o sofrimento no trabalho entre servidores públicos: uma análise
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O SOFRIMENTO NO TRABALHO ENTRE SERVIDORES
PBLICOS: UMA ANLISE PSICOSSOCIAL DO CONTEXTO DE
TRABALHO EM UM TRIBUNAL JUDICIRIO FEDERAL
DANIELA SANCHES TAVARES
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Departamento de Sade Ambiental da Faculdade de
Sade Pblica da Universidade de So Paulo para
obteno do grau de Mestre.
rea de concentrao:
Sade Ambiental
Orientadora: Profa. Dra. ANA ISABEL B.B.
PARAGUAY
So Paulo 2003
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Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo
total ou parcial desta dissertao, por processos fotocopiadores.
Assinatura:
Data:
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RESUMO
Tavares DS. O sofrimento no trabalho entre servidores pblicos: uma anlise
psicossocial do contexto de trabalho em um Tribunal Judicirio Federal. So Paulo;
2003. [Dissertao de mestrado Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So
Paulo].
Objetivo. Descrever e analisar a representao social do sofrimento no trabalho entre um grupo de servidores de um Tribunal Judicirio Federal. Metodologia. Com base em estudo exploratrio, construiu-se o roteiro de entrevista semi-estruturada, abordando os seguintes principais tpicos: a) caracterizao profissional; b) descrio do trabalho; c) sofrimento no trabalho como o define, explica e sente; d) expectativas profissionais. Foram entrevistadas 37 pessoas, dentre as quais dirigentes e servidores de 15 setores. Resultados. A representao social do sofrimento no trabalho foi organizada em 3 agrupamentos de sentido: 1) Elementos constitutivos: injustia no ambiente de trabalho, volume cumulativo de trabalho, no reconhecimento pelo trabalho, falta de autonomia, estagnao profissional (angstia da estaca-zero), opresso por parte de superiores; 2) Elementos moderadores: critrios explcitos de concesso de gratificaes, relaes sociais positivas no ambiente de trabalho, aprendizado no trabalho, gerenciamento adequado do volume de trabalho por parte de dirigentes, estratgias de enfrentamento (distanciamento afetivo das causas dos processos, descomprometimento com o trabalho, busca de outras oportunidades dentro da instituio por meio de contatos pessoais, estudar para ingressar em carreiras jurdicas como a magistratura, investir afetiva e intelectualmente em dimenses da vida extra-trabalho); 3) Expresses do sofrimento: medo, sentimento de auto-desvalorizao, desesperana e desalento, contaminao do pensamento e do sono por contedos do trabalho, adoecimentos somato-psicolgicos. Consideraes finais. Os resultados deste estudo evidenciam que as categorias do sofrimento no trabalho mantm relao com a frustrao das necessidades humanas e das expectativas profissionais dos servidores. Foi enfatizada a importncia do conhecimento prtico para as aes de promoo de sade no trabalho. Descritores: Sade do Trabalhador. Sofrimento no trabalho. Representaes Sociais. Psicologia Social. Sade Mental e Trabalho. Sade Ocupacional. Servio Pblico.
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SUMMARY
Tavares DS. Suffering at work among public workers: a psychosocial analysis of the
labor context in a Federal Judicial Court. So Paulo; 2003. [Masters Dissertation
Public Health Faculty (Faculdade de Sade Pblica) of the Universidade de So Paulo].
Objective. To describe and analyze the social representation of suffering at work among a group of employees at a Federal Judicial court. Methodology. Based on an exploratory survey, a semi-structured interview script was drafted so as to broach the following key issues: a) professional description; b) job description; c) suffering at work how does the worker define it, explain it and feel it; d) professional expectations. A total of 37 people were interviewed, including managers and workers from 15 sectors. Results. The social representation of suffering at work was organized into 3 meaning clusters: 1) Defining features: unfairness in the workplace, cumulative workload, lack of recognition for work performed, lack of autonomy, professional stagnation (square one anguish), overbearing bosses; 2) Mitigating features: explicit criteria for awarding gratifications, positive social relations in the workplace, learning on the job, adequate workload management by bosses, coping strategies (affective distancing from the causes of the processes, lack of commitment to the work, pursuit of other opportunities within the institution through personal contacts, studying so as to embark on legal careers such becoming a judge, affective and intellectual engagement in outside-work dimensions of life); 3) Expressions of suffering: fear, low feeling of self-worth, despair and hopelessness, contamination of thoughts and sleep by work contents, psychosomatic ailments. Final comments. The results of this study show that the categories of suffering at work are related to frustration of human needs and workers professional expectations. Emphasis is given to the importance of practical knowledge for carrying out health-promotion actions in the workplace. Descriptors: Workers Health. Suffering at Work. Social Representations. Social Psychology. Psychosocial Environment. Mental Health and Work. Occupational Health. Public Service.
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NDICE
1. INTRODUO 8
1.1. Funcionalismo pblico, modos de gesto e a sade dos trabalhadores 8
1.2. Processo sade-doena e o sofrimento no trabalho 13
1.3. O conhecimento prtico do trabalho 19
1.4 A Teoria das Representaes Sociais na Psicologia Social: consideraes terico-
metodolgicas 20
1.5. A constituio do Judicirio como ambiente de trabalho e a sade de seus
servidores: anlise da literatura judiciria e da sade 24
1.6. Uma breve histria do Poder Judicirio Brasileiro 31
1.7. O Tribunal Regional Federal da 3 Regio 37
1.8. Alguns aspectos do regime jurdico dos servidores pblicos civis 40
1.9. A assistncia sade dos servidores do Poder Judicirio 41
2. OBJETIVO 43
3. METODOLOGIA 44
3.1. Delineamento do projeto de pesquisa 44
3.1.1. A etapa exploratria 47
3.2 . Composio do grupo de estudo 49
3.3. A coleta de dados 51
3.4. A anlise dos dados 52
3.5. A devolutiva de resultados para os entrevistados 56
4. RESULTADOS E DISCUSSO 57
4.1. Caracterizao da populao de servidores da Instituio 57
4.2. Caracterizao do grupo de estudo 60
4.3. Processo de trabalho nos setores: gabinetes e subsecretarias 66
4.3.1. Os gabinetes 66
4.3.2. As subsecretarias 70
4.4. A Representao Social do Sofrimento no Trabalho 70
8Elementos Constitutivos do Sofrimento no Trabalho 77
4A injustia no ambiente de trabalho 78
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4Volume cumulativo de trabalho 83
4O no reconhecimento pelo trabalho 87
4Falta de autonomia no trabalho 91
4Estagnao profissional - A angstia da estaca zero 98
4Opresso por parte dos superiores 99
8Elementos Moderadores do Sofrimento no Trabalho 102
4Critrios explcitos para concesso de gratificaes e comisses 103
4Relaes sociais positivas no trabalho 105
4Aprendizado no trabalho 108
4Gerenciamento adequado do volume de trabalho por parte do desembargador e/ou dirigente 110 4Estratgias de enfrentamento 112
4Distanciamento afetivo das causas dos processos 113
4Desinvestimento no trabalho/ Descomprometimento 114
4Busca de outras oportunidades dentro da Tribunal -
"articular", "circular", "ser poltico" 116
4Estudar para prestar concursos para carreiras jurdicas
(Magistratura, Promotoria, Procuradoria) 117
4Investir afetiva e intelectualmente em atividades extra-trabalho 118
8Expresses do Sofrimento do Trabalho 119
4Medo 119
4Sentimentos de auto-desvalorizao 120
4Desesperana, desalento, sentimentos negativos 121
4Contaminao do pensamento/sono por contedos do trabalho 122
4Adoecimentos somato-psicolgicos 122
4.5. Consolidao dos resultados 123
4.6. A Representao Social do Sofrimento no Trabalho luz das Necessidades
Humanas e das expectativas profissionais 124
4.7. O conhecimento do senso comum como um sistema de pensamento formador de
significados em Sade do Trabalhador 130
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5. CONSIDERAES FINAIS 136
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 138
FIGURAS
Figura 1 Organizao do Poder Judicirio Brasileiro 35
Figura 2 Organograma do TRF 3 Regio 39
Figura 3 Nmero de servidores admitidos em cada ano de existncia do TRF 3
Regio 57
Figura 4 Populao total de servidores segundo tempo de servio 58
Figura 5 Populao total de servidores segundo escolaridade 59
Figura 6 - Populao total de servidores segundo gnero 59
Figura 7 Grupo de estudo segundo gnero 60
Figura 8 Grupo de estudo segundo escolaridade 61
Figura 9 - Presena de curso superior em tcnicos e analistas 62
Figura 10 Grupo de estudo segundo cargo de concurso 62
Figura 11 Grupo de estudo segundo tempo de trabalho 63
Figura 12 - Grupo de estudo segundo setor de trabalho 63
Figura 13 Grupo de estudo segundo cargo por nomeao 64
Figura 14 Grupo de estudo segundo funo gratificada 64
Figura 15 - Ocupaes anteriores citadas pelos entrevistados 65
Figura 16 -Esquema sinttico da Representao Social do Sofrimento noTrabalho 76
ANEXOS Anexo 1 - Roteiro da entrevista individual da etapa exploratria A1
Anexo 2 - Termo de consentimento referente observao no local de trabalho A2
Anexo 3 - Mapa de associao Sofrimento no Trabalho - Etapa exploratria A3
Anexo 4 - Dados de caracterizao dos setores de estudo coletados na visita inicialA4
Anexo 5 - Roteiro da entrevista individual A5
Anexo 6 - Termo de consentimento referente entrevista A6
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1. INTRODUO
1.1. Funcionalismo Pblico, modos de gesto e a sade dos trabalhadores
Ao definir e delimitar o termo Funcionrio Pblico, dificuldades so encontradas.
Podendo englobar grande variedade de categorias profissionais e formas diversas de
afiliao e vnculo empregatcio, tal termo teve seu uso formal substitudo por servidor
pblico civil, a partir da Constituio de 1988 e, depois, simplesmente por servidor
pblico, pela Emenda Constitucional n19, de 1998. No entanto, ambos os termos
continuam a ser utilizados paralelamente a outros ainda e nem sempre se faz clara a
diferena entre eles. Do concursado ao prestador de servio ao Estado, passando pelo
ocupante de cargo de confiana, todos podem ser considerados indiferenciadamente
funcionrios pblicos ou no, a depender do critrio utilizado (DALLARI, 1989;
FRANA, 1993).
Enquanto categoria, a indefinio tambm existe (FRANA, 1993), podendo ser
atribuda a definio de funcionrio ou servidor pblico ao juiz, ao escriturrio de frum,
ao Ministro, ao auxiliar tcnico administrativo de um Ministrio ou Secretaria. Desta
forma, dentre outras questes, FRANA (1993) nos fala do equvoco de considerar os
funcionrios pblicos como um grupo homogneo pertencente determinada classe
social, comumente classe mdia, estando, na verdade, tambm o Estado formado por
diferentes classes sociais, representadas diferenciadamente no interior deste.
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Neste estudo, ser considerada a conceituao apresentada por DALLARI
(1989), segundo a qual, o termo mais amplo seria agente pblico, que todo aquele que
exerce uma funo de natureza pblica, mediante investidura legal. Complementa o
autor que agentes pblicos so todas as pessoas legalmente autorizadas a agir em nome
do Poder Pblico, nas mais diversas situaes e exercendo as mais diversas atribuies
(DALLARI, 1989, p. 15). O grupo dos agentes pblicos comportaria: a) o agente
poltico (os que exercem mandatos eletivos ou que participam das decises mais
importantes e fundamentais do governo - como senadores, vereadores, presidente da
Repblica, secretrios, ministros do Estado, secretrios de Estado entre outros); b) os
particulares que colaboram com o servio pblico (aqueles que, sem fazer parte das
estruturas do governo, exercem funes de natureza pblica - como empreiteiras ou
empresas particulares, concessionrias de transporte coletivo); c) os servidores pblicos
(quem trabalha para a administrao pblica em carter profissional, no eventual, sob
vnculo de subordinao e dependncia, recebendo remunerao paga diretamente
pelos cofres pblicos) (DALLARI, 1989, p. 15, 16 e 17). Ainda dentro deste ltimo
grupo, o dos servidores pblicos, o autor diferencia aqueles que so concursados e
efetivos, dos contratados sem concurso em carter emergencial. Segundo o autor, apenas
os primeiros deveriam ser chamados de funcionrios pblicos, enquanto os segundos
seriam servidores temporrios.
Dentro desta perspectiva, onde estariam os diferentes atores sociais do Poder
Judicirio? A resposta restringe-se aos magistrados; aos servidores de nvel mdio e
superior no-magistrados; e aos servidores que ocupam cargos de confiana; sendo todos
eles do mbito federal. Os magistrados so concursados, no dependem dos resultados
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das eleies para a manuteno de seus cargos e no so temporrios. Portanto, podem
ser considerados servidores pblicos. No entanto, a ascenso para nveis mais altos de
suas carreiras depende de nomeao do Presidente da Repblica (ver artigos 101, 104,
107, 111, 119 e123, do captulo III da Constituio Federal) e, alm disso, os
magistrados detm ainda a prerrogativa de nomear e exonerar pessoas para cargos de
confiana, por seus prprios critrios. Ento, sero considerados como servidores
pblicos que gozam de especialssimas condies e respondem por diferenciadas
responsabilidades. Aqueles que ocupam cargos de confiana e no so concursados, tem
seu vnculo de emprego vinculado pessoa do juiz e no administrao pblica. Ainda
que haja dependncia de outros para a manuteno de seus cargos, no dependem de
eleies, ento tambm so considerados servidores pblicos. J aqueles que so
concursados so mais facilmente categorizados como servidores pblicos. Os dois
ltimos tm sua relao de trabalho regulamentada pela lei n 8112, de institui o Regime
Jurdico nico dos Servidores Pblicos Civis da Unio, das autarquias e das fundaes
pblicas federais.
Ressalta-se ainda que o tema do funcionalismo pblico aparece em vrias
discusses, no entanto, sem o tratamento adequado e cuidadoso que mereceriam os
elementos por ele envolvidos (FRANA, 1993).
Desde a dcada de 80, com o avano da crise fiscal do Estado (ALONSO, 1999)
e a preocupao de cortar gastos, o funcionalismo pblico vem ocupando papel de
destaque entre as causas das crises do Estado no discurso neoliberal, como destaca
FRANA (1994). Nesta direo, so precipitadamente justificadas as aes de
enxugamento do quadro de pessoal no servio pblico.
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No imaginrio social, os funcionrios pblicos, as vezes, aparecem ligados a
qualificativos pouco dignos de parasitismo, acomodao, oportunismo e ineficincia, tal
como mostram VENEU (1990) e FRANA (1993). A idia de que se oneram as contas
pblicas com um nmero excessivo de servidores tambm marcante, sobretudo com
contratos temporrios sem concurso (DALLARI, 1989).
Por outro lado, DURAND e BELTRO (1994), tendo verificado que pouco se
sabe a respeito da composio nacional desta categoria, mesmo em nmero absoluto
total, apontam ser mais adequado situar este aspecto do problema da administrao dos
servios pblicos na m alocao de funcionrios do que num suposto excesso de
funcionrios. Para os autores, a deficincia em dados censitrios do funcionrio pblico
mantm relao com interesses na ocultao de problemas, contradies e desequilbrios
na gesto pblica. Para estes autores, parece evoluir paralelamente o desmantelamento
de setores da administrao pblica, os quais envolvem um grande contingente de
funcionrios, admitidos por concurso, ligados a atividades-fins e mal-pagos, e a
utilizao de contrataes por meios de recrutamento e seleo mais flexveis, maiores
ganhos e mais sujeitas a arbitrariedades (DURAND e BELTRO, 1994). Este e outros
aspectos decorrem do modo de gesto de rgos pblicos.
Por modo de gesto adota-se a definio de CHANLAT (1996): conjunto de
prticas administrativas colocadas em execuo pela direo de uma empresa para
atingir os objetivos que ela tenha se fixado, compreendendo a organizao do trabalho, a
natureza das relaes hierrquicas, o tipo de estrutura organizacional, o sistema de
avaliao e controle dos resultados, as polticas de gesto de pessoal e os objetivos,
valores e filosofia da gesto.
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Para CHANLAT (1996), o servio pblico, sobretudo aquele relacionado aos
servios sociais, sade e educao, poderiam ser classificados no modo de gesto
tecnoburocrtico, no qual se encontra: forte hierarquia, diviso do trabalho parcelada,
presena de normas e padres formais, grande importncia atribuda aos especialistas,
controles sofisticados, canais de comunicao entre os diferentes nveis hierrquicos
inexistentes ou precrios, centralizao do poder, fraca autonomia para os cargos
hierarquicamente inferiores, limitao na expresso. A ao humana neste tipo de
organizao bastante limitada pelas normas existentes, ficando o trabalhador impedido,
muitas vezes de responder s demandas ou situaes inesperadas, que no foram
previstas na concepo. CHANLAT (1996) sintetiza esta questo na seguinte idia:
fazer bem o que se tem que fazer ainda que impedido de faz-lo.
Algumas questes j foram levantadas a respeito das formas de repercusso do
trabalho nas instituies pblicas na sade de seus agentes. A rigidez normativa, as
presses e a desvalorizao do funcionrio pblico podem formar um conjunto
propiciador de problemas de sade nos funcionrios, tais como problemas
cardiovasculares, fadiga crnica, insnia e lceras (CHANLAT, 1996).
A seguir explicita-se qual a concepo de sade que ponto de partida deste
estudo, bem como o referencial terico que o suporta.
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1.2. Processo sade-doena e o sofrimento no trabalho
Como alicerce terico sobre o processo sade-doena, utiliza-se elementos da
concepo do processo sade-doena da Medicina Social, representada por LAURELL e
NORIEGA (1989); elementos da discusso sobre o conceito de sade promovida por
DEJOURS (1986) e a concepo de sade e de sofrimento de SAWAIA (1994 a,b,c).
O homem um ser histrico-social, que constri, transforma a sociedade em que
vive e moldado por ela, num movimento dinmico e indivisvel. Assim, nosso objeto
de estudo antes a inter-relao entre ambos do que a influncia de um sobre o outro.
Isto implica em recusar a dissociao entre indivduo e sociedade na explicao de
fenmenos ocorridos na vida das pessoas.
A sade um dos produtos deste movimento dinmico e indivisvel homem-
realidade exterior. O homem, enquanto unidade biopsicossocial, responde globalmente
aos acontecimentos em sua vida. Estes acontecimentos so dependentes,
fundamentalmente, do modo de vida numa determinada poca, sociedade, grupo e
comunidade. Os modos de vida so determinados socialmente e o homem vai se
adaptando plasticamente por meio de mudanas nos processos biolgicos e psquicos.
Na concepo de LAURELL e NORIEGA (1989), no se trata de uma adaptao na
concepo fisiolgica, em que o organismo retorna ao estado normal aps adaptar-se,
mas trata-se de uma adaptao para permitir a sobrevivncia, com conseqncias muitas
vezes inespecficas, insidiosas e imensurveis na totalidade que representa o homem.
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Tal processo de adaptao, segundo LAURELL e NORIEGA (1989), converte-se
em padres de desgaste determinados pelas condies de vida do grupo social de
pertena, no negando, entretanto, a possibilidade de respostas adaptativas atpicas,
sobretudo no mbito psquico, em que a diversidade constitutiva anterior.
Neste momento, retoma-se a discusso promovida por DEJOURS (1986) sobre o
conceito de sade, segundo o qual um conceito nico e esttico para o que seja a sade,
tal como o adotado pela Organizao Mundial da Sade1 no encontra correspondncia
na realidade, constituindo-se mais como um objetivo a ser buscado do que a um estado
real. Com isso, destaca o autor a dinamicidade da sade enquanto processo e no estado
fixo, idia segundo a qual a sade de uma pessoa se forma e se transforma
continuamente, num processo dinmico de interao circunstancial entre aspectos
biolgicos, psquicos, sociais e culturais.
Salienta-se a seguir algumas premissas a respeito da dimenso psicossocial do
processo sade-doena, tal como apresentadas na Psicologia Social por SAWAIA (1994
a,b,c) e adotadas neste estudo.
SAWAIA (1994c) salienta a caracterstica de mediao de aspectos psicossociais
em contraposio a vises reducionistas sobre uma relao causal entre o organismo e
fatores externos ao mesmo (seja numa doena infecciosa, seja no adoecimento mental).
O homem um animal simblico que reage frente aos significados que ele
prprio constri historicamente, e no s coisas em si. Estes smbolos mudam o
1 Sade o estado de completo bem-estar, fsico, mental e social, e no somente a ausncia de doena ou enfermidade (Hogarth, 1975).
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ambiente, a natureza, a sociedade e inscrevem-se no biolgico (SAWAIA, 1994c, p.
106).
Os significados atribudos em decorrncia de valores culturais, familiares,
pessoais cumprem papel de mediadores, pois atuam na determinao das necessidades,
desejos, expectativas das pessoas e, portanto, na determinao do que sade e das
prticas desenvolvidas pelas pessoas no seu cotidiano com vista promoo dela, a
sade. A sade estaria condicionada necessidade humana de transformar
continuamente o mundo sua volta, imprimindo-lhe significados particulares,
construdos social e individualmente.
Nesta concepo, a sade uma questo eminentemente scio-histrica e,
portanto, tica, pois um processo da ordem da convivncia social e da vivncia pessoal
(SAWAIA, 1994 b, p. 157), deixando de ser no doena ou estado de pleno bem-estar,
para tornar-se possibilidade objetiva e subjetiva de estar sempre buscando este estado, e
o direito sade se revela como direito de ter essa possibilidade SAWAIA (1994c, p.
109 e 110).
Este direito pressupe as diferenas entre grupos e indivduos, que determinam a
sade e o bem-estar procurados por grupos ou indivduos.
Sade a possibilidade de ter esperana e potencializar esta esperana em ao.
Promover a sade equivale a lutar contra todas as formas histricas de violncia do
corpo e da alma, geradoras de servido e heteronomia. (SAWAIA, 1994b, P. 157).
O trabalho, enquanto necessidade humana, aparece como um dos elementos
mediadores desta relao entre homem e sociedade, por meio do qual este homem realiza
aes sociais, regulando-as de acordo com possibilidades e necessidades percebidas nele
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prprio e em seu ambiente, ou impedido de tal feito, em decorrncia de uma
organizao do trabalho rgida e hetero-determinada.
MORIN (2001) constata que a organizao do trabalho deve oferecer aos
trabalhadores a possibilidade de realizar algo que tenha sentido, de praticar e de
desenvolver suas competncias, de exercer seus julgamentos e seu livre-arbtrio, de
conhecer a evoluo de seus desempenhos e de se ajustar.
Sobre este ltimo aspecto, o ajustamento, preciso lembrar que o trabalhador
precisa no s ajustar-se, mas tambm ajustar a tarefa e as condies de realizao da
mesma s suas necessidades, seus desejos, suas capacidades e seu modo de ser (SATO,
1991).
Toma-se por tica algo que se define no interior das relaes sociais
historicamente dadas (HELLER, 1972). Isto significa dizer que algum ou algo s
tico em relao ao outro, em relao sociedade e que, esta, sendo transformada
continuamente, transforma tambm os parmetros do que ser tico. Tendo como centro
a esfera das cincias, no se pensa tica enquanto elemento externo a ser introduzido na
pesquisa, mas se considera que a tica se apresenta na prpria concepo do sujeito de
estudo, o homem, enquanto ser de relao, portador de uma histria, de vontades,
desejos, necessidades, os quais devem ser respeitados. A tica est presente na
intencionalidade da construo terica.
A atividade cientfica no neutra, mas sim determinada por injunes histrico-
sociais e inevitavelmente permeada por sistemas de crenas e valores socialmente
partilhados em seus pressupostos, escolhas de objetos e temas, no s atribuveis ao
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pesquisador e sua histria individual, mas poca histrica em que se situa a pesquisa e
o pesquisador (SOUSA SANTOS, 2001).
Mesmo acordado de que a intencionalidade que deve suportar toda construo
terica das cincias humanas a emancipao do homem das condies objetivas que o
subjugam e a felicidade do homem, sabe-se que no consenso a forma pela qual esta
emancipao pode se dar (CARONE, 1994)
Adota-se a posio de HELLER (1998), segundo a qual a emancipao do
homem s pode se dar de maneira gradual, sendo seu espao vital o cotidiano. O
cotidiano o espao privilegiado das possibilidades de cada homem, porque nele a
subjetividade se faz marcadamente presente.
A vida cotidiana a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida
cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela,
colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades
intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixes, idias,
ideologias (HELLER, 1972, p.17)
na vivncia cotidiana que o homem se apropria dos instrumentos, da linguagem
e dos costumes que sero indispensveis a sua sobrevivncia e adaptao a determinado
grupo, comunidade ou sociedade. tambm no cotidiano que apreende a razo prtica, a
partir da observao e conhecimento das regras e normas do meio em que o homem se
insere (CARONE, 1994). A condio para a emancipao se encontra na possibilidade e
na capacidade de o homem articular a razo prtica e a razo terica na construo ativa
de seu espao vital, experimentando, modificando, adaptando a partir de suas
necessidades, aspiraes, desejos, iluses.
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Para HELLER (1998), a satisfao das necessidades de auto-determinao no
significa liberdade absoluta e autonomia completa e nem que o homem esteja livre das
determinaes do contexto em que se insere, mas sim que ele deve poder atuar nesse
contexto a partir do reconhecimento de suas necessidades, aspiraes, desejos e iluses.
Para tal, utiliza a expresso enfrentar o contexto.
Segundo HELLER (1972), quando as formas da vida cotidiana se cristalizam,
no deixando ao indivduo a necessria liberdade de movimento, o indivduo fragmenta-
se em seus papis, perdendo sua unidade enquanto ser humano.
Parece ser a partir disso que SAWAIA define o sofrimento enquanto objeto de
estudo da psicologia social da seguinte forma: a fixao do modo rgido de estado fsico
e mental que diminui a potncia de agir em prol do bem comum, mesmo que motivado
por necessidades do eu, gerando, por efeito perverso, aes contra as necessidades
coletivas e, conseqentemente, individuais (SAWAIA, 1994a, p.50).
Adotar o sofrimento enquanto elemento central deste estudo, significa reportar-se
esfera da vivncia pessoal como fonte do conhecimento sobre o processo sade-doena
(OLIVEIRA, 2000), possibilitando situar a pessoa no centro de produo do
conhecimento. Alm disso, tambm privilegia o aspecto dinmico dos mecanismos de
adaptao e resistncia elaborados e aplicados no cotidiano como forma de preservar a
sade e a integridade psicolgica e social. Assim, no a doena, mas aquilo que o
homem identifica como fonte de sofrimento no cotidiano de trabalho o foco do estudo.
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1.3. O conhecimento prtico do trabalho
Diferenciando o conhecimento da estrutura, normas e regras formais daquele
conhecimento construdo no cotidiano, baseado na vivncia das situaes reais (SPINK,
1996; CHANLAT, 1996), ressalta-se que interessa aqui este conhecimento formado no
encontro entre as condies objetivas de trabalho, as regras institucionais, as tarefas
reais e os diferentes atores sociais.
Ao se conceber a sade, no sentido geral, como resultado do exerccio da
cidadania, pelo qual se pode viver exercendo direitos, deveres e responsabilidades em
todos os espaos da vida social, inclusive no trabalho, no que diz respeito produo de
saberes sobre o trabalho, torna-se essencial a reabilitao do conhecimento do
trabalhador enquanto conhecimento vlido na identificao dos problemas do ambiente
de trabalho, tanto no mbito da qualidade do trabalho quanto da sade dos trabalhadores.
No cotidiano que se constri um corpo de conhecimentos a respeito dessa
realidade compartilhada de trabalho, que permitir um norte nas aes do dia-a-dia, com
fins de cumprir as atribuies, contornar as dificuldades, bem como buscar o equilbrio
no dispndio de energia e esforos, entendidos aqui no somente pelo aspecto fsico,
mas tambm mental.
Este conhecimento regido por uma lgica prpria, podendo encontrar pontos
de tangncia e de distanciamento com a lgica e os achados do conhecimento cientfico
e utiliza-se de mtodos prprios vivncia, observao e troca de informaes (SATO,
1995, p.56).
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SATO (1991), em dissertao de mestrado sobre o significado do conceito
trabalho penoso para motoristas de nibus urbano, prope a busca do conhecimento
prtico do trabalhador enfocando as representaes sociais. Afirma a mesma autora que
a teoria das representaes sociais fornece elementos para refletir sobre a
funcionalidade, a dinmica e a estrutura do conhecimento prtico, o qual engloba a
viso do trabalhador sobre a realidade do seu trabalho (SATO, 1991).
As prticas de trabalho no prescritas, que freqentemente viabilizam a
consecuo do trabalho em condies no previstas ou incidentais ou que ainda alteram
procedimentos (DANIELLOU e cols, 1989), so expresso da subjetividade dos
trabalhadores.
Uma leitura que leve em conta a subjetividade dos trabalhadores imprescindvel
para compreender as prticas de trabalho, pois a primeira parte integrante da segunda.
Sobretudo quando se pretende alcanar uma melhor compreenso da relao entre o
trabalho e a sade dos que o realizam.
1.4. A Teoria das Representaes Sociais na Psicologia Social: consideraes
terico-metodolgicas
Com a noo de Representao Social, introduzida por MOSCOVICI, em 1961,
o mesmo pretendeu redefinir os problemas e conceitos da psicologia social
(MOSCOVICI, 1978), numa perspectiva integradora da estrutura social e do sujeito na
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21
construo da realidade, superando as concepes individualizantes da psicologia social
da Amrica do Norte e Gr-Bretanha (FARR, 2000). Considerado como predecessor da
noo de representao social, o conceito durkheimiano de representao coletiva trouxe
uma contribuio da sociologia construo de uma forma sociolgica de psicologia
social (FARR, 1994).
Alm disso, visou resgatar o conhecimento do senso comum, enquanto sistema
de pensamento e conhecimento racional (MOSCOVICI e MARKOV, 1998)
A teoria das representaes sociais tornou-se um campo frtil de pesquisa
emprica e passou a ser um ponto de partida para diferentes enfoques tericos e
metodolgicos.
Aqui est se adotando a perspectiva da psicologia social, representada por
Jodelet, cujo conceito de Representao Social :
As representaes sociais constituem modalidades de pensamento prtico
orientados para a comunicao, a compreenso e o domnio do contexto social,
material e de idias. Assim, apresentam caractersticas especficas de organizao de
contedos, de operaes mentais e de lgica (JODELET, 1984, p. 472).
A determinao social do conhecimento do indivduo d-se, atravs do contexto
concreto em que se situam os indivduos e os grupos, atravs da comunicao que se
estabelece entre eles, atravs dos marcos de apreenso que proporciona sua bagagem
cultural, atravs dos cdigos, valores e ideologias relacionados s posies e afiliaes
sociais especficas (JODELET, 1984, p. 473).
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22
A medida em que as representaes esto ligadas comunicao, pragmtica e,
portanto ao, as prticas sociais devem ser elemento imprescindvel na discusso
sobre a natureza e a constituio das Representaes Sociais (ROUQUETTE, 1998).
A inter-relao entre o homem e a sociedade na determinao da realidade j foi
assumida como pressuposto. Retoma-se neste momento esta inter-relao, por meio da
discusso sobre a natureza da influncia que as representaes exercem sobre as prticas
sociais e vice-versa. ROUQUETTE (1998) identifica influncias de naturezas diferentes
entre as representaes e as prticas, ou seja, embora haja uma inter-relao, no h
reciprocidade. Uma forma mais apurada de descrever tal relao poderia tomar as
representaes como uma condio das prticas, e as prticas como um agente de
transformao das representaes (ROUQUETTE, 1998). A influncias das prticas
sobre as representaes constitui uma determinao objetiva, enquanto que a influncias
das representaes sobre as prticas seriam uma coero varivel e no determinao
propriamente dita (ROUQUETTE, 1998).
A representao que um grupo social tem sobre o sofrimento no trabalho pode
trazer valiosos elementos para a identificao de aspectos do trabalho relacionados ao
adoecimento e agravos sade destes, mas tambm, para a compreenso de
comportamentos e expectativas em relao ao contexto de trabalho vivenciado, no
numa lgica de causalidade, mas de compreenso de relaes existentes.
Os fenmenos de representao social esto presentes nas inmeras situaes de
interao social, so complexos e no podem ser apreendidos na sua totalidade. A
construo do objeto de pesquisa em representaes sociais parte da constatao da
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23
existncia e relevncia de tal fenmeno em determinado meio social, em direo sua
elaborao e transformao em objeto de pesquisa, no universo reificado da cincia. A
construo do objeto de pesquisa sempre uma simplificao, em que um processo
complexo, abrangente e, a princpio, indivisvel, passa a ser visto sob critrios de
delimitao e seleo de determinados aspectos. Estes critrios so baseados em
questes prticas de viabilidade e na perspectiva terica adotada (S, 1998). Assim, o
sofrimento no trabalho constitui-se em um objeto da presente pesquisa, na medida em
que se verificou a sua existncia e relevncia no universo consensual do grupo social em
questo (ver item referente etapa exploratria no captulo Metodologia), sua
pertinncia em relao ao referencial terico adotado e adequao ao problema de
estudo.
Em relao sua scio-gnese, o sofrimento no trabalho, enquanto objeto de
representao entre funcionrios pblicos do setor judicirio, poderia ser classificado no
campo de eventos especficos (WAGNER, 1998), os quais so sempre o produto de um
processo explcito da avaliao social de pessoas, grupos sobre um objeto comum de
relevncia prtica e funcional para o grupo (WAGNER, 1998). Tais representaes tm
uma histria limitada no tempo e sua validade diz respeito populao estudada. Um
aspecto importante na formao desse tipo de representao social (de um evento
especfico, com um recorte limitado temporal e espacialmente) o papel da
confrontao de posies dos diferentes atores sociais, da troca de experincias, na
conversao diria, processos estes que originam um discurso coletivo sobre o objeto em
questo. O que faz com que se mobilizem tais recursos para a formao da representao
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24
social a necessidade prtica (WAGNER, 1998; SATO, 1993), que, no caso, conhecer
os diferentes espaos institucionais e caracteriz-los do ponto de vista das condies
melhores ou piores de trabalho, parmetros coletivos de bem-estar, bem como buscar
melhor ajuste entre o trabalho tal como se apresenta e as necessidades e caractersticas
de quem o executa por meio de aes adaptativas (SATO, 1993), identificar situaes
problemticas e formas de manej-las (SATO, 2002).
A anlise e a compreenso das representaes sociais de um determinado
objeto se fazem a partir de categorias emergentes da teoria do senso comum e no
moldando seu contedo por meio de teorias do conhecimento cientfico ou outro tipo de
conhecimento externo ao contexto que a forma (SATO, 1992).
1.5. A constituio do Judicirio como ambiente de trabalho e a sade de
seus servidores: anlise da literatura judiciria e da sade
O Poder Judicirio tm sido alvo de anlises e crticas devido incapacidade que
tem demonstrado em atender s crescentes demandas sociais Justia (BRITO, 1995). A
falta de efetividade na distribuio de justia tem provocado reaes da mdia, dos
movimentos populares e da populao em geral (SADEK e ARANTES, 1994) e se
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constitui no principal aspecto do que se convencionou denominar Crise da Justia ou
Crise do Judicirio2 (SADEK, 1995).
SADEK e ARANTES (1994) demonstraram a defasagem entre processos que
entram e processos que so julgados, o que significa conseqente acmulo de processos:
tomando-se como base todo o Brasil, o nmero de processos julgados na primeira
instncia em 1990 correspondeu a 57,8% dos processos que entraram neste mesmo ano,
tambm na primeira instncia.
Relaciona-se a ineficincia da Justia sua estagnao e incapacidade de mudar.
Assim, o apego ao passado e a resistncia mudana seriam alguns dos principais
motivos do descompasso entre o Poder Judicirio e as necessidades e exigncias da
sociedade contempornea (DALLARI, 1996, p. 7).
Frente a tal panorama, como seriam as condies de trabalho experimentadas
pelos integrantes de instituies do Poder Judicirio? E ainda, quais seriam as
repercusses sade das pessoas que trabalham nestas instituies? Ressalta-se que esta
tem sido uma preocupao dos profissionais dos servios mdicos de diferentes
instituies do Poder Judicirio.
2 SADEK e ARANTES (1994), ao mapearem a Crise do Judicirio, identificam trs reas
de problemas, que so: a crise institucional, a crise estrutural e a crise relativa aos procedimentos. A crise institucional diz respeito ao papel do Poder Judicirio frente aos outros poderes, sua independncia e autonomia. A crise estrutural se refere estrutura de organizao e atribuies das instituies formadoras do Poder Judicirio. A crise de procedimentos aponta para aspectos da lei processual.
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26
Para se identificar e fundamentar a relevncia destas questes, foram feitos
levantamentos bibliogrficos focados em temas relacionados s condies de trabalho
em rgos do Poder Judicirio e sade dos servidores pblicos do Poder Judicirio3.
Alguns breves relatos a respeito da natureza do trabalho e das suas condies de
realizao foram encontrados na literatura jurdica que trata da Crise do Judicirio.
Contrariamente s idias de cio e acomodao, as vezes relacionadas ao funcionalismo
pblico e que tambm foram encontradas em estudo sobre as representaes existentes
acerca do funcionrio pblico (VENEU, 1990), os rgos do Poder Judicirio
caracterizam-se pela grande carga de trabalho, considerada incompatvel com o quadro
de funcionrios, com as condies de trabalho e com a lgica processual vigente, o que
resulta na lentido e prejuzo na prestao dos servios comunidade (SADEK e
ARANTES, 1994; ARAGO, 1997; BRITO, 1995 e DALLARI, 1996).
Ao analisar os principais problemas relacionados organizao e ao
funcionamento dos tribunais, DALLARI (1996) discute alguns aspectos das condies
de trabalho dos juzes e dos servidores, apontando para a existncia de precrias
condies materiais, de equipamentos e de espao fsico, em que se realizam as
atividades de trabalho.
Em estudo exploratrio a respeito dos fatores relacionados lentido da atuao
da Justia do Trabalho do Esprito Santo, ARAGO (1997), aps entrevistar 30 pessoas,
entre servidores, juzes, procuradores, advogados, representantes sindicais de
3 No campo judicirio foram feitas buscas nas bases de dados da Rede Virtual de Bibliotecas do Congresso Nacional, da Biblioteca do TRF 3 Regio e da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.
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trabalhadores e prepostos de empresas, identificou, entre outros fatores, ausncia de uma
poltica de recursos humanos para juzes e servidores, carreira restrita e conseqente
desmotivao dos servidores, ausncia de rodzios de funo, excessiva centralizao
administrativa por parte dos juzes, ausncia de mecanismos reguladores do poder dos
juzes, instalaes fsicas precrias e insuficincia de recursos materiais, fluxo deficiente
de informaes, incompatibilidade entre o nmero de servidores necessrios e o volume
de servio nos rgos (ARAGO, 1997).
Na literatura judiciria pesquisada destaca-se a predominncia de estudos que
tomam como base pareceres de estudiosos do setor judicirio, juzes e desembargadores.
Foi encontrado apenas um trabalho, que o de ARAGO, (1997), o qual foi comentado
acima, que buscou a opinio de servidores como fonte de informaes.
Quanto s repercusses sade dos funcionrios, fatores semelhantes aos
levantados na literatura judiciria como problemticos do ponto de vista da eficincia
foram descritos como causa de sofrimento pelos trabalhadores, por um estudo
exploratrio desenvolvido pelo Centro de Referncia em Sade do Trabalhador do
Estado de So Paulo - CEREST/SP, cujo objetivo foi avaliar as condies de trabalho
em vara pertencente a uma Seo Judiciria da Justia Federal (CORDEIRO, GARBIN e
cols, 2000). Foram relatados: sobrecarga de trabalho, impossibilidade de planejamento
de carreira, existncia de comisses e promoes a cargos de confiana cujos critrios
no eram explcitos aos funcionrios, presena marcante de desvios de funo e poder
excessivamente centralizado na figura do juiz. Tais caractersticas foram citadas como
dificuldades na realizao do trabalho, fonte de desgaste, e motivo de frustraes e
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aborrecimentos para estas pessoas, que ingressam no Poder Judicirio com expectativas
de desenvolvimento profissional em sua rea de conhecimento, j que grande parte deles
bacharel em Direito ou estudante da rea. Alm disso, tais problemas foram descritos
como imutveis pelos funcionrios da instituio (GARBIN e TAVARES, 2000). Este
estudo deu-se em razo de uma demanda de tcnicos de sade de uma Seo Judiciria
da Justia Federal ao CEREST/SP.
Embora os estudos acima citados se refiram a rgos diferentes pertencentes ao
Poder Judicirio e tenham tido objetivos e abordagens diversas (ARAGO, 1997,
Justia do Trabalho do Esprito Santo; GARBIN e TAVARES, 2000 e CORDEIRO,
GARBIN e cols, 2000, Justia Federal Seo Judiciria), apresentam descries
comuns quanto aos problemas referentes organizao do trabalho e s polticas
organizacionais.
Tais descries coincidem com dados colhidos em sondagem preliminar baseada
em entrevistas com tcnicos da Diviso Mdica, da Secretaria de Recursos Humanos, da
Assessoria de Comunicao Social, do Escritrio de Qualidade e da Escola de
Magistrados da Justia Federal de So Paulo (PARAGUAY e TAVARES, 2000). Esta
sondagem ocorreu como forma de contato preliminar na instituio onde se daria o
estudo posteriormente, com o objetivo de verificar, junto a estes tcnicos, quais eram as
questes relevantes de sade do trabalho, no contexto do Tribunal. Os resultados da
sondagem apontaram que os tcnicos percebiam uma relao entre as questes de Sade
Mental e Trabalho e a forma como se estabelecem as relaes entre funcionrios e
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29
chefias, destacando-se o autoritarismo, a cobrana, conflitos, o poder excessivamente
centralizado em magistrados, chefes e diretores.
Posteriormente a esta sondagem, foi desenvolvida uma etapa exploratria na
instituio onde se deu o estudo que motivo desta dissertao, com os objetivos de
conhecer o trabalho e sua organizao dentro da instituio, expresses lingsticas
prprias, e, principalmente, identificar se o sofrimento no trabalho seria um objeto de
representao do grupo a ser estudado, tal como recomenda S (1998). Tambm se teve
por finalidade identificar possveis categorias empricas da representao social do
sofrimento no trabalho. A etapa exploratria cumpriu um segundo papel de aproximao
da questo de estudo com o campo de estudo. A primeira foi a sondagem preliminar com
os tcnicos de vrias reas da Instituio, como j dito. Na etapa exploratria a
aproximao se deu com o grupo de estudo diretamente. S (1998) nos fala do estudo
exploratrio nos projetos de pesquisa em Representaes Sociais como um momento em
que as perguntas que o pesquisador se fez inicialmente possam ser feitas tambm aos
sujeitos da pesquisa (S, 1998). Algumas expresses utilizadas pelos entrevistados
foram consideradas como indicativas da idia de sofrimento no trabalho para o grupo
estudado:
fiquei to fragilizada .... tem muito a ver com esse ambiente que a gente
trabalha;
... aqui barra, em termos emocionais, muito pesado.
Voc tem que ter uma estrutura emocional muito forte pra agentar tudo;
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30
... l (um dos setores da instituio no qual a pessoa j trabalhou) gerava o medo,
a represso...;
... voc vai se desiludindo... s que se voc continuar nessa ... de desiluso, voc
vai se matar;
Ento, como se fosse uma mente cauterizada;
... voc vai perder a tua estrutura de vida;
Ou voc se desliga ou voc vai viver eternamente estressado;
... ento vai afetando psicologicamente a pessoa, ela vai ... se sentindo
impotente...;
... as vezes eu perco o sono quando eu pego um processo difcil... eu fico
nervosa, eu no durmo a noite, comea a me dar dor de estmago...;
... quando eu vim pra c, eu fiquei quase louca ... quase que alis eu me
exonero....
Ento com essa presso que eu sinto, eu fico doente ...
A etapa exploratria tambm permitiu levantar as seguintes categorias
provisrias da representao social do sofrimento no trabalho: injustia, volume
excessivo de trabalho e presso no trabalho, tal como sintetizado no mapa de
associaes, no anexo 3.
No Tribunal Regional Federal da 3 Regio (TRF-3 Regio), uma pesquisa sobre
a associao entre as condies de trabalho e o envelhecimento dos funcionrios,
confirmou a predominncia de sobrecarga cognitiva, inadequao de mobilirios e
equipamentos, alm de exposio contnua a alrgenos (devido grande quantidade de
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papis armazenados em estantes sem isolamento), dados obtidos a partir da avaliao da
pesquisadora (BELLUSCI, 1998). Quanto sade dos funcionrios, os dados
evidenciaram significativos ndices de distrbios msculo-esquelticos e psicolgicos
entre servidores pblicos judicirios. Os distrbios msculo-esquelticos apresentaram
uma prevalncia de 24,1% em diagnstico mdico, tendo sido referidas por 40% dos
funcionrios da instituio; j os distrbios do mbito psicolgico (depresso severa,
depresso leve, tenso, ansiedade, insnia) foram diagnosticados em 8,7% dos
servidores, mas tambm foram referidas por uma porcentagem maior, 28,6%. Os
transtornos mentais tambm foram apontados pelos profissionais da rea da sade e
social do Tribunal Regional Federal da 3 Regio de So Paulo, em levantamento
preliminar (PARAGUAY e TAVARES, 2000) como sendo uma das principais causas de
grande parte dos afastamentos do trabalho por motivos de sade. No relatrio anual de
atividades realizado pelo TRF-3 Regio em 1999, consta que dos atendimentos feitos
pelo servio social da 3 Regio, 51% estejam relacionados a sade mental.
1.6. Uma breve histria do Poder Judicirio Brasileiro
O Poder Judicirio teve formas diversas ao longo da histria brasileira. Tais
modificaes em suas estruturas no se deram de forma linear ou progressiva, mas se
constituram, muitas vezes, em movimentos de avanos em determinadas direes e
recuos, como por exemplo, na criao e posterior extino de rgos, que depois foram
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32
novamente integrados estrutura do Poder Judicirio. Tambm sua autonomia e
independncia frente aos outros poderes modificaram-se ao longo do tempo, mas tal
questo j se exclui de nossos objetivos. Interessa dizer que sua estrutura foi se tornando
cada vez mais complexa e a demanda por seus servios, crescente.
Apresenta-se a seguir alguns dados da evoluo histrica de sua estrutura, tendo
como base, o texto - Uma introduo ao estudo da Justia -, de SADEK (1995).
No perodo colonial, a justia no Brasil era representada por administradores da
justia nomeados pelos donatrios. Esses ltimos, no entanto, eram autoridades
mximas do sistema judicirio brasileiro da poca. Portanto, os administradores da
justia estavam subordinados aos donatrios. As causas de maior relevncia econmica
eram decididas pelos Tribunais da Corte de Lisboa.
Em 1824, aps a chegada da Famlia Real Portuguesa, a Carta Constitucional
instaura os Poderes Judicirio, Executivo, Legislativo e Moderador. A independncia do
Poder Judicirio declarada, mas ele continua sob o poder de interveno e controle do
Imperador.
A partir da Constituio de 1891, passam a ser o Poder Judicirio, o Executivo e
o Legislativo os trs poderes autnomos e independentes da Repblica Federativa do
Brasil. Tambm nesta Constituio assumiu-se uma diviso do sistema judicirio
brasileiro entre Justia Federal e Justia dos Estados. A Justia Federal j havia sido
criada h um ano, por um decreto. O rgo de autoridade mxima no Poder Judicirio
passou a ser o Supremo Tribunal Federal.
A Constituio de 1934 introduziu vrias modificaes na estrutura do Poder
Judicirio. Regulamentou a Justia Militar e a Justia Eleitoral; promoveu modificaes
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33
no funcionamento do Supremo Tribunal Federal; instituiu a Justia do Trabalho
enquanto rgo administrativo, no integrante do Poder Judicirio. Promoveu ainda
vrias modificaes na Justia dos Estados, atribuindo-lhe maior autonomia e melhores
condies.
Por uma deciso do governo Getlio Vargas, em 1937 a Justia Federal e a
Justia Eleitoral foram extintas e a Justia Estadual de 1 instncia passou a julgar todos
os casos que envolvessem a Unio. O Supremo Tribunal Federal; os juzes e Tribunais
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios; os juzes e Tribunais militares
passaram a ser os rgos formadores do Poder Judicirio. A Carta Constitucional de
1937 atribui maiores poderes ao Executivo, e lhe concede a faculdade de legislar por
decretos-leis, acabando por enfraquecer os Poderes Judicirio e Legislativo.
A Constituio de 1946, re-introduziu a Justia Eleitoral; re-integrou a Justia do
Trabalho ao Poder Judicirio; criou o Tribunal Federal de Recursos, rgo de 2
instncia, para causas envolvendo a Unio. A justia de 1 instncia continuou a ser
representada pelos juzes estaduais, remetendo-se estes aos Tribunais de Justia e ao
Tribunal Federal de Recursos, ao mesmo tempo.
Em 1965, a Justia Federal voltou a existir e houve tambm outras mudanas
que estimularam um aceleramento do trabalho da justia e ainda uma grande reduo da
autonomia e independncia da magistratura. O Legislativo e o Judicirio voltaram a ter
suas autonomias bastante reduzidas, ficando mais subordinados ao Executivo, com os
Atos Institucionais 2, 5 e 6 e pela Emenda Constitucional n 1, de 17/10/1969.
Com a Constituio de 1988, aumentou a autonomia administrativa e financeira
do Poder Judicirio, que passou a elaborar oramento prprio junto ao Executivo, a ser
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34
submetido ao Congresso Nacional. Ocorreu ainda ampla reorganizao e redefinio das
atribuies dos rgos do Poder Judicirio, incluindo a extino do Tribunal Federal de
Recursos, a criao do Superior Tribunal de Justia e dos Tribunais Regionais Federais,
cujo objetivo foi descentralizar a justia de 2 instncia. Alm disso, tambm se atribuiu
aos Estados a organizao de sua Justia.
A seguir apresenta-se atual organograma do Poder Judicirio brasileiro.
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35
Figura 1 Organizao do Poder Judicirio Brasileiro
JUSTIA COMUMSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
(precipuamente matria constitucional)
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIA(matria no constitucional)
Justia Federal Justia Estadual
Tribunais Regionais Tribunais de Justia eFederais Tribunais de Alada
Juzes Federais Juzes EstaduaisTribunal do Jri Tribunal do Jri
Juizados Especiais Juizados Especiais
JUSTIA ESPECIALSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
(matria constitucional)
JUSTIA FEDERAL JUSTIA ESTADUAL
Tribunal Superior Tribunal SuperiorSuperior Tribunal Superior Tribunal
do Trabalho Militar Eleitoral de Justia
Tribunais Conselhos Tribunais TribunaisRegionais de Justia Regionais de Justia
do Trabalho Militar Eleitorais Militarda Unio Estadual
JuzesJuntas de (S para Eleitorais Conselhos
Conciliao e Foras de JustiaJulgamento Armadas) Juntas Militar
Eleitorais Estadual
(S para PolciaMilitar Estadual)
fonte: FHRER MCA - Resumo de Processo Civil. 20 edio. So Paulo: Malheiros, 1999.
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36
O Poder Judicirio ficou assim composto, segundo artigo 92 da Constituio
Federa
Supremo Tribunal Federal
(2 instncia) e juzes federais (1 instncia)
stncia)
e juzes do
Assim, mostra-nos FHRER (1999) a justia pode ser Especial, quando se atm
a mat
omum pode ser Federal ou Estadual. Ao mbito federal competem
causas
l de 1988:
I.
II. Superior Tribunal de Justia
III. Tribunais Regionais Federais
IV. Tribunais do Trabalho (2 instncia) e juzes do trabalho (1 instncia)
V. Tribunais Eleitorais (2 instncia) e juzes eleitorais (1 instncia)
VI. Tribunais Militares (2 instncia) e juzes militares (1 instncia)
VII. Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios (2 in
Esta s, do Distrito Federal e dos Territrios (1 instncia)
rias especficas, como a eleitoral, a militar e a do trabalho ou Comum, para os
demais tipos de matrias. Pode ser do nvel de 1 instncia ou 1 grau, a princpio a porta
de entrada para toda demanda pelos servios da Justia, ou do nvel de 2 instncia ou 2
grau, comumente quando ocorre recurso questionando deciso no nvel da 1 instncia.
A 2 instncia julga tambm alguns processos que entram diretamente nesta instncia do
Poder Judicirio.
A Justia C
que envolvam a Unio, entidades autrquicas ou empresas pblicas federais e
ainda que digam respeito a assuntos relacionados a tratados e contratos da Unio com
organismo internacional ou Estados estrangeiros (artigo 109 da Constituio Federal).
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37
Com o mbito estadual ficam as demais causas no includas na competncia da Justia
Federal Comum e das Justias Especiais Federais.
Aos rgos superiores: o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justia
1.7. O Tribunal Regional Federal da 3 Regio
ste estudo deu-se no Tribunal Regional Federal da 3 regio (TRF-3 regio),
criado
o instalado,
tempor
, competem, respectivamente, de forma sucinta, causas envolvendo matrias
constitucionais e no-constitucionais, nos casos em que foi possvel recurso aps deciso
da 2 instncia.
E
na Constituio Federal de 1988, juntamente com outros quatro Tribunais
Regionais Federais, como j dito acima, em substituio ao Tribunal Federal de
Recursos. Com tal criao, se regionalizou a 2 instncia da Justia Federal.
O TRF-3 regio foi inaugurado em 30 de maro de 1989, ficand
ariamente, na sede do STJ (Superior Tribunal de Justia), no 11 andar do Frum
Pedro Lessa, Avenida Paulista n 1682, at 05 de setembro de 1989. Depois disso,
passou a ocupar o edifcio Saldanha Marinho, sito rua Lbero Badar n 39. Devido a
insuficincia das instalaes neste prdio para as necessidades funcionais dos setores do
TRF-3 regio, houve mudana de endereo em 22 de fevereiro de 1999, para prdio
permutado com a Caixa Econmica Federal, localizado na Avenida Paulista n 1842.
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So de competncia do TRF-3 regio todos os recursos de decises proferidas
pelos juzes de 1 instncias das Sees Judicirias de so Paulo e Mato Grosso do Sul
(3 regio) e ainda aqueles processos originrios, ou seja, que do entrada diretamente na
2 instncia, sem passar pelos juzes de 1 instncia. Neste ltimo caso, seriam, por
exemplo, aquelas aes relacionadas a juzes federais.
O TRF-3 regio contava, no primeiro semestre de 2000, com 24
desembargadores4, 2 juzes convocados da 1 instncia e 1 vaga a ser preenchida.
Os rgos julgadores dos Tribunais Regionais Federais, diferentemente da
Justia Federal de 1 instncia, so:
- 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Turmas (compostas por 4 desembargadores cada uma);
- 1 e 2 Sees Especializadas (compostas, respectivamente por 1, 2, 5 turmas
e 3, 4, 6 turmas, ou seja, por 12 desembargadores cada uma);
- e rgo Especial (composto por 18 desembargadores).
A seguir apresenta-se o organograma do Tribunal, com os setores (onde se deu o
estudo) circunscritos por linha trao-ponto.
4 Desembargador a denominao funcional de um magistrado que se encontra na 2 instncia do Poder Judicirio. Na 1 instncia, ele denominado juiz. Assim, Juiz e Desembargador so dois estgios da carreira da Magistratura, correspondentes, respectivamente, ao exerccio da Magistratura na 1 instncia e na 2 instncia.
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39
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40
1.8. Alguns aspectos do regime jurdico dos servidores pblicos civis
O regime jurdico dos servidores pblicos civis federais est institudo pela Lei n
8112, de 11 de dezembro de 1990. Desta Lei, destaca-se a seguir alguns aspectos,
concernentes insero do funcionrio e composio de sua remunerao. A
integrao de um funcionrio ao quadro de pessoal se d mediante concurso pblico para
cargos de carter efetivo e ainda mediante nomeao em comisso para cargos de
confiana, sem carter efetivo. Os servidores que j faam parte do quadro efetivo
tambm podem ocupar cargo de confiana por nomeao em comisso, sem prejuzo do
cargo efetivo.
A nomeao em carter efetivo aquela decorrente exclusivamente de concurso
pblico e se d para os cargos de analista e tcnico judicirios. A nomeao em
comisso, vinculada confiana e de livre exonerao, d-se para funes de direo,
chefia, assessoramento ou assistncia, s quais deferida uma gratificao.
Adicionalmente ao exerccio dos cargos efetivos, o servidor pode ser nomeado
para o exerccio de funo gratificada, ficando seu salrio composto pelo vencimento
referente ao cargo efetivo e gratificao. Para as funes de direo, chefia e
assessoramento, podem ser nomeadas pessoas que no compem o quadro funcional de
cargos efetivos. J para as funes de assistncia, adota-se a norma de apenas nomear
pessoas que j faam parte do quadro funcional de cargos efetivos.
A Lei n 8.112 determinava a incorporao em carter permanente da
gratificao ao salrio do funcionrio que tivesse exercido a funo gratificada por
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41
determinado perodo, ainda que este viesse a no mais exercer tal funo. Assim,
estivesse o funcionrio exercendo uma funo que desse direito gratificao, a cada
ano de exerccio, um quinto (1/5) do valor da gratificao adquiria carter permanente
na remunerao deste. Ao fim de cinco anos, ele passava a receber a gratificao em
carter permanente, mesmo que viesse a ser destitudo da funo. Tal determinao foi
revogada posteriormente, no ocorrendo mis a incorporao permanente da gratificao
ao salrio do servidor, assim, este recebe apenas enquanto estiver ocupando o cargo em
comisso ou a funo gratificada.
1.9. A assistncia sade dos servidores do Poder Judicirio
Os rgos do Poder Judicirio contam com uma equipe de sade, composta por
assistentes sociais, dentistas, enfermeiros, mdicos de mais de uma especialidade,
psiclogos e tcnicos de enfermagem. No entanto, no possuem profissionais
especializados do campo de Sade e Segurana do Trabalho. A necessidade de Servio
Especializado em Sade e Segurana do Trabalho foi apontada por BELLUSCI (1998),
na concluso de seu estudo no Tribunal Regional Federal da 3 Regio, ainda que muitos
dos aspectos identificados estejam, a princpio fora do alcance da interveno de
tcnicos de uma equipe de sade.
Como j relatado, houve uma demanda institucional de tcnicos que reconhecem
a relao entre aspectos do contexto de trabalho e a sade dos servidores, evidenciando a
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necessidade de uma abordagem mais ampla de sade, que leve em conta o contexto em
que se situa a pessoa e o fato de que para promover a sade necessrio intervir no
trabalho, no ambiente de trabalho e na forma como ele ocorre no dia-a-dia.
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2. OBJETIVOS
- Identificar e analisar a representao social do sofrimento no trabalho, para
um grupo de funcionrios pblicos do setor judicirio;
- Contribuir para a elucidao da relao sade-trabalho no contexto citado, o
setor do funcionalismo pblico judicirio, valorizando o conhecimento prtico do
trabalho como fonte de informaes e significados.
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3. METODOLOGIA
3.1. Delineamento do Projeto de Pesquisa 5
A explicitao da pesquisa, seus pressupostos, objetivos e finalidade dos
resultados da pesquisa populao envolvida no estudo, bem como a negociao do
trabalho de campo de fundamental importncia tanto para o desenvolvimento da
mesma (PARAGUAY, 2000), como para o cumprimento tico da pesquisa em cincias
humanas.
A medida em que a pesquisadora explicita seu projeto de pesquisa populao
de estudo e instituio e negocia as condies de desenvolvimento da mesma, realiza
tambm uma aproximao das questes relevantes do contexto onde se dar o estudo, o
que essencial ao planejamento da pesquisa (PARAGUAY, 2000).
Dentro deste processo de dilogo com o campo a ser estudado, houve, como uma
das fases iniciais, uma sondagem preliminar com os tcnicos da rea de Sade, Recursos
Humanos e Comunicao Social, a qual serviu de subsdio para o delineamento do
projeto de pesquisa, como j explicitado anteriormente.
Aps o delineamento inicial, o projeto de pesquisa em questo foi apresentado na
instituio para os tcnicos da rea de Sade, de Recursos Humanos e de Organizao e
5 Esta pesquisa inseriu-se em um projeto maior denominado Concepo, Gesto e Inovao
Organizacional, coordenado pela orientadora Profa. Dra. Ana Isabel B. B. Paraguay, da Faculdade de
Sade Pblica da Universidade de So Paulo.
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Mtodos. Em seguimento, a pesquisadora contatou pessoalmente todos os setores
possivelmente envolvidos na coleta de dados, sendo apresentada pela assistente social da
instituio, para reiterar as informaes sobre o convnio de pesquisa e as aes a serem
desenvolvidas nos meses seguintes, em relao coleta de dados. Foram visitados pela
pesquisadora 40 setores, para apresentao local das informaes sobre a pesquisa.
Nesta ocasio, foi distribudo um pequeno resumo do projeto e dados para contato com o
grupo de pesquisa.
A etapa exploratria, que ser descrita no prximo item, veio em seguida.
Baseando-se nos resultados desta etapa exploratria, o projeto foi concludo e houve
assim a apresentao com convite a todos os servidores.
As apresentaes da pesquisa nos setores envolvidos no estudo foram o principal
meio de prover os servidores de informaes sobre a pesquisa, j que quase a totalidade
deles no pde estar presente apresentao formal inicial.
Buscou-se que o delineamento do projeto de pesquisa fosse um processo de
contnua interao com o campo ser estudado.
3.1.1. A etapa exploratria
Para a realizao da etapa exploratria, foi escolhido um dos gabinetes, levando
em conta o grau de receptividade dos funcionrios e dirigentes em relao pesquisa. A
receptividade dos servidores do local foi considerada um elemento facilitador ao
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desenvolvimento desta etapa do estudo, que se caracteriza por ser exploratria, mais
aberta a contedos no previstos e com a possibilidade de contar com entrevistas mais
longas e menos estruturadas.
Foi realizada descrio das atividades de trabalho dos servidores e entrevistas
semi-estruturadas.
A pesquisadora entrevistou inicialmente o chefe de gabinete, que descreveu, de
forma breve, o processo de trabalho e a rotina daquele gabinete. Passou em seguida
observao no-sistematizada do trabalho naquele gabinete, a qual se deu mediante
consentimento por escrito do dirigente do setor (termo de consentimento para
observao - anexo 2).
A observao no-sistematizada no local de trabalho, bem como as entrevistas
sobre a descrio das atividades, possibilitaram o reconhecimento da situao de
trabalho e da diviso do trabalho, do ponto de vista do processo de trabalho, bem como
da diviso de funes entre as pessoas.
Nas entrevistas sobre a descrio das atividades ocorridas com todos os
servidores e em conversas informais, a pesquisadora convidou alguns dos servidores
para a entrevista explicitando os seguintes critrios: os servidores mais novos e os mais
antigos; servidores em todos os cargos e aqueles que desempenhassem tarefas nicas no
gabinete.
Foram entrevistados nesta fase 5 servidores, com as seguintes caractersticas: 2
homens e 3 mulheres; 2 tcnicos judicirios e 3 analistas judicirios; 2 ocupando cargos
comissionados de assessor(a) e de chefe de gabinete e 2 exercendo funo gratificada.
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Estas entrevistas, cujo roteiro se encontra no anexo 1, tiveram como tema a
descrio do trabalho desenvolvido, aspectos da trajetria profissional, a percepo da
Instituio enquanto ambiente de trabalho, aspectos positivos e negativos, bem como
vantagens e desvantagens do trabalho e, finalmente a opinio e a vivncia do
entrevistado sobre as relaes entre o trabalho e a sade. O termo de consentimento para
as entrevistas encontra-se no anexo 4.
O material coletado foi preparado e analisado seguindo-se os passos seguintes:
1. Transcrio literal de todas as entrevistas gravadas, incluindo digresses,
repeties e outros tipos de expresses orais do entrevistado e do entrevistador. Tal
prtica teve por finalidade enriquecer o contedo a ser interpretado e tambm propiciar
elementos para analisar a interao durante a entrevista. Foram corrigidos erros
gramaticais e ortogrficos, bem como adaptadas determinadas expresses da linguagem
oral para a escrita. Por exemplo: Eu tava acostumada a mexe em processo (oral). Eu
estava acostumada a mexer em processo (escrita).
2. Na primeira leitura, definiu-se um primeiro critrio de organizao do
contedo das entrevistas, classificando-o em:
2.1. Descrio de atividades, descrio do processo de trabalho, descrio de
regras e normas institucionais e outras questes referentes ao Poder Judicirio;
2.2. Qualificativos de algum aspecto do trabalho, do ponto de vista do bem-
estar e da sade da pessoa entrevistada.
Numa segunda leitura do contedo classificado como qualificativos do trabalho
quanto sade e ao bem-estar, buscaram-se trechos, expresses e explicaes
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pronunciadas pelo entrevistado que nos indicassem relao com o sofrimento no
trabalho.
3. A releitura das entrevistas para seleo de fragmentos dos discursos que
se remetessem s expresses selecionadas acima ou que se seguissem pergunta sobre
os aspectos do trabalho percebidos como negativos, desgastantes do ponto de vista da
sade e a posterior categorizao puderam trazer alguns indcios sobre os contedos da
representao social acerca do sofrimento no trabalho para este grupo social. Foi
construdo um mapa de associaes sobre o sofrimento no trabalho e suas categorias a
partir dos dados coletados nesta etapa exploratria, que pode ser visualizado no anexo 3.
No entanto, tal desenvolvimento s pode ser adequadamente fundamentado em etapa
posterior, relatada a seguir.
Tendo se confirmado a significncia do sofrimento no trabalho enquanto objeto
de representao, passou-se para a reformulao do mtodo, e depois para a coleta e
anlise dos dados do estudo propriamente dito.
Os resultados da etapa exploratria j foram abordados na Introduo, visto
terem sido material de referncia para o delineamento do estudo propriamente dito. Os
procedimentos metodolgicos para coleta e anlise do material foram planejados a partir
de resultados da etapa exploratria.
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3.2. Composio do grupo de estudo
Na delimitao da abrangncia da pesquisa no contexto da instituio, optou-se
por restringir o estudo queles setores envolvidos diretamente com as finalidades da
instituio, os setores judicirios. Ficaram excludas as reas que desempenham
atividades-meio, ou seja, os setores administrativos da instituio. Assim, os setores
includos no estudo foram os gabinetes e as subsecretarias, cujas funes e processo de
trabalho sero descritos adiante.
Foram convidados a participar do estudo 11 gabinetes e 4 subsecretarias. A
escolha dos setores visou compor o grupo de forma diversificada segundo determinados
aspectos, ou seja, buscou-se incluir tanto setores criados juntamente com a instituio,
quanto aqueles criados posteriormente; tambm aqueles ocupados todo o tempo pelo
mesmo magistrado e outros que tiveram mais de um magistrado no decorrer de sua
existncia e ainda aqueles com maior nmero de processos e aqueles com menor nmero
de processos. O convite foi feito aos dirigentes por uma das assistentes sociais do
servio de assistncia mdico-social.
Dos setores convidados, aceitaram participar 9 gabinetes e 4 subsecretarias. Dos
gabinetes que declinaram o convite, um deles justificou no ter servidores dentro de um
dos critrios estabelecidos (ter mais de 6 anos de trabalho na instituio) e o outro
justificou estar o gabinete com sobrecarga de trabalho no perodo da realizao das
entrevistas.
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Aps o aceite, foi marcada uma visita inicial da pesquisadora a cada setor, com
fins de: a) obter dados objetivos sobre fluxo de trabalho, composio do setor, tempo de
existncia do setor, diviso do trabalho com o chefe de gabinete ver anexo 6 dados
de caracterizao do setor coletados na visita inicial ; b) explicitar ao chefe de gabinete e
aos servidores os critrios para escolha dos entrevistados; c) convidar aqueles servidores
que atendessem aos critrios para a entrevista e coletar dados do convidado entrevista,
como tempo de servio, cargo ocupado, escolaridade, outros setores em que trabalhou
dentro da instituio e informaes sobre as atividades desempenhadas. Tais visitas
foram feitas no perodo de duas semanas.
Os critrios de incluso no grupo de estudo objetivaram uma representatividade
de subgrupos dentro do grupo estudado, abrangendo as mltiplas dimenses do
fenmeno a ser estudado. Em conseqncia, a definio das pessoas a serem
entrevistadas contemplou os grupos profissionais: - dirigentes (diretores das
subsecretarias e chefes dos gabinetes) e funcionrios pblicos sem cargo de direo ou
chefia (analistas judicirios e tcnicos judicirios). Alm disso, as pessoas entrevistadas,
com exceo dos dirigentes, estavam entre aquelas com maior tempo de trabalho na
instituio (28% dos funcionrios tem de 10 a 12 anos de experincia) e ainda,
preferencialmente, aquelas que j tinham trabalhado em mais de um setor da rea
judiciria dentro da instituio. Optou-se por excluir do grupo de estudo os
desembargadores e seus assessores, pelo entendimento de que estes compartilham menos
o contexto de trabalho dos setores da instituio, estando mais voltados a questes
externas ou alm do cotidiano de trabalho.
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Sabendo-se que os critrios de diferenciao se referem a ocupar ou no cargo de
direo ou chefia e que h apenas 1 dirigente por setor, o nmero de entrevistados,
segundo planejamento, se encontrava entre 30 e 50 pessoas. Ao todo, 50 servidores
foram convidados e aceitaram ao convite para a entrevista. Tendo aceitado o convite, era
marcado um horrio de comum acordo.
Compareceram entrevista 37 funcionrios, dos 50 com os quais havia sido
marcada entrevista.
3.3. Coleta de dados
A entrevista configurou-se como semi-estruturada, que se baseia em questes
que definem a rea a ser explorada, inicialmente, e a partir das quais o entrevistado e o
entrevistador podem desviar-se para alcanar uma idia ou resposta mais detalhada
(BRITTEN, 2000). Visou a caracterizao do contexto de trabalho, partindo-se do
conhecimento e vivncia das pessoas que nele trabalham. As questes do roteiro (roteiro
de entrevista - anexo 5) nortearam a entrevista, sem contudo direcion-la ou restringir os
temas, privilegiando-se tambm aspectos levantados pelo entrevistado. Foram abordados
os seguintes tpicos: a) caracterizao profissional; b) descrio do trabalho; c)
sofrimento no trabalho como o define, explica e sente, exemplos de situaes, formas
de enfrent-lo; d) expectativas profissionais.
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Quanto situao de entrevista, destaca-se aqui como algo a buscar o que
BOURDIEU (1999) denominou como escuta ativa e metdica, [que] associa a
disponibilidade total em relao pessoa interrogada, a submisso singularidade de
sua histria particular, que pode conduzir, por uma espcie de mimetismo mais ou
menos controlado, a adotar sua linguagem e a entrar em seus pontos de vistas, em seus
sentimentos, em seus pensamentos, com a construo metdica, forte, do conhecimento
das condies objetivas, comuns a toda uma categoria.
A durao do perodo de realizao das entrevistas foi de dois meses. As
entrevistas se realizaram na sala da psicologia ou do servio social da equipe de sade da
instituio, cujas instalaes ofereciam a condio necessria de sigilo e certa
neutralidade. Todas as entrevistas ocorreram mediante consentimento por escrito (termo
de consentimento para entrevista - anexo 4).
3.4. A anlise dos dados
O mtodo de anlise baseou-se em anlise de contedo, cujos procedimentos se
formaram pela tomada de conhecimento de mtodos e tcnicas j utilizados em outros
estudos (BARDIN, 1988; VALA, 1986; OLIVEIRA, 1991; SATO, 1991) e subseqente
reformulao atinente aos objetivos da presente pesquisa.
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A anlise de contedo pode ser definida como um conjunto de tcnicas de anlise
de comunicaes voltadas explicitao e sistematizao do contedo das mensagens e
da expresso deste contedo (BARDIN, 1988). Tais tcnicas contribuem por afastar os
perigos da compreenso espontnea, pelas quais, o pesquisador familiarizado ou no
com seu objeto de estudo, pode por a prova interpretao inicial do material (BARDIN,
1988). A Anlise de Contedo contribui tambm para o enriquecimento da leitura,
descoberta de contedos e esclarecimentos de relaes no explicveis somente pela
leitura. Ao falar sobre o processo de anlise, VALA (1986) evidencia os resultados desta
anlise como fruto do processo de interao entre as condies de produo do discurso
e as condies de produo da anlise:
Trata-se da desmontagem de um discurso e da produo de um novo discurso
atravs de um processo de localizao-atribuio de traos de significao, resultado
de uma relao dinmica entre as condies de produo do discurso a analisar e as
condies de produo da anlise (VALA, 1986).
Neste estudo utilizou-se anlise categorial, que funciona por desmembramento
do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analgicos (BARDIN,
1988).
Procedeu-se a anlise segundo os seguintes passos:
a) Identificao das palavras ou expresses que se referiam ao sofrimento no
trabalho, tais como as exemplificadas na etapa exploratria;
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b) Seleo de fragmentos dos discursos aos quais as palavras ou expresses
acima especificadas remetiam. Tais fragmentos podem denominar-se Unidades de
Contexto, utilizando-se do termo de BARDIN (1988, p. 107) para se referir aos
segmentos da mensagem que so teis para se compreender a significao das Unidades
de Registro, abaixo explicitadas. Ou ainda pode-se chamar de Ncleos Organizadores de
Discurso, que significa os elementos que do sustentao e coerncia s falas [e que]
representam o primeiro nvel de segmentao e reorganizao dos discursos
OLIVEIRA (1998, p. 167). Por exemplo: ... Eu assumi postos de comando, hoje no
estou mais, amanh posso ser colocado pra empurrar carrinho... a voc pensa: P, mas
voltar estaca zero? uma coisa que tambm causa uma certa angstia. Porque todo o
tempo, todo o trabalho que voc fez, parece que nada daquilo valeu... no sei. Mas se
tem essa impresso. E pelo que eu sinto, no s minha, do conjunto de funcionrios
que tm mais tempo de servio;
c) As Unidades de Registro seriam a unidade de significao (BARDIN, 1988,
p. 104), ou seja, no estudo em questo, os elementos do trabalho relacionados ao
sofrimento. As unidades de registro corresponderiam s frases modais ou expresses de
sentido (OLIVEIRA, 1998), que seriam aquelas frases tpicas que contm um grande
nmero ou porcentagem de palavras que participam do universo de dados estudados
(OLIVEIRA, 1998, p. 167). A relevncia das unidades de registro ou frases modais
sero definidas pelo critrio de freqncia, de intensidade (indicadores semnticos) e
ordem de apario. No exemplo dado no item (c), a unidade de registro seria a
possibilidade de voltar estaca zero, que significa ter ocupado ou ocupar cargo
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comissionado na instituio e vir a perd-lo ou ter a eterna possibilidade de vir a perd-
lo, a qualquer momento, voltando ao ponto do incio da carreira na instituio;
d) O prximo passo foi a categorizao, a qual implicou em classificar as
unidades de registro por diferenciao, atentando para os princpios da homogeneidade,
da excluso mtua e pertinncia com o quadro terico. Tal categorizao se deu por
critrio expressivo (BARDIN, 1988), ou seja, as unidades de registro agrupadas sob a
mesma categoria devem expressar um significado em comum, construdo em
decorrncia do quadro terico. Para o exemplo utilizado, a categoria seria Estagnao
Profissional ou Angstia da Estaca Zero, a qual resume a idia de que o sofrimento
estaria ligado experincia de no ter a possibilidade de desenvolver carreira no
Tribunal ou ainda de vir a galgar alguns degraus da hierarquia, mas sempre com a
possibilidade de voltar ao ponto inicial da carreira, pela exonerao do cargo;
e) As categorias foram agrupadas em 3 agrupamentos de sentido, segundo
critrios semnticos explicitados adiante, nos resultados. No exemplo dado acima, o
agrupamento de sentido seria Elementos Constitutivos do Sofrimento no Trabalho;
f) Dos textos das entrevistas, tambm foram selecionados os trechos referentes
s expectativas profissionais dos entrevistados com fim de relacion-las aos resultados
sobre a representao social do sofrimento no trabalho. Tal relao foi primeiramente
evidenciada na etapa exploratria e posteriormente analisada no estudo propriamente
dito.
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3.5. A devolutiva de resultados para os entrevistados
Com o intuito de garantir aos entrevistados a oportunidade de acesso aos
resultados e ainda como forma de consolidao dos mesmos, foi realizada devolutiva
dos resultados parciais aos entrevistados, individualmente, aps, aproximadamente, dois
meses da finalizao das entrevistas. As entrevistas de devoluo ocorreram no mesmo
local, as salas da assistente social e da psicloga da equipe de sade e social.
Tambm foi realizada apresentao coletiva dos resultados finais primeiramente
para a equipe de sade e, posteriormente, no I Frum de Sade Psicossocial na Justia
Federal, evento aberto a todos os servidores, aps um ano da finalizao das entrevistas.
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4. RESULTADOS E DISCUSSO
4.1. Caracterizao da populao de servidores
No primeiro semestre de 2000, o quadro efetivo totalizava 1336 servidores, dos
quais, 843 pertencem rea-fim (jurdica) do Tribunal e o restante, rea-meio
(administrativa).
A seguir apresenta-se caracterizao de tempo de trabalho na instituio, nvel de
escolaridade e gnero da populao total de funcionrios. Esta caracterizao diz
respeito ao primeiro semestre de 2000, poca em que ocorreram os primeiros contatos
com a Instituio.
A instituio, inaugurada em 30 de maro de 1989, apresentava 12 anos de idade
em 2001, poca da coleta de dados. O ingresso de servidores deu-se segundo grfico
seguinte:
Figura 3 - Nmero de servidores admitidos em cada ano de existncia do TRF- 3 Regio
225
124
26 31
163 165
267
37
9169 77 61
0
50
100
150
200
250
300
ano1989
ano1990
ano1991
ano1992
ano1993
ano1994
ano1995
ano1996
ano1997
ano1998
ano1999
ano2000
anoFonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 Regio, So Paulo,2000
-
58
Do total de servidores, 17% deles encontram-se desde a inaugurao. Parece ter
havido um significativo crescimento do corpo de servidores entre os anos de 1993 e
1995.
Ento, quanto ao tempo de servio, tem-se o seguinte:
Figura 4 - Populao total de servidores segundo tempo de servio
15%
10%
32%15%
28%
de 1 a 3 anos de 4 a 5 anos de 6 a 7 anos de 8 a 9 anos de 10 a 12 anos
Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 Regio, So Paulo 2000
Como se v, a fatia de tempo de servio escolhida como critrio para incluso no
grupo de estudo corresponde cerca de 75% do total de servidores.
No grfico a seguir, percebe-se que o nvel de escolaridade na populao de
servidores do rgo estudado alto, sendo que 55% deles possuem curso superior. Isto
pode se dever tanto natureza do trabalho no Tribunal quanto forma de seleo de
mo-de-obra, o concurso pblico. No item que informa sobre o nvel de escolaridade do
grupo estudado, se ver que mesmo dentre aqueles que ocupam cargos de nvel mdio,
que no exigem curso superior, o nmero de diplomados em Direito significativo.
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59
Figura 5 - Populao Total de Servidores Segundo Escolaridade
39%
4% 1%
55%
1%
Primrio completo 1 grau completo 2 grau completo
Ps-graduao 3 grau completo
Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 regio, So Paulo 2000
Quanto ao gnero, nota-se uma leve predominncia de mulheres no total de
servidores:
Figura 6 - Populao total de servidores segundo gnero
53%
47%
Feminino Masculino
Fonte: Secretaria de Recursos Humanos do TRF - 3 regio, So Paulo 2000
-
60
4.2. Caracterizao do grupo de estudo
Dos 50 servidores convidados, compareceram entrevista 37 pessoas. Durante a
primeira semana reservada s entrevistas houve greve dos servidores da Justia Federal.
Apesar de no ter havido adeso integral greve, tal fato trouxe alguns empecilhos ao
incio das entrevistas. Algumas das faltas s entrevistas foram justificadas pelos
servidores em razo da greve.
No grupo de estudo, a porcentagem de mulheres (68%) maior do que na
populao geral de servidores do rgo estudado (53%):
Figura 7 - Grupo de Estudo S d Gnero
68%
32%
Feminino Masculino
Pode-se aventar a hiptese de as mulheres terem sido mais receptivas
participao na pesquisa. Quanto a participao delas em cargos comissionados, tem-se
que, entre os entrevistados, a porcentagem de mulheres em cargos comissionados de
52%, enquanto que a de homens de 25%, ou seja, das mulheres entrevistadas, 52%
ocupam ou j ocuparam cargos comissionados (chefia, direo ou assessoria) e dos
homens entrevistados, 25% ocupam ou j ocuparam tais cargos. Este dado
provavelmente no encontra correspondncia no todo da participao feminina em
-
61
cargos comissionados. Na Administrao Pblica Federal, os cargos comissionados so
apenas minoritariamente ocupados por mulheres, sabendo-se que apenas 13,24% dos
cargos mais altos hierarquicamente so ocupados por mulheres e, mesmo no cargo
comissionado mais baixo, a participao feminina de 45,53% (ACCO e cols, 1998).
O grau de escolaridade predominante no grupo de entrevistados o de nvel
superior. Dos entrevistados, 90% possui nvel superior, porcentagem maior do que na
populao geral de servidores. Dada a natureza do trabalho em gabinete