o trabalho prisional como eixo de reintegração social: a experiência do projeto "liberdade...

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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho O TRABALHO PRISIONAL COMO EIXO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL: a experiência do Projeto “Liberdade com Dignidade” pela ótica dos sentenciados Gleisson de Campos Belo Horizonte 2010

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O presente trabalho faz parte de uma monografia apresentada à Fundação João Pinheiro, como pré-requisito para conclusão do “II Curso de Especialização em Segurança Pública e Justiça Criminal” (II RENAESP), pós-graduação lato sensu, a qual analisou o Projeto “Liberdade com Dignidade”, parceria entre uma Penitenciária do Estado de Minas Gerais e uma empresa privada, produtora de colchões. Este projeto se insere entre as Políticas de Segurança Pública, valendo-se da atividade laboral como instrumento para prevenção da reincidência criminal e reintegração social de indivíduos apenados, através da oferta de vagas de trabalho nas dependências da empresa para sujeitos custodiados pela unidade prisional. Ao abordar este Projeto, faz-se necessário a análise de suas reais condições, como tal atividade tem sido ofertada aos presos e como esta política pública tem sido percebida por estes sujeitos, além de se observar a forma como este Projeto tem sido capaz de modificar suas vidas, proporcionando sua inclusão de uma forma mais satisfatória e menos perversa, oposta a marginalização de suas vidas. Assim, a partir das concepções e marcos legais sobre o trabalho prisional, buscou-se analisar a prática destes sujeitos, tendo como bases teórico-conceituais, as concepções sobre a Centralidade Ontológica do Trabalho de Karl Marx, a Criminologia Crítica e a proposta da Reintegração Social de Alessandro Baratta, bem como os estudos de Alvino Augusto Sá, e os trabalhos empreendidos sobre o trabalho prisional por Vinícius Caldeira Brant e Vanessa Andrade de Barros, entre outros. A metodologia de pesquisa adotada na referida pesquisa é qualitativa, tendo como instrumento de coleta de dados a Entrevista Semi-Estruturada e, para compreensão e interpretação dos dados, a Análise de Conteúdo, pois se considerou que essa seria apropriada para auxiliar na compreensão das relações entre os indivíduos, seu contexto e suas ações, e para análise da vivência laboral destes sujeitos.

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Page 1: O trabalho prisional como eixo de reintegração social: a experiência do Projeto "Liberdade com Dignidade" pela ótica dos sentenciados - Gleisson de Campos

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho

O TRABALHO PRISIONAL COMO EIXO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL: a experiência do Projeto “Liberdade com Dignidade”

pela ótica dos sentenciados

Gleisson de Campos

Belo Horizonte 2010

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Gleisson de Campos

O TRABALHO PRISIONAL COMO EIXO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL: a experiência do Projeto “Liberdade com Dignidade”

pela ótica dos sentenciados

Monografia apresentada à Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho/Fundação João Pinheiro, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Segurança Pública e Justiça Criminal. Orientadora: Drª. Rosânia Rodrigues de Sousa

Belo Horizonte 2010

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Gleisson de Campos

O TRABALHO PRISIONAL COMO EIXO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL: a experiência do Projeto “Liberdade com Dignidade”

pela ótica dos sentenciados

Monografia apresentada à Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho/Fundação João Pinheiro, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Segurança Pública e Justiça Criminal.

_______________________________________________________ Doutora Rosânia Rodrigues de Sousa (Orientadora) - FJP

_______________________________________________________ Mestre Maria Ruth Siffert Diniz Teixeira Leite – FJP

Belo Horizonte, 10 de dezembro de 2010.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, sua Mãe, Maria da Conceição Aparecida, à

força superior, ponto de luz e sabedoria, conforto e refúgio nas horas difíceis, um

pedido feito, uma conquista concedida, agora, um dever a cumprir.

À Tati, pelo companheirismo, amor, compreensão e incentivo, além do auxílio

na transcrição das entrevistas e na revisão do texto, fundamentais para a conclusão

deste projeto.

À minha orientadora, Rosânia Rodrigues de Sousa, pelo apoio, direcionamento

e compreensão.

Aos Coordenadores do II Curso de Especialização em Segurança Pública e

Justiça Criminal, da Fundação João Pinheiro, Escola de Governo Paulo Neves de

Carvalho, Cláudia Beatriz M. M. de Lima Nicácio, Eduardo Cerqueira Batitucci e Marcus

Vinícius Gonçalves da Cruz, e a todos os colegas, professores e funcionários, pelos

conhecimentos transmitidos e vivências compartilhadas.

Aos colegas de trabalho, em nossa árdua, porém, imprescindível tarefa como

profissionais de saúde e de segurança pública.

A todos, familiares, amigos e pessoas próximas, que de uma forma direta ou

indireta estiveram envolvidos neste trabalho, contribuindo para minha reflexão.

Finalmente, agradeço aos entrevistados, dignamente, mais do que presos,

Trabalhadores, que se propuseram a expor fragmentos de suas vidas, sem qualquer

bonificação, apenas na esperança de que um dia, possam contar uma história diferente.

“Sonho que se sonha só / É só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se

sonha junto é realidade (Prelúdio – Raul Seixas)

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LISTA DE SIGLAS

ATJ – Auxiliar Técnico Jurídico CBMMG – Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943) CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CTC – Comissão Técnica de Classificação Depen – Departamento Penitenciário Nacional FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNAP/DF – Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal InfoPen – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias LEP – Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 11 de julho de 1984) MP – Ministério Público MPF – Ministério Público Federal PCC – Primeiro Comando da Capital PCMG – Polícia Civil de Minas Gerais PIR – Programa Individualizado de Ressocialização PMMG – Polícia Militar de Minas Gerais RDD – Regime Disciplinar Diferenciado SAPRI – Superintendência de Atendimento ao Preso SEDS/MG – Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais SUASE – Subsecretaria de Atendimento às Medidas Sócioeducativas SUAPI – Superintendência de Administração Prisional

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6

2. HISTÓRICO DA EXECUÇÃO PENAL E DO TRABALHO PRISIONAL ........ 9

2.1 Aspectos históricos relevantes da execução penal e do trabalho

prisional no Brasil e em Minas Gerais ................................................ 19

3. A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA ............................................................ 23

3.1 Desenho institucional do Sistema Penal no Brasil e em Minas

Gerais ..................................................................................................... 27

3.2 Aspectos legais do trabalho prisional ................................................ 32

4. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PRISIONAL .......................................... 39

4.1 O Projeto “Liberdade com Dignidade” ............................................... 47

5. MERCADO DE TRABALHO, CRIMINALIDADE E O PRESO ....................... 54

6. TRABALHO PRISIONAL E REINTEGRAÇÃO SOCIAL ............................... 69

7. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS PARA

ABORDAGEM DOS PRESOS-TRABALHADORES ...................................... 82

8. O PROJETO “LIBERDADE COM DIGNIDADE PELA ÓTICA DOS

PRESOS .......................................................................................................... 91

8.1 Trabalho prisional como privilégio ................................................... 96

8.2 Trabalho prisional e conduta carcerária ........................................... 98

8.3 Trabalho prisional e condições carcerárias ..................................... 101

8.4 Distinção entre trabalho intra e extramuros .................................... 104

8.5 Aprendizagem e qualificação profissional ....................................... 104

8.6 Condições de trabalho ....................................................................... 106

8.7 Preso-trabalhador e interações sociais ............................................ 109

8.8 Remuneração ....................................................................................... 120

8.9 Remição ............................................................................................... 122

8.10 Trabalho prisional e futuro pós-encarceramento ............................ 122

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 125

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 128

ANEXO E APÊNDICE ..................................................................................... 132

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho prisional, foco desta pesquisa, se insere, junto com as

assistências: material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; entre as

políticas públicas de prevenção da reincidência criminal e reintegração social do

apenado. É garantido e regulamentado pela Constituição Federal de 1988, Código

Penal Brasileiro (1940) e, principalmente, pela Lei de Execução Penal (Lei

7.210/84).

Define-se trabalho prisional como aplicação da atividade física e/ou

intelectual, através do esforço, realização de tarefas e serviços, e ainda, produção

de bens de forma fabril ou artesanal, por parte de indivíduos sob medida judicial

de privação de liberdade, exercido dentro ou fora dos estabelecimentos prisionais.

Segundo Costa (1999), o V Congresso da ONU sobre Prevenção do

Delito e Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra, em setembro de

1975, estabeleceu que “[...] o trabalho não é tratamento, mas um direito e um

dever do condenado, como o de qualquer pessoa; tem de ser remunerado e deve

constituir um valor instrumental para ele, condenado, responsável e honestamente

permanecer no convívio social, ou nele se reintegrar” (p.55).

Tal atividade vem sendo adotada no âmbito prisional, principalmente com

características laborterapêuticas, caucadas nos princípios de ressocialização e

reintegração social do indivíduos presos.

Segundo Brant (1994), o trabalho prisional é, geralmente, abordado a

partir de dois pontos de vista distintos, mas não necessariamente excludentes: por

um lado, como instrumento de punição, imputado a indivíduos que transgrediram a

ordem social e, por isso, passíveis de receber, entre outras penas, o trabalho

como forma de responder pelo dano causado, configurando-se, assim, a função

retributiva da pena; por outro, adquire características transformadoras de tais

indivíduos, capazes de modificar sua relação com a ordem social, reinserindo-os

na sociedade, abarcando-se, aqui, as funções utilitarista, reabilitadora e/ou

preventiva da pena. Porém, existe um terceiro ponto de vista a ser abordado no

âmbito do trabalho prisional, o do preso como força de trabalho, que pode ser

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utilizada e também explorada, tanto pelo Estado, como pelo setor privado. É neste

direcionamento que este trabalho pretende seguir, abordando-se tal contexto a

partir do ponto de vista da “cadeia como espaço de trabalho e do preso como

trabalhador” (PAIXÃO apud BRANT, 1994, p.11).

As transformações nos modos de gestão estatal aliadas às crises no

mundo do trabalho, na economia, ascenção do neo-liberalismo e desestruturação

crescente do welfare state (Estado de Bem Estar Social) e, ainda, a crescente

atenção da sociedade em relação às políticas estatais relacionadas à segurança,

tendo em vista a elevação dos níveis de violência e criminalidade a partir da

década de 70, e acirramento deste processo nos anos 80 e 90, trouxeram novos

atores para o cenário da execução penal. Em específico, neste trabalho, nos

atentaremos para os convênios firmados entre os agentes de gestão estatal e

empresas privadas, na disponibilização de postos de trabalho para indivíduos

presos.

Os órgãos estatais têm convocado a sociedade e as entidades civis a

participar da gestão pública, não somente através da discussão do tema, mas

também na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação das

políticas públicas na área de segurança. Atividades que até então era de exclusiva

atuação do Estado são, a partir deste cenário, implementadas e desempenhadas

por entidades privadas. No âmbito de enfrentamento da reincidência criminal,

particularmente dentro do Sistema Prisional, instituições privadas têm atuado em

conjunto com órgãos da administração carcerária, disponibilizando aos reclusos

das unidades prisionais, meios para que estes indivíduos desempenhem

atividades laborais durante seu cumprimento de pena.

O Projeto “Liberdade com Dignidade”, parceria público-privada entre uma

unidade prisional da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG e uma empresa

privada, produtora de colchões, localizada nesta mesma região, se insere dentro

destas Políticas de Segurança Pública, na prevenção da reincidência criminal e

reintegração social de indivíduos apenados, ofertando vagas de trabalho dentro da

empresa para os custodiados desta unidade prisional.

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Diante deste quadro, esta pesquisa pretende responder a seguinte

indagação: Como o trabalho, oferecido pelo Projeto “Liberdade com Dignidade”,

aos indivíduos apenados, tem sido assimilado por estes indivíduos?

Ao abordar este Projeto, faz-se necessário a análise de suas reais

condições, como tal atividade tem sido ofertada aos presos e como esta política

pública tem sido percebida por estes indivíduos, além de se observar a forma

como que este projeto tem sido capaz de transformar suas vidas, proporcionando

sua inclusão de uma forma mais satisfatória e menos perversa, oposta a

marginalidade de suas vidas, anterior à sanção penal.

Para tanto, este estudo tem como objetivo principal, analisar como o

trabalho, enquanto eixo de reintegração social dos apenados admitidos no Projeto

“Liberdade com Dignidade”, é assimilado pelos indivíduos que sofrem diretamente

às ações desta política de segurança pública, focando sua atuação dentro da

prática cotidiana destes trabalhadores.

Como objetivos específicos, definimos as seguintes proposições:

• Descrever de que forma o Projeto “Liberdade com Dignidade” influi no

cumprimento de pena destes indivíduos.

• Analisar como este Projeto tem contribuído para sua reinserção social.

• Identificar as condições de trabalho a que são submetidos estes presos-

trabalhadores.

• Investigar em que sentido tal projeto tem auxiliado para o enfrentamento da

violência e criminalidade e prevenção da reincidência criminal.

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2. HISTÓRICO DA EXECUÇÃO PENAL E DO TRABALHO PRISIONAL

O trabalho, como pena, vincula-se à execução penal como instrumento de

punição, miticamente dentro da cultura ocidental, em suas raízes judaico-cristã e

greco-romana, a partir da passagem bíblica da expulsão de Adão e Eva do

Paraíso, por terem comido o fruto proibido da árvore do conhecimento, onde Deus

profere: “[...] maldito é o solo por tua causa. Em dor comerás dos seus produtos

todos os dias da tua vida. [...] No suor do teu rosto comerás pão” (Gn, 3, 17-18); e

ainda, dentro da Mitologia Greco-Romana, no mito onde Íxião, que, após ultrajar

Juno, é acorrentado a uma roda com grilhões, para girá-la continuamente

(MÉNARD, 1991); vale citar, também, o suplício de Sísifo, no qual este, por seus

ardis e por desonrar Zeus, foi condenado a empurrar eternamente um bloco de

pedra até o pico de uma montanha, que lhe escapava das mãos quando chegava

ao cume, rolando até os pés do rochedo, obrigando o ‘bandido’ a recomeçar seu

martírio ininterruptamente, “sem remissão e sem resultado” (HACQUARD, 1996,

p.267).

Tais passagens incutem nos primórdios da cultura ocidental, o trabalho

como uma punição, passível de provocar dor, uma pena infligida àqueles que

transgrediram a ordem social. Nas palavras de Brant (1994):

Na cultura ocidental, o suor do rosto de Adão e a pedra de Sísifo sintetizam a obrigatoriedade do trabalho como resultado da cólera divina. Mas, enquanto Sísifo foi condenado a um trabalho sem qualquer esperança, para a descendência de Adão, na cultura judaico-cristã, o trabalho era e é visto como fonte de remissão. (p.107)

A própria palavra trabalho tem sua origem etimológica em um instrumento

romano de tortura, denominado tripalium (ou trepalium), do latim tardio, uma

espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram

supliciados os escravos. O termo tripalium deu origem ao verbo tripaliare, que

significa “torturar”. Do sentido inicial de “sofrer”, passou-se ao de “esforçar-se”,

“lutar” e, por fim, “trabalhar”. A partir do Renascentismo, o vocábulo adquiriu seu

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sentido atual de “labuta, atividade, exercício profissional”, porém, mantendo sua

ligação ideológica com a dor e o sofrimento.

A Lei das XII Tábuas, cerne da constituição da República Romana, figura-

se como o primeiro instrumento legal escrito que influenciou a extinção da

vingança privada, imputando-se à figura Estatal ou ao Soberano, o poder e o

direito de punir os transgressores. Atribui-se a execução penal um valor sacral,

devido à associação entre direito e religião, e entre Soberano e a Divindade. Para

Penna (2007):

O Direito Penal primitivo, na formação das sociedades, tinha na pena a função de vingança pessoal, mas também de vingança pela divindade, por ter sido ela ofendida pela prática do crime. Punia-se, assim, aquele que hoje chamamos “criminoso”, a fim de aplacar a ira divina. (p.14)

Como bem aponta Costa (1999):

No império romano, a prisão era desprovida de qualquer caráter de castigo, não constituindo espaço de cumprimento de pena, mesmo porque o rol de sanções se restringia quase unicamente às penas corporais e à capital. A cadeia era um meio empregado para reter o acusado enquanto se aguardava o julgamento ou a execução da sentença. (p.14).

A prática de confinar indivíduos considerados delinqüentes, criminosos ou

inimigos políticos é registrada também em outras civilizações da Antiguidade

Clássica, além da Romana, a Grega, a Germânica, entre outras, mas raramente

destinada ao cumprimento de pena. Para Bitencourt (1993), a prisão era uma

espécie de ante-sala de suplícios, onde o transgressor aguardava seu julgamento

ou a execução da pena.

Utilizava-se como instrumento de execução penal, além da pena

pecuniária, desterro, degredo, banimento, uma série de suplícios, entre os quais,

citam-se: açoites, retalhamento de membros do corpo, morte simples (sem

tortura), morte “para sempre” (o cadáver fica na forca até morrer), morte “atroz” (o

cadáver do réu é esquartejado), morte cruel (o réu padece suplício antes ou

durante a execução); e também o trabalho prisional, como modalidade punitiva

ante o desvio do condenado: prisão com trabalho (pedreiras), galés temporárias

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(trabalho forçado), galés perpétuas (em geral, na função de remador nas galeras

do rei), etc.

A esta época, o trabalho vinculava-se a pena, que em seu sentido

etimológico, tem o significado de castigo: “o trabalho deveria ser penoso, não

remunerado, monótono. Das galés às pedreiras, o trabalho não tinha utilidade

para o indivíduo que o praticava, exceto a de pagar a dívida contraída com a

sociedade.” (BRANT, 1994, p.107). Buscava-se no trabalho, não uma redenção

moral do indivíduo, mas uma punição corporal, o trabalho era um castigo

merecido, a altura do ato criminoso.

A pena se prestava a retribuir o mal causado pelo infrator, mas também

era utilizada como exemplo aos demais. [...] “era uma representação que visava

advertir os cidadãos, com objetivo de prevenir novos crimes.” (PENNA, 2007,

p.15) De acordo com Foucault (2009), os suplícios consistiam em um espetáculo

bárbaro, aberto ao público, onde o corpo era o principal alvo da repressão penal,

marcado pela dor, física e psicológica.

Entre o abandono dos suplícios corporais, como principal instrumento de

sansão penal, e a priorização da pena restritiva de liberdade como mecanismo

primordial do Direito Penal, houve um breve período histórico, em fins do século

XVIII, em que se buscaram engenhos, como a guilhotina, com o objetivo de se

instituir uma “pena capital mais humanizada”, em relação ao rol de penas

utilizadas até então, reduzindo-se este “ritual das mil mortes”, a uma ação única

no ato de execução da pena capital, ascendendo para uma nova moral própria do

ato de punir. Não se aboliu o exercício da sanção penal sobre o corpo do

condenado, o que ocorreu foi a modificação das concepções sobre a pena,

substituindo-se o espetáculo público por um ato cada vez mais reservado, pudico,

sigiloso, até se restringir tal ação às casernas e masmorras e, posteriormente, aos

pavilhões dos modernos sistemas prisionais.

Mas, de modo geral, as práticas punitivas se tornaram pudicas. Não tocar mais no corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que não é o corpo propriamente. Dir-se-á: a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicílio, a deportação – que parte tão importante tiveram nos sistemas penais modernos – são penas “físicas”: com exceção da multa, se referem diretamente ao corpo. Mas a

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relação castigo-corpo não é idêntica ao que ela era nos suplícios. O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais “elevado”. (FOUCAULT, 2009, p.16)

Desconsiderando algumas experiências isoladas, foi a Igreja, através do

Direito Canônico, que, na Idade Média, inovou ao penalizar seus subordinados

rebeldes ou infratores, através de seu recolhimento em áreas isoladas dos

mosteiros e conventos, denominadas “penitenciários”, em celas isoladas (daí

advindo o nome “prisão celular”), onde, mediante penitência e oração, buscavam

sua reconciliação com Deus, através da expiação de seus pecados, já suscitando,

também, a idéia de reforma do delinquente. A prisão preconizada pelo Direito

Canônico possuía um caráter penitente, tendo como finalidade o arrependimento

por parte do recluso, através da oração e da meditação, para retornar ao convívio

social reabilitado. Esta espécie de prisão eclesiástica, já fazia menção ao trabalho,

apesar de facultativo, não obrigatório, visto que o apenado tinha de custear sua

‘estadia’.

O sentido do vocábulo ‘penitência’ advém desta época, suscitando a idéia

de: “[...] “volta sobre si mesmo, com o espírito de compunção, para reconhecer os

próprios pecados ou delitos. Abominá-los e propor-se a não tornar a reincidir.”

(SANTOS, 2003, p.18)

No século XVI, a crise econômica do sistema feudal e problemas na

agricultura tiveram como conseqüência a migração de grande parte da população

européia do campo para as cidades. Concomitante a este êxodo rural, houve um

relevante aumento da criminalidade, surgindo a necessidade de se construir

prisões para reclusão de criminosos por um período determinado, destinadas a

recolher mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens delinquentes, que se

multiplicavam pelas cidades. Tais prisões valiam-se de rígida disciplina e castigos

severos, a fim de “consertar” os presos para devolvê-los à sociedade. “A partir

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daqui pode-se dizer que surgiu a prisão como sanção penal, como pena em si,

não tendo mais o caráter de custódia provisória.” (PENNA, 2007, p.17)

Passou-se, ainda, por um breve período em que se tentou implantar a

sanção como representação do crime, buscando-se características identificatórias

entre crime e pena, de tal forma que a sociedade, ao presenciar sua execução,

entenderia qual crime fora praticado pelo criminoso, qual a razão de ser daquela

punição. Assim, multa imputada a quem pratica peculato, morte ao homicida,

fogueira para aquele que provoca incêndios, etc.

A punição ideal será transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha com o crime, a simples idéia do delito despertará o sinal punitivo. Vantagem para a estabilidade da ligação, vantagem para o cálculo das proporções entre crime e castigo e para a leitura quantitativa dos interesses; pois tomado a forma de uma conseqüência natural, a punição não aparece como o efeito arbitrário de um poder humano (FOUCAULT, 2009, p.101)

Logo se percebeu a impossibilidade de se adotar esta ‘pena-

representação’. Para o extenso rol de transgressões deveria estar apostos,

respectivamente, toda uma série de artefatos e engenhos, levando o sistema

punitivo a se tornar uma ‘fábrica’ de mecanismos penais, desviando o foco de seu

ideal inicial de reabilitação e prevenção criminal. Passa-se, em consequência, a

utilizar uma forma primordial de punição, com a pena restritiva de liberdade sendo

utilizada em regra, variando-se, apenas, a quantidade de tempo de duração da

medida prisional. Tipificam-se os delitos em leis ou jurisprudência e se define uma

certa economia do tempo de prisão a ser imputada ao condenado, proporcional ao

dano causado pela transgressão cometida.

A partir da segunda metade do século XVI, as prisões começam a se

proliferar pela Europa, entre estas, a House of Correction, no Castelo de Bridwell,

Londres, Inglaterra, inaugurada em 1552, e a Rasphuis, em Amsterdã, Holanda,

aberta em 1596. Ambas atribuíam ênfase especial ao trabalho contínuo dos

condenados. “A vinculação da idéia de atividade laboral à regeneração moral dos

condenados aparece, já nessa época, com clareza.” (PENNA, 2007, p.18) Em

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Amsterdã, além de castigos corporais e ensino religioso, exercia-se a raspagem

da madeira para extração de corantes, razão para o nome “Rasphuis”.

Conforme ensina Michel Foucault (2009), sobre a Rasphuis:

Seu funcionamento obedecia a três grandes princípios: [...] O trabalho era obrigatório, feito em comum [...]; e pelo trabalho feito, os prisioneiros recebiam um salário. Enfim um horário estrito, um sistema de proibições e de obrigações, uma vigilância contínua, exortações, leituras espirituais, todo um jogo de meios para “atrair para o bem” e “desviar do mal”, enquadrava os detentos no dia-a-dia. Pode-se tomar o Rasphuis de Amsterdam como exemplo básico. Historicamente, faz a ligação entre a teoria, característica do século XVI, de uma transformação pedagógica e espiritual dos indivíduos por um exercício contínuo, e as técnicas penitenciárias imaginadas na segunda metade do século XVIII. (p.116-117).

Com a ascensão do Iluminismo, difundiram-se idéias humanitárias de

tratamento dos condenados, principalmente em relação aos excessos impostos

pelos estabelecimentos penais e pela defesa da proporcionalidade das punições.

Com base nos autores iluministas, passa-se a buscar um novo modelo de prisão,

com finalidade utilitarista, baseado no trabalho, na educação moral e religiosa,

tendo grande influência nos modernos sistemas penitenciários.

Entre estes autores, destaca-se a obra do italiano Cesare Bonesana

(1738-1794), o Marquês de Beccaria. Seu livro “Dos delitos e das penas” (Dei

delitti e delle pene), publicado em 1764, baseava-se na idéia do contrato social de

Jean Jacques Rousseau, criticava o sistema prisional, marcado por torturas,

excessos e crueldades, e defendia a tipificação dos delitos, a proporcionalidade

entre o crime cometido e a sanção penal imputada, entre outros institutos de

execução penal que fortemente influenciaram o Direito Penal moderno. Brant

(1994) adverte que:

Ainda Beccaria – que tanta influência teria nas Declarações dos Direitos de 1789 e 1793, além de servir por boa parte do século XIX de inspiração para as reformas iluministas dos sistemas penais europeus – julgava que a transformação dos condenados em “bestas de carga” era um meio eficaz de dissuasão e de expiação dos crimes do que a própria pena de morte. (p.107)

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Gradativamente, os sistemas penitenciários modernos se consolidaram

durante o século XVIII, sendo aprimorados no século seguinte, fundamentados na

idéia de correção dos condenados. Segundo Costa (1999):

O Direito Penitenciário tem, em sua origem, um movimento mais de inspiração humana ou religiosa do que da ciência ou de doutrina. O inglês John Howard (1726-90), com sua obra The state of the prisons in England and Wales (1776), foi quem deu praticamente início ao estudo do moderno penitenciarismo, propondo o isolamento, o trabalho, a educação religiosa e moral e a classificação dos presos. (p.14)

Em 1677, Filippo Franci estabelece em Florença o modelo de prisão

celular. Em 1703, o Papa Clemente XI destina parte do Hospício de São Miguel,

em Roma, para tornar-se penitenciária, com a finalidade de educar e tornar

transgressores em indivíduos honestos através do tratamento penal.

Em fins do século XVIII, destaca-se o movimento de reforma dos regimes

penais, dando origem à ‘novos’ sistemas penitenciários, entre estes, surge o

Sistema Filadélfico ou Pensilvaniano, denominação dada em razão deste ter sido

primeiramente utilizado na Filadélfia, Estados Unidos. Tal sistema adotava o

modelo do completo isolamento dos presos, reclusos em celas individuais (prisão

celular), aplicando-se a regra do silêncio absoluto. O trabalho era utilizado como

instrumento de reabilitação do condenado, destacando-se também o acentuado

caráter religioso deste sistema. O objetivo do isolamento era prevenir contra a

‘contaminação moral’ entre os presos, que passavam o tempo todo sozinhos,

estimulando também uma dada meditação regeneradora. Mesmo o trabalho era

exercido no interior das celas. Além disso, expunha-se os condenados à visitação

pública, a fim de advertir à população sobre as conseqüências da prática de

delitos.

Como alternativa mais flexível a este sistema, surge na Penitenciária de

Auburn, no estado americano de Nova York, o que se convencionou chamar

Sistema Auburniano, ou Silent System. O Sistema Auburniano diminuía o

isolamento, permitindo, em certa medida, a convivência diurna entre os presos,

porém, em absoluto silêncio, sob pena de rigorosas sanções e mantendo a

reclusão solitária durante o período noturno. Também se buscava a emenda dos

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presos através da atividade laboral, no entanto, o trabalho também era uma

oportunidade de obtenção de rendimentos que eram utilizados para manutenção

das prisões, tornando-se menos onerosa a despesa estatal com sua reclusão.

Apesar de apresentar avanços para a época, o Sistema Auburniano também era

considerado muito rigoroso, aplicando-se ainda castigos corporais, como

chicotadas, a quem desrespeitasse o Silent System.

“A prisão passou a ser considerada, no final do século XVIII e início do

século XIX, nos países já industrializados, como a pena das sociedades

civilizadas.” (SANTOS, 2003, p.20)

Segundo Foucault, ainda no século XVIII, o parlamentar e jurista francês

Lê Peletier de Saint-Fargeau (1760-1793), propõe as bases do que viria a ser o

sistema progressivo de penas:

Em seu projeto à Constituinte, Lê Peletier propunha penas de intensidade regressiva: um condenado à pena mais grave só irá para a masmorra (corrente nos pés e nas mãos, escuridão, solidão, pão e água) durante uma primeira fase; terá a possibilidade de trabalhar dois, depois três dias por semana. Depois dos dois primeiros terços da pena, poderá passar ao regime da “limitação” (masmorra iluminada, corrente em torno da cintura, trabalho solitário durante cinco dias na semana, mas em comum os outros dois dias; esse trabalho será pago e lhe permitirá melhorar seu passadio). Enfim, quando se aproximar do fim da pena, poderá passar ao regime da prisão: “Poderá se reunir com os outros prisioneiros todos os dias para um trabalho comum. Se preferir, poderá trabalhar sozinho. Sua comida será a que lhe render seu trabalho.” (FOUCAULT, 2009, p.104)

Em meados do século XIX, o Capitão Alexander Maconochie, da Marinha

Real Inglesa, institui, na Ilha de Norfolk, Austrália, então sob o domínio da

Inglaterra, um novo sistema penitenciário, chamado de Sistema Progressivo ou

Mark System (Sistema de Marcas). Neste, os prisioneiros passavam por fases de

cumprimento de pena, com rigidez decrescente, onde recebiam, de forma

gradativa, marcas em seus prontuários, que poderiam ser negativas ou positivas,

conforme seu comportamento no trabalho ou por sua conduta disciplinar.

Buscava-se, com o sistema progressivo, reinserir os condenados na vida social, através do gradual relaxamento dos rigores carcerários. Para isso, atrelava-se à progressão o interesse do preso pelo trabalho e pela

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educação, ou seja, tanto mais “livre” ele seria quanto mais apto estivesse ao convívio social. (PENNA, 2007, p.21)

A combinação entre boa conduta e desempenho das atividades laborais

se tornava determinante para que o preso alcançasse, de forma mais ou menos

rápida, sua liberdade. “[...] sua idéia era de que fosse preventivo e não curativo,

olhava-se para o futuro e não para o passado.” (SANTOS, 2003, p.19) Sobre este

sistema, Bruno de Morais Ribeiro comenta:

O seu mérito, contudo, talvez tenha sido o fato de buscar incentivar o senso de responsabilidade dos condenados, colocando em suas mãos o maior ou menor cumprimento das suas penas, com o que procurava-se evitar a passividade dos reclusos diante de sua sorte, induzindo hábitos que favorecessem uma vida honesta. (RIBEIRO apud PENNA, 2007, p.22)

Em 1853, na Irlanda, observa-se a introdução de novos elementos ao

sistema progressivo, preconizando, entre a segunda e a terceira fases do

cumprimento de pena, um estágio semelhante ao regime semi-aberto previsto na

legislação penal brasileira. Este possuía disciplina mais branda, além de

possibilitar o trabalho, inclusive fora do estabelecimento prisional. “Assim, o

condenado passava por uma espécie de período de adaptação, prévio ao

livramento condicional.” (PENNA, 2007, p.22)

A partir do final do século XIX, os sistemas progressivos se difundiram

pelo mundo, influenciando até os dias atuais, os sistemas penitenciários

modernos, acrescentando novos aspectos constitutivos à idéia de reabilitação do

delinquente, principalmente dentro da concepção do trabalho como atividade

capaz de reinserir o indivíduo ‘desviante’ na sociedade.

Conceitualmente, no processo histórico apresentado, passou-se de uma

da concepção do trabalho como uma pena, um castigo retributivo, que deve ser

sentenciado àquele que transgrediu a ordem social, para uma atividade laboral de

sentido pedagógico, ou de laborterapia, capaz de transformar a conduta moral do

condenado e incutir neste o respeito à ordem social, inserindo na pena uma

finalidade reabilitadora ou de reintegração social do indivíduo desviante.

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Porém, por trás do sentimento idealista que acompanhou o

desenvolvimento do Direito Penal e, por conseqüência, da execução da pena, e,

dentro deste contexto, o trabalho prisional, observa-se, paralelamente, a origem e

consolidação do capitalismo, com o fim do sistema medieval, onde, o preso

participou deste processo, não como alguém retirado da sociedade, mas como

algo que poderia ser utilizado como mão-de-obra barata e útil ao novo sistema

produtivo que se acendia.

Como bem aponta Karam (2010):

Surgindo como pena nos primórdios do capitalismo, a privação de liberdade teve, nessa sua origem, a importante função real de contribuir para a transformação da massa de camponeses expulsos do campo e separados dos meios de produção em indivíduos adaptados à disciplina da fábrica moderna. Por outro lado, seu papel regulador do mercado de trabalho, concretizado quer pela absorção do chamado “exército industrial de reserva”, quer pelos efeitos da superexploração dos egressos na concorrência com outros trabalhadores e no preço da venda da força de trabalho, se fez presente em diversas etapas do desenvolvimento das formações sociais capitalistas. (p.14-15)

Em outras palavras, utilizado como objeto pelo capitalismo, que se baseia

na lógica econômica do lucro, o trabalhador preso é visto, antes de tudo, como

mão-de-obra de baixo custo, deixando implícita a finalidade utilitarista da pena por

trás de um ideal socialmente aceito e bem explorado de reabilitação ou reinserção

social destes indivíduos.

As transformações na pena de prisão pelo mundo e as formas de

utilização do trabalho dentro da execução penal, especialmente, os sistemas da

Europa e EUA, tiveram forte influência na concepção e organização do sistema

prisional brasileiro e de Minas Gerais. A seguir, apresentaremos aspectos

históricos relevantes que marcaram o desenvolvimento do Sistema Prisional no

contexto brasileiro e mineiro, e deram forma à concepção da pena em sua

finalidade reabilitadora e utilitarista e à reinserção dos indivíduos presos através

do trabalho.

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2.1 Aspectos históricos relevantes da execução penal e do trabalho prisional

no Brasil e em Minas Gerais

Durante a vigência das Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1514)

e Filipinas (1595), como bases do ordenamento do Direito Penal brasileiro, os

suplícios, acompanhando o cenário europeu, se configuravam como principal

instrumento de execução penal, com a prisão guardando suas funções de

reclusão do acusado até que fosse julgado ou até que fosse cumprida sua

sentença.

Com a independência do Brasil e a promulgação da Carta Constitucional

de 1824, veio a necessidade de se substituir a legislação do Reino. Para tanto, foi

criado o Código Criminal do Império, em 1830, projeto de Bernardo Pereira de

Vasconcelos (1795-1850), liberal e escravocrata, trazendo consigo ideais de

justiça e equidade, acompanhando os movimentos liberais que inspiraram as leis

penais da Europa e Estados Unidos à época. Segundo Santos (2003), “o Código

Penal de 1830, não estabelecia um regime penitenciário, nem se referia a tipos

especiais de presídios, prevalecendo a confusão de detentos e a promiscuidade,

desobedecendo qualquer princípio de ordem, higiene e moral” (SANTOS, 2003,

p.23).

No final do século XIX, após a abolição da escravatura e Proclamação da

República, as leis penais sofreram sensíveis mudanças, advindo deste contexto o

Código Penal da República, de 1890, prevendo diversas modalidades de prisão:

prisão celular, reclusão, prisão com trabalho forçado e prisão disciplinar; sendo

que cada modalidade deveria ser cumprida em estabelecimento penal específico.

Este Código trouxe avanços em relação ao tratamento penal e também sobre o

trabalho prisional, como, por exemplo, a proposta das colônias penais agrícolas,

prevendo, neste tipo de prisão, um estágio para obtenção do livramento

condicional.

No início do século XX, as prisões brasileiras já apresentavam precárias

condições estruturais, ambientes insalubres e superlotados, proporcionando a

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promiscuidade entre os detentos, fatores contrários à qualquer concepção

reabilitadora ou reeducativa.

As primeiras experiências voltadas para a melhoria das condições

carcerárias e de trabalho dos presos surgem com as colônias penais agrícolas. A

Lei 835, de 07 de outubro de 1908, previa a fundação de uma colônia penal

agrícola no Estado do Rio de Janeiro. A Lei Orçamentária de 1921 preconizava a

construção de duas penitenciárias agrícolas, uma para homens e outra para

mulheres, no Distrito Federal, então localizado no Rio de Janeiro. Em 1937, foi

inaugurada em Minas Gerais, a Penitenciária Agrícola de Ribeirão das Neves.

A liberdade condicional foi regulamentada e efetivamente executada no

Brasil, em 1924, através do Decreto nº16.665, de 6 de novembro daquele ano.

Conjuntamente, foi criado, neste mesmo decreto, o Conselho Penitenciário, o que,

na visão de Costa (1999), “foi dado o primeiro passo para, sem prejuízo da

autonomia dos Estados, vir a ser homogeneizada a execução penal.” (p.55).

No ano de 1933, o jurista Cândido Mendes de Almeida presidiu uma

comissão que visava a elaboração de um código de execuções criminais, tendo

como princípio a individualização da pena e distinção do tratamento penal,

destacando a figura das colônias penais agrícolas e prevendo a suspensão

condicional da execução da pena e o livramento condicional. No entanto, este

projeto não chegou a ser discutido em razão da instalação do regime do Estado

Novo, em 1937, que suprimiu as atividades parlamentares.

Em 1940, através de Decreto-lei, é publicado o atual Código Penal. Tinha

por princípio a moderação por parte do poder punitivo do Estado. Este instituto foi

concebido, seguindo a linhas gerais do sistema progressivo irlandês, adotando-se

a intenção de “[...] exercer sobre o condenado uma ação educativa individualizada,

no sentido do seu reajustamento ao direito.” (COSTA, 1999, p.16)

Destaca-se também, a experiência feita na Penitenciária do Estado de

São Paulo, no ano de 1954, na qual um grupo de internos recebeu o direito de

passarem 48 horas com seus familiares, durante as comemorações natalinas.

Ressalta-se que, antes do prazo, todos regressaram para o Presídio do Carandiru.

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Da necessidade de reformulação e atualização da lei criminal, em 02 de

outubro de 1957, institui-se a Lei Ordinária nº3.274, dispondo sobre as normas

gerais do regime penitenciário.

No Estado de Minas Gerais, até a década de 60, seu sistema de

execuções penais não se caracterizava como um sistema prisional propriamente

dito, distribuindo-se a população carcerária pelas cadeias públicas do estado.

Em 1963, cria-se em Minas Gerais, o Departamento de Organização

Penal, com a finalidade de instituir uma política prisional voltada para a concepção

de tratamento e recuperação dos condenados e pela aplicação do trabalho como

laborterapia.

Em 1983, é aprovado o projeto de lei do Ministro da Justiça Ibrahim Abi

Hackel, convertido na Lei nº7.210, de 11 de julho de 1984, atual Lei de Execução

Penal. Este instituto contem as normas fundamentais que regem os direitos e

obrigações dos detentos durante o curso da execução da pena, destacando as

assistência jurídica e à saúde biopsicossocial, educação, disciplina e trabalho

como instrumentos preparatórios para a reinserção do recluso no convívio social.

Inspirada na Lei de Execuções Penais federal, o Estado de Minas Gerais,

institui em 25 de janeiro de 1994, a Lei nº11.404, que contém normas sobre a

execução penal no Estado, centralizando a administração do sistema prisional

mineiro, através da Superintendência de Organização Penitenciária, pautando-se

pelo paradigma da ressocialização dos presos.

Com a criação da Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de

Minas Gerais (SEDS/MG) e da Superintendência de Administração Prisional

(SUAPI), em 2003, estrutura-se um novo projeto de expansão e modernização do

sistema prisional deste estado, tendo como metas: a redução do déficit de vagas e

da superlotação do sistema, principalmente através da construção de novas

unidades e ampliação das já existentes; liberação das polícias, militar e civil, da

função de custódia de presos e assunção de presídios e cadeias públicas, então

sob a responsabilidade da Polícia Civil, para serem administrados pela SUAPI;

ampliação dos programas de ressocialização de presos para toda a população

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carcerária; melhoria das condições estruturais e de segurança das unidades

prisionais; e profissionalização da gestão do sistema prisional.

Este processo histórico, encabeçado pelo sistema jurídico brasileiro, em

especial, por juristas e criminalista que apresentaram destacado papel e

conhecimento nesta área, firmou as bases da legislação criminal brasileira e a

forma como esta preconizada a execução penal no Brasil, voltada para a

reinserção social dos condenados. Entre os institutos legais que regulamentam a

execução penal brasileira, destacam-se a Constituição Federal de 1988, o Código

Penal de 1940, e a Lei de Execução Penal, instituída em 1984. No próximo

capítulo, serão apresentados os principais instrumentos legais que regulamentam

as políticas públicas na área da execução penal em nosso país.

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3. A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA

A Constituição Federal de 1988 prevê que a pena deve apresentar um

caráter individualizado, voltado para as particularidades de cada detento, visando

sua reinserção social e promoção do respeito às leis, sendo que a pena de

privação da liberdade deve ser cumprida em estabelecimento específico, de

acordo com a natureza do delito, idade e sexo do sentenciado. O artigo 5º da

Constituição, relativo aos “direitos e deveres individuais e coletivos”, em seu inciso

XLVI, apresenta as seguintes penas: “a) privação ou restrição da liberdade; b)

perda de bens; multa; d)prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição

de direitos”. Este mesmo artigo veda a pena de morte, a de caráter perpétuo, a de

banimento e as penas cruéis.

A legislação brasileira prevê dois tipos de infrações penais: crimes (ou

delitos) e contravenções. Estas últimas, consideradas de menor impacto, estão

regulamentadas pela Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº3.688, de 3 de

outubro de 1941). Os crimes ou delitos, tipificados pelo Código Penal (Decreto-Lei

nº2.848, de 7 de dezembro de 1940), podem ser cometidos por ação ou por

omissão, caracterizados também como dolosos ou culposos e, ainda, como ato

consumado ou como tentativa.

A pena restritiva de liberdade pode ser de reclusão, cumprida em regime

fechado, semi-aberto ou aberto, ou de detenção, executada em regime semi-

aberto ou aberto. O regime fechado, por lei, deveria ser cumprido em prisão

celular (individual), de no mínimo seis metros quadrados, com trabalho durante o

dia e isolamento à noite. Para o regime semi-aberto, prevê-se sua execução em

colônia agrícola, industrial ou similar, em alojamento coletivo, com a possibilidade

de atividades externas à unidade, sem monitoramento, autorizadas pelo juiz da

execução. Para o regime aberto, preconiza-se o trabalho do preso, sem vigilância,

durante o dia, com seu regresso a uma unidade específica para albergados, para

dormir e para permanecer nos dias de folga.

O Brasil adota o sistema progressivo para o cumprimento de pena. Se a

pena imputada for superior a oito anos, o preso inicia a reclusão em regime

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fechado; nos casos de penas superiores a quatro anos e inferiores a oito, a

sanção começa a ser cumprida em regime semi-aberto; e, para penas menores de

quatro anos, no caso de réus primários, em crimes ‘não-hediondos’, inicia-se a

pena no regime aberto. O juiz da execução defere sobre o regime inicial e sobre a

progressão para regime menos gravoso e menos rígido, de acordo com a conduta

do preso e o tempo de pena computado. Para fazer jus à progressão, o preso

deve cumprir, pelo menos, um sexto da pena no regime anterior, condicionando,

ainda, esta a pareceres de profissionais que acompanham o interno nas unidades

prisionais, onde é avaliada sua conduta e disciplina. Pode ocorrer a regressão de

regime, sob a competência do juiz da execução, em casos onde o preso receba

nova condenação ou apresente comportamento inadequado às normas dos

estabelecimentos penais.

A Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, instituiu também o Regime

Disciplinar Diferenciado (RDD), para presos que cometeram crimes hediondos,

que apresentem “alto risco para a segurança do estabelecimento penal ou da

sociedade”, e/ou presos com suspeição de envolvimento e articulação do crime

organizado, gerando grande discussão sobre a constitucionalidade deste instituto

entre os juristas, em função do que já está previsto na legislação vigente, referente

ao tratamento penal. Neste regime, com previsão máxima de duração de trezentos

e sessenta dias, preconiza-se a reclusão do preso em cela individual, ‘banho de

sol’ de duas horas diárias e fora da cela, visitas semanais de duas pessoas por, no

máximo, duas horas. No RDD podem ser implantadas rotinas de trabalho, de

caráter remuneratório e laborterapêutico, desde que não comprometam a ordem e

a disciplina do estabelecimento penal, e não propiciem o contato entre os presos,

sendo que tais atividades devem ser desenvolvidas na própria cela ou em local

adequado.

A lei penal brasileira ainda prevê o livramento condicional, deferido ao

condenado após o cumprimento de um terço de sua pena, se não for reincidente

em crime doloso e apresentar ‘bons antecedentes’; se for reincidente, deve

cumprir metade da pena; nos casos em que o réu é autor de crimes hediondos

(tráfico de drogas, tortura, terrorismo, entre outros), tem direito ao livramento

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condicional somente após cumprir dois terços da pena em regime fechado. A

sursis é outro instituto, previsto no Código Penal e na Lei de Execução Penal, no

qual se suspende uma pena de reclusão ou de detenção, desde que o preso

cumpra uma série de critérios especificados em lei, devendo observar condições

estabelecidas pelo juiz para continuar usufruindo deste benefício. O Presidente da

República pode conceder a graça, no caso individual, e o indulto, no caso coletivo,

por meio de decreto que especifique todos os apenados com direito a ter suas

penas perdoadas ou aliviadas, desde que cumpridos determinados critérios. Este

benefício é vedado a condenados por crimes hediondos.

A legislação brasileira estabelece que são penalmente inimputáveis os

menores de dezoito anos, os portadores de transtorno mental e os índios ditos

não-aculturados. Os menores de dezoito anos em conflito com a lei são abarcados

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8.069, de 13 de julho de 1990),

sendo encaminhados para as chamadas medidas sócioeducativas. Aos índios

considerados não-aculturados prevê-se um regime de semiliberdade, sob a

responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Aqueles que

apresentavam sofrimento mental no ato da infração ou que desenvolveram algum

transtorno psíquico grave durante seu cumprimento de pena, deverão se

encaminhados para a medida de segurança, cumprida em hospitais de custódia e

de tratamento psiquiátrico. Terão direito a sua liberdade somente após exame

psiquiátrico específico, por profissional devidamente qualificado, onde será

constatada a cessão de periculosidade. Por ser uma sanção a ser cumprida por

tempo indeterminado, a Medida de Segurança gerou grande discussão entre os

juristas, sendo considerada por parte destes como uma ‘espécie de prisão

perpétua, ainda em vigor no país, mesmo após sua vedação na Constituição

brasileira’.

Além de definir a forma de execução das sanções, a legislação também

preconiza um modelo organizacional para o Sistema de Justiça Criminal e de

Execução Penal no Brasil, definindo atribuições e competências institucionais, nas

esferas Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Este modelo, descrito no próximo

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capítulo, trará implicações para a execução da pena privativa de liberdade e para

o trabalho prisional, em sua finalidade de reinserção social de indivíduos presos.

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3.1 Desenho institucional do Sistema Penal no Brasil e em Minas Gerais

O Sistema de Justiça Criminal brasileiro abrange órgãos dos Poderes

Executivo e Judiciário, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal da

Federação, se organizando em três frentes principais de atuação: segurança

pública, justiça criminal e execução penal. Segundo Ferreira e Fontoura (2008): “A

política de segurança pública, de execução penal e a administração da Justiça são

majoritariamente desenvolvidas pelos poderes estaduais. Os poderes políticos

federal e municipal desempenham papel de menor importância nesta área.” (p.8).

Diante disto, o sistema prisional fica sob a competência do poder executivo de

cada Estado, organizado de acordo com as leis locais e, principalmente, nacionais

em vigor.

Em âmbito federal, o Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (CNPCP) e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen),

vinculados ao Ministério da Justiça, são órgãos envolvidos com a execução penal.

Associam-se a estes o Ministério Público, os presídios federais e os órgãos da

Justiça Federal relacionados com a execução penal.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, criado em 1980,

é composto por treze membros, designados pelo Ministro da Justiça, entre

pessoas que apresentam destaque e reconhecido conhecimento na área, e

também representantes da sociedade e de ministérios da área social. Este

Conselho vem atuando, principalmente, através da publicação de resoluções e

pareceres voltados para a promoção e proposição de diretrizes da política

criminal, prevenção de crimes e administração da Justiça criminal, execução de

penas e medidas de segurança.

O Departamento Penitenciário Nacional é o órgão executivo da política

penitenciária nacional, tanto seu planejamento, quanto sua coordenação. Tem a

responsabilidade de zelar pela aplicação da legislação penal e pelas diretrizes

advindas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, além de

apoiar este órgão, administrativa e financeiramente.

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A atuação do Ministério Público Federal (MPF) ocorre de forma

assemelhada aos ministérios públicos estaduais, porém, direcionada para crimes

contra a União, administração pública, crimes de caráter federal e sobre a

reclusão de presos em penitenciárias federais.

Os estabelecimentos penitenciários federais, já previstos da Lei de

Execução Penal (LEP), são de segurança máxima, destinados a presos

considerados de alta periculosidade e/ou envolvidos com a articulação do crime

organizado, geralmente, detentos que se encontram em Regime Disciplinar

Diferenciado (RDD).

Na execução penal em nível estadual, a LEP prevê a atuação dos

seguintes órgãos: Juízo da Execução, Ministério Público, Conselho Penitenciário,

Conselho da Comunidade, Patronato e departamentos penitenciários locais.

O juiz da vara de execução penal é responsável pelo acompanhamento

de cada condenado durante seu cumprimento de pena, emitindo deferimentos

relativos à: progressão ou regressão de regime, soma e unificação de penas,

remição, livramento condicional, saídas temporárias, revogação de medidas de

segurança, conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de

direitos, inspeção periódica dos estabelecimentos penais, entre outras atribuições.

O Ministério Público (MP), em âmbito estadual, atua junto ao juiz da

execução, fiscalizando a execução da pena ou medida de segurança, além de

zelar pela regularidade dos procedimentos judiciais e também das unidades

prisionais.

O Conselho Penitenciário é um órgão de caráter consultivo, integrado por

membros nomeados pelo Governador do Estado. Tem a competência de emitir

pareceres sobre pedidos de indulto e de livramento condicional, fiscalizar a

execução da pena, inspecionar os estabelecimentos prisionais e supervisionar os

órgãos de assistência ao egresso.

Os Patronatos são entidades, públicas ou privadas, responsáveis pela

assistência a albergados e egressos do sistema prisional, além de monitorar

condenados a penas alternativas. Acompanham estes indivíduos em sua

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reinserção social, prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de

semana e usufruto do livramento condicional.

No âmbito local, a Lei de Execução Penal prevê a criação do Conselho da

Comunidade, em cada comarca e composto por representantes da sociedade civil.

Tem a incumbência de visitar mensalmente as unidades prisionais de sua

jurisdição e, a partir destas, encaminhar relatórios ao Conselho Penitenciário e ao

juiz da execução, além de contribuir para obtenção de recursos materiais e

humanos para melhor assistência ao preso.

Os estabelecimentos penais administrados pelos estados apresentam a

seguinte configuração: prisão comum, que são as delegacias e cadeias públicas,

destinadas a indivíduos recém-capturados; presídios, para recolhimento de presos

provisórios, que aguardam decisão da justiça; penitenciárias estaduais, destinadas

ao cumprimento da pena de reclusão em regime fechado; penitenciária semi-

aberta, colônia agrícola, industrial ou similar, para o cumprimento da pena em

regime semi-aberto; e Casas do Albergado, para condenados em regime aberto e

com pena de limitação de fim de semana. Existem ainda os Centros de

Observação, para exames gerais dos presos; Hospitais de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico para indivíduos que cumprem Medida de Segurança; e as unidades

para cumprimento de Medidas Socioeducativas, destinadas a crianças e

adolescentes que cometeram atos infracionais.

Em geral, a administração dos sistemas prisionais estaduais ficam a cargo

das respectivas secretarias de segurança, justiça, direitos humanos ou de defesa

social, conforme a nomenclatura local, subordinadas ao executivo estadual.

Salienta-se que os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba possuem

secretarias específicas, encarregadas da administração penitenciária.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS/MG),

instituída através da Lei Delegada nº56, de 29 de janeiro de 2003 e, suplantada

pela Lei Delegada nº117, de 25 de janeiro de 2007, que dispõe sobre a estrutura

orgânica básica da SEDS/MG, substituiu as Secretarias de Segurança e de

Justiça, acompanhando um programa de gestão estatal do Governo Estadual

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vigente, com base na administração estratégica e gestão por resultados,

específico para a área da Segurança Pública.

A SEDS/MG, em seu nível estratégico, engloba os órgãos da Polícia Civil

(PCMG), Polícia Militar (PMMG), Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG),

Defensoria Pública, Subsecretaria de Atendimento às Mediadas Sócioeducativas

(SUASE) e Subsecretaria de Administração Prisional(SUAPI). O sistema de

defesa social mineiro conta ainda com o apoio de órgãos colegiados, como o

Conselho de Criminologia e Conselho Penitenciário, além de outras unidades de

assessoramento.

Vinculadas à SUAPI estão a Superintendência de Segurança Prisional,

Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de Vagas e

Superintendência de Atendimento ao Preso (SAPRI), formando o nível tático de

gestão do sistema prisional mineiro.

Compõem o nível operacional de gestão do sistema prisional, os

seguintes órgãos, subordinados à SAPRI: Diretoria de Articulação do Atendimento

Jurídico e Apoio Operacional, responsável pela assistência jurídica ao preso, entre

outras atribuições; Diretoria de Saúde e Atendimento Psico-Social, responsável

pela assistência à saúde biopsicossocial dos presos; Diretoria de Ensino e

Profissionalização, responsável pela formação educacional e profissionalização

dos presos; Diretoria de Trabalho e Produção, que tem, entre outras atribuições, a

articulação do trabalho prisional, remetendo-se às Diretorias de Atendimento e

Reintegração e Gerências de produção, responsáveis pelas atividades laborais

dos presos no interior das unidades prisionais.1

Este desenho institucional interfere na formulação e implementação das

políticas na área de segurança pública que objetivam a prevenção da reincidência

criminal e reinserção social de indivíduos privados de liberdade. Entre os eixos de

reintegração social utilizados pelos gestores públicos para estas pessoas,

encontra-se o trabalho prisional. No próximo capítulo, serão descritas as principais

regulamentações sobre o trabalho prisional, distribuídas entre os vários institutos

1 Para mais informações, consultar: ANEXO A – ORGANOGRAMA REPRESENTATIVO DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS (SEDS/MG).

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referentes à legislação criminal e execução penal, em especial, a Constituição

(1988), Código Penal (1940) e, principalmente, a Lei de Execução Penal (1984).

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32

3.2 Aspectos legais do trabalho prisional

O trabalho prisional, além da Constituição Federal (1988) e Código Penal

brasileiro de 1940, tem como principal instituto de regulamentação, a Lei 7.210, de

11 de julho de 1984, Lei de Execuções Penais (LEP), não estando, esta atividade

laboral, sujeita ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (art.28, §

2º, LEP). Tanto a LEP (art.28) quanto a Constituição Federal (art.160, inciso II)

consideram o trabalho como dever social e condição de dignidade humana, tendo

dupla finalidade: educativa e produtiva. Cabe também ao Estado e/ou ente

privado, na condição de empregador, garantir as condições de higiene e

segurança dos trabalhadores presos, assim como, a assistência à saúde em caso

de acidente durante exercício de suas atividades laborais.

O trabalho é direito e ‘dever’ do preso. Como direito, é reivindicado pela

extrema maioria da massa carcerária. Ao contrário do que se divulga no senso

comum, os presos solicitam oportunidades de trabalho, principalmente visando

uma atividade que possa “ocupar a mente” e diminuir a ociosidade em cela, e

também para fazer jus ao benefício da remição. Porém, o Estado não cumpre com

esta responsabilidade, muito em razão da falta de condições estruturais para

disponibilização de tais atividades dentro das unidades prisionais, que já

acumulam problemas históricos relacionados à precariedade das instalações e

superlotação de presos. As atividades oferecidas estão voltadas, principalmente,

para os serviços de conservação e manutenção interna (faxina, serviços gerais,

hidráulica, elétrica, etc.), oficinas, como as de costuras de bolas e alfaiatarias,

liberação para que os presos exerçam trabalho autônomo na forma de ‘artesanato’

e as parcerias que empregam os presos, dentro ou fora das unidades prisionais,

produzindo mercadorias ou prestando serviços para empresas privadas ou entes

públicos.

Para se ter uma idéia do déficit dos postos de trabalho em relação à

população carcerária, segundo dados do Sistema Integrado de Informações

Penitenciárias (InfoPen), o Estado de Minas Gerais apresentava, em junho de

2010, uma população carcerária total de 49.137 (100%), destes, apenas 2.457

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(5%) estavam inseridos em Programas de Laborterapia – Trabalho Interno e 467

(0,95%) em Programas de Laborterapia – Trabalho Externo. Os números

nacionais para esta mesma época registram uma população carcerária total de

494.237 (100%), com 79.106 (16%) trabalhando em Programas de Laborterapia –

Trabalho Interno e 17.944 (3,63%) em Programas de Laborterapia – Trabalho

Externo (BRASIL, 2010).

Portanto, o Estado não acompanha o que está preconizado na Lei de

Execuções Penais (LEP). Se o direito do preso trabalhar já não é cumprido, tratar

tal atividade como um dever do sentenciado torna-se fora de questão, salientando

ainda que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, c, veda a pena de

trabalhos forçados, o que, no entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2009)

significa “não poder exigir do preso o trabalho sob pena de castigos corporais ou

outras formas de punição ativa, além de não se poder exigir a prestação de

serviços sem qualquer benefício ou remuneração” (p.451).

Nucci (2009) ainda acrescenta que:

[...] o trabalho, em variados formatos, é parte importante da execução da pena, razão pela qual é dever do condenado, logo, obrigatório. O Estado não pode forçá-lo a cumprir qualquer atividade, tarefa ou ordem, mediante punição (como, por exemplo, a inserção em solitária), mas tem o direito de considerar sua atitude inercial como falta grave (arts. 50, VI, 51, II, LEP). Assim ocorrendo, deixará o preso, no futuro, de receber benefícios, v.g., a progressão para regime menos gravoso. (p.461)

A remuneração do trabalho prisional também é outro tema controverso.

Segundo o artigo 39 do Código Penal, “ o trabalho do preso será sempre

remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social”. Ainda a

LEP afirma que:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1º. O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que

determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais;

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d) ao ressarcimento do Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º. Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em cadernetas de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

(BRASIL, 1984)

No entanto, o que observamos no Sistema Prisional do Estado de Minas

Gerais, é que o preso trabalhador recebe somente por aquelas atividades ligadas

às oficinas de trabalho ou de produção de bens e prestação de serviços para

entidades externas ao sistema prisional. Nas atividades de manutenção das

unidades prisionais, por seu trabalho, os presos recebem apenas o benefício da

remição, sendo sua remuneração desconsiderada pelos agentes estatais.

Entendemos que tal atividade não pode ser considerada como prestação

de serviços à comunidade, visto que esta última trata-se de uma pena alternativa

ao encarceramento, decretada por sentença judicial, não sendo abarcada pelo

artigo 30 da LEP, o qual estipula que “tarefas executadas como prestação de

serviços à comunidade não serão remuneradas”.

Discute-se a necessidade do preso arcar com sua “estadia” nas unidades

prisionais, mas também, deve ser considerada sua necessidade de contribuir com

a subsistência familiar e de angariar fundos para se manter no período pós-

encarceramento, além de obter uma pequena renda para despesas que não são

contempladas pelo Estado, durante o período em que se encontra encarcerado.

Ressalta-se a insuficiência de uma remuneração balizada a 3/4 (três

quartos) do salário mínimo. É, no mínimo, irreal, esperar que tal montante seja

suficiente para indenizar o dano causado pelo crime, garantir assistência a seus

familiares e consigo mesmo durante sua reclusão e, ainda, ressarcir o Estado das

despesas com seu encarceramento, restando também uma parcela para formar

pecúlio.

O trabalho disponibilizado ao preso deve ser compatível com suas

capacidades. A tarefa de classificação e seleção dos reclusos e de levantamento

de suas aptidões, e ainda, o acompanhamento de seu Programa Individualizado

de Ressocialização (PIR), fica a cargo das Comissões Técnicas de Classificação

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(CTC’s), atuantes dentro das unidades prisionais. Cursos profissionalizantes

também podem complementar as habilidades laborais dos presos, em conjunto

com a oferta de ensino fundamental, médio e, até mesmo, superior.

De acordo com o artigo 32, da LEP, na habilitação do preso para uma

atividade laboral, além das aptidões que ele já possui, ainda deverão ser levadas

em conta suas necessidades futuras, bem como as oportunidades oferecidas pelo

mercado de trabalho.

A jornada de trabalho não deverá ser inferior a seis horas, nem superior a

oito horas diárias, resguardando o direito dos presos descansarem durante

domingos e feriados (art. 33, LEP). Poderá, ainda, ser estipulado horário de

trabalho especial aos presos que atuam em atividades de conservação e

manutenção dos estabelecimentos prisionais.

Sobre a responsabilidade de organização, supervisão e coordenação do

trabalho prisional, a Lei de Execução Penal estipula o seguinte:

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado. § 1º. Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada. § 2º. Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio de presídios.

(BRASIL, 1984)

A responsabilidade pelo trabalho do preso é do Poder Público, podendo-

se valer de convênios com a iniciativa privada para empregar os reclusos, que

deverão receber a devida remuneração por seu trabalho. Porém, Nucci (2009) se

opõe a projetos da iniciativa privada que criem um vínculo empregatício entre o

preso e a empresa particular, com objetivos mercantis ou comerciais. Para ele:

Trabalho de condenado não pode gerar lucro para empresas privadas, pois é uma distorção do processo de execução da pena. O preso receberia, por exemplo, 3/4 do salário mínimo e produziria bens e produtos de alto valor, em oficinas montadas e administradas pela iniciativa privada, que os venderia e ficaria com o lucro, sem nem mesmo conferir ao

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condenado os benefícios da CLT (lembremos da vedação estabelecida pelo art. 28, § 2º, desta Lei). Tal situação seria ilegal e absurda. O cumprimento da pena e o exercício do trabalho do preso não têm por fim dar lucro. É um ônus estatal a ser suportado. Se, porventura, houver lucro na organização e administração da atividade laborativa do condenado, a este e ao Estado devem ser repartidos os ganhos. (NUCCI, 2009, p.455)

Costa (1999) recomenda “a formação de uma Fundação que ampare e

administre os convênios entre” as unidades prisionais e o setor privado (p.94).

Este autor destaca, ainda, a criação das instituições, Fundação Santa Cabrini,

instituída em 01/01/74, “órgão da Secretaria de Justiça do Rio de Janeiro que tem

por finalidade organizar e promover, em bases racionais e produtivas, o trabalho

remunerado dos internos do Sistema Penitenciário” (COSTA, 1999, p.47), e a

Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso – FUNAP/DF, instituída em setembro

de 1987, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e

Cidadania do Distrito Federal, que “tem como objetivo contribuir para a

recuperação social do preso e a melhoria de suas condições de vida, mediante a

elevação do nível de sanidade física e mental, o aprimoramento moral, o

adestramento profissional e o oferecimento de oportunidade de trabalho

remunerado” (COSTA, 1999, p.50).

Como já foi apresentado acima, em Minas Gerais, o trabalho prisional

está a cargo das Diretorias de Atendimento e Reintegração e Gerencias de

Produção, inseridas no interior das unidades prisionais e subordinadas,

hierarquicamente, à Diretoria de Trabalho e Produção, Superintendência de

Atendimento ao Preso (SAPRI), Subsecretaria de Administração Prisional

(SUAPI), e, finalmente, à Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de

Minas Gerais (SEDS/MG).

O trabalho externo para o preso que se encontra em regime fechado

somente é admitido em serviços ou obras públicas realizados por órgãos da

administração direta ou indireta, e ainda, em entidades privadas, desde que

tomadas às devidas precauções para que se mantenha a disciplina e se resguarde

contra possíveis fugas, cabendo ao empregador, seja ele, ente público ou privado,

arcar com a remuneração deste trabalho. O número máximo de presos

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trabalhando nestes serviços ou obras também deverá ser de, no máximo, 10%

(dez por cento) do total de empregados da obra (art. 36, § 1º, 2º e 3º, LEP).

A prestação de trabalho externo pode ser autorizada pela direção do

estabelecimento prisional, não havendo necessidade de deferimento por parte da

vara de execuções penais que acompanha o preso, observando-se às aptidões

laborais deste, sua disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de

1/6 (um sexto) da pena (art.37, LEP). Nucci (2009) considera que o exercício do

trabalho externo deve ser consentido pelo preso:

[...] estando à disposição do Estado, é natural que possa o Poder Público determinar o melhor lugar para que o condenado desempenhe atividades laborativas, respeitada, naturalmente, a individualização executória da pena (suas condições pessoais e aptidão). Portanto, pode ser dentro ou fora do presídio, conforme o caso concreto. No entanto, para prestar serviços a entidade privada, até pelo fato de não haver vínculo trabalhista algum (art. 28, §2º, LEP), torna-se necessário obter a sua aquiescência expressa, o que implica, pois, na assinatura de termo adequado. (p.457).

O trabalho externo pode ser revogado nas seguintes hipóteses: a) caso o

preso cometa fato definido como crime, já tipificado pela legislação penal

brasileira, neste caso não havendo a necessidade de se aguardar o processo

criminal e a condenação com trânsito em julgado; b) se punido com falta

disciplinar grave, com a devida apuração pela unidade prisional; c) apresentar

comportamento inadequado para o trabalho que lhe foi designado, como, por

exemplo, portar-se de forma indisciplinada ou irresponsável. Em qualquer uma

destas hipóteses, pode o sentenciado, solicitar junto ao judiciário, a instauração do

Incidente de Desvio de Execução, conforme o artigo 185, da Lei de Execuções

Penais (BRASIL, 1984).

Por seu trabalho, além da devida remuneração, o preso ainda faz jus ao

benefício da remição, sendo descontado, proporcionalmente, um dia de pena para

cada três dias de trabalho exercido2, propiciando ao preso desenvolver um senso

de responsabilidade, dada a possibilidade deste trabalhar para diminuir sua pena.

A remição é declarada pelo juiz da execução, sendo ouvido o Ministério Público. 2 Vale ressaltar que cada dia de trabalho equivale a uma jornada de, no mínimo, seis horas de trabalho. Segundo Nucci, (2009) “o que ultrapassar esse montante, será computado para formar outro dia de trabalho” (2009, p.543).

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Caso o preso esteja impossibilitado de continuar a desempenhar suas funções

laborativas em razão de acidente de trabalho, este direito continuará a ser

computado, como se o preso estivesse em exercício. Se por ventura, o preso for

punido com falta disciplinar grave, perderá o direito aos dias remidos, iniciando um

novo período a partir da data da infração. A autoridade administrativa responsável

pelos presos trabalhadores encaminhará à vara de execução penal a relação dos

presos que estão trabalhando e dos respectivos dias trabalhados. A remição pode

ser utilizada para cálculo de progressão de regime, livramento condicional e

indulto. A remição está regulamentada nos artigos 126 a 130, da Lei de

Execuções Penais (BRASIL, 1984).

Sobre o trabalho prisional, acrescenta Guilherme de Souza Nucci (2009):

[...] aquele que deixa o cárcere, especialmente se passou muitos anos preso, necessita de amparo do Estado para retornar sua vida em sociedade. Possuindo apoio da família e amigos, melhor será. Porém, pode não ser a realidade, motivo pelo qual os organismos estatais precisam de aparelhamento suficiente para não abandonar o recém-saído do presídio. Cremos ser fundamental, no mínimo, a busca conjunta (egresso e Estado) pelo emprego, sem contar, naturalmente, algum tempo em que se possa proporcionar morada e sustento a quem deixou o cárcere, porque cumpriu a pena ou está em livramento condicional. (p.444)

Qualquer projeto ou política implantado no Brasil, de caráter público e/ou

privado, que utilize o preso como força de trabalho deve estar em conformidade

com a legislação em vigor. Porém, as formas de utilização da mão-de-obra

carcerária variam entre um estado e outro, entre unidades de um mesmo sistema,

ou até mesmo a ocorrência de diferentes formas de trabalho prisional dentro de

uma única unidade prisional. Tais modalidades proporcionam maior controle do

preso-trabalhador por parte dos órgãos de administração prisional ou pela

entidade empregadora, variando-se também a distribuição dos gastos e

atribuições entre as várias instituições envolvidas nesta atividade, entre outros

aspectos. No próximo capítulo, serão descritos os principais modelos de utilização

da força de trabalho carcerária, tomando-se por base o Sistema Prisional Mineiro.

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4. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PRISIONAL

Dentro do contexto da execução penal, co-existem diversas formas de

emprego da força de trabalho carcerária. Algumas modalidades de trabalho

prisional voltam-se para a conservação e manutenção das unidades prisionais ou

produção de bens e serviços que serão utilizados pelo próprio sistema prisional ou

por entidades públicas. Existem, também, certas modalidades que utilizam a força

de trabalho carcerária na construção de obras públicas. Porém, ao tratar o preso

como mão-de-obra, observamos que destacam-se aquelas modalidades que, na

visão de Pavarini (2006), pretendem “transformar a penitenciária numa empresa

produtiva”, tornando o convict labor (trabalho prisional) em um economical

business (negócio econômico).

Para este autor, “[...] a história do sistema penitenciário se ajusta, se

molda às linhas de evolução do trabalho penitenciário” (PAVARINI, 2006, p.198),

ou seja, de certa maneira, as formas de utilização da força de trabalho dos presos

acompanharam e influenciaram o desenvolvimento dos sistemas penitenciários

pelo mundo, direcionando-se para a concepção do trabalho como reabilitador ou

reintegrador de indivíduos transgressores das normas e da ordem social. Deste

modo, o sistema penal se adaptou ao modo de produção vigente e ao sistema

capitalista.

A alternância de distintos sistemas de produção carcerária, bem como de formas jurídicas diversas de emprego da força de trabalho internada, são interpretadas como tentativas de projetos de modificar (refefinir) o universo institucional sobre o modelo econômico-produtivo então dominante no mercado livre (PAVARINI, 2006, p.198)

As formas de utilização/exploração e a política do trabalho carcerário,

segundo as observações de Pavarini (2006), em seus estudos sobre trabalho no

sistema prisional norte-americano, desdobram-se em um “arco de posições”,

variando-se entre dois pólos principais de gerenciamento da atividade laboral

exercida pelos presos, a saber:

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a) trabalho carcerário completamente organizado e gerido pela

administração carcerária; tal situação apresenta, geralmente, a

seguinte configuração: disciplina e coordenação dos presos ficam a

cargo da segurança dos estabelecimentos prisionais; os produtos e

serviços tendem a não ser ofertados ao mercado livre, sendo

absorvidos/consumidos por órgãos estatais; trabalho não-remunerado;

processos produtivos atrasados, pouco industrializados,

essencialmente manuais.

b) trabalho carcerário organizado por um empresário privado, situado

‘fora’ da instituição carcerária; se estruturando, em geral, da seguinte

forma: disciplina, coordenação e eventuais despesas com a população

carcerária, durante a jornada de trabalho, sob a responsabilidade da

empresa empregadora; manufaturados e serviços à disposição do

mercado livre; preso-operário ‘precariamente’ remunerado; produção

economicamente eficiente e, muitas vezes, industrializada.

Estes pólos de organização do trabalho prisional, aplicam-se, de certo

modo, ao caso brasileiro, e, segundo nossas observações, ao sistema prisional

mineiro, que, dentro de suas peculiaridades sócio-históricas, utilizou a mão-de-

obra carcerária, dentro da concepção de reinserção social de presos através do

trabalho, utilizando-se para tanto, de estrutura e recursos próprios ou subsidiando

a entes privados, parte da tarefa de reintegração social destes indivíduos, através

da disponibilização desta força de trabalho.

Brant (1994) aponta três modalidades básicas de organização do trabalho

no interior dos estabelecimentos penais:

[...] as oficinas, os “patronatos” e os serviços de funcionamento ou manutenção do estabelecimento. Paralelamente ocorrem atividades individuais, comerciais, artesanais ou artísticas, que também podem constituir fonte de renda (p.117).

As oficinas são organizadas pelos próprios estabelecimentos prisionais,

por fundações ou empresas públicas, ou órgãos vinculados às secretarias de

segurança pública, direitos humanos ou de defesa social, gerando escassas

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oportunidades de renda. Boa parte de suas atividades produtivas destinam-se ao

próprio sistema prisional. Como exemplos de oficinas citam-se: alfaiatarias

(confecção de uniformes), sapatarias (produção de calçados), rebanhos para

produção de carne e leite, plantações (produção de cereais e horti-fruti); em

grande parte, consumidos pelos próprios funcionários do sistema prisional. Esta

modalidade se assemelha ao modelo do state-use system observado no sistema

prisional norte-americano, descrito por Pavarini (2006).

Os “patronatos” apresentados nos estudos de Brant (1994) não se

configuram como aquelas entidades de assistência aos albergados e egressos,

previstas no capítulo VII da LEP, mas sim, como uma rede ‘organizada’ de

produção no interior das unidades prisionais, com múltiplas situações de

subordinação, formal e, até mesmo, informal. No patronato usual, um preso fica

responsável pela produção encomendada por uma indústria ou ente externo. Este

preso, por sua vez, ‘subcontrata’ outros, distribuindo as tarefas àqueles que estão

sob sua influência. Cada preso é remunerado de acordo com sua produtividade.

Os serviços de funcionamento ou de manutenção do estabelecimento tem

como finalidade o apoio administrativo, a conservação ou ampliação das unidades

prisionais. Vão desde trabalhos referentes à faxina, produção e distribuição da

alimentação no interior destas unidades, serviços gerais de manutenção

hidráulica, elétrica, conservação e construção de sua estrutura física, manutenção

mecânica de suas viaturas, até serviços de ordem administrativa, guardadas às

devidas questões de segurança e sigilo nestes setores. Tal atividade, em geral,

não é remunerada, e as aptidões e habilidades dos presos são exploradas de

acordo com a conveniência e necessidade das administrações prisionais. Brant

(1994) nos aponta que:

A motivação dos presos para estes trabalhos passa por retribuições não necessariamente pecuniárias. Trabalhar na administração pode significar o acesso aos serviços jurídicos, com informações mais freqüentes sobre o andamento de seus processos, pedidos de benefícios e alvarás de soltura; trabalhar na faxina permite um trânsito mais livre; trabalhar no parque agrícola, além de maior circulação e contato com a natureza, pode proporcionar melhores oportunidades de fuga; trabalhar na cozinha pode permitir uma refeição melhorada para si próprio, além de oferecer oportunidade de traficar com os alimentos. Por tudo isso, os trabalhos

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ligados ao funcionamento e administração dos estabelecimentos são considerados “regalia”. (p.123)

Chama a atenção, ainda, a considerável produção do trabalho autônomo,

informal, conhecido como “artesanato”. Trata-se de trabalhos manuais na

confecção de objetos decorativos (abajures, quadros, tapetes, vasos, navios de

madeira, casas de palitos de fósforo ou de picolé), brinquedos (caminhões de

madeira), objetos de uso pessoal (cintos, colares, pulseiras, bolsas), etc. Tais

produtos são geralmente comercializados entre as próprias famílias dos presos ou

entre os funcionários das unidades, gerando uma renda ínfima que é utilizada

pelos detentos em pequenas despesas durante seu cumprimento de pena, para

oferecer um mínimo de auxílio à família ou custear a sua vinda até a unidade.

Poucos veem neste ofício a possibilidade de subsistência no período pós-

encarceramento. Vale citar a ressalva feita pelo artigo 32, § 1º da LEP, no qual:

“Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão

econômica, salvo nas regiões de turismo.” (BRASIL, 1984).

Entre as formas de utilização da força de trabalho prisional externas às

unidades prisionais, observamos uma modalidade semelhante ao public-work

system (PAVARINI, 2006), no qual a administração carcerária firma convênios

com outros órgãos estatais ou empresas prestadoras de serviços e obras ao

Poder Público, disponibilizando presos para trabalharem para estas entidades

conveniadas. Este trabalho é convencionalmente remunerado, seguindo as

normas do trabalho carcerário, previstas na LEP. No sistema prisional mineiro,

observa-se, por exemplo, que o processo licitatório para construção de algumas

unidades prisionais já previa a utilização de presos em sua edificação.

Mas, para fins deste trabalho, interessa-nos, em especial, as modalidades

nas quais os órgãos de gestão do sistema prisional firmam convênios com

empresas privadas para utilização da mão-de-obra carcerária por estas empresas,

tornando-se o preso, a partir daqui, parte dos processos econômicos e produtivos

exteriores ao cárcere. A participação de entidades privadas em áreas que

primordialmente ficavam a cargo da atuação estatal remete a transformações no

modo de gestão da coisa pública, observadas a partir da década de 70, com a

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desestruturação do Estado de Bem-Estar Social e ascensão do neoliberalismo,

concomitante a crises no capitalismo e nos modos de produção.

O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State é um modelo de política e

gestão estatal no qual o Estado lança mão de todo um arsenal de

empreendimentos e programas com o objetivo de atender as necessidades e

interesses coletivos. O Estado passa, então, a interferir na ordem social e

econômica, entre outras áreas, para gerar igualdade entre os cidadãos.

A princípio, a população tem os seus direitos sociais e coletivos

valorizados. Porém, acompanhando este processo e a insurgência de interesses

cada vez mais difusos no interior da sociedade, observa-se a passagem do Estado

monoclasse, com uma configuração social mais homogênea, para um Estado

pluriclasse, multiplicando os interesses coletivos. Com isso, o Estado cresce de

maneira desmedida, interferindo nos mais variados setores da sociedade, além do

político, o econômico, social, etc., agravando mais a ineficiência na prestação dos

serviços, ocasionando a referida crise neste modelo de gestão estatal.

Com o insucesso do Estado de Bem-Estar Social, o Poder Público passa

a agir de forma mais próxima aos moldes neoliberais, advindo deste contexto, a

idéia da participação popular no processo político, o chamado Estado Social e

Democrático. Concomitante às transformações nos modos de gestão estatal,

insurge o Estado Subsidiário, não mais tendo a figura do Estado como principal

prestador de serviços a população, mas um Estado que estimula a iniciativa

privada a executar e explorar economicamente serviços que originalmente seriam

ofertados pelo Poder Público. Com isso, diminui o tamanho e o campo de atuação

do Estado e flexibilizam-se os processos visando uma maior eficiência dos

serviços oferecidos à sociedade.

No entanto, ao invés de proporcionar à sociedade a aptidão para a solvência dos seus problemas, o desarranjo do Estado protetor tem servido para ampliação da distância entre o cidadão e a cobertura de suas necessidades básicas, uma vez que prega uma mentalidade voltada para o mercado, além da simplificação progressiva dos gastos sociais. (LYRA, 2007, p.77)

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Na área de política criminal e penitenciária, a legislação, com o objetivo

de suprir uma estrutura já deficitária no contexto do trabalho prisional, confere as

empresas que se interessam pela utilização da mão-de-obra carcerária, uma série

de prerrogativas: remuneração inferior ao salário mínimo, inexistência de encargos

sociais e trabalhistas, ou de vínculo empregatício, ausência de negociações

sindicais ou greves, entre outras.

Na tentativa de aplacar os efeitos produzidos por essa realidade, o Estado assume uma função subsidiária e delega a entes privados a função de proporcionar ao detento meios para que o mesmo possua condições de trabalhar. Com esse propósito o sistema penitenciário adota políticas públicas que valorizam o trabalho prisional. Tais políticas visam integrar a sociedade e segmentos do empresariado no que diz respeito ao estímulo, adoção, implementação e consolidação da mão-de-obra prisional, destacando os efeitos e vantagens dessa oferta. (LYRA, 2007, p.77)

As empresas, por seu lado, além do marketing gerado por esta pretensa

ação social “justa e filantrópica”, começam a atuar junto à execução penal e

reinserção social de indivíduos presos, com o objetivo de obter benefícios

econômicos, garantidos pelas vantagens legais proporcionadas pela utilização dos

trabalhadores presos em relação aos trabalhadores ‘livres’, porém, mantendo

nesta relação trabalhista, a lógica do capital, baseada no mercado ‘livre’ e no

‘lucro’, dentro de uma área que, até então, era de exclusiva responsabilidade do

Poder Público.

Não é correto desconsiderar práticas dignas de elogios, contudo, a lógica que as rege é substancialmente predatória, não podendo ser citadas como exemplo de responsabilidade empresarial, uma vez que almejam benefícios financeiros e para a imagem da empresa, em troca de pequenas indulgências aos presos. (LYRA, 2007, p.80)

Neste cenário observamos duas modalidades de exploração da força de

trabalho carcerária por empresas privadas, a saber:

A primeira, na qual, empresas deslocam parte de sua produção para o

interior das unidades prisionais. A entidade particular fica total ou parcialmente

excluída do cotidiano dos presos trabalhadores. O empresário contrata os

sentenciados que trabalham em setores específicos, dentro das unidades

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prisionais, disponibilizados pela administração carcerária. Os trabalhadores presos

recebem uma remuneração, geralmente baseada em sua produtividade. A

empresa arca somente com os custos de produção, já que a alimentação e

manutenção da força de trabalho carcerária continuam sob a responsabilidade dos

órgãos de administração prisional. A instituição privada também fica desonerada

em relação ao custeio da estrutura física e aluguel das instalações, que são

disponibilizadas pela unidade prisional, bem como de sua manutenção e custos

operacionais de produção, como água e energia elétrica, entre outros, que são

mantidos pela administração prisional. Por outro lado, a empresa onera-se com

despesas referentes à aquisição de insumos para produção, instrumental

necessário para fabricação e comercialização dos produtos. A produção fabril

tende a ser baseada na manufatura, dada a dificuldade estrutural e logística para

implantação de maquinário e linhas de produção dentro das unidades prisionais.

Na segunda forma de utilização do trabalho prisional por empresas

privadas, os reclusos são contratados por estas entidades, dentro das

especificidades legais previstas pela LEP (BRASIL, 1984), e recebem autorização

judicial ou da própria administração carcerária para exercerem suas funções

laborais fora da unidade prisional. São presos que geralmente se encontram no

regime semi-aberto, e possuem o requisito objetivo, lapso temporal de

cumprimento de pena para terem direito a este benefício, e requisito subjetivo,

conduta carcerária satisfatória, diga-se, “bom comportamento”. A remuneração

fica a cargo da empresa, assim como as despesas com alimentação e

manutenção dos presos durante sua jornada de trabalho, sendo, portanto, uma

modalidade de trabalho prisional menos onerosa ao poder público. A

administração e disciplina dos presos também ficam sob a responsabilidade do

empresariado durante a jornada de trabalho. A produção fica condicionada ao

desenvolvimento tecnológico e a estrutura da empresa, apresentando, geralmente,

um caráter industrial.

Exemplo desta forma de utilização da força de trabalho prisional por

entidades privadas, o Projeto “Liberdade com Dignidade”, parceria entre uma

unidade do Sistema Prisional Mineiro e uma empresa privada, produtora de

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colchões, procura promover a reinserção social de indivíduos privados de

liberdade, através da disponibilização de postos de trabalho nas instalações da

empresa, que serão ocupados por indivíduos reclusos na unidade prisional. Este

Projeto será descrito de forma mais pormenorizada no próximo capítulo.

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4.1 O projeto “Liberdade com Dignidade”

O Projeto “Liberdade com Dignidade”, implantado em 2006, é uma

parceria público-privada, entre uma penitenciária da Região Metropolitana de Belo

Horizonte e uma empresa privada, produtora de colchões, situada na mesma

região, na qual o empregador contrata indivíduos que se encontram em

cumprimento de pena na unidade prisional, para trabalharem no interior da

empresa.

Para tanto, foi firmado um Protocolo de Ações Conjuntas e Celebrado um

Convênio entre o Estado de Minas Gerais, por intermédio de sua Secretaria de

Estado de Defesa Social (SEDS/MG), Subsecretaria de Administração Prisional

(SUAPI), Superintendência de Atendimento ao Sentenciado (SAPRI) e a referida

empresa.

Este convênio possui caráter permanente, sendo que o Protocolo de

Ações Conjuntas tem vigência prevista para 24 (vinte e quatro) meses, podendo

ser prorrogado por igual período ou ser rescindido por ambas as partes, a

qualquer tempo, mediante comunicação escrita, com antecedência mínima de 30

(trinta) dias, conforme seu termo aditivo (MINAS GERAIS, 2008).

A parceria tem o objetivo de promover a reinserção social dos

sentenciados inclusos no projeto, utilizando-se o trabalho como principal meio

para tal fim, disponibilizando aos presos postos de trabalho que proporcionem sua

profissionalização e capacitação profissional.

A Parceria visa ainda, a ocupação dos presos durante o cumprimento de pena, e a garantia dos seus direitos sociais constitucionais, a possibilidade de ganhos para sua manutenção enquanto custodiados e auxílio familiar, saúde e bem estar e principalmente a preparação para sua reinserção social, buscando através da atividade laborativa, evitar a reincidência e a diminuição da criminalidade (MINAS GERAIS, 2008, p.4)

Em âmbito prisional, o projeto, além de cumprir exigências legais

preconizadas pela Lei de Execução Penal (LEP), presta-se a promoção e

manutenção da disciplina e segurança do estabelecimento prisional, diminuição de

ocorrências disciplinares, além de promover a autoestima dos presos e gerar um

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senso de responsabilidade, não só naqueles já inseridos no projeto, mas em todos

os presos que almejam sua inclusão, além de aumentar a ‘credibilidade’ dos

presos-trabalhadores junto a instituição carcerária, seus familiares e a sociedade

(MINAS GERAIS, 2008).

Destaca-se também a possibilidade dos presos poderem custear

pequenas despesas durante seu cumprimento de pena, não contempladas pelo

poder público, como alimentos, produtos de higiene e uso pessoal, que podem ser

adquiridos por qualquer indivíduo que se encontra em cumprimento de pena

dentro do sistema prisional, desde que previstos no Procedimento Operacional

Padrão – POP (MINAS GERAIS, 2005) e autorizados pelo Setor de Segurança da

unidade prisional. Ressalta-se ainda a possibilidade dos presos poderem oferecer

assistência financeira aos familiares, com recursos provenientes de seu trabalho.

Segundo o Protocolo de Ações Conjuntas, compete à SEDS/MG, por

intermédio da Unidade Prisional e SAPRI:

a) acompanhamento das atividades de trabalho dos presos; b) disponibilizar as condições necessárias ao cumprimento do objeto

deste instrumento; c) promover, por meio da CTC (Comissão Técnica de Classificação), a

seleção dos presos; d) controlar a frequência, as atividades desenvolvidas e as horas

trabalhadas dos presos; e) promover o repasse da remuneração relativa ao trabalho do preso,

mensalmente; f) emitir relatório sobre o trabalho dos internos, ao final de cada mês, a

fim de remissão da pena; g) substituir o sentenciado que faltar, opuser resistência, ou ser

negligente ao bom desenvolvimento dos trabalhos; h) disponibilizar agentes de segurança em número suficiente para

monitorar o trabalho, garantindo a segurança. (MINAS GERAIS, 2008, p.30)

A SEDS/MG, através da SAPRI, tem a responsabilidade de acompanhar e

propiciar o bom andamento do Projeto, além de oferecer apoio institucional para

que os objetivos deste sejam alcançados, e ainda, receber as parcelas mensais da

empresa que serão posteriormente repassadas aos presos. A unidade prisional

tem a incumbência de selecionar os trabalhadores entre seus reclusos, que serão

encaminhados para a empresa, auxiliando esta, também, no controle da

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frequência dos trabalhadores presos, e reposição daqueles que deixarem os

postos de trabalho, assim que a empresa solicitar. A unidade prisional também

compromete-se a disponibilizar a devida assistência jurídica aos presos que dela

necessitem, já prevista no artigo 15 da LEP, dando ciência à vara de execução

penal sobre o andamento dos trabalhos, assim como a solicitação dos pedidos de

remição de pena por esta atividade. Responsabiliza-se também por oferecer apoio

técnico, operacional e orientações relativas a questões de segurança e disciplina

dos presos.

Os presos inseridos no projeto são selecionados entre os reclusos da

unidade prisional, com base no Programa Individualizado de Ressocialização

(PIR) elaborado pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), composta por

Psicólogo, Assistente Social, Enfermeiro, Dentista, Médico, Pedagogo e Advogado

(Auxiliar Técnico Jurídico – ATJ) e presidida por um Diretor da Unidade. No PIR

constam informações referentes à conduta carcerária do preso, situação jurídica e

aspectos biopsicossociais, experiências profissionais, suas habilidades, aptidões,

escolaridade e cursos profissionalizantes. Tais informações serão utilizadas para a

elaboração de um programa de reinserção social, específico para cada preso, de

acordo com suas peculiaridades, no qual serão previstas à disponibilização de

atividades pedagógicas, cursos de capacitação e profissionalização, e atividades

laborais, sendo realizado o acompanhamento periódico de cada recluso.

Dentro do Projeto “Liberdade com Dignidade”, o Poder Público atua mais

como um subsidiário, não abicando totalmente de suas responsabilidades

referentes à execução penal, porém, delegando a um ente privado a tarefa de

oferecer condições para a reintegração social dos sentenciados, dada uma

estrutura deficitária do sistema prisional, na qual o poder público não consegue

suprir a demanda de postos de trabalho para os presos, direito e dever destes,

conforme o capítulo III da LEP.

De acordo com o mesmo documento, compete ao Empregador:

a) Indicar, oficialmente, nome de técnico responsável para responder por esse instrumento junto à SEDS;

b) Cumprir todas as diretrizes de segurança e da administração interna da Unidade Prisional;

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c) Capacitar os presos para o bom desempenho das atividades a serem desenvolvidas;

d) Fornecer os equipamentos e utensílios necessários e de sua responsabilidade para o bom andamento dos trabalhos, em acordo com o cumprimento do Objeto deste Instrumento;

e) Depositar mensalmente, na Conta Bancária da SEDS, o valor negociado para que a Secretaria repasse o valor devido aos presos, bem como o ressarcimento ao Estado, na forma da legislação em vigor;

f) Se responsabilizar pelos custos de água e energia elétrica utilizado no âmbito do trabalho dos presos como conseqüência deste Instrumento;

g) Zelar pelos equipamentos e utensílios do Estado e que estejam disponibilizados para o cumprimento do objeto deste Instrumento.

(MINAS GERAIS, 2008, p.30-31)

Além de disponibilizar os postos de trabalho, a empresa fica responsável

pela capacitação e treinamento dos presos. Os salários também são custeados

pela empresa, assim como as despesas de produção referentes à alimentação

destes trabalhadores, seu transporte entre a empresa e a unidade prisional,

uniformes e Equipamentos de Proteção Individual (EPI's), e ainda, zelar pelas

questões de higiene e segurança no ambiente de trabalho, prestando o devido

auxílio na ocorrência de acidentes de trabalho. A empresa também se

compromete a dar ciência à unidade prisional em caso de qualquer intercorrência

durante o desenvolvimento das atividades laborais dos presos.

No início do Projeto, em 2006, foram pactuadas 6 (seis) vagas de

trabalho. A parceria, a partir de então, este foi expandida e, atualmente, a

empresa conta com 11 (onze) presos-trabalhadores atuando em suas instalações.

Em consulta ao Gerente de Produção da empresa, estima-se que já passaram

pelo Projeto cerca de 70 (setenta) presos.

A remuneração é de inteira responsabilidade da empresa empregadora,

denominada “Concedente”, que repassa, à SEDS/MG, mensalmente, através de

depósito em conta bancária, uma parcela do montante total pactuado para custeio

do salário dos presos durante o biênio no qual foi firmado o convênio, conforme o

Protocolo de Ações Pactuadas (MINAS GERAIS, 2008).

O pagamento ao sentenciado é obrigação exclusiva e indelegável da Secretaria de Estado da Defesa Social. Caberá ao Concedente creditar mensalmente, na conta bancária da SEDS, o valor pactuado, de forma que

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a Secretaria possa promover o repasse aos presos na forma da Lei. (MINAS GERAIS, 2008, p.31)

O vencimento mensal, diga-se salário ‘bruto’, pago a cada preso equivale

à ¾ (três quartos) do salário mínimo vigente, conforme preceitua o artigo 29 da

LEP (BRASIL, 1984). Deste, são descontados, a quantia referente ao

ressarcimento ao Estado de parte de suas despesas com a reclusão do preso,

mais outro montante para formação de pecúlio, depositado em conta bancária, à

parte, a qual poderá ser requerida pelo preso assim que tenha cumprido o período

de sua pena referente à privação de liberdade. O restante é encaminhado à

unidade prisional, através de transação bancária e, enfim, repassado ao preso,

através da Diretoria de Atendimento e Reintegração e Departamento Financeiro

da própria unidade, para ser usufruído por este, conforme sua necessidade e

conveniência (art. 29, § 1º, da LEP).

A empresa ainda oferece, mensalmente, a cada um de seus funcionários,

trabalhadores ‘livres’ ou presos-trabalhadores, uma cesta básica, àqueles que não

apresentarem faltas ao serviço durante este período, como forma de incentivo à

assiduidade no trabalho.

A carga horária de trabalho dos presos é a mesma dos outros

empregados da empresa, definida entre 7:00hrs. e 16:48hrs., de segunda à sexta-

feira, com possibilidade de recrutamento dos presos, entre outros funcionários,

nos fins de semana, conforme sua disponibilidade e respeitando seu direito

semanal ao descanso, de acordo com o artigo 33 da LEP. É previsto também um

horário de almoço entre 12:00hrs. e 13:00hrs.

A alimentação, durante a jornada de trabalho, é fornecida pela empresa,

sendo feita por todos os funcionários em conjunto, no refeitório da empresa. Cada

funcionário tem direito ao café da manhã e almoço. Os presos ainda recebem

alimentação ao retornarem para a unidade, fornecida pela administração prisional.

Estes saem da unidade prisional por volta de 6:00hrs. e retornam às

18:00hrs., em transporte custeado pela empresa. Esta também arca com os

custos de produção: instalações, maquinário, gastos com água e energia,

uniformes e Equipamentos de Proteção Individual (EPI's), entre outros, além de

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prontificar-se a oferecer o devido auxílio aos presos em caso de acidente de

trabalho, podendo solicitar a assistência da unidade prisional para o traslado até

uma unidade hospitalar de pronto atendimento, em situações que extrapolem suas

competências enquanto empregador. Conforme o artigo 126, § 2º da LEP, o preso

continua a fazer jus ao beneficio da remição, em caso de afastamento do trabalho

por motivo de força maior, por exemplo, acidente de trabalho, doença, etc.

A empresa também não requisitou nenhuma qualificação profissional

específica para os presos selecionados. Os presos-trabalhadores encaminhados à

empresa são distribuídos por seus setores de produção e áreas meio, de apoio

operacional. Seu treinamento e instrução são efetuados no próprio local onde o

trabalho será desempenhado. Segundo CHIAVENATO (1989), no ambiente

organizacional, esta modalidade de treinamento constitui, provavelmente, a forma

mais comum de transmissão de conhecimentos e habilidades aos empregados,

muito em razão do seu baixo custo, ‘praticalidade’ e praticidade. A empresa

também promove o rodízio dos presos pelos diversos setores de produção,

conforme seu desempenho e presteza no trabalho, e de acordo com a

conveniência e necessidade da organização, contribuindo, ainda mais, para o

processo de capacitação e profissionalização destes indivíduos.

O juiz da vara de execução, dentro de suas atribuições convencionais de

acompanhamento de cada sentenciado, também participa do Projeto, autorizando

os presos a usufruírem do benefício de Trabalho Externo, tomando ciência sobre

seu trabalho, através de relatórios e pareceres emitidos pela empresa e pela

unidade prisional, e na apreciação de Pedidos de Remição de Pena referentes a

esta atividade (descontando-se um dia de pena para cada três dias de trabalho, de

acordo com o artigo 126, § 1º da LEP).

Durante a implantação do projeto, a direção da unidade e integrantes de

sua equipe técnica fizeram visitas a empresa, promovendo palestras e orientações

no sentido de sensibilizar seus funcionários, para que o processo de acolhida dos

presos pudesse ser feito de uma forma satisfatória, não-conflitiva e menos

preconceituosa.

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A empresa vem garantindo a permanência de parte dos egressos que

passaram pelo Projeto e se destacam na realização de suas atividades, assim que

estes recebem os benefícios jurídicos de livramento condicional, prisão domiciliar

ou que seja considerada cumprida ou extinta sua pena, incorporando-os ao

quadro de funcionários com “Carteira de Trabalho Assinada”, passando a ter seu

trabalho regido sob a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). De acordo com

seu Gerente de Produção, a empresa já proporcionou esta oportunidade de

trabalho legal e ‘livre’, a cerca de 10 (dez) egressos, sendo que, destes, 6 (seis)

permanecem vinculados a empresa.

Vale citar que, em 2008, o Projeto “Liberdade com Dignidade” recebeu o

Prêmio “Qualidade de Atuação no Sistema de Defesa Social”, categoria “Grupos

Socialmente Vulneráveis”, conferido pela SEDS/MG às unidades e órgãos

subordinados a esta Secretaria que apresentam destacado desempenho de suas

atividades, e dentro dos objetivos institucionais de enfrentamento da criminalidade

e prevenção da reincidência criminal.

O Projeto “Liberdade com Dignidade” se insere entre as políticas públicas

de reintegração social de indivíduos presos. Sua proposta vale-se do trabalho

como principal meio para modificação da relação entre sujeito infrator e a

sociedade. Este Projeto está incluso em um contexto mais amplo, que abrange

aspectos relacionados à criminalidade, mercado de trabalho e o histórico de vida

particular destes indivíduos. No próximo capítulo, serão apresentadas algumas

considerações relevantes a cerca deste contexto e de sua influência sobre a

reinserção social dos indivíduos privados de liberdade.

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5. MERCADO DE TRABALHO, CRIMINALIDADE E O PRESO

O processo de desestruturação do Welfare State (Estado de Bem Estar

Social) e a ascensão da ideologia neoliberal como modelo de gestão estatal,

descritos no Capítulo 4 deste trabalho, foram acompanhados por crises que

incidiram sobre a economia mundial e sobre o modo de produção do sistema

capitalista, modificando a relação entre capital e trabalhadores, trazendo uma

nova configuração para o mundo do trabalho, principalmente a partir do início dos

anos 70 do século passado. Concomitante a esta processo, ocorreu a queda das

nações socialistas do Leste Europeu, dando vazão a tese do “fim do socialismo”

que, assimilada em conjunto com este contexto, pelos detentores do capital e pela

classe operária, contribuiu para o enfraquecimento da força de negociação desta

última, e perda de uma parte de seus direitos e conquistas.

Este processo, verificado a princípio nos países de economia mais

desenvolvida, atingiu também, ainda que de modo diferenciado, os países de

industrialização intermediária, entre estes, o Brasil. De acordo com Antunes

(2003): “Depois de uma enorme expansão de seu proletariado industrial nas

décadas passadas, estes países passaram a presenciar significativos processos

de desindustrialização” (p.231).

Na tentativa de lidar com a aceleração do processo de globalização, com

interferência dos capitais transnacionais, e o interesse em disputar um lugar no

mercado internacional, e gerenciar as crises regionais e a nível mundial, os

detentores do capital acabaram por ocasionar uma crise também no mundo do

trabalho. Em meio a este quadro, alguns teóricos chegaram a apontar o

desaparecimento do trabalho ou, de forma mais específica, o fim do proletariado,

porém, não levaram em conta que:

[...] ainda que o processo produtivo tenha avançado tecnologicamente e o sistema produtor de mercadorias tenha alcançado esfera global, a força humana de trabalho se configura fração indispensável para a reprodução do capital. Por não ser apto a se valorizar sem utilizar o trabalho humano, o capital não pode eliminar o trabalho vivo, mas acaba por diminuí-lo, concitando o desemprego de uma imensa parcela. [...] A eliminação do trabalho suporia a destruição da própria economia de mercado, uma vez

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que não haveria integralização do processo de acumulação de capital, já que as máquinas não poderiam participar do mercado como consumidoras. (LYRA, 2007, p.76)

Em consequência destes processos, observa-se a retração do modo de

produção baseado no paradigma taylorismo/fordismo, e ascensão do chamado

‘capitalismo flexível’, em conjunto com inovações tecnológicas e informacionais,

que acabaram por gerar um quadro de desemprego estrutural e demanda por uma

mão-de-obra qualificada, ainda incipiente no mercado de trabalho. Assim, “[..] vem

ocorrendo uma redução do proletariado industrial, tradicional, manual, estável e

especializado, herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e

fordista” (ANTUNES, 2003, p.230-231). O contingente de trabalhadores que não

obteve colocação neste novo cenário organizacional, procurou trabalho em

módulos produtivos precarizados, parciais, temporários e informais, ou foi

engrossar a massa de desempregados, acarretando em enormes índices de

desemprego. Com a redução do contingente de trabalhadores formais e estáveis,

observa-se a ascensão de formas desregulamentadas de trabalho e uma maior

incidência de atividades laborais informais, com vínculos temporários, trabalhos

autônomos, em domicílio, sem contratos ou garantias, “[..] situações desprovidas

de direitos e marcadas pela insegurança que geram, na vida cotidiana, além do

desemprego estrutural a insegurança e instabilidade para aqueles que trabalham”

(BARROS, 2006, p.330). O proletário industrial desestabiliza-se e ascende-se um

novo operariado, empregado em atividades fabris e de serviços. Os salários

tornam-se individualizados, segmentando a classe trabalhadora, conferindo-lhe

um papel mais complexo e heterogêneo.

Exemplo destas formas de trabalho precarizado, temporário e flexível,

novas nomenclaturas passam a ser, então, utilizadas no cenário organizacional:

terceirização, part-time, subcontratados, entre tantas outras formas assemelhadas

que se expandem em escala global. Como bem aponta Lyra (2007): “É nessa

categoria – do trabalho parcial, precário e subcontratado – que se encontra o

detento, o trabalhador encarcerado” (p.76).

Em meio a este processo, a prisão aparece como alternativa para a

necessidade de prover o parque industrial de mão-de-obra, transformando a

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massa carcerária ociosa em possível população prisional trabalhadora. Empresas

privadas começam, então, a fazer parte da execução penal e do processo de

reinserção social de indivíduos presos, tarefas originalmente atribuídas ao Estado,

a partir de novas concepções de gestão da coisa pública. Sem dispor das

finalidades retributiva e reabilitadora da pena, evidencia-se, então, a função

utilitarista, na qual, o cárcere deveria se assemelhar a uma fábrica, tanto quanto

possível, modificando o comportamento destes indivíduos através do trabalho,

além de possibilitar a inserção dos presos nos meios de produção, mesmo durante

o cumprimento de pena, ou, a partir de um processo ‘adestramento’ e disciplina,

capacitá-los de acordo com os interesses e necessidades do modo de produção

vigente, para serem inseridos de forma ‘satisfatória’ no tecido social. Assim, na

visão de Foucault (2009), a prisão visa a forjar indivíduos dóceis do ponto de vista

de sua pretensa periculosidade e úteis do ponto de vista produtivo. De acordo com

Grego (2010):

O que importa agora é a relação docilidade/utilidade, binômio fundante desta sociedade de controle. A disciplina fabrica, assim, corpos submissos, os corpos dóceis, exacerbando suas forças em termos econômicos de utilidade e aniquilando estas mesmas forças em termos políticos de obediência. (p.27)

Neste contexto, o trabalho surge, na visão dos operadores do Sistema de

Justiça Criminal, como um meio privilegiado para modificar uma dada relação

conflituosa entre sujeito infrator e sociedade, tanto daqueles encarcerados, quanto

dos que se encontram em situações precárias ou ilícitas de inserção social.

Destaca-se uma pretensa capacidade do trabalho transformar as “[...] classes

perigosas” em “classe trabalhadora”/civilizada; mas parece não ser bem assim.”

(BARROS, 2006, p.323). Segundo esta mesma autora:

“É preciso notar, no entanto, que apesar da realidade do mundo laboral mostrar-se cada vez adversas ao trabalhador, na ideologia vigente o trabalho permanece como um valor em si mesmo, negando suas contradições e a natureza da atividade real, histórica e socialmente construída; em outras palavras, sua representação continua a mesma, ou seja, a de que estar trabalhando, por si só, criará condições para uma vida que faça sentido e assim a alternativa do crime como meio de vida ficará esvaziada.” (BARROS, 2006, p.324)

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Pelo lado do trabalhador preso, os órgãos de gestão do sistema prisional

destacam as propriedades da atividade laboral que, além de contribuir para seu

cumprimento de pena e para sua reinserção social, permite ao egresso tornar-se

um agente do modo de produção, a partir do momento em que consegue uma

atividade que lhe permita a geração de renda, transformando este indivíduo em

um elemento, tanto produtivo quanto consumidor.

Brant (1994) ainda ressalta que criam-se espaços de trabalho que

deverão ser ocupados por determinados segmentos da população. “Assim como

há trabalhos de presos, há trabalhos de mulher e de criança.” ( p.27).

Barros (2006) acrescenta que:

De fato, o que se observa via de regra é a utilização da mão-de-obra encarcerada para realizar atividades que dependem de operações monótonas, repetitivas, pouco valorizadas, como por exemplo, costurar bolas de couro, dobrar caixas, montar conta-gotas, fazer vassouras, entre outras que igualmente não exigem nenhum conhecimento prévio, mas que “especializam” o detento. Além de realizarem esse tipo de atividade sem sentido, ainda são cobrados pela qualidade e produtividade e não possuem nenhum direito trabalhista. Em muitos casos as empresas enviam para as prisões a matéria prima e as exigências de produção deslocando para lá parte de suas atividades em forma de empreitada que por sua vez não cria vínculo contratual legal. (p.337-338)

Deste modo, observamos que o microcosmo penitenciário e os modos de

produção existentes no interior dos sistemas prisionais obedecem a uma corrente

produtiva mais vasta, não se configurando como um sistema fechado, hermético.

Assim, o trabalho prisional, enquanto atividade de reinserção social de indivíduos

privados de liberdade, deve ser concebido e analisado levando-se em conta este

modo de produção vigente e o mercado de trabalho proveniente deste contexto.

Por outro lado, Marx, em seus estudos, no século XIX, já assinalava a

influência do crime nas atividades econômicas e nos modos de produção

capitalista. Segundo este autor:

Um filósofo produz idéias, um poeta poemas, um pastor sermões, um professor tratados, etc. Um criminoso produz crimes. Se considerarmos de perto a ligação desse último ramo de produção com o conjunto da sociedade, nos afastaremos de muitos preconceitos. O criminoso não

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produz somente crimes, ele produz cursos de Direito Penal e, além disso, o inevitável tratado no qual este mesmo professor lança no mercado geral suas aulas como “mercadorias”. Isso implica o aumento da riqueza nacional, sem contar o gozo privado que o manuscrito do tratado proporciona a seu autor, como nos diz uma testemunha qualificada, o Professor Roscher. O criminoso produz, além disso, toda a polícia e toda a justiça penal, os beleguins, juízes, carrascos, jurados etc.; e cada uma dessas categorias profissionais, que constituem outras tantas categorias da divisão social do trabalho, desenvolve diferentes faculdades do espírito dos homens, criando novas necessidades e novas maneiras de satisfazê-las. A tortura, por si só, suscitou invenções mecânicas das mais engenhosas e ocupou uma massa de artesãos honrados na produção de seus instrumentos. (MARX apud BRANT, 1994, p.36-37)

Marx via o crime como mais uma atividade produtiva, entre tantas outras

capazes de estabilizar a ordem social, além de legitimar o poder de polícia e de

punição do Estado. Assim, o crime, percebido como um fenômeno inerente a

qualquer sociedade, produz ‘compensações’ que ajustam o equilíbrio do corpo

social. Além disso, este mesmo autor acrescenta que:

O crime tira do mercado de trabalho uma parcela supérflua da população e, assim, reduz a competição entre os trabalhadores – até o ponto em que previne os salários de caírem abaixo de um mínimo –, a luta contra o crime absorve uma outra parte desta população. Assim, o criminoso surge como um daqueles ‘contrapesos’ naturais que causam um balanço correto e abrem toda uma perspectiva de ocupações ‘úteis’ (MARX apud SIQUEIRA, 2008, p.61)

Pavarini (2006) relata conflitos nos Estados Unidos, “decorrentes da

concorrência entre o trabalho livre e o trabalho carcerário” (p.195). Segundo este

autor, formas que utilizavam mão-de-obra carcerária, principalmente aquelas que

lançavam seus produtos no mercado comum, encontraram forte oposição da

classe operária e dos sindicatos norte-americanos, muito em razão das vantagens

competitivas de utilização da força de trabalho prisional, diminuição dos custos de

produção, remuneração bem inferior aos salários pagos aos trabalhadores ‘livres’,

baixos investimentos em maquinário e instalações fabris, etc. “Inevitavelmente,

porém, a exploração do preso-trabalhador tende a acentuar-se até atingir a níveis

insuportáveis; ao mesmo tempo, a competição entre trabalho livre e trabalho

carcerário leva as organizações da classe operária a lutar pela abolição deste

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sistema ocupacional, visto, corretamente, como um meio para deter a espiral

salarial.” (PAVARINI, 2006, p.197)

Porém, como bem aponta Foucault (2009), sobre um processo similar

ocorrido na França, por volta dos anos de 1840-1845:

O trabalho penal não pode ser criticado pelo desemprego que provocaria: com sua parca extensão, seu fraco rendimento, ele não pode ter incidência geral sobre a economia. Não é como atividade de produção que ele é intrinsecamente útil, mas pelos efeitos que toma na mecânica humana. É um princípio de ordem e de regularidade; pelas exigências que lhe são próprias, veicula, de maneira insensível, as formas de um poder rigoroso; sujeita os corpos a movimentos regulares, exclui a agitação e a distração, impõe uma hierarquia e uma vigilância que serão ainda mais bem aceitas, e penetrarão ainda mais profundamente no comportamento dos condenados, por fazerem parte de sua lógica (p.228)

Por outro lado, em conjunto com os processos que levaram a

desestruturação do modelo de gestão baseado no Welfare State, e a consequente

ascenção da ideologia neoliberal, concomitante às crises no modo de produção

capitalista, acarretando na transformação do mundo do trabalho, observa-se o

aumento dos níveis de criminalidade e violência, principalmente em aglomerados

e favelas dos grandes centros urbanos, a partir dos anos 70, e a intensificação

deste fenômeno durante os anos 80 e 90, permanecendo as altas taxas de

ocorrência nos anos subsequentes.

Grande parte das análises sobre a criminalidade e violência passam,

então, a associar este fenômeno à pobreza e à precariedade sóciofinanceira. Os

espaços onde reside a população pauperizada são, a partir de então, rotulados

como locais ‘perigosos’, o lócus preferencial de atuação da criminalidade.

Paralelamente, uma ação mais violenta do tráfico de drogas se ascende nestas

áreas, reforçando ainda mais o preconceito e estigmatização de seus moradores.

No entanto, crime e violência são fenômenos complexos, que envolvem

aspectos culturais, sociais, econômicos, políticos, jurídicos, entre outros, e sua

prevenção deve levar em conta fatores que podem ser abarcados pela atuação do

Sistema de Justiça Criminal, extrapolar seu campo de ação ou mesmo ultrapassar

as capacidades de intervenção estatal. Além disso, a sociedade pode e, em

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alguns casos, participa deste processo, exercendo um papel complementar no

enfrentamento da violência e prevenção da reincidência criminal.

O trabalho prisional, entendido como política pública que visa a prevenção

da reincidência criminal, dentro da execução penal efetuada pelo Estado, com ou

sem a presença de um ente privado, também se insere neste contexto amplo,

onde devem ser considerados diversos fatores, entre estes, o lugar que o sujeito

ocupará e o campo de interação deste no tecido social, quando deixar o cárcere,

suas oportunidades de acesso ou dificuldades para se inserir no mercado de

trabalho, valendo-se de modos de vida lícitos e ilícitos para lidar com seus

conflitos, e seu histórico de vida, já marcado pelo cometimento de práticas

consideradas delitivas, que o levaram à condenação e ao encarceramento, além

de seu envolvimento com a criminalidade, que se manifesta enquanto fenômeno

local e social, se expressando de diversas formas, nos diferentes segmentos da

sociedade.

Cada sociedade em particular, conforme seu contexto histórico e sua

configuração social, econômica, política e jurídica, apresenta formas peculiares de

manifestação da criminalidade e da violência. Nossa sociedade, pautada pelo

capitalismo e por seu modo de produção, também possui formas próprias de

expressão deste fenômeno, assim como meios particulares para lidar com essa

realidade, que podem aumentar ou diminuir sua incidência, e ainda, de acordo

com os interesses dessa sociedade e, principalmente, daqueles que mais

influenciam seus mecanismos de regulação, através da prescrição de condutas

consideradas criminosas e transgressoras da ordem social.

Como bem aponta Siqueira (2008), a classe hegemônica, em especial,

aquela detentora do capital, “[...] ditará as normas de convivência na sociedade

segundo os seus interesses, em detrimento dos interesses dos desprotegidos”

(p.60). Assim, tipificam os delitos de acordo com as necessidades de segurança e

de proteção do patrimônio desta classe. As transgressões transformam-se em

tipos penais, categorizados pelos códigos legais brasileiros e punidos pelo

Sistema de Justiça Criminal, variando-se a intensidade da punição, conforme os

interesses desta classe mais favorecida, fazendo, por exemplo, com que crimes

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de “colarinho branco” apresentem uma punição mais branda que o furto simples,

crimes contra o patrimônio sejam passíveis de uma punição igual ou até superior

do que os crimes contra a vida.

Na visão de Foucault (apud Mameluque, 2006):

[...] tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as mais importantes na determinação da subjetividade, pois, por meio delas, é possível estabelecer formas de relações entre os indivíduos. Tais práticas, submissas ao Estado, passam a interferir e a determinar as relações humanas e, em conseqüência, determinam a subjetividade do indivíduo. (p.622)

O grande contingente que compõe a massa carcerária, composto em sua

extrema maioria por integrantes das classes subalternas, também contribui para a

reflexão sobre o fenômeno da criminalidade e violência, em interação com os

mecanismos que regulam a ordem social, em especial, os modos de ação do

Sistema de Justiça Criminal e as condutas ditadas como delitivas. Desconstruindo

concepções que apontam um dado fator criminogênico nos segmentos mais

pauperizados da sociedade, observamos que a maior parte da população

desfavorecida, mesmo submetida a uma condição de privação e de dificuldades

de acesso a serviços e oportunidades, que deveriam ser ofertados pelo Estado de

Bem Estar Social, mantém-se nos limites ditados pela lei, vivendo de forma

honesta, a despeito das dificuldades em obter recursos para suprir suas

necessidades e carências.

Nas palavras de Barros (2006):

[...] a correlação direta entre criminalidade e pobreza é desmentida de chofre constatação empírica da existência de um contingente importante de pessoas que, apesar das péssimas condições de vida material, se mantém dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelo Estado, embora ameaçadas/submetidas pela violência. De fato, a precariedade de condições de vida decorrente do desemprego não significa uma vontade individual de não trabalhar, mas uma imposição do sistema produtivo, cada vez mais seletivo e excludente. (p.323)

O crime, além de outras atividades, de caráter laborativo e informal, vem

se constituindo como uma saída para uma parcela deste contingente, não para

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sua totalidade, mas para uma minoria, que recorre à prática criminal como

alternativa de sobrevivência, “tornando-se criminosos porque assim são rotulados

pela classe dominante, que tem seus interesses ameaçados.” (SIQUEIRA, 2008,

p.61). Salienta-se ainda que crime e violência são fenômenos inerentes a qualquer

segmento da sociedade, não se restringindo as classes subalternas, também

incidindo entre aqueles mais favorecidos. Por exemplo, o tráfico e o consumo de

drogas são praticados por integrantes de todas as classes da sociedade, porém,

sua ação e a violência gerada por esta prática tornou-se mais evidente em

aglomerados e favelas dos grandes centros urbanos, direcionando a atenção da

sociedade, apreensiva pela sensação de insegurança, e o policiamento ostensivo,

principalmente, para estes locais.

Observamos que pobreza, miséria, desigualdades sociais, entre outros

fatores, abrangidos pela idéia da ‘exclusão social’ não esgotam as explicações

sobre o fenômeno da criminalidade. Os estudos de Sawaia (2001) e Martins

(1997), entre outros, apontam que ‘exclusão’ tornou-se um termo utilizado

hegemonicamente, em diferentes áreas de conhecimento, pouco preciso,

ambíguo, dúbio, permitindo diferentes formas de utilização, desde àquelas que

explicam a desigualdade social a partir de uma deficiência ou inadaptação

individual, passando por uma falta, na qual o cidadão é privado de algum serviço

essencial a sua vida e a sua dignidade, vivendo a parte do quadro social, até

aspectos voltados para injustiça e exploração social. Grande parte das análises

que procuram definir este termo, enfocam uma de suas características em

detrimento das demais, “como as análises centradas no econômico, que abordam

a exclusão como sinônimo de pobreza, e as centradas no social, que privilegiam o

conceito de discriminação, minimizando o escopo analítico fundamental da

exclusão, que é o da injustiça social.” (SAWAIA, 2001, p.7)

Este processo se dá de diversas maneiras, conforme o contexto e os

atores envolvidos, manifestando-se de forma mais intensa ou mais velada, agindo

em interações individuais ou coletivas, partindo-se do pressuposto de uma relação

não linear, desigual, assimétrica, “[..] construída a partir de um modelo de

desenvolvimento econômico social, em que alguns são incluídos, outros pouco

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incluídos e os demais, para o funcionamento desse modelo, deverão ser excluídos

econômica e socialmente.” (SIQUEIRA, 2008, p.59)

Assim, Martins (1997) observa que:

Todos os problemas sociais passam a ser atribuídos mecanicamente a essa coisa vaga e indefinida a que chamam de exclusão [...], como se a exclusão fosse um deus-demônio que explicasse tudo. Quando, na verdade, não explica nada. Ao contrário, confunde a prática e a ação da vítima, que anseia por justiça e por transformações sociais. [...] O rótulo acaba se sobrepondo ao movimento que parece empurrar as pessoas, os pobres, os fracos, para fora da sociedade, para fora de suas “melhores” e mais justas e “corretas” relações sociais, privando-as dos direitos que dão sentido a essas relações. Quando, de fato, esse movimento está empurrando para “dentro”, para a condição subalterna de reprodutores que não reivindiquem nem protestem em face de privações, injustiças, carências. (p.16-17)

A ‘exclusão’, por ser um processo complexo, multifacetado e sutil, que

envolve sujeito em sua relação com os outros, torna-se um termo estanque, que

sustenta as mais diversas explicações, entre estas, a relação entre pobreza e

criminalidade que, quando confrontadas com a realidade e o cotidiano destas

pessoas são colocadas em xeque, principalmente porque estes sujeitos,

categorizados como ‘excluídos’, não estão à margem da sociedade, mas

sustentam e repõem a ordem social, porém, sofrendo muito neste processo.

Aqueles que utilizaram o crime como uma forma de lidar com sua condição, ainda

se veem marginalizados em dois sentidos, por um lado, encontram-se,

geralmente, à margem dos benefícios e oportunidades que a sociedade oferece a

uma minoria e, por outro lado, vivenciam a marginalização em seu sentido mais

evidente, na clandestinidade das práticas criminais.

Segundo Barros (2006):

É inegável, no entanto, que os sujeitos ditos “excluídos” permanecem, efetivamente, dentro das fronteiras da convivência, participando e criando estratégias para sobrevier, que vão de uma adesão passiva a esta lógica a ações no sentido de transgredir/influenciar e/ou mudar as regras do jogo. No primeiro caso, da adesão passiva, verifica-se uma assimilação/reprodução da ideologia neoliberal de que cada um pode, isto é, tem o direito de participar, de competir de acordo com seus méritos, suas escolhas e capacidades – assim, o sucesso ou fracasso é de responsabilidade exclusiva do indivíduo. Os problemas não são percebidos como resultado de relações de força, mas são moralizados e

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pior, naturalizados – explicados por incapacidades individuais culturais, biológicas, herdadas, ou adquiridas, de se integrar e participar. No segundo caso, de confronto e/ou transformações do estabelecido, encontram-se os sujeitos de nossas reflexões: aqueles que tentam subverter/transgredir a ordem instituída, tanto através de movimentos que buscam valorização/qualificação de vidas e espaços estigmatizados, quanto através de movimentos que confrontam violentamente esta ordem. (p.326)

Entre as formas que procuram transgredir a ordem instituída, destacam-

se, também, aquelas nas quais, busca-se contestar ou modificar a ordem social e

as relações de força impostas, muitas vezes de forma precária, informal, como,

por exemplo, movimentos sociais, culturais, entre outros, tão comuns nos círculos

de convivência e nas manifestações das populações mais vulneráveis.

Como se vê, o que se entende por ‘exclusão’, não é na verdade ausência

de relação social. Pelo contrário, ninguém está fora do tecido social, todos

vivenciam este processo, partilhando dos recursos da sociedade, com maiores ou

menores dificuldades de acesso às ‘oportunidades’. Nas palavras de Sawaia

(2001):

Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico. (p.8)

No entanto, este processo cria mecanismos que, no entendimento do

senso comum, torna esta condição, uma realidade aceitável, responsabilizando as

pessoas subordinadas a este processo, desconsiderando relações de força, de

vulnerabilidade e de submissão. Assim, aqueles que aderem a esta condição de

uma forma passiva, não-contestadora, dentro dos limites que a ordem social lhe

possibilita, são considerados como acomodados, incapazes ou inadaptados;

outros que, buscam subverter a ordem instituída, de forma violenta ou

transgressora, são percebidos a partir de um ponto de vista moralizador,

reduzindo as práticas delitivas a uma questão individual, de falta de caráter ou de

moral, ou explicando sua transgressão a partir de uma pretensa ‘socialização’

desvirtuada, ou, ainda, compreendendo a criminalidade e violência a partir de um

ponto de vista sociológico, como um fenômeno mais propenso de ocorrer em um

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determinado grupo da sociedade, possuidor de uma dada ‘anormalidade social’,

fazendo-se necessário, reformas sociais e intervenções neste meio.

Por isso, rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, por que não se trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas de poder. Elas constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando. As reações não ocorrem de fora para dentro; elas ocorrem no interior da realidade problemática, “dentro” da realidade que produziu os problemas que as causam. (MARTINS, 1997, p.14)

A partir deste processo e de seus mecanismos de autoregulação e

autosustentação, ocorre uma transmutação da condição de ‘excluído’ em

‘incluído’, ou seja, o que é percebido, a princípio, como uma situação de

‘exclusão’, é, na verdade, um mecanismo que contribui para que as interações

sociais ocorram dentro de determinados limites, sustentando a ordem social, o que

nas palavras de Sawaia (2001), é descrito como inclusão perversa.

Mesmo o preso, que sofreu um processo de marginalização, social e

criminal, agora, atrás das grades, está inserido no tecido social. As muralhas e

grades o separam do convívio, mas as influências são recíprocas de ambos os

lados, ainda que cerceadas por normas e muralhas, acontecem. Todos são, a

princípio, concebidos implicitamente como produtivos, e o emprego do preso como

mão-de-obra pelo Estado e, principalmente, por entes privados, evidencia sua

utilidade e sua inserção neste sistema produtivo, uma utilidade que vai além de

seus interesses em relação ao seu cumprimento de pena e da promoção de sua

reinserção social.

Acompanhando o pensamento de Barata (1990), de que: “Os muros da

prisão representam uma barreira violenta que separa a sociedade de uma parte de

seus próprios problemas e conflitos” (p.3), Alvino Augusto de Sá (2010) destaca

que “[..] a pena privativa de liberdade acarreta um grave desserviço também à

sociedade, na medida em que, pela natureza mesma dos “serviços” que ela lhe

presta, ela colabora para que a sociedade se aliene em relação aos próprios

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conflitos e tenha dificuldades de entrar em contato com eles.” (p.4). Atendendo

aos interesses daqueles que a aplicam, a prisão retira da cena social, ou seja, do

convívio, aqueles que são considerados ‘transtorno’, ‘incômodo’ ou ‘perigo’,

concentrando neste indivíduo tudo que existe de ruim na sociedade. Sá (2010)

acrescenta que, pretensamente: “Através da prisão, a sociedade se “purifica” e se

livra de todos os seus males” (p.2). Vale citar o artigo 90 da LEP (Brasil, 1984), no

qual: “A penitenciária de homens será construída em local afastado do centro

urbano a distância que não restrinja a visitação.” [grifo nosso]

Por outro lado, a expressão mais violenta e evidente da criminalidade,

observada nas áreas mais pobres, gera, por conseguinte, nos moradores de

outras áreas, temerosos por sua integridade e pela preservação de seu

patrimônio, uma visão, dicotomizada do corpo social, separando, dentro deste

contexto, os sujeitos em ‘bons’ e ‘maus’, ‘honestos’ e ‘bandidos’, ‘cidadãos’ e

‘deliquentes’, ‘vítimas’ e ‘agressores’, etc. As áreas onde residem as populações

mais vulneráveis, já marcadas pela violência do crime organizado, em especial, do

tráfico de entorpecentes, lugares onde se expressa de forma mais explícita o

crime e a violência, tornam-se locais estigmatizados, assim como os moradores

destas áreas. Assim, obter reconhecimento ou mesmo uma colocação no mercado

de trabalho, apresenta-se como uma oportunidade cada vez mais rara e difícil. Por

outro lado, o crime organizado seduz aqueles que se encontram mais vulneráveis

e descontentes com sua condição, oferecendo status, reconhecimento, ‘dinheiro’,

aquisição de bens materiais, etc., ou seja, uma porta de entrada para outra vida e

outra condição social, ilícita, porém, promissora diante de sua realidade.

Assim, a identificação de desempregados a vagabundos, negros a suspeitos, faz parte dos mecanismos de controle social, escondendo sob os rótulos de bandido e traficante a parte pobre da sociedade, especialmente os jovens que vivem nas favelas e periferias, que, por sua vez, passaram a ter sua existência pública reduzida exclusivamente ao crime. Causa estranheza, por exemplo, uma jornalista ou outro profissional de nível superior morar em uma favela, assim como causa surpresa a constatação empírica da existência de um contingente importante de pessoas que, apesar das péssimas condições de vida material, se mantém dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelo Estado, embora ameaçadas/submetidas pelas violência (BARROS, 2005, p.53)

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Pior situação encontra aqueles sujeitos egressos do sistema prisional,

que, além do estigma e do histórico de marginalidade, em seu sentido criminal e

social, ainda carregam a marca do cárcere e da falta de “bons antecedentes

criminais”. Daí a importância de se oferecer a estes sujeitos oportunidades que

contribuam para sua reinserção, de uma forma mais satisfatória e menos

‘perversa’, no tecido social.

Também o trabalho, a despeito de suas contradições e dificuldades de

acesso, principalmente, das oportunidades de inserção das classes subalternas no

mercado de trabalho formal, se transforma num instrumento de ‘avaliação’ ou, na

sua falta, critério de ‘suspeição’, dos sujeitos. Como bem aponta Brant: “o único

documento hábil para separar os “cidadãos” dos “elementos”, ou suspeitos, é a

Carteira de Trabalho, com contrato assinado” (BRANT, 1994, p.109). Barros

(2006) acrescenta que:

A carteira assinada, sinônimo de emprego formal, embora não garantindo acesso material aos direitos, tem o papel de controle de populações excluídas dos direitos fundamentais, especialmente o pobre e o negro: “sou trabalhador, não sou bandido” aparece no discurso corrente, como uma dicotomia que caracteriza o sujeito; o discurso moralista do “ou é uma coisa ou outra” é assimilado e reproduzido tanto pela própria população ‘marginalizada’ – que está à margem dos direitos, sobretudo do direito ao trabalho, e por isso mesmo é marginalizada no sentido criminal – quanto pelos aparelhos repressivos que colocam sob suspeição aquele que não tem como provar que “é um trabalhador”, ou um cidadão. (p.330)

No interior das unidades prisionais, o trabalho também cumpre sua tarefa

de oferecer critérios para dicotomização da massa carcerária, possibilitando uma

compreensão dual entre aqueles que permanecem ociosos e aqueles que

trabalham, mesmo que isso seja um privilégio para poucos presos, melhorando,

assim, seu ‘conceito’ junto à administração prisional, fazendo com que se

destaquem da massa carcerária e sejam percebidos como indivíduos

disciplinados, respeitadores da rotina e das normas carcerárias.

Não queremos, aqui, defender ou justificar o cometimento de práticas

criminais, nem esgotar as análises sobre o fenômeno de violência e criminalidade,

consideramos que este é um longo caminho, havendo-se muito ainda por fazer.

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Porém, objetivamos com esta exposição, apontar que este fenômeno se encontra

em um contexto amplo, de relações assimétricas, permeado por forças desiguais,

que atuam de forma interacional no interior do tecido social, não se reduzindo

simplesmente, a relações de carência, falta, ou aspectos individuais relacionados

ao caráter e a moral dos indivíduos ditos ‘deliquentes’, ‘criminosos’, ou dadas

‘anomalias sociais’.

Assim, foram apresentados fatores sócio-históricos mais amplos,

referentes ao mercado de trabalho, criminalidade e ao preso, presentes no

contexto da sociedade, que se influenciam e interagem entre si e com a proposta

de reinserção social de indivíduos presos. No próximo capítulo serão abordados

aspectos mais particulares, voltados para o trabalho prisional enquanto

instrumento de reintegração social, em seu contexto mais particular, a execução

penal, o sistema prisional e os atores envolvidos neste processo, entre estes, as

entidades privadas que utilizam a mão-de-obra carcerária em seus setores

produtivos.

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6. TRABALHO PRISIONAL E REINTEGRAÇÃO SOCIAL

A pena de prisão apresenta resultados insatisfatórios quanto à capacidade

de reconstituir a relação entre o sujeito infrator e a sociedade onde este está

inserido. Apesar de todas as propostas e modificações implantadas nas prisões,

elas não cumprem com seus fins, principalmente quando se toma por base os

altos índices de reincidência criminal. Contrariamente, a prisão acabou por adquirir

uma configuração tal que a torna capaz de transformar-se em um ambiente

criminogênico, uma verdadeira ‘universidade do crime’.

Mesmo em seu interior, observa-se a atuação da criminalidade, violência,

extorsões, corrupção, tráfico de drogas, gerenciamento do crime organizado,

principalmente, após o advento dos aparelhos de telefonia celular, além da

proliferação de facções criminosas pelas unidades prisionais do país, como, por

exemplo, o ‘PCC (Primeiro Comando da Capital)’ e o ‘Comando Vermelho’, que

tem seu foco de ação, respectivamente, nos estados de São Paulo e Rio de

Janeiro, mas que já se infiltram em outras unidades da Federação.

Por outro lado, de uma forma geral, os sistemas prisionais, apesar de

progressivas modificações históricas, conceituais, normativas, estruturais,

profissionais, dentre outras, mantém vícios em sua organização institucional,

prevalecendo uma lógica interna, repressiva, subjugadora e punitiva, sendo

frequentemente classificados como: ambientes insalubres, superlotados,

marcados pela promiscuidade e violência, verdadeiros ‘depósitos humanos’,

contrários a qualquer proposta de re-orientação da relação preso-sociedade de

uma forma que possa ser considerada favorável a estes indivíduos.

A desestruturação da gestão estatal baseada na concepção do Estado de

Bem Estar Social e a ascensão da ideologia neoliberal, agravou ainda mais este

cenário. Segundo Baratta (1990), tal crise, “[...] que se espalhou em todo o mundo

ocidental entre os anos 70 e 80, suprimiu boa parte da base material dos recursos

econômicos destinados a sustentar uma política prisional de ressocialização

efetiva.” (p.1)

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Diante deste quadro, alguns teóricos, entre estes Bitencourt (1993),

chegaram a apontar a “falência da pena de prisão”. O que, segundo Baratta

(1990), levou a dois pontos de vista: o primeiro, no qual se reconhece o fracasso

da prisão enquanto instituição de prevenção especial positiva, ressocializadora,

capaz de reinserir o egresso na sociedade. A privação de liberdade significaria,

deste modo, mais do que nunca, um castigo imposto, uma penitência, destacando-

se seu caráter punitivo e de expiação. “Renascem, dessa forma, concepções

“absolutas”, compensatórias à pena ou, entre as teorias “relativas”, se confirma a

da prevenção especial negativa” (BARATTA, 1990, p.1), onde o que se busca é na

verdade uma incapacitação ou neutralização daqueles considerados ‘perigosos’,

que ameaçam a ordem estabelecida. No segundo caso, volta-se para uma nova

ideologia na concepção do ‘tratamento’ penitenciário, levando-nos a afirmação de

uma norma contrafactora, na qual, deve ser continuamente ressaltado o lugar da

ressocialização, ainda que considerada sua ineficiência preventiva da reincidência

criminal, para não abrir caminho àqueles que advogam em favor de um movimento

neoliberal de adoção de penas retributivas e/ou neutralizadoras.

Minha opinião é que toda essa discussão não passa de uma falsa questão. Pode-se, e deve-se, escapar tanto da falácia naturalista quanto da idealista. O ponto de vista de como encaro o problema da ressocialização, no contexto da criminologia crítica, é aquele que constata – de forma realista – o fato de que a prisão não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente. (BARATTA, 1990, p.2)

Segundo este autor, o primeiro ponto de vista, acabaria por naturalizar os

aspectos repressivos e deletérios da pena de prisão, tanto para o criminoso,

quanto para a sociedade. De acordo com Sá (2005): “O criminoso passa a ser

então um concentrado de todos os males da humanidade, e a sociedade tem

necessidade urgente de puni-lo severamente, prendê-lo, segregá-lo, pois assim

estará punindo o que existe de ruim dentro dela” (p.3). Além disso, a prisão acaba

por rebaixar sua auto-estima e aniquilar suas capacidades, diminuindo, ainda

mais, suas possibilidades de reinserção no tecido social de uma forma mais

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satisfatória e harmônica e menos conflitiva e ‘perversa’. Como se pensaria em

reinserir estes indivíduos, quando o que se consegue de fato é isolá-los e

estigmatizá-los? Por outro lado, a valorização do caráter punitivo da pena,

impediria que a sociedade pudesse se confrontar com seus próprios conflitos e

contradições.

Permanecerá dentro dela somente o que é bom, formando-se então dois mundos distintos e separados: o dos bons (cidadãos justos e honestos) e dos maus (“bandidos”). A sociedade tem muito medo de manter dentro dela, como um problema seu, os seus membros por ela tidos como criminosos, não só pelo perigo real que eles possam representar (o que até pode ser uma verdade da parte de um grupo deles), mas também pelo risco que ela corre de vir a se deparar com uma realidade inerente a ela, a todos os seus membros. (SÁ, 2005, p.3)

O segundo ponto de vista acarretaria em uma concepção idealista da

pena de prisão, lançando mão de toda uma série de recursos e esforços em favor

de uma concepção ressocializadora, ‘impossível’ de ser alcançada. Assim, esta

norma contrafactora, com o intuito de salvaguardar uma ideologia humanizada da

pena de prisão, acabaria, na verdade, por reforçar de forma implícita o seu oposto,

a prisão como lugar de punição, castigo e expiação, contribuindo para

manutenção do sistema prisional no modo com que se encontra organizado

atualmente.

Porém a reintegração de pessoas privadas de liberdade à sociedade deve

ser fundamentada em bases realistas, levando-se em conta a condição do preso,

seu histórico de vida marginal, tanto social quanto criminalmente, sua condição

carcerária, e a relação entre este e a sociedade onde está incluso de forma

‘perversa’, uma relação marcada por contradições e relações de força desigual,

além da distribuição diferenciada de serviços e oportunidades.

Ainda assim, a forma como a sociedade está estruturada, seu arcabouço

normativo, seu sistema de justiça criminal e mecanismos de manutenção da

ordem social, fazem com que a prisão seja um instrumento imprescindível para

seu contexto, uma realidade que não tem como ser banida ou desconsiderada. De

acordo com Sá (2005):

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[...] a pena privativa de liberdade, um mal necessário, deveria ser reservada para aqueles casos que constituem real ameaça e perigo para a sociedade, e que sua duração fosse dosada, não para satisfazer ímpetos de vingança, mas tomando como critério uma margem de suportabilidade e a garantia de esperanças para o apenado, dentro da preocupação de uma política criminal saudável. (p.5)

Como bem aponta Baratta (1990): “Não se pode conseguir a reintegração

social do sentenciado através do cumprimento da pena, entretanto se deve buscá-

la apesar dela” (BARATTA, 1990, p.2), melhorando-se, para tanto, as condições

carcerárias e os mecanismos que se propõem à promoção da reintegração social,

para que tal contexto não seja tão adverso à proposta de reinserção destes

indivíduos na sociedade, quanto se apresenta atualmente. Na visão de Baratta

(1990):

Nenhuma prisão é boa e útil o suficiente para essa finalidade, mas existem algumas piores do que outras. Estou me referindo a um trabalho de diferenciação valorativa que parece importante para individualizar políticas de reformas que tornem menos prejudiciais essas instituições à vida futura do sentenciado. Qualquer iniciativa que torne menos dolorosas e danosas à vida na prisão, ainda que ela seja para guardar o preso, deve ser encarada com seriedade quando for realmente inspirada no interesse pelos direitos e destino das pessoas detidas e provenha de uma mudança radical e humanista e não de um reformismo tecnocrático cuja finalidade e função são as de legitimar através de quaisquer melhoras o conjunto do sistema prisional. (p.2)

Além disso, deve-se buscar uma reflexão, não só da concepção e

organização do sistema prisional, mas de todo o contexto que o cerca. Também

são necessárias modificações na sociedade, no tecido social que abarca a prisão

e legitima sua ação enquanto instrumento penal de manutenção da ordem

estabelecida, uma transformação capaz de desconstruir a mentalidade vingativa e

punidora, prevalente durante o desenvolvimento histórico-social da pena de

prisão, e vigente ainda hoje, e a concepção dual que associa o preso ao

‘delinquente’ e ao ‘mal’, separando-o do cidadão livre, ‘vitimado’, em voga no

senso comum. Esta forma de perceber a prisão e seus reclusos, acaba por afastar

a sociedade de seus próprios problemas e conflitos, tornando-se um empecilho

para que os atores envolvidos na execução penal, presos, funcionários,

voluntariado e a própria sociedade, possam refletir sobre as contradições,

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impasses e limites, envolvidos nesta tarefa e superar seus vícios, estigmas e sua

resistência à mudança. Em resumo, “[...] o entendimento da reintegração social

requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a

sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por

sua vez, se reconheça na prisão.” (BARATTA, 1990, p.3)

A idéia de reintegração social demanda que a sociedade assuma uma co-

responsabilidade ativa e consciente nesta proposta, considerando-se processos

sociais, econômicos, históricos, políticos, jurídicos, entre outros, que compõem o

macrocosmo social e interferem no microcosmo da vida particular de cada

indivíduo, neste caso especial, daqueles que por uma transgressão das normas

estabelecidas, foram condenados à pena privativa de liberdade. Por outro lado,

observa-se a necessidade de se alterar o entendimento jurídico e prisional sobre o

detento, onde o mesmo é visto, não como um sujeito, mas como objeto,

subjugado, passivo, susceptível de intervenções externas a ele. Dentro da

execução penal, também se deve buscar uma drástica redução da privação de

liberdade, substituindo o sistema de penas adotado atualmente no Brasil, por

novas práticas que aproximem o contexto da prisão da realidade social, nas

palavras de Baratta (1990), uma “descarcerelização”, ou seja, menos cárcere e

mais interação entre prisão e sociedade, promovendo-se oportunidades gradativas

de reinserção ‘assistida’, em outro meio, exterior às unidades prisionais.

Como bem aponta Brant (1994):

A dificuldade mais saliente da política de regeneração está no fato de que o cárcere jamais reproduz a sociedade normal. Ainda que fosse possível impor aos condenados modelos de conduta, eles sempre se distanciarão da sociedade externa. [...] cria-se uma outra sociedade no cárcere totalmente distinta daquela onde se pretende reintegrar o condenado. (p.109-110)

O retorno ao convívio social significa o reaprendizado de certos códigos que a prisão subverteu. Ao contrário do mito da re-socialização, verifica-se que o universo carcerário representa, ele próprio, o desvio. Retomar o convívio social só será possível “na rua”, em sociedade. É aí que entram em cena a família, os amigos e o trabalho. (p.142)

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Diante desta análise, Baratta (1990) questiona a utilização de termos, tais

como ‘ressocialização’, ‘tratamento’, ‘readaptação’, ‘reeducando’, entre outros

similares, heranças anacrônicas da Criminologia Positivista, que pressupõem uma

postura passiva do detento e ativa das instituições responsáveis pela execução

penal, ao se conceber este como um indivíduo desviante, anormal, inferior, e

considerar, acriticamente, a sociedade como ‘boa’ e o preso como ‘mau’.

Em substituição a esses termos tradicionais relativos ao “tratamento penitenciário”, Baratta (1990) propõe o termo reintegração social, para designar o objetivo a ser perseguido no trabalho de assistência aos presos e de facilitar-lhes o reingresso na sociedade. Entende ele por reintegração social todo um processo de abertura do cárcere para a sociedade e de abertura da sociedade para o cárcere e de tornar o cárcere cada vez menos cárcere, no qual a sociedade tem um compromisso, um papel ativo e fundamental. (SÁ, 2005, p.21)

Esta concepção pressupõe a ocorrência de um processo de

marginalização primária, no qual o sujeito foi submetido a uma relação antagônica

e ‘perversa’, onde fatores presentes no tecido social potencializaram seu

envolvimento em práticas tipificadas como criminosas. O Estado, detentor do

poder de polícia e de punição, e legitimado pelo corpo social, vem formalizar esta

relação através do processo legal, imputação da culpa ou responsabilidade,

condenação, sentença e, por fim, destituição do direito à liberdade, entre outros. A

partir daí, ocorre outro processo, de marginalização secundária, durante sua

passagem pelo Sistema de Justiça Criminal, agregando novos elementos a este

primeiro processo, entre estes a dicotomização e estigmatização do sujeito, agora

preso, considerado como o ‘mau’, ‘perigoso’, uma ‘ameaça’ que tem de ser

retirada da cena social, neutralizada e/ou incapacitada. Assim, este sujeito,

marginalizado social e criminalmente, tem cada vez menos condições de

reconfigurar sua relação com a sociedade de uma forma mais favorável para si

mesmo. Posto na condição de egresso do sistema prisional, continua a carregar

todas as marcas e efeitos deletérios deste processo, reinserido, mais uma vez, de

forma ‘perversa’ no tecido social, impelido mais para a reincidência criminal do que

para qualquer outra forma de integração ao meio. Se vê, então, não dentro de um

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círculo vicioso, mas de uma espiral que caminha para o centro e baixo, para

degradação de sua pessoa.

Diante deste quadro, cabe a cada um dos atores envolvidos na proposta

de reintegração social, minorar os efeitos decorrentes da condição ‘perversa’, na

qual se encontra o preso. No caso do sistema prisional, dentro de suas atribuições

e competências, preconiza-se seu acompanhamento, através de uma série de

instrumentos, entre estes, a assistência biopsicossocial, religiosa e jurídica,

instrução educacional e profissional, além de atividades laborais, compensando,

dessa forma, situações de privação e carência, para que este processo possa ser

revertido em uma reinserção positiva do preso na sociedade.

Para Baratta (1990), todo este instrumental utilizado pelo Sistema

Prisional deve ser visto como um “benefício”, e não como “tratamento” dado ao

preso, inclusive o trabalho prisional. As oportunidades laborais não podem ser

mais um privilégio de poucos, mas uma oportunidade oferecida a toda a massa

carcerária. Tal atividade ainda possibilita a criação de um elo entre sistema

prisional e sociedade, durante o cumprimento de pena e também no período pós-

encarceramento, compartilhando oportunidades e recursos, para o progressivo

reingresso do preso, assistido pelo primeiro e complementado pelo segundo,

resguardando-se para que a utilização da força de trabalho carcerária não se torne

um objeto de exploração por qualquer um dos entes envolvidos, muito em razão

de sua condição vulnerável.

A continuidade estrutural dos programas nas duas etapas é, por sua vez, um fator integrante de abertura recíproca e de interação entre a prisão e a sociedade, de superação de rígidas barreiras estruturais entre as funções. No fim, ela é um momento de mediação entre as duas dimensões da reintegração social: uma dirigida aos presos e ex-detidos e a outra ao meio e estrutura social. (BARATTA, 1990, p.6)

Assim, a proposta de reintegração social de pessoas privadas de sua

liberdade através da atividade laboral, nos remete a formulação marxiana da

centralidada ontológica do trabalho, na qual, se reconhece o lugar central e ativo

desta atividade na experiência humana, condição sine qua non de sua

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autorealização, imprescindível à construção de sua identidade e elemento

estruturante das sociabilidades.

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso uma condição de existência do homem independentemente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana (MARX, 1996, p.172)

Dentro desta perspectiva, o trabalho ocupa uma posição central na vida

do homem, instrumento de sociabilidades, que deixa de existir ativamente quando

este ser social não mais existir, inerente a sua existência, meio pelo qual provê

sua subsistência e a de seus entes, assumindo, portanto, um caráter universal e

histórico. “Nesse sentido, a realização do ser social concretiza-se por meio da

produção e reprodução da sua existência, ato social que se efetiva pelo trabalho.

Este, por sua vez, desenvolve-se pelos laços de cooperação existente no

processo de reprodução material.” (SIQUEIRA, 2008, p.67) Assim, na tarefa de

transformar a natureza, o sujeito, através do trabalho, transforma também a si

mesmo.

Dito de outra forma o trabalho é entendido aqui em seu sentido genérico, como expressão de uma relação do ser com a natureza, em sua dupla dimensão de alterar a natureza e ao mesmo tempo autotransformar este ser que trabalha, por meio da relação com a cultura, da identificação com o grupo, da auto-realização e do sentimento de auto-estima (BARROS, 2005, p.60)

Deste modo, o trabalho, ato social, por sua posição central e constitutiva

na experiência humana, adquire, dentro da execução penal e da proposta de

reintegração social, propriedades de autorealização e autotransformação do

preso-trabalhador, capazes de resignificar a relação preso/sociedade, de uma

forma mais positiva e menos ‘perversa’.

Porém, os modos de produção, pautando-se pela lógica capitalista do

lucro e da ‘livre’ concorrência, e valendo-se do trabalho como meio primordial da

classe trabalhadora suprir sua subsistência e suas necessidades, acabaram por

transformar o trabalho em mercadoria, estabelecendo-se um valor para sua

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compra. O trabalhador, posto na condição de mero vendedor de sua força de

trabalho, estranha o exercício de sua própria atividade, não se percebendo como

sujeito realizador e parte promotora deste processo.

O trabalho estranhado, por sua vez, é aquele onde o trabalhador, transformado em força de trabalho, não se identifica, não se reconhece no que faz; é o trabalho que não garante autonomia e reconhecimento e ao garantir alguma sobrevivência material, o faz de tal forma que aos trabalhadores fica vedada qualquer outra possibilidade de que não seja a cotidiana reprodução de suas forças. [...] Neste sentido, se através do trabalho não se consegue sair do anonimato, ou seja, imprimir sua marca ao mundo e outras condições de reconhecimento estão igualmente impedidas (participação política, cultural,...) a busca por reconhecimento dar-se-á, muito provavelmente, por outras vias que poderão não estar circunscritas aos limites da lei. (BARROS, 2006, p.324-325)

Este estranhamento não se resume somente ao exercício de sua

atividade, mas se estende também ao produto de seu trabalho, seja bem ou

serviço. O trabalhador não consegue fazer, assim, uma relação entre seu esforço

imprimido no meio e o resultado de sua ação, não reconhece o fruto de seu

trabalho.

Aranha e Dias (2009), acrescentam que:

Nestas circunstâncias, o trabalho torna-se algo alheio, alienante e alienado, embrutecedor, desinteressante e fonte de sofrimento para o trabalhador. E transforma-se num empecilho para o fortalecimento dos vínculos entre os homens, para o trabalhador reconhecer-se como criador e transformador. Contribui para o isolamento humano, para o estranhamento do homem enquanto gênero. Reduz-se, assim, a um simples mecanismo de sobrevivência. (p.116-117)

Também o preso-trabalhador, dentro de sua condição de segregação e

privação, agora inserido no sistema produtivo, vê sua força de trabalho como algo

a ser ‘negociado’. Coloca-se na relação com o empregador, Estado ou entidade

privada, com objetivos particulares, alheios à sua ‘emenda’, e distintos ou até

opostos à sua reinserção social. Para ele, o trabalho tende a ser mais uma forma

de aplacar as tensões geradas pelo encarceramento, pela ociosidade em cela,

“ocupar a mente”, tentar ficar aéreo ao ambiente, insalubre, superlotado e, de

certo modo, ‘criminogênico’, além de poder assumir certa responsabilidade sobre

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seu cumprimento de pena, demonstrando ‘boa conduta’, disciplina, fazendo jus,

deste modo, ao direito de reivindicar a remição dos dias trabalhados (um dia de

pena ‘diminuído’ para cada três dias trabalhados). Uma atividade cada vez mais

estranha e distante de seu executor.

Assim é necessário considerar que o trabalho pode conter duas dimensões, dependendo das condições reais de sua realização. Uma primeira dimensão construtora, emancipadora. É o trabalho concreto de Marx, voltado para a produção de coisas e para a satisfação de necessidades humanas, contribuindo para a realização do indivíduo enquanto criador e transformador de seu meio. Porém, o trabalho pode conter outra dimensão, alienante, opressora. Nas condições de existência da propriedade privada, o trabalhador não tem condições de interferir sobre os objetivos e produtos de seu trabalho e até mesmo de dominar o próprio processo de produção. O trabalho torna-se algo impessoal, reduz-se a mais uma mercadoria. (ARANHA e DIAS, 2009, p.116)

A despeito do distanciamento entre atividade laboral e o trabalhador

preso, e do caráter alienante e alienado desta atividade, muito em razão da forma

com que a mão-de-obra prisional é utilizada pelo Estado, ou por entes privados

atuando em convênio com este, e ainda, desconsiderando-se as privações e a

disciplina carcerária, que tornam ainda mais frágil e estranhada a relação entre

preso e trabalho, são destacadas as capacidades de reconhecimento e de

autotransformação através desta atividade. De acordo com Barros (2005):

O que podemos observar nas prisões é a realização de atividades que de fato não poderiam proporcionar esta autotransformação do ser que trabalha. Além de fragmentadas, monótonas, repetitivas, não configuram nenhuma especificidade que agregaria valor à qualificação do preso para competir no mercado de trabalho, sem falar no preconceito que vai persegui-lo como egresso do sistema prisional. Ou seja, são raras as oportunidades para os egressos, sem um ‘saber-fazer’ qualificado, muitas vezes com baixa escolaridade e marcados pela vida em um ambiente degradado, degradante e estigmatizado socialmente. (p.61)

No discurso da Criminologia Tradicional, tanto por uma vertente moralista

e individualizadora do fenômeno crime, sustentando características morais ou

mentais, onde a ociosidade, a vadiagem, e ainda, uma incapacidade ou indolência

para o trabalho, são utilizados como argumentos para explicar o envolvimento do

indivíduo em práticas criminais, quanto por outra corrente que aponta uma dada

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anormalidade social, vinculada à seguimentos mais pauperizados da população,

pressupostos dados como incompatíveis com a convivência e a manutenção da

ordem social, lança-se mão de toda uma tecnologia de gestão das massas,

ascendendo-se o trabalho como um módulo de intervenção sobre este quadro

social, tanto das classes subalternas, pretensamente ‘perigosas’, quanto da massa

encarcerada.

A reforma social de que nos fala a criminologia versa justamente sobre a transformação destes hábitos de vida. É uma estratégia de ação sobre o social de modo a melhor controlá-lo. Gerir e tutelar a miséria: assim poderia ser definida a proposta da criminologia em seu projeto de intervenção sobre a sociedade. No que se refere à questão da recuperação do criminoso, o trabalho será a terapêutica privilegiada. As prisões devem transformar-se em verdadeiras oficinas, em que o trabalho é antes de tudo oportunidade para o aprendizado da disciplina e da obediência e apenas secundariamente meio de subsistência. [...] A indisciplina e a ociosidade geram a miséria, que é por sua vez o gerador número um da criminalidade. Nada melhor, para o combate ao crime, que combater o ócio e a indisciplina, tanto na sociedade como um todo quanto na prisão, enquanto micro-sociedade. Dar ao desemprego uma conotação patológica, ao trabalho propriedades curativas, caracterizar a miséria como decorrente de características morais (ociosidade, ausência de “hábito de residência”, etc.) são estratégias que permitem estender a ação disciplinar do Estado sobre os setores miseráveis da população. (RAUTER, 2003, p.63-65)

Sobre a utilização do trabalho enquanto atividade reformadora da

população carcerária, Brant (1994) comenta que:

A concepção dos condenados como seres a serem recuperados, que implica a denominação de “reeducandos”, e não presos, e o uso de termos como “laborterapia” para designar o trabalho nos estabelecimentos penais, além de outros eufemismos e hipocrisias, supõe que se alguém vier a ter uma habilidade específica, um ofício ou uma profissão, irá diferenciar-se da massa dos “vadios”, potencialmente criminosos. (p.109)

Dentro das prisões, o trabalho terá utilidade, não como atividade produtiva

capaz de gerar produtos e riquezas, mas por seu efeito no comportamento dos

reclusos, colocados na função de trabalhadores, a partir de então, disciplinados e

ordeiros, submetendo seus corpos, pelas exigências da própria atividade e das

normas e rotinas carcerárias, a movimentos regulares, sendo excluídas a agitação

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e a distração, através de um esquema de submissão individual a um sistema de

produção.

O trabalho penal deve ser concebido como sendo por si mesmo uma maquinaria que transforma o prisioneiro violento, agitado, irrefletido em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade. A prisão não é uma oficina; ela é, ela tem que ser em si mesma uma máquina de que os detentos-operários são ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos; [...] Se no fim das contas, o trabalho da prisão tem um efeito econômico, é produzindo indivíduos mecanizados segundo as normas gerais de uma sociedade industrial. (FOUCAULT, 2009, p.229)

Deste modo, através de uma economia política do corpo, investe-se no

prisioneiro, através de relações de poder e de subordinação, em atividades

laborais, planejadas e organizadas, nas quais este se encontra preso, não só

física, mas também psiquicamente, sem que se use para tanto de mecanismos de

força ou de violência. Esta se constitui em uma estratégia sutil, que utiliza o tempo

do condenado, potencialmente útil, com o objetivo político de neutralizar e/ou

incapacitar as massas criminosas, dotadas de uma pretensa periculosidade,

tornados-os indivíduos dóceis, reduzindo suas forças de contestação ou de

conflito, e ainda, se assim for possível, transformá-os em agentes úteis ao sistema

produtivo.

Esta situação ainda é revestida de novos elementos, a partir do momento

em que entidades privadas começam a participar deste processo, deslocando

parte de sua produção para o interior das unidades prisionais, ou utilizando a força

de trabalho carcerária nas instalações das próprias empresas. Os estudos de

Brant (1994), Barros (2005 e 2006), e Lyra (2007), evidenciam a precarização das

condições de trabalho a que são submetidos tais indivíduos, vinculados às

empresas por contratos de trabalho temporários, sem encargos trabalhistas ou

garantias, vantagens dadas ao empregador, que permitem baixar os custos de sua

produção, proporcionadas por uma legislação penal que tenta suprir uma estrutura

historicamente deficitária do sistema prisional.

[...] quando, em nossos dias, indústrias estabelecidas deslocam parte de suas atividades para os cárceres. Para elas, não se trata de evitar a

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concorrência, mas de reduzir custos. Nisso o fantasma dos encargos trabalhistas é mais assustador para os empregadores do que os próprios salários. O trabalho por empreitada tem a vantagem de não criar vínculos permanentes, contratuais ou legais. Além disso tem a suprema virtude de contornar a luta de classes como fator de regulação do preço da força de trabalho. Nele não é a coalizão dos trabalhadores que oferece parâmetros para negociação, mas, ao contrário, é a concorrência entre eles que permite rebaixar a remuneração. Se, além disso, possuir a máscara da caridade [...], não é preciso falar de salário e qualquer esmola serve. No caso das cadeias, além do mais, boa parte dos custos de sobrevivência, representados pela moradia e pela alimentação, já está coberta. A gorjeta que se paga aos presos é um simples disfarce da escravidão, dado que eles não estão propriamente trabalhando, mas fazendo laborterapia ou se reeducando para que se transformem em pessoas normais. Parece muito meritório propiciar-lhes essa oportunidade e os empresários que fazem esse favor ganham indulgências, não no Purgatório, que não tem crédito na praça, mas aqui mesmo, onde engordam os bolsos e amaciam os travesseiros. (BRANT, 1994, p.28-29)

Assim, se por um lado, destacam-se as propriedades

autotransformadoras do trabalho prisional e sua capacidade de reconstituir a

relação preso-sociedade, por outro, evidenciam-se formas de

utilização/exploração da força de trabalho carcerária, tornando-se oportuno

analisar o trabalho prisional, enquanto política pública e proposta de reinserção

social de pessoas privadas de sua liberdade, através da abordagem dos sujeitos

inseridos no Projeto “Liberdade com Dignidade”, parceria entre uma empresa

privada, produtora de colchões e uma unidade prisional, onde a primeira emprega

presos custodiados pela segunda, para observar como estes sujeitos assimilam tal

projeto, partindo-se do seu ponto de vista, manifestado através de conteúdos

explícitos e implícitos presentes em seus depoimentos, para se fazer uma

interlocução com o que já existe de teoria e concepção sobre o trabalho prisional.

É o que será apresentado a seguir.

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7. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS PARA ABORDAGEM

DOS PRESOS TRABALHADORES

Tendo em vista o referencial teórico apresentado acima, de caráter

multidisciplinar, valendo-se de conceitos e pressupostos advindos das áreas

Jurídico-Penal, Criminologia, Sociologia, Administração, Psicologia, entre outras,

buscou-se então, através do método científico, a abordagem dos sujeitos da

pesquisa, os presos-trabalhadores, observando-se como estes se relacionam com

o trabalho prisional, objeto de estudo deste trabalho, e de que forma estes sujeitos

assimilam tal atividade, sendo, ao mesmo tempo, seus portadores e executores, a

partir de seu cotidiano e dentro de seu contexto: prisional, laboral e sócio-histórico.

Procurou-se, com base em seus relatos, apreender o significado que os

presos-trabalhadores imprimem à sua atividade laboral. A forma com que o

indivíduo percebe o social e também a si mesmo em interação com este social,

interfere no modo com que o sujeito relaciona com seu meio, mesmo que sua

concepção seja distinta da concretude e da realidade dos processos exteriores,

mesmo que seja subjugado pela ordem social e pelo contexto que o cerca,

continua sendo sujeito de si mesmo.

Este trabalho se valeu de orientações filosóficas conceptivas, advindas da

fenomenologia, segundo a qual, “[...] a imersão no cotidiano e a familiaridade com

as coisas tangíveis velam os fenômenos.” (CHIZZOTTI, 2001, p.80). É preciso,

então, não se restringir somente ao que está explícito, ir além das manifestações

imediatas, captar os conteúdos que estão implícitos, ocultos, para se compreender

a totalidade dos fenômenos. Também lançou-se mão de concepções oriundas da

etnometodologia, considerando que o exame das práticas triviais e cotidianas

possibilita a compreensão do sentido que os atores sociais dão aos fatos e

experiências de sua vida diária. De acordo com André e Lüdke (1986), a pesquisa

etnográfica se fundamenta em dois pressupostos: a hipótese naturalista-ecológica,

a qual afirma que o comportamento humano é influenciado pelo contexto em que

se encontra; e a hipótese qualitativo-fenomenológica, na qual entende-se que é

impossível compreender o indivíduo sem que se aborde o contexto onde está

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inserido, e pelo qual se referencia. A partir destes pressupostos, procura-se,

através de uma relação dialética entre os sujeitos da pesquisa, tanto pesquisador

quanto pesquisados, empreender o processo de conhecimento.

Para unidades de referência empírica, loci deste trabalho, definiu-se uma

unidade prisional da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG e uma empresa

privada, produtora de colchões, localizada na mesma região. A escolha destas

instituições deu-se muito em razão da parceria entre as duas entidades, através

do Projeto “Liberdade com Dignidade”, no qual a primeira seleciona reclusos de

sua unidade que serão empregados nos setores produtivos da segunda, uma

proposta de reintegração social de presos através do trabalho, que mantém

características similares ao que se tem observado até então sobre o trabalho

prisional, porém, diferencia-se do quadro geral, ao disponibilizar os postos de

trabalho fora do cárcere e nas instalações da empresa, ou seja, uma reinserção

gradativa e assistida dos presos no tecido social, considerando também a

possibilidade de manter o vínculo empregatício com a empresa, quando os

presos-trabalhadores se encontrarem na condição de egressos.

A amostragem compõe-se de 8 (oito) sujeitos presos, ou seja, que se

encontravam ainda em fase de privação de liberdade, durante o cumprimento de

sua pena, sendo que destes, 6 (seis) estavam vinculados ao Projeto “Liberdade

com Dignidade” e 2 (dois) haviam sido desligados do projeto, no entanto,

continuavam reclusos na unidade prisional. Também entrevistou-se 2 (dois)

sujeitos que passaram pelo projeto e, no período pós-encarceramento, foram

contratados pela empresa, com o devido registro legal, diga-se “Carteira de

Trabalho Assinada”. Ressaltam-se as dificuldades de acessibilidade aos sujeitos

da pesquisa, muito em razão de sua condição jurídico-prisional e da necessidade

de interrupção de suas atividades laborais para participar da entrevista. No

entanto, todos os sujeitos abordados consentiram em participar, a exceção de 1

(um) que alegou, no momento, estar com uma carga considerável de trabalho a

cumprir. Vale destacar que, de acordo com Sá (apud SILVA, 2007), “[...] o objeto

de estudo deve estar disseminado no cotidiano do grupo pesquisado [...]” (p.5),

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neste caso, todos os sujeitos da pesquisa, estavam ou estiveram vinculados, de

alguma forma, ao Projeto “Liberdade com Dignidade”.

Foram ainda entrevistados, um funcionário da empresa, encarregado de

gerenciar suas atividades produtivas, entre estas, o trabalho dos presos, e

também, um dos diretores da unidade prisional, a fim de dirimir algumas dúvidas

sobre o Projeto “Liberdade com Dignidade”, e abordar, de forma geral, como estes

concebem o projeto e interagem com os presos-trabalhadores, tendo em vista sua

posição de chefia e coordenação.

Muitas vezes pode ser aconselhável tomar alguns sujeitos da pesquisa como informantes, no sentido de testar junto a eles certas percepções ou certas conjeturas do pesquisador. É preciso levar em conta que esses informantes podem, em determinadas ocasiões, tentar defender seus próprios interesses, o que não ajuda muito a análise a avançar. Entretanto, não se deve desprezar sua potencial contribuição para esclarecer pontos obscuros da análise. A questão é saber escolher os informantes certos nas horas certas. (ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p.47)

Salienta-se que a análise e interpretação dos dados vem acompanhada de

trechos dos relatos dos sujeitos, os quais serão referidos como: Preso-trabalhador

1, Preso-trabalhador 2, e assim, sucessivamente, até, Preso-trabalhador 6; Preso

desligado do projeto 1, Preso desligado do Projeto 2; Egresso 1, Egresso 2; para

garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados e a integridade ética da pesquisa.

Adotou-se um método qualitativo para coleta de dados afim de obter

elementos que pudessem ser extraídos do cotidiano e da experiência de vida

destes sujeitos. De acordo com Chizzotti (2001), objetiva-se através da “[...]

análise dos significados que os indivíduos dão às suas ações, no meio ecológico

em que constroem suas vidas e suas relações, à compreensão do sentido dos

atos e das decisões dos atores sociais ou, então, dos vínculos indissociáveis das

ações particulares com o contexto social em que estas se dão” (p.78). Segundo

este mesmo autor:

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é

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parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. (CHIZZOTTI, 2001, p.79)

Também aqui, compartilhou-se da assertiva de Brant (1994), na qual: “A

maior parte dos estudos sobre o sistema carcerário no Brasil analisa mais a norma

do que os fatos. São abundantes os estudos jurídicos.” Assim, tem-se como

objetivo uma abordagem mais próxima do cotidiano e das vivências destes

sujeitos, considerando que a norma insere-se em um contexto sócio-histórico mais

amplo, e ainda, um método que proporcionasse a superação da impessoalidade

dos estudos quantitativos, baseados no critério numérico para garantir sua

representatividade. Dentro desta perspectiva:

[...] as ciências humanas têm sua especificidade – o estudo do comportamento humano e social – que faz delas ciências específicas, com metodologia própria. [...] a adoção de modelos estritamente experimentais conduz a generalizações errôneas em ciências humanas, baseiam-se em um simplismo conceitual que não apreende um campo científico específico e dissimulam, sob pretexto de um modelo único, o controle ideológico das pesquisas. (CHIZZOTTI, 2001, p.79)

Ao contrário da pesquisa experimental, a pesquisa qualitativa tem o

ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu

principal instrumento, possibilitando o contato direto entre o pesquisador e o meio,

e a situação investigada. Os dados coletados são predominantemente descritivos,

e todas as informações são consideradas importantes. A preocupação com o

processo é muito maior do que com o produto.

No método qualitativo, todas as pessoas que participam da pesquisa são

reconhecidas como sujeitos, inclusive o pesquisador, que não é considerado

passivo, é um participante ativo em interação com os outros sujeitos da pesquisa.

Pressupõe-se pois, que elas têm um conhecimento prático, de senso comum e representações relativamente elaboradas que formam uma concepção de vida e orientam as suas ações individuais. Isto não significa que a vivência diária, a experiência cotidiana e os conhecimentos práticos reflitam um conhecimento crítico que relacione esses saberes particulares com a totalidade, as experiências individuais com o contexto geral da sociedade. (CHIZZOTTI, 2001, p.83)

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Os atores sociais são, portanto, detentores de um conhecimento que deve

ser elevado, através da reflexão coletiva, ao nível de um conhecimento crítico, em

uma relação dialética entre pesquisador e pesquisado. “O resultado da pesquisa

não será fruto de um trabalho meramente individual, mas uma tarefa coletiva,

gestada em muitas microdecisões, que a transformam em uma obra coletiva.”

(CHIZZOTTI, 2001, p.84)

De acordo com Chizzotti (2001), os dados são validados pela postura ética

do pesquisador e por critérios de fialidade (independência entre as análises e os

pontos de vistas ideológicos do pesquisador), credibilidade (qualidade e exatidão

das observações efetuadas), constância interna (independência dos dados em

relação à acidentalidade, ocasionalidade, etc.) e transferibilidade (possibilidade de

estender as conclusões obtidas a outros contextos).

Deste modo, como instrumento de coleta de dados, optou-se pelo método

de Entrevista Semi-estruturada, entendida como uma comunicação entre dois

interlocutores, com a finalidade de esclarecer uma questão, tendo a vantagem de

captar as informações de forma direta, junto aos sujeitos da pesquisa, direcionada

por um roteiro, caracterizado por perguntas-chave, que é posto em prática de

forma flexível, durante o transcurso da entrevista, possibilitando a exposição do

entrevistado, de uma forma mais ou menos livre e minimizando as divagações

durante o processo, no entanto, com a possibilidade de se realizar novos

questionamentos que se façam necessários, a partir daquilo que está sendo

apresentado.3

Durante sua aplicação, as entrevistas foram gravadas e, posteriormente,

transcritas para uma mídia textual, afim de organizar os dados, sendo registrados

não somente aqueles conteúdos manifestos, mas também o que foi percebido de

forma latente.

Para compreensão e interpretação dos dados, foi utilizada a metodologia

de Análise de Conteúdos, visando à definição de afirmações significativas sobre o

3 Para maiores esclarecimentos, consultar: APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA ABORDAGEM DOS SUJEITOS DA PESQUISA.

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comportamento humano ou social, atestadas por uma base documental,

decomposta em unidades ou categorias, para que se possa compreender

criticamente o sentido destas comunicações.

Análise de conteúdo é um método de tratamento e análise de informações, colhidas por meio de técnicas de coleta de dados, consubstanciadas em um documento. A técnica se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento. (CHIZZOTTI, 2001, p.98)

A técnica de Análise de Conteúdos surgiu nos Estados Unidos, no início

do Século XX, sendo, a princípio, instrumentalizada em experimentos voltados

para a comunicação de massa. Até os anos 50, sua utilização era,

predominantemente voltada para estudos quantitativos, que traduziam a

interpretação dos dados, através das frenquências das características presentes

nos conteúdos das mensagens veiculadas. Mais recentemente, ela vem sendo

adotada como método para verificação de hipóteses e/ou questões. Além disso,

tem a função não só de destacar dados manifestos, mas também apontar

conteúdos implícitos, “indo além das aparências do que está sendo comunicado

(GOMES, 1994, p.74)

Esta técnica baseia-se no método hermenêutico-dialético, descrito por

Minayo (apud GOMES, 1994), no qual “a fala dos atores sociais é situada em seu

contexto para melhor ser compreendida” (p.77). A comunicação, em específico, a

fala é o ponto de partida, instrumento pelo qual o sujeito manifesta suas

percepções, suas ideologias, seu modo de se relacionar com seu contexto, para

se chegar a uma compreensão sócio-histórica da relação entre o homem e o

mundo. Assim, a partir da reflexão de um conhecimento de senso comum, em

interlocução com um referencial teórico referente ao tema analisado, chega-se a

um conhecimento mais elevado, de nível crítico.

Seguindo os apontamentos de Gomes (1994), neste trabalho, adotou-se

cronologicamente as seguintes fases de aplicação da Análise de Conteúdos: pré-

análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

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Na primeira fase, o material das entrevistas foi previamente examinado,

sendo definidas as Categorias de Análise, conjuntos e sub-conjuntos de

informações equivalentes ou similares, presentes na comunicação, de acordo com

os objetivos da pesquisa, sua hipótese e a questão a ser estudada. Para Gomes

(1994)

A palavra categoria, em geral, se refere a um conceito que abrange elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si. Essa palavra está ligada á idéia de classe ou série. As categorias são empregadas para se estabelecer classificações. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito, capaz de abranger tudo isso. (p.70)

De acordo com Chizzotti (2001):

Esta técnica procura reduzir o volume amplo de informações contidas em uma comunicação a algumas características particulares ou categorias conceituais que permitam passar dos elementos descritivos à interpretação ou investigar a compreensão dos atores sociais no contexto cultural em que produzem a informação ou, enfim, verificando a influência desse contexto no estilo, na forma e no conteúdo da comunicação. (p.99)

Deste modo, foram elaboradas 10 (dez) Categorias de Análise, a saber:

1. Trabalho prisional como privilégio

2. Trabalho prisional e conduta carcerária

3. Trabalho prisional e condições carcerárias

4. Distinção entre trabalho intra e extramuros

5. Aprendizagem e qualificação profissional

6. Condições de trabalho

7. Preso-trabalhador e interações sociais

8. Remuneração

9. Remição

10. Trabalho prisional e futuro pós-encarceramento

Na segunda fase, aplicou-se o que foi definido na fase anterior, através da

Análise Categorial, sendo o material organizado em conjuntos e subconjuntos,

conforme as Categorias de Análise. Salienta-se que as informações relacionadas

em uma mesma categoria não precisam ser idênticas ou assemelhadas, podem

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mesmo se confrontar ou se contradizer, o que se objetiva aqui não é o consenso,

mas apreender como as diferentes percepções dos presos-trabalhadores se

estruturam para dar significação à sua atividade laboral.

Na terceira fase, a partir da frequência das Categorias de Análise, mas

sem se ater ao fator quantitativo, foi interpretado o conteúdo manifesto e

subjacente, salientando percepções, ideologias, tendências, entre outros

aspectos, que determinam a relação entre o sujeito e o objeto, neste caso, o

trabalhador preso e o trabalho prisional. A comunicação do sujeito, a própria forma

com que ele comunica, sua conduta, seus costumes foram considerados nesse

nível de interpretação. Acompanhando a definição de Gomes (1994): “Neste

momento, procuramos estabelecer articulações entre os dados e os referenciais

teóricos da pesquisa, respondendo às questões de análise com base em seus

objetivos. Assim, promovemos relações entre o concreto e o abstrato, o geral e o

particular, a teoria e a prática.” (p.78-79) Deste modo, a partir da análise e

interpretação dos dados categorizados, pôde-se apreender o sentido dado ao

trabalho prisional por estes sujeitos.

Vale ainda, destacar a posição do pesquisador, enquanto sujeito

observador e ao mesmo tempo participante da pesquisa. Não se pode

desconsiderar sua presença, este é parte integrante do processo de conhecimento

e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado, com base naquilo que

percebe do objeto em interação com seu contexto e em interlocução com o

referencial teórico do estudo em questão.

Entre os fatores que poderiam dificultar a realização deste estudo, previa-

se certa resistência por parte dos presos, principalmente relacionada à posição

profissional do pesquisador, Psicólogo em exercício na unidade prisional, inserida

no campo de pesquisa deste trabalho. Buscou-se minorar os efeitos desta

interferência durante a abordagem dos sujeitos, através de uma breve explanação

sobre a razão do trabalho, pressupostos éticos e técnicos da pesquisa científica,

as implicações legais em caso de violação de sigilo, e a participação consentida

de cada um dos sujeitos entrevistados, além de se aproximar do cotidiano e do

ambiente de trabalho destes indivíduos, especificamente, aplicando-se as

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entrevistas nas instalações da empresa privada que cede os postos de trabalho

aos presos. Não obstante, o pesquisador lançou mão de uma postura ética e

acrítica, não se abdicando da confrontação de fatos e pontos de vista, porém, sem

um questionamento de valor sobre o que estava lhe sendo apresentado, se

valendo também, tanto quanto possível, de uma acuidade perceptiva.

Diante desta exposição, salienta-se que o resultado obtido neste método

de pesquisa não requer que haja consenso no processo de produção do

conhecimento. As ciências humanas, por seu próprio objeto de análise e por seus

paradigmas e pressupostos, se diferenciam das ciências exatas, construindo o

conhecimento crítico a partir de uma relação dinâmica e dialética,

[...] entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na realidade concreta. [...] os resultados de uma pesquisa em ciências sociais constituem-se sempre numa aproximação da realidade social, que não pode ser reduzida a nenhum dado de pesquisa. [...] em se tratando de ciência, as afirmações podem superar conclusões prévias a elas e podem ser superadas por outras afirmações futuras.” (GOMES, 1994, p.77-79)

O “produto final da análise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja,

deve ser sempre encarado de forma provisória e aproximativa.” (MINAYO apud

GOMES, 1994, p.79)

Assim, passe-se à análise e interpretação dos dados.

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8. O PROJETO “LIBERDADE COM DIGNIDADE” PELA ÓTICA DOS PRESOS

Frente ao aumento dos índices de violência e criminalidade no Brasil, o

qual direcionou a atenção da população e da mídia para a área da segurança, e

acabou por gerar um quadro de aparente insegurança e desordem social,

principalmente, a partir dos anos 70 do século XX, e intensificação deste

fenômeno nos anos 80 e 90, com a manutenção desta elevação nos anos

subseqüentes, concomitante a um processo de transformação nos modos de

gestão estatal, marcado pela desestruturação do Estado de Bem Estar Social

(Welfare State) e ascensão da ideologia neoliberal, os agentes estatais passam,

então, a dar maior ênfase à Segurança Pública em seus planos de governo,

implantando uma série de políticas e programas nesta área, que visam o

enfrentamento da violência e criminalidade, especialmente, através da utilização

do Sistema de Justiça Criminal.

Dentro da execução penal, o Estado lança mão de ações, em alguns

casos, valendo-se da participação de entidades particulares nesta tarefa, a

princípio, de competência exclusiva do Estado, com base na concepção da

prevenção especial positiva, ou seja, propostas de ressocialização, reintegração,

ou seus similares, voltadas para a reinserção social de pessoas privadas de

liberdade, destinadas à sujeitos que se envolveram em práticas tipificadas como

transgressoras das normas estabelecidas pelos institutos legais. Deste modo,

preconiza-se uma série de políticas assistenciais aos presos, entes estas, a

assistência à saúde em nível biopsicossocial, além das assistências jurídica e

religiosa, disponibilização de instrução educacional e profissional, além do

trabalho prisional.

O Projeto “Liberdade com Dignidade” se insere neste último eixo,

entendido como uma parceria público-privada para promover a reintegração de

pessoas privadas de liberdade à sociedade, através do convênio entre uma

unidade prisional da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG e uma empresa

privada, fabricante de colchões, situada na mesma região, no qual esta empresa

contrata presos para trabalharem em seus setores produtivos e áreas meio, que

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estão custodiadas por aquela unidade prisional. Dentro deste Projeto, o trabalho é

entendido como um instrumento privilegiado, capaz de dar uma identidade e um

lugar a estes sujeitos dentro do tecido social, além de promover sua

autotransformação e seu autoreconhecimento, reformulando, portanto, a relação

preso-sociedade, marcada, a princípio, por uma condição de inclusão ‘perversa’.

Porém, os estudos de Brant (1994), Barros (2005 e 2006) e Lyra (2007),

evidenciam o quadro geral de utilização/exploração da mão-de-obra carcerária por

parte do sistema prisional, com ou sem a participação de entidades particulares,

caracterizado como um trabalho precarizado, temporário, mal-remunerado e sem

garantias ou direitos sociais efetivos, já que regulamentado por legislação

específica, distinta daquela preconizada aos trabalhadores ‘livres’, oferecendo aos

empresários que se interessam em atuar nesta área, prerrogativas legais, com o

objetivo de reverter uma estrutura carcerária historicamente deficitária, que lhes

garante a diminuição dos custos de produção, entre outras vantagens. De acordo

com o texto que define o Projeto “Liberdade com Dignidade”:

Esta parceria que tem amparo legal na LEP Lei de Execução Penal 7210/84, oferece ao empresário uma condição funcional bem satisfatória por não estabelecer nenhum vínculo de natureza trabalhista nem implicar obrigações previdenciárias (art. 28 § 2º), ficando a cargo da empresa as despesas com salário, sendo este, o correspondente à ¾ do salário mínimo vigente; não tendo despesas com encargos sociais, férias e acertos por tempo de serviço, além de ficar a cargo da Unidade Prisional, a reposição imediata do “funcionário” que por ventura desistir ou ganhar a liberdade. (MINAS GERAIS, 2008, p.11)

Diante deste quadro, torna-se oportuno abordar os presos inseridos no

Projeto “Liberdade com Dignidade”, observando-se a forma com que estes sujeitos

assimilam e dão significação a esta atividade laboral, a partir de seu ponto de vista

e dentro do contexto e do cotidiano de seu trabalho.

Para tanto, como instrumentos metodológicos de pesquisa, utilizou-se o

método de Entrevista Semi-Estruturada para coleta de dados junto aos sujeitos, e

do instrumento de Análise de Conteúdos, dividindo-se o material das entrevistas,

transcrito para documento textual, em 10 (dez) Categorias de Análise, para

compreensão e interpretação dos dados em interlocução com o referencial teórico

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deste trabalho, sendo entrevistados 6 (seis) Presos-trabalhadores, até então,

inclusos no Projeto, 2 (dois) Presos desligados do Projeto, estes oito em fase de

privação de liberdade durante o cumprimento de sua pena, e mais 2 (dois)

Egressos do Sistema Prisional, que foram contratados pela empresa, com o

devido registro legal, diga-se “Carteira de Trabalho Assinada”, assim que

receberam, respectivamente, os benefícios jurídicos de Prisão Domiciliar e

Livramento Condicional.

A partir de nossas observações, salientamos que o perfil traçado por Brant

(1994), apresenta uma massa caracterizada por uma população jovem, em geral,

com idade inferior a 30 (trinta anos), grau de escolaridade baixo, porém, acima do

esperado para as pessoas de sua condição social, tendendo a casamentos

precoces e com poucos filhos, além de um histórico laboral em sua vida

pregressa, entre outras características. Segundo este autor:

[...] a busca de explicitação das várias características da população dos estabelecimentos penais permitiu verificar que os estereótipos que tentam representá-la são desmentidos em quase tudo. Até onde seja possível fazer comparações, o perfil populacional encontrado difere muito dos preconceitos correntes. (BRANT, 1994, p.44)

Os sujeitos entrevistados pelo presente trabalho, de forma geral,

acompanham este perfil. Os presos apresentam as seguintes idades: 23, 27, 28,

30, 30, 30, 39 e 43 anos, encontrando-se em uma faixa etária potencialmente

produtiva, privados de utilizar suas capacidades a partir do momento em que

foram encarcerados, neutralizados pelo Estado, não só em sua ação criminal, mas

também em âmbito laboral.

Dois dos entrevistados não apresentaram dados sobre a composição

familiar. Todos os outros relataram que mantém vínculos com sua família base

(genitores, irmãos e parentes próximos, conforme o caso), quatro destes não tem

família constituída (esposa/amásia, com ou sem filhos e/ou enteados), sendo que

três não possuem filhos e outro possui quatro filhos. Os outros quatro possuem

família constituída, de modo que um destes possui apenas um filho e os outros

três com três filhos.

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Seu grau de instrução é relativamente baixo, quase todos não concluíram

o ensino fundamental, como se pode ver a seguir: um dos entrevistados havia

cursado até a 4º Série do 1º Grau, outro até a 5º Série, quatro entrevistados

estudaram até a 6º Série, um estudou até a 7º Série, e outro até a 8º Série,

apenas um cursou o 2º Ano do 2º Grau, porém, como se vê, sem concluir o ensino

médio. Não foi registrada a escolaridade de um dos entrevistados, entre os outros

nove, cinco alegam que interromperão os estudos em razão da necessidade de ter

de trabalhar para auxiliar na subsistência familiar. Como se pode constatar pelos

seguintes depoimentos:

Na época era muito escasso de trabalho, minha mãe vivia fazendo faxina, diarista, às vezes ela trabalhava, outra ora não aparecia, a situação não era muito boa e meu pai já tinha separado da minha mãe desde que eu tinha quatro anos, ai mesmo eu vendendo suco e refrigerante na rua não estava dando, porque a gente pagava aluguel, e fui desanimando de estudar e passei a trabalhar o dia inteiro. Vendia salgadinho, vendia jornal de manhã, acordava muito cedo e com isso atrasei os estudos, não tinha como conciliar as duas coisas parei na quinta série. (Preso-trabalhador 2)

Foi por necessidade pra ajudar minha família, meu pai faleceu comigo novo, minha mãe não trabalhava faltava as coisas dentro de casa eu tinha que vender picolé etc., pra poder colocar alguma coisa dentro de casa. (Preso-trabalhador 5)

Estes relatos, ao serem inseridos em um contexto sócio-histórico mais

amplo, durante a trajetória de vida destes sujeitos, já apresentam elementos que

vem a contestar a associação reducionista entre crime e uma dada anomalia

social ou desvio de conduta individual. O envolvimento em práticas tipificadas

como criminosas se configura como um processo muito mais amplo e dinâmico,

não podendo ser simplesmente relacionado a uma condição de pobreza,

caracterizada como uma situação de privação e de dificuldades de acesso à

serviços e oportunidades, segundo Sawaia (2001), uma inclusão ‘perversa’ no

tecido social.

Observa-se também que o histórico laboral destes indivíduos começou

relativamente cedo, ainda em sua adolescência. Todos os entrevistados relataram

terem trabalhado no período anterior ao cárcere, sete alegaram experiências

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profissionais devidamente formalizadas com “Carteira de Trabalho Assinada” e,

mais um, que serviu as forças armadas. À exceção deste, que desempenhou o

cargo de “Terceiro Sargento do Exército” (sic), os outros relataram terem

trabalhado em atividades que, de certo modo, não necessitam de instrução

profissional específica ou formalizada, aprendendo seu ofício durante o exercício

deste trabalho. Tais atividades se inserem entre os seguintes ramos de atividade:

Comércio e Serviços (auxiliar de serviços gerais, repositor, lavador de carros,

cobrador de ônibus, motorista, ‘motoboy’, ‘chapa’, lanterneiro, auxiliar de

marcenaria, instalador de pisos), Construção Civil (pedreiro e servente de

pedreiro), Indústria (auxiliar de produção), Ocupações Administrativas (auxiliar

administrativo) e Agropecuária (lavrador). Profissões e/ou empregos que, quando

analisadas dentro de um mercado de trabalho cada vez mais exigente e seletivo,

tornam-se, relativamente, mal remuneradas.

Frente a este quadro, Brant (1994) acrescenta que:

Estamos diante de uma população trabalhadora que teve cortada sua trajetória ocupacional pelo encarceramento. A prisão significou o corte da vida de trabalho para mais da metade dos detentos, que se encontravam ocupados na ocasião. (p.79) A conduta quanto ao trabalho na vida pregressa dos encarcerados está longe de autorizar a suposição do crime como profissão. Em sua maioria, os condenados trabalhavam no período de liberdade. É bom que se assinale que o trabalho pode ter sido, em alguns casos, simultâneo à atividade criminosa. (p.108)

Vale ressaltar que, também, entre os presos-trabalhadores, pode-se

observar a concepção dual que separa trabalhadores e cidadãos de criminosos e

indivíduos perigosos, disseminada no senso comum, adotando-se o trabalho como

parâmetro de normalidade e o crime como desvio. Como pode ser constatado por

um dos presos, condenado por homicídio (art. 121, do CPB).

Eu sempre fui trabalhador, eu já trabalhei por conta própria, já trabalhei em empreiteira, eu sou pedreiro, nunca tive envolvimento com crime, nunca tive passagem pela polícia, nada disso não. (Preso-trabalhador 2)

Muitos querem participar, muitos não entende que o Projeto são para aqueles selecionados, muitos sabem do Projeto pela boca de outros, mas

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alguns pela mal influência no Presídio descartam essa possibilidade, pra eles não tem mais possibilidade na vida não. (Egresso 2)

De outro modo, se o fenômeno crime for abordado através do ponto de

vista sociológico proposto por Marx (apud SIQUEIRA, 2008), sem preconceitos ou

juízos de valor, colocando-o como parte dos modos de produção da sociedade,

inscrito entre os aspectos que sustentam, de certa forma, a organização e a

estrutura social, observa-se que o envolvimento destes sujeitos em práticas

ditadas como criminosas, concomitantes ou não ao seu histórico laboral, se insere

em uma cadeia produtiva muito mais ampla, onde, além da retirada de um

contingente de pessoas do mercado de trabalho, que se adentram em práticas

delitivas e clandestinas, todo um sistema social volta-se para contê-lo,

caracterizado por um aparato estatal, representado pela figura do Sistema de

Justiça Criminal, além de instituições que atuam na Segurança Privada, fazendo a

guarda da propriedade particular ou suprindo o mercado ávido por equipamentos

preventivos ou ofensivos, sem esquecer aqueles que se prestam a atividades

acadêmicas, direcionando suas análises para os fenômenos relacionados à

criminalidade, violência e Segurança Pública.

8.1 Trabalho prisional como privilégio

O trabalho prisional, entre outras atividades ofertadas pelo sistema

prisional, como por exemplo, a instrução educacional e profissional, é visto como

uma ‘regalia’, não só por aqueles que se encontram inclusos no Projeto “Liberdade

com Dignidade”, mas também pelos presos que almejam uma oportunidade

ocupacional, porém, continuam a cumprir sua pena, reclusos em cela. Tal

atividade é percebida como um privilégio muito em razão do déficit de postos de

trabalho na estrutura vigente do sistema prisional em vista da demanda por parte

da maioria dos presos, para obterem alguma oportunidade de trabalho. Ao

contrário do que se divulga no senso comum, rotulando estes sujeitos como

‘vadios’ e ‘preguiçosos’, muitos dos detentos desejam conseguir alguma atividade

laboral, mesmo que não seja remunerada, por suas razões particulares, que serão

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abordadas mais a frente, tendo em vista sua condição de segregação e de

privação, ainda mais quando se tem a possibilidade de obter uma atividade

assalariada, que permita a saída periódica da prisão e a convivência com pessoas

do meio social, e que não estão diretamente relacionadas com o sistema prisional.

Questionados sobre a forma com a qual são percebidos pelos outros presos que

permanecem reclusos na unidade prisional, os entrevistados declaram que:

Inveja, é vontade de sair, qualquer um daria tudo para tá aqui. Tem uns aqui que só mexia com crime, chega aqui, eles ficam numa felicidade de trabalhar aqui, quando eles saírem se tiver uma oportunidade eles querem trabalhar aqui, muda muito as pessoas. [...] Eu vejo preso falando que interessa trabalhar aqui, que é uma oportunidade, talvez nunca trabalhou, ai vê como que é e gosta. (Preso-trabalhador 1)

Sortudo, com mais sorte que eles. Todo mundo quer vim trabalhar. Eles falam que gostariam de sair de lá, a intenção é não ficar preso. Inclusive acho que está até saindo mais vaga pra trabalhar aqui. (Preso-trabalhador 4)

Muitos tinha vontade de trabalhar também, agora outros não. Eles falavam que queriam trabalhar também. Conversavam com o Diretor que olha esses negócios e que estavam esperando ser chamados. (Egresso 1)

A Lei de Execução Penal (LEP) estipula que o trabalho dos presos é um

direito e um dever. Porém, diante deste quadro, a discussão quanto ao trabalho

prisional ser uma obrigação daqueles que estão presos, uma forma de ressarcir a

custódia por parte do Estado, torna-se uma questão vaga, quando os agentes

estatais não cumprem de forma efetiva, aquilo que está preconizado na legislação.

De acordo com Wolf (apud SILVA, 2007), o direito ao trabalho para aqueles que

almejam tal oportunidade “[...] se constitui mais como um princípio programático,

do que como um direito efetivamente exeqüível” (p.6).

De acordo com Baratta (1990), a atividade laboral, percebida como um

direito dos reclusos, deveria ser entendida como um ‘benefício’, e não como um

privilégio ou como tratamento penal, capaz de minimizar os efeitos deletérios do

encarceramento, estendida a todos os presos, pelo menos àqueles que

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demonstram interesse em obter alguma atividade ocupacional durante seu

cumprimento de pena.

Não há por que se manter pessoas que desejam exercer alguma atividade

ocupacional, mesmo que condenadas, reclusas quase que exclusivamente dentro

de celas, a não ser que ainda se mantenha vigente as concepções retributivas da

pena, entendendo-se a privação de liberdade como um ‘castigo’, uma ‘penitência’,

imposta àqueles que transgrediram as normas pré-estabelecidas.

Por outro lado, esta situação acaba por se transformar em mais um

mecanismo de controle e manutenção das condutas carcerárias. Segundo

Siqueira (2008): “O trabalho não é oferecido a todos e, muitas vezes, a inserção

do preso nas atividades produtivas passa pela recompensa da direção do sistema

pelo seu “bom” comportamento no cárcere [...]” (p.68).

8.2 Trabalho prisional e conduta carcerária

Diante da percepção do trabalho prisional, tido como um privilégio ofertado

a poucos, entre a população prisional, surgem critérios seletivos de distinção entre

os presos. O mais ascendente destes, observado a partir de seus relatos, é a

conduta carcerária, ou seja, aqueles que apresentam um comportamento

entendido pelos agentes de avaliação e controle das unidades prisionais, como

satisfatório em relação às normas e ao ambiente carcerário, são percebidos pelos

entrevistados, como mais propícios a receber benefícios e oportunidades

concedidos pela administração prisional, em detrimento dos presos que são

associados à uma conduta disciplinar inadequada, sendo, portanto, preteridos em

relação aos primeiros para serem selecionados para alguma atividade ocupacional

que possa modificar sua condição carcerária e, num âmbito mais amplo,

transformar sua relação com a sociedade.

Dos sujeitos entrevistados, apenas um relatou que possui histórico

disciplinar ‘negativo’, segundo as normatizações estabelecidas pelo REDIPRI -

Regimento Disciplinar Prisional (MINAS GERAIS, 2004), instituído pela SEDS/MG.

De acordo com este sujeito:

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Eu já tive várias faltas, como a falta é considerada pelo juiz como mais um ano que você fica, então eu tive fuga, o que você pensar que se pode fazer para não ficar preso eu fiz, mas foi tudo em vão. Na primeira e na segunda vez que eu fiquei preso. (Egresso 2)

Porém, o mesmo relata que tais condutas remetem a um período anterior,

durante as várias vezes em que cumpriu pena, sendo que, no momento anterior à

sua seleção para o Projeto “Liberdade com Dignidade”, apresentava ‘bom

atestado carcerário’, por pelo menos um ano, conforme os requisitos

estabelecidos nos institutos legais de execução penal que fazem referência a

conduta disciplinar do preso, entre estes a LEP. Entre os outros entrevistados,

dois relataram que possuem uma falta disciplinar em seu histórico carcerário,

também cometida a mais de ano de sua inclusão no Projeto. Os restantes

alegaram não possuírem faltas disciplinares. Sobre os critérios que contribuíram

para sua seleção neste Projeto, todos entrevistados fizeram menção ao ‘bom’

comportamento e a ‘inexistência’ de faltas disciplinas em seu atestado carcerário

atual.

O bom comportamento, foi o principal, não tenho falta nenhuma. (Preso-trabalhador 1)

Eu acho que eu tenho um comportamento bom, nunca desrespeitei ninguém ali e na maioria do meu tempo, que eu tinha tempo, eu me ocupava com artesanato, então quando dava vinte e duas horas pra gente dormir, eu ia fazer minha higiene e ia dormir só, sempre procurei ficar sossegado com todo mundo. [...] Cheguei a ter falta uma vez, o que aconteceu foi o seguinte, minha mãe nesse momento ela estava passando muito mal e eu lá fiquei sem saber o que fazer, fiquei preocupado e não podia fazer nada, eu fui comprei uma buchinha, mas nem cheguei a usar ela, ai tirei uns dois cochilos e apaguei e teve o procedimento deixei o negocio lá, ai foi que aconteceu, por causa disso ai e tive minha falta, mas eu estava assim num momento de emoção minha, com problema de saúde, ainda mais a mãe da gente, ela é tudo pra mim, então eu fiquei preocupado demais, foi aonde eu arrumei essa besteira dessa falta. Não tenho mais nenhuma falta. Recebi trinta dias por causa disso, deu falta grave, e fui cumpri mais um sexto do restante da minha pena. Ai, depois fiquei mais dois anos e meio para ganhar o beneficio. (Preso-trabalhador 3)

Lá na Penitenciária, a direção me falou do Projeto, que era para pessoas que não caçava confusão, então isso ia ser observado, onde ia ter uma

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reunião onde muitos seria selecionados, e ia sempre trocando, por isso que o Projeto funciona. (Egresso 2)

Deste modo, os presos categorizados como indisciplinados, veem-se

obrigados a se adequar às condutas esperadas para este ambiente, não por uma

tomada de consciência ou responsabilização por seus atos, mas, para se

adaptarem e fazerem jus aos benefícios e privilégios concedidos por ‘aqueles’ que

detém o poder dentro da unidade, nas palavras de Brant (1994), “[...] a capacidade

ou a necessidade de adaptar-se, de “dançar conforme a música”, pode criar suas

próprias motivações” (p.117). Esta prática, entre outros fatores presentes no

contexto carcerário, acaba por subjugar os presos às normas e rotinas carcerárias,

incutindo nestes sujeitos valores e comportamentos próprios deste ambiente, bem

distintos daqueles esperados para que, quando postos na condição de egressos,

tenham uma inserção satisfatória no tecido social.

De acordo com Santos (2003): “Um outro sentido é dado pelo trabalho

enquanto atividade pela qual os presos podem diferenciar-se, pois trabalhar lhes

dá certa consideração, indicando estarem participando do processo de

recuperação” (p.22). Acompanhando este ponto de vista, Brant (1994) acrescenta

que:

[...] a submissão às rotinas do estabelecimento, entre elas o trabalho, pode ser um meio de conquistar bom conceito aos olhos da administração. A opinião e o poder de arbítrio da direção do estabelecimento são temíveis para os presos. A obtenção de “regalias” na vida diária ou a formulação de pareceres que permitam o acesso a benefícios legais dependem de um conceito subjetivo, que se forma sobretudo a partir da índole, ainda que apenas aparentemente, pacífica do detento. (p.113-114)

Corroborando com estas considerações, dois presos relataram que:

Lá na unidade é por causa da boa conduta, porque com certeza se a pessoa tiver falta, uma má conduta, eles não vão dar oportunidade pra ele. Eu já tive cinco oportunidades já, sempre saia de um, eles arrumava outro. (Preso-trabalhador 2)

Eu acho que viram minha disciplina, que eu não dou problema, o comportamento é bom, eu não tenho aqueles pensamentos ruins, não

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tenho maldade e nem nada, eles nunca viu falta de respeito da minha pessoa com eles, eu acho que é por isso mesmo que deram essa oportunidade pra mim. Eu estou abraçando ela com toda garra. Estou mostrando muito rendimento no serviço, zelo no serviço, ainda mais eu que tenho maldade pra trabalhar com as máquinas, nunca reclamaram não. É bom quando é assim, a gente trabalha até com mais vontade. (Preso-trabalhador 3)

8.3 Trabalho prisional e condições carcerárias

Entre as motivações dos presos para obterem uma atividade laboral,

destaca-se em seus relatos, a melhoria das condições carcerárias. Essa

modificação ocorre de forma indireta, informal, muito em razão de uma menor

privação da circulação do preso, tendo como consequência, uma série de

situações que são percebidas pelos reclusos como favoráveis. O Projeto

“Liberdade com Dignidade”, em especial, favorece esta maior liberdade de

movimentação, visto ser uma modalidade de trabalho prisional desempenhada

fora do ambiente carcerário. Por este motivo, os presos chegam a se prontificarem

para trabalhar em seu período de descanso, quando são convocados pela

empresa.

Só de sair da cadeia, andar na ‘BR’, andar de carro, lidar com as pessoas aqui, isso pra mim é importante. [...] A gente vai acostumando um pouco com a liberdade, ai quando sair não estranha tanto. Quando a primeira vez que eu sai, estava assustado até com carro, então isso pra mim é bom, ajudou muito. [...] Pelo que já vi eles conversando, eles acham bom também, igual tem vez que tem feriado, a gente trabalha sábado, eles acham ruim, ai eles falam pra vocês, é bom se pudesse, vocês trabalhavam até domingo, num ponto é bom né, a gente sai de lá. (Preso-trabalhador 1)

Eu trabalhando do jeito que eu gosto, eu não gosto de ficar parado, eu gosto de ficar fazendo uma atividade para o tempo passar, é o meio de ficar driblando o tempo da gente, fazer um artesanato. (Preso-trabalhador 3)

Os primeiros dias foram os melhores, sai da cadeia né. Achei um pouco estranho, depois fui me acostumando. Eu não considero readaptação não, a descida que eu considero, que é tudo esquisito. É diferente, até a luz do sol é diferente. (Preso-trabalhador 4)

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Só do cara sair daqui e ir trabalhar, eu vou te falar. Só de você sair daqui para trabalhar, respirar outro ar, já é um alívio. (Preso desligado do Projeto 2)

Nestes relatados também pode ser observado outro aspecto valorizado

pelos entrevistados, definido como a ocupação ou diminuição do tempo ocioso,

descrita por estes sujeitos como uma forma de “ocupar a mente”, enfrentando a

concepção da “mente vazia, oficina do diabo”, o que acaba por aplacar

pensamentos ou reações que possam prejudicá-los frente à sua condição de

encarceramento. Segundo um dos entrevistados:

É bom, melhor que estar preso, ficar o dia inteiro na cela com a mente vazia. Esse trabalho te ajuda a manter alguém que você gosta, é melhor estar aqui. Lá dentro é mais fácil de você ter problemas do que aqui que você está trabalhando. Acho que foi ótimo, a melhor coisa que fizeram. (Preso-trabalhador 5)

Outros fatores também são apontados pelos entrevistados, favorecidos

pela possibilidade de estar exercendo alguma atividade laboral durante seu

cumprimento de pena. Entre estes, a melhora na alimentação e uma maior acesso

a pessoas e ambientes externos aos pavilhões, ou mesmo exteriores ao cárcere,

entre outras ‘regalias’.

Cheguei aqui, tomei o meu café, depois o almoço, que é melhor do que na cadeia, e as pessoas diferente, um ar mais tranquilo. Senti mais liberdade, foi bom. [...] Aqui, se a gente precisar pede um telefone emprestado, mas ainda não incomodei ninguém, mas qualquer dia vou incomodar. (Preso-trabalhador 1) A refeição aqui é muito boa, é normal, como comida caseira, muito boa mesmo. De manhã tem café, leite e pão, e tem almoço, normal, só a tarde que não tem nada. E a tarde a gente tem a liberdade de fazer um café aqui, mas não é todos que fazem não. Eu faço esse café aqui, o meu patrão deu a liberdade de usar um barraco que tem aqui pra fazer o café no fogão à lenha. [...] a comida aqui é muito boa, é muito saudável, é melhor do que a do presídio, que não tem sal, e aqui você tem regalias, aqui você toma um banho quente, você usa seu sabonete inteiro, não usa ele cortado, aqui você corta sua unha tranquilo, pode usar uma tesourinha, lá você não pode. Aqui você usa como se você estivesse na sua casa. (Preso-trabalhador 2) É muito bom a gente estar trabalhando, chega no horário de almoço a gente almoça, tem lugar para gente fazer nossas refeições, lugar de tomar banho. É normal como de outras empresas mesmo. Deito assim na

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sombra na hora do almoço, depois começa a trabalhar de novo, é assim, normal. [...] Não tem nem comparação, aqui fora é mil vezes melhor. A gente toma ar puro, conhece outros lugares, eu fiquei muito tempo lá sem sair pra rua, então vou vendo a rua, as pessoas. Não tem aquela marmita pra gente ficar alimentando, aqui a alimentação é muito boa. (Preso-trabalhador 3)

A melhoria nas condições de saúde, não só física, mas principalmente,

psiquicamente, favorecida pelo exercício de um trabalho, também é outro ponto

destacado pelos entrevistados. De acordo com Baratta (1990): “Sabemos, de fato,

que a condição carcerária é, por natureza, desassociabilizadora e pode ser a

causa de perturbações psíquicas e de síndromes específicas” (p.5). Segundo dois

dos entrevistados:

Muito bom viu, trabalhar aqui é bom demais, ajuda a cabeça, o físico, trabalhar para a sociedade ai, para as pessoas. Eu estava com depressão, agora até parei de tomar remédio. [...] Eu tomava captopril, propanolol. Encerrei porque não estou sentido mais nada, nem pressão alta. (Preso-trabalhador 1)

Eu estava até sentido que eu estava um pouco com depressão, porque eu estava sem meu trabalho, fazia meu artesanato pensando que poderia estar trabalhando. Eu já fiz faxina lá na penitenciária uma duas vezes, mas ficar sem trabalho parece que até morre um pedaço da gente. (Preso-trabalhador 3)

Ratificando estas observações, Costa (2003), afirma que: “O trabalho na

cadeia permite manter comunicação com o mundo exterior, acompanhar o que

acontece, pode-se também aliviar tensões geradas pelo aprisionamento, deixando

esvair a idéia da prisão tal que é no cotidiano” (p.22). Brant (1994), em seu estudo

sobre o trabalho encarcerado, também acompanha tais considerações. Este autor

acrescenta que:

A liberdade de locomoção é altamente valorizada. Além da oportunidade de espairecer fora da cela, em si mesma relevante, ela apresenta outras vantagens: a facilidade de comunicação com outros presos ou com funcionários, o acesso mais rápido a informações sobre sua situação processual, a possibilidade de realizar transações, lícitas ou ilícitas, as

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refeições melhoradas ou mais abundantes. Enfim, há uma série de fringe benefits4 nas situações de trabalho [...] (BRANT, 1994, p.115)

8.4 Distinção entre trabalho intra e extramuros

Um aspecto salientado pelos entrevistados, ao fazerem a distinção entre

trabalho exercido na unidade e distante de suas imediações, especificamente, nas

instalações de uma empresa privada, é a sensação de não mais estar sendo

constantemente monitorado pelos agentes de controle e segurança da unidade

prisional. Este é um fator que mais distancia o trabalho prisional, proporcionado

pelo Projeto “Liberdade com Dignidade”, da instituição panóptica5 descrita por

Foucault (2009), e mais aproxima estes presos-trabalhadores da realidade social.

De acordo com os sujeitos da pesquisa:

Lá eles não pagam, é só remissão, é mais vigiado, a gente fica inseguro, você vai fazer alguma coisa e fica nervoso, é a mesma coisa de você fazer alguma coisa e o patrão ficar em cima, eu fico nervoso, começo até a suar, lá fica Agente, Inspetor, tudo de cima da gente, vigiando a gente de binóquio, trabalhando vigiado é ruim. Aqui a gente fica tranquilo, tem tranquilidade pra trabalhar. (Preso-trabalhador 1)

Aqui você não é monitorado, aqui você anda de cabeça erguida, não tem o constrangimento às vezes de se movimentar. Aqui você tem uma liberdade como qualquer pessoa da sociedade. (Preso-trabalhador 2)

[...] quem trabalha lá fica lá né, não sai, aqui a gente tem total liberdade pra trabalhar e voltar pra cadeia só a noite mesmo. (Egresso 1)

Eu vejo a diferença de estar trabalhando com outros sentenciados. Eu acho que dentro do presídio só tem coisas ruins, então a pessoa não vai estar convivendo com coisas boas. (Egresso 2)

8.5 Aprendizagem e qualificação profissional

4 “fringe benefits”, expressão entendida como um ‘benefício adicional’, um bônus, uma bonificação, uma recompensa [nota inserida pelo autor do presente trabalho]. 5 O Panóptico descrito por Foucault (2009), é uma instituição carcerária idealizada por Bentham, com uma arquitetura geralmente circular, sendo que os presos ficam reclusos em celas dispostas em seu entorno, visualmente vazadas, para que possam ser vigiados por agentes de segurança posicionados em uma torre no centro da estrutura, incutindo nos presos, a sensação de estarem constantemente sendo monitorados.

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As capacidades desta modalidade de trabalho prisional proporcionarem

uma aprendizagem profissional aos presos apresentam-se restritas, muito em

função da forma com que esta atividade tem sido implantada e organizada,

valendo-se mais como uma possibilidade de qualificação profissional,

formalizando-se o exercício de tal atividade em seu histórico laboral. Por exemplo,

dois dos entrevistados já tinham experiência profissional como ‘pedreiro’ (sic), ao

serem inseridos no Projeto “Liberdade com Dignidade”, foram aproveitados

justamente na função de construção, manutenção e reparo das instalações da

empresa, sendo colocados em uma área meio, de apoio à atividade principal da

empresa.

Aqui estou trabalhando de ajudante de pedreiro, porque já tem o pedreiro, ai então estou de ajudante. Carrego massa, tijolo, o mais pesado. [...] já sou pedreiro, ai eu já conheço. [...] Certinho não sei não, trabalhava como autônomo, sempre colocava porta, já fiz casa, serviço de pedreiro eu conheço. [...] Pra mim, se eu mexer na obra já tenho essa experiência, mas seu eu mexer em outro setor eu ia aprender outra profissão, ia ajudar. (Preso-trabalhador 1)

O meu trabalho aqui é manutenção, construção e reforma, desde que eu falei que sou pedreiro, só faço serviço de pedreiro. (Preso-trabalhador 2)

Por outro lado, os presos que são inseridos nos setores produtivos da

empresa, aprendem novas habilidades, porém, especializadas. Caso não sejam

contratados pela empresa em questão, após seu cumprimento de pena, terão sim,

adquirido uma nova experiência laboral, no entanto, específica para um ramo de

atividade industrial, a fabricação de colchões. Além disso, seu treinamento é feito

de maneira informal, no próprio posto de trabalho onde exercerá suas funções,

instruído por um funcionário com mais experiência nesta função. O que contribui

para minimizar esta situação é o rodízio proporcionado pela empresa aos presos-

trabalhadores, entre outros funcionários, pelos diversos setores fabris da industria.

De acordo com os sujeitos da pesquisa:

Aqui estou costurando alça de colchão, colocando alça, fico fazendo trabalho tipo de confecção também, aqui é galpão tipo de máquina de costura. [...] já tenho uma noção, que eu já trabalhei na confecção, só me explica – “é dessa forma que o Senhor quer, pode mandar fazer o

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serviço?” –, ai só de me explicar eu já tenho a noção do serviço. (Preso-trabalhador 3)

Eu trabalho aqui no setor do aglomerado, eu faço box. [...] Eu não tenho setor certo não, eu trabalho lá no aglomerado, só que eles me colocam sempre pra fazer serviço diferente. [...] eu sou chefe de setor. A produção é o seguinte, tem os produtos químicos pra mistura, trabalha eu mais um rapaz. São vários produtos químicos pra misturar, eu sei a medida de tudo, se errar a mistura sai errado, em termos de organização são vários setores. [...] Eu fiquei um mês lá com o rapaz, e depois ele foi pra outro setor e o encarregado me deixou lá. Não tive um treinamento específico não, fiquei uma semana e a pessoa entrou de férias, ai depois ele voltou, ficou mais um mês e saiu. (Preso-trabalhador 4)

Os colegas de trabalho me ensinaram. E meu treinamento foi no próprio setor. [...] Agora quero aprender a costurar colchão, fora isso trabalhei na faxina, trabalhei na costura de pano. [...] Ninguém me passa as tarefas, já vou pro meu setor direto, eu já sei o serviço. (Preso-trabalhador 5)

Eu faço a costura do lado de fora do colchão. [...] Eu fui chegando aqui, trabalhando com corte de linhas para colchão, depois passei para embalagem, depois foi aparecendo outros serviços e apareceu a oportunidade de estar saindo da Penitenciária, e como eu já sabia o serviço, então se houver a vaga e o funcionário corresponder a vaga, ai ele ficha. (Egresso 2)

Segundo Brant (1994):

[...] na maior parte das ocupações acessíveis à população de baixa renda, a qualificação se adquire no adestramento rápido, muitas vezes no próprio local de trabalho. A exigência de experiência anterior, quando do recrutamento, é a outra face da mesma moeda e revela a convicção, por parte do empregador, de que a prática na atividade é preferível ao aprendizado em cursos ou escolas. (p.100)

8.6 Condições de trabalho

Os presos-trabalhadores são submetidos às mesmas condições aplicadas

aos outros funcionários, trabalhadores ‘livres’, da empresa. Este aspecto se torna

um fator de aproximação entre estes dois grupos em exercício na instituição.

Mesma jornada de trabalho, também não se observam diferenciações entre postos

de trabalho ocupados por trabalhadores ‘livres’ e presos-trabalhadores, a não ser

em cargos de chefia e direção, consomem as mesmas refeições, em local comum,

entre outras. Segundo os entrevistados:

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As condições de trabalho aqui são boas, tem material, tem bota, tem luva, tem uniforme, almoço, tem dois uniformes. [...] se precisar de alguma coisa eles compram. (Preso-trabalhador 1)

Chego de manhã, tomo café, troco meu uniforme e já vou desempenhar meu trabalho, já chegamos praticamente no horário de começar. A tarde é a mesma coisa, acabou o serviço, a gente toma banho e espera a Van. (Preso-trabalhador 2)

Eu começo a trabalhar às sete horas, até as dezesseis e quarenta e cinco. Vem onze pessoas na Kombi. [...] Meio dia toca o sinal e vamos almoçar na cantina, vai todos os funcionários. O almoço vai até as treze horas. De manhã tem o café e o pão, começa as seis e quarenta, a gente faz a escovação e fica aguardando a cozinheira fazer o café pra gente comer. A gente toma o café e aguarda o sinal pra gente poder entrar. (Preso-trabalhador 3)

As condições de trabalho aqui são boas, equipamentos, em termos de alimentação, também muito bom, nada a reclamar. [...] Eu recebo máscara, bota, uniforme. (Preso-trabalhador 4)

Embora os entrevistados destaquem aspectos positivos das condições de

trabalho que vivenciam, estes relatos podem apontar um certo ‘receio’, suscitado

em suas falas, muito em razão de sua condição jurídico-penal, dada a

possibilidade de serem prejudicados ou mal interpretados por alguma declaração

mais comprometedora ou crítica sobre o Projeto “Liberdade com Dignidade”,

dentre outros aspectos de seu cumprimento de pena, reforçando o que já foi

salientando acima, por Brant (1994), de que estes sujeitos procuram se adaptar às

circunstâncias e valores necessários a uma inserção menos prejudicial, no

entanto, deletéria, no ambiente carcerário. Desde modo, tendem a não apresentar

aspectos negativos ou dificuldades em relação à sua atividade laboral. Não

obstante, consideramos que o quadro geral destas adversidades pode ser

apreendido, de forma implícita, durante suas entrevistas, entre outras observações

feitas em seu ambiente de trabalho.

Quando questionados sobre as dificuldades desta modalidade laboral,

relatam que:

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Não tem dificuldade não, tem o carro que busca a gente lá e tudo, e leva, para mim não. [...] Ainda não percebi. (Preso-trabalhador 1)

Eu não vejo dificuldade no meu trabalho não, é cansativo, mas dificuldade eu não vejo não. (Preso-trabalhador 2)

O meu trabalho é desempenhado muito bem, não tenho nenhuma dificuldade. [...] a gente chega – Será que o meu serviço vai agradar? Será que vou dar certo? – a gente sempre quer mostrar o melhor da gente para a pessoa ver que a gente está ali com boa vontade. A inteligência que Deus nos dá é para usar desta forma aí, pro bem né. [...] Eu já cheguei na costura mesmo, já viu que eu tenho jeito com o trabalho e que eu sei, me deixou aqui mesmo na costura. (Preso-trabalhador 3)

Eu não vejo dificuldade nenhuma, o horário é bom pra trabalhar, é uma hora de almoço. (Preso-trabalhador 4)

Dificuldade todo mundo tem, aqui, no momento, não tenho não. (Egresso 1)

A dificuldade maior foi de estar saindo e chegando do Presídio todos os dias, eu entendo se o juiz autoriza o sentenciado trabalhar fora do presídio, ele poderia estar também concedendo ao sentenciado a pernoitar também. Porque se a pessoa vai fazer alguma coisa, não vai ser aquele meio período que ela vai deixar de fazer. (Egresso 2)

Outro ponto abordado sobre as condições laborais, foram as questões

referentes à Segurança e Acidentes no Trabalho. Os entrevistados relatam que,

durante seu processo de acolhida na empresa, receberam apenas instruções

gerais sobre as normas organizacionais, mais direcionadas para regras e rotinas

da empresa, sem especificar fatores preponderantes para a segurança no trabalho

e prevenção de acidentes. Sobre os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s),

alegam que receberam aqueles básicos para desempenho de suas atividades,

conjuntamente com o uniforme. Entre estes, bota, luva, máscara, conforme as

especificidades do setor, porém, sem considerar a exposição a produtos químicos,

presentes em determinado setor da empresa.

Tudo da empresa, comprou tudo pra mim que eu pedi. Aqui aonde eu trabalho, o único equipamento de segurança que eu tenho é bota, uniforme e luva. Porque não tem perigo de queda. (Preso-trabalhador 2)

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Quando chegamos, já deram o uniforme, ninguém explicou norma não. [...] A gente já sabe pra segurança da gente, usar uniforme, precisa de capacete, mas não tem. Às vezes explicaram pra outros, pra mim não. É porque chegamos tem pouco tempo. Recebo dois uniformes, a bota, só. (Preso-trabalhador 3)

Sobre a segurança aqui, ninguém nem comenta. Já vi um menino que não é preso, mais cortou o dedo, eles pegaram e levaram para a emergência. Uma vez um preso passou mal, eles chamaram os agentes e levaram ele. (Preso-trabalhador 4)

Segundo as entrevistas, o setor onde se manipulam os produtos químicos

para fabricação de colchões não é isolado das outras dependências da empresa e

os funcionários que não trabalham neste local, entre estes, os presos-

trabalhadores, ocasionalmente, circulam por esta área.

O produto químico é o seguinte, eu não trabalho diretamente ali, eu estou fazendo um trabalho ali há quase um mês, que eu tenho que terminar a parede anti-fogo, caso aconteça um acidente do lado da química, não passar para o lado da esponja, mas eu não trabalho constantemente ali, o meu serviço é mais andando. Quando eu começo a sentir que eu não estou bem, eu saio pra fora. (Preso-trabalhador 2)

Aqui, de vez em quando a gente tem um contato, pra fazer alguma coisa, é até prejudicial porque não usa a máscara. Mas de vez em quando a gente vai pro lado da química. [...] Não é direto não, é uma vez ou outra que vai lá, é coisa rápida também, é assim. Já tem a pessoa certa pra ficar lá. (Preso-trabalhador 3)

O trabalho lá é bom, só tem dois setores ruins por causa da química. (Preso desligado do Projeto 2)

8.7 Preso-trabalhador e interações sociais

Durante o exercício de suas atividades laborais, e também no período em

que permanecem reclusos na unidade prisional, os presos-trabalhadores

interagem com várias pessoas, em especial, nas dependências da empresa que

disponibiliza os postos de trabalho e nas instalações da unidade prisional, onde

estes sujeitos se relacionam com seus colegas de trabalho, trabalhadores ‘livres’ e

presos-trabalhadores, chefias, e também, com os outros presos que são

custodiados pela unidade prisional, equipe de segurança e funcionários da

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unidade, além das relações entre os presos e aqueles com quem guardam

relações afetivas, dos quais irão se valer quando retornarem à vida em sociedade,

sem desconsiderar as interações que estes sujeitos mantém com o tecido social,

mesmo que de uma forma limitada, segundo Sawaia (2001), “[...] o excluído não

está à margem da sociedade, mas repõe e sustenta a ordem social, sofrendo

muito neste processo de inclusão social” (p.12).

A interação preso-trabalhador/preso-trabalhador é apresentada no relato

dos entrevistados, como uma relação superficial, no entanto, amistosa, que ocorre

mais em função de suas atividades laborais ou de sua condição carcerária, do que

por graus de afinidade, entretanto, os mesmos demonstram uma relação de

cumplicidade e coesão com a população encarcerada, marcada por um

sentimento de pertença a este grupo, gerado pela condição de opressão e

privação a que são submetidos. Segundo os sujeitos da pesquisa:

Aqui cada um fica no seu setor, sempre está com uma pessoa que não é preso, então a gente só se vê na hora do almoço, conversa de cadeia a gente deixa lá, aqui eu me considero em liberdade, é uma liberdade vigiada. (Preso-trabalhador 1)

[...] cada um na sua, igual se estivesse lá mesmo, a gente conversa um pouquinho ali, cada qual vai pro seu lugar. (Preso-trabalhador 3)

Caso especial apresenta o preso-trabalhador que se encontra na condição

carcerária definida no ambiente prisional como ‘Seguro’. Os presos postos nesta

condição, muito em razão de códigos de conduta e valores percebidos dentro da

subcultura carcerária, são custodiados em setores a parte na unidade prisional,

seja por sua condenação em crimes de violência sexual (estupro, abuso sexual,

pedofilia, etc.), ou por desavença com outros detentos, muito em razão de suas

práticas criminais, colocando em risco sua integridade física. A relação deste

entrevistado com os outros preso-trabalhadores, mantém o mesmo caráter de

repúdio e discriminação presenciado dentro do sistema prisional.

Eu não tenho influência com eles, pra mim é como se fosse estranhos, não é eu que prefiro ficar separado, é eles que não juntam comigo. Parece que eu nem sou preso, porque de manhã, quando eu venho, eu

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fico atrás na Kombi, eu já fico separado, de lá eu venho calado e quando eles vem conversar alguma coisa a meu respeito, eles vem julgando, e quando eles vão falar de qualquer tipo de crime, e ao que eu fui julgado, então eles ficam jogando indireta um pro outro, para mim escutar. Isso é constantemente em todos os trabalhos externos que eu fiz. Eles não se unem a mim, eles não ficam aliados, só adversários. Já cheguei a sofrer ameaças, mas sem motivo nenhum, simplesmente pelo fato de estar cumprindo pena dessa forma. [...] às vezes, a pessoa te julga antes de conhecer, ai, a partir da hora que eles vê que você é uma pessoa de competência, é uma pessoa de responsabilidade, de compromisso e de trabalho, então, isso se torna um valor importante. [...] Tirando a discriminação dos próprios presos, nada me impediu de conseguir meus benefícios. (Preso-trabalhador 2)

A relação entre presos-trabalhadores/presos não trabalhadores, ou seja,

outros reclusos também custodiados pela unidade prisional não inclusos no

Projeto “Liberdade com Dignidade”, pode ser percebida em dois sentidos, muito

em razão do posicionamento deste último grupo em relação a esta proposta de

trabalho prisional, entre outras atividades disponibilidades pela unidade. No

primeiro caso, entre aqueles que almejam alguma atividade ocupacional, observa-

se uma relação mais próxima, mesmo que impessoal, destacando-se o desejo dos

presos reclusos em tempo integral, de ocuparem os postos de trabalho ofertados

pelo Projeto, aspecto já abordado na categoria/sub-item “8.1 Trabalho prisional

como privilégio”. A este respeito, alguns entrevistados acrescentam que:

Eu não tenho problema não, eles vê minha humildade, meu jeito de ser. A convivência entre a gente é muito boa. Eles falam que é uma oportunidade muito boa, cria a chance de estar trabalhando. Sempre mostro o meu serviço, dou o máximo. (Preso-trabalhador 3)

[...] é mais difícil de se relacionar com quem está dentro da cela com você, do que quem está na rua. Dentro da cela, além de você está estressado e seu parceiro de cela também está estressado, então o relacionamento lá é mais difícil do que com quem está aqui fora. (Preso-trabalhador 5)

No segundo caso, a respeito da relação entre os presos-trabalhadores e

aqueles que mantém, de certa forma, algum envolvimento com a criminalidade ou

que não demonstram interesse em exercer alguma atividade ocupacional, o que

se observa é um posicionamento entendido como dissidente por parte dos

primeiros, de acordo com a ótica deste segundo grupo, a partir de uma

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contraposição à lógica de funcionamento da instituição carcerária. Nas palavras de

Siqueira (2008):

Esse processo discriminatório está ligado ao fato de o trabalho na prisão representar para o preso, diante das autoridades carcerárias, que ele está respondendo aos objetivos da instituição, ou seja, a “recuperação”. Em razão disso, isto é, entre o mundo do crime e o mundo do trabalho, o preso escolheu o do trabalho, escolha essa que proporcionará ser encarado de modo diferente em relação aos colegas de cárcere. (p.68-69).

Segundo um dos presos-trabalhadores:

Os que estão lá estão doidos para sair, mas a maioria não é sair para trabalhar, quer sair para ficar solto, a maioria não sai pra trabalhar. O que a gente conversa, eles querem sair para ficar solto, alguns até para fazer o que lá dentro não pode fazer, mais do que trabalhar mesmo. (Preso-trabalhador 2)

De acordo com Sá (2001), o recluso:

[...] encontra-se via de regra muito bem adaptado ao cárcere, sente-se protegido por ele e conhece todos os seus meandros. Além disso, sente-se cúmplice do grupo (delinquente) ao qual pertence, conhece e incorpora suas normas e valores e nesse grupo encontra sua identidade, motivos de orgulho e razão de viver. (p.20)

Não obstante, diante da interação preso-trabalhador/equipe de segurança,

percebemos uma postura opressora e subjugadora por parte dos Agentes de

Segurança Prisional em relação aos presos, devido aos papéis antagônicos e, por

vezes, conflituosos entre estes dois grupos, reforçada por preconceitos e estigmas

imputados à massa carcerária, que estão disseminados no seio da sociedade.

Esta concepção deletéria processa-se de forma generalizada sobre a massa

carcerária, inclusive, sobre os presos-trabalhadores. Questionados a respeito da

percepção de alguma modificação na relação preso-trabalhador/equipe de

segurança, parte dos entrevistados alegam que não percebem qualquer alteração;

outros relatam modificações parciais, não tão significativas; e ainda, alguns que já

percebem mudanças expressivas nesta relação, muito em razão de tal atividade.

Entretanto, mesmo que esta relação aconteça em diferentes graus de interação,

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ainda que desenvolvida de uma forma não-conflituosa, se constitui,

convencionalmente, como uma relação assimétrica de submissão dos agentes de

controle e vigilância para com os presos.

Pra mim é a mesma, respeito, cabeça baixa. É o trabalho deles, a gente tem que respeitar e não causar nenhum problema. (Preso-trabalhador 1)

Ajudou com certeza, eu chego lá, eles não tem aquele constrangimento, muitas das vezes já entra até desalgemado lá pra dentro, entrei, já sai também, isso não é uma coisa que acontece lá dentro. Lá é assim, é três Agentes para descer do Pavilhão, eu desço muitas das vezes com um Agente, ai até falam – Pode levar que é tranquilo. – porque já sabe do tempo que eu estou ali, devido a minha educação que eu tenho com eles. Eles vê que eu nunca tive problema com nada. Isso pra ele já é um caminho bem adiantado. (Preso-trabalhador 2)

Ajudou muito, eu já não tinha problema com a Segurança, não mudou muito porque sempre foi uma boa relação, não tenho problema, não tenho nada contra ninguém lá, eles fazem a função deles e eu faço o meu trabalho. (Preso-trabalhador 3)

Melhorou em algumas partes, mas era o mesmo jeito. Não é quando a gente está no fechado mesmo, já é outro tratamento. (Egresso 1)

Depois que eu comecei a trabalhar com certeza, você é mais observado, até mesmo porque você entra e sai do Presídio todos os dias. Até mesmo para saber se você esta se ressocializando ou não. (Egresso 2)

Salienta-se que o contato com o ‘diferente’, com aquele que se julga

inferior ou desprestigiado, quando processado de forma tal que permita uma

interação mais próxima de ambas as partes, favorece a quebra de preconceitos e

barreiras, em função do reconhecimento das diferenças, e até de algumas

identificações. Entre agentes de segurança e presos, estes últimos, associados à

deliquentes e indivíduos periculosos, enquanto se perdurar a concepção dos

papéis pré-estabelecidos, por ambos os lados, esta relação continuará sendo de

caráter antagônico.

A relação preso-trabalhador/trabalhadores ‘livres’ acompanha esta lógica.

Parte dos entrevistados relatou que no princípio, ao iniciarem suas atividades na

empresa, perceberam posturas e comportamentos que suscitam uma atitude

receosa e/ou preconceituosa por parte deste segundo grupo. No decorrer das

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atividades, ao ter mais contanto com os novos funcionários, a relação tende a se

tornar mais amistosa e próxima, porém, mantendo-se ainda certa distância e

impessoalidade. Um fator que contribui muito para minimizar tais diferenças é a

não distinção entre presos-trabalhadores e trabalhadores ‘livres’ nos elementos

formais e na estrutura organizacional da empresa.

Com os funcionários é normal, a gente conversa, papos normal mesmo, brincadeiras, eu nem gosto de falar de coisa de cadeia com eles. Às vezes eles pergunta como que é lá, como a gente vive lá, mas esses assuntos eu não gosto de conversar, ai eu já corto o assunto, saio, converso um pouquinho e vou embora. [...] Tratou a gente normal, a gente chegou com o uniforme de preso, só olharam e viu que a gente era diferente, depois começaram a conversar com a gente, trocamos o uniforme e ficou normal o tratamento. (Preso-trabalhador 1)

Pra mim foi normal, muitas pessoas sempre ficava cochichando umas com as outras, então o preconceito existe, não adianta a gente fechar os olhos porque existe, ele pode não ser verbalmente, mas ele existe. [...] no começo eles ficam meio assim, ai depois a gente faz amizade, não leva em conta não. Porque o que conta o que você é hoje, isso ai tem muito a ver com o que você é no dia-a-dia, o passado ficou pra trás. [...] Eu acho assim, quando você chega num lugar sempre tem alguém que estava antes de você, ai começa a criticar, muitas vezes fala coisa de você que nem sabe, simplesmente você ignora, entra de um lado e sai de outro. Com o tempo eles cansam de falar e passa a precisar de você. O que acontece aqui dentro, pedi a gente para fazer as coisas depois de ter falado de mim para um pra outro, com o tempo precisa da gente. Todo dia um precisa de mim porque trabalho na parte de manutenção. [...] É diferente, o tratamento é outro, no começo é como eu disse antes, a primeira vista eles me tratam como uma pessoa comum, só que os próprios presidiários espalham para os outros porque eu fui preso, então as pessoas ficam sem saber o que é verdade e o que não é. Mas com o tempo, nas conversas com as outras pessoas, essas coisas se tornam passadas, elas passam a me tratar como se eles não tivessem falado nada. (Preso-trabalhador 2)

Muito boa, eles me tratam muito bem, conversam, então não tem nada pra reclamar, eles gostam muito da minha pessoa. (Preso-trabalhador 3)

A gente explica o máximo, sempre quando chega preso novo já chama todo mundo, já chega, explica e fala que não tem diferença dos demais trabalhadores. [...] Não tem não. Eu não veja diferença não. A diferença que eu vejo é só no salário, eles recebem salário normal, a gente recebe centro e noventa reais. (Preso-trabalhador 4)

Foi tranquilo, não teve nada de preconceito, tem alguns lugares que tem, aqui não tem isso não. Por outros presos já terem trabalhado aqui, foi sossegado. [...] Ajuda muito, dá oportunidades, muitas empresas não dá

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não, tem muitos colegas meus que saiu daqui e até hoje não conseguiram arrumar serviço, por preconceito mesmo de muitas empresas, devido ao atestado de bons antecedentes.

No primeiro momento, tanto o pessoal quanto a gente fica constrangido, mesmo que as pessoas não sabem que você é sentenciado, fica sabendo, pois vem e volta com o veículo do Presídio. Sempre tem alguém do Presídio fiscalizando, fazendo parte do Projeto. [...] É tranquilo, leva o dia como qualquer outro funcionário, tem o expediente normal, é tranquilo. (Egresso 2)

Um aspecto que pode ser apreendido nos relatos acima, reforçando a

manutenção destes papéis é o fato dos presos serem encaminhados para a

empresa com o uniforme do sistema prisional, e também por chegarem juntos, em

um mesmo veículo, oferecendo um elemento visual que concretiza estas

diferenciações.

Por outro lado, percebe-se que a relação de repúdio e estigmatização por

parte dos presos em relação aquele que cumpre sua pena no ‘Seguro’, a princípio,

se estende aos outros funcionários, porém, com o tempo, de certa forma, também

vai sendo desconstruída ou minimizada.

Outro elemento que corrobora com estas observações e contrapõe os

papéis pré-estabelecidos é o caso de um dos presos que, por residir no bairro

próximo à empresa, teve uma assimilação mais rápida e afetuosa por parte dos

funcionários. Segundo seu relato:

Aqui a maioria é conhecido, porque eu moro em [nome do bairro], e aqui a maioria é de [nome do bairro]. Eu já conhecia todo mundo. [...] Ficaram contente que eu estava vindo trabalhar, tenho muitos amigos, até de infância e quando eu apareci, eles ficaram satisfeitos. (Preso-trabalhador 4)

É na interação preso-trabalhador/chefias que este relacionamento

impessoal é apreendido de forma mais evidente, mantendo-se os papéis

costumeiramente definidos para chefes e empregados. Salienta-se que esta

relação entre chefias e subordinados é estendida, de forma geral a todo quadro de

funcionários, sem uma distinção explícita se o empregado é preso ou ‘livre’.

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Com a Chefia eu converso pouco, porque eu só trabalho mesmo, trabalhar e receber meu dinheiro, nem gosto muito de liberdade com patrão não, eu sempre fui assim. (Preso-trabalhador 1)

[...] trato direto com o dono. Ele chega e me pedi alguma coisa, me pergunta, pedi minha opinião, ai a gente chega num consenso para ver se dá para fazer ou não dá. Ele chega e fala quero assim, ai eu faço o que ele está querendo não tem nenhuma dificuldade não. [...] Toda responsabilidade de obra o meu chefe me fala. Quando tem que fazer qualquer tipo de serviço, ele chega e fala – O que você acha disso aqui? – Ele não vai direto no encarregado, ele vem direto a mim. Eu trato direto com o proprietário. [...] Eu não chego a fazer serviço errado porque eu sempre chego e peço opinião dele. E caso acontece, que eu vejo que o serviço está errado, eu falo que – Vou fazer porque o Senhor está pedido, mas isso aqui não vai dar certo. – como já aconteceu. (Preso-trabalhador 2)

Não tem muita relação não, eu fico mais no meu canto. Eles fazem a função deles e eu faço a minha, até mesmo porque eu sou novato, não gosto de ficar xeretando. Eu faço minha obrigação, acabou o expediente eu tomo meu banho e aguardo o momento da Kombi chegar e levar nós. Eles vê a gente fazendo a função da gente, deixa a gente livre fazendo o trabalho da gente. [...] Aqui a gente já sabe o serviço que tem pra fazer, no meu caso, eu fico só em um setor, agora muitos faz vários serviços, carrega caminhão, descarrega caminhão. Eu fico só desse lado, com o pessoal fazendo costura, às vezes eu acabo o meu trabalho e já pergunto o Encarregado se posso fazer outro trabalho. E quando eu preciso de uma instrução já peço ele. Às vezes estou fazendo um serviço, ai acaba, eu já peço ele outro, para eu sempre manter em atividade. [...] São dois Encarregado. Cada um já tem o lugar de exercer sua função, então nem precisa de ficar mandando não, é difícil, essa empresa é muito grande. No começo tinha que direciona, hoje a gente já sabe a obrigação que tem que fazer. (Preso-trabalhador 3)

Se eles passarem por você dez vezes, te cumprimenta as dez vezes. [...] Os porteiros lá, todo mundo, não julga se você é preso, não querem saber se você é preso. [...] Só não estou lá por causa de uma discussão boba. [...] por sair vinte minutos antes do fim do horário. [...] – O Senhor faz o que o Senhor achar melhor. [...] O Agente que me falou que eu não podia sair mais. Ai deduzi que foi isso. (Preso desligado do Projeto 2)

Ressalta-se, a partir de nossas abordagens, que as chefias demonstram

uma postura paternalista no trato com os funcionários, tanto presos-trabalhadores

quanto trabalhadores ‘livres’, oscilando entre uma linha de comando rígida e

autoritária e outra amistosa e condescendente, dentro de um padrão de liderança

convencionalmente adotado no meio organizacional.

A interação preso-trabalhador/família torna-se mais propícia e próxima na

percepção dos entrevistados, em função de sua inclusão nesta atividade, como já

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foi apontado acima, especificamente na categoria “8.3 Trabalho prisional e

condições carcerárias”, onde o trabalho prisional proporciona um maior contato

com o mundo exterior ao cárcere. Outros aspectos também são destacados de

forma positiva pelos familiares, como pode ser apreendido no relato dos sujeitos

da pesquisa, entre estes, uma menor permanência do familiar preso, nas

dependências da unidade prisional, auxílio aos familiares e geração de uma renda,

mesmo que ínfima, além da possibilidade que se ascende, de seu ente conseguir

uma oportunidade de trabalho, durante seu processo de reinserção social.

Ajudou muito, porque minha família teve um alívio em saber que eu não fico lá, de repente acontece uma rebelião, qualquer coisa seria lá dentro, então minha família fica satisfeita de saber que estou aqui fora. (Preso-trabalhador 2)

Minha família, na possibilidade que eles podem, me ajudam, mas agora não estou precisando da minha família me visitar, pois futuramente já estou livre, estou trabalhando, dou muito bem com eles. São oito irmãos, minha mãe, meu pai faleceu. Eu dou bem com todo mundo. Hoje eu fico na casa do meu irmão, mas assim que eu sair daqui vou alugar uma casa pra não atrapalhar a vida dele, porque ele é casado, ele tem três filhos, quando eu tenho um dinheirinho eu ajudo ele, eu faço uns artesanatos, eu levo e vendo, me ajuda também. Esse trabalho tem cesta básica, já ajuda para mim ajudar eles. Eu pretendo arrumar uma boa esposa, construir uma família e viver uma vida boa. [...] Além de ajudar na minha redução de pena, vai ajudar a ser uma pessoa mais presente na minha família, as pessoas que gostam de verdade de mim. [...] A relação está do mesmo jeito, a relação sempre foi muito boa, quando eu chego lá eles ficam muito feliz, sempre foi muito boa. Nós oito irmãos somos muito unido. (Preso-trabalhador 3)

Melhorou bastante, minha família sempre me apoiou quando eu estava preso, e saindo, agora, estão me apoiando até agora, graças a Deus. A família ficou mais prestativa, quando a gente precisa conversar, conversa, melhorou bastante. (Egresso 1)

De modo geral, percebe-se a satisfação dos familiares em seus

depoimentos, à exceção de um dos presos-trabalhadores, que, por uma questão

específica, momentânea e particular, este trabalho dificultou o contato e a visita

dos familiares na unidade prisional, porém, isto não o motiva a querer deixar tal

atividade, tendo em vista as vantagens proporcionadas pela mesma. Segundo o

entrevistado:

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Com a minha família eu acho que atrapalhou um pouquinho, porque eu tinha visita lá né, agora sábado e domingo trabalhando, com a família eu não sei, não tive contato com eles, ainda não. (Preso-trabalhador 1)

Outrossim, Brant (1994) afirma que:

A análise dos contatos mantidos pelos presos com o mundo exterior mostra a família como núcleo central na ordem de importância das relações que se mantiveram. A esposa está no centro para os casados, a mãe em segundo lugar e, afastando-se em círculos quase concêntricos, os irmãos, o pai, os filhos, os amigos e outros parentes, nesta ordem (p.143-145).

Este autor acrescenta que: “A construção da identidade envolve o auto-

reconhecimento e reconhecimento pelo outro” (BRANT, 1994, p.142). Deste modo,

a família entendida como um núcleo primordial socialização primária, será o ponto

de apoio, tanto afetivo quanto material, quando do retorno daqueles egressos do

sistema prisional, daí a importância destes para seu processo de reinserção

social.

Em suma, a rede externa de sociabilidade dos detentos é mantida na maior parte dos casos. Isso não significa que, ao sair, eles serão prontamente acolhidos. Em geral, são postos em liberdade em horário inconveniente. Os alvarás de soltura costumam chegar no início da noite. O cumprimento das normas burocráticas internas só permite liberar o preso horas depois, sem dinheiro sequer para a condução. Isso leva a que a família tenha, no início, de prover sua subsistência, tendo em casa uma “boca” a mais numa situação já de penúria. Sabe-se, ademais que essa situação pode perdurar, uma vez que a busca de emprego será provavelmente cheia de obstáculos. (BRANT, 1994, p.147-149)

A relação preso-trabalhador/sociedade, situada em um nível mais amplo,

geralmente, contraditória e ‘perversa’, principalmente para aqueles presos

advindos das classes subalternas, marcados pela vulnerabilidade sócio-financeira,

tende a ser menos divergente a partir de sua inserção em uma atividade laboral,

socialmente aceita e que favoreça sua reinserção gradativa e assistida na

sociedade. Como já foi apontado acima, a interação com o ‘diferente’, percebido

como ‘oposto’, tende ao reconhecimento e a desconstrução de preconceitos e

estigmas, em especial, a concepção dual que separa cidadãos e trabalhadores de

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presos, associando-os, a partir de uma percepção acrítica de sua condição,

baseada no senso comum, considerando-os como indivíduos invariavelmente

perigosos e impróprios para a vida em sociedade.

Mudou porque, para eles, não me consideram como presidiário, me consideram como pessoa normal, cidadão comum. (Preso-trabalhador 2) A mudança em termos de lugares, a paisagem, pra mim está tudo do mesmo jeito, normal. Pra mim foi um sonho conversar com as pessoas, vê as crianças crescendo. Pra mim estar no meio deles é uma conquista muito grande. (Preso-trabalhador 3)

Com a sociedade também, a gente trabalhando, as pessoas vê a gente com outros olhos. As pessoas me vê como uma outra pessoa, que não está no crime mais. (Preso-trabalhador 4)

[...] se eu tivesse lá na Penitenciária, eu acredito que o modo de pensar das pessoas seria diferente, eu acredito que mudou pra melhor. (Preso-trabalhador 5)

Não tem mais aquele olhar, quando para e pergunta, a gente comenta. (Egresso 1)

Ajudou com os colegas. A gente passa a ter mais confiança. Tem aquelas pessoas que não entende, que acha que você continua a mesma pessoa, e tem aquelas pessoa que sabe que você mudou. [...] Tem sido difícil a pessoa que é sentenciado estar arrumando trabalho, porque em Hospital, em delegacias as pessoas te tratam bem. [...] Pra melhorar seria mesmo se tivesse mais empresas contratando o serviço do sentenciado, buscando mais pessoas que estão preocupadas com o que está acontecendo com o sentenciado, seria até melhor pra sociedade em geral. (Egresso 2)

Seguindo as considerações de Baratta (1990), esta aproximação permite à

sociedade se confrontar com seus próprios problemas e conflitos, fazendo com

que esta se reconheça na prisão e a prisão se reconheça na sociedade. Ainda

Brant (1994) acrescenta que:

O terceiro lado do muro é aquele em que não estamos presos nem soltos. Ao voltar ao “mundo”, os ex-presidiários já contam com o obstáculo da rotulação. Sua volta à vida normal segue quase sempre pelo percurso da reinserção à família de origem, onde será tratado, na melhor das hipóteses, como o “filho pródigo”, a ser reeducado. De novo? (p.153)

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8.8 Remuneração

A geração de uma renda, estipulada a não menos que ¾ (três quartos) do

salário mínimo, este já considerado insuficiente para garantir a subsistência de

uma família, dado o quadro social e econômico vigente, se apresenta como uma

motivação posta em segundo plano, em vista de outros fatores que incentivam o

engajamento dos presos em atividades laborais, ainda mais quando esta quantia,

já ínfima, é dividida em montantes, como preconiza a legislação referente ao

trabalho prisional, destinados à indenização dos danos causados pelo crime,

desde que determinados judicialmente e não reparados de outros modos,

ressarcimento ao Estado por sua custódia, formação de pecúlio, e o restante

repassado ao preso-trabalhador para custear pequenas despesas no restante de

sua prisão e, se possível, auxílio financeiro à família. Ao serem questionados

sobre os pontos que deveriam ser melhorados no Projeto “Liberdade com

Dignidade”, os entrevistados foram enfáticos em apontar a questão salarial, por

duas razões, uma referente ao valor da quantia percebida, outra pela demora no

repasse dos salários que, segundo os mesmos, percorre uma série de contas

bancárias de instituições e órgãos, até ser entregue aos presos, seguindo o

Protocolo de Ações Conjuntas que rege este Projeto. O salário também é

destacado pelos sujeitos da pesquisa, como o elemento que mais diferencia os

presos-trabalhadores dos trabalhadores ‘livres’, em exercício na empresa. De

acordo com seus depoimentos:

A única coisa diferente é no salário. No final do mês a gente vê todo mundo receber e a gente não recebe. Também tem uma diferença que eu não tenho certeza, tem vez que eles solicita a gente para trabalhar sábado, e pelo que eu fiquei sabendo, se a gente trabalha quarenta dias é o mesmo salário, se trabalho trinta, é o salário que foi combinado, é só isso ai que atrapalha. [...] É, a gente trabalha de segunda a sexta, às vezes trabalha no sábado, pra mim o problema é que a gente não recebe, já tem o salário certo na Secretaria lá. [...] Me parece que é centro e noventa e um reais. [...] Vou mandar para minha família, porque meu pai já é aposentado, minha mãe é dona de casa, e já está cuidando de dois filhos meu, eu tenho que ajudar eles lá agora que eu posso. (Preso-trabalhador 1)

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A questão de salário, o salário aqui é muito pouco e a Secretaria demora até três meses para pagar um salário e quando paga, paga um só de cento e noventa e um. Mesmo que eu tenha mais dois para receber, eles pagam só um, então está sempre acumulando. Eu recebo lá no Presídio. (Preso-trabalhador 2)

Esse trabalho me ajuda tanto financeiramente quanto mentalmente, assim, até porque está acostumado a ficar trabalhando, isso aí é uma graduação muito boa. Da minha parte eu dou muito valor e gosto muito desse trabalho. Ainda mais quando me dão oportunidade, eu abraço com muita firmeza e dou muito valor porque eu gosto de ter meu trocadinho no bolso. É um dinheiro suado, digno e que futuramente vai possibilitar eu comprar minhas coisas. Esse trabalho eu considero um conforto para mim, cumpri com minha despesa sem ficar amolando o próximo. Eu gosto de ser independente. Eu trabalhando, eu sinto uma paz muito grande. (Preso-trabalhador 3)

Eu não vejo diferença não. A diferença que eu vejo é só no salário, eles recebem salário normal, a gente recebe centro e noventa reais. Eu uso meu salário para pagar advogado. Eu recebo diretamente do financeiro da Unidade. (Preso-trabalhador 4)

Tudo, você ocupa a mente, você tem uma renda, mesmo que seja pouca. [...] O que poderia melhorar pra nós é o salário da gente. [...] O salário é centro e noventa reais, pra mim que estou trabalhando aqui, eu sinceramente acho muito pouco. [...] Eu pretendo juntar. (Preso-trabalhador 5)

Podia melhorar no salário. Quando eu estava lá na Unidade, o salário vinha de três em três meses, às vezes, muita gente precisa do dinheiro. Pra mim ajudou bastante, se cada empresa desse uma oportunidade dessas pra muitos, ai melhoraria bastante. (Egresso 1)

No Projeto recebia cento e oitenta reais por mês. E esse dinheiro que entregava pra minha família, porque alimentação e outras coisas eu tenho aqui. Fichado já tem dois anos, eu fui da primeira turma que veio. (Egresso 2)

Para Foucault (2009):

O salário do trabalho penal não retribui uma produção; funciona como motor e marca transformações individuais: uma ficção jurídica, pois não representa a “livre” cessão de uma força de trabalho, mas um artifício que se supõe eficaz nas técnicas de correção. A utilidade do trabalho penal? Não é um lucro; nem mesmo a formação de uma habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica vazia, de um esquema de submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção. (p.230)

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8.9 Remição

O instituto legal da Remição é outro fator que motiva os presos a se

inserirem em atividades laborais durante seu cumprimento de pena. Este

instrumento, em conjunto com a avaliação da conduta carcerária, concebido como

um instrumento de promoção da ordem dentro da unidade prisional, contribui para

a geração de um senso de responsabilidade nos reclusos, através da

possibilidade de desconto de um dia de pena para cada três dias trabalhados, o

que faz com que estes sujeitos se comprometam com os mecanismos que

respaldam as decisões judiciais, repercutindo em um maior ou menor

cumprimento de pena em privação de liberdade. Segundo os mesmos:

Pra minha pena, na remição, vai diminuir. (Preso-trabalhador 1)

Olha, a remição é muito bom, embora eu já tenha uma remição, essa aqui até agora não ajudou não, porque meu advogado fez o cálculo das remições para me tirar de lá. (Preso-trabalhador 2)

Vai pra vinte e nove de março de dois mil e onze, mas como estou trabalhando, vai diminuir a pena, pode ser que vou em fevereiro. [...] Além de ajudar na minha redução de pena, vai ajudar a ser uma pessoa mais presente na minha família, as pessoas que gostam de mim de verdade. (Preso-trabalhador 3)

A cada três dias ajudava a diminuir na pena, isso se não tivesse falta disciplinar. Se houver falta, todo aquele tempo que você trabalhou ali, ele é apagado. (Egresso 2)

8.10 Trabalho prisional e futuro pós-encarceramento

A partir do relato dos entrevistados, percebe-se que as perspectivas de

que esta atividade contribui para seu futuro pós-encarceramento, se direcionam

muito mais para uma expectativa para continuar vinculado a empresa, com

“Carteira de Trabalho Assinada”, após encerrar a fase de privação de liberdade,

durante seu cumprimento de pena, do que por uma possível inserção no mercado

de trabalho, teoricamente melhorada por esta experiência profissional.

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Pra mim se eu mexer na obra já tenho essa experiência, mas seu eu mexer em outro setor eu ia aprender outra profissão ia judar. (Preso-trabalhador 1)

Isso aqui é uma porta de emprego, o primeiro passo é que meu patrão ele quer me fichar de pedreiro mesmo eu tenho classificação na carteira e a vantagem que eu tenho de trabalhar aqui é porque aqui estou livre. Já estou recebendo propostas, a comida aqui é muito boa, é muito saudável, é melhor do que a do presídio que não tem sal e aqui você tem regalias, aqui você toma um banho quente, você usa seu sabonete inteiro, não usa ele cortado, aqui você corta sua unha tranquilo pode usar uma tesourinha, lá você não pode. Aqui você usa como se você estivesse na sua casa. [...] Eu vou ficar fichado, meu patrão não quer que eu saia daqui, ele gosta do meu trabalho, é elogiado por toda a administração. Pretendo com certeza. (Preso-trabalhador 2)

Pra mim melhorar mais é só quando eu ganhar minha liberdade mesmo, fora isso o trabalho está excelente pra mim. Muitas vezes eu não sugiro nada não, eu faço o que tem que ser feito mesmo. [...] Vai me ajudar tipo, eu tenho que tirar o resto do meu documento que eu necessito, vai me ajudar que eles já conhecem o meu serviço, eles tem maior apreço comigo, eu respeito demais todos aqui, eu sempre fui prestativo com o meu serviço, eu vou continuar a trabalhando aqui, o que vai me ajudar a seguir minha vida. (Preso-trabalhador 3)

Ótima oportunidade para você ressocializar na sociedade. [...] O que eu vejo de mais positivo é a reintegração na sociedade, é a oportunidade que a gente tem de não ficar lá dentro e ter a liberdade aqui fora. O que eu entendo de reintegração é igual eu que fiquei quase 6 anos preso, então eu saio estar tudo diferente, então quanto mais tempo eu ficar aqui fora mais rápido eu vou me adaptar de novo na sociedade. [...] Em continuar trabalhando aqui, igual muitos rapazes que eram presos e continua trabalhando aqui, tem família e tudo mais. Acho que trabalhando dá para manter uma família sim. [...] Aqui nem precisa conversar não, se você quiser continuar, você continua. (Preso-trabalhador 4) Eu espero ter uma oportunidade pra mim, porque até então não tem nada previsto pra mim. [...] estou tendo ótimas oportunidades aqui, de ter uma profissão na carteira. [...] Vai me ajudar, até então não tem nada previsto quando eu sair, se eles me derem a oportunidade de trabalhar aqui fichado vai ser ótimo. [...] Todos querem essa oportunidade, eu esperei quatro anos, espero quando minha cadeia acabar eu continue. [...] Igual estou no final da minha pena e tive essa oportunidade, eu gostaria que quando você ganhasse o semi aberto e bem antes de ganhar a liberdade ter uma oportunidade dessa, se não fosse meus irmãos para me ajudar nesses três anos de descida eu não tinha condições de pagar minha pena. (Preso-trabalhador 5) Se eles vêem que você tem força de vontade eles dão oportunidade [...] Aos poucos você vai se restabelecendo. (Preso desligado do Projeto 2) Ajuda muito dá oportunidades, muitas empresas não dá não, tem muitos colegas meus que saiu daqui e até hoje não conseguiram arrumar serviço, por preconceito mesmo de muitas empresas, devido ao atestado de bons antecedentes. [...] Foi muito bom pra mim, sai e já ter uma

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oportunidade de emprego. [...] Pra mim ajudou bastante, se cada empresa desse uma oportunidade dessas pra muitos ai melhoria bastante. (Egresso 1) Pra mim é muito satisfatório porque hoje eu entendo que por mais dinheiro que você tenha ele não vai te trazer felicidade por resto da vida. O que é importante é você ter um ganho para sustentar sua família. [...] O ponto positivo é a ressocialização porque muitos que sai do presídio hoje tem como ponto de vista mudar sua vida, trabalhar, cuidar da sua família, mas muitos não encontra essa oportunidade e acaba fazendo coisas que não deveria estar fazendo. Mas se a pessoa encontra uma oportunidade de trabalhar, ter uma carteira assinada é muito satisfatório nesse termo de estar ressocializando. [...] Pra mim foi ótimo, liguei aqui na empresa expliquei pra eles que estava precisando trabalhar, a própria empresa me indicou outras empresas mais próximas da minha casa, mas como não foi possível a própria empresa me abriu a vaga, ai fichei. Depois veio a promoção onde aprendi outras técnicas do serviço e melhorou mais ainda. (Egresso 2)

As expectativas dos presos-trabalhadores perpassam por vários aspectos

presentes no contexto sócio-histórico onde estes sujeitos estão inseridos, as

capacidades da família oferecer apoio afetivo e material, além de auxiliá-lo em sua

reinserção social, o próprio tecido social, já marcado por contradições e

diferenciações seletivas de acesso à serviços e oportunidades, geralmente, em

detrimento dos presos, antes, durante e após seu cumprimento de pena,

principalmente em razão dos preconceitos e estigmas imputados a estes sujeitos e

disseminados pela sociedade, além de um mercado de trabalho, cada vez mais

exigente e seletivo, entre outros fatores, sem desconsiderar o escasso apoio

estatal e social em seu processo de reinserção social.

Como bem aponta Brant (1994):

O trabalho encarcerado, mais do que “reeducador”, é um mecanismo de reapropriação do tempo que a condenação colocou em suspenso. É um trabalho vazio, inútil tanto do ponto de vista do trabalhador, como dos objetivos propostos pela organização do sistema. As aspirações profissionais têm base na experiência ocupacional anterior e no julgamento que os detentos fazem de si, enquanto futuros egressos numa sociedade que os aguarda de pé atrás. Essa conclusão aponta para o paradoxo da “re-socialização”, cujo método é a segregação total do indivíduo do mundo social, seja este o mundo das relações de trabalho, seja o das relações sociais mais abrangentes. (p.139)

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho prisional se insere em um amplo contexto sócio-histórico,

desde a utilização da força de trabalho carcerária por parte do Estado ou, no caso

estudado por este trabalho, por instituições privadas em convênio com agentes

públicos, perpassando por todo um processo de desenvolvimento da concepção

do labor prisional, concomitante a outras transformações dos sistemas prisionais

pelo mundo, onde, a princípio, tal atividade serviu como um castigo, uma

penitência, passando por uma concepção reeducativa, reabilitadora e,

posteriormente, ressocializadora dos indivíduos presos, até correntes de

pensamento mais atuais, que entendem tal atividade a partir do processo de

reintegração ou reinserção social dos presos, percebidos como sujeitos de si

mesmo, além de conceber a sociedade como co-participante deste processo de

reinserção social.

O preso-trabalhador e sua atividade laboral são circunscritos pelo amplo,

complexo e dinâmico universo da sociedade, influenciando e sendo influenciado

por fatores sociais, econômicos, políticos, jurídico-penais, criminais, científico-

técnicos, entre outros. Além disso, a instabilidade e turbulência do mundo

organizacional e econômico, sua configuração e mudanças constantes e sua

relação com o mundo do trabalho e os modos de produção vigente, e a conexão

destes com o fenômeno da violência e criminalidade, através do histórico de

envolvimento dos sujeitos presos nestas práticas, recrutados, principalmente,

dentro do contingente das classes subalternas, para comporem a massa

carcerária, que vive em condições limitadas e precárias no sistema prisional. Este

contexto tem de ser levado em conta quando se propõe a organizar a atividade

laboral enquanto uma política pública promotora da reformulação da relação

preso/sociedade, marcada por contradições e diferenciações de acesso a

oportunidades e serviços, definida por Sawaia (2001) como uma inclusão

‘perversa’ destes sujeitos no tecido social.

O Projeto “Liberdade com Dignidade” foi concebido como uma política

pública, instituída por uma unidade prisional da Região Metropolitana de Belo

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Horizonte-MG em convênio com uma empresa privada, fabricante de colchões,

para promover a reintegração social de pessoas privadas de liberdade, através da

contratação destes sujeitos, custodiados por esta unidade, para trabalharem na

empresa, de acordo com os institutos legais referentes ao trabalho prisional,

propiciando aos empresários que atuam nesta área, uma redução significativa em

seus custos de produção, além de aspectos favoráveis também para o ambiente

carcerário, entre estes, a ocupação do tempo ocioso dos prisioneiros, diminuição

de ocorrências disciplinares, promoção de expectativas, tanto dos que trabalham

quanto daqueles que almejam tal atividade, dentre outros fatores. Este é o campo

de pesquisa, lócus deste trabalho, onde foram abordados os sujeitos

entrevistados, presos inseridos no Projeto, e Egressos contratados pela empresa,

ou já desvinculados desta, propiciando, assim, a análise do objeto de estudo desta

pesquisa, o trabalho prisional.

A partir de observações, feitas sobre o relato destes sujeitos em

interlocução com o referencial teórico deste trabalho, percebe-se que as

motivações e aspirações dos presos-trabalhadores apontam para direções

distintas daqueles objetivos inicialmente propostos para esta política pública, muito

em razão da forma com que esta atividade tem sido historicamente implantada e

organizada pelo sistema prisional, caracterizada como um trabalho precarizado,

temporário, sem garantias ou direitos sociais efetivos, um privilégio ofertado a

poucos, entre aqueles que compõem a massa carcerária, se valendo mais como

um meio de amenizar as tensões e as condições carcerárias e proporcionar a

aquisição de certas ‘regalias’ e benefícios por parte dos presos, entre estes, a

valorizada remição de sua pena, colocando em segundo plano a aquisição

pecuniária percebida pelo exercício de tal atividade, muito em razão de seu valor

irrisório, destacando-se mais pela experiência profissional que ficará registrada em

seu histórico, do que por uma aprendizagem profissional especializada, da qual

possa se valer no período pós-encarceramento, além de perspectivas futuras que

se assentam mais em torno da oportunidade dada por uma empresa que, entre

tantas outras, adota uma postura contrária aqueles que utilizam o ‘atestado de

bons antecedentes’ como critério seletivo para contratação de novos funcionários,

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contrapondo-se a uma visão preconceituosa e estigmatizadora das pessoas

presas, geralmente marcadas por vivências marginais, tanto social quanto

criminalmente, sem contar as convencionais vulnerabilidades sócio-econômicas a

que são submetidos, devendo ser, portanto, a partir deste ponto de vista,

separados dos cidadãos e trabalhadores e associados a indivíduos perigosos e

impróprios para vida em sociedade.

Talvez seja esta a maior contribuição deste trabalho, a desconstrução

destas concepções deletérias e acríticas, baseadas em uma visão de senso

comum, e propondo uma aproximação da vida destes sujeitos e seu

reconhecimento enquanto pessoas, frente a um quadro contraditório e ‘perverso’.

Não obstante, apesar de nossas observações, reconhecemos a relevância

e o valor do Projeto “Liberdade com Dignidade”, diante das raras oportunidades de

reconstrução das vidas destes sujeitos, quando de sua condição de egressos do

sistema prisional, além do resgate, mesmo que mínimo e precário, de sua

identidade, entre outros vínculos com o tecido social, corrompidos em razão de

seu encarceramento, tendo em vista o escasso amparo estatal e social, contando

mais com o apoio afetivo e material do núcleo familiar, além das poucas pessoas

mais próximas, que ainda acreditam na importância de suas vidas.

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ANEXO A – ORGANOGRAMA REPRESENTATIVO DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS (SEDS/MG)

dasfj lkj AfaFdg

Secretaria de Estado de Defesa Social

Assessoria de Representação Interinstitucional

Conselho de Criminologia

Conselho Penitenciário

Conselho Estadual de Trânsito

Assessoria de Comunicação Social

Gabinete

Assessoria Jurídica

Gabinete Integrado de Segurança Pública

(GISP)

Ass. Consolidação de Informações de Inteligência do Sistema de Defesa Social

Assessoria de Apoio Administrativo

Auditoria Setorial

Corregedoria

Assessoria de Inteligência

Subsecretaria de Administração Prisional

Subsecretaria de Atendimento às Medidas

Socioeducativas

Subsecretaria de Inovação e Logística do Sistema de

Defesa Social

Superintendência de Planejamento, Orçamento e Finanças

Escola de Formação e

Aperfeiçoamento do Sistema Prisional e

Socioeducativo

Diretoria de Formação e Capacitação do Sistema Prisional

Dir. de Formação e Capacitação do

Sistema Socioeducativo

Diretoria de Análise e Avaliação do Desempenho Operacional

Diretoria de Integração das Corregedorias

Dir. de Recrutamento e Seleção do Sistema

Prisional e Socioeducativo

Dir. e Implantação e Gestão de Núcleos de

Prevenção a Criminalidade

Diretoria de

Reintegração Social

Diretoria de Articulação Comunitária

Diretoria de Promoção Social da Juventude

Diretoria de Gestão da Informação

Diretoria de Planejamento

Operacional e Polícia Comunitária

Diretoria de Integração do Ensino

e Pesquisa

Superintendência de Avaliação e Qualidade da Atuação do

Sistema de Defesa Social

Superintendência de Integração do Sistema de Defesa

Social

Superintendência de Prevenção a Criminalidade

Diretoria de Recursos Humanos

Diretoria de Materiais e Patrimônio

Diretoria de Transportes e Serviços Gerais

Diretoria de Planejamento e Orçamento

Diretoria de Contabilidade e Finanças

Diretoria de Contratos e Convênios

Diretoria de Modernização e Recursos

Tecnológicos

Diretoria de Projetos

Diretoria de Acompanhamento de Obras e Manutenção

Diretoria de Pesquisa e Novas Tecnologias

Superintendência de Logística e

Recursos Humanos

Superintendência de Infra-estrutura

Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de Vagas

Superintendência de Segurança Prisional

Diretoria de Gestão de Vagas

Unidades Prisionais

Comando de Operações Prisionais Especiais (COPE)

Diretoria de Apoio

Logístico

Diretoria de

Segurança Externa

Diretoria de

Segurança Interna

Diretoria de Políticas de APAC e Co-gestão

Diretoria de

Trabalho e Produção

Diretoria de Ensino e Profissionalização

Diretoria de Saúde e Atendimento Psico-Social

Diretoria de Articulação do

Atendimento Jurídico e Apoio Operacional

Diretoria de

Gestão de Parcerias

Diretoria de Apoio e Incentivo às Medidas de Meio Aberto e Semi-liberdade

Diretoria de Gestão da Informação e

Pesquisa

Dir. de Formação Profissional e Saúde do Adolescente

Diretoria de Segurança

Socioeducativa

Unidades

Socioeducativas

Diretoria de Orientação Pedagógica

Diretoria de Gestão de Vagas e

Atendimento do Adolescente

Superintendência de Atendimento ao Preso

Colegiado de Corregedorias do Sistema de Defesa Social

Colegiado de Integração do Sistema de Defesa Social

Superintendência de Gestão das Medidas de Meio Aberto e Articulação da Rede Socioeducativa

Superintendência de Gestão das Medidas de Privação de Liberdade

Adaptado de https://www.seds.mg.gov.br/images/seds_docs/organograma_seds.pdf (atualizado até maio/2008).

Nível Estratégico

Órgãos colegiados

Unidades de Assessorramento

Nível Tático

Nível Operacional

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APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA ABORDAGEM DOS SUJEITOS DA PESQUISA Histórico anterior ao cárcere

1. Como era sua vida antes de ser preso? (breve anamnese)

2. Você trabalhava antes de ser preso? (histórico laboral anterior ao cárcere)

3. Como era seu envolvimento com a criminalidade? (histórico criminal anterior ao cárcere)

Histórico dentro do Sistema Prisional

1. Como estão seus andamentos processuais? (anos de condenação, anos de cumprimento de pena, artigos, ...)

2. Quais atividades você já desenvolveu dentro do sistema prisional? (estudo, trabalho, etc.)

3. Como é o seu histórico disciplinar dentro do Sistema Prisional? (faltas disciplinares, atestado carcerário)

Histórico no Projeto “Liberdade com Dignidade”

1. Quanto tempo você está/ficou no Projeto “Liberdade com Dignidade”?

2. O que você acha que contribuiu para sua inclusão neste projeto?

3. Quais atividades você desenvolve e/ou já desenvolveu na empresa?

4. Como foram os primeiros dias de trabalho na empresa? (acolhida)

5. Como é o dia-a-dia (cotidiano) de trabalho na empresa?

6. Como é a relação com os outros funcionários?

7. Como é a relação com as chefias?

8. Como são as condições de trabalho? (horários, segurança, equipamentos, alimentação, etc.)

9. Quais são os pontos positivos deste trabalho?

10. Quais são as dificuldades deste trabalho?

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11. Onde você acha que este Projeto poderia melhorar?

12. Qual a importância deste trabalho para seu cumprimento de pena?

13. Como você acha que este trabalho irá lhe ajudar quando você receber sua liberdade?

14. Qual a diferença entre o trabalho disponibilizado dentro Unidade

Prisional e o deste Projeto? 15. Como você acha que é visto (percebido) pelos outros presos que

estão reclusos na Unidade? 16. O que eles falam sobre os projetos de parceria da Unidade? 17. Você deseja fazer mais alguma observação ou comentário?