organizzatori coordinatori...anÁlise sobre a democracia ateniense1 manuela fernanda gonçalves...
TRANSCRIPT
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ISBN: 978-88-99490-07-2
ORGANIZZATORI
Rafael Padilha dos Santos
Luciene Dal Ri
COORDINATORI
Maurizio Oliviero
Pedro Manoel Abreu
PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS PARA O ESTUDO DA DEMOCRACIA E OS
NOVOS DESAFIOS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
AUTORI Adriane Guasque
Adriano Gonçalves Aguirre Alan Felipe Provin
Alexandre Baumgratz da Costa Alexandre Carrinho Muniz
Alexandre Estefani Aline Milena Grando
Ana Luiza Colzani Andréia Regis Vaz Barbara Guasque
Bruna Maria Civinsky Bruno Smolarek Dias
Camila Savaris Cornelius Celso Hiroshi Iocohama
Cheila da Silva dos Passos Carneiro Chimelly Louise de Resenes Marcon
Daniel Mayerle Danielle Rosa
Deisy Mabel Campos Sell Douglas Roberto Martins Elisandra Riffel Cimadon
Emerson Rodrigo Araújo Granado Érico Sanches Ferreira dos Santos
Fabíola Duncka Geiser Fabrícia Alcantara Mondin
Fabrício Wloch Felipe Schmidt
Felipe Wildi Varela Frederico Wellington Jorge
Gabriela Rangel da Silva Heloise Siqueira Garcia
Hilariane Teixeira Ghilardi
Jorge Alberto de Andrade Juliete Ruana Mafra Granado
Jocélia Aparecida Lulek Jonathan Cardoso Régis
Luciene Dal Ri Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira
Marcelo Corrêa Márcio Ricardo Staffen
Marcos Vinícius Viana da Silva Maria Lenir Rodrigues Pinheiro
Mariana Faria Filard Mário Henrique de Souza
Natammy Luana de Aguiar Bonissoni Orlando da Silva Neto
Ornella Cristine Amaya Pablo Franciano Steffen
Paola Fernanda de Souza Cunha Patrícia Pasqualini Philippi
Patrícia Silva Rodrigues Pedro Walter Guimarães Tang Vidal
Rafael Bozzano Raul Denis Pickcius
Ricardo Uliano dos Santos Rosana Aparecida Bellan
Sérgio Julian Zanella Martinez Caro Silvia Letícia Listoni
Sílvia Regina Danielski Sirio Vieira dos Santos Filho Sonia Aparecida de Carvalho
Vanessa de Assis Martins Yasmine Coelho Kunrath
Yury Augusto dos Santos Queiroz
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Rettore dell’Università degli Studi di Perugia
Franco Moriconi
Direttore del Dipartimento di Giurisprudenza Giovanni Marini
Professore Ordinario del Dipartimento
di Giurisprudenza Maurizio Oliviero
Professore Ricercatore di Istituzioni
di Diritto Pubblico Daniele Porena
Professore Associato di Istituzioni
di Diritto Pubblico Guido Sirianni
Professore Associato del Dipartimento
di Giurisprudenza Carlo Calvieri
Comitato Redazionale - E-books/UNIPG
Il presidente Maurizio Oliviero
Redattore
Dirigente E-Books/UNIPG Leonello Mattioli
Membri
Maria Chiara Locchi Jacopo Paffarini Daniele Porena Sofia Felicioni
Organizzatori Luciene Dal Ri
Rafael Padilha dos Santos
Coordinatori Maurizio Oliviero
Pedro Manoel Abreu
Diagramma/Revisione Andrey Gastaldi da silva Heloise Siqueira Garcia
Copertina
Alexandre Zarske de Mello Heloise Siqueira Garcia
Progetto di Fomento
Libro risultato dalla Convenzione tra l’Agenzia per il Diritto allo Studio
Universitario per l’Umbria – ADISU e l’Academia Judicial do TJSC
Indirizzo
Dipartimento di Giurisprudenza – Università degli Studi di Perugia - Via Pascoli,
33 - 06123 Perugia (PG)
2016
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. VIII
Profa. Luciene Dal Ri .................................................................................................... IX
Prof. Maurizio Oliviero ................................................................................................ IX
Prof. Rafael Padilha ..................................................................................................... IX
ANÁLISE SOBRE A DEMOCRACIA ATENIENSE .................................................................. 10
Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira ...................................................................... 10
Patrícia Silva Rodrigues ............................................................................................... 10
A DEMOCRACIA NO FIM DA IDADE MÉDIA E INÍCIO DA IDADE MODERNA: AS CONCEPÇÕES DE MARSÍLIO DE PÁDUA, GUILHERME DE OCKHAM E NICOLAU MAQUIAVEL ..................................................................................................................... 26
Alexandre Carrinho Muniz .......................................................................................... 26
Felipe Schmidt ............................................................................................................ 26
A DEMOCRACIA E O ESTADO LIBERAL ............................................................................. 77
Mário Henrique de Souza ........................................................................................... 77
A DEMOCRACIA NO SÉCULO XX ...................................................................................... 89
Andréia Regis Vaz ....................................................................................................... 89
DEMOCRACIA: DEFINIÇÃO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO ............................................... 102
Heloise Siqueira Garcia ............................................................................................. 102
Hilariane Teixeira Ghilardi ........................................................................................ 102
OS CONCEITOS DE POVO, SOBERANIA E DEMOCRACIA PARA JEFFERSON E ROUSSEAU EM UMA TENTATIVA DE COMPREENDER O ESTADO MODERNO ................................. 125
Marcos Vinícius Viana da Silva ................................................................................. 125
Ana Luiza Colzani ...................................................................................................... 125
LIÇÕES DE JOHN STUART MILL SOBRE A DEMOCRACIA E A LIBERDADE INDIVIDUAL .. 143
Chimelly Louise de Resenes Marcon ........................................................................ 143
Vanessa de Assis Martins ......................................................................................... 143
A DEMOCRACIA NA CONCEPÇÃO DE SCHUMPETER ..................................................... 168
Adriane Guasque ...................................................................................................... 168
Barbara Guasque ...................................................................................................... 168
A DEMOCRACIA NAS TEORIAS LIBERAL E SOCIALISTA ................................................... 187
Camila Savaris Cornelius ........................................................................................... 187
Yasmine Coelho Kunrath .......................................................................................... 187
A DEMOCRACIA COMPETITIVA DE ROBERT ALAN DAHL ............................................... 217
Alexandre Estefani .................................................................................................... 217
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Douglas Roberto Martins.......................................................................................... 217
A DEMOCRACIA: OS MODELOS E AS CLASSIFICAÇÕES .................................................. 234
Rafael Bozzano .......................................................................................................... 234
A EROSÃO DA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA: UM ESTUDO COMAPORTES DO GARANTISMO JURÍDICO ................................................................................................ 255
Daniel Mayerle.......................................................................................................... 255
Pablo Franciano Steffen ............................................................................................ 255
OS CONFLITOS ENTRE A ECONOMIA TRANSNACIONAL, A DEMOCRACIA E OS DIREITOS ADQUIRIDOS: UMA ANÁLISE DOS EMPRÉSTIMOS DA UNIÃO EUROPEIA PARA A GRÉCIA ........................................................................................................................... 281
Frederico Wellington Jorge ...................................................................................... 281
Jonathan Cardoso Régis ............................................................................................ 281
ESTADO E DEMOCRACIA – OS CAMINHOS POSSÍVEIS EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO .... 309
Bruna Maria Civinsky ................................................................................................ 309
Sílvia Regina Danielski .............................................................................................. 309
DEMOCRACIA E TECNOCRACIA: UM DEBATE ACERCA DAS FORMAS DE GOVERNO NO CONTEXTO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO ................................................................. 334
Pedro Walter Guimarães Tang Vidal ........................................................................ 334
A DEMOCRACIA NO SISTEMA GLOBALIZADO ................................................................ 353
Fabrício Wloch .......................................................................................................... 353
Elisandra Riffel Cimadon ........................................................................................... 353
DEMOCRACIA X DESENVOLVIMENTO ........................................................................... 389
Cheila da Silva dos Passos Carneiro .......................................................................... 389
Patrícia Pasqualini Philippi ........................................................................................ 389
DEMOCRACIA E COMUNICAÇÃO ................................................................................... 411
Danielle Rosa ............................................................................................................ 411
Orlando da Silva Neto ............................................................................................... 411
E-DEMOCRACIA OU DEMOCRACIA ELETRÔNICA ........................................................... 430
Felipe Wildi Varela .................................................................................................... 430
Sérgio Julian Zanella Martinez Caro ......................................................................... 430
DEMOCRACÍA E AMBIENTE ........................................................................................... 449
Sonia Aparecida de Carvalho .................................................................................... 449
WILD LAW ...................................................................................................................... 475
Silvia Letícia Listoni ................................................................................................... 475
Raul Denis Pickcius ................................................................................................... 475
DEMOCRACIA E CONFLITO ENTRE OS PODERES ........................................................... 502
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Alexandre Baumgratz da Costa ................................................................................ 502
Adriano Gonçalves Aguirre ....................................................................................... 502
O JUIZ LEGISLADOR ........................................................................................................ 518
Fabrícia Alcantara Mondin ....................................................................................... 518
Ornella Cristine Amaya ............................................................................................. 518
CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO E O NEOCONSTITUCIONALISMO ............. 544
Juliete Ruana Mafra Granado ................................................................................... 544
Emerson Rodrigo Araújo Granado ............................................................................ 544
O CONSTITUCIONALISMO TRANSNACIONAL ................................................................. 565
Marcelo Corrêa ......................................................................................................... 565
Ricardo Uliano dos Santos ........................................................................................ 565
O DIÁLOGO ENTRE AS CORTES ...................................................................................... 588
Alan Felipe Provin ..................................................................................................... 588
Yury Augusto dos Santos Queiroz ............................................................................ 588
A RELAÇÃO ENTRE A MAGISTRATURA E A POLÍTICA: A (IN) DEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO ..................................................................................................................... 608
Deisy Mabel Campos Sell .......................................................................................... 608
Fabíola Duncka Geiser .............................................................................................. 608
A ORGANIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS CONTEMPORÂNEOS ...................................................................................................... 629
Maria Lenir Rodrigues Pinheiro ................................................................................ 629
Mariana Faria Filard .................................................................................................. 629
O TEMPO DO LEGISLADOR: PROCEDIMENTO DE APROVAÇÃO DA LEI E DIÁLOGO ENTRE PARLAMENTOS .............................................................................................................. 650
Érico Sanches Ferreira dos Santos ........................................................................... 650
Jocélia Aparecida Lulek ............................................................................................. 650
POLÍTICAS PÚBLICAS E PODER JURISDICIONAL ............................................................. 676
Paola Fernanda de Souza Cunha .............................................................................. 676
Sirio Vieira dos Santos Filho ..................................................................................... 676
O PLURALISMO RELIGIOSO E SUAS INGERÊNCIAS NO PLURALISMO JURÍDICO ............ 702
Natammy Luana de Aguiar Bonissoni ....................................................................... 702
GEODIREITO ................................................................................................................... 720
Gabriela Rangel da Silva ........................................................................................... 720
Jorge Alberto de Andrade ......................................................................................... 720
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DEMOCRACIA NA TEORIA DO PROCESSO LEGAL TRANSNACIONAL: POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E A SUBSTÂNCIA LEGAL TRANSNACIONAL ........................................................................................................... 743
Bruno Smolarek Dias ................................................................................................ 743
Celso Hiroshi Iocohama ............................................................................................ 743
DIGNIDADE E DIREITOS HUMANOS:UMA BUSCA NA HISTÓRIA PELA (DES)CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS ............................................................................................................... 768
Luciene Dal Ri ........................................................................................................... 768
DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: COMO “É BOM TER ESPERANÇA, MAS É RUIM DEPENDER APENAS DELA” ............................................................................................. 785
Márcio Ricardo Staffen ............................................................................................. 785
A DEMOCRACIA COMO DEFINIÇÃO NORMATIVA E EMPÍRICA ..................................... 803
Aline Milena Grando ................................................................................................. 803
Rosana Aparecida Bellan .......................................................................................... 803
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VIII
APRESENTAÇÃO
Este livro representa o resultado dos estudos científicos e acadêmicos
desenvolvidos na disciplina do doutorado intitulada “Teoria do Estado e da
Constituição”, bem como na disciplina do mestrado de “Teoria Jurídica e
Transnacionalidade”, no ano de 2015, dentro da parceria existente entre a
Universidade do Vale do Itajaí (Brasil) e a Università degli Studi di Perugia (Itália),
conduzida e coordenada pelo Prof. Dr. Maurizio Oliviero, Professor Visitante do
Exterior, com bolsa CAPES, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência
Jurídica (PPCJ/UNIVALI), com a colaboração da Profa. Dra. Luciene Dal Ri e do Prof. Dr.
Rafael Padilha dos Santos. Além dos mestrandos e doutorandos, há ainda a publicação
nesta obra de Professores doutores convidados, que contribuíram com pesquisas
dentro das linhas temáticas deste livro.
Foram elaboradas quatro linhas temáticas, a partir das quais os Capítulos deste
livro estão sistematizados: 1) A democracia na dimensão histórica; 2) A democracia na
dimensão teórica; 3) Os modelos de democracia; 4) A democracia na era da
globalização.
Deste modo, posiciona-se como categoria central a democracia, pois ainda hoje
esta palavra conserva sua vitalidade para se pensar a complexidade política. Apesar
disso, deve-se reconhecer que sua definição não é constante e uniforme ao longo da
história; além disso, a democracia não deve ser analisada longe dos contextos
histórico-culturais em que é empregada, tendo assim um amplo espectro semântico,
que gera estímulo para o trabalho acadêmico. Por isso, a primeira linha temática
enfrenta o tema da democracia na dimensão histórica, o que envolve pensar sua
realidade na Grécia, na época medieval, no período moderno, e no século XX.
Depois, com a segunda linha temática, da democracia na dimensão teórica, é
analisada a cultura política a partir de grandes substratos teóricos da democracia,
trazendo para a discussão autores clássicos e contemporâneos, o que envolve abordar
o pensamento de Jean-Jacques Rousseau, Thomas Jefferson, John Stuart Mill, Joseph
A. Schumpeter, Robert Alan Dahl.
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IX
A organização das ideias segue com a terceira linha temática, enfrentando os
modelos e classificações da democracia, para se compreender as suas nuances no
escopo de empoderar o demos e na diversidade pensável para os seus modos de
funcionamento e organização, discutindo-se sobre as possibilidades da formalização da
manifestação da vontade coletiva na tomada de decisão política, e os desafios para a
substancialização da democracia.
Com a linha temática da democracia na era da globalização enfrenta-se a
contemporânea mudança do ambiente histórico-político, que antes ligava
geneticamente a democracia ao Estado Nacional dentro de um território centralizado,
e que atualmente é assolado pelo fenômeno da globalização que empurra a
democracia para uma novidade constitutiva, obrigando-se a se pensar a democracia
em um horizonte supranacional e supraestatal.
Assim, abre-se a reflexão para se pensar as virtualidades da democracia
aplicáveis em espaços jurídicos globalizados e transnacionais, o que acontece em um
ambiente de revolução tecnológica, com novos atores, novas demandas, novos
direitos, representando um estímulo para se pensar em novos modos de proteção
democrática para bens considerados como juridicamente relevantes.
Deste modo, a obra estrutura-se a partir de linhas temáticas com coerente
correlação entre si, cada capítulo guarda um diálogo com o tema central da
democracia. Ainda que cada texto apresente uma autonomia reflexiva e um
aprofundamento próprio, resta integrado à totalidade unitária com os demais
componentes da obra, centrando-se na ideia de democracia. Assim, o leitor é
provocado à leitura complexa do mundo, a um discernimento mais preciso para se
enfrentar os desafios do tempo presente.
Profa. Luciene Dal Ri
Prof. Maurizio Oliviero
Prof. Rafael Padilha
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ANÁLISE SOBRE A DEMOCRACIA ATENIENSE1
Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira2
Patrícia Silva Rodrigues3
INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem por objetivo analisar a categoria jurídica
Democracia, sua definição, origens, bem como a organização política ateniense, sua
base teórica e, ainda, sua importância para a (re) construção da Democracia
contemporânea. Os objetivos específicos são: a) proceder ao levantamento
bibliográfico e digital, tanto na doutrina pátria quanto na estrangeira, acerca da
temática; b) listar opiniões doutrinárias diversas a respeito do instituto; c) enumerar
características e critérios sobre a Democracia; c) elencar marcos históricos acerca do
assunto.
A problemática que permeou a construção deste artigo consiste nos seguintes
questionamentos: (a) qual a importância da Democracia Ateniense para a construção
da atual definição de Democracia? E (b) quais os elementos da Democracia Ateniense
que seriam importantes na construção do atual modelo de Democracia segundo
Robert Dahl. Como hipótese básica ao problema apresentado supõe-se que ainda hoje
a revisitação à origem clássica da Democracia é importante para se (re) construir o
conceito da Democracia em pleno século XXI, bem como que alguns elementos
originários da Democracia são úteis ao atual modelo democrático.
1 Artigo produzido para a disciplina de Teoria Jurídica e Transnacionalidade, ministrada pelo Professor Doutor
Maurizio Oliviero. 2 Mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI – SC (2015/2017). Pós Graduada em
nível de Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (2006). Graduada em ciências jurídicas, curso de Direito, pela Universidade da Região de Joinville- UNIVILLE (2001/2005). Advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 22.684. Professora de Direito e Processo do Trabalho no curso de graduação em Direito na Sociedade Educacional de Santa Catarina - UniSociesc. E-mail: [email protected].
3 Doutoranda em Ciências Jurídicas junto à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI com dupla titulação em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidade de Alicante na Espanha. Servidora pública do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Professora junto à Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina (UNISOCIESC), Joinville – SC, e-mail; [email protected].
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11
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação o
Método4 utilizado foi o Indutivo, na fase de Tratamento dos Dados o Cartesiano e o
Método Analítico, esse último na perspectiva de Norberto Bobbio5, sendo que no
presente Relatório da Pesquisa, é empregada a base indutiva6. Foram acionadas as
técnicas do referente7, da categoria8, dos conceitos operacionais9, da pesquisa
bibliográfica10 e do fichamento11.
1. DA DEFINIÇÃO DE DEMOCRACIA
Como é cediço, o vocábulo Democracia advém da junção dos termos gregos
Demos, que significa “povo”, e Krátos, que significa “força, domínio, poder”. Assim, “a
palavra Democracia traz em si, implicitamente, o conceito de exercício do poder
político pelo povo”12.
Nesse sentido, Luigi Ferrajoli 13 preceitua que: “En el sentido común la
democracia se concibe habitualmente, según el significado etimológico de la palavra,
como el poder del pueblo de asumir las decisiones públicas, diretamente o a través de
representantes”.
4 “Método é forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos
e relatar os resultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 206. 5 Vide PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a Ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 193. 6 Sobre os métodos e técnicas nas diversas fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da
Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 81-111. 7"Explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para
uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa".PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 58.
8 “Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma ideia".PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 27.
9 “Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias expostas”.PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 39.
10 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 215.
11 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 114-115.
12RIBEIRO, Telmo Vieira. Duas Teses de Telmo Vieira Ribeiro. Orgs. Luis Carlos Cancellier de Olivo, César Luiz Pasold. Joaçaba: Editora UNOESC, 2015, p. 18.
13 FERRAJOLI, Luigi. Poderes Salvajes. 2. Ed. Madrid: Trotta, 2011, p. 27.
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A categoria em comento, como assinalado por Paulo Márcio Cruz14, continua
sendo uma das mais controversas dentro da Teoria do Estado e do Direito
Constitucional, sendo que uma das divergências diz respeito à sua própria definição.
Nesse sentido, cumpre destacar o alerta feito por Telmo Vieira Ribeiro: “De fato,
muitos pretendem agregar ao conceito de Democracia ingredientes outros para que o
resultado fique em consonância com suas convicções ou conveniências políticas, não
raro ocasionais”15.
A despeito disso, ousa-se exarar a definição de Pontes de Miranda16 a respeito
da Democracia, dada sua completude:
Democracia é a participação do povo na ordem estatal: na escolha dos chefes, na
escolha dos legisladores, na escolha direta ou indireta dos outros encarregados do
poder público. Os gráus de democracia concernem à sua perfeição. Mas democracia
somente há, se existe a co-decisão. Chama-se co-decisão a deliberação em comum,
pelo povo ou por pessoas escolhidas pelo povo, isto é, não por pessoas oriundas de
atos de força, ou de fato estranho ao querer da população (nascimento, por exemplo).
Desde que o grande número decide, pelo voto escrito, oral, ou em gestos, ou escolhe
quem o faça, sem dar a essa escolha caráter de escolha definitiva, sem termo e sem
revogação possível, há democracia.
Numa tentativa mais moderna de se definir o instituto em comento, Robert A.
Dahl17 sustenta a existência de cinco critérios que juntos permitem ao cidadão
participar efetivamente e de forma igualitária das decisões do Estado de forma a
concretizar a Democracia. Ei-los:
Participação efetiva. Antes de ser adotada uma política pela associação, todos os
membros devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer os outros membros
conhecerem suas opiniões sobre qual deveria ser esta política.
Igualdade de voto. Quando chegar o momento em que a decisão sobre a política for
tomada, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos
os votos devem ser contados como iguais.
Entendimento esclarecido. Dentro de limites razoáveis de tempo, cada membro deve
ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas
importantes e suas prováveis consequências.
14 CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10, p. 107-116.
Abril/2000. 15 RIBEIRO, Telmo Vieira. Duas Teses de Telmo Vieira Ribeiro. Orgs. Luis Carlos Cancellier de Olivo, César Luiz
Pasold. Joaçaba: Editora UNOESC, 2015, p. 20. 16 MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade e Igualdade. Rio de Janeiro, 1946, p. 158-159. 17DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 49.
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13
Controle do programa de planejamento. Os membros devem ter a oportunidade
exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser
colocadas no planejamento. Assim, o processo democrático exigido pelos três critérios
anteriores jamais é encerrado. As políticas da associação estão sempre abertas para a
mudança pelos membros, se assim estes escolherem~.
Inclusão dos adultos. Todos ou, de qualquer maneira, a maioria dos adultos residentes
permanentes deveriam ter o pleno direito de cidadãos implícito no primeiro de nossos
critérios. Antes do século XX, este critério era inaceitável para a maioria dos
defensores da democracia. Justificá-lo exigiria que examinássemos por que devemos
tratar os outros como nossos iguais políticos.
Por sua vez, J. J. Gomes Canotilho18 entende a Democracia como sendo:
Um processo dinâmico inerente a uma sociedade aberta e activa, oferecendo aos
cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral e de liberdade de participação
crítica no processo político em condições de igualdade económica, política e social.
Assim, percebe-se que o que realmente marca a Democracia é a efetiva
deliberação, participação do povo esclarecido de seus direitos e deveres como
cidadãos, em igualdade de condições, na construção da ordem estatal, ou seja, a
decisão comum sobre quem vai governá-lo e os caminhos a serem trilhados pelo
Estado. Isso dito, passar-se-á a discorrer sobre a origem do instituto.
2 DA ORIGEM DA DEMOCRACIA
Robert A. Dahl19 inicia sua célebre obra intitulada “Sobre a Democracia”
questionando se a Democracia é tão velha como alguns sustentam. Aduz que, para
uns, fiados em raízes clássicas, ela teria começado na Grécia ou Roma antiga enquanto
que, para outros, ela teria se iniciado há cerca de duzentos anos, nos Estados Unidos
da América.
O fato é que, segundo o próprio autor, “como o fogo, a pintura ou a escrita, a
Democracia parece ter sido inventada mais de uma vez, em mais de um local”. De fato,
prossegue Dahl20:
18 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. Ed., Coimbra: Almedina, p. 289. 19 DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 18. 20DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 19.
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14
Pressuponho que a democracia possa ser inventada e reinventada de maneira
autônoma sempre que existirem as condições adequadas. Acredito que essas
condições adequadas existiram em diferentes épocas e em lugares diferentes. Assim
como uma terra que pode ser cultivada e a devida quantidade de chuva estimularam o
desenvolvimento da agricultura, determinadas condições favoráveis, sempre apoiaram
uma tendência para o desenvolvimento de um governo democrático. Por exemplo,
devido a condições favoráveis, é bem provável que tenha existido alguma forma de
democracia em governos tribais muito antes da história registrada.
Pontuado acerca dessa capacidade de “reinventar-se”, o certo é que a
Democracia, como sistema de governo que permite, desde os primórdios do instituto,
a participação popular de um significativo número de cidadãos na vida do Estado
surgiu pela primeira vez na Grécia antiga e em Roma, por volta do ano 500 a.C.
2.1 Da organização política ateniense
A Grécia clássica era composta por centenas de cidades independentes,
rodeadas de áreas rurais, as denominadas “cidades-estado”, sendo a mais famosa
chamada de Atenas. Em 507 a.C., os atenienses adotaram um sistema de governo
popular que durou aproximadamente dois séculos, até a cidade ser subjugada por sua
vizinha mais poderosa ao norte, a Macedônia.
Como afirmado alhures, foram os gregos (e ousa-se dizer os atenienses) que
cunharam o termo Democracia(governo do povo). Nesse ponto, convém trazer a lume
o pensamento de Robert A. Dahl21 no sentido de que:
Embora a palavra demos em geral se referisse a todo o povo ateniense, às vezes,
significa apenas a gente comum ou apenas o pobre. Às vezes, demokratia era utilizada
por seus críticos aristocráticos como uma espécie de epíteto, para mostrar seu
desprezo pelas pessoas comuns que haviam usurpado o controle que os aristocratas
tinham sobre o governo. Em quaisquer dos casos, demokratia era aplicada pelos
atenienses e por outros gregos ao governo de Atenas e ao de muitas outras cidades
gregas.
Para Denise Lacerda 22 , a Democracia grega foi, em sua plenitude, uma
experiência basicamente ateniense, pois foi em Atenas que se desenvolveu de forma
21DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 21. 22 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.
Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.34.
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15
estável e institucionalizada, um governo exercido pelos cidadãos reunidos em
Assembleia. Portanto, um governo do povo, pelo povo.
A autora relata que a Democracia Ateniense se inicia com Sólon na passagem
do século sexto para o sétimo, e suas reformas econômicas para solucionar a crise
monetária pela qual a Grécia passava. Explica que, no plano social, Sólon criou quatro
classes de cidadãos23:
As três classes mais altas, formadas pelos grandes, médios e pequenos proprietários,
supriam os contingentes da infantaria pesada, os hoplitas. Eram os proprietários rurais,
os cavaleiros e os “zeugitae”. A quarta classe, os “thetes”, os trabalhadores braçais,
fornecia os contingentes da infantaria ligeira. Eram os únicos que não tinham direito a
voto na Assembléia.
O desdobramento, no plano político, da estratificação da sociedade em quatro
classes foi a reserva do acesso ao poder apenas as duas classes mais altas. Existia,
porém, um tribunal popular, cujos membros eram eleitos por todos os que eram
considerados cidadãos à época.
Já com Péricles, em 457 a.C., o poder passou a ser acessível também à terceira
classe, os “zeugitae”, o que, na percepção de Denise Lacerda, também beneficiou os
trabalhadores a última classe.
Guarinello24 conta que entre os séculos IX e VIII a.C. aconteceu um intenso
intercâmbio de pessoas, bens e ideias por todo o Mediterrâneo, o que foi causado
especialmente pelo interesse na matéria-prima principal da época, o ferro. Essa busca
pela matéria prima acabou por difundir inovações e técnicas de grande importância
como a arquitetura em pedra, as construções monumentais, a escultura em três
dimensões, o relevo, a pintura, a fabricação de artigos em bronze, a escrita alfabética e
o cavalo de guerra. Este intercâmbio de pessoas e bens proporcionou uma verdadeira
revolução no cenário da época, o que o autor chama de “revolução industrial sem
indústria”. Evidente que o aumento populacional era visível, em especial, em grandes
cidades como Atenas, e foi daí que surgiu a forma de organização peculiar: a cidade-
estado.
23 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.
Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.35/36. 24 GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na antiguidade clássica. IN PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi.
(org) História da cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2015, p. 31.
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Preocupado com o grande aumento populacional, Péricles criou uma
importante medida a respeito da cidadania e que trouxe impacto direto no exercício
dos direitos democráticos. É que nessa época a aquisição da cidadania ficou restrita a
atenienses filhos de pai e mãe atenienses, tudo em vista do crescente interesse
estrangeiro por Atenas. A esse respeito, implica destacar que, embora os estrangeiros
fossem excluídos das atividades políticas, não podendo, portanto, participar do
processo democrático, gozavam dos demais benefícios da cidade.25
2.2 Da base teórica da Democracia Ateniense
Bobbio26, ao discorrer sobre as formas de governo, inicia relatando os escritos
de Heródoto produzidos no século V antes de Cristo. Nesses escritos, Heródoto, como
era peculiar da época, conta o diálogo entre Otanes, Magabises e Dario sobre a melhor
forma de governo. Cada um dos personagens defende uma das três clássicas formas
de governo: democracia, o governo de muitos, aristocracia, o governo de poucos e
monarquia, o governo de um só. Para Bobbio, o que chama atenção no debate entre
os personagens é o grau de desenvolvimento que já tinha atingido o pensamento
grego sobre política um século antes da sistematização teórica de Platão e Aristóteles.
Vale esclarecer que no texto de Heródoto o governo do povo ainda não é chamado de
democracia, termo que, à época, era considerado negativo pelos grandes pensadores
políticos e trazia a concepção de mal governo.
No campo teórico, Platão27, (428 – 347 a.C) fala sobre a constituição da
república ideal, que segundo o autor teria por objetivo a realização da justiça
entendida como atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as
próprias aptidões. Essa república, obviamente, por representar um ideal, não existia, a
não ser nas palavras e nas ideias do autor28.
Platão examinou em sua obra, A República, apenas formas más de governo, ao
contrário do que fez Heródoto. Ele justifica que todas as formas analisadas são más,
25 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.
Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.36/37. 26 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 39/41. 27 Platão. A república. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. 28 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 45.
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porque não se alinham ao modelo ideal, que está alicerçado no consentimento dos
cidadãos de acordo com as leis estabelecidas29.
Bobbio30 justifica a análise pessimista de Platão afirmando que se trata de um
pensador conservador, que vê o passado com benevolência e o futuro com espanto.
Além disso, deve-se considerar que Platão viveu na época da degradação da polis, na
decadência da gloriosa Democracia Ateniense, o que também explica a visão de Platão.
Platão analisa em seus escritos as seguintes formas de governo: timocracia,
oligarquia, democracia e tirania, deixando de lado a aristocracia e a monarquia. Em
observância ao tema da pesquisa, restará restrita à análise à forma democracia.
Num estado governado democraticamente, na visão de Platão, a liberdade é
que será proclamada como bem maior, por isso, conclui, que neste Estado, só poderá
viver quem for liberal por temperamento, pois tudo será permitido. Neste Estado, a
fruição da liberdade acontecerá de forma demasiada e os governantes se tornarão
complacentes, sendo ao final atacados pelo povo e punidos como réus e traidores.
Além disso, Platão professa que entre os cidadãos restaria instalada a anarquia, pois o
povo dominaria os que tem bens, por exemplo31.
Bobbio32 explica que ao trazer o confronto entre as várias formas de governo,
Platão determina que a democracia seria a pior das formas ruins e a melhor das formas
boas de governo, o que explica porque a democracia não possui um tipo antagônico,
como se verá mais adiante.
Aristóteles33 (384 – 322 a.C) desenvolveu a teoria clássica das formas de
governo ou teoria das seis formas de governo em seu célebre livro Política. Relatou a
ocorrência de três tipos puros de governo – a monarquia, a aristocracia e a república -,
e outros três tipos de desvios das formas puras – a corrupção, a tirania e a oligarquia.
Nas formas boas, os governantes visariam o bem comum e, nas formas más, haveria
pretensão dos interesses próprios dos governantes. O autor sustenta esse critério
basicamente com o mesmo conceito aristotélico de pólis: a razão pela qual os
29 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 46/54 30 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 46. 31 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 551/53. 32 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 53/54. 33 Aristóteles. Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
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indivíduos formam comunidades políticas não é apenas para viver, mas para viver
bem. Assim, para que este objetivo seja alcançado é necessário que os cidadãos visem
o interesse comum34.
Bobbio35 diz que o autor formula, com extrema simplicidade, a teoria das seis
formas de governo, com o emprego de dois critérios fundamentais: quem governa e
como governa. Com base no primeiro critério, pode-se determinar quem detém o
poder – uma só pessoa (monarquia), poucas pessoas (aristocracia) ou muitas pessoas
(politia). Já com base no segundo critério, pode-se determinar se a forma de governo é
boa ou má. As versões más de governo se contrapõe as boas, sendo elas a tirania, a
oligarquia e a democracia.
Em sua análise, Bobbio36 afirma que causa estranheza o uso da terminologia
politia para indicar o bom governo de muitos, visto que é um termo genérico, não
específico. Em outro escrito, Aristóteles utiliza o termo timocracia, para indicar a
forma boa do governo de muitos, o que, para Bobbio, causa ainda mais estranheza. No
entanto, o autor explica que de qualquer forma, o uso do termo genérico – politia -
confirma o que Platão já havia ensinado: ao contrário do que acontece com as duas
primeiras formas de governo, para as quais existem dois termos consagrados pelo uso
para indicar respectivamente a forma boa e má (monarquia-tirania, aristocracia-
oligarquia), com relação à terceira forma, há somente um termo: democracia, o qual
pode ser usado para indicar tanto a forma boa quanto a má.
Relacionando de forma comparativa todas as seis formas de governo,
Aristóteles conclui que a democracia é certamente a forma mais moderada. Defende
sua percepção utilizando o critério de avaliação das formas – boas e más -, para então
concluir que, quanto mais afastada da forma boa, pior é a degeneração. Assim,
monarquia e aristocracia estariam extremamente afastadas da tirania e da oligarquia,
razão pela qual conclui pela moderação do modelo democrático37.
34 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58. 35 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 56. 36 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 57. 37 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58.
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Por fim, Bobbio38 destaca que Aristóteles ao tratar da terceira forma, dá uma
definição complemente surpreendente. Isso porque Aristóteles afirma se tratar em
verdade, a politia, de uma mistura entre duas formas más, oligarquia e democracia.
Assim, considerando, pode-se concluir primeiramente que uma forma boa pode
resultar da união de duas formas más. Além disso, a terceira forma de governo seria
em verdade uma ideia abstrata, uma fórmula vazia, que para Bobbio, não corresponde
a nenhum modelo de governo do presente ou do passado. Ele explica que para a visão
aristotélica, a fórmula resta ainda mais complexa, haja vista que para distinguir
aristocracia de democracia não se utiliza do critério do governo de muitos e do
governo de poucos, mas sim a diferença entre ricos e pobre:
Na democracia governam os homens livres e os pobres, que constituem a
maioria; na oligarquia governam os ricos e os nobres, que representam a minoria.
(1290 b)
Bobbio39 destaca que estar em maioria ou minoria, representava, em verdade,
para Aristóteles um critério concreto da condição social dos que governavam, um
elemento, portanto, não quantitativo, mas qualitativo e conclui:
Dizíamos, pois, que a política é uma fusão da oligarquia e da democracia. Agora
que sabemos em que consistem uma e outra, podemos compreender melhor em que
consiste essa fusão: é um regime em que a união dos ricos e dos pobres deveria
remediar a causa mais importante de tensão em todas as sociedades – a luta dos que
não possuem contra os proprietários. É o regime mais propício para assegurar a “paz
social.”
Paulo Márcio Cruz40 comenta que a mentalidade política dos antigos realmente
era marcada pela distinção entre o interesse geral da comunidade e a agregação de
interesses particulares:
Esta distinção entre o interesse da comunidade como algo contrário, por
definição, ao interesse particular é fundamental para entender a mentalidade política
38 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58/60. 39 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 60. 40CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.
Abril/2000.
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dos antigos, no que diz respeito ao interesse geral da comunidade, que não a concebia
como uma mera agregação de interesses particulares, mas sim como a expressão de
um bem superior, imbricado na infalibilidade da lei, o que permitia o desenvolvimento
geral da comunidade e de seus cidadãos formadores da polis.
Assim, o pensamento grego antigo não entendia o interesse geral da
comunidade como uma mera agregação de interesses particulares, mas sim como
expressão de um valor superior, que permitia o desenvolvimento moral e cognitivo do
cidadão da polis, bem como conceber um governo justo e harmônico em que os
cidadãos se subordinavam a essa “entidade” que se situava acima dos interesses
particulares41.
3 DA DEMOCRACIA ATENIENSE À (IDEAL) DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA
Como visto acima, Democracia Ateniense dizia respeito a um sistema de
governo popular local, não nacional. É dizer, não havia parlamento nacional de
representantes eleitos. Todavia, essa origem foi fundamental para a democratização
da contemporaneidade.
A construção e/solidificação da Democracia ao longo dos séculos permitiu o
esfacelamento de seus “inimigos pré-modernos”, a saber, a monarquia centralizada, a
aristocracia hereditária, a oligarquia baseada no sufrágio limitado e exclusivo, bem
como fez desaparecer os mais importantes regimes antidemocráticos do último século,
como o comunista, o facista e o nazista42.
Com efeito. O Século XX foi marcado por inúmeros revezes democráticos que,
algumas vezes, levou ao estabelecimento de regimes autoritários. Todavia, este século
também marcou a época de “triunfo democrático”. Isso porque como consigna Robert
A. Dahl 43 : “O alcance global e a influência de ideias, instituições e práticas
democráticas tornaram este século, de longe, o período mais florescente para a
41CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.
Abril/2000. 42DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 58. 43DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 161.
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21
democracia na história do homem”.
Robert A. Dahl44 elenca dez razões pelas quais a Democracia se apresenta como
uma alternativa viável na contemporaneidade, quais sejam: 1. Evita a tirania; 2.
Direitos essenciais; 3. Liberdade geral; 4. Autodeterminação; 5. Autonomia moral; 6.
Desenvolvimento humano; 7. Proteção dos interesses pessoais essenciais; 8. Igualdade
política; 9. A busca pela paz; e, finalmente, 10. A prosperidade.
A essência da Democracia consiste, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho45, “na
estruturação de mecanismos de seleção dos governantes e, concomitantemente, de
mecanismos de limitação prática do poder, visando criar, desenvolver e proteger
instituições políticas adequadas e eficazes para um governo sem as tentações da
tirania”.
Para Paulo Márcio Cruz46, a finalidade precípua da Democracia atualmente
“seria o controle, intervenção e definição, pelos cidadãos, de objetivos do poder
político, cuja titularidade lhes corresponderia em parcelas iguais, de acordo com o
princípio de que o Governo deve refletir a vontade do povo, sempre com base num
padrão ético determinado”.
É verdade que a Democracia contemporânea, em primeira análise, em nada se
assemelha à Democracia Ateniense. Entretanto, buscando as bases fundamentais dos
pensadores da época, em especial Aristóteles, verifica-se que é possível traçar um
ponto de convergência. Em especial quando se destaca que já na antiguidade havia a
exaltação da vontade da coletividade, na medida em que seria representada pela lei, e
que se situava acima dos interesses particulares47.
Assim é que uma Democracia contemporânea, em grande escala, nas palavras
do autor da obra “Sobre a Democracia”48, deve ser dotada de:
44DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 58. 45CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. Ed., Coimbra: Almedina, p. 291. 46CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.
Abril/2000. 47CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.
Abril/2000. 48DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,
p. 99.
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Funcionários eleitos. O controle das decisões do governo sobre a política é investido
constitucionalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos.
Eleições livres, justas e frequentes. Funcionários eleitos são escolhidos em eleições
frequentes e justas em que a coerção é relativamente incomum.
Liberdade de expressão. Os cidadãos têm o direito de se expressar sem o risco de
sérias punições em questões políticas amplamente definidas, incluindo a crítica aos
funcionários, o governo, o regime, a ordem socioeconômica e a ideologia
prevalecente.
Fontes de informação diversificadas. Os cidadãos têm o direito de buscar fontes de
informação diversificadas e independentes de outros cidadãos, especialistas, jornais,
revistas, livros, telecomunicações e afins.
Autonomia para as associações. Para obter seus vários direitos, até mesmo os
necessários para o funcionamento eficaz das instituições políticas democráticas, os
cidadãos também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente
independentes, como também partidos políticos e grupos de interesses.
Cidadania inclusiva. A nenhum adulto com residência permanente no país e sujeito a
suas leis podem ser negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às
cinco instituições políticas anteriormente listadas. Entre esses direitos, estão o direito
de votar para a escolha dos funcionários em eleições libres e justas; de se candidatar
para os postos eletivos; de livre expressão; de formar e participar de organizações
políticas independentes; de ter acesso a fontes de informação independentes; e de ter
direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom
funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala.
Ou seja, um sistema político dotado dessas instituições corresponde, ao menos
idealmente, à Democracia contemporânea. A respeito dessa, Manoel Gonçalves
Ferreira Filho49 aduz que ela repousa sobre dois valores, a saber: a liberdade e a
igualdade, os quais se atraem e se repelem ao mesmo tempo. Logo, um regime
democrático seria aquele que garantisse esses dois valores essenciais. Para o referido
autor50: “o princípio democrático significa atribuir o poder ao povo, o que importa
numa identificação entre governantes e governados”.
José Afonso da Silva51 define Democracia “não como um valor-fim, mas meio e
instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se
traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem”. Para ele, a Democracia
como regime político seria “um processo de convivência social em que o poder emana
49 FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução da democracia. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 30. 50FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução da democracia. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 30. 51 SILVA, José Afondo da. CursodeDireitoConstitucionalPositivo. São Paulo: RT, 1992, p. 114.
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23
do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do
povo”.
Luiz Pinto Ferreira52 define Democracia como sendo “o governo constitucional
das maiorias que, sobre as bases de uma relativa liberdade e igualdade, pelo menos a
igualdade civil (a igualdade diante da lei), proporciona ao povo o poder de
representação e fiscalização dos negócios públicos”.
Dessa forma, o que se constata é que, a despeito das inúmeras maneiras
(corretas) de se definir a Democracia na atualidade, uma característica é comum a
todas elas, qual seja: a Democracia é um regime de governo, marcado por atribuir a
titularidade do poder ao povo, que o exerce por meios de representantes escolhidos,
os quais permanecem sob o crivo daquele. Nesse sentido, convém ressaltar a
observação feita por Paulo Márcio Cruz53:
Ela [a Democracia] também deve ser entendida como um regime no qual os
governantes, uma vez investidos no poder pelo povo, vão exercê-lo de acordo com a
vontade dos governados, ou seja, deve haver razoável harmonia entre governantes e
governados, para que o poder seja exercido efetivamente em nome do povo. Para a
existência desta harmonia, é preciso que os canais de participação e de controle no e
do Governo estejam permanentemente abertos à participação da Sociedade, sem que
isto inviabilize ou retarde a implementação das ações governativas reivindicadas pela
coletividade.
Assim, percebe-se que a Democracia contemporânea, originada, sem dúvida,
na clássica construção grega, envolve a participação efetiva do cidadão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz do exposto, conclui-se que o conceito dado à Democracia contemporânea,
sem dúvida, originou-se das diretrizes exaradas na teoria clássica das formas de
governo.
Estudar a Democracia Ateniense, e nesse sentido a evolução do termo em seu
sentido genérico – “governo de muitos” –, implica observar as formas de governo da
52 FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 5 ed., 1991, p. 86/87. 53 CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10, p. 107-116.
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maneira como foram pensadas no passado e, ainda, como o pensamento político foi
construído desde então, para culminar com o que hoje chamamos de Democracia. O
maior desafio talvez seja relacionar realidades tão diferentes e ainda assim encontrar a
“semente” da Democracia participativa na antiguidade.
É evidente que a Democracia praticada e sustentada hoje, na qual se configura
a ideia de que uma ordem política não pode ser estabelecida sem a vontade popular,
não é a mesma que a vivida pelos antigos, na qual se observava a segregação de boa
parte da população nas decisões políticas. No entanto, o pensamento político
desenvolvido naquela época certamente influenciou a evolução do conceito de
Democracia, em especial na análise das formas de governo em suas formas boas e
más. O que se pode destacar é que os próprios pensadores estavam construindo uma
avaliação e ponderando as melhores práticas de governo.
Assim, afirma-se que a Democracia como era pensada nos seus primórdios em
Atenas em muito contribuiu para o pensamento político atual acerca do instituto,
tendo em vista que já aquela época pensava-se em sobrepujar os interesses da
coletividade em detrimento dos interesses particulares de alguns.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 5. ed. Brasília: Editora UNB,
2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.,
Coimbra: Almedina.
CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V,
nº 10. P. 107-116. Abril/2000.
DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.
FERRAJOLI, Luigi. Poderes Salvajes. 2. ed. Madrid: Trotta, 2011.
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25
GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na antiguidade clássica. in PINSKY, Jaime.
PINSKY, Carla Bassanezi. (orgs.) História da cidadania. São Paulo: Editora Contexto,
2015.
LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de
instrução do eleitorado brasileiro. Itajaí: Editora da Univali, 2000.
MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade e Igualdade. Rio de Janeiro, 1946..
PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a Ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2008.
______, Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2015.
PLATÃO. A república. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
RIBEIRO, Telmo Vieira. Duas Teses de Telmo Vieira Ribeiro. Orgs. Luis Carlos Cancellier
de Olivo, César Luiz Pasold. Joaçaba: Editora UNOESC, 2015.
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26
A DEMOCRACIA NO FIM DA IDADE MÉDIA E INÍCIO DA IDADE MODERNA:
AS CONCEPÇÕES DE MARSÍLIO DE PÁDUA, GUILHERME DE OCKHAM E
NICOLAU MAQUIAVEL
Alexandre Carrinho Muniz1
Felipe Schmidt2
INTRODUÇÃO
O presente estudo versa sobre as concepções de democracia delineadas no fim do
medievo e no início da modernidade, abrangendo as ideias dos principais pensadores
políticos da época acerca da matéria, Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e Nicolau
Maquiavel.
A experiência democrática moderna, conforme Maria Cristina Seixas Vilani, se
assenta sobre premissas e valores que a Grécia Antiga desconhecia, de modo que “os
principais fundamentos da democracia moderna foram preconizados pelo pensamento
político que emergiu na Europa cristã, entre os séculos XIII e XIV”3, portanto, no final da
Idade Média.
Com efeito, na Grécia da Antiguidade, os cidadãos, que representavam pequena
parcela da população, dela excluídos escravos, mulheres, menores e estrangeiros, se
reuniam em assembleia para deliberar diretamente acerca das questões de interesse da
pólis.
Todavia, “quando hoje falamos em democracia, estamos falando de um governo
1Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica – CMCJ, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
Especialista em Direito Penal e Processual Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Email: [email protected]
2Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica – CMCJ, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Email: [email protected]
3 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna. p. 13.
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representativo, de um Estado constitucional e da garantia das liberdades individuais. Essa
democracia tem pouca semelhança com a cidade-república dos gregos”4.
Daí a importância deste estudo, vetorizado a resgatar os fundamentos da ideia de
democracia no final da Idade Média e início da Idade Moderna, que contribuíram para
moldar a noção democrática atual, a fim de melhor compreender como se desenvolveu,
no período em questão, a concepção da origem popular do poder político.
Para alcançar tal escopo, será necessário inicialmente delinear o contexto teórico
em que se deu o embate, pela plenitude do poder (plenitudo potestatis), entre o Império e
o Papado, no bojo da qual vai surgir a proposta de conceber como fonte de todo o poder o
povo, para em seguida analisar mais detidamente o pensamento de três dos principais
estudiosos da época acerca da matéria: Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e
Nicolau Maquiavel.
1 PLENITUDO POTESTATIS: CONFLITO ENTRE O IMPÉRIO E O PAPADO
No final da Idade Média, a discussão acerca da democracia surge no contexto da
disputa entre o Império e o Papado pela plenitude do poder (plenitudo potestatis),
questão que está na gênese da própria separação entre Igreja e Estado, posteriormente
defendida por pensadores do Iluminismo e que teve consecução no século XVIII, com o
advento do Estado Liberal.
A época em que se produziram as concepções teóricas examinadas neste estudo
“caracteriza-se como tempo de transição e crise”5, segundo Sérgio Ricardo Strefling:
Em crise, a unidade religiosa e política da cristandade medieval; em crise, a unidade da
cultura dominada pelo saber profano (…). Em crise, sobretudo, no aspecto humano e
político, a unidade da vida pública dominada pelos dois centros de decisão, o papado e o
Império. Já há mais tempo as relações entre esses dois poderes passavam por momentos
difíceis. (…) Acontecia que o Pontífice Romano era um senhor com seus Estados e domínios
4 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna. p. 19-20. 5 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 11.
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supostamente legados por Constantino e outros imperadores posteriores e atribuía a si
certos privilégios ou direitos, como a aprovação da eleição, que influenciava na vida
política. O Imperador, por sua vez, tinha excessiva influência nas decisões do governo da
Igreja, nomeação de bispos e eleição dos Papas6.
Leciona António Rocha Martins:
(…) a partir de certo momento (especialmente a partir do século XI), as questões
crescentes relativas às relações concretas da Igreja com o mundo vão repercutindo um
âmbito político (mesmo negativamente) estranho/exterior à Igreja, a partir do qual era
muito difícil compreender as exigências do direito divino. (…) prevê-se aí uma alteração de
relações entre o poder espiritual e o poder temporal7.
Assim, tem-se que “o tema central do pensamento filosófico-político, ao longo de
toda a Idade Média, foi o das relações entre o poder espiritual e o poder temporal, visto
no horizonte das relações entre sacerdócio e reino ou Igreja e Império”8.
Mas, segundo Michel Villey, a disputa de poder entre o imperador e o papa
constituiu também questão jurídica (e não só filosófica e política) de extrema relevância
no medievo:
[...] um problema realmente jurídico – aliás, o mais importante do direito público medieval:
o da partilha dos poderes entre as duas autoridades soberanas (ou que ambas gostariam
de ser) da Idade Média, o imperador e o papa9.
A plenitude do poder (plenitudo potestatis), conforme Michel Villey, consiste na
“soberania total, não apenas 'espiritual', mas também 'temporal', do papa”10. Para Luís
Alberto de Boni, a questão da plenitudo potestatis versa “sobre a pretensão de poder
ilimitado por parte do papa e, por consequência, aos limites entre o poder religioso e o
poder civil, [...] personificados [...] nas figuras do sumo pontífice e do imperador”11. Tal
concepção política “tinha como pressupostos a natureza descendente do poder e o
6 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 11/12. 7 MARTINS, António Rocha. Origem Divina e Fonte Humana do Poder Civil em Guilherme de Ockham: Emergência da
Liberdade; pp. 7/8. 8 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 15. 9 VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno; p. 241. 10 VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno; p. 241. 11 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia
da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 113.
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caráter divino da instituição governamental”12.
Assim, no medievo concebia-se a existência simultânea, no mundo terreno, de um
poder temporal, próprio dos reinos, sucessores do Império Romano, e de um poder
espiritual, próprio dos papas, sucessores de Pedro, ambos delegados por Deus, cada um
deles soberano em seu respectivo domínio: ao Rei cabia a potestas sobre seus súditos, e
ao Pontífice a auctoritas sobre a igreja e os fiéis13. Cumpre anotar que a potestas
corresponde ao poder exercido pelas armas e a auctoritas é “aquele poder moral, que
dispensa a força das armas”14.
Nesse contexto, a monarquia eclesiástica era universal, uma vez que “o papa era o
representante de Deus sobre a terra e seu poder não tinha origem terrena, mas
sobrenatural”, e “possuía a scientia específica que lhe permitia, de acordo com os
princípios cristãos, conhecer a verdade e as necessidades humanas e emitir a
correspondente norma”, zelando por seu cumprimento, para o que “contava com a ajuda
do soberano secular para exterminar os hereges”15.
Ainda acerca do poder do papa, leciona Maria Cristina Seixas Vilani:
A plenitudo potestatis papal tinha clara conotação jurídica. A Igreja Romana se
denominava sedes justitiae. O Papa possuía o poder supremo de estabelecer normas e
criar direito.
(…).
A extensão do poder do papa era tal que lhe conferia autoridade para punir aqueles que
infringiam as regras por ele emitidas, mesmo que em assuntos alheios à religião. Era um
poder descendente e total; abarcava todas as esferas e supostamente o mundo.
(…).
Contava entre suas atribuições de supremo monarca: confirmar e ratificar tratados, anular
pactos, proibir comércio com pagãos, emitir ordens para confiscar propriedades16.
12 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 27. 13 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 16. 14 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia
da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 128. 15 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 37. 16 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 37.
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No que tange à monarquia secular, tem-se que “os princípios descendente e
teocrático foram também adotados pelo governante temporal e, portanto, também ele
possuía a plenitudo potestatis. O seu poder era recebido pela 'Graça de Deus'”17.
Sobre o poder do rei, ensina Maria Cristina Seixas Vilani:
Toda a máquina do governo estava nas mãos do rei e suas ordens tinham validade em todo
o território sob sua jurisdição. Isso significava que, na perspectiva real, todos os assuntos
vinculados ao reino, fossem eles de natureza temporal ou religiosa, estavam sob sua
autoridade. Como soberano supremo o rei era legislador de todo o reino. (…). Como porta-
voz vivo de Deus, a sua lei era sacra lex e se impunha para baixo. A característica do súdito
era a submissão à vontade superior. (…). A ele era confiada a proteção do reino e dos
súditos. (…). A ele cabia decidir sobre a paz e a guerra18.
Para a mesma autora, “no que diz respeito à divisão de responsabilidades com o
poder eclesiástico, (…) cabia à autoridade eclesiástica a orientação espiritual, e ao
monarca temporal a garantia da paz e a supressão do mal através do uso da força”19.
Assim, “a soberania era partilhada por duas monarquias de 'origem divina' - o
Papado e o Império -, cuja principal função era conduzir o corpo social no caminho da
'salvação eterna'20”, numa “responsabilidade conjunta com a salvação dos homens,
através de ajuda mútua e complementaridade de funções”21.
O Papa Gelásio I (492-496) procurou definir os campos de atuação dos poderes
espiritual e temporal, a fim de equilibrá-los, atribuindo a cada autoridade seu papel
próprio e dignidade específica22. “As definições do Papa Gelásio não pretendiam uma
separação dos poderes, mas uma distinção que implicava um estreitamento de relações
entre as duas forças independentes e uma coordenação entre as suas respectivas
atividades”23. Em suma, “em matéria temporal, fica o bispo subordinado ao príncipe, em
17 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 38. 18 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 38. 19 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; pp. 38/39. 20 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 13. 21 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 29. 22 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 23. 23 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 23.
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matéria espiritual, era o príncipe que se subordinava ao bispo”24.
Ocorre que, segundo Sérgio Ricardo Strefling, “evidentemente não houve equilíbrio
entre os dois poderes”, tendo à época vários pensadores da Igreja defendido a supremacia
pontifícia tanto no campo espiritual quanto, ainda que de modo indireto (por intermédio
da pessoa do Imperador), no âmbito temporal, teoria política que foi conhecida como
hierocracia25.
Consoante Sérgio Ricardo Strefling, a hierocracia (ou sacerdotalismo) é definida por
Marcel Prelot como “doutrina ou regime político segundo o qual determinados homens
consagrados a Deus pelo sacramento da ordem exercem sobre os outros homens, por
instituição divina, um poder mais eminente que existir possa”26.
Nessa linha, ainda conforme Sérgio Ricardo Strefling, os teóricos da hierocracia
ampliaram a dimensão e a esfera do poder do Papa, que, “[...] na condição de vigário de
Cristo e de sucessor e herdeiro de Pedro, é o monarca do mundo de iure et de facto, entre
os cristãos, e apenas de iure sobre os infiéis”27, tendo supremacia também sobre o
Imperador, uma vez que “como qualquer homem, os chefes temporais desejam alcançar a
mesma meta sobrenatural e, como tal, suas vidas estão confiadas ao supremo pastor da
Igreja”28.
Sobre a hierocracia, leciona Luiz Alberto de Boni:
Durante o século XIII e início do século XIV, sob influência da cúria romana, desenvolveu-se
na Igreja uma teoria hierocrática, afirmando que o papa, enquanto vigário de Cristo, estava
revestido de poderes extraordinários e, mais do que isso, que era através dele que se
constituía todo o poder neste mundo.
(…)
24 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 24. 25 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 17/18. 26 STREFLING, Sérgio Ricardo. A Novidade da Teoria Política de Marsílio de Pádua. In: Teocomunicação, vol. 28, nº 121.
Porto Alegre, setembro 1998; p. 398 (nota de pé de página n. 5) 27 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 21. 28 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 21.
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Nessa teoria, o poder temporal não se tornava supérfluo, mas afirmava-se que ele era
posto na existência através do poder religioso e agia subordinado ao sumo pontífice que,
em casos extraordinários, poderia nele intervir29.
Feitas essas considerações iniciais, seguem breves referências às concepções de
alguns pensadores que contribuíram para a construção da teoria da plenitudo potestatis
papal, extraídas notadamente da obra “Igreja e Poder”, de autoria de Sérgio Ricardo
Strefling, professor na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), correspondente à versão
editorial de sua tese de doutoramento em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUC/RS).
Segundo tal estudioso, o Papa Gregório VII (1073-1085), no âmbito da chamada
reforma gregoriana, elaborou, em 1075, o Dictatus Papae, consistente num “esquema de
governo da Igreja pelo Pontífice Romano (…) que não deixa de ingerir-se na administração
da Cristandade leiga (…) e se constitui num importante passo à teoria da plenitudo
potestatis”30.
Como reação ao Dictatus Papae, em 1076 o rei “Henrique IV proclama a deposição
do Papa (…), e lembra-lhe que não obedece nem a S. Pedro, que ordenou que os
apóstolos obedecessem aos reis”31, em face do que Gregório VII decide pela deposição
daquele, pois “cumpria-lhe acolher essas ordens como se emanassem dos lábios do
próprio Apóstolo Pedro”32.
“A teoria da plenitudo potestatis marcava aí um momento forte”33, conforme
Sérgio Ricardo Strefling, pela razão seguinte:
(…) anteriormente nenhum teórico das relações entre o espiritual e o temporal chegara até
essa sanção temporal suprema, que é a deposição do Imperador. Ela assinalava a
29 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia
da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 114. 30 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 33. 31 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 34. 32 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 35. 33 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 36.
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transposição de um limiar: uma superioridade teórica transformava-se numa supremacia
de terríveis consequências práticas, que virtualmente podia ir até um poder jurídico
irreconhecível, ou seja, até a soberania34.
Também Hugo de São Vítor (1096-1141), tendo “como objetivo defender a ideia da
unidade da Igreja, uma vez que esta concretiza a unidade social (…), não reconhece às
autoridades laicas uma independência tal que comprometa essa unidade”, sustentando
que “a sociedade humana é a Cristandade e a Cristandade é a Igreja”, de modo que “o
dualismo dos dois poderes e das duas funções não é mais que aparente”35. Segundo ele,
“o poder secular tem apenas uma fonte, a Igreja”, e “o poder espiritual deve instituir o
poder temporal, para que ele ganhe existência, e julgá-lo, se ele se conduz mal” e dessa
forma “distingue os poderes e suas respectivas funções, mas deixa clara a subordinação
em favor da hierocracia”36.
São Bernardo de Claraval (1091-1153) apresenta o Sumo Pontífice “como alguém
de poder incomparável entre os homens, pois ele é o sucessor de Pedro”, apontando que
“há duas espadas, simbolizando os dois poderes, o espiritual e o material”, mas, embora
pertença à Igreja, “a espada material não deve ser utilizada por Pedro e, portanto,
também não pela Igreja com suas próprias mãos”. Acerca da alegoria das duas espadas,
observa Sérgio Ricardo Strefling:
A alegoria das duas espadas, convém observar, não significou, na sua origem, um
confronto entre Igreja e Império, pois à Igreja pertenciam as duas espadas, e ela permitia
ao Estado usar a espada material e cumprir sua missão, que diz respeito a esta vida terrena
e também à vida sobrenatural. Dentro desse modelo, o Imperador era considerado como
um ministro da Igreja numa determinada esfera de competência. Portanto, num contexto
em que a sociedade é a Cristandade e tem uma só autoridade suprema, que é o Papa, a
alegoria dos dois gládios amarrava o poder secular ao poder religioso37.
O Papa Inocêncio III (1198-1216), em síntese, “atribui a Pedro a posição de cabeça
34 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 36. 35 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 37. 36 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 38/39. 37 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 42.
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da Igreja, em virtude de um encargo direto de Cristo, (…) e, ao ser indicado Papa, Pedro
recebeu também plenitudo potestatis (…) poder que, em última instância, desconhece
todo limite, seja in spiritualibus, seja in temporalibus”38.
São Tomás de Aquino igualmente contribuiu para a plenitudo potestatis do Papa ao,
“por um lado, conservar claramente a autonomia dos dois poderes Estado-Igreja; no
entanto, por outro, subordinar aquele a esta”39. Ademais, “insiste na prerrogativa do
poder papal de se impor ao secular, sempre que houver necessidade de garantir o que
concerne à salvação das almas”40.
Egídio Romano (1243-1316) “pode ser considerado como o primeiro a traçar,
formular e defender uma teoria completa sobre o absolutismo papal. Para ele, a amplidão
do poder eclesiástico culmina e resume-se em uma só pessoa, ou seja, no Papa, e neste
concentra-se toda a soberania”. Ainda, ele “explica que o poder vem de Deus de modo
ordenado, ou seja, os poderes inferiores são instituídos pelos superiores. Isto quer dizer
que Deus instituiu a Igreja, e a Igreja instituiu o poder civil”41. “Portanto, os reis dependem
do Papa”, detentor da plenitudo potestatis42.
Tiago de Viterbo (1250-1308) sustentava, em suma, o que segue:
(…) o Papa não deve normalmente se imiscuir nas questões seculares, mas pode orientar
os reis e julgá-los, se não agirem conforme a lei divina. Isto porque o Papa detém a
plenitudo potestatis na sociedade cristã e como herdeiro dos poderes petrinos tem um
encargo mais sublime do que as funções dos soberanos. Portanto, os reis devem obedecer
ao Papa43.
Álvaro Pais (1270-1349), que, segundo Luís Alberto de Boni, “representou a última
38 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 44. 39 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 50. 40 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 51. 41 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 56/57. 42 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção
Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 57. 43 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plen