o terceiro setor na administração da saúde pública: os ou...
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O Terceiro Setor na Administração da Saúde Pública: OS ou OSCIP, quem administra? Prof. Dra. Flavia Mori Sarti Wagner KimuraI
I Gestão de Políticas Públicas. Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil. email: [email protected]
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RESUMO
OBJETIVO: Analisar as relações entre o poder público e o terceiro setor quanto a
contratação dos serviços de administração da saúde pública.
MÉTODOS: O procedimento metodológico utilizado foi o de desk research,
envolvendo um conjunto de artigos científicos, textos científicos e demais textos de
cunho acadêmico extraídos de livros e revistas eletrônicas, que discorrem sobre o
tema abordado.
RESULTADOS: Definição da forma correta de pactuação com o poder público e da
exatidão do escopo de atividades e serviços voltados à administração da saúde
pública a serem desempenhados por uma Organização Social (OS) e por uma
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
CONCLUSÕES: A falta de controle, acompanhamento e disseminação do correto
entendimento das legislações específicas criou uma série de divergências
interpretativas e ilegalidades nas formas de pactuação e contratação de entidades
categorizadas como OS e OSCIP. Este fato nos leva a inferir sobre a necessidade
de reformulação ou proposição de um novo projeto pára o setor, um novo Marco
Legal no Terceiro Setor.
Descritores: Organização social. Organizações sem fins lucrativos. Organização &
Administração. Gestão em saúde. Políticas públicas de saúde. Diretrizes para o
planejamento em saúde. Administração em saúde pública, tendências.
Organizações em saúde.
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INTRODUÇÃO
Buscando a conceituação de Terceiro Setor e observando os segmentos
estruturais de uma sociedade, a partir da economia clássica, vislumbramos a
seguinte divisão por setores:
a) Primeiro Setor (Estado);
b) Segundo Setor (Mercado); e
c) Terceiro Setor (Sociedade Civil).
Por exclusão, invariavelmente, temos no terceiro grupo todas as organizações
e entidades públicas ou privadas, não presentes nos outros dois grupos, oriundas de
movimentos sociais e da mobilização social de grupos que reivindicavam direitos e
que buscavam o atendimento de interesses comuns, sempre com o cunho “social”.
Podemos citar alguns tipos de entidades como: sindicatos, associações diversas,
fundações, movimentos sociais dos mais diversos, organizações sem fins lucrativos
de interesse mútuo, organizações privadas, não lucrativas e de fins públicos. Neste
universo surgem diversas siglas para designação das várias entidades e
especificidades inerentes como: Novos Movimentos Sociais (NMS), Organizações
Não Governamentais (ONG‟s), Organização Não Lucrativa (ONL), Organização da
Sociedade Civil (OSC), Organização Social (OS) e Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP). 13
Para alguns teóricos, o Terceiro Setor abarca toda a espécie e modelos de
entidades que não estão enquadrados nas definições de primeiro e segundo
setores, Mânica, chega a usar o termo “albergue” de forma não ortodoxa, num tom
de crítica e ao mesmo tempo tentando elucidar o entendimento sobre o setor. 6
Fernandes, em obras distintas, conceitua o terceiro setor no Brasil, primeiro
sob a ótica de uma combinação de resultantes entre agentes (privados) e fins
(públicos) e entre suas características organizacionais e suas práticas, “[...] um
conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e
serviços públicos”, e segundo, de modo mais aprofundado, “composto de
organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação
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voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas
tradicionais da caridade, da filantropia, e do mecenato, e da expansão do seu
sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de
cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil”. Sua abordagem
aponta para a dupla negação, “não governamental” e “não lucrativo”. Ao citar a
expressão “não governamental”, leva-nos a enxergar uma entidade que possui
persuasão na esfera pública, porém não compulsória (sem o uso de violência
legitimada), e ao citar a expressão “não lucrativo”, leva-nos a pressupor que a
entidade não tem como finalidade a geração de lucros e dividendos, mas uma
obrigatoriedade de reinvestir excedentes em ações sociais. 12,14,15
Se observarmos as características apontadas pela Organização das Nações
Unidas (ONU), em seu Manual sobre as Instituições sem Fins Lucrativos no Sistema
de Contas Nacionais, conjuntamente com a Universidade John Hopkins, fazem parte
do Terceiro Setor as entidades que possuam cumulativamente:
a) caráter de natureza privada;
b) sejam regidas pela ausência de finalidade lucrativa;
c) tenham sido institucionalizadas;
d) possuam auto-administração;
e) tenha sido criada voluntariamente.
Analisando as características dos itens acima, o item “c)”, aponta para a
existência formal da entidade, já os itens “a)”, “d)” e “e)” mostram que a entidade não
faz parte do Estado, sendo sua natureza de direito privado, com administração
própria e de criação espontânea, por fim, o item “b)” demonstra que a entidade não
pertence ao mercado privado competitivo. 6
Os anos 60 e 70 trouxeram o advento mundial de movimentos organizados de
entidades não-governamentais, que buscavam e ainda hoje buscam preencher as
lacunas deixadas pelos entes públicos, aperfeiçoar as atividades executadas por
estes e melhorar os resultados sociais e ambientais, buscando atender os anseios
da sociedade de suas relações, em seu trabalho. Anterior a esse período os
movimentos eram esparsos. Com o final da ditadura militar, e em virtude dos
reflexos de uma crise econômica que iniciou no final dos anos 70, bem como a onda
crescente de entidades do Terceiro Setor atuando nos países centrais (países
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desenvolvidos, chamados de primeiro mundo), no Brasil, as entidades começam a
criar corpo e a participar mais ativamente em questões sociais. 12,15
Com o agravamento dos reflexos da crise, e a redução nos investimentos
sociais, o Terceiro Setor se transforma de forma atabalhoada e desorganizada,
desaparecendo a estrutura, até então, formada por dois blocos preponderantes de
instituições: um mais tradicional, histórico e conservador, composto por
organizações de caridade e filantropia relacionadas com a execução de serviços
sociais, que tiveram suas origens ligadas, entre outras, a uma paróquia ou entidade
de bairro geralmente denominada como “Sociedade Amigos do Bairro”; e outro,
formado pelas novas ONG, guiadas por uma lógica de gestão política alternativa, na
maioria das vezes de oposição ao regime instituído, com suas estruturas funcionais
mais modernas e voltadas para o desenvolvimento social sustentável. 12,15
Na tarefa “hercúlea” de buscar uma definição conceitual sobre o Terceiro
Setor, reunimos as definições de vários autores, compilamos e tentamos formular
uma definição que contemplasse todas. Na seqüência apresentamos as definições
reunidas:
“[...].o conceito de Terceiro Setor descreve um espaço de participação e experimentação de
novos modelos de pensar e agir sobre a realidade social. Sua afirmação tem o grande mérito
de romper com a dicotomia entre o público e o privado, na qual o público era sinônimo de
estatal e o privado, de empresarial[...] Inclui o amplo espectro das instituições filantrópicas
dedicadas à prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e bem-estar social.
Compreende também as organizações voltadas para a defesa dos direitos de grupos
específicos da população, como as mulheres, negros e povos indígenas..., engloba as
múltiplas experiências de trabalho voluntário, pelas quais cidadãos exprimem sua
solidariedade através da doação de tempo, trabalho e talento para causas sociais.” 2
“[...] trata-se de um setor intermediário entre o Estado e o Mercado, entre o setor público e o
privado, que compartilha de alguns traços de cada um deles.” 8
"[...] conjunto de organizações de origem privada e finalidade não lucrativa, cujo objetivo é
promover o bem estar social através de ações assistenciais, culturais e de promoção da
cidadania.” 16
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“[...] conjunto das pessoas jurídicas de direito privado, constituídas de acordo com a
legislação civil sob a forma de associações ou fundações, as quais desenvolvam: a)
atividades de defesa e promoção de quaisquer direitos previstos pela Constituição ou, b)
prestem serviços de interesse público.” 6
“[..] toda ação, sem intuito lucrativo, praticada por pessoa física ou jurídica de natureza
privada, como expressão da participação popular, que tenha por finalidade a promoção de um
direito social ou seus princípios.” 17
“Terceiro Setor é aquele que congrega as organizações que, embora quase sempre prestem
serviços públicos, produzam ou comercializem bens e serviços, não são estatais, nem visam
lucro financeiro para os associados ou administradores com os empreendimentos efetivados,
estando incluídas aqui, portanto, as associações e fundações.” 18
“[...] os entes que integram o Terceiro Setor são entes privados, não vinculados à organização
centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não almejam, entretanto,
entre seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse
social e público.” 19
“[...]um conjunto de iniciativas particulares com um sentido público [...] encontramos uma
variedade de prestadores de serviços que não costumam ser incluídos nos diretórios
convencionais dos „agentes não-governamentais‟. Muitos não estão sequer registrados em
qualquer instância jurídica. Trabalham à margem dos controles formais. Outros têm registros
institucionais, mas não distinguem entre os serviços com a clareza analítica que se espera
das agências civis.” 14
“[...] o Terceiro Setor é visto como derivado de uma conjugação entre as finalidades do
Primeiro Setor e a metodologia do Segundo, ou seja, composto por organizações que visam a
benefícios coletivos (embora não sejam integrantes do governo) e de natureza privada
(embora não objetivem auferir lucros).” 20
Após a leitura das definições apresentadas, sem a pretensão de ultimar a
conceituação, tecemos a nossa definição sobre o Terceiro Setor:
“Terceiro Setor é um elo de ligação entre o Primeiro e o Segundo Setor,
composto de pessoas jurídicas de direito privado com finalidades
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filantrópicas, sem fins lucrativos, suprindo carências e necessidades do
Estado na promoção dos direitos previstos em sua Constituição e nos demais
dispositivos legais com relação à prestação de serviços públicos”.
Classificação das Organizações do Terceiro Setor
No quadro 1.1, tocante à classificação, A FASFIL - Fundações Privadas e
Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil, adotou como parâmetro a “Classificação
dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao Serviço das Famílias”
(“Classification of the Purpose of Non-Profit Institutions Serving Households –
COPNI”), cuja classificação tem ratificação e reconhecimento pela Divisão de
Estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), e divide nos seguintes
grupos e sub-grupos:
Habitação: Habitação. Assistência Social: Assistência social.
Saúde: Hospitais, Outros serviços de saúde. Religião: Religião.
Cultura e Recreação: Cultura e arte, Esportes e recreação.
Associações Patronais e Profissionais: Associações empresariais e patronais, Associações profissionais, Associações de produtores rurais.
Educação e Pesquisa: Educação infantil, Ensino fundamental, Ensino médico, Educação superior, Estudos e pesquisas, Educação profissional, Outras formas de educação/ensino.
Meio Ambiente e Proteção Animal: Meio ambiente e proteção animal.
Assistência Social: Assistência social. Desenvolvimento e defesa de direitos: Associação de moradores, Centros e associações comunitárias, Desenvolvimento rural, Emprego e treinamento, Defesa de direitos de grupos e minorias, Outras formas de desenvolvimento e defesa de direitos.
Outras instituições privadas sem fins lucrativos não especificadas anteriormente: Outras Instituições privadas sem fins lucrativos não especificadas anteriormente.
Quadro 1 - Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao
Serviço das Famílias - COPNI.
Fonte: COPNI, Divisão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU). 21
Já o Mapa do Terceiro Setor (MAPA), do Centro de Estudos do Terceiro Setor
(CETS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), adotou como parâmetro a
“Classificação Internacional de Organizações Não-Lucrativas – ICNPI”, que foi
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desenvolvida por uma equipe acadêmicos da CNP – Johns Hopkins Comparative
Nonprofit Sector Project. Essa classificação organiza as atividades do Terceiro Setor
numa estrutura básica de doze grupos subdivididos em trinta sub-grupos:
Grupo 1 Cultura e Recreação: Cultura e artes, Esportes e recreação, Outras em recreação e clubes sociais.
Grupo 7 Serviços Legais, Defesa de Direitos Civis e Organizações Políticas: Organizações cívicas e de defesa de direitos civis, Serviços legais, Organizações Políticas.
Grupo 2 Educação e Pesquisa: Educação fundamental e médica, Educação superior, Outras em educação, Pesquisa.
Grupo 8 Intermediárias Filantrópicas e de Promoção de Ações Voluntárias: Fundações financiadoras, Outras intermediárias e de promoção do voluntariado.
Grupo 3 Saúde: Hospitais e clínicas de reabilitação, Casas de saúde, Saúde mental e intervenção em crises, Outras em saúde.
Grupo 9 Internacional: Atividades internacionais.
Grupo 4 Assistência e Promoção Social: Assistência social, Emergência e amparo, Auxílio à renda e sustento.
Grupo 10 Religião: Associações e congregações religiosas.
Grupo 5 Meio ambiente: Meio ambiente, Proteção à vida animal.
Grupo 11 Associações Profissionais, de Classes e Sindicatos: Organizações empresariais e patronais Associações profissionais, Organizações sindicais.
Grupo 6 Desenvolvimento e Moradia: Desenvolvimento social, econômico e comunitário, Moradia, Emprego e treinamento.
Grupo 12 Não Classificado em Outro Grupo: Não classificada anteriormente.
Quadro 2 - Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao
Serviço das Famílias - ICNPI.
Fonte: Classificação Internacional de Organizações Não-Lucrativas – ICNPI, CNP – Johns Hopkins
Comparative Nonprofit Sector Project.21
MÉTODOS
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MARCO LEGAL NO TERCEIRO SETOR – OS E OSCIP
O projeto elaborado pelo Conselho da Comunidade Solidária que culminou
com a promulgação da Lei Federal nº 9790/99, a chamada lei da OSCIP,
considerado como o Marco Legal no Terceiro Setor, foi uma tentativa de ordenação
regulatória e organizacional das entidades sem fins lucrativos que empreendiam
ações de filantropia no país. O projeto não tinha somente o objetivo de combater a
desordem que pairava no setor, decorrente do crescente surgimento de instituições,
ele também trouxe ao poder público uma série de procedimentos menos
burocráticos para o estabelecimento de relações com entidades privadas. Estas
alternativas procuraram agilizar os processos administrativos da gestão pública e
melhorar a profissionalização do setor público.1,2,3,12,13
Os Estudos e tratativas para a elaboração do projeto iniciaram em 1997, num
período de crise econômica, baixo investimento em projetos sociais, e um
desordenado e crescente surgimento de entidades que visavam suprir as carências
da sociedade e deficiências do poder público na execução das atividades sociais.
Um dos principais motes do projeto era fornecer ao poder público uma gama de
regras normativas eficientes, que impedisse ações espúrias de pessoas e entidades
habituadas a lesar os cofres públicos e a sociedade civil, protegendo principalmente,
as camadas mais carentes da população.1,2,12,13
Em 24 de julho de 1998, foi entregue ao Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, um anteprojeto de lei, onde foi ressaltada a importância do
fortalecimento do Terceiro Setor. Este anteprojeto iniciava com a proposição da
definição conceitual e da própria abrangência do terceiro setor, a qual
transcrevemos:
“...inclui o amplo espectro das instituições filantrópicas dedicadas à
prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e bem estar social.
Compreende também as organizações voltadas para a defesa dos direitos de grupos
específicos da população, como mulheres, negros e povos indígenas, ou de
proteção ao meio ambiente, promoção do esporte, cultura e lazer. Além disso,
engloba experiências de trabalho voluntário, pelas quais cidadãos exprimem sua
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solidariedade através da doação de tempo, trabalho e talento para causas sociais...”
2,13
No seu cerne, o anteprojeto visava à simplificação dos procedimentos de
registro de entidades, a desburocratização e o fim da apreciação discricionária da
autoridade quanto ao ato de qualificação e titulação de uma entidade. Além disso,
considerava a legislação vigente como insuficiente para o efetivo controle do uso de
recursos financeiros públicos e assegurava que sua aplicação transcorreria com a
observância de critérios de eficácia, eficiência e transparência. 2,13
Um pouco antes da apresentação do projeto lei, com o objetivo de redefinir a
forma de estabelecimento das relações entre o Estado e as entidades sem fins
lucrativos, o governo realiza, em paralelo, um Plano de Reforma do Estado. Se de
um lado o Conselho da Comunidade Solidária criou a OSCIP - Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público, do outro o Plano de Reforma do próprio
governo federal criou a OS - Organização Social, ambas pessoas jurídicas de direito
privado sem fins lucrativos, mas regidas por instrumentos legislativos
distintos.1,2,3,6,12,13
A OS, regida pela Lei Federal nº 9.637/98, foi criada com o objetivo principal
de atender a necessidade de publicização de universidades, hospitais, centros de
pesquisa, bibliotecas e museus da administração estatal. As administrações das
entidades estatais e os bens do patrimônio público são transferidos, através de
contratos de gestão, para entidades privadas, dotadas da titulação de Organização
Social. Por conveniência do ente público, devem ser transferidas, prioritariamente,
as atividades mal gerenciadas pelo poder público, privilegiando assim, o aumento da
eficiência de processos e atividades, gerando ganhos à sociedade em geral. A
Titulação de OS, efetivada discricionariamente por decreto, é outorgada legalmente
pelo poder executivo da esfera pública pactuante, e pode ser revogada com a
extinção do contrato de gestão primitivo. 1,2,3,6, 7,10,13
A OSCIP, em contrapartida, é regida pela Lei Federal nº 9.790/99 e pelo
Decreto nº 3.100/99 e deve levar para a esfera pública atividades inovadoras,
propostas de melhorias (incluindo melhorias de gestão e processos), novas
tecnologias, fornecimento de treinamentos dos mais diversos, enfim, levar o que de
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melhor a iniciativa privada pode fornecer ou ofertar, desde que proporcione
benefícios à sociedade, o aumento da eficiência e eficácia do poder público, através
de projetos por tempo finito. A postergação das atividades após a implantação
completa de um projeto irá se caracterizar como “gestão de um serviço público”,
fugindo do escopo de atuação de uma OSCIP e, dependendo dá área envolvida,
entrará no escopo de atuação de uma OS. 1,2,3,6, 7, 10,13
Na ilustração abaixo demonstramos o sentido correto de pactuação e
transferência de atividades entre poder público e entidades privadas categorizadas
como OS e OSCIP.
Estado Sociedade
Transfere atividades/serviços
realizados pelo Estado para a
sociedade (transfere a gestão de
bens e serviços existentes)
Estado SociedadeTraz a atividade/serviço para o
Estado (inovações e melhorias
da iniciativa privada, através de
projetos)
OS
OSCIP
Estado Sociedade
Transfere atividades/serviços
realizados pelo Estado para a
sociedade (transfere a gestão de
bens e serviços existentes)
Estado SociedadeTraz a atividade/serviço para o
Estado (inovações e melhorias
da iniciativa privada, através de
projetos)
OS
OSCIP
Figura 1 – Sentido da pactuação a ser firmada entre Estado X Entidade de Terceiro Setor
No caso da OS, a Lei Federal nº 9.648/98, vinculou a modalidade de
contratação e a adjudicação da entidade por dispensa de licitação embasada no
artigo 24, inciso XXIV da Lei Federal nº 8.666/93 de licitações e contratos. 7, 10
Já no caso da OSCIP, a legislação estabeleceu as regras para obtenção da
Titulação de OSCIP, bem como as modalidades de pactuação com o órgão público
(concurso de projetos ou dispensa simples) e o instrumento legal a ser utilizado na
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formalização da pactuação (termo de parceria). Na lei da OSCIP não há qualquer
alusão ou dependência à Lei Federal nº 8.666/93 de licitações e contratos. 7,9, 10
A Titulação de OSCIP ficou sob a responsabilidade do Ministério da Justiça,
órgão detentor do poder de deferir ou não uma solicitação de titulação. Contudo, o
critério não é discricionário e não é vinculada com qualquer pacto prévio de
transferência de serviços ou bens por parte de um ente público. Caso a OSCIP
apresente todos os documentos exigidos e atenda a todos os dispositivos legais e
procedimentais, sua titulação é efetuada. De acordo com a lei da OSCIP, as
entidades tituladas como OSCIP estão proibidas de acumular outras titulações. Caso
a entidade queira pleitear outra titulação, deverá solicitar seu descredenciamento de
OSCIP junto ao Ministério da Justiça. 7, 10,13
Uma outra questão, com intuito de evitar equívocos interpretativos, é a
utilização do termo “publicização”, presente no escopo da Lei que rege uma OS, e
em nenhum momento citado na Lei e Decreto que regem uma OSCIP. Com relação
ao termo “publicização”, destacam-se dois significados: o primeiro estabelecendo
que é a transferência da prestação de serviços de interesse público para entidades
do terceiro setor, formadas pela sociedade civil e com apoio do Estado; e o segundo
estabelecendo que é o processo de transformação de entidades públicas em
entidades privadas sem fins lucrativos. Independente da definição a ser considerada,
é correto afirmar que as duas interpretações remetem ao fato de que a publicização
não cabe em processos que envolvam a pactuação entre um ente público e uma
OSCIP, mas é a espinha dorsal de qualquer processo que envolva a pactuação com
uma OS. 7,8,9, 10,13
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Sob a ótica legal, na tabela 1, destacamos as diferenças básicas entre uma
OS e uma OSCIP:
Tópicos a comparar OSCIP OS
Legislação Leis 9.790/99 e Decreto 3.100/99 Lei federal 9.637/98 e Lei
Complementar Federal 9.648/98
Ente Expedidor e
Revogador
Esfera Federal através do Ministério
da Justiça.
Poder Executivo da esfera pública
contratante
Prestação de contas
e renovação
Anual, junto ao Ministério da Justiça
e normas da contabilidade privada.
Anual, atendendo o regime contábil
da esfera pública pactuada.
Cumulação com
outro título
Não pode Pode
Áreas de atuação
(espécies)
I – Assistência social; cultura;
educação; saúde; segurança
alimentar e nutricional; meio
ambiente; voluntariado; combate à
pobreza; tecnologia social; valores
universais e pesquisa científica;
Ensino; pesquisa científica;
desenvolvimento tecnológico; meio
ambiente; cultura e saúde.
Orientação da
pactuação
Leva à esfera pública atividades e
técnicas inovadoras da iniciativa
privada através de projetos
Recebe a incumbência de gerir
atividades do serviço público ou de
administração patrimonial.
Publicização Não Sim
Controle interno Conselho Fiscal Conselho de Administração
Controle externo
(auditoria
independente)
Recursos recebidos acima de
R$ 600 mil
Sem previsão
Forma de
contratação
Termo de Parceria Contrato de Gestão
Modalidade de
processo
Concurso de Projetos, conforme Lei
Federal nº 9.790/99. Ou dispensa
simples baseada no mesmo
dispositivo legal.
Dispensa de Licitação embasada
no artigo 24, XXIV, da Lei Federal
nº 8.666/93.
Tabela 1 - Diferenças básicas conceituais entre OS’s e OSCIP’s
Fonte de dados: Portal da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo,
Comissão de Direito do Terceiro Setor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Comissão de
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