhecido se mostrou importante em todas as sociedades que existiram, o que

também as levaram ao contato com histórias que abordavam a ficção, uma viagem

aos territórios da imaginação.

Para contar as histórias, técnicas se consolidaram em torno das três

ferramentas básicas de transmissão destas experiências: a palavra, a imagem e o

som. Contadores de histórias são os que conseguem manipular estas três

matérias-primas. Eles eram capazes de encantar o espectador e o fazer viajar

através das sensações que acessam a imaginação.

A palavra foi a ferramenta mais utilizada dentro deste percurso. Assim,

quando a imagem técnica surgiu , foi grande o encantamento gerado. A história das 3

1 Rafael Romão Silva é Licenciado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense e estudante do MBA em Docência e Gestão do Ensino Superior na Universidade Estácio de Sá. Roteirista do longa-metragem A Fera na Selva, Rafael é especialista em Educação Audiovisual no projeto Cineastas 360º, um projeto de educação audiovisual em realidade virtual liderado pelo Facebook em parceria com ONG Recode e a Digital promise. Contato: [email protected] 2 Estas ferramentas surgem muito antes do Cinema, vão desde os desenhos que se movimentam com as sombras nas paredes de cavernas paleolíticas, o teatro de sombras, as sombras chinesas e os brinquedos óticos (praxinoscópio, taumatrópio etc.), por exemplo. Para conhecer esta história, recomendo o livro “Pré-Cinemas e Pós-Cinemas” (2011) de Arlindo Machado. MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. 6ª Edição. Campinas: Editora Papirus. 2011. 3 A influência da imagem técnica na “sociedade imagética” é abordado por filósofos como Vilém Flusser, em seu livro “O universo das imagens técnicas” (2012). FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: o elogio da superficialidade. Coimbra: Editora Annablume. 2012.

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artes visuais nos mostra os diferentes estilos que propuseram narrar o mundo ao

espectador, mas alguns movimentos em específico buscaram deslumbrar o público

através de transformações estruturais no suporte da obra. Não bastava pintar o

mundo, mas alterar a própria ideia de obra de arte para aproximar as anrrativas da

vida. Um exemplo disto são as imagens bíblicas em lugares como a Capela Sistina,

a Sala de Prospettive e os panoramas, grandes murais que buscaram representar

toda a extensão da vista de um observador. Montada com uma série de imagens, os

panoramas de Robert Baker , por exemplo, não mostravam as bordas do quadro, 4

uma tentativa de fortalecer a ilusão deste deslocamento mágico para uma outra

localidade. Estes painéis assumiram dimensões como 110 metros de circunferência

por 10 metros de altura. Assim o público se deslumbrava com a vista de localidades

tão distantes quanto a cidade de Cairo no Egito ou Constantinopla na Turquia, locais

antes vistos apenas em pinturas menores ou nas palavras dos jornais e viajantes.

O espectador entrava ao Panoramas circulares por uma escada espiral ao

centro da estrutura , o que de certo contribui para o efeito de imersão e 5

deslumbramento do observador. Isolado da cidade dentro do Panorama, o sujeito do

século XIX, que não conhecia o cinema ou a fotografia, de certo tinha sua

sensibilidade impactada por esta vista que nunca antes havia pertencido ao seu

imaginário. Com o tempo surgiram variações nos temas retratados pelas grandes

telas, e Panoramas com temas religiosos e de guerra também foram comuns

durante o século XIX . 6

Criada sob diferentes nomes durante a história, a Imagem 1 mostra uma 7

representação em duas dimensões do Panorama de Robert Baker, enquanto a

Imagem 2 mostra um Panorama de espaço circular de 360º, que no caso foi 8

4 ELIS, Markman. The spectacle of the Panorama. Em: Picturing Places. Londres: website da British Library. Disponível em: <https://www.bl.uk/picturing-places/articles/the-spectacle-of-the-panorama>. Acesso a 07 de março de 2018 às 11h33. 5 Ibid. 6 Ibid. 7 “Section of the Rotunda, Leicester Square, in which is exhibited the Panorama”. Pintor anônimo. 1801. Coleção online do British Museum. Disponível em: <http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=3299225&partId=1&images=true> Acesso a 08 de março de 2018 às 11h37. 8 “Ciclorama de Gettysburg”. Paul Dominique Philippoteaux. 1958. Biblioteca do Congresso dos EUA. Disponível em: <http://www.loc.gov/pictures/item/pa3988/>. Acesso a 07 de março de 2018 às 11h40.

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chamado por Ciclorama. A Imagem 3 apresenta o projeto de um Panorama circular 9

da cidade do Rio de Janeiro em 1917 da vista do morro de Santo Antônio, projeto da

Empresa de Propaganda Brasileira em parceria com o Jornal do Brasil. Já a

Imagem 4 mostra um dos poucos Panoramas do século XIX preservados na 10

Europa, o Panorama Bourbaki que retrata a Guerra Franco-Prussiana de 1870.

Imagem 1 - Section of the Rotunda, Leicester Square, in which is exhibited the Panorama

9 “Panorama circular da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Brasil, visível do Morro de Santo Antônio”. Jornal do Brasil. 1917. Website Brasiliana Fotográfica. Disponível em: <http://brasilianafotografica.bn.br/?p=4178> Acesso a 07 de março de 2018 às 11h42. 10 “Panorama de Bourbaki”. Edouard Castes. 1801. Website All About Switzerland. Disponível em: <http://lucerne.all-about-switzerland.info/lucerne-bourbakipanorama-painting-castres.html> Acesso a 7 de março de 2018 às 11h45.

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Imagem 2 - Ciclorama de Gettysburg

Imagem 3 - Panorama circular da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Brasil, visível do Morro

de Santo Antônio

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Imagem 4 - Panorama de Bourbaki

Os Panoramas também foram reinventados. É o caso do Cinéorama de

Raoul Grimoin-Sanson, apresentado na Exposição Paris 1900, que utilizava filmes . 11

Através de 10 projetores sincronizados, era criada uma projeção de 360º da vista de

um balão da cidade de Paris. Os espectadores assistiam a tudo de dentro de uma

plataforma que simulava o meio de transporte, o que contribui para o efeito de

ilusão.

11 “Cinéorama”. Raoul Grimoin-Sanson. 1900. Website Media+Art+Innnovation. Disponível em: <https://mediartinnovation.com/2014/06/23/raoul-grmoin-sanson-cineorama-1900/> Acesso a 07 de março de 2018 às 11h49.

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Imagem 5 - Cinéorama

Nesta linha de transformações também está o próprio cinema e a TV, meios

que permitiram a humanidade viajar através do som e da imagem, quando o mundo

passou a ser explorado através do ponto de vista do cineasta. O século XX viu não

só o crescimento desta tela de cinema como também sua multiplicação. Hoje

grandes telas assumem tamanhos nunca vistos, além de proposições experimentais

utilizarem mais de uma tela dentro do próprio cinema . 12

Esta proposição de multiplicação de telas foi muito explorada dentro do

campo da Arte e dois movimentos contribuíram para seu florescimento: as

Instalações e as posteriores adições de vídeo, o que criou as Vídeo-Instalações . 13 14

Na segunda metade do século XX, artistas perceberam que o próprio espaço dos

museus também gerava significação, reflexão que os levou a criar as Instalações.

Estas obras se preocupavam com a imersão do observador na obra, o que

proporciona uma dimensão espacial de fruição. No Brasil podemos destacar a

12 “What is Barco Escape?” Website Cineplex. Disponível em: <https://cineplex.zendesk.com/hc/en-us/articles/235876788-What-is-Barco-Escape-> Acesso a 07 de março de 2018 às 11h54. 13 BOSCO E SILVA, Luciana. Instalação: espaço e tempo. Tese de doutorado. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes da UFMG. 2012. 14 MACHADO, Arlindo. A Arte Do vídeo. 3 Ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

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“Tropicália” , instalação de Hélio Oiticica exibida na exposição Nova Objetividade 15

em 1967 no MAM-RJ, obra que buscou expressar a vida cotidiana das favelas nesta

interface com a arte e as sensações. “A obra pode ser descrita como um ambiente

labiríntico (...) como descreve o artista: ‘o ambiente criado era obviamente tropical, como num fundo de chácara e, o mais importante, havia a sensação de que se estaria de novo pisando na terra. Esta sensação sentira eu anteriormente ao caminhar pelos morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar pelas 'quebradas' de tropicália, lembra muito as caminhadas pelo morro’” . 16

Conforme o século XX se findava, outras experiências virtuais buscaram esta

imersão do corpo dentro da virtualidade, seja a dos sentidos, seja a artificial. As

Vídeo-instalações surgiram na década de 70 e buscaram discutir a relação humana

com as telas. Em TV Buddha (imagem 6), Nam June Paik propôs uma reflexão 17

sobre a passividade do espectador televisivo, discussão que ia de encontro com a

crítica à televisão enquanto meio de conformação das massas.

Estas primeiras vídeo-instalações deram caminho para estas duas vias já

citadas: a da multiplicação de telas e a da interação do corpo humano com a tela.

Ira Schneider criou uma das primeiras Vídeo-instalações multi-telas, a Time Zones 18

(Zonas de Tempo). Schneider posicionou vinte e quatro telas de forma circular, em

analogia aos vinte e quatro fusos horários existentes no planeta. “24 gravações da mesma meia-hora foram feitas em 24 lugares ao redor do mundo. Estas gravações foram exibidas simultaneamente no vídeo-panorama. Espectadores vêem o nascer do sol e quando eles se viram, eles o vêem se pondo. Luz e escuridão. Como os panoramas pintados, Schneider exibe a realidade, mas o tema é mais amplo em escopo” . 19

15 TROPICÁLIA. Em: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3741/tropicalia>. Acesso em: 07 de Mar. 2018 às 11h56. Verbete da Enciclopédia. 16 Ibid. 17 NAM June Paik. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa454992/nam-june-paik>. Acesso em: 07 de Mar. 2018 às 11h58. Verbete da Enciclopédia. 18 “The Panorama in History”. Disponível em: <http://www.wwvf.nl/PANORAMA/WWVF_Panorama/The_Panorama_in_History.html> Acesso a 07 de março de 2018 às 15h48. 19 Ibid.

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Imagem 6 - TV Buddha 20

Imagem 7 - Time Zones 21

20 “TV Buddha”. Nam June Paik. 1976. Art Galery NSW, Austrália. Disponível em: <https://www.artgallery.nsw.gov.au/collection/works/342.2011.a-f/> Acesso a 7 de março de 2018 às 10h13. 21 “Time Zones”. Ira Schneider. 1977. Disponível em: <https://www.ira-schneider.com/artist/timezones.html> Acesso a 07 de março de 2018 às 15h46.

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Com o fim do século, porém, o desenvolvimento de sensores permitiu que

proposições explorassem os corpos dentro da própria imagem que também estava

espacializada. Proposições que juntam o audiovisual com a linguagem de

programação, também chamadas de Arte generativa,estas Vídeo-instalações

interativas, propõem uma relação direta com a imagem em movimento, o que de 22

certo lembra as estratégias de videogame e as mais recentes de arte informática e

realidade virtual (RV em português, VR em inglês). Em “In Order to Control” , 23

projeto de Murat Can Oğuz e equipe, o observador se depara com um texto sobre o

desmoronamento da ética na sociedade contemporânea projetado ao chão. Porém,

para o ler, o espectador pisa sobre a projeção, quando uma segunda tela se desvela

na parede que reproduz o texto na forma da silhueta do espectador-leitor-ator, forma

que acompanha o movimento do participante e que cria uma relação íntima entre o

texto e o corpo do leitor.

Imagem 8 - In order to control 24

Aqui chegamos efetivamente nas tecnologias de realidade virtual (RV), o

objeto de nosso projeto Cineastas 360º. Embora seja uma das tecnologias mais

22 PEARSON, Matt. Generative Art. Nova Iorque: Ed. Manning. 2011. 23 “In Order to Control”. Disponível em: <https://vimeo.com/43257999>. Acesso a 07 de março de 2018 às 15h50. 24 ibid.

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atuais em termos audiovisuais, a história da Realidade Virtual (RV) começa no

século XIX. Os Irmãos Lumière são conhecidos como pais do Cinema, mas se eles 25

são os pais, há efetivamente tios. Um deles é o próprio inventor da lâmpada, do

fonógrafo e de outras importantes tecnologias do século XIX, Thomas Edison . 26

Enquanto os irmãos Lumière apostaram em projetores e exibições coletivas, Edison

patenteou o Cinetoscópio. Trata-se de um mecanismo de projeção interna, o que

quer dizer que ele não permitia sessões de exibição coletiva e sim individual. Ele

basicamente é uma caixa com um buraco por onde se vê a projeção. O espectador

então coloca nele uma moeda, abaixa-se à altura do buraco de exibição e vê uma

“fotografia em movimento”, uma motion picture, uma grande novidade para a época.

Os “filmes” desta época são o que chamamos de Atrações, como truques de

mágica, danças, vistas da cidade e qualquer outra inventividade que pudesse caber

nos poucos segundos que o desenrolar da película permitia. Aqui surge uma outra

relação com a vídeo-arte e os GIFs, já que os filmes do cinetoscópio ficavam em

uma exibição ininterrupta, em repetição.

Imagem 9 27

25 MASCARELLO, Fernando. História do Cinema Mundial. Campinas: Ed. Papirus, 2006. 26 Ibid. 27 “Kinetoscópio de Edison”, Anônimo. 1895. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/File:Kinetophonebis1.jpg > Acessi a 07 de março de 2018 às 15h53.

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Assim podemos falar que se os Irmãos Lumière são os pais do Cinema,

Thomas Edison parece ser o pai da exibição de vídeos em celular e outros

mecanismos que são de exibição individual, especialmente os óculos de realidade

virtual.

Estas formas de exibição individual já estavam projetadas no imaginário

popular pelos brinquedos óticos. O Estereoscópio é certamente uma delas, um 28

aparato criado em 1838 por Charles Wheatstone. É um instrumento destinado ao

exame de pares de fotografias, que ao serem apresentadas com uma diferença de

perspectiva geram a ilusão mental da visão tridimensional.

De lá para cá, a RV tem sido sonhada nos livros de ficção científica

cyberpunks . “The pygmalion’s spectacles” (Os óculos de Pigmalião, 1935) de 29

Stanley G. Weinbaum foi o primeiro a sonhar com este óculos-projetor individual que

nos levaria para outras dimensões. Ainda, tivemos “Neuromancer” (1985) de Willian

Gibson e os filmes “O passageiro do futuro” (1985, direção de Brett Leonard), “Tron:

uma odisseia eletrônica” (1982, Steven Lisberger) e “Tron: o legado” (2010, Joseph

Kosinski).

Alguns equipamentos foram criados durante o século XX para atingir estas

predições que a arte tem nos dado. É o caso do “Sensorama” (1962), um aparelho 30

em formato de arcade que apresentava imagens 3D, movimento, som, vibração,

vento e cheiro para apresentar um passeio de bicicleta; a “Espada de Dâmocles”

(1968), o primeiro protótipo de aparato para vestir na cabeça, como os óculos RV

atuais; “simulador de cockpit em RV” para a Força Aérea dos EUA de Tom Furness

(1971); os “DataGloves”, “EyePhones” e “AudioSphere” da VPL Research, criados

na década de 1980.

Ainda, surgiram algumas empreitadas associadas aos videogames como a

“PowerGlove” (1989) lançada pela Mattel para o Super Nintendo e a “Sega VR” e

“Nintendo Virtual Boy” (começo da década de 1990) . 31

28 NETO, MACHADO, OLIVEIRA. Realidade Virtual: conceitos, aplicações, definições. São Carlos: USP. Disponível em: <http://www.di.ufpb.br/liliane/publicacoes/2002_reic.pdf). Acesso a 07 de março de 2018 às 19h59. 29 ibid. 30 ibid. 31 ibid.

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Já os antecedentes recentes envolvem a criação da fotografia digital

panorâmica no meio da década de 1990 e do Iphone em 2007, este último

contribuindo definitivamente para a miniaturização de sensores e componente

digitais como displays. Por fim, em 2012, Palmer Luckey lançou uma campanha de

financiamento colaborativo para o Oculus Rift , um protótipo de óculos RV que 32

depois foi comprado pela Facebook Corp.

Dali ocorreu a massificação deste tipo de audiovisual em 2015, quando o

Youtube, o Google e o Facebook apresentaram publicamente ferramentas de

suporte para esse tipo de vídeo, além de gadgets como Google Cardboard, feito em

papelão. Ainda, a Oculus desenvolveu o Gear VR para a Samsung. Atualmente há

uma discussão conceitual sobre chamar os vídeos de 360º por realidade

aumentada. A realidade aumentada pressupõe o deslocamento e exploração do

espectador dentro de um ambiente virtual de acordo com suas próprias escolhas,

como nos jogos de videogame em primeira pessoa.

Do Panorama aos vídeos imersivos, o observador se torna ativo ao investigar

o espaço. Ele explora o território proposto e descobre imagens que apresentam uma

coerência, como uma narrativa. Porém, diferentemente do que parece ocorrer no

cinema, aqui o observador não consegue apanhar a tudo o que ocorre ao seu redor.

Com os vídeos de RV duas pessoas dificilmente verão as mesmas coisas dos

mesmos jeitos.

32 RUYG, TEUNISSE, VERHAGE. Virtual reality for the web: Oculus Rift. Leida: Leiden University. 2014. Disponível em: <http://mediatechnology.leiden.edu/images/uploads/docs/wt2014_oculus_rift.pdf> Acesso a 07 de março de 2018 às 16h03.