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julho 2007 vol. 4 nº 2 Organizações locais na promoção do desenvolvimento

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julho2007vol. 4

nº 2

Organizações locaisna promoção dodesenvolvimento

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2 Agriculturas - v. 4 - no 2 - julho de 2007

ISSN: 1807-491X

edito

rial

s diferentes formas organizativas desenvolvidas poragricultores e agricultoras são uma das expressõesmais sofisticadas da criatividade cultural das popu-

lações rurais em suas buscas por melhores ajustamentos entreos seus meios de vida e os ecossistemas em que vivem e produ-zem. Elas se manifestam enquanto redes de relações sociaisfundadas nos princípios da cooperação e da reciprocidade oucomo instituições formalmente constituídas segundo os maisvariados estatutos. Independente de seu grau de formalidade, asorganizações locais exercem funções determinantes na reprodu-ção social, cultural e econômica das comunidades rurais. É porintermédio delas que normas e valores, por exemplo, são desen-volvidos para orientar a gestão comunitária dos recursos natu-rais e para administrar o trabalho coletivo. São elas tambémque viabilizam e dão legitimidade aos processos de representa-ção do grupo social para fora da comunidade, seja nas suasrelações mercantis ou nas negociações políticas. Exercem ainda afunção de mediadoras dos processos de sociabilidade, criandoambientes fecundos para a produção e circulação de conhecimen-tos entre os membros da comunidade e entre as suas gerações.

Apesar desses papéis decisivos desempenhados pe-las organizações locais de produtores e produtoras familiares, écomum que passem despercebidas pela grande maioria dos pro-jetos convencionais voltados para o desenvolvimento. Talvezporque não sejam estruturadas e funcionem segundo os mes-mos moldes aceitos (ou entendidos) pelos formuladores dessesprojetos. Essa é a razão pela qual programas dessa naturezainsistem em ter como parte de suas metas a criação de organi-zações para os agricultores, como se estas já não existissem. Oresultado é que milhares de associações e cooperativas foramfundadas Brasil afora para viabilizar a implantação de projetosformulados por agentes externos às comunidades e sem a parti-cipação destas. Assim criadas, as organizações terminam tendosua vigência efetiva limitada aos períodos de duração dos proje-tos, tornando-se posteriormente estruturas meramente formaissem maiores vínculos orgânicos com a vida das comunidades.

Ao assumirem o protagonismo na promoção do de-senvolvimento local, agricultores e agricultoras promotores daAgroecologia têm encontrado caminhos para revitalizar e afir-mar suas próprias organizações sociais. Como fruto de proces-sos de invenção cultural, essas organizações vêm sendoatualizadas e renovadas como uma necessidade para o avançodas dinâmicas sociais de inovação agroecológica. As novas so-luções técnicas desenvolvidas localmente para a gestão do meionatural cobram soluções organizativas compatíveis. Por outrolado, ao estabelecer vínculos entre os processos de transforma-ção local e os espaços mais amplos onde são formulados edebatidos os projetos coletivos, as organizações locais passama exercer novos papéis, posicionando-se como atores políticosque vão se identificando mutuamente a partir de interações emredes de ampla abrangência social e geográfica. Essa é a formae o meio pelo qual a Agroecologia vem aos poucos se constitu-indo com o estatuto de um movimento social em formação quetem nas ações coletivas de âmbito local sua força propulsora.

Este número da Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia enfoca justamente essa questão de relevânciacentral para qualquer estratégia de desenvolvimento rural quese proponha a atender às necessidades socioculturais e econô-micas das famílias e comunidades rurais e a construir formasde apropriação do meio natural compatíveis com sua capacida-de de reprodução ecológica.

O editor

Av. 4, nº 2

(corresponde ao v. 23, nº 1 da Revista Leisa)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa -, em parceria com a FundaçãoILEIA – Centre of Information on Low External Input and

Sustainable Agriculture.

Rua Candelária, n.º 9, 6ºandar.Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020

Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363E-mail: [email protected]

www.aspta.org.br

Fundação ILEIAP.O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.info

Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZMJean Marc von der Weid

AS-PTAJosé Antônio Costabeber

Ass. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Exten-são Rural – Emater, RS

Marcelino LimaCaatinga/Centro Sabiá, PEMaria Emília Pacheco

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase, RJMaria José Guazzelli

Centro Ecológico, RSMiguel Ângelo da Silveira

Embrapa Meio AmbientePaulo Petersen

AS-PTARomier Sousa

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNASílvio Gomes de Almeida

AS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Eugênio FerrariProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, Eugênio Ferrari, NádiaMaria Miceli de Oliveira e Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFoto da capa Agricultoras e agricultores familiares do agreste

da Paraíba.Fotógrafo Luciano Silveira

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão: Holográfica

Tiragem: 3.500

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

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sum

ário

Sites pág. 33

Publicações pág. 32

Editor convidado Eugênio Ferrari pág. 4

pág. 7

Sistemas agroflorestais como recurso didático para a pág.7organização dos lavradores do Alto JequitinhonhaThiago Rodrigo de Paula Assis e Eduardo Magalhães Ribeiro

pág. 10

Saindo de trás do birô: a reconstrução do movimento pág. 10sindical no agreste da ParaíbaLuciano Silveira, Roselita Victor e Nelson Anacleto

pág. 15

Da preservação das nascentes ao desenvolvimento local pág. 15Marcio Pereira Silva

pág. 18

Os agentes agroflorestais indígenas do Acre pág. 18Fabricio Bianchini e Paola Cortez Bianchini

pág. 21

A organização dos piquizeiros na Chapada do Araripe pág. 21Claudio Ubiratan Gonçalves

pág. 24

A experiência da promoção do (des)envolvimento local pág.24na Zona da MataGlauco Regis Florisbelo, Fernanda Testa Monteiro e Simone Ribeiro

pág. 28

Organização de mulheres e convivência com o semi-árido: pág. 28a experiência das cisterneiras no Rio Grande do NorteConceição Dantas

Eventos pág. 34

Agroecologia em Rede pág. 35

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edito

r co

nvid

ado

Um novo olhar sobre adiversidade das estratégias

organizativas locais

P odemos dizer que existe um amplo consenso no movimento agroecológicosobre a necessidade da participação ativa de trabalhadores e trabalhado-ras do campo1 nos processos de desenvolvimento local para que a sua

sustentabilidade sociopolítica seja assegurada.Mesmo não havendo tanto consenso assim sobre o significado de participação, é

recorrente nos projetos de organizações da sociedade civil e, mais recentemente, em programasgovernamentais, o emprego de metodologias participativas de diagnóstico, planejamento, ex-perimentação e monitoramento. Tem sido também muito comum assistirmos programas dedesenvolvimento com iniciativas voltadas para organizar os trabalhadores e trabalhadoras, ge-ralmente com vistas a cumprir metas a serem alcançadas nos seus projetos de financiamento.Esse tipo de enfoque, na maioria das vezes, tem resultado em organizações artificiais, constitu-ídas de uma hora para outra, que se sustentam somente em função da execução do próprioprograma. Assim criadas, essas organizações se limitam a operar como estruturas formais nagestão de projetos específicos, sem que consigam desenvolver vínculos orgânicos com proces-sos sociais de base.

Já quando são criadas a partir de necessidades coletivamente vivenciadas em nívellocal, as organizações têm demonstrado maior capacidade de se renovar permanentemente emsintonia com os próprios processos sociais que as instituiram. A incorporação desse tipo depercepção pelos programas voltados à promoção do desenvolvimento local certamente contri-buiria para que eles passassem a implementar estratégias direcionadas ao fortalecimento dasorganizações preexistentes ou à criação de condições necessárias para o surgimento de novasorganizações que estejam afinadas com as dinâmicas sociais.

Porém, o que tem sido bem menos comum é justamente a reflexão sobre as formas e asrazões pelas quais os trabalhadores e trabalhadoras se organizam por si sós, assim como sobre ospapéis desempenhados por suas organizações nos processos de desenvolvimento local. Nosúltimos tempos muitos estudos têm se dedicado à análise dos movimentos sociais no campo ede suas organizações, mas não temos tido muitas oportunidades de encontrar reflexões dospróprios atores envolvidos acerca de suas experiências organizativas ligadas à promoção dodesenvolvimento local com base na Agroecologia.

Esse contexto talvez se deva ao fato de que, apesar da longa trajetória de constitui-ção dos mais diversos movimentos sociais no campo, a apropriação do conceito da Agroecologiae sua transformação em bandeira de luta por parte de alguns desses movimentos seja ainda algomuito recente. Essa bandeira vem se expressando à medida que o modelo de desenvolvimentohegemônico é questionado e as alternativas construídas na prática pelas bases sociais dessesmovimentos são apresentadas como caminhos para que a produção de base familiar seja viabilizadanos planos social, cultural, ambiental e econômico.

Assim, por mais que os temas relacionados à promoção da Agroecologia figurem cadavez mais nas pautas de negociação dos movimentos, verifica-se ainda uma carência de reflexão1Utilizamos o termo trabalhadores e trabalhadoras do campo sem um rigor conceitual, apenas para que todas as pessoas, de diferentes identidadessocioculturais, se reconheçam como parte desse público amplo e diverso.

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sobre a necessidade de reformulação da atuação dos próprios movimentos e organizações detrabalhadores e trabalhadoras do campo para que eles levem à frente essa bandeira junto àscomunidades rurais. Com efeito, a opção pela Agroecologia descortina novos desafios e opor-tunidades para as organizações e movimentos sociais já que chama a atenção para questõesimportantes relacionadas à construção do protagonismo dos trabalhadores e trabalhadoras.Entre elas, destacamos duas que nos parecem essenciais: a) o empoderamento das populaçõesrurais como agentes na construção do conhecimento agroecológico, mediante a (re)valorizaçãodas sabedorias locais sobre o uso e manejo dos recursos naturais e a sua interação com ossaberes de origem acadêmica e; b) a valorização das alternativas agroecológicas desenvolvidasem nível local nos espaços mais amplos, onde são formulados e debatidos os projetos coletivos,em particular aqueles vinculados a políticas de ocupação e uso dos territórios rurais.

Nesse sentido, as inúmeras experiências de inovação e de promoção da Agroecologiaempreendidas por organizações locais de trabalhadores e trabalhadoras do campo nas diversasregiões do país são a principal fonte inspiradora para o avanço da reflexão sobre o tema. Asso-ciações e cooperativas de produtores, sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos de mu-lheres e jovens, pastorais religiosas e uma grande multiplicidade de grupos informais nas comu-nidades e municípios têm desempenhado um papel de importância crescente na construção daalternativa agroecológica no Brasil.

Este número da Revista Agriculturas: experiências em agroecologia se inicia comartigos que analisam como alguns sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) vêm atuando sobessa perspectiva inovadora. Na experiência de Medina, no Vale do Jequitinhonha (MG), perce-be-se como, a partir de um trabalho em torno da conservação de nascentes no município, osindicato ampliou o conhecimento sobre a realidade vivida pelas famílias de agricultores e con-seguiu mobilizar diferentes atores para uma ação conjunta nas comunidades, na região e mesmofora dela. O STR alargou sua agenda de ação política, agregando outras temáticas, e passou aexercer um papel de reconhecida importância no questionamento da exploração predatória dosrecursos naturais pelas mineradoras que atuam na região e no debate sobre políticas públicasque visam atender os anseios das famílias e garantir a preservação do meio ambiente.

No artigo sobre a trajetória do Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiarda Borborema, no agreste paraibano, são apresentados e analisados alguns dos desafios enfrentadospor organizações de cunho sindical em suas ações voltadas para a promoção de um modelo dedesenvolvimento local fundado em princípios agroecológicos. A necessidade de superação dessesdesafios na região levou as direções sindicais a se lançarem num esforço para aprofundar seus conhe-cimentos sobre a realidade local, o que lhes permitiu a identificação dos sistemas produtivos tradi-cionais como expressões de estratégias técnicas e econômicas que devem ser fortalecidas com oemprego do enfoque agroecológico. Essa iniciativa foi responsável por orientar a ação das organiza-ções vinculadas ao Pólo, que se dedicaram a favorecer o resgate e a valorização de conhecimentoslocais. No dizer de uma das lideranças, passaram a descobrir os tesouros que estão escondidos nacomunidade, permitindo a identificação de experiências isoladas promovidas por famílias ou gruposcomunitários, que acabaram se tornando referências coletivas.

A experiência de implementação de sistemas agroflorestais no Alto Jequitinhonha,também em Minas Gerais, focaliza igualmente o papel das organizações locais na condução deprogramas de desenvolvimento que incorporam as especificidades e culturas locais e que mobi-lizam a participação ativa da agricultura familiar. O artigo demonstra que, quando se parte deum enfoque holístico da agricultura, identificada com as práticas tradicionais de manejo derecursos naturais, com uma identidade que associa a agricultura aos sujeitos que a praticam,permite-se que tradição e inovação se alimentem mutuamente em processos que levam à pro-moção de sistemas produtivos mais sustentáveis. E “esse encontro acontece numa direçãoinversa àquela valorizada pelo modelo consagrado pela chamada Revolução Verde, que se limitaao aspecto produtivo e acredita que a agricultura não mais depende da natureza”.

No mesmo sentido aponta o artigo sobre os agentes agroflorestais indígenas do Acre.Partindo da constatação de que os povos indígenas detêm um amplo e complexo corpo de conheci-mentos sobre os recursos naturais e seus usos, é descrita a metodologia de formação desses novosatores sociais que têm a responsabilidade de realizar um trabalho junto às suas próprias comunidadese às comunidades do entorno para garantir que a gestão dos territórios indígenas propicie qualida-de de vida a essas populações.

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Já a experiência dos piquizeiros, na Chapada do Araripe (CE), revela a profundaincompatibilidade entre as formas de vida e organização produtiva dessa população tradicionale as orientações das políticas públicas para o desenvolvimento implementadas na região. Levan-ta-se a necessidade de os programas de desenvolvimento compreenderem e valorizarem as estratégi-as de produção econômica e de reprodução social dos piquizeiros, que dependem essencialmente daconservação da diversidade biológica na caatinga e de sua integração com os sistemas de produçãoagrícola. “É na diversidade de atividades produtivas no tempo e no espaço que eles constroem seusmeios de vida e suas formas de organização.”

Abordando a problemática sob o ponto de vista de uma entidade de assessoria que buscafortalecer as organizações de agricultores e agricultoras para que exerçam o papel de protagonistas napromoção do desenvolvimento local, o artigo do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona daMata (CTA), que atua junto aos STRs dessa região mineira, identifica uma série de lições aprendidasa partir de sistematizações de experiências realizadas em quatro municípios. Essas lições se relacio-nam ao alinhamento inicial de expectativas dos atores envolvidos, à importância da construçãocompartilhada do conhecimento da realidade e ao processo participativo de planejamento e execuçãodas ações. Sempre refletindo sobre seu papel de organização assessora que detém poder de intervir eque procura investi-lo na democratização das relações sociais nos processos de desenvolvimentolocal, o CTA chama a atenção para condições necessárias para que esse fim seja atingido. Entre elasa garantia da participação efetiva de mulheres e jovens, assumindo que esses grupos sociais têmacesso limitado a recursos e tradicionalmente exercem pouca influência na tomada de decisões, sejano âmbito familiar ou das organizações.

A questão envolvendo gênero e gerações, aliás, é tratada em vários dos artigos aquiapresentados, mas é no artigo sobre a experiência das mulheres cisterneiras, do Rio Grande do Norte,que são aprofundados os muitos desafios enfrentados na organização das trabalhadoras rurais, emfunção da invisibilidade social das mulheres, da divisão sexual do trabalho e da dificuldade de impri-mir mudanças na estrutura política e social nesse campo das relações sociais. Ao mesmo tempo emque se afirma no movimento agroecológico a importância da revalorização das tradições e dasculturas locais, o artigo explicita a necessidade de desnaturalizar certos mitos sexistas enraizadosnas comunidades rurais, nas organizações, nos movimentos e nas próprias entidades de assessoria. Oartigo descreve como essas mulheres enfrentaram o preconceito, o descrédito e a desconfiança paraconquistarem um novo espaço na comunidade, abrindo caminho para a geração de renda com oaprendizado de um novo ofício.

Esse conjunto de artigos nos dá uma pequena mostra do quão ricas em ensinamentos sãoas experiências organizativas de trabalhadoras e trabalhadores do campo, assim como aponta para anecessidade da realização de reflexões a partir dessas práticas sociais concretas para que possamosavançar na promoção da Agroecologia no país. É preciso, sobretudo, ter um olhar atento para adiversidade dessas experiências, para identificar as formas de organização muitas vezes peculiares,autônomas, pouco formalizadas ou institucionalizadas. Sem esse cuidado no olhar, as múltiplas evariadas estratégias de luta e resistência adotadas pelos trabalhadores e trabalhadoras permanecerãoinvisíveis nos debates e nos processos mais amplos de construção social da Agroecologia.

Muitos consideram que essas formas de organização camponesas são coisas do passado,pré-modernas, sem lugar no mundo contemporâneo. No entanto, elas estão aí, muito presentes ecarregadas de sentido no contexto atual. Como nos ensina Boaventura de Souza Santos2, “a visãoreduzida do simultâneo e achatada do presente impede que se considerem contemporâneas asexperiências e práticas que ocorrem simultaneamente ainda que cada uma à sua maneira”. Elepropõe combater o que chama de desperdício da experiência. Para isso, defende a necessidade detornar visível a diversidade de estratégias organizativas e suas iniciativas concretas. Sob essa lógica,os movimentos que buscam recuperar as experiências desperdiçadas e a inclusão das realidades tidascomo inexistentes não representam uma volta ao passado, mas uma invenção e reinvenção dasociedade.

Eugênio Ferrariengenheiro agrônomo, membro

da equipe técnica do [email protected]

2 SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências (texto em PDF s/d).

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Sistemasagroflorestais

como recursodidático para a

organização doslavradores

do AltoJequitinhonha

Thiago Rodrigo de Paula Assis eEduardo Magalhães Ribeiro

Uma experiência

O Vale do Jequitinhonha, localizado no nor-deste de Minas Gerais, é considerado uma das regiõesmais complexas do Brasil. Reportagens, pesquisas, rela-tórios de governo sempre enfatizam a sua extremada po-breza, seus precários indicadores sociais e a migração quese repete todos os anos. Porém, relatórios e indicadoresnunca compreendem os sujeitos que vivem lá. Um olharmais detido percebe que aquela é uma sociedade majori-tariamente camponesa, ligada à terra como a uma segun-da natureza, fundamentalmente auto-suficiente e volta-da para mercados locais. Como isso não é visto, são con-duzidos para lá programas de grande escala: barragens,reflorestamentos, mineração, que, no decorrer dos últi-mos 30 anos, têm privatizado e esgotado as fontes derecursos naturais e, assim, contribuído para efetivamenteempobrecer o lugar e a sua população.

A sorte dos lavradores do Jequitinhonha éque nem todos, a começar por eles próprios, vêem ascoisas sob essa perspectiva. Foi por isso que criaram oCentro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV),uma organização não-governamental com sede nomunicípio de Turmalina.

Este artigo analisa a experiência do CAV apre-sentando as contribuições dessa organização para a in-serção produtiva e política de lavradores, refletindo sobreseus métodos de trabalho e comentando as lições quepodem ser retiradas dessas, aparentemente, inocentestentativas de ousar pensar o seu local com autonomia.

Um aspecto importante a ser ressaltado ao re-fletir sobre essa experiência é que ela surgiu de uma no-ção bastante ampliada de agricultura, identificada ao mes-mo tempo com a Agroecologia, com as práticas tradicio-nais de manejo de recursos naturais e, sobretudo, com aidentidade que associa a agricultura aos sujeitos que apraticam. Essa identificação permite que cultura, tradi-ção e manejo se encontrem; e esse encontro acontecenuma direção inversa àquela valorizada pelo modelo con-sagrado pela chamada Revolução Verde, que se limita aoaspecto produtivo e acredita que a agricultura não maisdepende da natureza. No caso aqui apresentado, persis-tiu uma noção holística de agricultura, que a concebecomo associada fundamentalmente às relações sociais.

Por isso, desde o início, as ações do CAV vol-taram-se menos aos novos protocolos de cultivo e maisao enfrentamento dos desafios que se impunham aos agri-cultores da região: recuperar áreas degradadas, enfrentaros problemas da diminuição das águas, buscar formas maissustentáveis de produção, criar alternativas de agrega-ção de valor aos produtos da agricultura familiar, abrirnovos espaços para comercializar. Temas associados àprópria estrutura do processo de desenvolvimento – as-suntos caros à agricultura familiar –, mas invariavelmenteexcluídos na reflexão sobre desenvolvimento agrícola.

Os sistemas agroflorestais

Um dos primeiros desafios impostos ao CAV foialiar a recuperação de áreas degradadas (os peladouros) aum modelo de produção que fornecesse consumo e renda.Foi com esse intuito que experimentaram os sistemasagroflorestais (SAFs), combinando o aspecto selvagem dafloresta com o aspecto domesticado da lavoura. Fundamen-tam-se na certeza de que a recomposição natural da fertili-dade, via matéria orgânica, pode ocorrer mais rapidamenteque seu consumo na produção de alimentos. Nos SAFs aação humana potencializa aquilo que a natureza espontanea-mente proveria: a sucessão de espécies de plantas, o desbas-te de ramos e a abertura de espaço de vegetação para plan-tas que servem como alimento ou matéria-prima.

Porém, esse caráter espontâneo dos SAFs, sualentidão na produção de alimentos, a baixa produtivida-de comparada aos sistemas de cultivo intensivo e a enor-me diversidade de produção que o marca acabam sendoobstáculos para sua aceitação em larga escala. Afinal, oslavradores têm que renunciar à produção imediata em fa-vor de uma produção – ainda que seguramente sustentá-vel – de longo prazo.

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8 Agriculturas - v. 4 - no 2 - julho de 2007

Apesar disso, no Alto Jequitinhonha, essesistema foi compreendido pelos agricultores como umcomplemento e aperfeiçoamento dos seus sistemas deprodução costumeiros por pousio e das lavouras de

coivara. Assim como os sistemas tradicio-nais, os SAFs exigem um apurado conheci-mento da terra e das plantas, entregam à na-tureza o trabalho de reconstruir a fertilidade,além de demandar cálculos sobre a produçãopossível e futura para prover o abastecimen-to. Por essa razão as eventuais críticas e resis-tências aos SAFs foram abrandadas, visto queas diferenças fundamentais entre os métodosde cultivo estariam mais no grau e periodici-dade da intervenção do lavrador do que pro-priamente na concepção geral dos sistemas.Usando com certa liberdade os conceitos clas-sicamente caros à extensão rural, pode-se afir-mar que, nesse caso, a recorrente tradicio-nalidade dos sistemas agrícolas nativos foi,numa aparente contradição, a matriz da ino-vação agrícola.

A organização capilarOutro aspecto que favoreceu essa

experiência diz respeito à forma de sua im-plantação. Embora seja uma iniciativa desafia-dora, os SAFs foram propostos com uma no-vidade: sua experimentação aconteceria emáreas demonstrativas, com responsabilidadede concepção e gerenciamento compartilha-da entre os lavradores que se identificassemcom a idéia. Assim, no início dos seus traba-lhos, o CAV articulou interessados em viven-ciar profundamente os novos sistemas deprodução. Os agricultores engajados na pro-posta foram se capacitando no coletivo, re-partindo a incumbência de montar, na pró-pria comunidade, glebas dedicadas ao aper-feiçoamento e à demonstração da eficácia daagrofloresta.

Essa novidade apresentou um tri-plo resultado positivo. Primeiro, transpôs paradentro da comunidade a discussão sobre a via-bilidade ou não do sistema agroflorestal, atri-buindo aos lavradores-monitores o papel deestimuladores desse debate. Segundo, permi-tiu que os monitores se valorizassem e tomas-sem a liberdade de realizar adaptações, intro-duzir mudanças e propor novas questões porconta própria, na medida em que eram res-ponsáveis pela experimentação do sistema nasua comunidade. Terceiro, abriu para a orga-nização um canal permanente de crítica parti-cipante, uma vez que os monitores assumi-

ram solidariamente o destino da proposta.Entretanto, o mais relevante foi o efeito ines-

perado, visto que, ao fugir de propostas de agriculturaindustrial/modernizada e se identificar com a agricultura

Celebração de monitores em área do CAV

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Coleta de amostras de solo em área de monitor do CAV, em Chapada doNorte

Técnicos do CAV identificando espécies florestais em área de agrosilvicultura

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local/costumeira, a experiência criou a possibilidade dese refletir sobre novos temas, principalmente sobre a or-ganização social, o meio ambiente e a tomada das ter-ras comunais das áreas de chapadas. Suscitou-se, porexemplo, a percepção por parte das comunidades e dosmediadores da existência de problemas ambientais cau-sados pelo método de fazer agricultura até então em-pregado. Ou seja, esse processo permitiu que a refle-xão fosse além do aspecto exclusivamente agrícola paraidentificar outros fatores que influenciam nas mudan-ças produtivas, ambientais e sociais observadas na re-gião. Com isso, os agricultores incorporaram o ambi-ente e a sociedade ao sistema produtivo.

Além disso, essa metodologia de trabalho,parte constitutiva da dinâmica do CAV, tornou obri-gatórios nas suas preocupações cotidianas temas comofamília, trabalho, jovens, gênero e políticas públicas.Com a influência do CAV e de novos mediadores, essesassuntos se espraiaram para os sindicatos de trabalha-dores rurais e agências municipais. Assim, o métodoresultou numa constante atualização temática eorganizativa.

Algumas liçõesHoje o CAV desenvolve ações como as de

conservação das águas; cercamento de nascentes;melhoria dos produtos locais; comercialização coletivae estímulo aos mercados locais. A essas atividades sejuntam reflexões sobre o papel da mulher na agricultu-ra, o modelo de extensão rural que os agricultores de-sejam, a busca de alternativas técnicas e políticas parao semi-árido, entre outras. Esses trabalhos abriram ca-minhos para sua participação em programas públicoscomo os Territórios, do Ministério do Desenvolvimen-to Agrário (MDA), o Programa Um Milhão de Cister-nas Rurais (P1MC), os Consórcios de Segurança Ali-mentar e Desenvolvimento (Consads), educação rural,gestão de bacias hidrográficas, etc.

Mesmo com seus muitos desafios e limitações,essas experiências apontam para duas certezas: que é nor-mal que a produtividade dos sistemas agrícolas adapta-dos às propriedades de agricultores familiares do AltoJequitinhonha seja baixa; e que, definitivamente, essaprodutividade não cresce com os recursos técnicos daRevolução Verde, em função das barreiras topográficas àmecanização, financeiras à química agrícola, culturais aospacotes agrícolas, orçamentárias à sedução dos subsídi-os, ambientais à irrigação em larga escala.

Assim, a trajetória do CAV com os SAFs e seusdesdobramentos mostra que não deve haver vergonhaem conceber horizontes modestos para o desenvolvimen-to rural do Alto Jequitinhonha. Ensina que não se devehesitar em substituir programas que preguem o grandeinvestimento, com a pretensão de igualar o padrão pro-dutivo regional àquele do agronegócio, por iniciativas de

baixo custo, na escala de operação técnica e cultural daagricultura familiar da região. A experiência acumuladarevela que a) mesmo poucos recursos, com gestão des-centralizada e postos à disposição desses sitiantes,alavancam sua capacidade de auto-sustentação; e b) queas organizações locais e regionais têm condições de parti-cipar e gerir satisfatoriamente esses programas.

Um balanço da experiência só pode aconselharque novos programas deixem de lado a perspectiva, qua-se sempre leviana, de eliminar sistemas produtivos tradi-cionais, como se a Revolução Verde ainda fosse um remé-dio milagroso. A extraordinária concentração de renda eterra desencadeada pelos empreendimentos rurais de gran-de escala comprova que é necessário pensar em propos-tas que ofereçam a possibilidade de inovar a partir dastradições e de transformar em fatores positivos aquelascaracterísticas que são consideradas distorções dos regi-mes agrários.

Organizações locais como o CAV vêm provan-do sua capacidade de contribuir nesse sentido à medidaque propõem programas que integram as especificidadese cultura locais e que agregam à sua execução uma maiorparticipação da agricultura familiar. Mesmo com dificul-dades, essas organizações têm conseguido catalisar de-mandas, articular atores e ações, formular projetos inte-grados e gerar recursos no âmbito local, proporcionandobons resultados, com menores custos.

Thiago Rodrigo de Paula Assisengenheiro agrônomo, doutorando do curso de pós-

graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Socie-dade (CPDA/UFRRJ), do Núcleo PPJ/UFLA

Eduardo Magalhães Ribeiroeconomista, professor associado da UFLA, pesquisa-

dor CNPq, do Núcleo PPJ/UFLA

Referências bibliográficasASSIS, T. R. de P. Agricultura familiar e gestão

social: ONGs, poder público e participaçãona construção do desenvolvimento rural.2005. Dissertação (Mestrado) – PPGAD/UFLA, Lavras.

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o longo dos últi-mos treze anos,constituiu-se no

agreste do estado da Paraíba umaexperiência singular de gestão dodesenvolvimento local conduzidapelas organizações de trabalhadorese trabalhadoras rurais.A progressiva consolidação dessa experiên-

cia se fundamenta no que é também seu grandeensinamento: uma estratégia política e metodológicavoltada para reorientar a própria vocação dessas orga-nizações para a promoção do desenvolvimento, aomesmo tempo em que atribui ao conhecimento localpapel central nos processos de mobilização social paraa inovação agroecológica.

No início dos anos 1990, três sindicatos detrabalhadores rurais (STRs) dos municípios de Solânea,Remígio e Lagoa Seca se colocaram o desafio de buscarestratégias inovadoras de intervenção, capazes de gerardinâmicas sócio-organizativas que atuassem sobre a es-sência da problemática da agricultura familiar da região.Tratava-se, para esses sindicatos, de reverter uma conjun-tura de descenso do movimento sindical e de conectarsuas pautas de luta, até então muito genéricas, à realida-de e às motivações concretas da numerosa e diversificadaagricultura familiar do agreste.

Com essa iniciativa, cumpria então seus primei-ros passos a trajetória do Pólo Sindical e das Organizaçõesda Agricultura Familiar da Borborema: uma rede consti-tuída atualmente por 16 sindicatos de trabalhadores e tra-balhadoras rurais, aproximadamente 150 associações debase comunitária e uma organização regional de agricul-tores ecologistas, que vêm galvanizando regionalmente

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Assembléia de constituição da Ecoborborema, em Alagoa Nova

Saindo de trás do birô:a reconstrução do movimentosindical no agreste da Paraíba

Luciano Silveira, Roselita Victor e Nelson Anacleto

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processos sociais massivos de inovação agroecológica vol-tados para o desenvolvimento sustentado da agriculturafamiliar e que envolvem atualmente um número superior acinco mil famílias.

A construção associada doconhecimento e das organizações

Ao estabelecer, em 1993, uma parceria coma AS-PTA, os três sindicatos se lançaram num esforçocombinado de produção de conhecimentos sobre a re-alidade da agricultura familiar e de mobilização de suasbases sociais, por meio de processos coletivos de expe-rimentação de inovações técnicas e político-organizativas,com vistas à promoção do desenvolvimento local em ba-ses agroecológicas.

A realização dos primeiros diagnósticos rápi-dos e participativos dos agroecossitemas nos municípiosfez emergir novas percepções sobre os distintos ambien-tes, sobre a diversidade dos sistemas produtivos e sobre oscondicionantes ecológicos, econômicos e socioculturaisda vida das famílias produtoras, que passaram a comparti-lhar esses conhecimentos em nível comunitário.

Estimulados pelos diagnósticos e pelo contatocom novas experiências, por meio de visitas de intercâm-bio, um número crescente de agricultores e agricultoras seenvolveu em processos de experimentação promovidos emsuas propriedades e comunidades. Os fluxos interativos eas iniciativas que daí se desdobraram suscitaram novasperguntas e demandas por conhecimentos que refletiam aamplitude das motivações e dos problemas a enfrentar. Asquestões assim postuladas desencadearam a realização desucessivos estudos e diagnósticos sobre aspectos especí-ficos sugeridos pelas dinâmicas sociais de inovação. Essesexercícios compartilhados de conhecimento focaram tan-to temas relacionados às estratégias produtivas – como adiversidade de feijões cultivados, os sistemas de criação, omanejo dos recursos hídricos, o uso de frutas nativas e dasplantas medicinais, a gestão dos arredores de casa – quan-to aspectos de corte metodológico e político, como a par-ticipação das famílias mais pobres nas redes de inovação eo impacto das políticas públicas sobre a sustentabilidadeda agricultura familiar regional.

A evolução dos processos de experimentação ede conhecimento da realidade resultou na configuraçãode um ciclo integrado de ações irradiadoras e mutuamen-te fecundantes. A realização dos diagnósticos permitiuque as direções sindicais não apenas entendessem melhora estrutura e o funcionamento dos agroecossitemas, massobretudo que os visualizassem em sua diversidade comoexpressão de estratégias técnicas e econômicas peculiaresdas famílias. Essas iniciativas favoreceram também a iden-tificação e a valorização do conhecimento local, amplian-do e qualificando o diálogo com as famílias agricultoras.Na expressão de uma liderança local, os sindicatos desco-

briram os tesouros escondidos nas comunidades, ao sereferir ao patrimônio de conhecimento acumulado pelaagricultura familiar do agreste e às respostas criativas quetem dado ao longo do tempo a muitos dos problemas porela enfrentados.

Os intercâmbios intensificaram as interaçõesde agricultor para agricultor, constituindo-se um impor-tante mecanismo de projeção das capacidades técnicas,sócio-organizativas e políticas das famílias agricultoras ese conformando, finalmente, como momentos fecundosgeradores de conhecimentos e principal instrumento dadisseminação de inovações e da irradiação do próprio pro-cesso de experimentação.

Da mesma forma, a participação direta deagricultoras e agricultores conferiu um novo significado àconstrução coletiva de conhecimentos, alterando a na-tureza de sua contribuição às ações para o desenvolvi-mento local. Simultaneamente, gerou uma identidadeprópria associada a sua inserção social e política nos espa-ços organizativos comunitários e na vida sindical, ao pas-sarem a ser conhecidos e a se reconhecerem como agri-cultoras e agricultores experimentadores, integrados aomovimento emergente de inovação agroecológica.

Coordenadas pelos próprios STRs e animadaspelos agricultores-experimentadores, uma grande multi-plicidade de práticas agroecológicas se disseminaram nossistemas produtivos da região. Ao mesmo tempo, vão seestruturando diversas expressões coletivas de promoçãodo desenvolvimento da agricultura familiar nas comunida-des. Inovações sócio-organizativas de gestão de recursos,como os Bancos de Sementes e os Fundos Rotativos Solidá-rios, dão suporte aos processos comunitários de inovação,viabilizando o acesso a sementes, mudas, esterco, cercas detela, cisternas de placa e outras infra-estruturas hídricas.Agricultores e agricultoras passaram também a ter uma par-ticipação mais ativa na vida das comunidades, discutindo erefletindo sobre a realidade da agricultura familiar, as formasde superação de seus problemas, assim como participandoda gestão de recursos coletivos.

Diagnóstico Ambiental do Pólo da Borborema, em Remígio

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Com a dinamização dos espaços de interação ede organização comunitárias, a estrutura vertical epresidencialista dos sindicatos, bem como as tradicionaisformas associativas de subordinação clientelista ao poderlocal, foi progressivamente dando lugar a processos políti-co-organizativos autodeterminados pelas famílias nas co-munidades. As ações de desenvolvimento estimuladas pelosSTRs passaram a ser crescentemente compartilhadas econduzidas em parceria com as associações locais, estrei-tando as relações em torno a objetivos comuns. No dizerde lideranças envolvidas, os sindicatos começaram a sairde trás do birô, onde se ocupavam essencialmente dostrâmites formais da previdência social, e passaram a seempenhar em iniciativas de desenvolvimento das comuni-dades de seus municípios.

Na medida em que se reconhecem como produ-tores e gestores de conhecimento e que incorporam a iden-tidade de promotores do desenvolvimento local, dirigen-tes sindicais e lideranças comunitárias passaram também aperceber, de forma diferente e mais apropriada, o papeldas entidades assessoras, ao assumirem de forma autôno-ma parte significativa das atribuições anteriormente porelas desempenhadas. Os sindicatos, por exemplo, consti-tuíram comissões compostas por agricultores-experimen-tadores para encaminhar os processos de inovação agro-ecológica em torno a alguns temas mobilizadores da expe-rimentação. Essas comissões passaram a atuar como espa-ços de planejamento, monitoramento e avaliação do tra-balho junto aos grupos de experimentação nos seus res-pectivos municípios, deixando de contar integralmentecom a iniciativa da assessoria para que essas atividadesfossem realizadas.

Dessa forma, a ação da organização sindicaldeixou de estar limitada aos membros das direções quedão expediente e atuam mais regularmente na grandemaioria dos STRs – presidente, secretário(a) e tesoureiro(a)–, abrindo-se a uma participação orgânica e mais ampla deoutros dirigentes identificados com a nova forma de atuare, sobretudo, de agricultoras e agricultores experimen-tadores que se incorporam às ações de promoção da Agro-ecologia como novos sujeitos políticos da vida sindical.Essa evolução contribuiu de forma decisiva para a demo-cratização da esfera sindical, atenuando as relações centra-lizadoras exacerbadas, tradicionalmente presentes, nasdireções sindicais. Prova disso é que, nas sucessivas elei-ções ocorridas nos últimos anos nos três sindicatos, assis-tiu-se a uma clara renovação da composição das direçõesem favor desses sujeitos sociais emergentes.

Nessa evolução, cabe destacar a participaçãodas mulheres, tanto nos processos locais de experimenta-ção, ao incorporarem temas de trabalho de interesse espe-cífico – como plantas medicinais ou ainda a água para oconsumo da casa –, quanto na construção de um novosujeito político. A valorização da presença feminina nasredes de inovação e de sua contribuição à economia fami-liar, bem como sua inserção nos espaços públicos (nos

STRs, na catequese familiar, nas associações, etc.), vemfavorecendo um maior equilíbrio do poder decisório entregêneros, seja no âmbito do núcleo familiar ou na esferapública, contribuindo para uma maior eqüidade e susten-tação sociopolítica do processo de construção e promo-ção de um modelo de desenvolvimento para a região.

A emergência do Pólo Sindical e oaumento de escala

O avanço da proposta de desenvolvimento lo-cal e da constituição das redes de inovação nos municí-pios de Solânea, Remígio e Lagoa Seca foi aos poucos seirradiando e despertando o interesse de sindicatos e deoutras organizações de agricultores dos demais municí-pios do agreste paraibano. As experiências bem-sucedidasno campo da gestão dos recursos hídricos e do manejo deestoques coletivos de sementes realizadas, nesses municí-pios, ganharam particular visibilidade após a seca do biênio1998-1999, ao garantirem, nessa conjuntura adversa, maiorestabilidade e capacidade de resistência aos sistemas pro-dutivos familiares.

Esse fato motivou os sindicatos da região, en-tão associados ao espaço de articulação preexistente – oPólo Sindical da Borborema –, a mobilizarem suas basesnas comunidades para divulgar as experiências emAgroecologia desenvolvidas pelos sindicatos de LagoaSeca e Remígio, ambos já integrados ao Pólo.

Essa ação pró-ativa das organizações no senti-do de irradiar e dar maior alcance às redes de agricultores-

Mística de abertura do Seminário do Pólo da Borboremasobre movimento sindical

Seminário do Pólo da Borborema sobre movimento sindical

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experimentadores recolocou na ordem do dia a idéia jáem maturação de ampliar a escala dos processos sociaisde inovação ao conjunto do agreste paraibano. Para tan-to, a constituição de um ator regional capaz de assumir acoordenação política e metodológica desses processos secolocou como condição fundamental para que o aumen-to de escala fosse efetivamente assumido como um proje-to das organizações da agricultura familiar da região. Aaposta recaiu sobre o Pólo Sindical da Borborema comoespaço político-organizativo unificador do conjunto dasorganizações da agricultura familiar em torno à constru-ção de um projeto comum de desenvolvimento local e depromoção da Agroecologia.

As bases desse projeto foram estabelecidas porocasião do I Seminário da Agricultura Familiar do Com-partimento da Borborema, realizado em 2001, com a par-ticipação de representações de 14 municípios da região.Foi então tomada a decisão de que o Pólo, com a assesso-ria da AS-PTA, formularia e implementaria uma estraté-gia de promoção de desenvolvimento regional assentadaem um programa de formação estruturado em dois eixos:o primeiro tendo como objeto os temas relacionados àinovação agroecológica, e o segundo com foco nas políti-cas públicas, orientando-se para extrair ensinamentos dasexperiências inovadoras em curso na região e gerar subsí-dios para formular e defender propostas de políticas vol-tadas à generalização da Agroecologia.

Ao mesmo tempo em que as redes de inovaçãoe os intercâmbios de experiências se intensificaram nosmunicípios, o Pólo, em aproximações sucessivas, empe-nhou-se em criar capacidades próprias para a gestão doprocesso.

A partir da necessidade de aprimoramento desuas formas de organização interna, foi incorporada à suaestrutura a experiência exitosa das comissões temáticas,ficando cada uma responsável por conceber, executar emonitorar o avanço dos trabalhos de experimentação, sis-tematização e intercâmbio, segundo seus recortes espe-cíficos. Vigoram atualmente cinco comissões: recursos

genéticos, recursos hídricos, saúde e alimentação, cria-ção animal e cultivos ecológicos.

Assim como na experiência anterior, além daslideranças sindicais, as comissões contam com a partici-pação ativa de agricultoras e agricultores-experimen-tadores com acúmulos nos seus respectivos temas. Pre-valeceu também, na dimensão de atuação do Pólo, o prin-cípio da descoberta dos tesouros escondidos, o que per-mitiu a identificação de um conjunto significativo de prá-ticas inovadoras promovidas por famílias ou grupos co-munitários de municípios ainda não inseridos em um tra-balho mais estruturado de experimentação agroecológica.Muitas dessas experiências socialmente ocultas se torna-ram referências para as atividades das comissões. Entreelas, o banco de sementes comunitário existente desde1974, na comunidade São Tomé, em Alagoa Nova; a prá-tica do semeio em Massaranduba, semelhante ao sistematradicional do frijol tapado adotado na América Central;e os fundos rotativos solidários de cisternas, no municí-pio de Soledade.

Os temas relacionados a políticas públicas tam-bém passaram a ser tratados no âmbito das comissões. Porexemplo, a política estadual de sementes é discutida pelacomissão de recursos genéticos, enquanto a gestão do pro-grama de cisternas corresponde à comissão de recursoshídricos.

As experiências bem-sucedidas realizadas naregião e monitoradas por essas comissões temáticas sãoanalisadas e contrastadas com as propostas para o desen-volvimento da agricultura propugnadas pelos diferentesinstrumentos e operadores de políticas públicas, como asde extensão rural, de crédito, de pesquisa agrícola, e osprogramas de distribuição de sementes, dentre outros.Com base nesse enfoque comparativo, o debate sobremodelos de desenvolvimento ganhou maior nitidez. Des-sa forma, pouco a pouco, as redes de agricultores-experimentadores articuladas pelo Pólo se constituíramtambém como espaços de debate e ação política em defesade um projeto próprio para o desenvolvimento do território.

Visita de intercâmbio de experiências em saúde ealimentação, em Solânea

Feira de troca de produtos da agriculturafamiliar, em Arara

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Além disso, um programa de formação em polí-ticas públicas é direcionado à coordenação do Pólo e enfocao conjunto das ações a partir de uma perspectiva maisabrangente, integrando os debates feitos nas comissõestemáticas. A coordenação do Pólo é composta majoritaria-mente por lideranças também inseridas nas comissõestemáticas, assegurando assim permanentes vínculos en-tre seus membros e as redes de experimentação agro-ecológica que se capilarizam na região.

Novos desafios

A gestão do programa de desenvolvimento lo-cal numa escala territorialmente mais ampla e mais com-plexa do ponto de vista sociopolítico tem colocado aoPólo a necessidade de equacionar e enfrentar diferentes enovos desafios.

Em primeiro lugar, constatou-se a necessidadede construir uma melhor compreensão sobre as principaiscaracterísticas dos agroecossistemas da região, de forma aotimizar e a articular o planejamento e a implementaçãodo programa no conjunto altamente diverso de situaçõesexistentes nos 16 municípios integrados ao Pólo. Essa foia razão que justificou a realização de um diagnóstico deagroecossistemas de abrangência regional.

A primeira etapa, que compreendeu o estudodos diferentes ambientes e suas principais implicações so-bre os agroecossistemas, já forneceu importantes subsídi-os para as comissões temáticas planejarem suas estratégi-as. Entre outros aspectos, o conhecimento produzido etraduzido em mapas de molduras ambientais permitiu avisualização das homogeneidades e das heterogeneidadesinter e intramunicipais. Isso significa que, em termos re-

gionais, as comissões temáticas devem considerar as con-tinuidades e descontinuidades geográficas no planeja-mento da experimentação, uma vez que um mesmo tipode ambiente pode atravessar vários municípios. Emcontrapartida, no âmbito dos municípios, os sindicatostambém devem levar em conta a existência de diferentessituações socioambientais, não podendo, portanto, or-ganizar suas estratégias para a transição agroecológicacomo se o município fosse um todo homogêneo.

Tendo exercitado sua estrutura funcional e suasestratégias de atuação durante três anos, o Pólo entendeutambém que precisava se institucionalizar juridicamente demaneira a assumir formal e autonomamente a gestão de seuspróprios projetos de financiamento. Assim, constituído comopessoa jurídica desde 2004, o Pólo conta atualmente comsede própria, serviços de secretaria e administração financei-ra, além de equipe técnica composta por dois profissionais.Ao mesmo tempo, projetos em parceria com organismosestatais de fomento abriram a possibilidade de suaviabilização do ponto de vista financeiro, em que pese acontrapartida de experiências burocráticas desproporcionaisà capacidade administrativa instalada.

De toda forma, para além dos enormes avan-ços acumulados, grande investimento na criação e de-senvolvimento de capacidades próprias permanecerá sen-do demandado para que o Pólo mantenha as condiçõesinstitucionais, políticas e administrativo-financeiras ade-quadas para assegurar sua vocação tanto como agenteestimulador de dinâmicas sociais de inovação agroeco-lógica, quanto como ator político capaz de promover,em articulação com as organizações da sociedade civil enas esferas estatais, as proposições da agricultura familiarpara o desenvolvimento do agreste paraibano.

Luciano Silveiraeng. agrônomo, coordenador do Programa Local da

AS-PTA no agreste da Paraí[email protected]

Roselita Victoragricultora, integrante da direção do STR de Remígio e

da Coordenação do Pó[email protected]

Nelson Anacletoagricultor, integrante da direção do STR de Lagoa Seca

e da Coordenação do Pó[email protected]

Foto maior: Encontro municipal em comemoração aoDia Mundial da Água, em Massaranduba. Foto menor: En-contro da Agricultura Familiar do Pólo da Borborema

Referências bibliográficasPETERSEN, P. e SILVEIRA, L. Construção do

conhecimento agroecológico em redes deagricultores-experimentadores: a experiênciade assessoria ao Pólo Sindical da Borborema.In: Construção do conhecimento agroe-cológico: novos papéis, novas identidades.Rio de Janeiro, ANA, 2007.

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Da preservação dasnascentes ao

desenvolvimento localMarcio Pereira Silva

município de Me-dina, localizado naregião do Médio

Jequitinhonha, Minas Gerais, assimcomo outros municípios vizinhos,vivencia um grande desafio relaci-onado aos rumos do seu desenvol-vimento. A expansão desenfreadada atividade mineradora realizadapor empresas de extração de grani-to vem causando enormes danosambientais, colocando em risco apermanência das famílias de agricul-tores que compõem a maior parte dapopulação rural da região.

A partir da iniciativa de um grupo de agriculto-res e agricultoras, que entendiam que o seu futuro estariacomprometido caso não se mobilizassem para reverter astendências de degradação das nascentes em função da

mineração de granito, o Sindicato de Trabalhadores Ru-rais (STR) de Medina se sensibilizou e passou a tomarprovidências concretas. De forma articulada com associa-ções comunitárias do município, o STR procurou estabe-lecer parcerias com outras instituições no sentido elaborare executar uma estratégia para enfrentar o problema. OInstituto dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricul-tura do Vale do Jequitinhonha (Itavale), uma entidade deabrangência regional, e a Universidade Federal de Lavrasforam os primeiros a se comprometer e, por meio dessaparceria interinstitucional, foi desenvolvido o projeto Ges-tão e Conservação de Nascentes de Medina. A ação arti-culada em torno à execução desse projeto criou as condi-ções para que, com o tempo, outras questões relaciona-das ao desenvolvimento local fossem incorporadas à agen-da dessas instituições.

O ponto de partida

O meio rural da região é essencialmente ocupa-do por uma agricultura de base familiar, produtora de la-vouras diversificadas e de pequenos animais. A principalfonte de sustento das famílias dos municípios é a produ-

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ção própria ou a renda da aposentadoria dos idosos. Em-bora a agricultura de Medina enfrente sérias dificuldadescomo resultado do histórico descaso do Estado com rela-ção à produção familiar, a chegada das empresas de mine-ração ao município agravou bastante a situação.

Apesar disso, sob o pretexto de gerar empregoe renda, a extração do granito nas pedreiras de Medina foifortemente incentivada, sendo beneficiada pela adminis-tração municipal com a isentação de impostos por umperíodo de quinze anos. Atualmente, existem 31 pedrei-ras distribuídas em diferentes localidades do município e,ainda que seja uma atividade recente na região, a minera-ção já causou danos ambientais e sociais graves devido àsua exploração desordenada e sem planejamento.

Para enfrentar a situação, as organizaçõesdos agricultores decidiram fazer um levantamento so-bre as condições das nascentes nas áreas rurais. Paratanto, contaram com a contribuição de uma turma dealunos do projeto Semear1 composta por jovens e adul-tos das próprias comunidades. Em conjunto, alunos efamílias das comunidades elaboraram desenhos em car-tazes para mapear e descrever como se encontravam asnascentes.

Após a finalização do levantamento, foi rea-lizado o Seminário de Gestão das Águas, oportunida-de em que os resultados da pesquisa foram apresenta-dos e debatidos. A partir daí, o trabalho foi ganhandouma dinâmica própria, buscando sempre levar a discus-são a outros espaços, como reuniões, seminários efóruns regionais e estaduais, além de apresentar reivin-dicações ao poder público local e organizar passeatas emanifestações.

Articulando parcerias e novostemas

A parceria do sindicato com a Universida-de Federal de Lavras permitiu que outras organiza-ções de fora do município fossem incorporadas aoprocesso2, inclusive facilitando a obtenção de finan-ciamentos para assegurar o avanço dos trabalhos.Na própria região, o sindicato conseguiu tambémangariar apoios importantes de outras organizaçõeslocais, como as Associações de Assentados da Refor-ma Agrária, a Associação Escola Família Agrícola doMédio e Baixo Jequitinhonha (Aefambaje) e algunsSTRs de outros municípios.

O avanço dos trabalhos foi conduzido de for-ma que a iniciativa não ficasse restrita a ações voltadaspara a conservação das nascentes, cuja situação a cadadia se torna mais preocupante. Assim, desde o inícioda experiência, há oito anos, o sindicato e seus parcei-ros mobilizaram as comunidades do município para arealização de um conjunto de atividades importantes,dentre as quais destacam-se: o cercamento de 16 nas-

centes; visitas de intercâmbio a experiências inovado-ras com enfoque agroecológico; seminários na EscolaFamília Agrícola Bontempo, situada em Itaobim (MG);cursos técnicos para os agricultores e agricultoras rea-lizados na Universidade Federal de Lavras; oficinas decapacitação sobre produção de mudas de espécies na-tivas e construção de viveiro de mudas; Seminários deGestão das Águas e Meio Ambiente e Feiras Munici-pais de Reforma Agrária em Medina; e produção decartilhas e boletins informativos para divulgação dasexperiências.

As questões da preservação das nascentes,o cuidado com a produção de alimentos saudáveis e asituação geral do meio ambiente no município foramos temas a partir dos quais todas essas iniciativas fo-ram motivadas.

Além disso, foram promovidas reflexões jun-to às comunidades para que elas se mobilizassem paraconstruir alternativas viáveis para o desenvolvimentolocal que respondessem às suas necessidades e anseios.Vale destacar que a constante reflexão e o resgate dasações desenvolvidas são importantes para a continui-dade da caminhada.

A sistematização da experiência eseus impactos

Recentemente, o Itavale realizou uma sis-tematização sobre a trajetória do trabalho no muni-cípio. Além de avaliar a experiência em si, esse es-forço teve como objetivos fornecer referências paraorganizações que desejam promover iniciativas si-milares em outras regiões, sensibilizar os poderespúblicos nas esferas municipal e regional sobre o po-tencial do enfoque agroecológico para o desenvolvi-mento rural e, por fim, fundamentar a construção cole-tiva de alternativas de conservação da natureza, demodo a influenciar as políticas públicas implementadasno Médio Jequitinhonha.

Nesse sentido, a sistematização consistiu nadescrição das formas atuais do uso da água pelas co-munidades, na identificação dos setores rurais que pos-suem maior número de nascentes e quais deles enfren-tam os maiores problemas de escassez de água.

A sistematização permitiu também a realiza-ção de um levantamento de informações mais geraissobre a situação das comunidades rurais no município.

1Projeto de educação de jovens e adultos implantado pela Central Única de Trabalha-dores (CUT) em parceria com o STR de Medina.2As organizações foram: Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar JustinoObers (Núcleo PPJ); Universidade Federal de Lavras; Programa Universidade Soli-dária, pela Petrobras; Federação Nacional dos Estudantes em Administração (Fenead);Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese); Federação de Órgãos para AssistênciaSocial e Educacional (Fase); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), pormeio da Secretaria de Agricultura Familiar.

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Entre os temas enfocados estavam o acesso à educa-ção, à terra, à água e ao crédito; a situação da docu-mentação das famílias; as condições sanitárias e tiposde moradia; a disponibilidade de energia; a participa-ção em organizações; e o envolvimento na experiênciade gestão e conservação de nascentes. Essa foi tam-bém uma oportunidade para quantificar o número defamílias nas comunidades e atualizar a leitura sobre seussistemas de produção. O diagnóstico foi realizado comuma amostra de aproximadamente 30% das pessoas de29 comunidades rurais.

O documento final foi apresentado ereferendado nas próprias comunidades.Foi também apresentado em um semi-nário realizado na sede do municípioque contou com a participação de cer-ca de 300 pessoas, a maioria represen-tantes das comunidades rurais, mastambém de escolas, de organizaçõesparceiras, de órgãos públicos, como oInstituto Estadual de Florestas (IEF),a Empresa de Assistência Técnica eExtensão Rural do Estado de MinasGerais (Emater), e algumas ONGs queatuam no Médio Jequitinhonha.

O diagnóstico teve grande importância naorientação dos trabalhos do sindicato, uma vez que per-mitiu conhecer melhor a realidade da agricultura do mu-nicípio e verificar os resultados positivos de sua atuaçãodurante os oito anos de execução do projeto de conser-vação de nascentes.

Os agricultores e agricultoras, por sua vez,percebem que as coisas estão mudando aos poucos emsuas comunidades. As famílias avaliaram que o traba-lho desenvolvido trouxe um ganho de consciênciaambiental considerável. Hoje as nascentes são preser-vadas, pois sabe-se que a água é um recurso que podese esgotar a qualquer dia. Portanto, a experiência pos-sibilitou também o maior envolvimento e interação so-cial entre os trabalhadores e trabalhadoras em açõespara a valorização desse recurso natural de grande im-portância para todos. Um maior cuidado com relaçãoao destino do lixo doméstico também é generalizado.Além disso, houve uma revalorização da cultura local,com a reorganização dos grupos de reisado e contra-dança, que foram convocados a se apresentar nos mo-mentos culturais durante os seminários e feiras.

Muitos agricultores e agricultoras reconhe-cem a importância do sindicato nesse processo e o con-sideram como uma escola que não tiveram quando jo-vens, já que é lá que se mantêm informados “sobretudo o que acontece e que seja de nosso interesse”. Asassociações comunitárias rurais também têm buscadoatuar contra a degradação do meio ambiente e assegu-rar a participação de seus representantes nos Conse-lhos Municipais (de Desenvolvimento Rural, Saúde, As-sistência Social, Criança e Adolescente, Segurança Pú-blica) e nos fóruns de abrangência regional e estadualem que o tema é debatido.

Marcio Pereira Silvaacadêmico de Serviço Social e

funcionário do STR [email protected]

Entrevista da equipe de sistematização com agricultores de Medina

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Os agentes agroflorestaisindígenas do Acre

Fabricio Bianchini ePaola Cortez Bianchini

Os povos indígenas no Acre

A partir do século XIX, o território hoje compre-endido como o estado do Acre foi invadido por frentes deocupação brasileiras e peruanas, que chegaram para a extra-ção do látex da seringueira (Hevea brasiliensis) e do caucho(Castilloa ellastica), ambos comercializados como matéria-prima para a produção de pneumáticos, elemento básico daindústria automobilística.

Estima-se que, no período anterior à chegadados seringalistas, existiam cerca de 50 povos indígenas naregião. O contato entre esses povos e os exploradores resul-tou nas correrias, termo que representa a fuga dos índios rioacima visando escapar do massacre físico e cultural promovi-do pelos seringalistas, e no cativeiro, ou seja, a captura eescravização dos indígenas para o trabalho nos seringais.

Com a crise nos preços da borracha, no final da déca-da de 1970, muitos seringais foram desconstituídos. Foi tam-bém nesse período que lideranças indígenas iniciaram as lutaspelos seus direitos1. As décadas seguintes (1980 e 1990) forammarcadas pela consolidação da identificação e demarcação dosterritórios tradicionais e configuram o Tempo dos Direitos, pos-teriormente chamado de o Tempo do Governo dos Índios noAcre, quando as comunidades indígenas se organizaram paraestabelecer seus próprios projetos de vida, assumindo o proces-so de autogestão de seus territórios.

Atualmente, o Acre abriga uma das maioressociobiodiversidades do planeta: possui 14 diferentes povosindígenas, falantes de três famílias lingüísticas: Pano, Aruake Arawá (ver Quadro). Eles habitam 34 terras indígenas,ocupando uma área de aproximadamente 2,4 milhões dehectares, o que corresponde a 14% do território do estado.A população indígena no Acre é estimada em 13,3 mil pes-soas e o povo mais numeroso é o Kaxinawá (cerca de seis milpessoas). Ainda podem ser encontrados índios isolados, compouco ou nenhum contato com a sociedade não-indígena,nas áreas de fronteira com o Peru.

Entretanto, a conquista do território demarcadotrouxe novos desafios para as populações indígenas. Alémda vigilância e fiscalização de suas terras, a gestão territoriale ambiental e as relações sociais e econômicas com as comu-nidades do entorno passaram a figurar entre as preocupa-ções desses povos.

O surgimento dos agentesagroflorestais indígenas como novosatores no processo organizativo

A Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre) é umaorganização não-governamental criada em 1979 com o ob-jetivo de prestar assessoria às populações indígenas em suaslutas pela conquista e o exercício de seus direitos coletivos.Assessora também iniciativas inovadoras voltadas à formu-

lação, execução e acompanhamen-to de políticas públicas nas esferasfederal, estadual e municipal.

Visando superar osnovos desafios relacionados àqualidade de vida das populaçõesindígenas, a CPI/Acre deu início,em 1983, a atividades educacio-nais junto a professores indíge-nas. Essas ações são voltadas

1 Essas lutas foram apoiadas pela Fundação Naci-onal do Índio (Funai), assim como por outras en-tidades , como o Conselho Indigenista Missioná-rio (Cimi), criado em 1972 pela Igreja Católica, ea Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre), fun-dada em 1979Fonte: Comissão Pró-Índio do Acre.

Quadro. Famílias lingüísticas e etnias indígenas no Acre

Etnias

Apolima-Arara;Jaminawa;Jaminawa-Arara;Katukina;Kaxinawá;Naua;Nukuni;Poyanawa;Shanenawa;Shawãdawa;Yawanawá

Ashaninka;Manchineri

Kulina

FamíliaLinguística Pano Aruak Arawá

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para a formação básica eprofissionalizante de jo-vens e adultos por meio deum processo de formaçãocontinuada nas áreas deeducação, saúde, agricul-tura e meio ambiente.

Dessa forma,agentes de saúde indíge-nas também passaram aser formados em progra-mas permanentes nosquais desenvolvem-se prá-ticas de promoção da saú-de integradas às ações noscampos do manejo agríco-la e florestal e de sanea-mento básico das aldeias.Temas como segurançaalimentar e plantas medici-nais fazem parte do conteú-do dessa formação, permi-tindo o relacionamento en-tre os debates sobre alimen-tação, saúde e meio ambi-ente.

Em 1996, comoresultado da formação dosprofessores indígenas e dosagentes indígenas de saú-de, percebeu-se a necessi-dade de um novo processo

educacional que contemplasse a questão da gestãoterritorial e ambiental, articulando-a ao tema da seguran-ça alimentar. Surgiu assim a proposta de formação dosagentes agroflorestais indígenas (AAFIs), novos atoressociais responsáveis por realizar um trabalho educativo eparticipativo junto às comunidades indígenas e seu en-torno para garantir que a gestão dos territórios proporci-one mais qualidade de vida para as populações que nelesvivem. Os AAFIs atuam na implementação e experimen-tação de tecnologias inovadoras voltadas para a promo-ção de maiores níveis de segurança alimentar e nutricional.Essas inovações abrangem práticas em sistemas agroflorestais(SAFs), de criação racional de animais domésticos e silves-tres, monitoramento ambiental e manejo agroextrativista.Atualmente o Setor de Agricultura e Meio Ambiente daCPI/Acre trabalha com a formação profissionalizante de 126jovens e adultos indígenas, de dez povos, em 21 territóriosno estado do Acre e sudeste do Amazonas.

A proposta pedagógica e técnicaOs povos indígenas detêm um amplo e comple-

xo conhecimento sobre como utilizar recursos naturais paraatender as demandas de suas comunidades. As estratégias

tradicionais de reprodução e domesticação de plantas de-monstram quão valiosos são esses conhecimentos, que po-dem ser facilmente identificados ao observarmos a imensadiversidade de espécies e variedades existentes em seus ro-çados e SAFs tradicionais. As intervenções realizadas pelospovos indígenas nos ecossistemas, como a prática de aber-tura ou enriquecimento de roçados e clareiras, são orienta-das no sentido de incrementar a diversidade das espécies,por meio da seleção e reprodução das plantas de interesse.Exemplo disso são os sistemas agroflorestais inovadores quevêm sendo implantados nas terras indígenas. Ao introduzi-rem espécies exóticas e nativas, como palmeiras, plantasmedicinais, frutíferas e plantas de ciclo anual para atração decaça, os indígenas procuram estabelecer uma analogia eco-lógica entre os SAFs e os ecossistemas naturais.

A proposta pedagógica utilizada na formação dosAAFIs articula quatro diferentes modalidades: os cursos in-tensivos presenciais, que ocorrem em Rio Branco; as ofici-nas itinerantes e as assessorias, que ocorrem nas terras indí-genas; e os intercâmbios, que são visitas para troca de expe-riência entre os grupos. Todas as ações são conduzidas se-gundo processos de comunicação bilíngüe e intercultural,metodologia esta que se tornou referência nas políticasindigenistas contemporâneas no Brasil2. Por meio do con-ceito de autoria, aplicado nas práticas de ensino e aprendi-zagem, os agentes agroflorestais são incentivados a identifi-car, analisar e sistematizar conhecimentos sobre os ambien-tes naturais e sociais em que vivem, bem como formularproposições para as questões relacionadas ao desenvolvi-mento local. Ao mesmo tempo, repassam tais conhecimen-tos organizados a outros (Nietta, 2007).

Os cursos intensivos ocorrem uma vez ao ano,no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF),um sítio de 31 hectares onde, durante os cursos de for-mação, são implantados modelos demonstrativos de sis-temas agroflorestais, horta ecológica e criatórios dequelônios, peixes, animais domésticos de pequeno portee abelhas nativas. Os eventos envolvem turmas de 20 a40 indígenas de diversas etnias e regiões do estado doAcre e possuem carga horária aproximada de 300 horas/aula, distribuídas em 30 a 45 dias. Os conteúdos aborda-dos nos cursos são organizados em duas áreas distintas:nos domínios do saber da formação profissionalizante queincluem os temas do manejo agroflorestal e de recursosnaturais, e os domínios do saber da formação básica queenglobam, entre outras disciplinas, as línguas indígenas eportuguesa, química e biologia, todas abordadas tendo otema do meio ambiente como eixo gerador.

As oficinas itinerantes possibilitam a formaçãodos AAFIs e demais comunitários das aldeias. As assessoriassão os momentos de formação em que os assessores da CPI/

2O trabalho educativo de autoria inspirou as diretrizes de políticas federais no Minis-tério de Educação. O Referencial Curricular Nacional de Escolas Indígenas e oReferencial Para a Formação de Professores Indígenas foram elaborados sob a coor-denação de Nietta Lindenberg Monte, que contou com uma equipe da qual partici-param muitos dos assessores e consultores da CPI/Acre.

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Acre realizam visitas às terras indígenas com o objetivo deacompanhar os trabalhos dos AAFIs em seus contextossocioculturais, ambientais e políticos específicos. Já os in-tercâmbios proporcionam a aprendizagem por meio da tro-ca de experiência e da observação e contato com outras realida-des (geográficas, ambientais, culturais, políticas e econômicas).

Atualmente a Comissão Pró-índio do Acre bus-ca o reconhecimento da formação dos AAFIs como cursotécnico profissionalizante. Em 2002, foi fundada a Asso-ciação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indíge-nas do Acre (Amaaic), responsável por realizar parcerias earticulações com as instituições governamentais e da so-ciedade civil, em defesa da categoria social dos agentesagroflorestais e populações indígenas de maneira geral.

Os conceitos e as práticas em açãoEm conjunto com suas comunidades, compe-

te aos AAFIs a produção de alimentos para todos os seresda floresta, a manutenção e reprodução das práticas agrí-colas milenares de seus povos e a reflexão crítica sobre aspráticas interculturais. Nesse sentido, o trabalho de pro-moção dos sistemas agroflorestais e as atividades de ma-nejo da fauna tornam-se espaços privilegiados para oenfrentamento conjunto desses desafios: produção de ali-mentos, recuperação e preservação ambiental e integraçãode saberes tradicionais com novos saberes.

Como já foi mencionado, o AAFI planeja suasações juntamente com a comunidade da qual faz parte. Aparticipação e cooperação dos demais atores, como o pro-fessor indígena, o agente de saúde e as lideranças, são essen-ciais para que a comunidade indígena crie melhores condi-ções para superar os desafios relacionados à manutenção e àreprodução de sua cultura. As lideranças tradicionais perce-bem os AAFIs como mensageiros, que trazem novidadespara dentro das terras indígenas. Suas mensagens são discu-tidas, experimentadas e em geral são incorporadas e adapta-das localmente. Esse diálogo efetivo com as lideranças maisantigas garante que o exercício da interculturalidadevivenciado nos processos de formação fortaleça a coesãosocial dos grupos indígenas.

Os SAFs podem ser observados em várias unidadesda paisagem das terras indígenas: nas capoeiras enriquecidas,nos roçados antigos, nas trilhas, nos varadouros e nas matas

ciliares. Essa diversidade de ambientes onde os SAFs são implan-tados associa-se também a diferentes composições florísticasdos mesmos, aspecto esse que favorece tanto os processos eco-lógicos quanto a segurança alimentar das comunidades indíge-nas. Com o enriquecimento de áreas de mata e de capoeira, asqueimadas para implantação de novos roçados ou para aberturade áreas de pastagem deixam de ser praticadas. Esse fato tempossibilitado que as atividades de coleta de frutas e de ma-deira para a construção de casas, bem como a caça, possamser realizadas a distâncias menores das aldeias.

O trabalho de implantação e manejo dos SAFs ébasicamente realizado pela família, envolvendo homens,mulheres e crianças. Em geral ele se inicia com o cultivo dasculturas anuais consorciadas com diferentes espécies frutí-feras (exóticas e nativas) e florestais de uso múltiplo, quesão introduzidas por meio do plantio direto das sementes oupor mudas produzidas em viveiros. Associa-se também aosSAFs a criação de animais silvestres e domésticos, comopeixes, aves, suínos, abelhas indígenas e quelônios. Dessaforma, procura-se desenvolver modelos sustentáveis de ma-nejo e criação desses animais.

O reconhecimento e a valorização dos AAFIs nascomunidades ocorrem à medida que os resultados positivosde seus trabalhos vão sendo percebidos. O incremento dasegurança e da diversidade alimentar nas aldeias, aregionalização da merenda escolar, a recuperação de áreasdegradadas, o fortalecimento das economias familiares porintermédio da comercialização da produção excedente e oenriquecimento dos conhecimentos são alguns dos efeitosdiretos desses trabalhos.

Nesse sentido, o trabalho de formação de AAFIstem permitido que agentes locais tenham acesso a novosconhecimentos e atuem no fortalecimento das organiza-ções locais e na coesão comunitária a partir da construçãode ambientes propícios ao diálogo e à experimentação deinovações em suas comunidades e entornos.

Fabricio Bianchiniengenheiro agrônomo, assessor do Setor de Agricultura

e Meio Ambiente da CPI/[email protected]

Paola Cortez Bianchinimestre em Agroecossistemas, coordenadora da área

técnica agroflorestal da Escola da Floresta (IDM/AC)[email protected]

3O centro é reconhecido como escola de formação de professores pelo ConselhoEstadual de Educação do Acre.

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A organização dos piquizeiros naChapada do Araripe

Claudio Ubiratan Gonçalves

s extrativistas dopiqui (CaryocarB r a s i l i e n s i s ,Cambess) da co-

munidade de Cacimbas, no alto daChapada do Araripe, são herdeirosdos valores pregados pelo PadreCícero, relacionados à disciplina cris-tã, ao respeito ao próximo e à devo-ção ao trabalho. Localizada no mu-nicípio de Jardim, no extremo sul doCeará, a comunidade possui ummodo particular de organização de-senvolvido a partir do seu ajustamen-to às especificidades do meio natu-ral e a esses valores de convivênciasocial culturalmente herdados.

Este artigo demonstra a profunda incompati-bilidade que existe entre as formas de vida e organizaçãoprodutiva dos piquizeiros e as orientações correntes naspolíticas públicas para o desenvolvimento implementadasna região. Ao apresentarmos a complexidade dos sistemasde trabalho e de organização comunitária dos piquizeiros,chamamos a atenção para a necessidade de reorientação

das propostas de desenvolvimento regional, que devemser formuladas no sentido de fortalecer as estratégias deordenamento ecológico e territorial desenvolvidas pelaspopulações locais.

Os ciclos ecológicos noordenamento do trabalho dospiquizeiros

O piqui é uma árvore nativa de porte muitovariável, podendo atingir mais de seis metros de altura. Operíodo de floração e frutificação vai de dezembro a abril,muitas vezes chegando a maio. Em outras épocas do ano,costumam aparecer algumas frutas, denominadas detemporão. Coletado na floresta do Araripe, o piqui é co-nhecido por ser rico em vitaminas A e E. O povo indígenada região o denominava Pyrantecaira, isto é, que dá vigore força. Além de seu emprego na alimentação humana,atualmente o piqui ganhou importância econômica asso-ciada ao uso terapêutico, à produção de mobiliário e detanino, assim como fornecimente de óleo para a fabrica-ção de sabão e lubrificante de máquinas1.

Os extrativistas de piqui trabalham por contaprópria, o que lhes concede uma relativa liberdade e po-der de decisão pela ausência da figura do patrão. Dessaforma, imprimem um ritmo próprio aos seus modos deprodução e organização coletiva. O ordenamento sazo-

nal do trabalho dos piquizeiros estádiretamente sintonizado com os ciclosecológicos locais e compreende duaslógicas diferenciadas e complementa-res. A primeira está relacionada com asestações climáticas, que no semi-áridosão bem demarcadas: os invernos,como épocas de chuva, e os verões,como as de seca. A segunda lógica im-

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1 As folhas do piqui são empregadas para regularizar ofluxo catamenial e o óleo é usado para afecções do courocabeludo, dores reumáticas, doenças bronco-pulmona-res, asma e raquitismo, além de em cortes e inflamaçõesnos animais. A madeira é muito utilizada em trabalhos demarcenaria devido ao seu brilho natural, que dispensa ouso de verniz. O tanino extraído do pericarpo do piqui éutilizado na produção de corantes para tecidos de algo-dão (Cruz, 1982).Visão geral da comunidade de Cacimbas

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plica o deslocamento da morada durante o ano: em umdeterminado momento ela é estabelecida na casa locali-zada no povoado e ,em outro, em um barraco erguido namata, com lona e galhos de árvores colhidos da própriafloresta.

O deslocamento da moradia por um período apro-ximado de três a quatro meses por ano revela a existência deestratégias de sobrevivência e de produção econômica típi-cas das populações do Araripe. Harmonizadas com os ciclosnaturais, essas estratégias econômicas organizam o traba-lho dos piquizeiros a partir da conjugação das atividadesprodutivas nas terras de mata e nas terras de roça, configu-rando um sistema produtivo que combina, no tempo e noespaço, atividades extrativistas com atividades agrícolas.

Segundo a tradição dos catadores de piqui, otempo de duração da atividade extrativista, época emque se autodenominam barraqueiros, dependerá da pro-dutividade da safra anual. De forma geral, os anos que seseguem a invernos bastante chuvosos favorecem as boascolheitas do piqui. As atividades agrícolas são realizadasem roçados diversificados com espécies e variedades cul-tivadas de ciclo anual. Por essa razão, são também muitodependentes dos totais pluviométricos, que costumamser altamente variáveis na região.

Apesar da grande variabilidade climática na re-gião, o ciclo espaço-tempo de distribuição anual do traba-lho dos piquizeiros da comunidade de Cacimbas obedeceem grandes traços ao padrão representado na figura abaixo.

Figura. Ciclo espaço-tempo de distribuição anual de tra-balho na comunidade de Cacimbas (Gonçalves, 2005)

No período compreendido entre os meses dejaneiro a abril, estão concentradas as atividades que de-mandam mais trabalho. Além da coleta do piqui, ocorre oplantio, a limpa e a colheita do milho e do feijão. A man-dioca também é colhida nesse período.

De maio a junho, a faveira (Dimorphandragardneriana), uma leguminosa nativa, é coletada na área

da Floresta Nacional do Araripe. Por suas propriedades me-dicinais, essa espécie tem demonstrado crescente potencialeconômico. Por meio do incentivo do Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis(Ibama) local, os piquizeiros de Cacimbas têm exportado afaveira para a empresa de fármacos Merk. Desde o surgimentodessa oportunidade comercial, uma parte da colheita vemsendo exportada enquanto outra é comercializada nos mer-cados municipais de Crato, Juazeiro e Barbalha. Um volumemenor é armazenado para uso na própria comunidade.

No período de julho a setembro, os sistemasprodutivos dos piquizeiros não são capazes de absorver amão-de-obra disponível. É a fase do ano em que ocorre deforma mais intensa a migração temporária de trabalhado-res da comunidade, que em alguns casos levam junto assuas respectivas famílias. Alguns se ocupam nesse perío-do em projetos de fruticultura irrigada nos estados do RioGrande do Norte e Pernambuco e outros se deslocampara São Paulo para trabalharem na agroindústriacanavieira. Aqueles que não migram se ocupam como tra-balhadores agregados em fazendas de municípios próxi-mos como Exu, Serrita e Ouricuri (PE). Outros ainda tra-balham na construção civil dos espaços urbanos compre-endidos pelo triângulo Crato-Juazeiro-Barbalha.

Fechando o ciclo anual, o período de outubroa dezembro é marcado pelo retorno à comunidade para opreparo das terras das roças e pela organização das famí-lias para a coleta da próxima safra do piqui.

Da organização produtiva àorganização política

As políticas públicas implementadas historica-mente na região não consideraram e não tiraram partidoda riqueza cultural inerente às estratégias econômicas dapopulação agroextrativista do Araripe. Mas foi, sobretu-do, a partir da década de 1990, que as ações governa-mentais chocaram-se frontalmente com os sistemas pro-dutivos tradicionais ao procurar fortalecer o setor agríco-la do estado pela viabilização de cadeias produtivas defrutas, flores, hortaliças e inserir o Ceará no mercado ex-portador da agricultura irrigada.

Ao serem implantados junto à comunidade deCacimbas, os programas oficiais de desenvolvimento as-sim concebidos trouxeram consigo claras contradiçõescom as formas organizativas e as estratégias econômicasdos piquizeiros. Um exemplo disso foi a exigência da Se-cretaria Estadual de Agricultura (Seagri) para que a co-munidade criasse uma associação específica para gerenciaro projeto de floricultura que procurou fomentar. Apesarde o projeto ter sido implantado, algumas lideranças dacomunidade avaliam que o correto teria sido o fortaleci-mento da associação que já existia e não a criação deoutro espaço organizativo, dividindo os grupos e enfra-quecendo suas formas de organização local.

Jan./Abr.Coleta do

piqui; plantio,limpa e co-

lheita da roça

Maio/Jun.Coleta da

faveira ou favad’antas

Out./DezPreparo das

terras de roçaOutras ativi-

dades

Jul./SetMigração paratrabalhar emPE, RN e SP

Outras atividades

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Outro exemplo vem da implantação de uma fá-brica de processamento de óleo de piqui, iniciativa surgida apartir da demanda por padronização e controle de qualidadedo produto, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Educa-ção e Negócios Sustentáveis (Ibens). As ações do Ibens seiniciaram em Cacimbas em 2002, quando realizou estudossobre o piqui e elaborou um plano de negócios para identifi-car oportunidades comerciais para a comunidade. Assim,em parceria com o Ibama, foi implantada a unidade deprocessamento do óleo de piqui. Uma parte dos moradoresde Cacimbas avalia que a construção da fábrica trouxemelhoria na qualidade do produto, o que facilitou a comer-cialização do óleo. Já outra parcela da comunidade manifes-tou descontentamento por ser excluída do processo por nãoreunir as condições necessárias para atender às exigênciastécnicas para o preparo e beneficiamento do óleo na fábrica.Dessa forma, a unidade de processamento deixou à margemparte significativa da comunidade que, por essa razão, tevesua organização local fragilizada.

O modo como os piquizeiros usam e se apro-priam dos recursos da natureza é outro tema do debate quevem mobilizando a comunidade em defesa de seus direitos ede políticas públicas adequadas. Segundo a percepção dospiquizeiros, os limites para a coleta do piqui estão ligados àsáreas de ocorrência da planta, não havendo distinção entreespaço privado ou público. Por ser uma espécie nativa, suacoleta não pode ser regulada. É com esse entendimento quea comunidade vem tradicionalmente extraindo o fruto emáreas sob controle do Ibama e em propriedades de fazendei-ros. Também é nessas áreas onde são construídas as barra-cas do acampamento e onde é realizado o processamentoprimário do produto, que consiste no cozimento da semen-te para produção do óleo.

Para assegurar seus direitos sobre o uso dosrecursos do território, a comunidade tem se articuladopara se fazer representar politicamente em diferentes es-paços de negociação com órgãos do Estado, tais como oServiço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas (Sebrae), o Ministério da Integração Nacional, o Ban-co do Nordeste e a Floresta Nacional do Araripe (Flona),sob gestão do Ibama. O exercício de participação nessesespaços tem permitido à comunidade defender seus inte-resses gerindo os conflitos que surgem em diferentes

2O Ibama quis obrigar os moradores da comunidade de Cacimbas a utilizarem crachá,alegando que não havia controle da circulação de pessoas na Flona e que isso estariaaumentando o número de queimadas criminosas e a retirada ilegal de madeira.

Fábrica de processamento de óleo de piqui, Cacimbas Grupos de famílias selecionando o piqui para consumo ecomercialização. No detalhe, crianças sentadas no tanque-reservató-rio de água para consumo das famílias no período do acampamento

momentos. A título de exemplo, citamos a recusa dosmoradores de Cacimbas a utilizarem crachás no momen-to da coleta do piqui na Flona, uma condição impostapelo Ibama.

Portanto, ao serem concebidos de forma frag-mentada, tratando de modo separado as dimensõessociocultural, econômica, ambiental e política do desen-volvimento local, os programas do Estado têm sido inca-pazes de apreender e valorizar as estratégias de produçãoeconômica e de reprodução social dos piquizeiros. Es-quecem que essas estratégias são produto de saberes acu-mulados por meio da observação atenta das dinâmicasecológicas e da oralidade e transmissão de conhecimen-tos entre as gerações.

Nesse sentido, compreender essas estratégiaspara aprimorá-las é o desafio colocado para que se estabele-ça um modelo de desenvolvimento regional fundamentadonuma noção tão cara aos piquizeiros: a de que a melhoria e areprodução de seus meios de vida dependem essencialmen-te da conservação da diversidade das áreas de transição caa-tinga-cerrado e da sua integração com os sistemas de produ-ção agrícola. A rica experiência dos piquizeiros ensina que éna manutenção e integração de diversas atividades produti-vas no tempo e no espaço que eles constroem seus meios devida e suas formas de organização.

Claudio Ubiratan Gonçalvesassessor da Comissão Pastoral da Terra da Diocese de

Crato (CE), professor adjunto do Núcleo de Geografia daUniversidade Federal de Sergipe e membro do GT-Agrá-

rio da Associação dos Geógrafos [email protected]

Referências bibliográficasCRUZ, G. L. Dicionário das Plantas Úteis do Bra-

sil. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira/Difel, 1982.

GONÇALVES, Cláudio Ubiratan. Ética e diferen-ciação interna do trabalho na ordem territoriale ambiental do Cariri Cearense: solidariedade econflito. 2005. Tese (Doutorado) – PPGEO/UFF, Niterói.

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A experiência da promoção do(des)envolvimento local

na Zona da MataGlauco Regis Florisbelo,

Fernanda Testa Monteiro eSimone Ribeiro

Centro de Tec-nologias Alterna-tivas (CTA) é

uma ONG que atua na Zona da Matade Minas Gerais na promoção daagricultura familiar e da Agro-ecologia. Desde o início da décadade 1990, a entidade incorporou emsuas linhas de ação a perspectiva defortalecer as organizações dos pró-prios agricultores e agricultoras comvistas a torná-las protagonistas naconstrução do desenvolvimento lo-cal (DL). Essa estratégia foi assumi-da a partir da percepção de que a sim-ples adoção por parte dos agriculto-res de tecnologias mais sustentáveisse mostrava incapaz de realizar mu-danças mais profundas nas comuni-dades e nos municípios. Ou seja,constatou-se que era imprescindívelincorporar uma perspectiva mais am-pla de análise para que transforma-ções estruturais ocorressem.

Assim, o CTA foi mudando sua atuação, pro-curando o engajamento dos agricultores e agricultoras emações que repercutissem de forma mais significativa emsuas realidades. Tínhamos claro que o envolvimento daspessoas e de suas organizações seria uma condição centralpara que o processo de desenvolvimento ocorresse. Assimsurgiu o lema envolver para desenvolver, e passamos atratar o tema como envolvimento local.

Em geral, quando o tema do desenvolvimentolocal é abordado, logo vêm à cabeça projetos grandiosos,vinculados à figura do poder público local e dos diferentesatores sociais existentes na localidade. Entretanto, nos-sas experiências nos ensinaram que é possível iniciar pro-cessos de DL mesmo que seja a partir de uma articulaçãode poucos parceiros, desde que não se perca de vista anecessidade de agregação de novos e diversificados ato-res, inclusive órgãos do poder público. Para tanto, o focoprincipal dessas experiências esteve centrado no fortaleci-mento das organizações locais, para que elas adquirissemmaior capacidade de assumir de maneira autônoma a con-dução desses processos.

O CTA assessorou iniciativas de promoçãodo DL nos municípios de Araponga, Acaiaca, Tombose Espera Feliz, que apresentam características ambien-tais e agrícolas bem diferentes entre si. Também osníveis de organização dos agricultores são bastante he-terogêneos. Este artigo traz uma síntese das principaisanálises e lições aprendidas durante as sistematizaçõesrealizadas em dois momentos da trajetória do CTA: em2003 e 2007.

Conhecimento compartilhado darealidade

Os processos de envolvimento local devemcomeçar com um bom alinhamento das expectativasde todos os parceiros, que também devem ter clarezados objetivos e etapas a serem realizadas a partir dasestratégias definidas. Vale destacar que é importanteque, ao longo do processo, esses objetivos sejam reto-mados e discutidos.

Ainda na fase inicial, é necessário perceberas fragilidades presentes nas organizações e propor ca-minhos para sua superação, que poderão ser logodeflagradas.

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A realização de diagnósticos nos municípios,com foco em suas áreas rurais, foi uma estratégia queutilizamos em todos os casos. Esses exercícios comparti-lhados de leitura e interpretação da realidade são oportu-nidades para que ocorram o nivelamento de percepções eum grande aprendizado coletivo, tanto pelas comunida-des quanto pelas organizações locais. Ao mesmo tempo,promovem a mobilização das comunidades; a divulgaçãodo processo; uma nova percepção da realidade paraagricultores(as) da base e para as lideranças; e sobretu-do, a identificação dos problemas e potenciais das comu-nidades e do município. Por isso, quanto mais as organi-zações locais participam da preparação e da realizaçãodo diagnóstico, melhor. Nossa experiência demonstrouque as metodologias utilizadas devem ser construídase executadas pelo conjunto de parceiros, e nunca ficarsomente a cargo da assessoria.

Planejando o desenvolvimentolocal

A partir da avaliação das organizações locaissobre suas capacidades de interferir no contexto em queatuam, duas linhas de ação foram implementadas. A es-tratégia adotada nos municípios de Tombos e Acaiacaconsistiu na elaboração de um Plano Municipal de Desen-volvimento Rural Sustentável (PMDRS). Em Araponga,iniciamos com um Plano de Ação para o conjunto dasorganizações parceiras que avançou para a elaboração deum PMDRS após algum tempo, com o fortalecimento dasorganizações locais e com a construção de relações com o

poder público municipal. A experiência mais recente é ado município de Espera Feliz, onde a princípio as orga-nizações não se sentiam em condições de enfrentar aamplitude e a complexidade dos temas inerentes à ela-boração de um PMDRS e tampouco dialogavam com ogoverno local.

O plano de ação orienta e articula as estratégi-as das organizações locais para o DL. Os temas tratadossão abrangentes, fruto das reflexões nas comunidadesmotivadas pelo diagnóstico. As perspectivas para a ju-ventude rural e os cuidados com o meio ambiente sãoexemplos de questões enfocadas nesses processos. Noentanto, as propostas e ações planejadas terminam serestringindo àquelas que estão dentro do campo dagovernabilidade das organizações envolvidas.

Representantes das comunidades durante encontro de planeja-mento em Espera Feliz.

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Participação da juventude na construção do Plano de Ação de Espera Feliz

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No caso de Espera Feliz, as ações definidasno Plano de Ação estiveram centradas no campo daformação e promoção da Agroecologia, no planejamen-to da produção agroecológica para a comercializaçãocoletiva, no cooperativismo e na valorização da cultu-ra local.

Assim, o plano de ação acaba orientando earticulando as próprias organizações sociais, dando aelas maior clareza de seu papel na condução das ativi-dades priorizadas. Nesse sentido, ele pode criar as con-dições necessárias para que relações com o poder pú-blico sejam estabelecidas, assegurando maior capaci-dade política para a defesa e a implementação de pro-gramas públicos de interesse da agricultura familiar(seja por meio da pressão ou da negociação).

O envolvimento de mulheres ejovens no processo

Ter incorporado em nossas estratégias de tra-balho uma perspectiva sensível às questões de gênero e degeração foi fundamental para qualificar as ações voltadaspara envolver ativamente as populações locais e suas or-ganizações nos processos de promoção do DL.

Nos espaços onde vivem, mulheres e jovens têmcondições desfavoráveis em relação aos homens adultos,em função de terem acesso limitado a bens e recursos,além de pouca influência na tomada de decisões das famí-lias e das organizações. Deixar de reconhecer essa situa-ção é ignorar as injustiças sociais e, por conseqüência,reproduzir as desigualdades. Do nosso ponto de vista, nãohá processos efetivos de DL sem que mudanças nas rela-ções de gênero e geração sejam promovidas.

Vale ressaltar que a parti-cipação das mulheres e dos jovensnunca ocorre espontaneamente.Portanto, é preciso perceber comoas relações de poder estão estabe-lecidas para então orientar os traba-lhos de forma a garantir a sua pre-sença. Algumas estratégias foramelaboradas e postas em prática nes-se sentido, entre elas: a organizaçãode grupos separados de homensadultos e mulheres adultas, rapazese moças, em todas as etapas, desdeo diagnóstico até a elaboração depropostas; a adequação dos horári-os das reuniões às mulheres; e a ga-rantia de espaços-creche e de ani-madores para as crianças durante oseventos. Foi necessário também as-segurar momentos paralelos decapacitação e fortalecimento dasmulheres e dos jovens para que es-

tes se sentissem em melhores condições de intervir nosespaços conjuntos. Além dessas medidas, foi importantemanter esse tema na agenda permanente de debate nosespaços de coordenação dos processos.

O papel da assessoria e dasorganizações locais

O CTA vivenciou dois momentos distintos noque se refere à natureza de sua assessoria aos processos dedesenvolvimento local, que corresponderam ao fato de ostécnicos residirem ou não nos municípios. A presença dotécnico no local proporciona um conjunto grande de vanta-gens, mas também implica em desvantagens. Ao morar nomunicípio, o técnico normalmente atua na mobilização dosatores sociais, na animação do trabalho, assim como na arti-culação política, quando fica responsável por garantir que otema do DL seja um fio condutor e que esteja presente napauta de todas as organizações locais. Porém, percebe-seque, embora a presença permanente da assessoria permitaque o trabalho se torne mais efetivo e constante, quandonão há técnico local, as organizações acabam assumindoessas tarefas, o que certamente incrementa o seu nível deapropriação política e metodológica do processo. Portanto,é certo que os processos de DL necessitam de pessoas eorganizações que estimulem a participação, que articulemas agendas e os trabalhos e que mantenham o projeto ativomesmo quando nenhum evento está sendo realizado. Mas oideal é que cada vez mais as organizações locais chamempara si essas atribuições. Afinal, com o avanço dos traba-lhos, há a tendência de as ações se tornarem mais comple-xas, o que exige o emprego de muito tempo em atividadesde mobilização e animação.

Participação comunitária na elaboração do plano de ação em Espera Feliz

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Em Espera Feliz, por exemplo, foram indi-cados dois agricultores para atuar como mobilizadores,ou seja, como responsáveis pela animação do processoe articulação política das ações junto às organizaçõeslocais. O CTA acompanhou à distância, estando pre-sente em alguns momentos-chave. Foi estabelecidauma coordenação colegiada, com representantes dasorganizações sociais locais e do CTA.

Nesse contexto, o CTA tem o papel de as-sessorar metodologicamente o conjunto das ativida-des, valendo-se de seus acúmulos adquiridos pelavivência de outras experiências similares. Atua tambémna mediação dos debates entre as organizações locais.Nesse caso, cumpre uma dupla função: ao mesmo tem-po em que contribui com um olhar externo, é parteenvolvida, já que integra a articulação de entidades quedesenvolvem as ações no município. Independentemen-te do papel que desempenha nos diferentes momentosdo processo, uma atenção permanente sempre é dis-pensada para assegurar que a assessoria favoreça a emer-gência de um ambiente de construção coletiva, preve-nindo-se do risco de dar o tom metodológico sozinha.

O CTA já prestava assessoria técnica às ex-periências agroecológicas existentes nesses municípios.Com os processos de diagnóstico e planejamento, hou-ve uma reorientação dessa assessoria para garantir umaarticulação entre as ações técnicas e as demais, bus-cando ampliar a escala e alcançar um número maior defamílias na promoção da Agroecologia a partir da valoriza-ção dos exemplos das famílias pioneiras na práticaagroecológica.

Coube também ao CTA estabelecer uma ponteentre as experiências, promovendo intercâmbios entre aslideranças, assim como entre as experiências e instituiçõesde ensino e pesquisa, como a Universidade Federal de Vi-çosa (UFV) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de MinasGerais (Epamig). Diversos projetos de pesquisa e de ex-tensão foram elaborados e implementados partindo dasdemandas apontadas nos PMDRS e nos Planos de Ação.

Conclusão

A vivência de processos participativos de(des)envolvimento local tem caráter formativo e fortaleceas organizações sociais envolvidas, pois possibilita a apro-ximação entre elas, facilita o intercâmbio de informações,a negociação de prioridades e a articulação de ações con-juntas, a partir da construção compartilhada de uma per-cepção sobre a realidade local.

E é por isso que o fortalecimento das organiza-ções sociais locais figura como um objetivo central nosprocessos de (des)envolvimento local. Podemos relacio-nar alguns indicadores alcançados nesse sentido: a capa-cidade de diferenciação de papéis entre as organizaçõessociais; o estabelecimento de um conjunto de estratégias

e, com base nelas, a execução de ações coerentes; o gran-de reconhecimento da organização local por parte de suabase social e o constante envolvimento de novas pessoasnos seus trabalhos; e a renovação dos quadros políticosdas organizações, sem que a qualidade da intervençãoseja reduzida.

Assim, o que nossa experiência de vários anosnos ensinou, em síntese, é que a atuação protagonista dasorganizações locais ocorre quando é orientada por princí-pios como autonomia e independência, mantendo e in-centivando suas capacidades de proposição e negociaçãojunto ao poder público e suas habilidades para elaborar eimplementar projetos próprios voltados para a promoçãodo desenvolvimento local, sempre com base no ativoenvolvimento das pessoas e organizações.

Glauco Regis Florisbeloengenheiro agrônomo do CTA

[email protected]

Fernanda Testa Monteiroengenheira agrônoma e consultora do CTA

[email protected]

Simone Ribeiropedagoga do CTA

[email protected]

Elaboração do Plano de Ação de Espera Feliz

Mística de abertura dos encontros de planejamento

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rganizações emovimentos so-ciais vinculados

à Articulação Semi-árido Brasilei-ro (ASA-Brasil) vêm construindona prática uma proposta de convi-vência com o semi-árido que temcomo um de seus fundamentoscentrais as variadas formas deaproveitamento das águas das chu-vas. As experiências dessas orga-nizações apontam para um cami-nho contrário ao que foi trilhadohistoricamente pelos programasoficiais. Ao passo que estes últi-mos orientam-se essencialmentena construção de grandes obras deinfra-estrutura, deixando à mar-gem de seus benefícios centenasde milhares de famílias que habi-tam o meio rural da região, as ini-ciativas da sociedade civil voltam-se para a descentralização da ofer-ta hídrica, investindo em pequenasobras e equipamentos destinadosa captar, transportar e armazenara água das chuvas.

Organização de mulheres econvivência com o semi-árido:

a experiência dascisterneiras no

Rio Grande do NorteConceição Dantas

Além do emprego de uma concepção técnicainovadora que permite o atendimento das reais demandasdas famílias no meio rural, as experiências impulsionadaspela sociedade civil diferenciam-se por serem promovidaspor processos de mobilização comunitária articulados pororganizações locais. Apenas no âmbito do Programa deFormação e Mobilização Social para a Convivência com oSemi-Árido: 1 Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), açãoimplementada desde 2003 pela ASA-Brasil, cerca de 200mil cisternas de uso doméstico e comunitário foramconstruídas até junho de 2007, sendo 25 mil delas no RioGrande do Norte.

Nesse quadro mais amplo de avanços na convi-vência com o semi-árido, a experiência das cisterneiras doRio Grande do Norte destaca-se por ressaltar uma dimen-são central em qualquer estratégia que vise à construçãoda sustentabilidade socioambiental: o reconhecimento dasmulheres agricultoras como agentes protagonistas dosprocessos de desenvolvimento local.

Nesse sentido, o movimento feminista do oes-te do Rio Grande do Norte tem demonstrado que a lutadas mulheres representa também a luta de todas as pes-soas que querem viver em um mundo sustentável em har-monia com as condições geográficas e climáticas de seusrespectivos locais. Situada no contexto desse movimen-to, a experiência das cisterneiras deixa claro que essa ban-deira integra duas dimensões interdependentes: de umlado, a implementação de políticas promotoras de solu-ções técnicas adaptadas às características naturais doecossistema; de outro, a luta contra a naturalização deinjustiças socialmente construídas, tais como o latifún-dio, a exploração do trabalho, a invisibilidade social dasmulheres e a divisão sexual do trabalho.

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sumo humano foi apontado como temacentral na pauta das trabalhadoras.Conforme as reflexões então realizadas,a garantia desse direito básico exigiaações de caráter emergencial, já queessa privação representava um dos prin-cipais obstáculos para a convivênciacom o semi-árido. A partir desse en-contro, foi construída uma aliança en-tre movimentos e lideranças popularesorientada para reivindicar políticas queviabilizassem o acesso à água de quali-dade para os assentamentos quevivenciavam as maiores dificuldadesnesse campo.

A Coordenação de MulheresTrabalhadoras da Região Oeste4 apre-sentou as reivindicações do encontroao Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária (Incra). Após essaaudiência, o projeto de construção decisternas nos assentamentos, viabilizadono âmbito do P1MC, transformou-se emação concreta, com o apoio institucionale financeiro da Unidade de Ações Afir-mativas do Incra, da Associação de Apoioàs Comunidades do Campo (AACC), doCentro Feminista 8 de Março (CF8) e daCooperativa de Assessoria e ServiçosMúltiplos ao Desencolvimento Rural(Coopervida).

Na microrregião de Apodi, um total de 28localidades nos municípios de Campo Grande, Baraúna,Caraúbas, Felipe Guerra, Governador Dix-Sept Rosa-do, Mossoró e Upanema foram contempladas com açõesresultantes dessa conquista alcançada pelo prota-gonismo das mulheres trabalhadoras.

Assegurando a conquista

Passado o entusiasmo da primeira conquista,sucederam-se as preocupações com a organização eoperacionalização do processo. As mulheres tinham a con-vicção de que aquela seria, de fato, uma ação políticaprotagonizada por elas. Sabiam que teriam que aproveitaressa oportunidade para expandir o espaço político con-quistado e mostrar na prática que podem fazer qualquer

Tudo começa com a auto-organização das mulherestrabalhadoras rurais

À época do lançamento da Marcha Mun-dial das Mulheres (MMM)2 e da Marcha das Marga-ridas3 no ano de 2000, houve intensa participaçãodas trabalhadoras rurais do Rio Grande do Norte, oque foi significativo para a consolidação do movi-mento de feminista na região oeste do estado. Se-gundo o diagnóstico de relações de gênero realiza-do pelo Centro Feminista no Apodi, em 2003, 63%das mulheres entrevistadas afirmaram participar dealgum grupo no assentamento ou comunidade. Comisso, a Coordenação Oeste de Trabalhadoras Ruraistambém teve suas ações fortalecidas, por meio doresgate de grupos de base, da ampliação das mani-festações massivas e da coalizão dos muitos movi-mentos de mulheres em torno de bandeiras comuns.

Em outubro de 2003, no Encontro de Mu-lheres Trabalhadoras Rurais, realizado na cidade deMossoró, o acesso à água de boa qualidade para o con-

1 Este texto é baseado na sistematização da experiência das mulheres cisterneiras,realizada em 2004 pelo Centro Feminista 8 de Março.2 Movimento feminista internacional que foca sua atuação na luta contra a pobrezae a violência. Hoje está presente em 164 países. No Brasil, existe uma coordenaçãonacional e 17 coordenações estaduais.3 Ação política que integra a MMM e é protagonizada pelas mulheres rurais da Con-federação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag).4A coordenação é uma instância de organização das trabalhadoras rurais do oeste doRio Grande do Norte, fundada em 1999 e que engloba 15 municípios da região.

Mulheres organizadas para a construção de cisternas

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atividade que desejam. Além de serem capazes de fazer ogerenciamento da água para o consumo doméstico, deve-riam também assumir outras funções que fugissem aospadrões estabelecidos pela sociedade em que viviam. Comessa noção em mente, fortaleceram a idéia de que todo oprocesso teria que ser comandado por elas. Para tanto,seria necessário elaborar estratégias que assegurassem asconquistas por meio do enfrentamento da lógica da hie-rarquia de poder entre homens e mulheres.

Pioneirismo das mulheres

Três mulheres capacitadas em Afogados doIngazeiro (PE) serviram de exemplo para as assentadaspotiguares inovarem, formando a primeira turma de pe-dreiras do Brasil. Elas assumiram a responsabilidade decapacitar outras mulheres e de atuar diretamente comocisterneiras.

As mulheres que demonstravam maior poten-cial de atuação como multiplicadoras foram priorizadasdurante a seleção para participar do projeto. Além disso, acandidata tinha que residir no assentamento, ser posseira,sócia da associação, participar do grupo de mulheres enão ser beneficiária de cisternas provenientes de outrosprojetos. As mulheres que possuíam o maior número defilhos e filhas, que eram responsáveis pela renda familiarou tivessem em suas famílias idosos e idosas e/ou pessoasportadoras de necessidades especiais também forampriorizadas.

O projeto tinha o claro objetivo de conjugar aapropriação de novas tecnologias adaptadas ao semi-ári-do e a possibilidade de geração de renda para as mulheres,com isso questionando a ordem hierárquica estabelecidaentre homens e mulheres nos assentamentos.

A mão na massa e a certeza naluta

Em fevereiro de 2004, 17 mulheres participa-ram do curso de três semanas e se tornaram construtorasde cisternas. Mais do que isso, conseguiram estabelecerum novo modelo de construção do P1MC. Todas esta-vam convencidas de que eram aptas à construção, seja emdupla ou em pequenos grupos. As agricultoras voltarampara as suas comunidades sabendo erguer e modular asplacas da cisterna. Com isso, tiveram reforçada a certezade que poderiam assumir qualquer trabalho que desejas-sem e de que não existe ofício (pre)destinado para ho-mens ou mulheres.

A capacitação foi literalmente realizada com amão na massa, sendo a conclusão do curso comemoradacom a entrega da primeira cisterna. Os(as) donos(as) dacasa assistida também contribuem, sendo responsáveis porcavar o buraco onde a cisterna é construída e preparar a

terra para o trabalho das pedreiras. Elas assumem o traba-lho a partir do nivelamento do terreno e da construção docontrapiso que sustenta as placas.

Trabalho de homem, trabalho demulher: o mito da força física

A evolução do projeto demonstrou que a pro-dução das placas não era o maior desafio que elas teriamque superar. A idéia de que mulheres e homens nascemcom capacidades distintas para realizar determinadas ati-vidades é uma construção histórica que oculta o trabalhodas mulheres e institui a noção de superioridade do traba-lho masculino. Em outras palavras, a consideração de queo esforço físico é algo inato ao homem – um imagináriosexista com base material na divisão sexual do trabalho –legitima a percepção de que as mulheres são naturalmentedesfavorecidas para os trabalhos que demandam força.Vale lembrar, no entanto, que a classificação de uma ativi-dade pesada ou leve é definida a partir de quem a executa(Nobre, 1999).

Assim, tão logo as mulheres tomaram a decisãode estar à frente do processo, elas se depararam com o

Foto acima: Fabricação das placasFoto abaixo: Acabamento interno de cisterna

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ônus da polêmica e da contestação. Um projeto feito pormulheres costuma dividir opiniões dentro da própria co-munidade, que não hesita em questionar: “Será que elasconseguem mesmo?”. As dúvidas quanto à capacidadedas mulheres de, sozinhas, levarem adiante a proposta seespalharam por todos os setores envolvidos – inclusive entremulheres e parte da assistência técnica. As entidades parcei-ras chegaram a enunciar a proposta de que as cisternas nãofossem construídas apenas pelas mulheres, sugerindo a pos-sibilidade de admissão de homens na turma.

Diante desse ambiente desfavorável, as mulhe-res enfrentaram muitas dificuldades para manter sua orga-nização e superar o desafio. O descrédito crescente e in-flexível a respeito de sua força de trabalho evidenciava opreconceito forjado pela estrutura da divisão sexual dotrabalho. As pedreiras tiveram que engolir piadas do tipo:“Coisa de mulher não pode prestar”; “Isso é coisa de quemquer inventar de fazer o que não é pra fazer”; “Se comhomens é difícil, imagine com mulheres”.

Contudo, as mulheres envolvidas no projetoestavam conscientes de que a garantia da execução porelas próprias constituía uma oportunidade para a conquis-ta de um novo espaço na comunidade, abrindo o caminhopara a geração de renda com o aprendizado de um novoofício. Algumas já previam que, depois de cisterneiras,estariam capacitadas também para construir casas, comoLindinalva Martins, de 18 anos, do município de Mossoró.Vinda de uma família de pedreiros e agricultores, ela en-frentou a desconfiança dentro de sua casa. Seu pai e seusirmãos achavam que ela não poderia fazer um trabalhotido como da alçada de homens. Um de seus irmãos, de-signado para a função de servente de pedreiro, queixou-sedo inoportuno fardo: “É ruim porque tem que fazer tudoo que a mulher manda.”

Resistentes, as mulheres, que já eram membrosde associações e tinham experimentado na prática o difícildiálogo com a comunidade, não recuaram diante das amea-ças do sexismo, mas valeram-se delas para também fazer daconstrução das cisternas uma conquista política das mulhe-res no mundo público. Como nos revela o depoimento deMaria Iracema Silva, também da primeira turma de pedreiras:“Um homem disse pra mim: “Eu deixo rolar meu pescoço sevocês fizerem essa cisterna”. Eu respondi: pois apronte opescoço porque ele vai rolar e a gente vai fazer”.

Passada a primeira etapa da luta, houve um se-gundo movimento, que se configurou como desqualificaçãoda própria conquista. Contraditoriamente, depois doestranhamento inicial e vencido o forte descrédito na forçade trabalho das mulheres, a partir do instante em que ascisternas foram erguidas e já se mostravam em funciona-mento, a função de pedreiras de cisternas passou a ser des-valorizada pela comunidade, que começou a qualificá-la comoserviço leve. Nesse momento, o discurso sexista mudou:“Se elas puderam, qualquer um consegue”.

As mulheres, no entanto, apreenderam onderesidia a base de tal desqualificação. Como podemos identi-

ficar nas palavras da pedreira Francisca das Chagas:“Se nós somos capazes de cozinhar, lavar, passar e ain-da deitar de noite com eles, por que não podemos cons-truir cisternas?”. É a simplicidade desse questiona-mento que nos leva a retomar o conceito de divisãosexual do trabalho. Afinal, se não se cogita fragilidadequando se atribui à mulher o cuidado com a família e adifícil e custosa travessia da busca pela água – no trans-porte braçal de diversas latas d’água –, por que é tãoconveniente que elas sejam frágeis no momento emque sua tarefa passa a ser uma função pública, remune-rada e de valor reconhecido em toda a comunidade?(Cadernos 8 de março N° 7, 2006).

O impacto dessas questões no dia-a-dia dasmulheres, desmentidas com a conquista das pedreiras doRio Grande do Norte, já é suficiente para justificar e com-pensar todo o empenho investido nessa experiência.

Uma dupla conquista

A capacitação de pedreiras – realizada tambémpor uma mulher, Maria José, da primeira turma de cons-trutoras de cisternas de Afogados do Ingazeiro – foi umavitória simbólica e política para a mulher do campo. Masesse significativo avanço e suas conseqüências para o pú-blico assistido – seja pela própria execução física do proje-to ou pelos dilemas sociais por ele suscitados – mostrammais uma vez que o machismo é ainda a grande ponte a sercruzada no caminho rumo a uma sociedade sustentável,com igualdade entre homens e mulheres.

Cumpre ainda ressaltar que o projeto desenvol-veu uma sistemática que permite o monitoramento contí-nuo da execução do cronograma de obras. Seus resulta-dos são acompanhados por reuniões freqüentes de umgrupo formado por representantes das mulherescisterneiras da região. Em dezembro de 2006, já passavamde 250 as cisternas construídas por mulheres no estado.

Finalmente, para as mulheres organizadas nes-sa experiência, tornou-se evidente que a construção daAgroecologia só se dará se for capaz de, no processo, mo-bilizar a participação política delas em todas as etapas dodesenvolvimento local. Diante dessa nova percepção, po-demos concluir que essas mulheres cisterneiras realizarammais do que levantar placas de concreto. Elas se tornarammultiplicadoras cientes de seus direitos na sociedade e nafamília, garantindo sua visibilidade como agentes prota-gonistas no campo, construindo e fortalecendo alternati-vas para os grupos e coletivos de mulheres organizados naregião oeste do Rio Grande do Norte.

Conceição Dantascoordenadora do Centro Feminista e militante da

Marcha Mundial das [email protected]

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PublicaçõesOs parceiros do RioBonitoCANDIDO, Antonio.SãoPaulo: Duas Cidades/Edi-tora 34, 2001.

Trata-se da tese dedoutoramento do autor,defendida em 1954, eque posteriormente con-sagrou-se como um clás-sico das ciências sociaisno Brasil. O estudo de-monstra com enormeclareza como as formas

tradicionais de organização social das comunidadesrurais no interior de São Paulo são resultantes de pro-cessos de criação cultural voltados para o desenvolvi-mento de ajustes entre as comunidades e o meio natu-ral em que vivem. Embora tenha se passado mais demeio século desde sua finalização, o texto é uma leitu-ra altamente recomendável para os que atuam nos diasde hoje no movimento agroecológico. Como disse re-centemente o próprio autor: “Talvez esse trabalho ain-da tenha algum interesse para os que acham que a re-forma das condições de vida do homem brasileiro docampo não deve ser baseada apenas em enunciadospolíticos, ou em investigações especializadamente eco-nômicas e agronômicas, mas também no estudo da suacultura e da sua sociabilidade.”

Campesino a Campesino: voices from LatinAmerica´s farmer to farmer movement forsustainable agricultureHOLT-GIMENEZ, Eric. California: Food First, 2006.

Apresenta o movimento Campesino a Campesino que exis-te em vários países da América Central desde a década de1980. Além da história da constituição do movimento, olivro apresenta as características centrais da abordagemmetodológica adotada por organizações a ele articuladas,por meio de depoimentos de agricultores e agricultoras.

Nosso jeito de caminhar: a história do ProjetoReca contada por seus associados, parceiros eamigosRECA. Brasília, 2003.

Ao encadear depoimentos de agricultores(as) eassessores(as), o livro traça a trajetória do Projeto Re-florestamento Econômico Consorciado e Adensado(Reca), criado em Rondônia em 1989. Trata-se de umaexperiência associativa voltada para viabilizar técnicae economicamente um modelo de produção até entãoinovador na Amazônia. As formas de organização daassociação são descritas, assim como são expostos osprocessos de aprendizado técnico e metodológico queos associados vivenciaram no desenvolvimento dos sis-temas agroflorestais e no beneficiamento e comercia-lização da produção. Destacam-se também os papéisque mulheres e jovens exercem na associação e as inici-ativas no campo da educação e da saúde.

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Fé, produção e política: ex-periências associativas decamponeses em Minas GeraisRIBEIRO, Eduardo M. Goiânia:CPT, 1994.

Estudo sobre a origem, a estru-tura e as formas de atuação deassociações de agricultores eagricultoras familiares em MinasGerais. Realizada entre 1990 e1991, a pesquisa de campo

recobriu uma diversidade bastante significativa de organi-zações em diferentes regiões do estado e permitiu eviden-ciar que suas origens, via de regra, estiveram vinculadas aprocessos sociais de base preexistentes nas distintas loca-lidades em que elas se estabeleceram. Atuando em temasvariados, essas associações surgiram para complementaroutras ações conjuntas em benefício do desenvolvimentolocal. Com base nos dados empíricos arrolados, o autorformula uma crítica à atitude utilitarista ainda bastantepresente em programas voltados para o desenvolvimentorural, que enxergam e promovem experiências associativastendo em vista unicamente o papel econômico que elaspodem vir a desempenhar para a melhoria material da vidadas comunidades e famílias rurais.

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Sites

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Mais do que uma organização ou um movimento,Campesino a Campesino é uma concepção e umametodologia de trabalho desenvolvida por campone-ses da América Central. O programa facilita o inter-câmbio de conhecimentos entre camponeses e campo-

O Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) é uma arti-culação de mulheres agricultoras, arrendatárias, meeiras,ribeirinhas, posseiras, bóias-frias, diaristas, parceiras,extrativistas, quebradeiras de coco, pescadoras artesanais,sem-terra e assentadas. Luta pelo fim de qualquer forma deviolência praticada contra a mulher. Isso se concretiza naslutas, na organização, na formação e na implementação deexperiências de resistência popular, em que as mulheres se-jam protagonistas de sua história. O visitante do site teráacesso a informações sobre os projetos do movimento, taiscomo: Projeto Popular de Agricultura, Ampliação dos Direi-tos Sociais e Participação Política da Mulher na Sociedade.Estão disponíveis também para download materiais de for-mação, cartilhas, panfletos, além de textos e artigos.

www.viacampesina.org

A Via Campesina é um movimento internacional que con-grega organizações camponesas, pequenos e médios produ-tores, agricultoras, comunidades indígenas, pessoas sem-terra, jovens rurais e trabalhadores agrícolas migrantes. Éum movimento autônomo, plural, independente, sem ne-nhuma afiliação política, econômica ou de qualquer outrotipo. As organizações que compõem a Via Campesina estãopresentes em 56 países da Ásia, África, Europa e, na Améri-ca Latina, estão organizadas em oito regiões. No site o usu-ário poderá ter acesso à agenda de ações e eventos, notíciase publicações sobre os temas centrais do movimento: refor-ma agrária; biodiversidade e recursos genéticos; soberaniaalimentar e comércio; gênero; direitos humanos; migraçõese trabalhadores rurais; e agricultura sustentável.

www.miqcb.org.brO Movimento Interestadual das Quebradeiras de CocoBabaçu (MIQCB) articula essas trabalhadoras em quatroestados brasileiros onde há ocorrência da palmeira: Maranhão,Tocantins, Pará e Piauí. O movimento pretende conquistarmelhores condições de vida e de trabalho, bem como garan-tir os direitos das mulheres extrativistas enquanto cidadãs.No site, pode-se obter informações sobre as lutas e as cam-panhas realizadas pelas quebradeiras, como a Lei do BabaçuLivre, que visa garantir o livre acesso e uso comum das pal-meiras para que o extrativismo seja realizado em regime deeconomia familiar e comunitária. Também estão disponíveisno site o Jornal Pindova, um informativo quinzenal doMIQCB, publicações, relatórios e estudos sobre o tema.

www.mmcbrasil.com.br

www.coiab.com.br

A Coordenação das Organizações Indígenas da AmazôniaBrasileira (Coiab) surgiu como resultado do processo de lutade seus povos pelo reconhecimento e exercício de seus direi-tos, num cenário de transformações sociais e políticas ocor-ridas no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988.A Coiab reúne atualmente 75 organizações de 165 povosindígenas em sua base política. Atua no estímulo e acompa-nhamento da criação de outras organizações, visando à ex-pansão e ao fortalecimento do movimento indígena. Em seusite, podem-se encontrar notícias atualizadas sobre direitosindígenas, interculturalidade, articulação com movimentosinternacionais, questão de gênero, educação e saúde indí-gena, alternativas econômicas e demarcação de terras.

nesas para que aprendam uns com os outros por meiode suas próprias experiências em projetos sociais e pro-dutivos. O usuário poderá obter informações sobre ahistória, organização, metodologia de trabalho e pro-jetos desenvolvidos.

www.laneta.apc.org/mexsursur/

Page 34: Organizações locais - AS-PTAaspta.org.br/files/2011/05/Agriculturas_v4n2.pdfmar suas próprias organizações sociais. Como fruto de proces-sos de invenção cultural, essas organizações

Eventos

Data: 14 e 15 de agosto de 2007Local: Medellín, ColômbiaInformações: http://www.agroeco.org/socla/pdfs/Congreso0807.pdf

O evento está sendo promovido pela Sociedade CientíficaLatino-americana de Agroecologia (Socla) e a Universida-de de Antioquia. Pretende apresentar o estado da arte daAgroecologia em distintos temas-chave, tais como: ma-nejo ecológico de pragas e doenças; ecologia, conserva-ção e manejo dos solos, água e biodiversidade; bases eco-

I Congresso Latino-americano de Agroecologia

lógicas para a conservação e o manejo orgânico e sistemasdiversificados de produção; economia e indicadores desustentabilidade; etnoecologia e sistemas tradicionais deconhecimento; e desenvolvimento rural sustentável emovimentos rurais sociais. A Socla é uma organização ci-entífica cujo objetivo central é promover a Agroecologiapor meio de atividades de pesquisa, docência e apoio aosmovimentos sociais, com o fim de impulsionar uma agri-cultura familiar que privilegie a segurança alimentar, a con-servação da biodiversidade e a eliminação da pobreza.

34 Agriculturas - v. 4 - no 2 - julho de 2007

Data: 21 e 22 de agosto de 2007Local: Diversos estadosInformações: http://www.contag.org.br/marga-ridas/A marcha é uma estratégia política construída e consoli-dada pelas mulheres trabalhadoras rurais para combater afome, a pobreza, a violência sexista e construir um novoBrasil com justiça, paz e eqüidade de gênero. O evento,

que já faz parte da agenda permanente do sindicalismorural brasileiro e do movimento de mulheres, é realizadode três em três anos, numa ação organizada pela Contag,Fetags, STTRs e CUT, em parceria com o Movimento deMulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR/NE, MIQCB,CNS, Mama), movimentos e redes de mulheres de âmbitointernacional (MMM, Redelac, Cooprofam) e outras or-ganizações colaboradoras e apoiadoras.

Marcha das Margaridas 2007 com o tema: Terra, Água e Agroecologia

Tema: Agroecologia e territórios sustentáveisData: 1 a 4 de outubro de 2007Local: Guarapari (ES)Informações: http://www6.ufrgs.br/abaagroeco/?P%E1gina_inicialA Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) juntamente com a comissão organi-zadora local buscarão nessa quinta edição do CBAavançar na sua concepção metodológica, privilegi-ando os espaços para o debate e a construção arti-

culada das etapas preparatórias, de seu desenho eprogramação, buscando assim o aprofundamento naabordagem, na reflexão coletiva e no encaminha-mento dos temas. Com a realização de conferênci-as, mesas-redondas, palestras e oficinas, o CBA temsido uma oportunidade para reunir cerca de 3.000profissionais, estudantes, agricultores e agricultorasde todo o país para intercambiar conhecimentos,experiências e promover deliberações e orientaçõespara a promoção da Agroecologia no Brasil.

V Congresso Brasileiro de Agroecologia

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Agroecologia em Rede

O mutirão comunitário de São Felipe, em Espera Felizhttp://www.agroecologiaemrede.org.br/experiencias.php?experiencia=209

passaria a ser feita por sorteio. Depois que otrabalho é realizado na propriedade de todos,reinicia-se nova rodada de mutirões. A cada fe-chamento de ciclo há uma confraternização quecelebra o trabalho realizado em conjunto. Alémdo trabalho na roça (limpa, plantio, colheita,cultivo de hortas), os agricultores se reúnempara construir fossas sépticas, casas, etc. Omutirão também se tornou um espaço importan-te para a troca de conhecimentos sobre práticasagroecológicas.

Conheça outras experiências no Agroe-cologia em Rede (www.agroecologiaemrede.org.br)

Desde 1999, os agricultores da comu-nidade de São Felipe, no município Espera Feliz,Zona da Mata mineira, resolveram trabalhar emmutirão com o objetivo de facilitar o trabalho naspropriedades. O mutirão é realizado toda segun-da-feira e funciona no sistema de troca de dia. Noinício, o grupo era formado por oito pessoas, masjá teve época em que contava com mais de 40agricultores. O mutirão tem coordenador, secre-tário e tesoureiro. Conta também com o apoio doSindicato de Trabalhadores Rurais de Espera Fe-liz. A definição do local do trabalho a cada sema-na era feita em função das necessidades de cadafamília, mas depois o grupo cresceu e decidiu que

Mutirão em São Felipe, Espera Feliz

Agriculturas - v. 4 - no 2 - julho de 2007 35

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Acesse: http://agriculturas.leisa.info

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Próxima edição das revistas Leisa

Instruções para elaboração de artigosOs artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam de ins-piração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até cinco laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textosdevem vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fo-

tos, desenhos, gráficos), com a indicação dos seus autores erespectivas legendas. Os(as) autores(as) devem informardados para facilitar o contato de pessoas interessadas naexperiência. Envie para [email protected] informações no site da revista:http://agriculturas.leisa.info

As relações entre saúde e agricultura são abrangentese tornam-se cada vez mais explícitas para o conjuntoda sociedade com a proliferação de doenças e enfer-midades associadas aos efeitos da crescenteartificialização dos modos de vida modernos, em par-ticular aqueles relacionados aos padrões de produçãoe de consumo dos alimentos. Nos processos de pro-dução alimentar, esse fenômeno manifesta-se na irra-diação em larga escala da agricultura industrial, res-ponsável pela degradação sem precedentes dosecossistemas para que monoculturas sejam mantidascom base no uso intensivo de agroquímicos e demoto-mecanização. Nessas condições, os(as)trabalhadores(as) na agricultura são submetidos a re-gimes de trabalho altamente insalubres. Já sob a pers-pectiva do consumo, significativa parcela da popula-ção não tem assegurado o seu direito básico de acessaralimentos de forma permanente e em quantidade equalidade suficientes. O consumo de alimentos debaixa qualidade biológica e/ou contaminados porsubstâncias nocivas à saúde também integra esse co-tidiano vivenciado pelo conjunto da sociedade. Asexperiências em Agroecologia têm demonstrado a ín-tima relação entre a promoção da saúde dos produto-res e consumidores de alimentos e a reconstrução deambientes agrícolas ecologicamente equilibrados. De-monstram também como as famílias agricultoras au-mentam seus níveis de segurança alimentar enutricional com o aumento das opções alimentares e

Saúde pela Natureza (v.4, n04)

com o incremento, diversificação e regularização dassuas fontes de renda. Essas experiências têm igual-mente criado ambientes sociais estimuladores paraa revalorização de práticas populares fundadas nouso de recursos da natureza para a cura de enfermi-dades. O resgate, a disseminação e o desenvolvi-mento de conhecimentos relacionados ao uso deplantas medicinais, à preparação de remédios casei-ros, e ao emprego de outros elementos naturais,como a argila, figuram como parte integrante deum número crescente de experiências de desenvol-vimento local orientadas para a construção de cres-centes graus de autonomia das comunidades com basena valorização dos recursos da natureza. Apesar dosseus efeitos altamente positivos sobre a saúde da po-pulação, muitas dessas experiências têm vivenciadodificuldades para se desenvolverem em função de res-trições de ordem legal. Essa é a razão pela qual organi-zações envolvidas nessas experiências vêm se empe-nhando cada vez mais nos debates políticos relaciona-dos à defesa de abordagens holísticas e naturais depromoção da saúde. Convidamos os incentivadoresde experiências concretas nesse campo a compartilharseus aprendizados na próxima edição da Revista Agri-culturas: experiências em agroecologia.

Data-limite para envio dos artigos:15 de outubro (Revista Agriculturas e

Revista Leisa Latino-americana)