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O SUJEITO ATIVO-SOCIAL BAKHTINIANO E A VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O
ENSINO MÉDIO FRENTE AO CONTEXTO DE UMA REGIÃO DE
IMIGRANTES EUROPEUS
Marcia Rejane Kristiuk (PPGL – UNIRITTER)1
RESUMO: A proposta do texto tem o objetivo de realizar estudos sobre a variação linguística do aluno
de ensino médio ao enunciar o seu discurso em um contexto constituído por imigrantes europeus na
região de Frederico Westphalen – RS através da relação entre a cultura dos imigrantes italianos em
contato com a língua portuguesa. O trabalho também veicula a prática de ensino da disciplina de língua
portuguesa no curso técnico em Agropecuária de escola pública federal, respeitando a linguagem desta
comunidade. Esta análise como se trata de uma breve discussão vou buscar observar os relatórios de
setores em que os alunos realizam atividades práticas em bovinocultura, fruticultura, suinocultura, entre
outros e têm que registrar suas observações em um caderno de campo. Através deste caderno de campo
pode-se observar a produção textual nos relatórios. O discurso do aluno será analisado aqui levando em
consideração os pressupostos teóricos de Bakhtin.
PALAVRAS-CHAVE: variação linguística; língua portuguesa; cultura de imigração europeia; produção
textual; sujeito ativo-social bakhtiniano.
ABSTRACT: The proposed text aims to carry out research on language variation from high school
student to enunciate your speech in a context constituted by European immigrants in the area of Frederico
Westphalen - RS through the relation between the culture of Italian immigrants in touch with language
Portuguese. The work also conveys the teaching practice of the discipline of Portuguese language in the
technical course in Agriculture from federal public school, respecting the language of this community.
This analysis as it is a short discussion will seek to observe the reports of sectors in which students
undertake practical activities in cattle, fruit, pig farming, among others and they have to register your
observations on a field notebook. Through this field notebook can observe the textual production in
reports. The student's speech is here analyzed taking into account the theoretical presumptions of Bakhtin.
KEYWORDS: language variation; portuguese language; the culture of European immigration; textual
production; bakhtinian‟s subject active-social.
1 Mestre em Letras: Estudos Literários (2008), pela URI - Frederico Westphalen. Doutoranda em Letras:
Estudos de Linguagem (atual). UNIRITTER - Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]
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Introdução
Busca-se realizar um trabalho de reconhecimento da linguagem do aluno para
direcionar o seu aprendizado na língua portuguesa padrão em um curso técnico que visa
profissionalizá-lo para atuar com sucesso no mercado de trabalho. Assim, entender a
linguagem: um contexto bilíngue, em que o aluno está inserido proporcionará maior
interação no aprendizado da língua portuguesa, sem deixar de construir a valorização
cultural que traz a imigração. Isso porque é um fator que o identifica frente à sociedade
em que está inserido.
A realidade avaliada é de alunos do ensino médio do curso Técnico em
Agropecuária no ensino público federal, situado na região de Frederico Westphalen, em
que a população é constituída por imigrantes europeus como italianos, poloneses, russos
em contato com a língua portuguesa. Assim, discute-se a conscientização e as formas de
valorizar a diversidade da língua falada, facilitando o trabalho do professor na disciplina
de língua portuguesa e compreender ações didáticas que reconheçam essa realidade.
Como docente de ensino médio posso dizer que nas produções dos nossos alunos
encontra-se marcas de contatos de diferentes línguas ao se pronunciarem em suas
produções orais e escritas. Objetiva-se investigar as produções dos alunos a fim de
perceber as marcas da oralidade na escrita que trazem um histórico de fluxo muito
grande de imigração europeia, refletindo a história de formação dessa sociedade e dos
hábitos, linguagem e diversidade cultural em contato com outra cultura.
A realidade social de um contexto bilíngue do contato da língua portuguesa com a
do imigrante europeu
O contato da língua portuguesa com as línguas de imigração europeia já trás um
histórico longínquo. Nesse contato percebe-se uma realidade em que o imigrante ao
aprender a língua portuguesa institui uma variante linguística particular da fusão das
duas línguas. Nesse sentido, na região de Frederico Westphalen-RS percebe-se
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características próprias de linguagem. Mas como é percebido isso? Acompanho essa
realidade sendo professora de português e espanhol no curso técnico em Agropecuária e
percebo características particulares na linguagem do aluno.
Segundo Tarallo (2005, p.6) “A cada situação de fala em que nos inserimos e da
qual participamos, notamos que a língua falada é, a um só tempo, heterogênea e
diversificada”. Nessa perspectiva os sociolinguistas entendem que a língua é um veículo
de comunicação, de informação e de expressão entre as pessoas de uma comunidade.
William Labov insistia na relação entre língua e sociedade e também a possibilidade,
virtual e real, em haver a sistematização da variação linguística existente que é própria
da língua falada.
Estudar a língua falada em situações naturais de comunicação para poder coletar
a quantidade necessária de material sem que a presença do pesquisador interfira na
naturalidade que se objetiva da situação de comunicação. Então o pesquisador da área
da sociolinguística deve participar diretamente da interação. Por isso, sendo o principal
interessado na comunidade como um todo buscará o método da observação no momento
de contato com a comunidade de falantes. A interação direta é uma necessidade imposta
pela própria orientação teórica.
O pesquisador sociolinguista sempre busca coletar: 1. Situações naturais de
comunicação linguística e 2. Grande quantidade de material, de boa qualidade sonora.
Seja qual for a natureza de comunicação, o pesquisador ao selecionar seus informantes
terá “contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etária, etnia e sexo”
(TARALLO, 2005, p. 21). Portanto no recorte dessa pesquisa, o que é mais relevante é
a questão de etnia, uma vez que se trabalhará com produções escritas de alunos que são
descendentes de imigrantes europeus.
Nesse estudo é relevante falar do contato da língua europeia com a língua
portuguesa, pois se institui o comportamento bilíngue, porque algumas famílias ainda
conservam a língua da imigração. Diante do fato despertou o interesse em investigar
como o imigrante se sentia ao chegar à escola e o professor ignorar sua condição e
apenas trabalhar com o português padrão. Logo, pensar no tratamento das línguas de
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imigrantes pelo estado é representar uma realidade que segundo Altenhofen (2004, p.
83).
Ao lado das questões linguísticas ligada ao ensino de português, aos direitos
das populações indígenas no Brasil e às relações entre os países membros do
Mercosul, as questões ligadas às línguas de imigrantes talvez sejam as que
mais se encontram em aberto, no contexto brasileiro, tanto em termos da
necessidade de uma educação mais adequada às situações de bilinguismo,
quanto em relação a própria defesa dos direitos linguísticos e à carência de
pesquisas que deem conta da complexidade das relações sociais e linguísticas
presentes nessas áreas. Historicamente, pode-se dizer, a política linguística
para essas populações de imigrantes alternou entre momentos de indiferença
e de imposição severa de medidas prescritivas e proscritivas.
O pesquisador Altenhofen (2004) argumenta que falta voz e visibilidade às
línguas de imigrantes e às situações de bilinguismo no Brasil. É preciso incluir aos
diálogos sobre política linguística e ensino de línguas. Ao mencionar Calvet, declara
que não importa o grupo que pode elaborar uma política linguística, sendo uma delas a
família por ser uma identidade menor. Portanto, enfatiza que o Estado tem esse “poder e
os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em prática as escolhas
linguísticas”. (Calvet apud ALTENHOFEN, 2004, P. 85)
Há que se considerar situações de contatos linguísticos entre o português e as
línguas de imigrantes. Assim as instâncias menores, como escola, família, igreja ou
administração local devem ser respeitadas em suas decisões e escolhas. Se olharmos o
exemplo da família, quando os pais bilíngues decidem ou não ensinar aos filhos a língua
minoritária, é porque assumem uma decisão política. No entanto, “quando a escola
proíbe o uso da língua minoritária em sala de aula, quando ignora o papel da língua do
aluno no processo de alfabetização e de socialização, assume uma política nitidamente
excludente” (ALTENHOFEN, 2004, P. 86)
São frequentes os juízos de valor depreciativo sobre as línguas minoritárias e é
colocada na condição de submissa à língua oficial, o português. As pesquisas aqui
visam buscar uma compreensão maior por parte do professor da disciplina de português
veiculada em um local de imigração. Uma vez que se tenha maior compreensão de
aspectos como defendidos por Altenhofen (2004): a) opressão ou distorção do
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bilinguismo na escola: preconceitos linguísticos; b) generalização do monolinguismo:
ideologias e concepções ligadas à língua oficial e c) omissão ou ausência do
bilinguismo no planejamento escolar: a metáfora do campo de silêncio; poderá se ter
uma educação mais justa e adequada. Dessa forma, a ação docente se pautará no
respeito aos direitos linguísticos do aluno e no desenvolvimento pleno de suas
capacidades.
Reflexões sobre a constituição do sujeito bakhtiniano
É necessário que haja um redirecionamento do olhar do professor de língua
portuguesa em sala de aula, uma vez que o ensino-aprendizagem envolve o
conhecimento cultural do aluno. No caso a discussão é pautada na situação do contato
da língua do imigrante com o do português e isso não é um mundo à parte para o
aprendizado do aluno, e sim sua realidade. Refletem, nesse meio, questões de formação
de cultura e o bilinguismo que surge a partir do contato com duas línguas.
O linguista Ferdinand Saussure (apud SILVA, 2000) já dizia que a linguagem é
fundamentalmente um sistema de diferenças. Esta ideia se assemelha com a identidade e
a diferença como elementos que possuem sentido no interior de uma cadeia de
diferenciação linguística, em que “ser isto” significa “não ser isto” e “não ser aquilo” e
“não ser mais aquilo”. Observa ainda que os signos não têm valor absoluto e que não
tem sentido se considerarmos isoladamente. E que só adquire valor, ou sentido, quando
está numa cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que são diferentes dele.
Ao mesmo tempo se questiona a linguagem, porque ela vacila muito
ocasionando indeterminações. A linguagem entendida como um sistema de
significações é também uma estrutura instável, pois “teóricos pós-estruturalistas como
Jacques Derrida vêm tentando dizer isso nos últimos anos. A linguagem vacila. Ou, nas
palavras do linguista Edward Sapir (1921), „todas as gramáticas vazam‟” (SILVA,
2000, p. 78).
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A tentativa é trabalhar com um sujeito que rompe a hegemonia da significação
interna do sistema linguístico e abra caminho para se destacar elementos que remetem
ao exterior. Dessa forma, desenvolveu-se o estudo da linguagem na direção da
subjetividade de um sujeito que busca a função comunicativa na interação social.
A teoria da enunciação considera o sujeito como centro de reflexão da
linguagem, distinguindo enunciado (o já realizado) de enunciação (ato de produzir o
enunciado). Nesse processo, buscando o sujeito em pressupostos teóricos bakhtinianos,
aparece a enunciação como fenômeno social, em vez de individual, na relação com a
sociedade. Aqui a palavra é dialógica e é determinada por quem a emite quanto para
quem é emitida.
As formas de manifestação da consciência do sujeito não são idênticas, ou seja,
variam de acordo com as relações sociais que o indivíduo estabelece. Isso é o que
Bakhtin (1981, p. 115) afirma: “quanto mais forte, mais bem organizada e diferenciada
for a coletividade no interior do qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo
será o seu mundo interior”. Assim, a consciência do sujeito tem origem social.
O sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros. Sua
consciência e seu conhecimento do mundo resultam como “produto sempre inacabado”
deste mesmo processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e constitui-se como ser
social.
Sendo a palavra um fenômeno social justifica a escolha de trabalhar neste texto a
produção textual dos relatórios de campo dos alunos de ensino médio. A linguagem que
expressam e a forma como interpõem seus discursos demonstra valores e marcas na fala
com variações linguísticas provenientes do meio social em que vivem, sendo esta
situação de bilinguismo, do contato da língua portuguesa com a do imigrante europeu.
Procurar-se-á compilar alguns pontos da teoria de Bakhtin que demonstra a
intersubjetividade da linguagem, em que se estabelece as relações entre os participantes
da interação. Neste sentido, fará com que “o outro” irrompa na linguagem (BAKHTIN,
1981).
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Se formos olhar o sujeito que Benveniste (GUIMARÃES, 1995) constrói,
distancia-se do que propõe Bakhtin. Emile Benveniste ressalta que o sentido do
enunciado é sempre determinado pelo falante, uma vez que a apropriação da língua se
dá pelo individual e não pelo social. Dessa forma, o locutor se apropria dela para
enunciar a sua posição, manifestando-se através de marcas linguísticas. O sujeito é
determinado como fonte do dizer, como fonte do sentido.
Ao contrário de Benveniste, Bakhtin destaca o caráter social da língua, elegendo
como objeto de estudo a fala. Esta está ligada às estruturas sociais, considerando a
constituição ideológica do enunciado.
A verdadeira substância da língua não é constituída nem por um sistema abstrato
(objetivismo), nem pela enunciação monológica isolada (individualismo), mas se
constitui na interação verbal que se realiza na enunciação (BAKHTIN, 1981). A ideia
de sujeito, na visão de Bakhtin, é aquele que concebe o dialogismo como constitutivo da
linguagem e condição de sentido do discurso.
O diálogo não se limita apenas à comunicação entre pessoas colocadas face a
face, mas abrange todo o processo verbal (falado ou escrito) e não verbal. Percebe-se na
afirmação de Bakhtin (1981, p. 123) que qualquer enunciação,
por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de
uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida
cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.). Mas essa
comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento
na evolução contínua, em todas as direções de um grupo social determinado.
A linguagem está sempre em movimento (BAKHTIN, 1992, p. 290), ou seja, ela
é sempre inacabada, suscetível de renovação pela dependência da compreensão que
acontece no diálogo. Como o sujeito traz em si as vozes que o antecedem, um mundo
que já foi articulado e compreendido, logo, estabelece-se no dialogismo. Nesse sentido,
constrói-se sujeitos produtores de sentido, em que há uma ruptura da visão de sujeito
inofensivo à inserção social, como com a visão de sujeito assujeitado, submetido ao
ambiente sócio histórico. Defende-se aqui um sujeito constituído nas práticas sociais
concretas, capaz de fazer escolhas, ainda mais, capaz de intervir na realidade, tendo
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sucesso nessa intervenção quanto maior for o conhecimento que a subjetividade tiver na
objetividade posta.
A palavra sempre apresenta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
precede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Constitui-se o produto
da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação a
outro (BAKHTIN, 1981, p. 113).
A enunciação é um elo na cadeia dos atos da fala (BAKHTIN, 1981, p. 98).
Assim como, a alteridade é constitutiva do sujeito, isso quer dizer, na fala de um sempre
há a fala do outro. Assim, o eu não é apenas aquele que se enuncia como eu, mas pode
ser o porta-voz de muitas outras vozes.
A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se
trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto
mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma
determinada comunidade linguística. (Bakhtin, 1981, p. 107).
As relações sociais são fundamentos dos sujeitos. As relações Eu-Outro é o
princípio constitutivo do sujeito (BAKHTIN, 1992). Logo, a alteridade e a dialogia são
os pilares do pensamento bakhtiniano. O autor russo salienta a diferença de lugares, de
posições e de valores de cada sujeito.
O pensamento dialógico percebido por Amorin (2003, p. 14) enfatiza que
“Meu olhar sobre o outro não coincide nunca com o olhar que ele tem de si mesmo”.
Desse modo, Bakhtin pressupõe o Outro como existente, ser expressivo e falante que
nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado.
A realidade contextual do sentido no enunciado está determinado pela
interação de vozes, representantes de diferentes posições sociais e ideológicas na
sociedade. Além disso, a língua na perspectiva da interação demonstra que o social é
inseparável do ideológico e o signo caracteriza-se como variável e flexível. Nesse
sentido, a enunciação é orientada pelo contexto, por situações precisas (BARROS,
1997).
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Percebendo o dialogismo como permanente diálogo (BRAIT, 1997), vai-se
destacar comportamentos nem sempre simétricos e harmoniosos, isto porque os
diferentes discursos existentes configuram uma comunidade, uma cultura, uma
sociedade. Temos então, instituída a natureza interdiscursiva da linguagem. Em outra
perspectiva, o dialogismo segundo Brait (1997, p. 98) estabelece relações “entre o eu e
o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua
vez instauram-se e são instaurados por esses discursos”.
Por isso o dialogismo não é apenas a orientação da palavra ao outro, vai além.
Isso quer dizer, é o confrontamento, no enunciado, de vozes ideológicas de um grupo
social, num momento e lugar historicamente determinados. O sujeito percorre um
processo de tensão entre o “eu” e o “tu”, sendo o dialogismo bakhtiniano a interação
entre locutor e destinatário. Nas palavras de Bakhtin (1992, p. 316) “O enunciado está
repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior
de uma esfera comum da comunicação verbal”.
Ao fazer o percurso enunciativo neste texto pretende-se colocar o sujeito no
centro da reflexão da linguagem. O destaque pretendido é o sujeito pautado nos
pressupostos teóricos de Bakhtin. O teórico russo vê o sujeito como constitutivo do
sentido. Defende a interação entre o locutor e o alocutário, em que o sentido instala-se
no espaço entre o eu e o tu, ou entre eu e o outro. Assim, a enunciação configura-se
como um fenômeno social e não individual.
A cultura local representa essa convivência de diferentes línguas em que a língua
portuguesa prevaleceu. O sujeito, aluno de ensino médio, que queremos analisar
representa seus escritos expressando sua realidade. O imigrante é influenciado pela
cultura local a instituir como primeira língua o Português, deixando a sua língua, a do
lar, de lado. Nisso se constitui a língua falada na região com variantes peculiares.
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Produções textuais dos alunos refletindo a enunciação caracterizada pela cultura
local (repensando o Ensino da Língua Portuguesa como disciplina no ensino médio
diante a variação linguística local)
Para falar da disciplina de Língua Portuguesa frente à realidade de uma
comunidade de imigrantes europeus, com variação linguística específica e a situação de
bilinguismo local, é necessário situarmos a instituição que se está atuando na
comunidade de Frederico Westphalen, RS. A análise desse texto é de natureza breve, até
porque se quiséssemos aprofundar a temática renderia uma longa pesquisa e se relaciona
a turmas do ensino médio do curso Técnico em Agropecuária do ensino público federal.
Serão avaliadas as produções textuais dos relatórios dos cadernos de campo que são
realizados semanalmente devido às aulas práticas que ocorrem em setores de produção
animal e vegetal.
Como docente de língua portuguesa nessa instituição, busca-se realizar o
reconhecimento cultural do aluno para posteriormente trabalhar com aprendizagem do
português. A profissionalização dos cursos técnicos traz como um de seus parâmetros
de conhecimentos básicos a comunicação na língua oficial. Então é necessário que o
professor de português não ignore o seu aluno bilíngue ou a própria variação linguística
que a linguagem dele apresenta. O ideal é mostrar a ele a importância de conhecer
línguas diferentes e assim desenvolver variadas funções na sociedade.
Não devemos nos iludir pensando que nossos alunos saibam falar a língua do
imigrante, ou melhor, a herança que muitos receberam foram as influências de
ortografia e fonética que leva a sua linguagem a ser construída de forma diferenciada.
Isso ocorre devido ao fato de que aprenderam algumas frases e palavras isoladas da
língua de imigração. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9394/96) é flexível propondo que se coloquem nos currículos escolares línguas
estrangeiras que façam parte da realidade do aluno. Aqui não acontece isso, uma vez
que as línguas trabalhadas são inglês e espanhol. Então, no lar o aluno já tem uma
realidade negada em que pouco ou nada aprende de seus pais porque as línguas
universais não são as do italiano, ou do polonês, ou até russo. E na escola continua a
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negação, não é trabalhada a língua dos imigrantes. Penso no caso de meus pais: minha
mãe fala italiano, meu pai russo e polonês e não ensinaram para os filhos e na escola
nem lembraram que essas línguas existiam.
Faço essa discussão porque quero chegar a um ponto importante do texto, uma
vez que venho falando em bilinguismo: esse ponto são os dialetos dos imigrantes
porque tiveram grande influência na forma de falar na região, portanto, no momento de
trabalhar o português, nós professores classificamos a linguagem do aluno como
“errada”. O que então devemos fazer? Considerar o meio social que o aluno vive,
reforçando as ideias de Bakhtin em que a linguagem do aluno provém da interação
social. E não podemos negar mais uma vez para o aluno a sua construção linguística.
Devemos mostrar a ele que pertence a variação linguística e que vamos conhecer na
escola uma das formas de variação que é a língua padrão, ou podemos chamar a língua
acadêmica, dos trabalhos escolares e da linguagem técnica. Assim não podemos deixar
de perceber a fala dele como uma construção que enuncia a sua interação social.
Chagas (2007) quando se refere que as línguas mudam afirma que a língua
escrita é sempre mais conservadora que a falada. Além disso, limitando-se a forma da
escrita como se vai registrar a pronúncia dos sons das palavras do português. Assim,
“podemos constatar facilmente que já há algum tempo vários tipos de palavras tiveram
sua pronúncia alterada, mas continuam da mesma forma” (CHAGAS, 2007, p. 141).
Então, pode-se citar palavras como ouro, beijo ou cadeira que não são citadas pela
maioria dos falantes com ditongo na sílaba tônica e mesmo assim continuam sendo
grafadas da mesma forma. A afirmação do autor julga normal este afastamento da
língua escrita com a língua falada, uma vez que isso pode ser verificado em qualquer
língua que seja representada graficamente.
O aluno, sendo sujeito de um contexto social, representa em seus relatórios de
campo a escrita com marcas da fala. Ao enunciar os termos: “podemo as planta”, o
sujeito constrói o seu texto e não quer expressar o verbo poder. Ele entende que quer
podar a árvore e é isto. Culturalmente, em sua comunidade familiar e de amigos esse
“podemo” é de valor semântico de realizar a poda. Tem-se uma situação importante
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para o professor trabalhar como o caso da diferença da palavra poder e podar,
relacionado com a prática do aluno e com o contexto a que vai aplicar.
Destaca-se a entoação de frases curtas, como na fala, sem muitas explicações.
“Foi realizado o manejo”. “Organizamos o setor”. “No setor de caprinocultura ajudamos
a carnear uma ovelha”. “Limpamos nos “arredores” do setor da avicultura”. A
elaboração textual dos alunos torna-se uma sequência de frases breves e dispostas em
um mesmo parágrafo, sem a preocupação de organizar por assunto e realizar mais
explicações. Perceba a palavra “aredores” que foi grafada apenas com um R, esse tipo
de situação acontece muito na região, devido à influência das línguas de imigração
europeia, principalmente imigrantes italianos. É muito frequente as famílias falarem as
palavras com dois R com apenas um, e nossos alunos vem para escola e assim o fazem
em seus textos escritos. Ou seja, representam a fala na produção textual.
O direcionamento da análise leva-nos a perceber traços na linguagem do aluno
descendente de imigrantes italianos. A discussão visa observara escrita dos relatórios
dos cadernos de campo dos alunos do Curso Técnico em Agropecuária e esses alunos
vêm de diferentes municípios do RS, de SC e do PR. Então procuro fazer o recorte da
observação em relação aos municípios da região de Frederico Westphalen, onde há
maior concentração de imigrantes italianos e a maior parte dos alunos da instituição são
dessa região.
Um dos traços que mais evidenciam a interferência dos dialetos italianos falados
pelos descendentes residentes nessa região é a não produção da vibrante múltipla em
contextos em que prevê o padrão fonológico do português brasileiro. Por exemplo, a
produção de caro em contextos de carro.
Ao corrigir os relatórios (esses são corrigidos pelo grupo de docentes do curso)
reconhece-se na escrita a presença da variação linguística observado na oralidade. Em
frases como: “no setor de agroecologia revolvemos a tera dos canteiros” e “irigamos as
plantas”; aparece transposta na escrita a dificuldade comum na oralidade dos
descendentes de italianos na produção da vibrante múltipla /R/, emprega apenas um /R/
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na maioria dos contextos no qual uma vibrante é esperada. No caso exemplificado, para
dizer “terra”, o grupo produz “tera” e para “irrigamos” produz “irigamos”.
Os imigrantes italianos optaram por tentar uma nova vida em terras distantes e
junto com a leva imigratória vieram diferentes dialetos italianos falados. Um estudo
desenvolvido em 1975, Frosi traça um mapa com índices da representatividade dos
imigrantes italianos no Rio Grande do Sul. Assim, caracteriza os dialetos falados por
eles: vênetos, 54%; lombardos, 33%; trentinos, 7%; friulanos, 4,5%; outros 1,5%
(FROSI, 1983, p. 110). O dialeto vêneto foi o que se sobrepôs aos demais grupos.
Com o passar do tempo, devido a fatores extralinguísticos, o dialeto vêneto foi
perdendo espaço para a língua portuguesa falada (FROSI, 1987). A força repressiva do
governo brasileiro foi o principal fator que interferiu, uma vez que houve a proibição da
comunicação nos dialetos italianos durante o período da Campanha de Nacionalização
do Governo Vargas e na época da Segunda Guerra Mundial. Logo após, outro fator
surgiu com a abertura de novas vias de comunicação da região dos Pampas com o
Estado e o restante do Brasil, ampliando o contato entre os falantes de português (entre
eles descendentes de africanos).
O português adquiriu mais prestígio como língua oficial, pois era ensinada nas
escolas e era usada nos meios de comunicação. O advento da eletrificação rural fez com
que se adquirissem mais aparelhos de rádio e televisão e isso intensificou o uso da
língua oficial. Dessa forma, ocasionou mudanças em relação aos dialetos italianos: a
fala deles foi desprestigiada e relacionada a termos como “contadine” (melhorar de
vida) e “cucagna” (buscavam fortuna), o que remetia a uma visão de desprezo aos
forasteiros que vieram em busca de riqueza (FROZI, 1987).
Na década de 1960, Gerhard Rohlfs desenvolveu estudos demonstrando que os
dialetos no norte da Itália não possuem a vibrante geminada. As pesquisas de Rohlfs
(1966, p. 336, apud FROSI, 1983) conforme as características gerais do
desenvolvimento fonético setentrional, em toda Itália setentrional /RR/ sofre a lenização
em /R/, resultando em palavras como “Tèra”, “Guèra”.
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Os dialetos vênetos no que diz respeito a /R/, tem-se em geral uma vibrante
simples apicodental, enquanto o standart possui a vibrante múltipla (Zamboni, 1974, p.
14 apud FROSI, 1983). Os autores apontam para uma produção intermediária, criada
pelos italianos que estão no Brasil pelo contato com a língua local.
A inexistência da vibrante múltipla como fonema do dialeto e, por outro lado,
a existência da mesma no sistema fonológico da língua portuguesa,
estabelecendo oposição distintiva com a vibrante simples, acarreta, do ponto
de vista fonêmico, o uso inadequado das duas vibrantes nos empréstimos do
português. Tomando-se os empréstimos garrafa e cerração, observa-se que a
vibrante múltipla foi sistematicamente substituída, quer pela vibrante
simples, quer pela vibrante que se caracteriza como um tipo intermediário
entre a múltipla e a simples (Frosi, 1983, p. 347).
Há uma espécie de gradação em relação ao imigrante italiano no português
brasileiro (E. Tin, 1997 apud ORLANDI, 2002). Primeiro o sujeito fala italiano com
alguns traços do português, depois passa para a paródia, possuindo algum domínio da
nova língua. O próximo passo é a integração sem a perda da origem, por fim fala o
português com leves traços da língua de origem. Por isso articulo a ideia da variação
linguística do contato da língua do imigrante com a língua portuguesa, em que se
apresenta marcas deste contexto nos escritos dos alunos.
Deve-se levar em conta aspectos da escrita do aluno nos relatórios de cadernos
de campo dos setores do curso de Agropecuária a fim de reconhecer características
locais para o ensino e aprendizagem da língua portuguesa. Proporcionar ao sujeito uma
reação frente à realidade objetiva, em que possa discordar, modificar e transformar em
novas perguntas para as quais vai procurar respostas. Deve-se orientar a ação do sujeito,
sem o anular, pois sendo um ser que responde ao seu ambiente, terá a autonomia de dar
respostas possíveis nos momentos em que se apresentem limitações e possibilidades
diante de uma realidade objetiva. Esse conjunto de perguntas e respostas vão formar
gradativamente os níveis de mediações a fim de aprimorar e enriquecer a atividade do
homem, ou seja, do sujeito para que transforme sua existência.
De acordo com as Orientações curriculares de Ensino Médio, na aprendizagem
da língua portuguesa deve-se promover o debate sobre o fato de que as línguas variam
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no espaço e mudam ao longo do tempo. Então o processo de ensino e aprendizagem de
uma língua – nos diferentes estágios de escolarização – não pode furtar-se de considerar
tal fenômeno. O debate que se estabeleceu é de considerar a variação e a mudança
linguísticas como
fatos intrínsecos aos processos sociais de uso da língua deveria contribuir
para que a escola entendesse as dificuldades dos alunos e pudesse atuar mais
pontualmente para que eles viessem a compreender quando e onde
determinados usos têm ou não legitimidade e pudessem, tendo alcançado essa
consciência social e linguística, atuar de forma também mais consciente nas
interações de que participassem, fossem elas vinculadas às práticas orais ou
às práticas escritas de interação (BRASIL, 2006, p.20)
O poder autoritário deve ser evitado em uma realidade em que o professor de
língua portuguesa não busque a individualidade de só ensinar a sua disciplina, mas olhar
para a realidade em que o aluno está inserido. Aqui a situação é de uma cultura local
que traz a língua e a cultura como conhecimento, experiência vivida pelo educando.
Então, deve-se valorizar essa realidade para apresentar a variação linguística e o aluno
poder entender a importância dela em sua vida e se sentir motivado em sua
aprendizagem.
A valorização de que se fala vai permitir que não se incorra a preconceitos
linguísticos. Muitas vezes a prática pedagógica do ensino do português se preocupa em
ensinar somente uma variedade como a correta, desconsiderando outras formas. O que
contribui para excluir os alunos que chegam à escola com variedades que são parte do
seu meio social.
O não reconhecimento da linguagem do aluno pelo sistema formal de ensino
desencadeia o preconceito linguístico como assinalado pelo linguista Marcos Bagno.
Os professores precisam se conscientizar da relevância de sua prática pedagógica para
proporcionar transformações sociais. Como afirma Bagno (2006, p.9), “tratar da língua
é tratar de um tema político, já que também é tratar de seres humanos”. Nesse sentido,
será discutido o papel do professor no ensino de língua portuguesa frente à realidade da
variação linguística surgida do contato da língua do imigrante com a portuguesa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar a realidade local irá contribuir para que se entenda como a língua
europeia (italiana especificamente) em contato com a portuguesa construiu uma
variação específica, principalmente, devido a um contexto interiorano, longe dos
grandes centros citadinos. Dessa forma demonstra-se um sujeito bakthtiniano, que traz
em seu discurso enunciativo a interação verbal ligado ao meio social em que vive.
Há uma lacuna na formação do professor em relação ao entendimento da
construção linguística de seus alunos, uma vez que ele sai da graduação em Letras e vai
para a sala de aula priorizando a norma culta no ensino da Língua Portuguesa. Assim, a
experiência cultural de linguagem do aluno é considerada “errada”, condiciona-se que
ele fala e escreve mal. Esse mesmo aluno pensa assim e perde o estimulo em aprender a
língua portuguesa. Por isso o professor deve mostrar a variação linguística e seu uso em
diferentes contextos para depois proporcionar o conhecimento padrão-científico e fazer
com que o aluno se estimule a aprender. Principalmente quando valoriza uma realidade
específica da vivência do aluno. Isso leva a reconhecer diferentes realidades, contextos
bilíngues e uma forma específica do ensino-aprendizagem do português.
Em função das questões aqui formuladas, e para respondê-las de maneira
abrangente, como demanda a natureza do assunto, esta discussão foi construída para
conhecer e valorizar a cultura local, buscando o reconhecimento do sujeito bakhtiniano,
ou seja, de descobrir o aluno enquanto sujeito inserido em um contexto social. É na
relação entre o mundo e o homem e marcado ideologicamente pelas estruturas sociais
que os sujeitos se constituem. Assim, o sujeito não se “assujeita” diante das
determinações sociais, mas provoca mudanças, faz escolhas e cria novas possibilidades
na rede de relações.
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Recebido Para Publicação em 12 de setembro de 2014.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2014.