opus 14 2 gloeden morais
DESCRIPTION
Revista Opus, Edelton Gloden, Técnica violonisticaTRANSCRIPT
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
1/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
GLOEDEN, Edelton; MORAIS, Luciano. Intertextualidade e transcrio musical: novaspossibilidades a partir de antigas propostas. Opus, Goinia, v. 14, n. 2, p. 72-86, dez. 2008.
Intertextualidade e transcrio musical:
novas possibilidades a partir de antigas propostas
Edelton Gloeden (USP)
Luciano Morais (UNICSUL)
Resumo: Este artigo traz uma reflexo em torno da transcrio para dois violes da
Pea para piano n. 4de Gilberto Mendes (1922) originalmente escrita para piano solo.
A transcrio em questo foi realizada por Edelton Gloeden e apresentada em meados
dos anos 1990 no Museu da Imagem e do Som, em So Paulo, por Edelton Gloeden e
Victor Castellano, sendo mais tarde interpretada novamente pelos autores desteartigo. Gilberto Mendes, presente nas duas ocasies, aprovou a transcrio. O artigo
apresenta tambm uma sntese histrica sobre a tcnica da transcrio musical, um
procedimento recorrente no repertrio para violo.
Palavras-chave: Violo; transcrio; Gilberto Mendes; Pea para piano n. 4.
Abstract: This article discusses Edelton Gloedens transcription for two guitars of the
Pea para piano n. 4 (piece for piano n. 4) by Gilberto Mendes (1922), originally
composed for solo piano. The transcription was premiered in 1990 at the Museu da
Imagem e do Som, by Edelton Gloeden and Victor Castellano and, after that,performed again by the authors of this article. The composer was present in both
concerts and personally approved the transcription. This article brings also some
historical data on musical transcription techniques, a recurring practice in the classical
guitar repertory.
Keywords: Guitar; transcription; Gilberto Mendes; Pea para piano n. 4.
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
2/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
prtica de se transcrever para violo obras de outros instrumentos e
formaes tornou-se um hbito e uma tradio a partir do sculo XIX.
Sabemos que esse procedimento encontra-se presente na histria
documentada da msica para instrumentos de cordas dedilhadas desde as primeiraspublicaes no sculo XVI. Nosso enfoque volta-se aqui para o momento em que o
violo passa a ser utilizado como instrumento de seis cordas simples em finais do
sculo XVIII. (CAMARGO, 2005)
A transcrio na histria do violo a partir daquele perodo pode ser
dividida em quatro fases distintas. A primeira, cujo perodo ureo durou at meados
do sculo XIX, teve como campo principal de explorao a pera, que se tornou a
grande influncia para todos os grandes compositores violonistas da poca. Essa
influncia perdurou at finais do sculo XIX e comeo do sculo XX. Essastranscries variam em formato, indo desde procedimentos mais literais como as Six
airs choisis de lopra de Mozart la Flte Magique, op. 19 de Fernando Sor (1778-1839),
publicadas em 1825, at obras de carter virtuosstico e rapsdico, como as seis
Rossinianeop. 119-124, de Mauro Giuliani (1781-1829), publicadas entre 1820 e 1828.
A segunda fase teria seu ponto central na gerao que viveu e trabalhou no
segundo quartel do sculo XIX at as duas primeiras dcadas do sculo passado.
Nela, a arte da transcrio ganha destaque na obra de outro espanhol, Francisco
Trrega (1852-1909), no momento em que o violo adquiriu os padres estruturaisque utilizamos hoje. Esses padres foram estabelecidos a partir de 1852 pelo luthier
Antonio Jurado Torres (1817-1892), a partir de sua colaborao com o violonista
Julian Arcas (1832-1882). A caracterstica mais marcante desse perodo a ateno
voltada para o repertrio pianstico. Trrega tambm transcreveu trechos de msica
de cmara, msica orquestral, peras italianas, alems e francesas, diversificando as
influncias na arte da transcrio num perodo em que o violo tinha pouca presena
nos grandes circuitos de concertos. Deste repertrio transcrito por Trrega chama a
ateno o enfoque por ele dado msica de Isaac Albniz (1860-1909) e Enrique
Granados (1867-1916), permanecendo suas transcries desde ento no repertriode violonistas em todo o mundo.
Os princpios da arte da transcrio de Trrega foram levados adiante pelos
seus discpulos Miguel Llobet (1878-1938) e Emlio Pujol (1886-1980). Esses dois
grandes violonistas, nas suas respectivas abordagens da chamada escola de Trrega,
representam uma continuidade da contribuio de seu mestre na histria da
transcrio para violo. A despeito disso, alguns elementos podem ser considerados
novos, especialmente no que se refere abertura do leque das transcries atravs
A
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
3/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus74
da explorao de novas possibilidades, entre elas, a do duo de violes. Em Llobet a
transcrio ganha uma roupagem mais elaborada do ponto de vista da harmonia, da
diversidade timbrstica e, no caso das transcries para dois violes, do equilbrio
entre as partes. Pujol segue os passos de Llobet, contribuindo para a ampliao dorepertrio em decorrncia de sua atividade multifacetada como professor,
musiclogo, transcritor, compositor e intrprete. Esses dois compositores-
violonistas marcaram poca atuando em duo com Maria Luisa Anido e Matilde
Cuervas, respectivamente.
A terceira fase tem como personagem emblemtico o violonista Andrs
Segovia (18931987). Com ele h uma ruptura na tradio do intrprete-compositor
iniciando outra, que subsiste at hoje, de colaborao entre intrpretes e
compositores no-violonistas a partir dos anos 20. Sua abordagem da transcrioest alinhada com a tradio Trrega-Llobet-Pujol, mas um elemento em que Segovia
se distingue e que justifica a sua meno como iniciador de uma nova fase na histria
da transcrio a sua abordagem da msica barroca, ao transcrever obras de Georg
Frideric Handel (1685-1759), Girolamo Frescobaldi (1583-1643), Louis Couperin
(1668-1733), Jean-Philippe Rameau (1683-1764), Domenico Scarlatti (1685-1757) e
Johann Sebastian Bach (1685-1750). A partir de Segovia, as obras desses dois ltimos
autores tornaram-se paradigmticas no repertrio das transcries para violo.
Aps Segovia notamos o predomnio da atitude de continuidade e repetioda tradio vinda de Trrega refletida nos repertrios de Narciso Yepes (1927-
1997), Julian Bream (1933), John Williams (1941), Manuel Barrueco (1952) e David
Russel (1953), entre outros.
Outra caracterstica dessa terceira fase foi o aparecimento de grandes duos
de violes. Os duos Ida Presti (1924-1967) e Alexandre Lagoya (1929-1999), Jorge
Martinez Zarate (1923-1993) e Graziela Pomponio (1926-2006), bem como os
irmos Srgio (1948) e Eduardo Abreu (1949) utilizaram o trabalho de transcrio
como forma de compor seus respectivos repertrios.
Podemos situar a quarta fase no tempo de atividade da gerao atual, um
momento em que o violo, que j era um dos instrumentos mais cultivados em todo
o mundo, estende ainda mais o seu campo de atuao e influncia a diferentes
regies geogrficas, novos repertrios musicais e novas atitudes frente ao prprio
instrumento. A cultura da transcrio nesses contextos extremamente
diversificada, englobando desde procedimentos da msica popular releitura de
obras modernas e contemporneas. Como exemplo da primeira vertente temos os
trabalhos de diversos intrpretes sobre a obra de Astor Piazzolla (1921-1992), dos
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
4/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
quais se destacam Augustin Carlevaro (1913-1995), Baltazar Benitez (1944), ocubano Leo Brouwer (1939) e o duo brasileiro Srgio e Odair Assad. Podemosmencionar tambm as transcries da msica dos Beatles, com abordagens de Leo
Brouwer, do japons Toru Takemitsu (1930-1996) e do paulistano Paulo PortoAlegre (1953). Como exemplos da segunda vertente, podemos mencionar astranscries das Melodie Ludowe, de Lutoslavsky (1913-1994) por Julian Bream, e asrealizaes para o violo de oito cordas por Paul Galbraith (1964).
Gilberto Mendes
Gilberto Mendes um dos compositores brasileiros mais divulgados ereconhecidos no exterior. tambm reconhecido como um importante porta-vozdas vanguardas dos anos 50-60 que, enquanto membro do movimento Msica Viva,trouxe ao Brasil informaes novas sobre a vanguarda franco-germnica da poca, 1como Stockhausen (1928-2007), Boulez (1925), Cage (1912-1992), Schaeffer (1910-1995), Kagel (1931-2008), Nono (1924-1990), Berio (1925-2003), Maderna (1920-1973), e outros. Como um dos fundadores do Festival Msica Nova, Mendes est athoje atento s propostas da msica mais recente. Ele assume um posicionamentoecltico que caracteriza a tendncia identificada por alguns autores das Cincias
1Chamamos aqui de vanguarda franco-germnica a msica referenciada em Boulez e Stockhausen quefoi, por sua vez, desenvolvida na esteira das revolues musicais levadas a cabo pela msica de Debussy(1862-1918), Liszt (1811-1886), Wagner (1813-1883) e a Segunda Escola de Viena. No Brasil, essavanguarda influenciou fortemente os compositores da gerao que se seguiu a Villa-Lobos (1887-1959).Com a chegada do compositor alemo Hans-Joachim Koellreuter (1915-2005) ao Brasil em 1937 asnovidades da msica serial encontraram um campo frtil na mente de compositores que influenciaramgeraes, no s por sua atuao como msicos, mas tambm como professores. Esse foi o caso deGilberto Mendes. Na sua viagem a Darmstadt, ao principal festival de msica nova do ocidente, ocompositor santista testemunhou o centro da revoluo musical que se processava na Europa dos anos50. A caravana de compositores que participou dessa viagem contava com Willy Corra de Oliveira e
Rogrio Duprat. Todos voltaram ao Brasil com a sensao de que deveriam fazer uma msica diferente daque tinham acabado de ouvir em Darmstad, mas que no poderia seguir os ditames do nacionalismoestabelecido pela produo de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e pela orientao de Mrio de Andrade(1893-1945) atravs de Camargo-Guarnieri (1907-1993) e Francisco Mignone (1897-1986). Em tornodessas duas propostas a nacionalista com seu olhar voltado para o folclore e para a msica comunicativaao senso comum da tradio ocidental ps-romntica; e a vanguardista, que se valia das tcnicas decomposio serial, da aleatoriedade, do teatro musical e do happening oscilou a produo musicalerudita do Brasil da segunda metade do sculo XX e do comeo do sculo XXI (ver referncia s duasnotas prximas notas).
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
5/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus76
Sociais como ps-modernista. Essa fase teria se iniciado na dcada de 1970,
(HARVEY, 1989) quando uma nova mudana de paradigma no seio da composio de
vanguarda comeou a apontar para possibilidades abandonadas em meados do sculo
XX, quais sejam o novo tonalismo e os discursos musicais tradicionais, que retornamno minimalismo, no ecletismo e em outras poticas que compem o espao de
experimentao da chamada Nova Msica.
Uma das caractersticas do ps-modernismo na obra de Gilberto Mendes
a divulgao, atravs de publicaes e gravaes, das obras escritas na juventude e
por ele mesmo proscritas aps sua ida aos festivais de Darmstadt. Desse grupo
fazem parte as 13 peas para piano de onde retiramos a de nmero 4 de que trata
este artigo.
Podemos falar em uma reao pacfica ao uso exclusivo e dogmtico deelementos da vanguarda dos anos 50-60, como o serialismo estrito, o
estabelecimento do novo como uma condio pr-categorial, e a instaurao de
modelos complexos baseados na matemtica para a estruturao da composio.
Nossa hiptese a de que esta reao teria levado alguns compositores
contemporneos no s a utilizar elementos musicais desconsiderados pela
vanguarda de raiz franco-germnica, como tambm a aceitar a execuo e veiculao
de obras escritas durante a vigncia tcita dessa vanguarda que, no entanto, no
empregavam tais restries. Em nosso caso, a obra analisada que transcrevemos exatamente de 1950, poca em que o compositor contava 28 anos. Assim, o
descompasso desta obra em relao aos experimentos musicais vanguardistas acabou
sendo um dos motivos para que, em uma diferente poca, o compositor voltasse a
permitir a sua divulgao. De fato, seu estilo de composio se volta hoje sem
preconceito para esses materiais tradicionais antes abandonados, fazendo conviver
lado a lado as tcnicas composicionais da escola de Darmstadt e os elementos da
msica comercial, do jazz, do minimalismo e de outras fontes. (BUCKINX, 1994),
manipulaes que situam sua obra atual no contexto da ps-modernidade. (AGUIAR,
2007)
A Obra
As Peas para pianode Gilberto Mendes so em nmero de 13 no total e
trabalham com material musical muito diversificado. O violonista paulistano Edelton
Gloeden, interessado em participar de mostras da obra de Gilberto Mendes numa
poca em que o compositor santista ainda no havia ainda escrito uma obra para
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
6/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
violo, escolheu duas que poderiam se adequar s possibilidades do duo de violes.
Analisaremos mais detalhadamente a de nmero 4.
Chamamos a ateno para um aspecto da msica de Gilberto Mendes que o
destaca das duas correntes estticas predominantes na msica brasileira de sua
poca. A abordagem de materiais estticos divergentes, registro de seu constante
contato com a msica ideologicamente orientada pelo grupo de Cludio Santoro e
de seu estudo das partituras da Neue Musik.2
Aps um exame da partitura, optou-se por um procedimento de transcrio
utilizado, dentre outros, por Miguel Llobet em suas realizaes para duo de violes
que obedeceu, basicamente, aos seguintes princpios:
1. As partes (vozes) devem ser dividias de maneira equnime.
2. O cruzamento entre as partes deve ser evitado. Esse um risco constante nas
transcries de msica de teclado para violo ou duo de violes.
3. Digitaes fixas devem ser estabelecidas na busca de timbres que disfarcem os
cruzamentos inevitveis entre as partes.3
4. Timbres devem ser explorados com um sentido de orquestrao.4 Esse item
est prescrito na digitao assinalada da transcrio.
Outra possibilidade o livre-arbtrio dos intrpretes na escolha dos timbres
da mo direita, os quais preferimos deixar em aberto. Havendo repeties, a mo
2Apresentando suas obras no sabemos at o momento quais para a clebre pianista Anna StellaSchic, Mendes foi por ela acusado de cosmopolitismo decadente, saindo do encontro com ela bastante
desestimulado. Esse desestmulo, no entanto, lhe serviu tambm de impulso para que buscasse um contato
com os materiais folclricos brasileiros que no pde ter na Santos cosmopolita dos seus anos dejuventude, no que foi auxiliado por Oneyda Alvarenga. As obras dessa fase misturam seu cosmopolitismo
decadente, na viso de Schic, com procedimentos harmnicos encontrados na msica de Debussy, Bartk
e no jazz norte-americano. Algumas obras dessa fase so as canes Episdio, Lagoa, Lamento, a Sonata parapiano, de 1953 e os Preldios de 1 a 5, tambm para piano, compostos entre 1945 e 1953. H tambm
uma sequncia de Estudos para instrumentos solistas (fagote, obo, violino e clarineta, todos de 1954). AsPeas para piano de nmeros 1 a 13, das quais extramos a de que tratamos agora pertencem exatamentea esse perodo, compostas entre 1949 e 1952. (ALESSIO, 2007, p.18-19)
3Esclarecemos que, apesar de nossas sugestes, o estabelecimento de digitaes deve ser algo deixado a
cargo de cada violonista em particular, uma vez definida a compreenso da obra.
4[...] pero a pesar de su profunda admiracin por Trrega, su maestro, el sentido esttico de Llobet no
era el mismo; difera por razones de natural concepcin, diferencias de edad y circunstancias de ambiente.
Y mientras Trrega, enamorado de la pureza del cuarteto clsico en su homognea variedad, hubierahecho de las seis cuerdas de su instrumento una sola unidad, Llobet atrado por la diversidad de timbres
de la orquesta, hubiera hecho de cada cuerda una guitarra distinta. (PUJOL, 1960, p. 140)
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
7/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus78
direita trabalha na escolha desses timbres, explorando de sul tasto (parte da corda
prxima ao espelho) a sul ponticello(parte da corda prxima ao cavalete) e diferentes
ngulos de ataque.
A Pea para piano n. 4se caracteriza como um pequeno divertimento onde
fragmentos de quatro compassos so repetidos, lembrando a quadratura clssica.
Optou-se na transcrio por colocar a repetio num segundo violo, estabelecendo
um dilogo entre os instrumentos nas repeties de frase, o que no previsto no
original pianstico. O incio da pea assume seu dilogo com a msica tradicional,
apresentando uma melodia na mo direita baseada nos intervalos bsicos do modo
drico em l com acompanhamentos de acordes da mo esquerda.
Figura 1: Primeira pgina da Pea para Piano n. 4, de Gilberto Mendes
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
8/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Figura 2: Compassos iniciais da transcrio para dois violes de Edelton Gloeden.
Outro exemplo de como possvel que um cruzamento de vozes possa ser
compensado pela espacializao do material musical distribudo em dois violes
dado no compasso 25, onde o tema evocado em meio a uma figura de arpejo.
Figura 3: Compassos 19-28 do original para piano.
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
9/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus80
Figura 4: Compassos 22-28 (transcrio).
A melodia dos compassos 25 e 26 repete o material da segunda metade da
frase de abertura da pea. Aqui ela aparece como um recorte do tema inserido antesdo motivo rtmico contrastante.
A partir do compasso 47, um novo elemento meldico de corte francs
acompanhado de acordes paralelos. Neste trecho foi possvel uma transcrio mais
literal, alternando o violo solista em cada reapresentao da melodia.
Figura 5: Novo tema no compasso 47 (original).
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
10/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Figura 6: Novo tema no compasso 47 (transcrio).
Novos ajustes de oitava se fizeram necessrios em outros trechos, como no
compasso 57:
Figura 7: Compassos 55-59 (original).
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
11/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus82
Figura 8: Compassos 55-59 (transcrio).
Finalizando, exemplificamos uma figura descendente que aparece nos
compassos 65 e 70, cuja soluo foi ligeiramente mais complexa. Um si bemol3
sustentado contra um pedal de si bemol2 nos contratempos. Uma escala diatnica de
r bemol (de r a mi bemol) ouvida em oitavas, na mo esquerda do piano. Para a
transcrio, optou-se por eliminar a oitava grave que seria impossvel de se obter.
Restou a necessidade da nota final, mi bemol, que se encontra fora da tessitura
normal do violo.
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
12/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Figura 9: Compasso 70 (original).
Ao primeiro violo desta transcrio foram destinadas propositadamente as
figuraes mais agudas da obra, j tendo o transcritor pensado especificamente nesse
trecho. Isso exonerou o uso da sexta corda, que ento pode ser afinada em mi
bemol, como objetivo de completar esta escala descendente. Essa opo do
transcritor exige um trabalho extra de unificao de dinmica e timbre por parte do
duo, j que se trata de uma s frase que deve ser ouvida sem a quebra caracterstica
da mudana de instrumento.
Figura 10: Compasso 70 (transcrio).
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
13/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus84
Consideraes finais
A Pea para piano n. 4utiliza uma linguagem musical que pode ser transposta
de um instrumento a outro, dentro de certas condies. Dados os procedimentos
analisados aqui, o resultado final (que s pode ser realmente presenciado em uma
audio ao vivo ou em uma gravao) nos coloca a questo da validade da transcrio
para os objetivos aos quais ela pensada, ou seja, expandir o repertrio na ausncia de
obras escritas em determinados estilos e correntes estticas e conferir novas
possibilidades sonoras em relao ao original.
Procurou-se, na transcrio desta obra, um engajamento com a tradio da
transcrio para violo atravs da utilizao e normatizao de procedimentos
consagrados pela herana histrica, procedimentos esses que foram escolhidos e
orientados por uma potica de releitura da obra. O ato da transcrio se justifica,
assim, no somente por uma busca pela expanso de repertrio, mas tambm pela
possibilidade de que outras roupagens sonoras acrescentem algo obra.
Na poca em que esta transcrio foi realizada, Gilberto Mendes no havia
escrito ainda nenhuma obra para violo solo, lacuna que foi preenchida pela obra
Preldio e quase passacaglia, de 2001. Enquanto os violonistas aguardam novas
composies para violo de Gilberto Mendes, essas transcries podem auxili-los a
travar contato com uma das facetas desse que reconhecidamente um dos maisimportantes compositores brasileiros. Contamos, importante frisar, com a
aprovao do prprio Mendes para essa transcrio, assim como a Pea para piano n.
10, tambm transcrita por Edelton Gloeden para duo de violes.
Finalmente, deixamos ao leitor (e ouvinte) a deciso final quanto questo
da validade da transcrio e do dilema que ela estabelece entre os mundos sonoros
oferecidos na relao com o original. Uma transcrio, por mais idiomtica que seja,
apresenta um dilema de interpretao ao constituir-se em uma forte interveno do
intrprete em uma obra musical, muitas vezes de maneiras no imaginadas pelo seuautor. Acreditamos que a tenso estabelecida por esse dilema seja a prpria fonte da
riqueza do procedimento, que explicaria a longevidade da transcrio.
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
14/15
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . GLOEDEN; MORAIS
opus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Referncias
AGUIAR, Beatriz Alessio de. Os sete estudos para piano de Gilberto Mendes. So Paulo,2007. Dissertao (Mestrado em Msica) Escola de Comunicaes e Artes Universidade de So Paulo.
BUCKINX, Boudewjn. O pequeno pomo ou a histria da msica do ps-modernismo.Trad. lvaro Guimares. So Paulo: Giordano / Ateli Editorial, 1998.
CAMARGO, Guilherme de. A guitarra do sculo XIX em seus aspectos tcnicos eestilstico-histricos a partir da traduo comentada e anlise do Mtodo para Guitarra,
de Fernando Sor. So Paulo, 2005. Dissertao (Mestrado em Msica) Escola deComunicaes e Artes Universidade de So Paulo.
HARVEY, David. Condio ps-moderna. So Paulo: Loyola, 1989.
MORAIS, Luciano Csar. Srgio Abreu: potica e herana histrica atravs de suastranscries para violo. So Paulo, 2007. Dissertao (Mestrado em Msica) Escola deComunicaes e Artes Universidade de So Paulo.
PUJOL, Emlio. Trrega: ensayo biogrfico. Lisboa: Ramos Alfonso & Moita, 1960.
-
5/26/2018 OPUS 14 2 Gloeden Morais
15/15
Intertextualidade e transcrio musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus86
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Edelton Gloeden um dos mais destacados violonistas brasileiros da atualidade. Tem atuadocomo solista, camerista e em concertos com orquestra por todo o Brasil, Estados Unidos eEuropa, merecendo destaque suas recentes tournes por diversas cidades americanas eeuropias como integrante do Quarteto Brasileiro de Violes. Realizou inmeras primeirasaudies mundiais de obras de compositores brasileiros e tem gravado vrios CDs comdistribuio nacional e internacional. Em 2001 recebeu o Prmio Carlos Gomes na categoria
Solista Instrumental. professor no Departamento de Msica da Escola de Comunicaes eArtes da Universidade de So Paulo - USP e presena constante nos mais importantes festivaisde msica em todo o Brasil.
Luciano Morais violonista formado pela Universidade de So Paulo em 2001. Temrealizado gravaes e recitais como solista e membro de grupos de cmara, destacando-se oTrio/Quarteto Ibir. mestre em musicologia pela ECA-USP com a dissertao intitulada"Srgio Abreu: Sua Potica e sua herana histrica atravs de suas transcries para violo".Professor da Universidade Cruzeiro do Sul de 2002a 2009.