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Publicado em Meio Ambiente: questões conceituais. Niterói, UFF/PGCA-Riocor, 2000, pp. 123 –
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ONGS E MOVIMENTOS SOCIAIS: A QUESTÃO DE NOVOS
SUJEITOS POLÍTICOS PARA A SUSTENTABILIDADE
Selene Herculano [email protected]
www.professores.uff.br/seleneherculano
Introdução
As Organizações NãoGovernamentais – ONGs - e os Movimentos Sociais têm
se apresentado no cenário brasileiro como alternativas de exercício de cidadania e
como atores políticos necessários para se alcançar o desenvolvimento sustentável,
aquele que promoveria a um só tempo justiça social e equilíbrio ambiental. Sendo
organizações movidas pelo interesse público e sem fins lucrativos, ONGs e Movimentos
representam um lado da Sociedade Civil que está em contraposição ao mundo da
produção que, de mãos dadas com o Estado, tem sido protagonista até aqui de um
crescimento econômico desigual, socialmente injusto e degradador do meio ambiente.
Focalizaremos neste artigo a origem e os diferentes significados socialmente
construídos, relativos a estes dois conceitos centrais ao estudo do associativismo:
“ONGs (organizações nãogovernamentais)” e “Movimentos Sociais”, no que diz respeito
à temática do meio ambiente e ao papel que nele têm buscado desempenhar, o do
exercício diferenciado de uma cidadania ampliada.
Quem transita entre os ambientalistas e outros ativistas sociais (movimentos de
moradores, de mulheres, de etnias, etc.), ouve-os ora se autoreferirem como "ONGs"
(organizações nãogovernamentais), ora como "movimentos". De onde surgiram e o que
significam tais termos? Há diferenças entre um e outro? Quais? Que implicações tais
diferenças trariam em termos de ações de cidadania? Como pensar sua relação com o
Estado e as parcerias que começam a surgir?
Embora o campo ambientalista incorpore também o oficial - que é formado no
Brasil pelos organismos estatais de meio ambiente que integram o Sistema Nacional de
Meio Ambiente (SISNAMA) – além do ambientalismo civil, formado por associações
voluntárias diversificadas e com diferentes graus de organicidade, este artigo versará
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apenas sobre o campo da sociedade civil, integrado por diferentes tipos de
organizações:
1) um associativismo de cidadãos, que engloba desde as associações ambientalistas strictu sensu, sejam elas conservacionistas ou preservacionistas, em defesa de florestas, áreas verdes, animais e ecossistemas, incluindo também as associações de excursionistas, de amantes da natureza, etc., até as associações de moradores que reivindicam qualidade de vida urbana. Enquanto nos Estados Unidos e em outros países este associativismo é pujante, ligando centenas de milhares de pessoas (em alguns casos, milhões) a cada associação e movimentando milhões de dólares, no Brasil as associações ambientalistas costumam ser pequenas (na casa das poucas dezenas de filiados), com baixo grau de organicidade ou apenas mínimamente formais (têm estatutos, mas não têm recursos financeiros nem sede, vivenciando ainda uma situação de precariedade de equipamentos fundamentais de comunicação - telefone, fax, computador – e funcionando em escolas, clubes, universidades, às custas de equipamentos e material particulares, cedidos pela diretoria militante, diretoria ou coordenadoria, frequentemente mais extensa que o número de seus ativistas filiados). Ou então são totalmente informais e fluidas, constituídas por grupos de alunos e grupos de vizinhança, que surgem engrossando manifestações públicas episódicas e pontuais.
2) Os institutos e fundações, com mais organicidade, são formados por profissionais predominantemente apoiados política e financeiramente por outros institutos e fundações de âmbito internacional; podem ser formal ou informalmente ligados a partidos políticos ou a igrejas, a federações sindicais, estar em simbiose com gabinetes parlamentares nacionais, ou serem fundados por profissionais egressos de organismos de governo. Têm uma ação pedagógica, atuando como assessoria à cidadania e como instrumentos de pressão, firmando-se como interlocutores competentes diante do Estado e da imprensa, em favor de políticas públicas diretamente ambientalistas ou em consonância com políticas ambientalistas. Exemplos: Funatura, Fundação Onda Azul, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Sócio-Ambiental, e ONGs de assessoria a movimentos populares, tais como ISER, FASE, IBASE, etc.
3) Outros movimentos sociais sintonizados com a temática ambientalista, quase sempre de mais alta organicidade e institucionalidade. No caso brasileiro, podemos citar como interfaces sociais do ambientalismo as seguintes entidades: o Conselho Nacional dos Seringueiros, cuja defesa do extrativismo da borracha e da castanha se harmoniza com a defesa da Floresta Amazônica, ou o Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens, que, ao questionar o Plano Hidrelétrico Brasileiro, construiu uma agenda com pontos em comum com a agenda dos ambientalistas, inclusive nas críticas às irracionalidades do modelo de desenvolvimento que vem nos (des)orientando. E ainda movimentos mais institucionalizados, como o indígena, o negro e de mulheres, que invocam a cultura silvícola, a essência da natureza feminina e da religiosidade negra como evidências da convergência natural destes atores sociais com as pol íticas ambientalistas.
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A construção das identidades dos ambientalistas como ONGs ou como
associações e/ou movimentos guarda traços de ambiguidade. Entre os norte-
americanos e os europeus, por exemplo, os três tipos acima são definidos como
“ONGs”, indistintamente. No Brasil, as entidades que se encaixam no perfil da segunda
categoria se autodefinem como ONGs, chamando aos demais de “movimentos”. O
critério divisor é o da competência e da institucionalidade. Todavia, os cidadãos
associados, não importa se poucos e se informais, buscam também se definirem como
“ONGs”, assim disputando espaços de influência e também de parcerias com os órgãos
de Estado, implicitamente recusando tal critério divisor.
Tentaremos esclarecer a ambiguidade do termo “ONGs” analisando seus três
significados. ONGs podem ser:
1) Entidades do Primeiro Mundo, que captam recursos para o Terceiro, viabilizando políticas de solidariedade. São as ECF (entidades internacionais de co-financiamento), que buscam carrear recursos para a execução de programas de ação do Terceiro Mundo. São às vezes apodadas, não sem certa mordacidade, como Trangos (ONGs transnacionais), Quongos (quase ONGs) ou Bingos (big, grandes ONGs). 2) Institutos e fundações do Terceiro Mundo, que recebem tais recursos da rede de solidariedade das ONGs do primeiro Mundo, e que buscam o desenvolvimento social, a animação e organização de atores políticos coletivos. Seriam as APDs ou SMPs (associações privadas de desenvolvimento ou a serviço do movimento popular). 3) As associações civís de cidadãos independentes, em torno de questões de interesse público.
ONGs: o conceito e sua história:
As conferências da ONU e sua divulgação pela imprensa consagraram no
mundo todo as ONGs - organizações não-governamentais - e seus fóruns
internacionais de cidadãos, fazendo contraponto e crítica à fala oficial dos governos. O
próprio mundo das ONGs tem produzido uma literatura dedicada a definir seus próprios
contornos, características, objetivos e estratégias. Assim é que, dentre outros,
Fernandes (1994) e a Civicus (1995)1 tratam da emergência de uma Sociedade Civil a
qual denominam como um Terceiro Setor, algo que nem é o Estado, nem é o mercado:
é um setor privado mas público, formado por institutos, associações, fundações e
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filantropias empresariais, cujo motor comum é o interesse público e a construção do
bem comum e cuja organização almejaria a construção de uma "sociedade civil
planetária", transnacional.
Na retórica das ONGs/APDs brasileiras, este Terceiro Setor referia-se
inicialmente a uma Sociedade Civil marcada predominantemente pelo confronto e pela
oposição ao Estado. Assim Betinho (o sociólogo Herbert de Souza,fundador da ONG
Ibase) acentuava a oposição entre a planície - a sociedade civil, o povo - e o
planalto2, o governo: haveria um mundo pujante, dinâmico e transformador, que seria
o mundo da planície, da Sociedade Civil, a se contrapor ao Estado, o mundo oficial, ao
planalto, pesado, paquidérmico e perigoso:
"Enquanto o governo federal tenta destruir o Brasil e a democracia por cima, a
sociedade reconstrói pela base, ocupando os espaços sociais, políticos,
econômicos e culturais das cidades, onde afinal vive e mora todo mundo".
(Herbert de Souza, Publicação CEBEP, mar/abr 92)3
"A luta pela democracia, porém, continuou pela Nova Constituição, o
Movimento pela Ética na Política, o impeachment, a CPI da Corrupção, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. O fundamental foi que tudo isso
aconteceu por pressão da sociedade, da planície. No poder ainda mora o perigo.
Na planície é que cresce e se consolida a democracia, essa que muda o rumo das
coisas, que tenta enterrar a senzala e libertar definitivamente os escravos de nossa cultura, de nossa economia e da política." (Souza, 1994)4
Neste tipo de retórica, o Estado se confunde com o governo, algo assemelhado
à máquina parasitária bonapartista criticada por Marx, enquanto a sociedade, por
oposição, é algo local, portanto não apenas mais concreto, mas melhor, por tender
essencialmente a ser mais democrática:
As ONGs, tanto quanto os Movimentos Sociais são também auto-definidos
como
1World Alliance for Citizen Participation (Aliança Mundial para a Participação dos Cidadãos), lançada em 1993 em Barcelona. 2Alusão ao planalto central brasileiro, onde fica Brasília. 3Cebep: Centro Evangélico Brasileiro de Estudos Pastorais, Publicação número 7 página 5: "A Conjuntura dos Movimentos Populares" 4Herbert de Souza, o Betinho, no artigo "Pinochet nasceu no Brasil", Jornal do Brasil, 26/3/94; ver também "A Planície vai guiar o Planalto", carta de Herbert de Souza ao jornalista Castello Branco, reproduzida pelo Jornal do Sintaerj, ago/93.
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"espaços públicos por fora da esfera do Estado, responsáveis pela instituição de novos valores, normas e padrões de comportamento que questionam profundamente o atual modelo de desenvolvimento" e que por isso "são hoje, talvez, os atores potencialmente mais capazes de romper com a lógica individualista e predatória". (Fórum das ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, 1992)
Mas, o que são exatamente as ONGs? Qual a sua história? O que é e o que
não é ONG? Vejamos a seguir a construção do seu significado no contexto
internacional, onde foram gestadas, e no contexto nacional.
No contexto brasileiro, foi a partir da UNCED/CNUMAD5 e suas conferências
paralelas, organizadas estas últimas por iniciativas da sociedade civil e das "ONGs, que
a sigla começou a se popularizar entre nós, passando a ser, atualmente, uma palavra
cotidiana e corriqueira na nossa imprensa.
Assim, as ONGs surgiram no contexto internacional: o termo "ONG -
organizações não-governamentais" - vem do vocabulário da ONU (a Ata de Constituição
da ONU o menciona em seu artigo 71, ao estabelecer que seu Conselho Econômico
Social - ECOSOC - poderia fazer acordos adequados de consultoria com organizações
não-governamentais). É, segundo Castillo (1982), um conceito genérico, que pode se
referir a centros de pesquisa, partidos, organizações sindicais, igrejas, associações
profissionais, universidades, órgãos de setores populares, entidades de cooperação
financeira internacionais ou localizadas no terceiro mundo e dedicadas específicamente
a promover e realizar projetos de desenvolvimento. "Uma definição tão ampla incluiria
até mesmo a Ku-Klux-Klan", criticou o Ministro do Exterior holandês, em 1979. O termo
ONG foi definido como "a broad umbrella for a kaleidoscopic collection of organizations"
e também como "um novo profissionalismo". (Cernea, 1988)
Trangos, Quongos e Bingos
Para Nerfin, "há ONGs e ONGs", isto é, há as que servem verdadeiramente à
causa da emancipação popular, bem como há aquelas que estão contentes em fazer
parte do sistema de implementação de um desenvolvimento que não é questionado,
que querem é "sua ração no caldeirão das verbas" e que têm práticas que misturam
"paternalismo, subserviência e corrupção à humilhação e mentiras para sua
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autopreservação". Segundo Nerfin (1991), haveria cerca de 12.000 ONGs ligadas ao
sistema das Nações Unidas. As ONGs do ECOSOC da ONU são descritas pelo autor
como um "saco de gatos", obsoletas e improdutivas; as do Departamento de Informação
Pública, também da ONU (336, segundo dados citados por Castillo para 1980) são
definidas por Nerfin como "correia de transmissão da cultura intergovernamental, que é
destilada de cima para uma opinião pública vista como um receptor passivo ou como
algo a ser mobilizado".
As ONGs de cooperação para o desenvolvimento surgiram a partir da criação
do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas): são as ONGs do Norte,
TRANGOs, segundo o autor, pois são transnacionais que lidam com um fluxo de ajuda
Norte-Sul da ordem de bilhões de dólares. Segundo Cernea, do Banco Mundial, a ajuda
das ONGs para o dito Terceiro Mundo havia aumentado de 0,9 bilhões de dólares em
1970 para 1,4 bilhões em 1975 e 4 bilhões em 1985; segundo Assumpção (1993:9),
entre 1960 e 1980 houve um aumento de 68% na ajuda externa para o terceiro mundo,
através de agências não-governamentais de países europeus, do Canadá e dos
Estados Unidos: de 2,8 bilhões para 4,7 bilhões de dólares (dólar de 1986); segundo
Nerfin, a ODA - Official Development Assistance - teria totalizado 55 US$ bilhões para o
biênio 1988-896. São recursos que, observa Nerfin, acabam retornando aos doadores
na forma de custo de especialistas, pagamento de produtos, serviços, estudos, etc.
Segundo Onorati (1991), há ONGs européias, que ele define como "quase
ONGs" - QUONGs - que foram criadas por instituições tais como as Igrejas, os partidos
políticos e as centrais sindicais, para movimentar as cotas mais relevantes da ajuda
pública para o desenvolvimento, proveniente dos governos e que saem dos impostos
dos cidadãos. Há as BINGOs (big ONGs), com orçamentos de centenas de milhões de
dólares, com ligação direta com bancos, governos e mass media, com uma visão
assistencialista e uma ação de sustentáculo dos grandes partidos políticos europeus.
Há ainda, na tradição cultural de países europeus, o sistema de fund raising para fins de
caridade. Onorati denuncia, sem citar exemplos, as vantagens desta cooperação do
5 United Nations Conference on Environment and Development/Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. 6 De acordo com relatório de Agneta (1991), havia naquele ano 19 ONGs italianas que trabalhavam com 48 projetos de ONGs brasileiras de desenvolvimento, desde que começou a cooperação Brasil -Itália, em 1980. A dotação de recursos, contudo, da Itália para o sul em geral, baixava: de 174,3 bilhões de liras em 1980, para 136,5 bilhões em 1990.
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norte com o sul, que, nos dois hemisférios, acaba por beneficiar camadas restritas,
minoritárias e parasitárias, reforçando os instrumentos de acumulação e de controle.
Em 1960 foi assinada a convenção de criação da OECD (Organization for
Economic Cooperation and Development), que se efetivou a 30/9/61, para promover
políticas de garantia de crescimento econômico e crescente elevação de padrão de vida
aos seus membros (de início 20 signatários). Em torno dela várias ONGs surgiram e
outras a ela se vincularam: o Catálogo da OECD para 1991 arrolava 457 ONGs,
dedicadas a linhas de solidariedade: pão para o mundo, médicos, engenheiros e
veterinários sem fronteiras, centros de educação sanitária, de tecnologias agrícolas, de
rede de água, redes e centros de desenvolvimento, auxílio a idosos, a crianças, pelo
desenvolvimento das mulheres, de alívio à pobreza, associações cristãs de
solidariedade, sem teto, centros de apoio à África, etc. As ONGs para o meio ambiente
começaram a aparecer a partir da segunda década de 80, predominantemente.)
ONGs ambientalistas de escala mundial
Algumas das mais antigas e mais ricas das ONGs ambientalistas que constam
desde catálogo da OECD são:
Q1- AS GRANDES ONGS AMBIENTALISTAS:
Organizações Ano de criação
País Orçamento em US$, 1990
World Wildlife Federation - WWF
1951 Suíça 60 milhões
Audubon Society 1905 EUA 44 milhões
The World Conservation Union - IUCN
1948 Suíça 33 milhões
World Wide Fund for Nature 1963 Austria 2 milhões e 638 mil
Amici dello Stato Brasiliano dell’ Espirito Santo
1966 Itália 2 milhões e 514 mil
World Nature Association 1969 EUA 2 milhões
Rainforest Action Network 1985 EUA 1 milhão, 150 mil
Africa 70 197I Itália 1milhão e 879 mil
Center for Our Common Future - COCF
1988 Suíça 1.296 mil
Royal Forest and Bird Protection of New Zeland
1923 Nova Zelândia
894 mil
Amis de la Terre 1970 FR 367 mil
Common Wealth Human Ecology Council
1969 UK 85 mil
Fonte: Directory of Non-Governmental Environment and Development Organisations in OECD Members
Coubntries. Geneve, OECD, 1992.
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Os Estados Unidos arrolam, como suas maiores ONGs ambientalistas as que se
seguem no quadro abaixo:
Q2- AS MAIORES ONGS AMBIENTALISTAS LOBISTAS NOS EUA:
ONGS LOBISTAS , que atuam no Congresso, por políticas ambientais
ANO DE FUNDAÇÃO
ASSOCIADOS EM 1960
ASSOCIADOS EM 1990
ORÇAMENTO EM 1990 (milhões US$)
Sierra Club 1892 15.000 560.000 35,2 National Audubon Society 1905 32.000 600.000 35,0
National Parks & Conservation Association
1919 15.000 100.000 3,4
Izaak WaltonLeague 1922 51.000 50.000 1,4
The Wilderness Society 1935 10.000 370.000 17,3 National Wildlife Federation
1936 - 975.000 87,2
Defenders of Wildlife 1947 - 80.000 4,6
Environmental Defense Fund
1967 - 150.000 12,9
Friends of the Earth 1969 - 30.000 3,1
Natural Resources Defense Council
1970 - 168.000 16,0
Environmental Action 1970 - 20.000 1,2
Environmental Policy Institute
1972 s.a. s.a. 1,2
Total: 12 123.000 3.103.000 217,3
Fonte: Mitchell, Mertig e Dunlap, 1992
Q3- GRANDES ONGS DE AÇÃO DIRETA NOS EUA:
ONGs NÃO-LOBISTAS, de ação direta e construção de apoio mútuo
ANO DE FUNDAÇÃO ASSOCIADOS EM 1990 ORÇAMENTO EM 1990(MILHÕES DE US$)
De Ação Direta: Greenpeace USA 1971 2.300.000 50,2
Sea Shepherd Conservation Society
1977 15.000 0,5
Earth First! 1980 15.000 0,2
Preservacionistas: Nature Conservancy 1951 600.000 156,1
World Wildlife Fund 1961 940.000 35,5
Rainforest Action Network 1985 30.000 0,9
Rainforest Alliance 1986 18.000 0,8
Conservation International 1987 55.000 4,6 Contra Dejetos Tóxicos
Citizen's Clearinghouse for Hazardous Waste
1981 7.000 0,7
National Toxics Campaign* 1984 100.000 1,5
League of Conservation Voters 1970 55.000 1,4 Sierra Club Defense Fund 1971 120.000 6,7
Earth Island Institute 1982 32.000 1,1
Total: 13 4.287.000 260,2
Fonte: Mitchell, Mertig e Dunlap, 1992 (apud Gifford, 1990)
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As ONGS do Terceiro Mundo: APDs, CDs, SMPs; as ONGS/ SMP no Brasil
As ONGs do Terceiro Mundo, recebedoras dos recursos das Trangos, Quongos
e Bingos, foram definidas por Castillo como APDs - associações privadas de
desenvolvimento - entidades genéricas que na América Latina se denominaram "centros
de desenvolvimento", na África "entidades de animação" e na Ásia "organizações
voluntárias". Landim, para sublinhar sua especificidade e sua diferença em relação às
ONGs em geral (Trangos, Quongos e Bingos), as denomina por SMP, "a serviço do
movimento popular".
Estas ONGs/APDs ou SMP caracterizar-se-iam por serem entidades não-
públicas; por atuarem dentro dos marcos do sistema, contando com personalidade
jurídica e reconhecimento legal; por não terem fins lucrativos; por terem atividades
orientadas em favor do desenvolvimento participativo e em benefício de pessoas e
grupos distintos dos seus próprios membros. Buscariam melhorar as condições de vida
dos setores populares, a satisfação de suas necessidades básicas ou, mais além, a
transformação total das estruturas econômicas e sociais existentes.
"As ONGs que entram no campo do desenvolvimento, elas se marcam no sentido de dizer: 'nós não queremos emendar, queremos criar condições para o desenvolvimento'... A grande época em que tudo isso toma forma e consistência é nos anos 60, a grande época do desenvolvimentismo, quando se constituíram uma série de ONGs no Norte, de financiamento. Têm também instâncias ecumênicas, como o Conselho Mundial de Igrejas, que articula boa parte das igrejas do mundo inteiro... O desenvolvimento teria que passar através dos povos, teria que valorizar a participação dos povos, teria que ter um grau de autonomia muito grande. Era claro o distanciamento dessas entidades de base dos grandes projetos públicos de desenvolvimento... No começo, foi essa crença um pouco ingênua no desenvolvimentismo, de que o que faltava no Terceiro Mundo eram quadros técnicos, profissionais e recursos financeiros. Teve um sentido de apoio, de ir às causas e as causas eram vistas como falta de educação, de instrumentos par viabilizar a agricultura, recursos. Nesse sentido, não foi um assistencialismo. Esse mundo das ONGs não partiu de um pensamento comum: partiu de realidades múltiplas, diversas; o que têm em comum é a idéia de um serviço, de ajudar o surgimento dos movimentos. Essas agências não queriam dar dinheiro para comprar alimentação, mas ensinar o povo a produzir melhor. Havia por parte dos militantes um projeto de
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Terceiromundismo, de solidariedade internacional, uma terceira via, talvez". (J.P. Leroy, FASE, em entrevista à autora em janeiro de 1992).
Landim (1988) definiu este mundo como formado por "entidades que se
apresentam como estando a serviço de determinados movimentos sociais de camadas
da população oprimidas ou exploradas ou excluídas, dentro de perspectivas de
transformação social". Mais do que não-governamentais, essas entidades foram por ela
definidas como "anti-governamentais". Em sua listagem encontrou, em 1988, para o
Brasil, 1041 organismos, onde incluiu tanto as organizações de assessoria a serviço dos
movimentos populares (SMP) quanto os próprios movimentos e grupos mais informais.7
Para a autora, o mundo das ONGs é característicamente transnacional e seu objetivo é
a busca de espaço de cidadania e o desenvolvimento. Existiria, ainda, uma "gente das
ONGs", que "constrói textos, laços e idéias de forma capilar e cujo papel seria o de ser
o 'novo intelectual', 'comprometido', 'a serviço', em oposição ao 'intelectual acadêmico'".
Segundo Fernandes (in Landim, 1988) as ONGs do Terceiro Mundo remontam
aos anos 50 e apresentaram notável proliferação no Brasil na década de 1970; seus
membros provém das elçites intelectuais, com origens nas universidades, igrejas,
partidos e/ou organizações de militância de esquerda que tiveram "laços mútuos de
relacionamento" baseados em "experiências passadas comuns", sendo uma alternativa
ao "isolamento da academia". Para o autor, "os quadros das ONGs são membros das
elites e não perdem a sua familiaridade com as transações de alto nível". Nas relações
entre Estado e Sociedade Civil, as ONGs preferiram dar as costas ao Estado e atentar
para os poderes difusos que circulam nas bases da sociedade, em algo que lembra ao
autor o populismo russo em seu mote "vamos ao povo". (In Landim, 1988:11)
Neste sentido, as ONGs a serviço do movimento popular são assim definidas:
"organizações privadas não-empresariais, dedicadas à ação social no espaço público, em benefício de camadas excluídas da população". (Assumpção,1993)
ou
7Na sua tese de doutorado, apresentada ao UFRJ/MNA/PPGAS (Assumpção, 1993), Landim lista, de 1952 a 1991, 147 ONGs (Quadro 1); dentre estas, destaca 59 que participaram de eventos significativos do campo das ONGs/SMP (Quadro2) Na pesquisa de 1988, Landim listou 422 ONGs a serviço do movimento popular, 185 Ongs do movimento de mulheres e 403 Ongs do movimento ecológico, o que totalizava 1010 entidades sem fins lucrativos, trabalhando pelos chamados interesses difusos.
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"canais de articulação das classes médias na esfera pública, exercendo funções de tradução e de rearticulação dos interesses e demandas dos setores populares nas arenas institucionais de confronto e negociações sociais." (Oliveira Neto 1991:151, apud Assumpção)
As ONGs aproximariam teoria e prática, integrando intelectuais aos movimentos
sociais, promovendo participação popular no sentido de consolidar a sociedade civil.
Fernandes as define como "pequenos barcos no oceano social" e "pequenas ilhas que
se querem anunciadoras de um mundo melhor" (in Landim, 1988). Quanto ao seu estilo
de pensamento, seriam, segundo ele, "anarco-socialistas-liberais-conservadoras" e
manteriam suas características básicas - a autonomia e o anti-institucionalismo - ao
mesmo tempo em que se fortaleceriam através da existência de redes. Financiadas por
agências estrangeiras, não formariam um campo de paz idílica e sim um campo rico de
tensões difusas.
Elas seriam "microorganismos do processo democrático" (Souza, 1992:143),
"espécie de aparelhos para vocações políticas individuais, onde se manteria acesa a
chama da resistência, além de ser uma fonte de emprego, e onde o não fazer nome era
uma qualidade cultivada" (Assumpção, 1993: 3-4). Segundo Souza (Betinho), as ONGs
se definem pelo que não são: "não são Estado, Não são mercado nem instituições
clássicas do mundo religioso, acadêmico ou político". Foram uma "espécie de espaço
alternativo para a militância política", "em oposição ao Estado e de costas para o
mercado". Buscando "democratizar o mercado", submetendo-o ao controle democrático
da sociedade, e "democratizar o Estado, desprivatizando-o e restabelecendo seu
caráter público", as ONGs são definidas pelo sociólogo como "instituições
genéticamente anti-capitalistas"que recebem verbas do próprio Estado e/ou de
fundações internacionais.8
No Brasil, as ONGs/SMP, de assessoria, tanto quanto os Movimentos Sociais,
nasceram com uma posição reativa e crítica em relação ao Estado, identificando-o ao
poder executivo federal na sua roupagem autoritária e ditatorial. Há justificativas
históricas para tal viés anti-estatista, que acabou contaminando a perspectiva teórica a
respeito da relação Estado-Sociedade Civil, suas identidades e papéis, em uma
perspectiva de traços maniqueístas, ou seja, de um lado o mau Estado, do outro, as
boas ONGs representando a Sociedade Civil. ONGs e Movimentos Sociais têm
8Entrevista de Herbert de Souza a Solange Maria de Magalhães, para o Jornal Roda Viva, da ONG Roda Viva, dez/92
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construído um campo, o da Sociedade Civil, no qual se auto-definem como figuras
ilibadas, idealistas, competentes, frente a um Estado corrupto e incompetente.
" As ONGs são simplesmente atores sociais da sociedade civil, entre outros, trabalhando pela construção de sociedades democráticas, ou simplesmente sofrendo com a sua ausência... O campo das ONGs é a dimensão social do desenvolvimento (....) As ONGs brasileiras, em sua grande maioria, nasceram em função e em consequência da luta política da sociedade civil contra o regime autoritário que se implantou para servir ao grande capital, em 1964. Nascem contra o Estado e de costas ou à margem do mercado...A maioria das ONGs brasileiras nasce entre as décadas de 60 e 80 e se caracteriza por uma existência quase clandestina, ligada aos movimentos sociais de base, às Igrejas, aos movimentos sindicais e populares, executando tarefas fundamentalmente nas áreas de educação, saúde, habitação e consultoria a esses movimentos chamados 'populares' (leia-se sociedade civil pobre e reprimida) ...Vivem e sobrevivem graças à solidariedade internacional (a chamada cooperação internacional ao desenvolvimento), que chega através das ONGs do Norte que, por sua vez, repassam recursos, mobilizadas por razões humanitárias e de seus governos pressionados por sentimentos de culpa de quem se enriquece graças à desigualdade internacional...As ONGs brasileiras se desenvolveram, portanto, contra o Estado... mas não querem sua eliminação (pelo menos por agora), mas sua transformação, sua democratização...As ONGs brasileiras também não se sentem bem em sua relação com o mercado, em razão de seu caráter excludente, individualista, insensível aos argumentos democráticos e humanitários que devem iluminar a construção de uma nova sociedade...O Banco Mundial descobriu as ONGs. Elas eram honestas, competentes, pequenas, flexíveis e eficientes. Tinham todas as vantagens para substituir o Estado corrupto, incompetente, gigante, burocrático e ineficiente...O papel das ONGs na década de 90 é pura e simplesmente propor à sociedade brasileira, a partir de sua posição na sociedade civil, uma nova sociedade cuja novidade estará... na condição e qualidade universal de ser democrática...Definir e propor essa qualidade é o desafio específico, não exclusivo, que as ONgs devem responder para fazer jus à sua própria existência...Não basta não ter os vícios do Estado e do mercado, é necessário agora demonstrar para que servem as nossas idéias e virtudes. (Souza, Herbert, 1991) (destaques meus)
Arruda analisou a interação e colaboração entre ONGs e Banco Mundial como
uma conquista da pressão destas pela publicização e democratização das
atividades das instituições multilaterais. Esta pressão se configurou a partir de 1984,
quando se instituiu o GTONG – Grupo de Trabalho das ONGs sobre o Banco
Mundial, a partir da decisão das ONGs membros do Comitê de ONGs do Banco
Mundial de terem um perfil próprio. Assim, as ONGs chamaram a si um papel
advocatício, agindo como um canal, oferecendo acesso às informações do Banco
Mundial e transmitindo informações e análises em favor dos necessitados
(ARRUDA, 1995:37)
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Dentre as cerca de quatrocentas ONGs/SMP brasileiras, destacamos:
FASE: Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional, RJ, 1961 ISER - Instituto de Estudos da Religião, RJ, 1970
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, RJ, 1979
INESC: Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, Brasília, 1979
CEDAC: Centro de Ação Comunitária, RJ, 1979
CECIP: Centro de Criação de Imagem Popular, RJ, 1987
IDACO: Instituto de Desenvolvimento e Ação Comunitária; RJ, criado em 1988
Entidades ambientalistas brasileiras
Enquanto as ONGs a serviço do movimento popular (ONGs/SMP) têm alta
organicidade, o movimento ambientalista nacional, embora internamente diversificado,
tende a ter um outro perfil. Listamos a seguir algumas organizações ambientalistas
brasileiras de mais antiguidade e mais projeção política, com atuação em âmbito
nacional:
Q4- ENTIDADES AMBIENTALISTAS BRASILEIRAS FUNDADAS ENTRE 1970-1985:
CECNA - Centro de Estudos e Conservação da Natureza RJ 1970
FAMA - Federação das Associações Ambientalistas RJ 1971
AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural RS 1971 CDN - Campanha em Defesa da Natureza RJ 1972
ACAPRENA - Associação Catarinense de Preservação da Natureza SC 1973
CNFCN - Centro Norte-fluminense de Conservação da Natureza RJ 1977
SAPLAM - Sociedade dos Amigos das Praias e Lagoas de Maricá RJ 1978
APAN - Associação Paraibana de Amigos da Natureza PA 1978
APANDE - Associação Amigos de Petrópolis, Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa da Ecologia
RJ 1978
APROBO - Associação dos Protetores da Natureza dos Vales da Bocaina
MG 1978
AMDA – Associação Mineira de Defesa Ambiental MG 1978
ADEAM - Associação de Defesa e Educação Ambiental de Maringá PR 1979
ASPAN - Assoc. Pernambucana de Defesa da Natureza PE 1979
ARCA - Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente GO 1981
GAMBÁ - Grupo Ambientalista da Bahia BA 1982
Mater Natura PR 1983 Fonte: Herculano, 1994
Devemos também incluir entre as entidades ambientalistas influentes aquelas
que, em 1991, demonstraram a capacidade de informação e de organização para
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pleitearem obter cerca de 25 milhões de dólares como recursos que viriam de
mecanismos de conversão da dívida externa brasileira em projetos ambientais,
segundo Resolução 1840 do Banco Central):
Associação de Defesa da Juréia (Pró-Juréia), SP;
Fundação Biodiversitas, MG;
Fundação Brasileira de Conservação da Natureza - FBCN, RJ; Fundação Ecotrópica, RJ;
Fundação Nacional de Ação Ecológica (FNAE), Brasília (de Raquel Feldmann);
Fundação Pró-Natureza (Funatura), Brasília;
Fundação SOS Mata Atlântica, SP;
Fundação Movimento Onda Azul, Salvador;
Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE); Sociedade em Defesa do Pantanal (Sodepan), Campo Grande, MS;
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Curitiba; Sociedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais (Sopren), Belém;
União dos Defensores da Terra (Oikos), SP.
(Algumas destas atuando como canais de pressão junto às Cãmaras Legislativas,
trabalhando em sintonia com parlamentares, como a antiga Óikos, em São Paulo, e a União
dos Defensores da Terra e, mais recentemente, Os Verdes, no Rio de Janeiro.)
Destacamos também: a Fundação Vitória Amazônica – FVA, o Grupo de Trabalho
Amazônico – GTA, a Secretaria das Entidades Ambientalistas do Nordeste – SEAN, o
Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz, que se somam à
CUT, FASE e INESC na Coordenação do Fórum Brasileiro de Meio Ambiente e
Desenvolvimento. E ainda:: a Associação Ambientalista Bandeira Verde – AABV (PR,
1989); a Ação Democrática Feminina Gaúcha – ADFG, a partir de1991 transformada em
seção da Amigos da Terra; a Associação Matogrossense de Ecologia – AME-MT; a
Associação de Preservação do Alto Vale do Itajaí – APREMAVI (SC, 1987); o Conselho
Nacional de Desenvolvimento e Defesa da Amazônia - CNDDA; Conselho Regional de
Acompanhamento e Fiscalização Ambiental, CRAFA-EN (SP, 1989); Grupo de Ação
Ecológica – GAE (RJ); Grupo de Defesa da Natureza – GDN (RJ, 1988); Grupo de
Defesa Ecológica – GRUDE (RJ); Grupo de Recomposição Ambiental – GERMEN (BA);
Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais – IEA (PR e DF); Instituto Sócioambiental
– ISA (SP,1993); Movimento Cidadania Ecológica – MCE (RJ); Movimento
Conservacionista Teresopolitano – MCT (RJ); Movimento Ecológico Livre – MEL (SC);
Movimento Popular e Ecológico – MOPREC (SE); OS VERDES/Movimento de Ecologia
Social (RJ); Pró-Tamar – Fundação Centro Brasileiro de Pesquisa e Proteção à
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Tartaruga Marinha (ES, 1988); Sociedade Angrense de Proteção Ecológica – SAPÊ
(RJ); União Protetora do Ambiente Natural – UPAN (RS). Esta lista não é de forma
alguma exaustiva.
W. Berna, militante e estudioso da ambientalismo, dividiu o movimento em
“ONGs de combate”, que fazem denúncias ambientais e manifestações, e as “ONGs de
projetos e de assessorias”, de caráter mais profissional9. Tal classificação, inspirada na
análise de um “Ambientalismo Complexo”, de Viola e Boeira, provocou polêmica, mas
chama a atenção para um critério realista que marca o perfil das entidades
ambientalistas, que é a questão do profissionalismo e da competência técnica. Quais as
ONGs ambientalistas que dispõem de assessoria jurídica, técnica (topografia,
laboratórios, etc.), pessoal especializado/apaixonado, que possa dar dedicação total a
esta labuta?
Em linhas gerais, a ainda baixa organicidade do movimento ambientalista
brasileiro é contrabalançada pela alta escolaridade da sua militância (80,74% de suas
lideranças com nível superior de instrução), que trabalha predominantemente como
professores e pesquisadores de ciências naturais e humanas (76,7%), com uma forte
presença em órgãos do Estado. De 1992 até agora, ano 2000, com a maior
acessibilidade dos computadores e a disseminação progressiva da internet, algumas
entidades de combate ganharam foros de profissionais e, com isso, parcerias com o
Estado. Outras entidades mais institucionalizadas se alçaram aos cargos públicos do
SISNAMA (o que é encarado como uma vitória relativa, posto que os órgãos
ambientais oficiais têm, em linhas gerais, uma estrutura sucateada e carente de
recursos). Apesar da baixa organicidade e da quase ausência de recursos ser ainda a
sua realidade, as entidades ambientalistas – ONGS ou Movimentos, de combate ou
profissionais - são organizações relativamente influentes, na medida em que estão
próximas ou dentro do Estado e têm acesso à imprensa, para atuarem como
formadoras de opinião (HERCULANO, 1996).
Críticas feitas às ONGs e redefinições de seus papéis no Brasil e na comunidade
internacional
9 Jornal do Meio Ambiente, ju lho de 1996.
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As ONGs sofreram críticas da esquerda mais ortodoxa: para Petras (1990:67-
71), por exemplo, as ONGs eram intelectuais institucionalizados, que teriam uma vida
política vazia e estariam resguardados por programas em moedas fortes. Elas uniriam
uma crítica ostensiva do modelo econômico neoliberal ao comprometimento pelas
relações de dependência com redes de ultramar. Este mundo de centros de pesquisa
financiados a partir do exterior contrastava, segundo ele, com universidades e institutos
públicos arrasados. Para Petras, os intelectuais desses centros teriam sido
paradoxalmente beneficiados pelo aprofundamento das crises econômicas que
agudizaram a miséria, assim incrementando a preocupação política das agências
exteriores de financiamento. Em uma primeira onda, dedicaram-se às violações dos
direitos humanos e à crítica ao modelo econômico; numa segunda, aos novos
movimentos sociais: de etnias, de mulheres, de cidadania. Numa terceira onda,
estariam concentrados no estudo da dívida e no processo de democratização. Agora, na
quarta onda, seria a vez do ambientalismo.
Petras criticava as ONGs/APDs/SMP, ou Centros, como as designava, por
ignorarem a questão da luta de classes. Assim, teriam proclamado que os movimentos
sociais se contrapunham à política de classe e que seus esforços estavam muito
distanciados das ideologias ultrapassadas. As ONGs, enquanto intelectuais
institucionalizados dos anos 80, teriam assumido o lugar dos intelectuais orgânicos dos
anos 60, que eram parte integrante dos sindicatos, dos movimentos estudantís e dos
partidos revolucionários, diretamente ligados às lutas contra o imperialismo e o
capitalismo. Petras acusava esses intelectuais institucionalizados de terem se desligado
dos conceitos-chave que iluminavam as lutas populares, hoje tidos como fora de moda -
luta de classes, imperialismo, poder popular - tendo-os substituído por "noções vazias"
como a de participação popular, pactos, criando assim a "metafísica da pós-política".
Nessa mesma linha crítica, Moller (1991:37-50) examinou as relações entre as
agências (órgãos internacionais de apoio e financiamento a projetos não-
governamentais), os centros (as ONGs do Terceiro Mundo, que o autor define como
OPD - órgãos privados de desenvolvimento) e os grupos e movimentos populares. Para
o autor, tais relações se desenham como clientelísticas, com os centros atuando como
intermediários dependentes em um mercado de doações. Os centros, que teriam
nascido com o objetivo de promoverem organizações populares e estimularem a
conscientização de um sujeito popular, se profissionalizaram e burocratizaram na
medida em que recebiam fundos das agências internacionais.
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É muito difícil saber sobre as ONGs, principalmente as do hemisfério norte,
queixava-se Tandon (1991: 68-78): seu processo de tomada de decisões seria secreto,
assim como sua relação com os próprios governos. Muitas delas se denominam não-
governamentais, apesar de receberem fundos diretos dos governos: as ONGs
holandesas Novib e Hivos receberiam respectivamente, segundo o autor, 100% e 70%
de seus recursos diretamente do governo; a SNV seria braço direto do Ministério do
Exterior holandês); as ONGs canadenses receberia fundos da ODA, canalizados
através da CIDA (Canadian International Development Agengy). Na Alemanha, as
quatro maiores fundações estariam ligadas aos quatro maiores partidos políticos: a
Fundação Konrad Adenauer, ligada ao Partido Democrata Cristão; a Friedrich Ebert
Stiftung -FES - ligada aos sociais-democratas; a Friedrich Naumann, ligada aos liberais
e, mais recentemente, a Fundação Boll, ligada aos Verdes.
No Brasil, ambientalistas criticaram, no contexto da UNCED-92, o afã com o qual
as ONGs/APD/SMP teriam passado a se definirem como ecologistas: tudo se resumiria,
diziam eles, a uma questão de captação de recursos, uma vez que, da mesma forma
que o surgimento do PNUD (Programa da ONU para o Desenvolvimento) teria sido
detonador de tantas ONGs de desenvolvimento, o relativamente recente surgimento e
discussão de efetiva operacionalização do PNUMA (Programa da ONU para o Meio-
Ambiente) e seu Fundo de Meio-Ambiente (GEF) estariam sendo os catalizadores de
corrida em direção a verbas ambientais.
Para Assumpção, as ONGs a serviço do movimento popular disputaram um
jogo classificatório com outras entidades que mais recentemente deram visibilidade
pública e reconhecimento ao campo, afetando o monopólio da sigla que as ONGs/SMP
vinham ocupando (Assumpção,1993:16). Foi o caso das "ONGs ambientalistas".
Assumpção também nos fala da busca de reconhecimento que as ONGs/SMP iniciaram
junto às instâncias oficiais, como entidades específicas na cena política e social
brasileira (1993:40). A questão da identidade das ONGs/SMP e da redefinição de seus
papéis também passa, segundo a autora, pela ambiguidade das suas relações de
aliança/concorrência com as universidades: as ONGs teriam buscado construir seu
campo de atuação através de um processo de desmoralização e de des-legitimação das
obras e agentes da academia, cujos intelectuais eram tidos como pedantes, herméticos,
encerrados em torres de marfim, enquanto o pessoal das ONGs era o intelectual
orgânico participativo, acessível, a serviço dos movimentos. A autora nos conta que o
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intelectual das ONGs, recém-vindo da academia, "devia passar por uma reciclagem, em
que estava em jogo uma espécie de mea culpa por suas origens em que o 'elitismo'
rondava por perto... mas, se os diplomas de nada valiam, formalmente valiam muito, por
exemplo na relação com as instituições financiadoras" (Assumpção, 1993:109, nota 9)
Aqui surgidas na clandestinidade, contra governos totalitários, as ONGs/SMP
brasileiras vivenciaram uma espécie de crise de identidade quando a conjuntura política
mudou: podendo mostrar sua cara e atuar abertamente, que objetivos traçar, por qual
ideário se orientar? Iriam desaparecer? Iriam se tornar pára-governamentais?
Penderiam para ser centros - assessoria - aos movimentos ou serão atores diretos?
A criação, em 1991, de seu coletivo, a Associação Brasileira de ONGs, refletiu
tal preocupação, na medida em que suas associadas declaravam sua vontade em
deixar de ser assessoria e mediação e se tornarem elas próprias atores coletivos,
falando em seu próprio nome:
"As ONGs estão emergindo no espaço público como atores e elas vão falar. O IBASE quer deixar de ser o tapete por onde passam os movimentos e ser ele próprio um ator político". (O Sociólogo Betinho - Herbert de Souza - discursando durante a fundação da ABONG, Rio, 10/9/91)
A ABONG teria o papel de legitimar suas associadas e de dar a elas um
respaldo que a Igreja Católica propicia às suas Comissões Pastorais. As ONGs/SMP,
embora tenham uma autonomia que as Pastorais - suas co-irmãs em objetivos e
motivações - não têm, são muito mais frágeis e sujeitas a instabilidades.
"O projeto das pastorais é de dar voz ao povo, permitir que vá se formando espaços, fortalecendo suas organizações. Nesse sentido, não haveria tanta diferença entre uma Pastoral e uma ONG. Mas em termo formais, há: para nós é muito importante termos uma associação nossa - A ABONG - porque não temos por trás uma legitimidade da igreja". (J.P. Leroy, entrevista à autora, em jan/92)
Para Franklin Martins, jornalista estudioso e crítico das nossas ONGs/SMP, as
ONGs vêm mantendo uma relação ambígua com o Estado, já que participam
diretamente das decisões sobre políticas públicas em diversas áreas e são mantidas,
em boa medida, com recursos governamentais, mas não se sentem responsáveis pelas
políticas que ajudam a aprovar. O jornalista se opunha à fala retórica de Betinho, que
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defendia as ONGs como "modelos de eficiência, honestidade, espírito público e
compreensão das necessidades do povo, em oposição a um Estado ineficiente,
corrupto, corporativo e impermeável aos interesses populares. Pilantras e picaretas,
assim como gente séria e competente, existem dos dois lados da fronteira". A crítica
mais pertinente às ONGs diz respeito à questão da representatividade, já que
transparece em seus discursos uma fala em nome do povo, da sociedade civil, sem que
tenham recebido delegação formal que as legitimasse em suas tarefas. Um outro ponto
seria o controle dos seus representados. As pessoas que dirigem o Estado, observou
Martins, são obrigadas regularmente a prestar contas de seus atos à sociedade,
podendo ser afastadas de suas funções pelo voto. No caso das ONGs, quando muito,
esse controle é efetuado pelos sócios das entidades, que no Brasil não costumam ser
muitos.
"Há algum tempo, durante um almoço, Betinho disse-me que a relação das ONGs com o Estado deveria ser como a da formiguinha que pica o elefante para que ele se mexa. A imagem é boa...A imagem reconhece que, por mais próximas que estejam do Estado, as ONGs são externas a ele. O elefante deve andar com as próprias patas e decidir com a própria cabeça. Só quem pode governar o Estado é quem foi eleito pelo povo para isso. Parece óbvio, mas não é...Atualmente, em particular na área social do Estado, as ONGs têm assento em numerosos conselhos que discutem questões como ação social, direitos da mulher,proteção ao menor,saúde,etc. Geralmente detém metade desses fóruns e muitas vezes, comandam suas decisões...Isso não chega a ser problema quando os conselhos têm caráter consultivo... mas há casos em que os conselhos assumiram funções deliberativas, não só aprovando políticas públicas, como tentando controlar sua execução. Trata-se claramente de uma exorbitância...Por mais bem-intencionadas que sejam, elas não representam a sociedade. Betinho sabe disso ... e sai pela tangente ... diz que as ONGs são uma forma de cidadania ampliada. E conclui com uma generalidade: "o cidadão é quem funda o poder do Estado. Não é o Estado quem lhe dá legitimidade ou autorização para existir como cidadão livre e autônomo". O sociólogo confunde duas coisas diferentes: liberdade de pensamento, expressão e de manifestação com representação política. Qualquer um de nós tem o direito de pensar, propor, criticar,sugerir e apoiar o que quiser. Mas não tem o direito de se arvorar em representante de outras pessoas, a menos que tenha recebido um mandato expresso nesse sentido... As ONGs são extremamente importantes, lubrificam a circulação de idéias, organizam as pressões. chamam a atenção para problemas ainda encobertos, atuam como fermento social. Mas não substituem o voto e, específicamente, o Parlamento...Outras instâncias podem coadjuvá-lo, mas nunca substituí-lo... (O Globo 8/7/96)
O "povo das ONGs", seus técnicos, assessores e militantes, tende a formar,
no contexto brasileiro, uma outra classe de cidadãos, estes que, em função de sua alta
escolaridade, formação e informação, falam e agem em nome dos que não sabem ou
não podem agir, aqueles que têm uma cidadania mais formal do que real, resumida a
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votar em algum representante formal sobre o qual não têm controle efetivo. Com
efeito, uma das questões polêmicas diz respeito à questão da representatividade da
atuação desta militância que chamou a si a iniciativa de lutar pelo interesse publico,
sem passar pelo caminho difícil - e algumas vezes farsesco – da democracia
representativa.10
Como vimos, a esquerda ortodoxa criticou nas ONGs o seu descomprometimento
com as bandeiras e motes já clássicos, tais como a luta de classes, o imperialismo etc.,
bem como criticou a sua falta de um projeto globalizante e revolucionário. Com efeito,
as ONGs de assessoria no Brasil traçaram suas estratégias a partir do projeto de
política do cotidiano em lugar da busca do dia D da grande revolução; buscam a
organização popular e a formação de sujeitos coletivos de uma democracia de massas,
em táticas coerentes com o que vem sendo chamado de reformismo radical
(HABERMAS; COUTINHO). Trata-se de organizar setores populares e colocá-los em
movimento, articulando-os em redes internacionais para reforço mútuo, elaboração
conjunta de propostas, troca de informações etc. Como as ONGs/SMP o fizeram, ao
criarem a CUT (Central Única de Trabalhadores), o CNS (Conselho Nacional dos
Seringueiros), etc. Para muitos ambientalistas, a relativamente recente inclusão das
ONGs/SMP no campo ambientalista nacional havia lhes trazido a esperança de que
elas trariam organicidade ao movimento ambientalista, que sinalizariam a criação de
uma "CUT do movimento ambientalista", o que todavia ainda não ocorreu. (O Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Soiais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
após acaloradas discussões quando do término da UNCED/92 sobre sua continuidade
ou auto-dissolução, resolveu, após um hiato de tempo, continuar e hoje tem uma
Coordenação Nacional formada pela Associação Gaúcha de Proteção am Ambiente
Natural – AGAPAN; pela Central Única dos Trabalhadores – CUT; pela Fedração de
Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE; pela Fundação Vitória
Amazônica – FVA; pelo Grupo de Trabalho Amazônico – GTA; pela Secretaria das
Entidades Ambientalistas do Nordeste – SEAN; pelo Instituto para o Desenvolvimento,
Meio Ambiente e Paz; pelo Instituto de Estudos Sócio-Econômicos – INESC; suplência:
Rede de ONGs da Mata Atlântica)11.
10 Ver HERCULANO, S.: "Estadania e Heroismo: o exercício da cidadania pelos segmentos intelectualizados da classe média.. Encontros com a Sociologia, Márcia Cavendish Wanderley (org.). Cadernos do ICHF n. 64, nov/94, pp 01-26. 11 Outros coletivos brasileiros que aglutinam ambientalistas são: a Rede Cerrado de ONGs; o Fórum Permanente de Debates do Amazonas; o Fórum de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul; o CAPOIB – Conselho eArticulação dos Povos e Organizações Indígenas, as APEDEMAS – Assembléias Permanentesde Entidades em Defesa do Meio Ambiente, etc.
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As ONGs e a cidadania planetária:
O cientista político Brigagão (1991) contabilizou 8 mil ONGs "completamente
independentes e autônomas" e outras 10 mil mini-instituições com a participação
substancial ou exclusiva de cidadãos privados." Somadas, essas 18 mil ONGs, além de
outras 2 mil organizações intergovernamentais, formariam, segundo o autor, um total de
20 mil organizações internacionais que sinalizariam uma mudança global. Deste total,
1% seriam federações de outras ONGs, 8% teriam representação "universal", 17%
seriam intercontinentais e a grande maioria seriam regionais. Funcionam, segundo o
autor (ele também partícipe do mundo das ONGs), como uma diplomacia paralela ou
grupos de pressão, criando formas alternativas de cidadania (grifos meus), abrindo
novos canais de comunicação e de cooperação entre hemisférios Norte e Sul. As ONGs
seriam, para o autor, "antídotos à desesperança". (Brigagão, 1991)
O supranacionalismo das ONGs e seu sentimento de fraternidade universal em
busca de uma cidadania planetária parecem, com efeito, uma característica marcante:
segundo o cientista político Hector Leís (1992), as ONGs seriam os únicos atores para
uma política global que poderiam enfrentar a ação deletéria do mercado internacional,
uma vez que seriam promotoras de instâncias de articulação mundial e germes de uma
nova institucionalidade planetária. Seriam coletivos de cidadania transnacionais, com a
missão de resolver nossa crise civilizatória. Liszt Vieira (1997) também partilha da
mesma idéia, propondo a sociedade civil planetária como a “ terceira margem do rio”.
Nessa mesma linha de pensamento Boulding (1988) concebe as ONGs como
construtoras de uma cultura civil global. No Encontro Internacional de ONGs (Paris,
1991), este aspecto da cidadania transnacional mereceu destaque:
"Démocratie participative en echelle internationale, droit international, un tribunal; refléxion sur le mode de production et de consommation; develóppement équitable..forces dispérsées se regroupant, faire émerger une conscience planétaire... ONGs représentants de l'opinion publique mondiale, mais tout en
s'interrogeant sur la légitimité du porte-parole. 12
12Entrevista de Henri Rouillé, diretor adjunto para o desenvolvimento e a cooperação da ONG Racines de L'Avenir, em 19/12/91.
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"Nous, membres d'ONGs, décidons de nous consacrer au renforcement du
pouvoir des citoyens et de créer une organization internationale" 13
VACCA, em texto divulgado pelo Ibase, desenvolvia o mesmo ponto:
"O desenvolvimento pleno da democracia postula, então, a superação da ordem mundial baseada no papel protagonista dos Estador-nações. Isso requer a cooperação entre os povos, as formas mais variadas de integração supranacional, na interdependência e na reciprocidade; o desenvolvimento de elementos de "governo mundial", caracterizados por institutos inéditos de democracia internacional". (Vacca, 1991:114)
No mesmo escopo trabalha a Comunidade Internacional Bahá’I, de fundo
religioso, muito atuante no contexto preparatório da UNCED/92 e que divulgou panfleto
intitulado “A Cidadania Mundial, uma ética global para o desenvolvimento sustentável”,
encorajando as pessoas a se “considerarem cidadãos de um só mundo e construtores
de uma civilização mundial justa e próspera”.
Ainda no mesmo diapasão, o Movement of Citizens and Peoples of the World
(MCPW), com sedes na Itália, Sâo Paulo e Austrália, divulgou no fértil contexto da
UNCED/92 seu manifesto “La Realta’ di um Movimento nel Movimento della Realta’ ” no
qual propunha estratégias globais de cooperação internacional direta entre os diversos
povos.
“Who speaks for Humanity?” (Quem fala pela humanidade?), perguntava um
panfleto distribuído no Fórum Global de Cidadãos, durante a UNCED, no qual se
demandava um parlamento mundial, uma federação e uma constituição planetárias.
Tratava-se de uma iniciativa da World Constitution and Parliament Association,
estabelecida no Colorado, USA e que tinha no seu comitê executivo alemães, africanos,
poloneses, asiáticos, mexicanos. (O Brasil aparecia como um dos “trustees and
honorary sponsors”):
‘Dear Citizens of Earth: we want to offer you and your organization an opportunity to
expedite the achievements of your objectives – many times more rapidly and affectively
than before. The opportunity we offer is for your organization and yourself to join in the
global camaign for the ratification of the Constitution for the Federation of Earth, and the
election od felegates to the World Parliament, which is empowered under the Earth
13 Documento do Movimento Empower People International.
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Constitution to devise and implement peaceful solutions to all problems which transcend
national boundaries: … disarmament … climate change crisis…development and financ es
… human rights … safe energy supplies … many other urgent global problems … for
adequate action in time for the survival of humanity on Earth.”
A World Federalist Movement, sediada em Nova York, também marcou presença,
defendendo também uma federação mundial, baseada no “princípio da
subsidiaridade”: “que todas as decisões sociais e políticas devam ser feitas no nível
local apropriado. Contudo, há temas tais como paz, desarmamento, direitos humanos,
justiça e proteção ambiental que são globais por natureza e requerem uma resposta
da comunidade global. Esforços nacionalistas têm piorado a situação. Assim, a WFM
trabalha para dar poder político e legal a instituições mundiais que lidam com
problemas globais e simuntaneamentre apoia governos nacionais e locais nas suas
questões internas”. O propósito declarado era fortalecer os cidadãos do mundo em
benefício da “família humana”.
O Fórum Global de Cidadãos, da Rio/92 foi, com efeito, fértil em propostas assim
transnacionais. Ali também se distribuiu o jornal World Citizen News, órgão do World
Government of World Citizens, que também pugnava por um governo mundial e
divulgava o livro de seu organizador, Garry Davis, intitulado “Passport to Freedom: a
guide for world citizens”.
Em escala mais restrita, a Aliança dos Povos do Norte para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, uma rede de organizações dos “21 países industrializados”, criada
em outubro de 1991 em um encontro em São Sebastian, nos Países Bascos,
desenvolvia uma campanha intitulada “People for the World”, dedicada a reduzir a
emissão de dióxido de carbono nos países industrializados e a apoiar reforma agrária
e direitos humanos nos países detentores de florestas tropicais, como forma de salvá-
las.
A esfera das ONGs é supranacional na origem e na sua inspiração de
cidadania planetária, no que retornam à tradição do pensamento internacionalista das
esquerdas. Segundo Galtung (1980), o mundo caminharia para um governo mundial,
que já tem sua organização internacional em multinacionais privadas e
governamentais e em empresas transnacionais; em sistemas de alianças e tratados
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militares internacionais; em organizações internacionais governamentais e em
sistemas de comunicação internacionalizados e organizações não-governamentais
transnacionais.
Para Galtung, é nessas últimas que estaria a contra-tendência a este hiper-
sistema de dominação global, pois seria uma rede não-territorial, formada pelas
pessoas que têm uma ação inovadora. Essas redes populares realizariam, segundo
Galtung, a utopia pluralista e igualitária de um mundo comunista com equidade e
diversidade, autonomia e auto-suficiência, onde, dentre outras coisas, a política não
seria uma profissão e haveria participação direta no processo decisório das pequenas
sociedades na qual o mundo compor-se-ia. As ONGs seriam estas redes e também
suas integrantes.
O mundo proposto pelas ONGs é um mundo de ação direta, de formas novas de
participação através da cidadania coletiva. Seu modelo se afigura como uma pólis
ateniense de escala mundial. Contudo, o processo de criação dessa sociedade
democrática que, segundo Herbert de Souza, implodiria o capitalismo, não é um
processo democrático no sentido da sua universalidade. Segundo ele, "a emergência
popular na política pode não significar o desenvolvimento da democracia, uma vez que
o popular, o assalariado, o povo, os movimentos populares, podem perfeitamente lutar
dentro do mundo do capital":
"Para se negar o mundo do capital não bastaria estar dominado por ele e disto ter consciência, seria necessário pensar e propôr um outro mundo e quem não fôr capaz de realizar essa proeza não será capaz de negar o capital...Pensar um novo mundo não significa inverter o velho, mas propôr um novo. O dominado pode não ser capaz de inventar um mundo sem dominação. O Popular pode não ser capaz de propôr a democracia, porque a democracia não é uma invenção da dominação, mas da liberdade".(Souza, 1987: 9-28) (grifos meus)
Os Movimentos Sociais:
O uso da expressão "movimento social" pretende se referir à espontaneidade de
manifestações associativas de cidadãos, aludindo a características gerais de
informalidade, baixa organicidade, intermitência, fluidez, inspiração política das
esquerdas e maior expressão numérica de participantes. Isto não quer dizer que todos
os movimentos sociais sejam de baixa organicidade (a história recente do MST -
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Movimento dos Sem-Terra - é exemplo da possibilidade de alta organicidade deste tipo
de associativismo, apoiado por organizações eclesiásticas nacionais e internacionais).
Mas creio que a continuidade do uso da expressão "movimentos sociais" obedece a três
lógicas: 1) a necessidade estratégica das ONGs/SMP em sublinharem sua diferença em
relação às associações de cidadãos que assessoram, ou seja, entre o corpo técnico das
ONGs/SMP e sua clientela, os cidadãos assessorados; 2) a preocupação em salientar a
visão e a atuação mais crítica destes movimentos, herdeiros da influência teórica
marxista aplicada às ciências sociais, distinguindo-os das demais associações civis sem
a mesma inspiração política; 3) a naturalização da sua presença intermitente, de seus
fluxos e refluxos, de seus recessos, relacionados aos momentos diferentes dos ciclos
vitais de sua militância.
Segundo Scherer-Warren (apud Doimo, 1993), a expressão teria sido criada por
volta de 1840 para designar o surgimento do movimento operário europeu, e ingressou
no marxismo para "representar a possibilidade de transformação racional das relações
econômicas privadas do sistema capitalista"; posteriormente, "Movimento Social"
passou a significar novas formas de participação, "também destinadas a alterar a lógica
capitalista, só que agora espontaneamente organizadas na esfera da cultura" (grifo da
autora).
A expressão “movimentos sociais” se consagrou a partir dos estudos do
sociólogo Manuel Castells, na década de 70, ao acompanhar as reivindicações e
protestos urbanos das classes pobres de Madrid, no contexto do final da ditadura
franquista. A partir de uma análise marxista, Castells procurou inovar teóricamente esta
perspectiva, vendo os movimentos sociais urbanos em busca do direito aos meios de
consumo coletivo (escolas, hospitais, ruas asfaltadas, abastecimento de água, rede de
transporte, etc.) como tão contestatórios ao capitalismo, no que diz respeito ao
consumo, quanto o movimento proletário, no que diz respeito à esfera da produção.
Jordi Borja também deu destaque à expressão “movimentos sociais” ao frisar
que os movimentos reivindicativos urbanos, dos usuários da cidade, enfrentam
empresários capitalistas, que deterioram a cidade, e o Estado que, na qualidade de
gestor dos equipamentos coletivos, tende a distribuí-los de maneira desigual, assim
aumentando o seu deficit .
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Segundo Machado (1986), as análises sociológicas sobre os movimentos
sociais, feitas no decorrer de 70 e início dos anos 80 padeciam de certos equívocos:
"estudava-se o corriqueiro, o banal, pensando no grandioso e na ruptura". Os estudos
tinham ainda uma concepção monolítica e instrumentalista do Estado como "lugar dos
dominantes, encastelados nos aparatos de Estado ou nos partidos políticos, que
deveriam obstar a missão histórica dos movimentos populares" (Eder, 1990).
Para Carvalho & Laniado (1989), tratava-se de divergir da visão da sociedade
civil como sendo frágil diante do Estado, apontando para a constituição de novos
sujeitos políticos e novas práticas, então percebidos como "dotados de atributos
renovadores, positivos e de imensas possibilidades de transformação e de avanços". Os
Movimentos Sociais, porém, entraram em baixa quando sindicatos e partidos
recuperaram sua antiga presença. Assim, os Movimentos se caracterizaram por serem
intermitentes, cíclicos, defensivos, incapazes de formular projetos mais abrangentes.
Na análise de Touraine (1984), as referências aos Movimentos Sociais
apareciam como "uma maneira indireta e confusa de salvar certos aspectos do modelo
revolucionário em declínio" (Touraine, 1984: 320).
A partir de 1980, a Sociologia produz nova categoria, a dos “novos movimentos
sociais”. O que seriam?
De acordo com Habermas (1981), desde os anos 60 começaram novos
conflitos, que não estariam mais na área da reprodução material nem seriam
canalizáveis pelos partidos e organizações. Seriam formas sub-institucionais e extra-
parlamentares de protesto, buscando defender estilos de vida ameaçados. Não teriam a
ver com problemas de distribuição, mas com a "a gramática das formas de vida ", com
uma nova política que enfoca problemas da qualidade de vida, igualdade, auto-
realização individual, participação e direitos humanos. Esta nova política teria como
sujeito uma nova classe média, os jovens e os grupos de alta escolaridade. A crítica ao
crescimento econômico os unificaria. Suas expressões européias eram o movimento
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anti-nuclear, o movimento ambientalista, o pacifista, os alternativos, as minorias, os
movimentos de ação do cidadão (Habermas, 1981:33).
Embora perceba uma diferença nesses movimentos, entre aqueles que seriam
de resistência e recuo (os verdes) e aqueles com potencial emancipatório (as
mulheres), Habermas os define no seu conjunto como movimentos de resistência às
tendências de se colonizar o mundo vivido.
Segundo Feher & Heller (1984), enquanto os anos 60 viram surgir movimentos
pela liberdade, criadores de contra-instituições, hostís à mídia e que saíam da periferia
social para o centro, os anos 80 assistiram ao nascimento de movimentos pela vida, que
se situavam no próprio centro da esfera pública, imbuídos da importância da mídia e
também reconhecendo a importância do Estado e demais agentes. Esses novos
movimentos seriam transfuncionais, fluidos, de caráter público, não conspiratórios,
informais, buscando mobilizar a sociedade civil e não tomar o poder. Apesar deste novo
quadro, os autores consideram ainda ser pertinente a divisão entre esquerda e direita,
para analisá-los: seriam de esquerda os movimentos que unem a busca da liberdade à
defesa da vida e de direita aqueles que opõem os dois termos (Feher & Heller, 1984:
44).
Para Evers (1984), Novos Movimentos Sociais são aqueles que renovam
padrões sócio-culturais e psíquicos do cotidiano, em direção à sociedade alternativa. O
autor propõe que sejam vistos como "fragmentos de subjetividade atravessando a
consciência e a prática das pessoas e das organizações. Caracterizam-se pelo número
baixo de participantes, pelas estruturas não-burocráticas e até informais, pelas decisões
coletivas e pelo não-distanciamento entre líderes e participantes. No Brasil, seriam uma
cultura de classe média e das comunidades eclesiais, em busca de uma construção de
identidades e de um projeto emancipatório. O autor então questionava se a população
pobre e marginalizada poderia vivenciar novas formas de sociabilidade.
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Os Movimentos Sociais caracterizariam, segundo Touraine (1984), um ator
coletivo engajado num conflito pela gestão social, enquanto que os Novos Movimentos
Sociais não atacariam a divisão do trabalho ou formas de organização da economia,
mas sim os valores culturais, o progresso. O conceito de luta de classes seria
insuficiente para entendê-los. Marcariam o início de um momento romântico que
estaríamos começando a viver. O próprio fato de serem fracos e de influência difusa
mostraria sua autonomia em relação às instâncias políticas e em relação ao Estado.
(Touraine, 1984: 321)
No Brasil, a história recente dos Movimentos Sociais costuma ser apresentada
como cortada em dois momentos, com características diversas:
a) um primeiro momento, durante a ditadura dos anos 70, quando os movimentos de mães e de moradores pobres das periferias metropolitanas, assessorados pela Igreja e por uma militância política que não tinha outro canal de expressão, colocavam suas reivindicações de atendimento a demandas básicas diante do Estado, e expressavam seu descontentamento em manifestações contra a carestia (os chamados movimentos sociais urbanos); b) um segundo momento, a partir do início da década de 80, quando novos partidos, um novo sindicalismo, associações de bairro e suas federações se organizam, movimentos de mulheres, de etnias, movimentos ambientalistas surgem, todos ainda tendo como traço comum a eleição do Estado como interlocutor básico, dele demandando políticas públicas efetivas e adequadas.
Para Jacobi & Nunes (1983), os Movimentos Sociais revelavam a precariedade
dos canais de representação política no período autoritário.
No caso latino-americano, nossos movimentos sociais têm como interlocutor o
Estado; são voltados para dentro, ainda buscando constituir sua identidade através do
apelo comunitário; afirmam os direitos da pessoa ao mesmo tempo em que rejeitam a
ordem social. Ficam assim marcados pela ambiguidade, conclui Touraine, oscilando
entre individualismo e comunitarismo, integração e ruptura. Isso explicaria sua oscilação
entre uma retórica anti-estatista e sua convivência próxima com um Estado que é ao
mesmo tempo adversário e protetor.
Segundo Scherer-Warren (1993:20-25), a temática dos movimentos sociais deu
lugar, nos estudos sociológicos dos anos 90, a estudos sobre o antimovimento ou
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condutas de crise, a desmodernização, a exclusão, a massa enquanto agregado
inorgânico, numa palavra, ao desmovimento. O estudo dos movimentos sociais que
persistiu, o repensa a partir do estudo das interconexões entre o local (comunitário) e o
global (supranacional, transnacional), com ênfase no estudo das articulaçôes em redes,
bem como nas análises sobre a persistência dos vestígios das formas tradicionais de
fazer política (clientelismo, paternalismo, autoritarismo populista ou estalinista) nos
celebrados Novos Movimentos Sociais.
Conclusões: co-gestão, parcerias ou esvaziamento da esfera pública?
Como mencionado, apesar de alguns militantes se referirem indistintamente a
ONGS e Movimentos Sociais, há, no caso brasileiro, um elemento de distinção, pelo
qual ONG tem a ver com uma entidade institucionalizada, influente, inserida nos canais
de diálogo com o Estado e com as organizações multilaterais, enquanto os movimentos
sociais tendem a ser grupos fluidos de cidadãos em estado de carência, ora
assessorados pelas ONGs, ora surgidos em episódios de manifestações e protestos.
Se as ONGs/SMP formam um mundo supranacional, em razão de sua
organicidade e de sua história, nossos Movimentos Sociais, cujo interlocutor é
básicamente o Estado - ou, mais concretamente, os governos - são
predominantemente nacionais, locais. Tendem a ser informais ou a ter baixa
organicidade e, por isso, precisam da mediação e do apoio das ONGs, até mesmo
para tecerem laços de solidariedade além fronteiras. Dessas diferenças surgem
parcerias pautadas por tensões e por relações que, embora se assumam como
organizadas em redes horizontais, mantém internamente hierarquias funcionais. Há,
entre ONGs e Movimentos, uma tensão no que diz respeito ao papel de elite das
ONGs de assessoria - APD ou SMP sobre os Movimentos.
As ONGs formam uma vanguarda, seus integrantes se assumem como elite de
saber. Sublinhar tal característica não tem aqui nenhuma intenção crítica: em uma
sociedade como a brasileira, onde faltam educação e condições objetivas facilitadoras
da participação, isso está no plano dos fatos e das necessidades. Há, contudo, um
caminhar no fio da navalha, pois essas elites subalternas tanto podem atuar no sentido
da construção de um “reformismo radical” e cotidiano, como é sua proposta, quanto vir
apenas a se incorporar à elite dominante, trilhando caminhos de carreira individual,
renovando a elite de poder nos termos de Pareto. Neste último caso, nem sempre
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atuam de forma eficaz, até porque são convidadas a ocupar espaços de uma estrutura
oficial sucateada.
Mais recentemente, nos anos 90, após a democratização do processo político
brasileiro, as ONGs/SMP vêm se tornando parceiras do Estado, em programas federais
como o Comunidade Solidária e outros, em função de seu perfil de atores organizados
da sociedade civil sem fins lucrativos. Assim, passaram a estar regulamentadas pela Lei
9.790/99, a chamada Lei do Terceiro Setor, e pelo Decreto presidencial nº 3.100, de
30/6/99, definidor das OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público,
definidas por exclusão como sendo aquelas que não são sociedades comerciais, nem
sindicatos, nem organizações partidárias ou instituições religiosas).
Nestas parcerias, as ONGs são chamadas a atuar em um quadro de
transferência de políticas e de serviços públicos para a esfera privada, e de diluição da
responsabilidade precípua do Estado, como bem analisou Leite. Assim, interesses e
decisões públicos passam para o âmbito do privado na medida em que a escolha dos
agentes que participarão deste processo têm características privadas – competência,
confiabilidade, informalidade, baseadas em redes de conhecimento, sem passar pelo
crivo da construção da representatividade democrática.
É verdade que o Estado tem sido predominantemente paquidérmico, inoperante
e tomado de assalto pelos interesses privados. Também é verdade que o mundo das
ONGs no Brasil confunde-se ainda com a biografia das pessoas honestas, altruístas e
capazes, que foram suas fundadoras históricas. Mas estes atributos de um e de outro
não lhes são essenciais.
As aludidas parcerias entre ONGs e Estado, apesar das vantagens acima
apontadas, podem trazer o perigo do esvaziamento da esfera pública, da
profissionalização do exercício da cidadania, da manipulação e cooptação dos cidadãos
por governos e/ou empresas, da omissão do Estado da sua responsabilidade pelo
interesse público e pelo bem-estar coletivo,
ONGs e Movimentos Sociais têm exercido uma cidadania diferente daquela
preconizada pela democracia liberal. O exercício desta cidadania está baseado na
organização coletiva, no estudo, na busca e disseminação da informação como
elementos-chaves para a participação. É vocacional, plural, mas não é universal, pois é
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professada por elites intelectuais e lideranças emblemáticas, políticamente adestradas,
de maior peso individual do que o peso advindo da relativamente pequena massa dos
seus representados. As ONGs e Movimentos procuram ser formadoras de opinião e,
recentemente, co-gestoras da coisa pública. Trata-se de um exercício profissionalizado
de cidadania, que busca confrontar a lógica do lucro enraízada em uma Sociedade Civil
pautada pela perseguição a um crescimento econômico que tem sido injusto e
insustentável. Até que ponto esta tarefa ciclópica que ONGs e Movimentos Sociais se
dão será convergente com a suposta vontade geral que surge dos votos dos cidadãos
atomizados?. Haverá mesmo vontade geral? Se há, a vontade das ONGs e Movimentos
reflete e vocaliza a vontade geral emudecida? Ou a suplanta e transcende?
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