o sofrimento no trabalho entre servidores públicos: uma análise

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1 O SOFRIMENTO NO TRABALHO ENTRE SERVIDORES PÚBLICOS: UMA ANÁLISE PSICOSSOCIAL DO CONTEXTO DE TRABALHO EM UM TRIBUNAL JUDICIÁRIO FEDERAL DANIELA SANCHES TAVARES Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Saúde Ambiental Orientadora: Profa. Dra. ANA ISABEL B.B. PARAGUAY São Paulo 2003

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    O SOFRIMENTO NO TRABALHO ENTRE SERVIDORES

    PBLICOS: UMA ANLISE PSICOSSOCIAL DO CONTEXTO DE

    TRABALHO EM UM TRIBUNAL JUDICIRIO FEDERAL

    DANIELA SANCHES TAVARES

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Departamento de Sade Ambiental da Faculdade de

    Sade Pblica da Universidade de So Paulo para

    obteno do grau de Mestre.

    rea de concentrao:

    Sade Ambiental

    Orientadora: Profa. Dra. ANA ISABEL B.B.

    PARAGUAY

    So Paulo 2003

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    Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo

    total ou parcial desta dissertao, por processos fotocopiadores.

    Assinatura:

    Data:

  • 3

    RESUMO

    Tavares DS. O sofrimento no trabalho entre servidores pblicos: uma anlise

    psicossocial do contexto de trabalho em um Tribunal Judicirio Federal. So Paulo;

    2003. [Dissertao de mestrado Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So

    Paulo].

    Objetivo. Descrever e analisar a representao social do sofrimento no trabalho entre um grupo de servidores de um Tribunal Judicirio Federal. Metodologia. Com base em estudo exploratrio, construiu-se o roteiro de entrevista semi-estruturada, abordando os seguintes principais tpicos: a) caracterizao profissional; b) descrio do trabalho; c) sofrimento no trabalho como o define, explica e sente; d) expectativas profissionais. Foram entrevistadas 37 pessoas, dentre as quais dirigentes e servidores de 15 setores. Resultados. A representao social do sofrimento no trabalho foi organizada em 3 agrupamentos de sentido: 1) Elementos constitutivos: injustia no ambiente de trabalho, volume cumulativo de trabalho, no reconhecimento pelo trabalho, falta de autonomia, estagnao profissional (angstia da estaca-zero), opresso por parte de superiores; 2) Elementos moderadores: critrios explcitos de concesso de gratificaes, relaes sociais positivas no ambiente de trabalho, aprendizado no trabalho, gerenciamento adequado do volume de trabalho por parte de dirigentes, estratgias de enfrentamento (distanciamento afetivo das causas dos processos, descomprometimento com o trabalho, busca de outras oportunidades dentro da instituio por meio de contatos pessoais, estudar para ingressar em carreiras jurdicas como a magistratura, investir afetiva e intelectualmente em dimenses da vida extra-trabalho); 3) Expresses do sofrimento: medo, sentimento de auto-desvalorizao, desesperana e desalento, contaminao do pensamento e do sono por contedos do trabalho, adoecimentos somato-psicolgicos. Consideraes finais. Os resultados deste estudo evidenciam que as categorias do sofrimento no trabalho mantm relao com a frustrao das necessidades humanas e das expectativas profissionais dos servidores. Foi enfatizada a importncia do conhecimento prtico para as aes de promoo de sade no trabalho. Descritores: Sade do Trabalhador. Sofrimento no trabalho. Representaes Sociais. Psicologia Social. Sade Mental e Trabalho. Sade Ocupacional. Servio Pblico.

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    SUMMARY

    Tavares DS. Suffering at work among public workers: a psychosocial analysis of the

    labor context in a Federal Judicial Court. So Paulo; 2003. [Masters Dissertation

    Public Health Faculty (Faculdade de Sade Pblica) of the Universidade de So Paulo].

    Objective. To describe and analyze the social representation of suffering at work among a group of employees at a Federal Judicial court. Methodology. Based on an exploratory survey, a semi-structured interview script was drafted so as to broach the following key issues: a) professional description; b) job description; c) suffering at work how does the worker define it, explain it and feel it; d) professional expectations. A total of 37 people were interviewed, including managers and workers from 15 sectors. Results. The social representation of suffering at work was organized into 3 meaning clusters: 1) Defining features: unfairness in the workplace, cumulative workload, lack of recognition for work performed, lack of autonomy, professional stagnation (square one anguish), overbearing bosses; 2) Mitigating features: explicit criteria for awarding gratifications, positive social relations in the workplace, learning on the job, adequate workload management by bosses, coping strategies (affective distancing from the causes of the processes, lack of commitment to the work, pursuit of other opportunities within the institution through personal contacts, studying so as to embark on legal careers such becoming a judge, affective and intellectual engagement in outside-work dimensions of life); 3) Expressions of suffering: fear, low feeling of self-worth, despair and hopelessness, contamination of thoughts and sleep by work contents, psychosomatic ailments. Final comments. The results of this study show that the categories of suffering at work are related to frustration of human needs and workers professional expectations. Emphasis is given to the importance of practical knowledge for carrying out health-promotion actions in the workplace. Descriptors: Workers Health. Suffering at Work. Social Representations. Social Psychology. Psychosocial Environment. Mental Health and Work. Occupational Health. Public Service.

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    NDICE

    1. INTRODUO 8

    1.1. Funcionalismo pblico, modos de gesto e a sade dos trabalhadores 8

    1.2. Processo sade-doena e o sofrimento no trabalho 13

    1.3. O conhecimento prtico do trabalho 19

    1.4 A Teoria das Representaes Sociais na Psicologia Social: consideraes terico-

    metodolgicas 20

    1.5. A constituio do Judicirio como ambiente de trabalho e a sade de seus

    servidores: anlise da literatura judiciria e da sade 24

    1.6. Uma breve histria do Poder Judicirio Brasileiro 31

    1.7. O Tribunal Regional Federal da 3 Regio 37

    1.8. Alguns aspectos do regime jurdico dos servidores pblicos civis 40

    1.9. A assistncia sade dos servidores do Poder Judicirio 41

    2. OBJETIVO 43

    3. METODOLOGIA 44

    3.1. Delineamento do projeto de pesquisa 44

    3.1.1. A etapa exploratria 47

    3.2 . Composio do grupo de estudo 49

    3.3. A coleta de dados 51

    3.4. A anlise dos dados 52

    3.5. A devolutiva de resultados para os entrevistados 56

    4. RESULTADOS E DISCUSSO 57

    4.1. Caracterizao da populao de servidores da Instituio 57

    4.2. Caracterizao do grupo de estudo 60

    4.3. Processo de trabalho nos setores: gabinetes e subsecretarias 66

    4.3.1. Os gabinetes 66

    4.3.2. As subsecretarias 70

    4.4. A Representao Social do Sofrimento no Trabalho 70

    8Elementos Constitutivos do Sofrimento no Trabalho 77

    4A injustia no ambiente de trabalho 78

  • 6

    4Volume cumulativo de trabalho 83

    4O no reconhecimento pelo trabalho 87

    4Falta de autonomia no trabalho 91

    4Estagnao profissional - A angstia da estaca zero 98

    4Opresso por parte dos superiores 99

    8Elementos Moderadores do Sofrimento no Trabalho 102

    4Critrios explcitos para concesso de gratificaes e comisses 103

    4Relaes sociais positivas no trabalho 105

    4Aprendizado no trabalho 108

    4Gerenciamento adequado do volume de trabalho por parte do desembargador e/ou dirigente 110 4Estratgias de enfrentamento 112

    4Distanciamento afetivo das causas dos processos 113

    4Desinvestimento no trabalho/ Descomprometimento 114

    4Busca de outras oportunidades dentro da Tribunal -

    "articular", "circular", "ser poltico" 116

    4Estudar para prestar concursos para carreiras jurdicas

    (Magistratura, Promotoria, Procuradoria) 117

    4Investir afetiva e intelectualmente em atividades extra-trabalho 118

    8Expresses do Sofrimento do Trabalho 119

    4Medo 119

    4Sentimentos de auto-desvalorizao 120

    4Desesperana, desalento, sentimentos negativos 121

    4Contaminao do pensamento/sono por contedos do trabalho 122

    4Adoecimentos somato-psicolgicos 122

    4.5. Consolidao dos resultados 123

    4.6. A Representao Social do Sofrimento no Trabalho luz das Necessidades

    Humanas e das expectativas profissionais 124

    4.7. O conhecimento do senso comum como um sistema de pensamento formador de

    significados em Sade do Trabalhador 130

  • 7

    5. CONSIDERAES FINAIS 136

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 138

    FIGURAS

    Figura 1 Organizao do Poder Judicirio Brasileiro 35

    Figura 2 Organograma do TRF 3 Regio 39

    Figura 3 Nmero de servidores admitidos em cada ano de existncia do TRF 3

    Regio 57

    Figura 4 Populao total de servidores segundo tempo de servio 58

    Figura 5 Populao total de servidores segundo escolaridade 59

    Figura 6 - Populao total de servidores segundo gnero 59

    Figura 7 Grupo de estudo segundo gnero 60

    Figura 8 Grupo de estudo segundo escolaridade 61

    Figura 9 - Presena de curso superior em tcnicos e analistas 62

    Figura 10 Grupo de estudo segundo cargo de concurso 62

    Figura 11 Grupo de estudo segundo tempo de trabalho 63

    Figura 12 - Grupo de estudo segundo setor de trabalho 63

    Figura 13 Grupo de estudo segundo cargo por nomeao 64

    Figura 14 Grupo de estudo segundo funo gratificada 64

    Figura 15 - Ocupaes anteriores citadas pelos entrevistados 65

    Figura 16 -Esquema sinttico da Representao Social do Sofrimento noTrabalho 76

    ANEXOS Anexo 1 - Roteiro da entrevista individual da etapa exploratria A1

    Anexo 2 - Termo de consentimento referente observao no local de trabalho A2

    Anexo 3 - Mapa de associao Sofrimento no Trabalho - Etapa exploratria A3

    Anexo 4 - Dados de caracterizao dos setores de estudo coletados na visita inicialA4

    Anexo 5 - Roteiro da entrevista individual A5

    Anexo 6 - Termo de consentimento referente entrevista A6

  • 8

    1. INTRODUO

    1.1. Funcionalismo Pblico, modos de gesto e a sade dos trabalhadores

    Ao definir e delimitar o termo Funcionrio Pblico, dificuldades so encontradas.

    Podendo englobar grande variedade de categorias profissionais e formas diversas de

    afiliao e vnculo empregatcio, tal termo teve seu uso formal substitudo por servidor

    pblico civil, a partir da Constituio de 1988 e, depois, simplesmente por servidor

    pblico, pela Emenda Constitucional n19, de 1998. No entanto, ambos os termos

    continuam a ser utilizados paralelamente a outros ainda e nem sempre se faz clara a

    diferena entre eles. Do concursado ao prestador de servio ao Estado, passando pelo

    ocupante de cargo de confiana, todos podem ser considerados indiferenciadamente

    funcionrios pblicos ou no, a depender do critrio utilizado (DALLARI, 1989;

    FRANA, 1993).

    Enquanto categoria, a indefinio tambm existe (FRANA, 1993), podendo ser

    atribuda a definio de funcionrio ou servidor pblico ao juiz, ao escriturrio de frum,

    ao Ministro, ao auxiliar tcnico administrativo de um Ministrio ou Secretaria. Desta

    forma, dentre outras questes, FRANA (1993) nos fala do equvoco de considerar os

    funcionrios pblicos como um grupo homogneo pertencente determinada classe

    social, comumente classe mdia, estando, na verdade, tambm o Estado formado por

    diferentes classes sociais, representadas diferenciadamente no interior deste.

  • 9

    Neste estudo, ser considerada a conceituao apresentada por DALLARI

    (1989), segundo a qual, o termo mais amplo seria agente pblico, que todo aquele que

    exerce uma funo de natureza pblica, mediante investidura legal. Complementa o

    autor que agentes pblicos so todas as pessoas legalmente autorizadas a agir em nome

    do Poder Pblico, nas mais diversas situaes e exercendo as mais diversas atribuies

    (DALLARI, 1989, p. 15). O grupo dos agentes pblicos comportaria: a) o agente

    poltico (os que exercem mandatos eletivos ou que participam das decises mais

    importantes e fundamentais do governo - como senadores, vereadores, presidente da

    Repblica, secretrios, ministros do Estado, secretrios de Estado entre outros); b) os

    particulares que colaboram com o servio pblico (aqueles que, sem fazer parte das

    estruturas do governo, exercem funes de natureza pblica - como empreiteiras ou

    empresas particulares, concessionrias de transporte coletivo); c) os servidores pblicos

    (quem trabalha para a administrao pblica em carter profissional, no eventual, sob

    vnculo de subordinao e dependncia, recebendo remunerao paga diretamente

    pelos cofres pblicos) (DALLARI, 1989, p. 15, 16 e 17). Ainda dentro deste ltimo

    grupo, o dos servidores pblicos, o autor diferencia aqueles que so concursados e

    efetivos, dos contratados sem concurso em carter emergencial. Segundo o autor, apenas

    os primeiros deveriam ser chamados de funcionrios pblicos, enquanto os segundos

    seriam servidores temporrios.

    Dentro desta perspectiva, onde estariam os diferentes atores sociais do Poder

    Judicirio? A resposta restringe-se aos magistrados; aos servidores de nvel mdio e

    superior no-magistrados; e aos servidores que ocupam cargos de confiana; sendo todos

    eles do mbito federal. Os magistrados so concursados, no dependem dos resultados

  • 10

    das eleies para a manuteno de seus cargos e no so temporrios. Portanto, podem

    ser considerados servidores pblicos. No entanto, a ascenso para nveis mais altos de

    suas carreiras depende de nomeao do Presidente da Repblica (ver artigos 101, 104,

    107, 111, 119 e123, do captulo III da Constituio Federal) e, alm disso, os

    magistrados detm ainda a prerrogativa de nomear e exonerar pessoas para cargos de

    confiana, por seus prprios critrios. Ento, sero considerados como servidores

    pblicos que gozam de especialssimas condies e respondem por diferenciadas

    responsabilidades. Aqueles que ocupam cargos de confiana e no so concursados, tem

    seu vnculo de emprego vinculado pessoa do juiz e no administrao pblica. Ainda

    que haja dependncia de outros para a manuteno de seus cargos, no dependem de

    eleies, ento tambm so considerados servidores pblicos. J aqueles que so

    concursados so mais facilmente categorizados como servidores pblicos. Os dois

    ltimos tm sua relao de trabalho regulamentada pela lei n 8112, de institui o Regime

    Jurdico nico dos Servidores Pblicos Civis da Unio, das autarquias e das fundaes

    pblicas federais.

    Ressalta-se ainda que o tema do funcionalismo pblico aparece em vrias

    discusses, no entanto, sem o tratamento adequado e cuidadoso que mereceriam os

    elementos por ele envolvidos (FRANA, 1993).

    Desde a dcada de 80, com o avano da crise fiscal do Estado (ALONSO, 1999)

    e a preocupao de cortar gastos, o funcionalismo pblico vem ocupando papel de

    destaque entre as causas das crises do Estado no discurso neoliberal, como destaca

    FRANA (1994). Nesta direo, so precipitadamente justificadas as aes de

    enxugamento do quadro de pessoal no servio pblico.

  • 11

    No imaginrio social, os funcionrios pblicos, as vezes, aparecem ligados a

    qualificativos pouco dignos de parasitismo, acomodao, oportunismo e ineficincia, tal

    como mostram VENEU (1990) e FRANA (1993). A idia de que se oneram as contas

    pblicas com um nmero excessivo de servidores tambm marcante, sobretudo com

    contratos temporrios sem concurso (DALLARI, 1989).

    Por outro lado, DURAND e BELTRO (1994), tendo verificado que pouco se

    sabe a respeito da composio nacional desta categoria, mesmo em nmero absoluto

    total, apontam ser mais adequado situar este aspecto do problema da administrao dos

    servios pblicos na m alocao de funcionrios do que num suposto excesso de

    funcionrios. Para os autores, a deficincia em dados censitrios do funcionrio pblico

    mantm relao com interesses na ocultao de problemas, contradies e desequilbrios

    na gesto pblica. Para estes autores, parece evoluir paralelamente o desmantelamento

    de setores da administrao pblica, os quais envolvem um grande contingente de

    funcionrios, admitidos por concurso, ligados a atividades-fins e mal-pagos, e a

    utilizao de contrataes por meios de recrutamento e seleo mais flexveis, maiores

    ganhos e mais sujeitas a arbitrariedades (DURAND e BELTRO, 1994). Este e outros

    aspectos decorrem do modo de gesto de rgos pblicos.

    Por modo de gesto adota-se a definio de CHANLAT (1996): conjunto de

    prticas administrativas colocadas em execuo pela direo de uma empresa para

    atingir os objetivos que ela tenha se fixado, compreendendo a organizao do trabalho, a

    natureza das relaes hierrquicas, o tipo de estrutura organizacional, o sistema de

    avaliao e controle dos resultados, as polticas de gesto de pessoal e os objetivos,

    valores e filosofia da gesto.

  • 12

    Para CHANLAT (1996), o servio pblico, sobretudo aquele relacionado aos

    servios sociais, sade e educao, poderiam ser classificados no modo de gesto

    tecnoburocrtico, no qual se encontra: forte hierarquia, diviso do trabalho parcelada,

    presena de normas e padres formais, grande importncia atribuda aos especialistas,

    controles sofisticados, canais de comunicao entre os diferentes nveis hierrquicos

    inexistentes ou precrios, centralizao do poder, fraca autonomia para os cargos

    hierarquicamente inferiores, limitao na expresso. A ao humana neste tipo de

    organizao bastante limitada pelas normas existentes, ficando o trabalhador impedido,

    muitas vezes de responder s demandas ou situaes inesperadas, que no foram

    previstas na concepo. CHANLAT (1996) sintetiza esta questo na seguinte idia:

    fazer bem o que se tem que fazer ainda que impedido de faz-lo.

    Algumas questes j foram levantadas a respeito das formas de repercusso do

    trabalho nas instituies pblicas na sade de seus agentes. A rigidez normativa, as

    presses e a desvalorizao do funcionrio pblico podem formar um conjunto

    propiciador de problemas de sade nos funcionrios, tais como problemas

    cardiovasculares, fadiga crnica, insnia e lceras (CHANLAT, 1996).

    A seguir explicita-se qual a concepo de sade que ponto de partida deste

    estudo, bem como o referencial terico que o suporta.

  • 13

    1.2. Processo sade-doena e o sofrimento no trabalho

    Como alicerce terico sobre o processo sade-doena, utiliza-se elementos da

    concepo do processo sade-doena da Medicina Social, representada por LAURELL e

    NORIEGA (1989); elementos da discusso sobre o conceito de sade promovida por

    DEJOURS (1986) e a concepo de sade e de sofrimento de SAWAIA (1994 a,b,c).

    O homem um ser histrico-social, que constri, transforma a sociedade em que

    vive e moldado por ela, num movimento dinmico e indivisvel. Assim, nosso objeto

    de estudo antes a inter-relao entre ambos do que a influncia de um sobre o outro.

    Isto implica em recusar a dissociao entre indivduo e sociedade na explicao de

    fenmenos ocorridos na vida das pessoas.

    A sade um dos produtos deste movimento dinmico e indivisvel homem-

    realidade exterior. O homem, enquanto unidade biopsicossocial, responde globalmente

    aos acontecimentos em sua vida. Estes acontecimentos so dependentes,

    fundamentalmente, do modo de vida numa determinada poca, sociedade, grupo e

    comunidade. Os modos de vida so determinados socialmente e o homem vai se

    adaptando plasticamente por meio de mudanas nos processos biolgicos e psquicos.

    Na concepo de LAURELL e NORIEGA (1989), no se trata de uma adaptao na

    concepo fisiolgica, em que o organismo retorna ao estado normal aps adaptar-se,

    mas trata-se de uma adaptao para permitir a sobrevivncia, com conseqncias muitas

    vezes inespecficas, insidiosas e imensurveis na totalidade que representa o homem.

  • 14

    Tal processo de adaptao, segundo LAURELL e NORIEGA (1989), converte-se

    em padres de desgaste determinados pelas condies de vida do grupo social de

    pertena, no negando, entretanto, a possibilidade de respostas adaptativas atpicas,

    sobretudo no mbito psquico, em que a diversidade constitutiva anterior.

    Neste momento, retoma-se a discusso promovida por DEJOURS (1986) sobre o

    conceito de sade, segundo o qual um conceito nico e esttico para o que seja a sade,

    tal como o adotado pela Organizao Mundial da Sade1 no encontra correspondncia

    na realidade, constituindo-se mais como um objetivo a ser buscado do que a um estado

    real. Com isso, destaca o autor a dinamicidade da sade enquanto processo e no estado

    fixo, idia segundo a qual a sade de uma pessoa se forma e se transforma

    continuamente, num processo dinmico de interao circunstancial entre aspectos

    biolgicos, psquicos, sociais e culturais.

    Salienta-se a seguir algumas premissas a respeito da dimenso psicossocial do

    processo sade-doena, tal como apresentadas na Psicologia Social por SAWAIA (1994

    a,b,c) e adotadas neste estudo.

    SAWAIA (1994c) salienta a caracterstica de mediao de aspectos psicossociais

    em contraposio a vises reducionistas sobre uma relao causal entre o organismo e

    fatores externos ao mesmo (seja numa doena infecciosa, seja no adoecimento mental).

    O homem um animal simblico que reage frente aos significados que ele

    prprio constri historicamente, e no s coisas em si. Estes smbolos mudam o

    1 Sade o estado de completo bem-estar, fsico, mental e social, e no somente a ausncia de doena ou enfermidade (Hogarth, 1975).

  • 15

    ambiente, a natureza, a sociedade e inscrevem-se no biolgico (SAWAIA, 1994c, p.

    106).

    Os significados atribudos em decorrncia de valores culturais, familiares,

    pessoais cumprem papel de mediadores, pois atuam na determinao das necessidades,

    desejos, expectativas das pessoas e, portanto, na determinao do que sade e das

    prticas desenvolvidas pelas pessoas no seu cotidiano com vista promoo dela, a

    sade. A sade estaria condicionada necessidade humana de transformar

    continuamente o mundo sua volta, imprimindo-lhe significados particulares,

    construdos social e individualmente.

    Nesta concepo, a sade uma questo eminentemente scio-histrica e,

    portanto, tica, pois um processo da ordem da convivncia social e da vivncia pessoal

    (SAWAIA, 1994 b, p. 157), deixando de ser no doena ou estado de pleno bem-estar,

    para tornar-se possibilidade objetiva e subjetiva de estar sempre buscando este estado, e

    o direito sade se revela como direito de ter essa possibilidade SAWAIA (1994c, p.

    109 e 110).

    Este direito pressupe as diferenas entre grupos e indivduos, que determinam a

    sade e o bem-estar procurados por grupos ou indivduos.

    Sade a possibilidade de ter esperana e potencializar esta esperana em ao.

    Promover a sade equivale a lutar contra todas as formas histricas de violncia do

    corpo e da alma, geradoras de servido e heteronomia. (SAWAIA, 1994b, P. 157).

    O trabalho, enquanto necessidade humana, aparece como um dos elementos

    mediadores desta relao entre homem e sociedade, por meio do qual este homem realiza

    aes sociais, regulando-as de acordo com possibilidades e necessidades percebidas nele

  • 16

    prprio e em seu ambiente, ou impedido de tal feito, em decorrncia de uma

    organizao do trabalho rgida e hetero-determinada.

    MORIN (2001) constata que a organizao do trabalho deve oferecer aos

    trabalhadores a possibilidade de realizar algo que tenha sentido, de praticar e de

    desenvolver suas competncias, de exercer seus julgamentos e seu livre-arbtrio, de

    conhecer a evoluo de seus desempenhos e de se ajustar.

    Sobre este ltimo aspecto, o ajustamento, preciso lembrar que o trabalhador

    precisa no s ajustar-se, mas tambm ajustar a tarefa e as condies de realizao da

    mesma s suas necessidades, seus desejos, suas capacidades e seu modo de ser (SATO,

    1991).

    Toma-se por tica algo que se define no interior das relaes sociais

    historicamente dadas (HELLER, 1972). Isto significa dizer que algum ou algo s

    tico em relao ao outro, em relao sociedade e que, esta, sendo transformada

    continuamente, transforma tambm os parmetros do que ser tico. Tendo como centro

    a esfera das cincias, no se pensa tica enquanto elemento externo a ser introduzido na

    pesquisa, mas se considera que a tica se apresenta na prpria concepo do sujeito de

    estudo, o homem, enquanto ser de relao, portador de uma histria, de vontades,

    desejos, necessidades, os quais devem ser respeitados. A tica est presente na

    intencionalidade da construo terica.

    A atividade cientfica no neutra, mas sim determinada por injunes histrico-

    sociais e inevitavelmente permeada por sistemas de crenas e valores socialmente

    partilhados em seus pressupostos, escolhas de objetos e temas, no s atribuveis ao

  • 17

    pesquisador e sua histria individual, mas poca histrica em que se situa a pesquisa e

    o pesquisador (SOUSA SANTOS, 2001).

    Mesmo acordado de que a intencionalidade que deve suportar toda construo

    terica das cincias humanas a emancipao do homem das condies objetivas que o

    subjugam e a felicidade do homem, sabe-se que no consenso a forma pela qual esta

    emancipao pode se dar (CARONE, 1994)

    Adota-se a posio de HELLER (1998), segundo a qual a emancipao do

    homem s pode se dar de maneira gradual, sendo seu espao vital o cotidiano. O

    cotidiano o espao privilegiado das possibilidades de cada homem, porque nele a

    subjetividade se faz marcadamente presente.

    A vida cotidiana a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida

    cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela,

    colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades

    intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixes, idias,

    ideologias (HELLER, 1972, p.17)

    na vivncia cotidiana que o homem se apropria dos instrumentos, da linguagem

    e dos costumes que sero indispensveis a sua sobrevivncia e adaptao a determinado

    grupo, comunidade ou sociedade. tambm no cotidiano que apreende a razo prtica, a

    partir da observao e conhecimento das regras e normas do meio em que o homem se

    insere (CARONE, 1994). A condio para a emancipao se encontra na possibilidade e

    na capacidade de o homem articular a razo prtica e a razo terica na construo ativa

    de seu espao vital, experimentando, modificando, adaptando a partir de suas

    necessidades, aspiraes, desejos, iluses.

  • 18

    Para HELLER (1998), a satisfao das necessidades de auto-determinao no

    significa liberdade absoluta e autonomia completa e nem que o homem esteja livre das

    determinaes do contexto em que se insere, mas sim que ele deve poder atuar nesse

    contexto a partir do reconhecimento de suas necessidades, aspiraes, desejos e iluses.

    Para tal, utiliza a expresso enfrentar o contexto.

    Segundo HELLER (1972), quando as formas da vida cotidiana se cristalizam,

    no deixando ao indivduo a necessria liberdade de movimento, o indivduo fragmenta-

    se em seus papis, perdendo sua unidade enquanto ser humano.

    Parece ser a partir disso que SAWAIA define o sofrimento enquanto objeto de

    estudo da psicologia social da seguinte forma: a fixao do modo rgido de estado fsico

    e mental que diminui a potncia de agir em prol do bem comum, mesmo que motivado

    por necessidades do eu, gerando, por efeito perverso, aes contra as necessidades

    coletivas e, conseqentemente, individuais (SAWAIA, 1994a, p.50).

    Adotar o sofrimento enquanto elemento central deste estudo, significa reportar-se

    esfera da vivncia pessoal como fonte do conhecimento sobre o processo sade-doena

    (OLIVEIRA, 2000), possibilitando situar a pessoa no centro de produo do

    conhecimento. Alm disso, tambm privilegia o aspecto dinmico dos mecanismos de

    adaptao e resistncia elaborados e aplicados no cotidiano como forma de preservar a

    sade e a integridade psicolgica e social. Assim, no a doena, mas aquilo que o

    homem identifica como fonte de sofrimento no cotidiano de trabalho o foco do estudo.

  • 19

    1.3. O conhecimento prtico do trabalho

    Diferenciando o conhecimento da estrutura, normas e regras formais daquele

    conhecimento construdo no cotidiano, baseado na vivncia das situaes reais (SPINK,

    1996; CHANLAT, 1996), ressalta-se que interessa aqui este conhecimento formado no

    encontro entre as condies objetivas de trabalho, as regras institucionais, as tarefas

    reais e os diferentes atores sociais.

    Ao se conceber a sade, no sentido geral, como resultado do exerccio da

    cidadania, pelo qual se pode viver exercendo direitos, deveres e responsabilidades em

    todos os espaos da vida social, inclusive no trabalho, no que diz respeito produo de

    saberes sobre o trabalho, torna-se essencial a reabilitao do conhecimento do

    trabalhador enquanto conhecimento vlido na identificao dos problemas do ambiente

    de trabalho, tanto no mbito da qualidade do trabalho quanto da sade dos trabalhadores.

    No cotidiano que se constri um corpo de conhecimentos a respeito dessa

    realidade compartilhada de trabalho, que permitir um norte nas aes do dia-a-dia, com

    fins de cumprir as atribuies, contornar as dificuldades, bem como buscar o equilbrio

    no dispndio de energia e esforos, entendidos aqui no somente pelo aspecto fsico,

    mas tambm mental.

    Este conhecimento regido por uma lgica prpria, podendo encontrar pontos

    de tangncia e de distanciamento com a lgica e os achados do conhecimento cientfico

    e utiliza-se de mtodos prprios vivncia, observao e troca de informaes (SATO,

    1995, p.56).

  • 20

    SATO (1991), em dissertao de mestrado sobre o significado do conceito

    trabalho penoso para motoristas de nibus urbano, prope a busca do conhecimento

    prtico do trabalhador enfocando as representaes sociais. Afirma a mesma autora que

    a teoria das representaes sociais fornece elementos para refletir sobre a

    funcionalidade, a dinmica e a estrutura do conhecimento prtico, o qual engloba a

    viso do trabalhador sobre a realidade do seu trabalho (SATO, 1991).

    As prticas de trabalho no prescritas, que freqentemente viabilizam a

    consecuo do trabalho em condies no previstas ou incidentais ou que ainda alteram

    procedimentos (DANIELLOU e cols, 1989), so expresso da subjetividade dos

    trabalhadores.

    Uma leitura que leve em conta a subjetividade dos trabalhadores imprescindvel

    para compreender as prticas de trabalho, pois a primeira parte integrante da segunda.

    Sobretudo quando se pretende alcanar uma melhor compreenso da relao entre o

    trabalho e a sade dos que o realizam.

    1.4. A Teoria das Representaes Sociais na Psicologia Social: consideraes

    terico-metodolgicas

    Com a noo de Representao Social, introduzida por MOSCOVICI, em 1961,

    o mesmo pretendeu redefinir os problemas e conceitos da psicologia social

    (MOSCOVICI, 1978), numa perspectiva integradora da estrutura social e do sujeito na

  • 21

    construo da realidade, superando as concepes individualizantes da psicologia social

    da Amrica do Norte e Gr-Bretanha (FARR, 2000). Considerado como predecessor da

    noo de representao social, o conceito durkheimiano de representao coletiva trouxe

    uma contribuio da sociologia construo de uma forma sociolgica de psicologia

    social (FARR, 1994).

    Alm disso, visou resgatar o conhecimento do senso comum, enquanto sistema

    de pensamento e conhecimento racional (MOSCOVICI e MARKOV, 1998)

    A teoria das representaes sociais tornou-se um campo frtil de pesquisa

    emprica e passou a ser um ponto de partida para diferentes enfoques tericos e

    metodolgicos.

    Aqui est se adotando a perspectiva da psicologia social, representada por

    Jodelet, cujo conceito de Representao Social :

    As representaes sociais constituem modalidades de pensamento prtico

    orientados para a comunicao, a compreenso e o domnio do contexto social,

    material e de idias. Assim, apresentam caractersticas especficas de organizao de

    contedos, de operaes mentais e de lgica (JODELET, 1984, p. 472).

    A determinao social do conhecimento do indivduo d-se, atravs do contexto

    concreto em que se situam os indivduos e os grupos, atravs da comunicao que se

    estabelece entre eles, atravs dos marcos de apreenso que proporciona sua bagagem

    cultural, atravs dos cdigos, valores e ideologias relacionados s posies e afiliaes

    sociais especficas (JODELET, 1984, p. 473).

  • 22

    A medida em que as representaes esto ligadas comunicao, pragmtica e,

    portanto ao, as prticas sociais devem ser elemento imprescindvel na discusso

    sobre a natureza e a constituio das Representaes Sociais (ROUQUETTE, 1998).

    A inter-relao entre o homem e a sociedade na determinao da realidade j foi

    assumida como pressuposto. Retoma-se neste momento esta inter-relao, por meio da

    discusso sobre a natureza da influncia que as representaes exercem sobre as prticas

    sociais e vice-versa. ROUQUETTE (1998) identifica influncias de naturezas diferentes

    entre as representaes e as prticas, ou seja, embora haja uma inter-relao, no h

    reciprocidade. Uma forma mais apurada de descrever tal relao poderia tomar as

    representaes como uma condio das prticas, e as prticas como um agente de

    transformao das representaes (ROUQUETTE, 1998). A influncias das prticas

    sobre as representaes constitui uma determinao objetiva, enquanto que a influncias

    das representaes sobre as prticas seriam uma coero varivel e no determinao

    propriamente dita (ROUQUETTE, 1998).

    A representao que um grupo social tem sobre o sofrimento no trabalho pode

    trazer valiosos elementos para a identificao de aspectos do trabalho relacionados ao

    adoecimento e agravos sade destes, mas tambm, para a compreenso de

    comportamentos e expectativas em relao ao contexto de trabalho vivenciado, no

    numa lgica de causalidade, mas de compreenso de relaes existentes.

    Os fenmenos de representao social esto presentes nas inmeras situaes de

    interao social, so complexos e no podem ser apreendidos na sua totalidade. A

    construo do objeto de pesquisa em representaes sociais parte da constatao da

  • 23

    existncia e relevncia de tal fenmeno em determinado meio social, em direo sua

    elaborao e transformao em objeto de pesquisa, no universo reificado da cincia. A

    construo do objeto de pesquisa sempre uma simplificao, em que um processo

    complexo, abrangente e, a princpio, indivisvel, passa a ser visto sob critrios de

    delimitao e seleo de determinados aspectos. Estes critrios so baseados em

    questes prticas de viabilidade e na perspectiva terica adotada (S, 1998). Assim, o

    sofrimento no trabalho constitui-se em um objeto da presente pesquisa, na medida em

    que se verificou a sua existncia e relevncia no universo consensual do grupo social em

    questo (ver item referente etapa exploratria no captulo Metodologia), sua

    pertinncia em relao ao referencial terico adotado e adequao ao problema de

    estudo.

    Em relao sua scio-gnese, o sofrimento no trabalho, enquanto objeto de

    representao entre funcionrios pblicos do setor judicirio, poderia ser classificado no

    campo de eventos especficos (WAGNER, 1998), os quais so sempre o produto de um

    processo explcito da avaliao social de pessoas, grupos sobre um objeto comum de

    relevncia prtica e funcional para o grupo (WAGNER, 1998). Tais representaes tm

    uma histria limitada no tempo e sua validade diz respeito populao estudada. Um

    aspecto importante na formao desse tipo de representao social (de um evento

    especfico, com um recorte limitado temporal e espacialmente) o papel da

    confrontao de posies dos diferentes atores sociais, da troca de experincias, na

    conversao diria, processos estes que originam um discurso coletivo sobre o objeto em

    questo. O que faz com que se mobilizem tais recursos para a formao da representao

  • 24

    social a necessidade prtica (WAGNER, 1998; SATO, 1993), que, no caso, conhecer

    os diferentes espaos institucionais e caracteriz-los do ponto de vista das condies

    melhores ou piores de trabalho, parmetros coletivos de bem-estar, bem como buscar

    melhor ajuste entre o trabalho tal como se apresenta e as necessidades e caractersticas

    de quem o executa por meio de aes adaptativas (SATO, 1993), identificar situaes

    problemticas e formas de manej-las (SATO, 2002).

    A anlise e a compreenso das representaes sociais de um determinado

    objeto se fazem a partir de categorias emergentes da teoria do senso comum e no

    moldando seu contedo por meio de teorias do conhecimento cientfico ou outro tipo de

    conhecimento externo ao contexto que a forma (SATO, 1992).

    1.5. A constituio do Judicirio como ambiente de trabalho e a sade de

    seus servidores: anlise da literatura judiciria e da sade

    O Poder Judicirio tm sido alvo de anlises e crticas devido incapacidade que

    tem demonstrado em atender s crescentes demandas sociais Justia (BRITO, 1995). A

    falta de efetividade na distribuio de justia tem provocado reaes da mdia, dos

    movimentos populares e da populao em geral (SADEK e ARANTES, 1994) e se

  • 25

    constitui no principal aspecto do que se convencionou denominar Crise da Justia ou

    Crise do Judicirio2 (SADEK, 1995).

    SADEK e ARANTES (1994) demonstraram a defasagem entre processos que

    entram e processos que so julgados, o que significa conseqente acmulo de processos:

    tomando-se como base todo o Brasil, o nmero de processos julgados na primeira

    instncia em 1990 correspondeu a 57,8% dos processos que entraram neste mesmo ano,

    tambm na primeira instncia.

    Relaciona-se a ineficincia da Justia sua estagnao e incapacidade de mudar.

    Assim, o apego ao passado e a resistncia mudana seriam alguns dos principais

    motivos do descompasso entre o Poder Judicirio e as necessidades e exigncias da

    sociedade contempornea (DALLARI, 1996, p. 7).

    Frente a tal panorama, como seriam as condies de trabalho experimentadas

    pelos integrantes de instituies do Poder Judicirio? E ainda, quais seriam as

    repercusses sade das pessoas que trabalham nestas instituies? Ressalta-se que esta

    tem sido uma preocupao dos profissionais dos servios mdicos de diferentes

    instituies do Poder Judicirio.

    2 SADEK e ARANTES (1994), ao mapearem a Crise do Judicirio, identificam trs reas

    de problemas, que so: a crise institucional, a crise estrutural e a crise relativa aos procedimentos. A crise institucional diz respeito ao papel do Poder Judicirio frente aos outros poderes, sua independncia e autonomia. A crise estrutural se refere estrutura de organizao e atribuies das instituies formadoras do Poder Judicirio. A crise de procedimentos aponta para aspectos da lei processual.

  • 26

    Para se identificar e fundamentar a relevncia destas questes, foram feitos

    levantamentos bibliogrficos focados em temas relacionados s condies de trabalho

    em rgos do Poder Judicirio e sade dos servidores pblicos do Poder Judicirio3.

    Alguns breves relatos a respeito da natureza do trabalho e das suas condies de

    realizao foram encontrados na literatura jurdica que trata da Crise do Judicirio.

    Contrariamente s idias de cio e acomodao, as vezes relacionadas ao funcionalismo

    pblico e que tambm foram encontradas em estudo sobre as representaes existentes

    acerca do funcionrio pblico (VENEU, 1990), os rgos do Poder Judicirio

    caracterizam-se pela grande carga de trabalho, considerada incompatvel com o quadro

    de funcionrios, com as condies de trabalho e com a lgica processual vigente, o que

    resulta na lentido e prejuzo na prestao dos servios comunidade (SADEK e

    ARANTES, 1994; ARAGO, 1997; BRITO, 1995 e DALLARI, 1996).

    Ao analisar os principais problemas relacionados organizao e ao

    funcionamento dos tribunais, DALLARI (1996) discute alguns aspectos das condies

    de trabalho dos juzes e dos servidores, apontando para a existncia de precrias

    condies materiais, de equipamentos e de espao fsico, em que se realizam as

    atividades de trabalho.

    Em estudo exploratrio a respeito dos fatores relacionados lentido da atuao

    da Justia do Trabalho do Esprito Santo, ARAGO (1997), aps entrevistar 30 pessoas,

    entre servidores, juzes, procuradores, advogados, representantes sindicais de

    3 No campo judicirio foram feitas buscas nas bases de dados da Rede Virtual de Bibliotecas do Congresso Nacional, da Biblioteca do TRF 3 Regio e da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.

  • 27

    trabalhadores e prepostos de empresas, identificou, entre outros fatores, ausncia de uma

    poltica de recursos humanos para juzes e servidores, carreira restrita e conseqente

    desmotivao dos servidores, ausncia de rodzios de funo, excessiva centralizao

    administrativa por parte dos juzes, ausncia de mecanismos reguladores do poder dos

    juzes, instalaes fsicas precrias e insuficincia de recursos materiais, fluxo deficiente

    de informaes, incompatibilidade entre o nmero de servidores necessrios e o volume

    de servio nos rgos (ARAGO, 1997).

    Na literatura judiciria pesquisada destaca-se a predominncia de estudos que

    tomam como base pareceres de estudiosos do setor judicirio, juzes e desembargadores.

    Foi encontrado apenas um trabalho, que o de ARAGO, (1997), o qual foi comentado

    acima, que buscou a opinio de servidores como fonte de informaes.

    Quanto s repercusses sade dos funcionrios, fatores semelhantes aos

    levantados na literatura judiciria como problemticos do ponto de vista da eficincia

    foram descritos como causa de sofrimento pelos trabalhadores, por um estudo

    exploratrio desenvolvido pelo Centro de Referncia em Sade do Trabalhador do

    Estado de So Paulo - CEREST/SP, cujo objetivo foi avaliar as condies de trabalho

    em vara pertencente a uma Seo Judiciria da Justia Federal (CORDEIRO, GARBIN e

    cols, 2000). Foram relatados: sobrecarga de trabalho, impossibilidade de planejamento

    de carreira, existncia de comisses e promoes a cargos de confiana cujos critrios

    no eram explcitos aos funcionrios, presena marcante de desvios de funo e poder

    excessivamente centralizado na figura do juiz. Tais caractersticas foram citadas como

    dificuldades na realizao do trabalho, fonte de desgaste, e motivo de frustraes e

  • 28

    aborrecimentos para estas pessoas, que ingressam no Poder Judicirio com expectativas

    de desenvolvimento profissional em sua rea de conhecimento, j que grande parte deles

    bacharel em Direito ou estudante da rea. Alm disso, tais problemas foram descritos

    como imutveis pelos funcionrios da instituio (GARBIN e TAVARES, 2000). Este

    estudo deu-se em razo de uma demanda de tcnicos de sade de uma Seo Judiciria

    da Justia Federal ao CEREST/SP.

    Embora os estudos acima citados se refiram a rgos diferentes pertencentes ao

    Poder Judicirio e tenham tido objetivos e abordagens diversas (ARAGO, 1997,

    Justia do Trabalho do Esprito Santo; GARBIN e TAVARES, 2000 e CORDEIRO,

    GARBIN e cols, 2000, Justia Federal Seo Judiciria), apresentam descries

    comuns quanto aos problemas referentes organizao do trabalho e s polticas

    organizacionais.

    Tais descries coincidem com dados colhidos em sondagem preliminar baseada

    em entrevistas com tcnicos da Diviso Mdica, da Secretaria de Recursos Humanos, da

    Assessoria de Comunicao Social, do Escritrio de Qualidade e da Escola de

    Magistrados da Justia Federal de So Paulo (PARAGUAY e TAVARES, 2000). Esta

    sondagem ocorreu como forma de contato preliminar na instituio onde se daria o

    estudo posteriormente, com o objetivo de verificar, junto a estes tcnicos, quais eram as

    questes relevantes de sade do trabalho, no contexto do Tribunal. Os resultados da

    sondagem apontaram que os tcnicos percebiam uma relao entre as questes de Sade

    Mental e Trabalho e a forma como se estabelecem as relaes entre funcionrios e

  • 29

    chefias, destacando-se o autoritarismo, a cobrana, conflitos, o poder excessivamente

    centralizado em magistrados, chefes e diretores.

    Posteriormente a esta sondagem, foi desenvolvida uma etapa exploratria na

    instituio onde se deu o estudo que motivo desta dissertao, com os objetivos de

    conhecer o trabalho e sua organizao dentro da instituio, expresses lingsticas

    prprias, e, principalmente, identificar se o sofrimento no trabalho seria um objeto de

    representao do grupo a ser estudado, tal como recomenda S (1998). Tambm se teve

    por finalidade identificar possveis categorias empricas da representao social do

    sofrimento no trabalho. A etapa exploratria cumpriu um segundo papel de aproximao

    da questo de estudo com o campo de estudo. A primeira foi a sondagem preliminar com

    os tcnicos de vrias reas da Instituio, como j dito. Na etapa exploratria a

    aproximao se deu com o grupo de estudo diretamente. S (1998) nos fala do estudo

    exploratrio nos projetos de pesquisa em Representaes Sociais como um momento em

    que as perguntas que o pesquisador se fez inicialmente possam ser feitas tambm aos

    sujeitos da pesquisa (S, 1998). Algumas expresses utilizadas pelos entrevistados

    foram consideradas como indicativas da idia de sofrimento no trabalho para o grupo

    estudado:

    fiquei to fragilizada .... tem muito a ver com esse ambiente que a gente

    trabalha;

    ... aqui barra, em termos emocionais, muito pesado.

    Voc tem que ter uma estrutura emocional muito forte pra agentar tudo;

  • 30

    ... l (um dos setores da instituio no qual a pessoa j trabalhou) gerava o medo,

    a represso...;

    ... voc vai se desiludindo... s que se voc continuar nessa ... de desiluso, voc

    vai se matar;

    Ento, como se fosse uma mente cauterizada;

    ... voc vai perder a tua estrutura de vida;

    Ou voc se desliga ou voc vai viver eternamente estressado;

    ... ento vai afetando psicologicamente a pessoa, ela vai ... se sentindo

    impotente...;

    ... as vezes eu perco o sono quando eu pego um processo difcil... eu fico

    nervosa, eu no durmo a noite, comea a me dar dor de estmago...;

    ... quando eu vim pra c, eu fiquei quase louca ... quase que alis eu me

    exonero....

    Ento com essa presso que eu sinto, eu fico doente ...

    A etapa exploratria tambm permitiu levantar as seguintes categorias

    provisrias da representao social do sofrimento no trabalho: injustia, volume

    excessivo de trabalho e presso no trabalho, tal como sintetizado no mapa de

    associaes, no anexo 3.

    No Tribunal Regional Federal da 3 Regio (TRF-3 Regio), uma pesquisa sobre

    a associao entre as condies de trabalho e o envelhecimento dos funcionrios,

    confirmou a predominncia de sobrecarga cognitiva, inadequao de mobilirios e

    equipamentos, alm de exposio contnua a alrgenos (devido grande quantidade de

  • 31

    papis armazenados em estantes sem isolamento), dados obtidos a partir da avaliao da

    pesquisadora (BELLUSCI, 1998). Quanto sade dos funcionrios, os dados

    evidenciaram significativos ndices de distrbios msculo-esquelticos e psicolgicos

    entre servidores pblicos judicirios. Os distrbios msculo-esquelticos apresentaram

    uma prevalncia de 24,1% em diagnstico mdico, tendo sido referidas por 40% dos

    funcionrios da instituio; j os distrbios do mbito psicolgico (depresso severa,

    depresso leve, tenso, ansiedade, insnia) foram diagnosticados em 8,7% dos

    servidores, mas tambm foram referidas por uma porcentagem maior, 28,6%. Os

    transtornos mentais tambm foram apontados pelos profissionais da rea da sade e

    social do Tribunal Regional Federal da 3 Regio de So Paulo, em levantamento

    preliminar (PARAGUAY e TAVARES, 2000) como sendo uma das principais causas de

    grande parte dos afastamentos do trabalho por motivos de sade. No relatrio anual de

    atividades realizado pelo TRF-3 Regio em 1999, consta que dos atendimentos feitos

    pelo servio social da 3 Regio, 51% estejam relacionados a sade mental.

    1.6. Uma breve histria do Poder Judicirio Brasileiro

    O Poder Judicirio teve formas diversas ao longo da histria brasileira. Tais

    modificaes em suas estruturas no se deram de forma linear ou progressiva, mas se

    constituram, muitas vezes, em movimentos de avanos em determinadas direes e

    recuos, como por exemplo, na criao e posterior extino de rgos, que depois foram

  • 32

    novamente integrados estrutura do Poder Judicirio. Tambm sua autonomia e

    independncia frente aos outros poderes modificaram-se ao longo do tempo, mas tal

    questo j se exclui de nossos objetivos. Interessa dizer que sua estrutura foi se tornando

    cada vez mais complexa e a demanda por seus servios, crescente.

    Apresenta-se a seguir alguns dados da evoluo histrica de sua estrutura, tendo

    como base, o texto - Uma introduo ao estudo da Justia -, de SADEK (1995).

    No perodo colonial, a justia no Brasil era representada por administradores da

    justia nomeados pelos donatrios. Esses ltimos, no entanto, eram autoridades

    mximas do sistema judicirio brasileiro da poca. Portanto, os administradores da

    justia estavam subordinados aos donatrios. As causas de maior relevncia econmica

    eram decididas pelos Tribunais da Corte de Lisboa.

    Em 1824, aps a chegada da Famlia Real Portuguesa, a Carta Constitucional

    instaura os Poderes Judicirio, Executivo, Legislativo e Moderador. A independncia do

    Poder Judicirio declarada, mas ele continua sob o poder de interveno e controle do

    Imperador.

    A partir da Constituio de 1891, passam a ser o Poder Judicirio, o Executivo e

    o Legislativo os trs poderes autnomos e independentes da Repblica Federativa do

    Brasil. Tambm nesta Constituio assumiu-se uma diviso do sistema judicirio

    brasileiro entre Justia Federal e Justia dos Estados. A Justia Federal j havia sido

    criada h um ano, por um decreto. O rgo de autoridade mxima no Poder Judicirio

    passou a ser o Supremo Tribunal Federal.

    A Constituio de 1934 introduziu vrias modificaes na estrutura do Poder

    Judicirio. Regulamentou a Justia Militar e a Justia Eleitoral; promoveu modificaes

  • 33

    no funcionamento do Supremo Tribunal Federal; instituiu a Justia do Trabalho

    enquanto rgo administrativo, no integrante do Poder Judicirio. Promoveu ainda

    vrias modificaes na Justia dos Estados, atribuindo-lhe maior autonomia e melhores

    condies.

    Por uma deciso do governo Getlio Vargas, em 1937 a Justia Federal e a

    Justia Eleitoral foram extintas e a Justia Estadual de 1 instncia passou a julgar todos

    os casos que envolvessem a Unio. O Supremo Tribunal Federal; os juzes e Tribunais

    dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios; os juzes e Tribunais militares

    passaram a ser os rgos formadores do Poder Judicirio. A Carta Constitucional de

    1937 atribui maiores poderes ao Executivo, e lhe concede a faculdade de legislar por

    decretos-leis, acabando por enfraquecer os Poderes Judicirio e Legislativo.

    A Constituio de 1946, re-introduziu a Justia Eleitoral; re-integrou a Justia do

    Trabalho ao Poder Judicirio; criou o Tribunal Federal de Recursos, rgo de 2

    instncia, para causas envolvendo a Unio. A justia de 1 instncia continuou a ser

    representada pelos juzes estaduais, remetendo-se estes aos Tribunais de Justia e ao

    Tribunal Federal de Recursos, ao mesmo tempo.

    Em 1965, a Justia Federal voltou a existir e houve tambm outras mudanas

    que estimularam um aceleramento do trabalho da justia e ainda uma grande reduo da

    autonomia e independncia da magistratura. O Legislativo e o Judicirio voltaram a ter

    suas autonomias bastante reduzidas, ficando mais subordinados ao Executivo, com os

    Atos Institucionais 2, 5 e 6 e pela Emenda Constitucional n 1, de 17/10/1969.

    Com a Constituio de 1988, aumentou a autonomia administrativa e financeira

    do Poder Judicirio, que passou a elaborar oramento prprio junto ao Executivo, a ser

  • 34

    submetido ao Congresso Nacional. Ocorreu ainda ampla reorganizao e redefinio das

    atribuies dos rgos do Poder Judicirio, incluindo a extino do Tribunal Federal de

    Recursos, a criao do Superior Tribunal de Justia e dos Tribunais Regionais Federais,

    cujo objetivo foi descentralizar a justia de 2 instncia. Alm disso, tambm se atribuiu

    aos Estados a organizao de sua Justia.

    A seguir apresenta-se atual organograma do Poder Judicirio brasileiro.

  • 35

    Figura 1 Organizao do Poder Judicirio Brasileiro

    JUSTIA COMUMSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    (precipuamente matria constitucional)

    SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIA(matria no constitucional)

    Justia Federal Justia Estadual

    Tribunais Regionais Tribunais de Justia eFederais Tribunais de Alada

    Juzes Federais Juzes EstaduaisTribunal do Jri Tribunal do Jri

    Juizados Especiais Juizados Especiais

    JUSTIA ESPECIALSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    (matria constitucional)

    JUSTIA FEDERAL JUSTIA ESTADUAL

    Tribunal Superior Tribunal SuperiorSuperior Tribunal Superior Tribunal

    do Trabalho Militar Eleitoral de Justia

    Tribunais Conselhos Tribunais TribunaisRegionais de Justia Regionais de Justia

    do Trabalho Militar Eleitorais Militarda Unio Estadual

    JuzesJuntas de (S para Eleitorais Conselhos

    Conciliao e Foras de JustiaJulgamento Armadas) Juntas Militar

    Eleitorais Estadual

    (S para PolciaMilitar Estadual)

    fonte: FHRER MCA - Resumo de Processo Civil. 20 edio. So Paulo: Malheiros, 1999.

  • 36

    O Poder Judicirio ficou assim composto, segundo artigo 92 da Constituio

    Federa

    Supremo Tribunal Federal

    (2 instncia) e juzes federais (1 instncia)

    stncia)

    e juzes do

    Assim, mostra-nos FHRER (1999) a justia pode ser Especial, quando se atm

    a mat

    omum pode ser Federal ou Estadual. Ao mbito federal competem

    causas

    l de 1988:

    I.

    II. Superior Tribunal de Justia

    III. Tribunais Regionais Federais

    IV. Tribunais do Trabalho (2 instncia) e juzes do trabalho (1 instncia)

    V. Tribunais Eleitorais (2 instncia) e juzes eleitorais (1 instncia)

    VI. Tribunais Militares (2 instncia) e juzes militares (1 instncia)

    VII. Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios (2 in

    Esta s, do Distrito Federal e dos Territrios (1 instncia)

    rias especficas, como a eleitoral, a militar e a do trabalho ou Comum, para os

    demais tipos de matrias. Pode ser do nvel de 1 instncia ou 1 grau, a princpio a porta

    de entrada para toda demanda pelos servios da Justia, ou do nvel de 2 instncia ou 2

    grau, comumente quando ocorre recurso questionando deciso no nvel da 1 instncia.

    A 2 instncia julga tambm alguns processos que entram diretamente nesta instncia do

    Poder Judicirio.

    A Justia C

    que envolvam a Unio, entidades autrquicas ou empresas pblicas federais e

    ainda que digam respeito a assuntos relacionados a tratados e contratos da Unio com

    organismo internacional ou Estados estrangeiros (artigo 109 da Constituio Federal).

  • 37

    Com o mbito estadual ficam as demais causas no includas na competncia da Justia

    Federal Comum e das Justias Especiais Federais.

    Aos rgos superiores: o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de

    Justia

    1.7. O Tribunal Regional Federal da 3 Regio

    ste estudo deu-se no Tribunal Regional Federal da 3 regio (TRF-3 regio),

    criado

    o instalado,

    tempor

    , competem, respectivamente, de forma sucinta, causas envolvendo matrias

    constitucionais e no-constitucionais, nos casos em que foi possvel recurso aps deciso

    da 2 instncia.

    E

    na Constituio Federal de 1988, juntamente com outros quatro Tribunais

    Regionais Federais, como j dito acima, em substituio ao Tribunal Federal de

    Recursos. Com tal criao, se regionalizou a 2 instncia da Justia Federal.

    O TRF-3 regio foi inaugurado em 30 de maro de 1989, ficand

    ariamente, na sede do STJ (Superior Tribunal de Justia), no 11 andar do Frum

    Pedro Lessa, Avenida Paulista n 1682, at 05 de setembro de 1989. Depois disso,

    passou a ocupar o edifcio Saldanha Marinho, sito rua Lbero Badar n 39. Devido a

    insuficincia das instalaes neste prdio para as necessidades funcionais dos setores do

    TRF-3 regio, houve mudana de endereo em 22 de fevereiro de 1999, para prdio

    permutado com a Caixa Econmica Federal, localizado na Avenida Paulista n 1842.

  • 38

    So de competncia do TRF-3 regio todos os recursos de decises proferidas

    pelos juzes de 1 instncias das Sees Judicirias de so Paulo e Mato Grosso do Sul

    (3 regio) e ainda aqueles processos originrios, ou seja, que do entrada diretamente na

    2 instncia, sem passar pelos juzes de 1 instncia. Neste ltimo caso, seriam, por

    exemplo, aquelas aes relacionadas a juzes federais.

    O TRF-3 regio contava, no primeiro semestre de 2000, com 24

    desembargadores4, 2 juzes convocados da 1 instncia e 1 vaga a ser preenchida.

    Os rgos julgadores dos Tribunais Regionais Federais, diferentemente da

    Justia Federal de 1 instncia, so:

    - 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Turmas (compostas por 4 desembargadores cada uma);

    - 1 e 2 Sees Especializadas (compostas, respectivamente por 1, 2, 5 turmas

    e 3, 4, 6 turmas, ou seja, por 12 desembargadores cada uma);

    - e rgo Especial (composto por 18 desembargadores).

    A seguir apresenta-se o organograma do Tribunal, com os setores (onde se deu o

    estudo) circunscritos por linha trao-ponto.

    4 Desembargador a denominao funcional de um magistrado que se encontra na 2 instncia do Poder Judicirio. Na 1 instncia, ele denominado juiz. Assim, Juiz e Desembargador so dois estgios da carreira da Magistratura, correspondentes, respectivamente, ao exerccio da Magistratura na 1 instncia e na 2 instncia.

  • 39

  • 40

    1.8. Alguns aspectos do regime jurdico dos servidores pblicos civis

    O regime jurdico dos servidores pblicos civis federais est institudo pela Lei n

    8112, de 11 de dezembro de 1990. Desta Lei, destaca-se a seguir alguns aspectos,

    concernentes insero do funcionrio e composio de sua remunerao. A

    integrao de um funcionrio ao quadro de pessoal se d mediante concurso pblico para

    cargos de carter efetivo e ainda mediante nomeao em comisso para cargos de

    confiana, sem carter efetivo. Os servidores que j faam parte do quadro efetivo

    tambm podem ocupar cargo de confiana por nomeao em comisso, sem prejuzo do

    cargo efetivo.

    A nomeao em carter efetivo aquela decorrente exclusivamente de concurso

    pblico e se d para os cargos de analista e tcnico judicirios. A nomeao em

    comisso, vinculada confiana e de livre exonerao, d-se para funes de direo,

    chefia, assessoramento ou assistncia, s quais deferida uma gratificao.

    Adicionalmente ao exerccio dos cargos efetivos, o servidor pode ser nomeado

    para o exerccio de funo gratificada, ficando seu salrio composto pelo vencimento

    referente ao cargo efetivo e gratificao. Para as funes de direo, chefia e

    assessoramento, podem ser nomeadas pessoas que no compem o quadro funcional de

    cargos efetivos. J para as funes de assistncia, adota-se a norma de apenas nomear

    pessoas que j faam parte do quadro funcional de cargos efetivos.

    A Lei n 8.112 determinava a incorporao em carter permanente da

    gratificao ao salrio do funcionrio que tivesse exercido a funo gratificada por

  • 41

    determinado perodo, ainda que este viesse a no mais exercer tal funo. Assim,

    estivesse o funcionrio exercendo uma funo que desse direito gratificao, a cada

    ano de exerccio, um quinto (1/5) do valor da gratificao adquiria carter permanente

    na remunerao deste. Ao fim de cinco anos, ele passava a receber a gratificao em

    carter permanente, mesmo que viesse a ser destitudo da funo. Tal determinao foi

    revogada posteriormente, no ocorrendo mis a incorporao permanente da gratificao

    ao salrio do servidor, assim, este recebe apenas enquanto estiver ocupando o cargo em

    comisso ou a funo gratificada.

    1.9. A assistncia sade dos servidores do Poder Judicirio

    Os rgos do Poder Judicirio contam com uma equipe de sade, composta por

    assistentes sociais, dentistas, enfermeiros, mdicos de mais de uma especialidade,

    psiclogos e tcnicos de enfermagem. No entanto, no possuem profissionais

    especializados do campo de Sade e Segurana do Trabalho. A necessidade de Servio

    Especializado em Sade e Segurana do Trabalho foi apontada por BELLUSCI (1998),

    na concluso de seu estudo no Tribunal Regional Federal da 3 Regio, ainda que muitos

    dos aspectos identificados estejam, a princpio fora do alcance da interveno de

    tcnicos de uma equipe de sade.

    Como j relatado, houve uma demanda institucional de tcnicos que reconhecem

    a relao entre aspectos do contexto de trabalho e a sade dos servidores, evidenciando a

  • 42

    necessidade de uma abordagem mais ampla de sade, que leve em conta o contexto em

    que se situa a pessoa e o fato de que para promover a sade necessrio intervir no

    trabalho, no ambiente de trabalho e na forma como ele ocorre no dia-a-dia.

  • 43

    2. OBJETIVOS

    - Identificar e analisar a representao social do sofrimento no trabalho, para

    um grupo de funcionrios pblicos do setor judicirio;

    - Contribuir para a elucidao da relao sade-trabalho no contexto citado, o

    setor do funcionalismo pblico judicirio, valorizando o conhecimento prtico do

    trabalho como fonte de informaes e significados.

  • 44

    3. METODOLOGIA

    3.1. Delineamento do Projeto de Pesquisa 5

    A explicitao da pesquisa, seus pressupostos, objetivos e finalidade dos

    resultados da pesquisa populao envolvida no estudo, bem como a negociao do

    trabalho de campo de fundamental importncia tanto para o desenvolvimento da

    mesma (PARAGUAY, 2000), como para o cumprimento tico da pesquisa em cincias

    humanas.

    A medida em que a pesquisadora explicita seu projeto de pesquisa populao

    de estudo e instituio e negocia as condies de desenvolvimento da mesma, realiza

    tambm uma aproximao das questes relevantes do contexto onde se dar o estudo, o

    que essencial ao planejamento da pesquisa (PARAGUAY, 2000).

    Dentro deste processo de dilogo com o campo a ser estudado, houve, como uma

    das fases iniciais, uma sondagem preliminar com os tcnicos da rea de Sade, Recursos

    Humanos e Comunicao Social, a qual serviu de subsdio para o delineamento do

    projeto de pesquisa, como j explicitado anteriormente.

    Aps o delineamento inicial, o projeto de pesquisa em questo foi apresentado na

    instituio para os tcnicos da rea de Sade, de Recursos Humanos e de Organizao e

    5 Esta pesquisa inseriu-se em um projeto maior denominado Concepo, Gesto e Inovao

    Organizacional, coordenado pela orientadora Profa. Dra. Ana Isabel B. B. Paraguay, da Faculdade de

    Sade Pblica da Universidade de So Paulo.

  • 45

    Mtodos. Em seguimento, a pesquisadora contatou pessoalmente todos os setores

    possivelmente envolvidos na coleta de dados, sendo apresentada pela assistente social da

    instituio, para reiterar as informaes sobre o convnio de pesquisa e as aes a serem

    desenvolvidas nos meses seguintes, em relao coleta de dados. Foram visitados pela

    pesquisadora 40 setores, para apresentao local das informaes sobre a pesquisa.

    Nesta ocasio, foi distribudo um pequeno resumo do projeto e dados para contato com o

    grupo de pesquisa.

    A etapa exploratria, que ser descrita no prximo item, veio em seguida.

    Baseando-se nos resultados desta etapa exploratria, o projeto foi concludo e houve

    assim a apresentao com convite a todos os servidores.

    As apresentaes da pesquisa nos setores envolvidos no estudo foram o principal

    meio de prover os servidores de informaes sobre a pesquisa, j que quase a totalidade

    deles no pde estar presente apresentao formal inicial.

    Buscou-se que o delineamento do projeto de pesquisa fosse um processo de

    contnua interao com o campo ser estudado.

    3.1.1. A etapa exploratria

    Para a realizao da etapa exploratria, foi escolhido um dos gabinetes, levando

    em conta o grau de receptividade dos funcionrios e dirigentes em relao pesquisa. A

    receptividade dos servidores do local foi considerada um elemento facilitador ao

  • 46

    desenvolvimento desta etapa do estudo, que se caracteriza por ser exploratria, mais

    aberta a contedos no previstos e com a possibilidade de contar com entrevistas mais

    longas e menos estruturadas.

    Foi realizada descrio das atividades de trabalho dos servidores e entrevistas

    semi-estruturadas.

    A pesquisadora entrevistou inicialmente o chefe de gabinete, que descreveu, de

    forma breve, o processo de trabalho e a rotina daquele gabinete. Passou em seguida

    observao no-sistematizada do trabalho naquele gabinete, a qual se deu mediante

    consentimento por escrito do dirigente do setor (termo de consentimento para

    observao - anexo 2).

    A observao no-sistematizada no local de trabalho, bem como as entrevistas

    sobre a descrio das atividades, possibilitaram o reconhecimento da situao de

    trabalho e da diviso do trabalho, do ponto de vista do processo de trabalho, bem como

    da diviso de funes entre as pessoas.

    Nas entrevistas sobre a descrio das atividades ocorridas com todos os

    servidores e em conversas informais, a pesquisadora convidou alguns dos servidores

    para a entrevista explicitando os seguintes critrios: os servidores mais novos e os mais

    antigos; servidores em todos os cargos e aqueles que desempenhassem tarefas nicas no

    gabinete.

    Foram entrevistados nesta fase 5 servidores, com as seguintes caractersticas: 2

    homens e 3 mulheres; 2 tcnicos judicirios e 3 analistas judicirios; 2 ocupando cargos

    comissionados de assessor(a) e de chefe de gabinete e 2 exercendo funo gratificada.

  • 47

    Estas entrevistas, cujo roteiro se encontra no anexo 1, tiveram como tema a

    descrio do trabalho desenvolvido, aspectos da trajetria profissional, a percepo da

    Instituio enquanto ambiente de trabalho, aspectos positivos e negativos, bem como

    vantagens e desvantagens do trabalho e, finalmente a opinio e a vivncia do

    entrevistado sobre as relaes entre o trabalho e a sade. O termo de consentimento para

    as entrevistas encontra-se no anexo 4.

    O material coletado foi preparado e analisado seguindo-se os passos seguintes:

    1. Transcrio literal de todas as entrevistas gravadas, incluindo digresses,

    repeties e outros tipos de expresses orais do entrevistado e do entrevistador. Tal

    prtica teve por finalidade enriquecer o contedo a ser interpretado e tambm propiciar

    elementos para analisar a interao durante a entrevista. Foram corrigidos erros

    gramaticais e ortogrficos, bem como adaptadas determinadas expresses da linguagem

    oral para a escrita. Por exemplo: Eu tava acostumada a mexe em processo (oral). Eu

    estava acostumada a mexer em processo (escrita).

    2. Na primeira leitura, definiu-se um primeiro critrio de organizao do

    contedo das entrevistas, classificando-o em:

    2.1. Descrio de atividades, descrio do processo de trabalho, descrio de

    regras e normas institucionais e outras questes referentes ao Poder Judicirio;

    2.2. Qualificativos de algum aspecto do trabalho, do ponto de vista do bem-

    estar e da sade da pessoa entrevistada.

    Numa segunda leitura do contedo classificado como qualificativos do trabalho

    quanto sade e ao bem-estar, buscaram-se trechos, expresses e explicaes

  • 48

    pronunciadas pelo entrevistado que nos indicassem relao com o sofrimento no

    trabalho.

    3. A releitura das entrevistas para seleo de fragmentos dos discursos que

    se remetessem s expresses selecionadas acima ou que se seguissem pergunta sobre

    os aspectos do trabalho percebidos como negativos, desgastantes do ponto de vista da

    sade e a posterior categorizao puderam trazer alguns indcios sobre os contedos da

    representao social acerca do sofrimento no trabalho para este grupo social. Foi

    construdo um mapa de associaes sobre o sofrimento no trabalho e suas categorias a

    partir dos dados coletados nesta etapa exploratria, que pode ser visualizado no anexo 3.

    No entanto, tal desenvolvimento s pode ser adequadamente fundamentado em etapa

    posterior, relatada a seguir.

    Tendo se confirmado a significncia do sofrimento no trabalho enquanto objeto

    de representao, passou-se para a reformulao do mtodo, e depois para a coleta e

    anlise dos dados do estudo propriamente dito.

    Os resultados da etapa exploratria j foram abordados na Introduo, visto

    terem sido material de referncia para o delineamento do estudo propriamente dito. Os

    procedimentos metodolgicos para coleta e anlise do material foram planejados a partir

    de resultados da etapa exploratria.

  • 49

    3.2. Composio do grupo de estudo

    Na delimitao da abrangncia da pesquisa no contexto da instituio, optou-se

    por restringir o estudo queles setores envolvidos diretamente com as finalidades da

    instituio, os setores judicirios. Ficaram excludas as reas que desempenham

    atividades-meio, ou seja, os setores administrativos da instituio. Assim, os setores

    includos no estudo foram os gabinetes e as subsecretarias, cujas funes e processo de

    trabalho sero descritos adiante.

    Foram convidados a participar do estudo 11 gabinetes e 4 subsecretarias. A

    escolha dos setores visou compor o grupo de forma diversificada segundo determinados

    aspectos, ou seja, buscou-se incluir tanto setores criados juntamente com a instituio,

    quanto aqueles criados posteriormente; tambm aqueles ocupados todo o tempo pelo

    mesmo magistrado e outros que tiveram mais de um magistrado no decorrer de sua

    existncia e ainda aqueles com maior nmero de processos e aqueles com menor nmero

    de processos. O convite foi feito aos dirigentes por uma das assistentes sociais do

    servio de assistncia mdico-social.

    Dos setores convidados, aceitaram participar 9 gabinetes e 4 subsecretarias. Dos

    gabinetes que declinaram o convite, um deles justificou no ter servidores dentro de um

    dos critrios estabelecidos (ter mais de 6 anos de trabalho na instituio) e o outro

    justificou estar o gabinete com sobrecarga de trabalho no perodo da realizao das

    entrevistas.

  • 50

    Aps o aceite, foi marcada uma visita inicial da pesquisadora a cada setor, com

    fins de: a) obter dados objetivos sobre fluxo de trabalho, composio do setor, tempo de

    existncia do setor, diviso do trabalho com o chefe de gabinete ver anexo 6 dados

    de caracterizao do setor coletados na visita inicial ; b) explicitar ao chefe de gabinete e

    aos servidores os critrios para escolha dos entrevistados; c) convidar aqueles servidores

    que atendessem aos critrios para a entrevista e coletar dados do convidado entrevista,

    como tempo de servio, cargo ocupado, escolaridade, outros setores em que trabalhou

    dentro da instituio e informaes sobre as atividades desempenhadas. Tais visitas

    foram feitas no perodo de duas semanas.

    Os critrios de incluso no grupo de estudo objetivaram uma representatividade

    de subgrupos dentro do grupo estudado, abrangendo as mltiplas dimenses do

    fenmeno a ser estudado. Em conseqncia, a definio das pessoas a serem

    entrevistadas contemplou os grupos profissionais: - dirigentes (diretores das

    subsecretarias e chefes dos gabinetes) e funcionrios pblicos sem cargo de direo ou

    chefia (analistas judicirios e tcnicos judicirios). Alm disso, as pessoas entrevistadas,

    com exceo dos dirigentes, estavam entre aquelas com maior tempo de trabalho na

    instituio (28% dos funcionrios tem de 10 a 12 anos de experincia) e ainda,

    preferencialmente, aquelas que j tinham trabalhado em mais de um setor da rea

    judiciria dentro da instituio. Optou-se por excluir do grupo de estudo os

    desembargadores e seus assessores, pelo entendimento de que estes compartilham menos

    o contexto de trabalho dos setores da instituio, estando mais voltados a questes

    externas ou alm do cotidiano de trabalho.

  • 51

    Sabendo-se que os critrios de diferenciao se referem a ocupar ou no cargo de

    direo ou chefia e que h apenas 1 dirigente por setor, o nmero de entrevistados,

    segundo planejamento, se encontrava entre 30 e 50 pessoas. Ao todo, 50 servidores

    foram convidados e aceitaram ao convite para a entrevista. Tendo aceitado o convite, era

    marcado um horrio de comum acordo.

    Compareceram entrevista 37 funcionrios, dos 50 com os quais havia sido

    marcada entrevista.

    3.3. Coleta de dados

    A entrevista configurou-se como semi-estruturada, que se baseia em questes

    que definem a rea a ser explorada, inicialmente, e a partir das quais o entrevistado e o

    entrevistador podem desviar-se para alcanar uma idia ou resposta mais detalhada

    (BRITTEN, 2000). Visou a caracterizao do contexto de trabalho, partindo-se do

    conhecimento e vivncia das pessoas que nele trabalham. As questes do roteiro (roteiro

    de entrevista - anexo 5) nortearam a entrevista, sem contudo direcion-la ou restringir os

    temas, privilegiando-se tambm aspectos levantados pelo entrevistado. Foram abordados

    os seguintes tpicos: a) caracterizao profissional; b) descrio do trabalho; c)

    sofrimento no trabalho como o define, explica e sente, exemplos de situaes, formas

    de enfrent-lo; d) expectativas profissionais.

  • 52

    Quanto situao de entrevista, destaca-se aqui como algo a buscar o que

    BOURDIEU (1999) denominou como escuta ativa e metdica, [que] associa a

    disponibilidade total em relao pessoa interrogada, a submisso singularidade de

    sua histria particular, que pode conduzir, por uma espcie de mimetismo mais ou

    menos controlado, a adotar sua linguagem e a entrar em seus pontos de vistas, em seus

    sentimentos, em seus pensamentos, com a construo metdica, forte, do conhecimento

    das condies objetivas, comuns a toda uma categoria.

    A durao do perodo de realizao das entrevistas foi de dois meses. As

    entrevistas se realizaram na sala da psicologia ou do servio social da equipe de sade da

    instituio, cujas instalaes ofereciam a condio necessria de sigilo e certa

    neutralidade. Todas as entrevistas ocorreram mediante consentimento por escrito (termo

    de consentimento para entrevista - anexo 4).

    3.4. A anlise dos dados

    O mtodo de anlise baseou-se em anlise de contedo, cujos procedimentos se

    formaram pela tomada de conhecimento de mtodos e tcnicas j utilizados em outros

    estudos (BARDIN, 1988; VALA, 1986; OLIVEIRA, 1991; SATO, 1991) e subseqente

    reformulao atinente aos objetivos da presente pesquisa.

  • 53

    A anlise de contedo pode ser definida como um conjunto de tcnicas de anlise

    de comunicaes voltadas explicitao e sistematizao do contedo das mensagens e

    da expresso deste contedo (BARDIN, 1988). Tais tcnicas contribuem por afastar os

    perigos da compreenso espontnea, pelas quais, o pesquisador familiarizado ou no

    com seu objeto de estudo, pode por a prova interpretao inicial do material (BARDIN,

    1988). A Anlise de Contedo contribui tambm para o enriquecimento da leitura,

    descoberta de contedos e esclarecimentos de relaes no explicveis somente pela

    leitura. Ao falar sobre o processo de anlise, VALA (1986) evidencia os resultados desta

    anlise como fruto do processo de interao entre as condies de produo do discurso

    e as condies de produo da anlise:

    Trata-se da desmontagem de um discurso e da produo de um novo discurso

    atravs de um processo de localizao-atribuio de traos de significao, resultado

    de uma relao dinmica entre as condies de produo do discurso a analisar e as

    condies de produo da anlise (VALA, 1986).

    Neste estudo utilizou-se anlise categorial, que funciona por desmembramento

    do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analgicos (BARDIN,

    1988).

    Procedeu-se a anlise segundo os seguintes passos:

    a) Identificao das palavras ou expresses que se referiam ao sofrimento no

    trabalho, tais como as exemplificadas na etapa exploratria;

  • 54

    b) Seleo de fragmentos dos discursos aos quais as palavras ou expresses

    acima especificadas remetiam. Tais fragmentos podem denominar-se Unidades de

    Contexto, utilizando-se do termo de BARDIN (1988, p. 107) para se referir aos

    segmentos da mensagem que so teis para se compreender a significao das Unidades

    de Registro, abaixo explicitadas. Ou ainda pode-se chamar de Ncleos Organizadores de

    Discurso, que significa os elementos que do sustentao e coerncia s falas [e que]

    representam o primeiro nvel de segmentao e reorganizao dos discursos

    OLIVEIRA (1998, p. 167). Por exemplo: ... Eu assumi postos de comando, hoje no

    estou mais, amanh posso ser colocado pra empurrar carrinho... a voc pensa: P, mas

    voltar estaca zero? uma coisa que tambm causa uma certa angstia. Porque todo o

    tempo, todo o trabalho que voc fez, parece que nada daquilo valeu... no sei. Mas se

    tem essa impresso. E pelo que eu sinto, no s minha, do conjunto de funcionrios

    que tm mais tempo de servio;

    c) As Unidades de Registro seriam a unidade de significao (BARDIN, 1988,

    p. 104), ou seja, no estudo em questo, os elementos do trabalho relacionados ao

    sofrimento. As unidades de registro corresponderiam s frases modais ou expresses de

    sentido (OLIVEIRA, 1998), que seriam aquelas frases tpicas que contm um grande

    nmero ou porcentagem de palavras que participam do universo de dados estudados

    (OLIVEIRA, 1998, p. 167). A relevncia das unidades de registro ou frases modais

    sero definidas pelo critrio de freqncia, de intensidade (indicadores semnticos) e

    ordem de apario. No exemplo dado no item (c), a unidade de registro seria a

    possibilidade de voltar estaca zero, que significa ter ocupado ou ocupar cargo

  • 55

    comissionado na instituio e vir a perd-lo ou ter a eterna possibilidade de vir a perd-

    lo, a qualquer momento, voltando ao ponto do incio da carreira na instituio;

    d) O prximo passo foi a categorizao, a qual implicou em classificar as

    unidades de registro por diferenciao, atentando para os princpios da homogeneidade,

    da excluso mtua e pertinncia com o quadro terico. Tal categorizao se deu por

    critrio expressivo (BARDIN, 1988), ou seja, as unidades de registro agrupadas sob a

    mesma categoria devem expressar um significado em comum, construdo em

    decorrncia do quadro terico. Para o exemplo utilizado, a categoria seria Estagnao

    Profissional ou Angstia da Estaca Zero, a qual resume a idia de que o sofrimento

    estaria ligado experincia de no ter a possibilidade de desenvolver carreira no

    Tribunal ou ainda de vir a galgar alguns degraus da hierarquia, mas sempre com a

    possibilidade de voltar ao ponto inicial da carreira, pela exonerao do cargo;

    e) As categorias foram agrupadas em 3 agrupamentos de sentido, segundo

    critrios semnticos explicitados adiante, nos resultados. No exemplo dado acima, o

    agrupamento de sentido seria Elementos Constitutivos do Sofrimento no Trabalho;

    f) Dos textos das entrevistas, tambm foram selecionados os trechos referentes

    s expectativas profissionais dos entrevistados com fim de relacion-las aos resultados

    sobre a representao social do sofrimento no trabalho. Tal relao foi primeiramente

    evidenciada na etapa exploratria e posteriormente analisada no estudo propriamente

    dito.

  • 56

    3.5. A devolutiva de resultados para os entrevistados

    Com o intuito de garantir aos entrevistados a oportunidade de acesso aos

    resultados e ainda como forma de consolidao dos mesmos, foi realizada devolutiva

    dos resultados parciais aos entrevistados, individualmente, aps, aproximadamente, dois

    meses da finalizao das entrevistas. As entrevistas de devoluo ocorreram no mesmo

    local, as salas da assistente social e da psicloga da equipe de sade e social.

    Tambm foi realizada apresentao coletiva dos resultados finais primeiramente

    para a equipe de sade e, posteriormente, no I Frum de Sade Psicossocial na Justia

    Federal, evento aberto a todos os servidores, aps um ano da finalizao das entrevistas.

  • 57

    4. RESULTADOS E DISCUSSO

    4.1. Caracterizao da populao de servidores

    No primeiro semestre de 2000, o quadro efetivo totalizava 1336 servidores, dos

    quais, 843 pertencem rea-fim (jurdica) do Tribunal e o restante, rea-meio

    (administrativa).

    A seguir apresenta-se caracterizao de tempo de trabalho na instituio, nvel de

    escolaridade e gnero da populao total de funcionrios. Esta caracterizao diz

    respeito ao primeiro semestre de 2000, poca em que ocorreram os primeiros contatos

    com a Instituio.

    A instituio, inaugurada em 30 de maro de 1989, apresentava 12 anos de idade

    em 2001, poca da coleta de dados. O ingresso de servidores deu-se segundo grfico

    seguinte:

    Figura 3 - Nmero de servidores admitidos em cada ano de existncia do TRF- 3 Regio

    225

    124

    26 31

    163 165

    267

    37

    9169 77 61

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    ano1989

    ano1990

    ano1991

    ano1992

    ano1993

    ano1994

    ano1995

    ano1996

    ano1997

    ano1998

    ano1999

    ano2000

    anoFonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 Regio, So Paulo,2000

  • 58

    Do total de servidores, 17% deles encontram-se desde a inaugurao. Parece ter

    havido um significativo crescimento do corpo de servidores entre os anos de 1993 e

    1995.

    Ento, quanto ao tempo de servio, tem-se o seguinte:

    Figura 4 - Populao total de servidores segundo tempo de servio

    15%

    10%

    32%15%

    28%

    de 1 a 3 anos de 4 a 5 anos de 6 a 7 anos de 8 a 9 anos de 10 a 12 anos

    Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 Regio, So Paulo 2000

    Como se v, a fatia de tempo de servio escolhida como critrio para incluso no

    grupo de estudo corresponde cerca de 75% do total de servidores.

    No grfico a seguir, percebe-se que o nvel de escolaridade na populao de

    servidores do rgo estudado alto, sendo que 55% deles possuem curso superior. Isto

    pode se dever tanto natureza do trabalho no Tribunal quanto forma de seleo de

    mo-de-obra, o concurso pblico. No item que informa sobre o nvel de escolaridade do

    grupo estudado, se ver que mesmo dentre aqueles que ocupam cargos de nvel mdio,

    que no exigem curso superior, o nmero de diplomados em Direito significativo.

  • 59

    Figura 5 - Populao Total de Servidores Segundo Escolaridade

    39%

    4% 1%

    55%

    1%

    Primrio completo 1 grau completo 2 grau completo

    Ps-graduao 3 grau completo

    Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 regio, So Paulo 2000

    Quanto ao gnero, nota-se uma leve predominncia de mulheres no total de

    servidores:

    Figura 6 - Populao total de servidores segundo gnero

    53%

    47%

    Feminino Masculino

    Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 regio, So Paulo 2000

  • 60

    4.2. Caracterizao do grupo de estudo

    Dos 50 servidores convidados, compareceram entrevista 37 pessoas. Durante a

    primeira semana reservada s entrevistas houve greve dos servidores da Justia Federal.

    Apesar de no ter havido adeso integral greve, tal fato trouxe alguns empecilhos ao

    incio das entrevistas. Algumas das faltas s entrevistas foram justificadas pelos

    servidores em razo da greve.

    No grupo de estudo, a porcentagem de mulheres (68%) maior do que na

    populao geral de servidores do rgo estudado (53%):

    Figura 7 - Grupo de Estudo S d Gnero

    68%

    32%

    Feminino Masculino

    Pode-se aventar a hiptese de as mulheres terem sido mais receptivas

    participao na pesquisa. Quanto a participao delas em cargos comissionados, tem-se

    que, entre os entrevistados, a porcentagem de mulheres em cargos comissionados de

    52%, enquanto que a de homens de 25%, ou seja, das mulheres entrevistadas, 52%

    ocupam ou j ocuparam cargos comissionados (chefia, direo ou assessoria) e dos

    homens entrevistados, 25% ocupam ou j ocuparam tais cargos. Este dado

    provavelmente no encontra correspondncia no todo da participao feminina em

  • 61

    cargos comissionados. Na Administrao Pblica Federal, os cargos comissionados so

    apenas minoritariamente ocupados por mulheres, sabendo-se que apenas 13,24% dos

    cargos mais altos hierarquicamente so ocupados por mulheres e, mesmo no cargo

    comissionado mais baixo, a participao feminina de 45,53% (ACCO e cols, 1998).

    O grau de escolaridade predominante no grupo de entrevistados o de nvel

    superior. Dos entrevistados, 90% possui nvel superior, porcentagem maior do que na

    populao geral de servidores. Dada a natureza do trabalho em gabinete