o sentido da música para profissionais e estudantes da área
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O SENTIDO DA MÚSICA PARA PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DA ÁREA: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO
EXISTENCIAL
RESUMO
A música está presente em todas as culturas e na vida de todos os seres humanos, porém, ela pode se mostrar de diversas formas para as pessoas, tendo um papel mais ou menos intenso em suas vidas. Certamente, para quem tem contato diário com a música, como profissão e estudo, ela aparece de forma especial. Levando isso em conta, o objetivo desta pesquisa foi compreender o sentido da música para os profissionais e estudantes da área musical, além de verificar como se revela a vocação ou o chamado musical para estas pessoas, constatar de que maneira a música se torna parte da vida desses indivíduos e, finalmente, verificar se as pessoas se mostram ou se expressam por meio da música, e caso isso aconteça, como é esse mostrar-se ou expressar-se. Este tema foi escolhido para conhecer como a música é vista por pessoas da área musical, para trazer uma visão real da vivência com a música profissionalmente, diferentemente do que a maioria das pessoas faz em seu dia a dia como diversão ou relaxamento. Como referencial teórico, foi utilizada a perspectiva fenomenológica existencial de Heidegger. Portanto, para a coleta de dados, utilizando como método a pesquisa intervenção, foram efetuadas três entrevistas, guiadas por 5 questões abertas, nas quais foram feitas as escutas de estudantes e profissionais da área da música. Após a transcrição das entrevistas, foi feita sua análise, utilizando a hermenêutica. Por meio da análise, o sentido da música se desvelou como: dupla dificuldade, financeira e técnica; rigor técnico e histórico; estudo e conhecimento; lazer e relaxamento.
PALAVRAS-CHAVE: Música, Fenomenologia, Pesquisa Intervenção.
CAMILA GUSMÃO DE ALMEIDA FERNANDA ÍRIS DA CRUZ
O SENTIDO DA MÚSICA PARA PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DA ÁREA: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO
EXISTENCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia da Universidade de Mogi das Cruzes como parte dos requisitos para a conclusão do curso.
Prof. Orientador: Ms. Rafael Ogalla Tinti
BANCA EXAMINADORA
Prof. Ms. Rafael Ogalla Tinti
Prof. Dra. Elza Maria Tavares Silva
Prof. Ms. Alex Sandra Grossi Moretti
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1. APRESENTAÇÃO
A música faz parte da existência humana. Todas as pessoas a conhecem, algumas
podem gostar mais, outras menos, mas mesmo assim ela está constantemente presente em
nosso mundo e na humanidade. Ela já modificou culturas, foi ligada à religião, trouxe
glamour a festas e bailes há séculos atrás, trouxe também mudanças de comportamento entre
todos nós. Enfim, a música está presente em nosso cotidiano e na vida das pessoas, então por
que não falar sobre ela?
Música pode ser muito mais que aquela que ouvimos no rádio ou em CD, o que muitas
vezes até se torna banal. Pode ser fácil dizer que música apenas serve para divertimento, ou
que ela pode trazer conhecimento, desenvolvimento intelectual, disciplina, entre outros.
Mas, além dessa música que as pessoas conhecem e lidam todos os dias, muitas vezes
até sem notar ou dar importância, existe uma outra música: a que surge e é dotada de sentido,
talvez desconhecida pela maioria das pessoas que vêem a música como mais uma coisa de uso
presente em seu dia-a-dia, mas conhecida pelo artista, pelo estudante, pelo profissional, por
aquele que lida diretamente com a música, e desenvolve uma relação diferenciada com ela.
É em busca desta visão e desse desvelar da música que surge a idéia desta pesquisa. E
assim, nesta procura pelo sentido da música, deu-se nosso caminhar que possibilitou a
compreensão do sentido da música e de outros aspectos relacionados a ela.
Para fundamentar este trabalho, após a elaboração dos objetivos que serviram de guia,
foi necessário observar a música em seus aspectos conceituais e históricos, o que foi feito ao
longo da introdução, e que possibilitou um entendimento de como a música é importante para
a humanidade, estando intimamente ligada a ela.
A seguir, a partir da fenomenologia de Heidegger, foi escolhido o método de coleta
dos dados: a pesquisa intervenção, já que havia uma intenção de promover a escuta cuidadosa
aos entrevistados. Quanto à análise, levando em conta a importância que é dada à linguagem
na fenomenologia, o método escolhido foi a hermenêutica.
Em seguida, foram transcritas todas as entrevistas na íntegra, buscando manter a maior
fidelidade possível em relação aos áudios gravados, e dessas transcrições, surge a análise
desses encontros, onde se procurou observar e compreender os fenômenos que apareceram em
cada uma delas. A compreensão do sentido da música e dos principais pontos observados ao
longo da análise levou à conclusão do trabalho.
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2. INTRODUÇÃO
2.1. Conceituação de Música
Quando se fala em música, é preciso considerar que seu significado para cada pessoa
pode ser muito particular, pois ela pode se mostrar de diversos modos, e em diferentes graus
de intensidade, tendo maior ou menor importância para cada um. De acordo com Med (1996,
p. 11), “MÚSICA é a arte de combinar os sons simultânea e sucessivamente, com ordem,
equilíbrio e proporção dentro do tempo”. Apesar dessa definição, para muitas pessoas a
música vai além de aspectos teóricos: representa vida, sentimentos e vivências que são
adquiridas.
Segundo Galvão (2006, p. 169) “A música é uma das expressões fundamentais da
cultura humana”. Então, como escrever definitivamente o que é música? Certamente é uma
tarefa muito difícil resumir em poucas palavras algo que sempre esteve e está presente na
humanidade, e que pode ter tantos significados possíveis e diferentes, de acordo com a época,
a cultura e o local em que acontece. Portanto, parece apropriado iniciar justamente abordando
esse aspecto de possibilidades variadas e infinitas que a música pode oferecer.
A variedade da música é ilimitada. Que distância entre a melodia tritônica, sempre repetida, do indiano, e a sinfonia de um grande mestre, entre as danças sagradas do longínquo Oriente e a música européia de ópera, entre o coral gregoriano e o jazz! E, não obstante, tudo isso vive ao mesmo tempo, agora, no nosso planêta, e para tudo isso usamos a mesma palavra: música. (PAHLEN, 1965, p. 15).
Pode-se pensar em música relacionando-a com uma variedade extrema, e em relação a
diversas perspectivas diferentes: desde os elementos que a constituem, seus estilos,
instrumentos, até formas de sua representação.
Em relação aos elementos que constituem a música, Bennett (1986) destaca seis
componentes principais: a melodia, que para muitos pode ser o principal componente da
música, e pode ser considerada como uma seqüência de notas, de diferentes sons, organizadas
de determinada forma; a harmonia, que acontece quando duas ou mais notas com diferentes
sons são ouvidas ao mesmo tempo, produzindo um acorde (cabe ressaltar que a palavra
harmonia pode ser usada tanto para se referir à seleção de notas que constituem um certo
acorde, quanto para descrever a progressão de acordes ao longo de uma composição); o ritmo,
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que é usado para descrever os possíveis modos pelos quais os sons musicais podem ser
agrupados, especialmente do ponto de vista da duração dos sons e também de sua acentuação;
o timbre, que é a particularidade do som de determinado instrumento ou voz; a forma, que
descreve o projeto ou a configuração básica que pode ser utilizada por um compositor para
moldar ou desenvolver uma obra musical; e por fim, a tessitura, que descreve a organização
dos sons numa composição musical. Existem três maneiras básicas que permitem que o
compositor “teça” uma música: a monofônica, que é constituída de uma única linha melódica,
destituída de harmonia; a polifônica ou contrapontística, que consiste em duas ou mais linhas
melódicas entretecidas simultaneamente; e a homofônica, que se constitui de uma única
melodia ouvida, com um acompanhamento de acordes.
Em relação aos estilos, pode-se pensar na grande variedade existente: da música
erudita, passando pelo metal, pela música eletrônica, pelo samba, pelo pop, entre inúmeros
outros estilos existentes.
Em relação aos instrumentos, pode-se pensar naqueles que apresentam maior
sofisticação em sua criação, e que exigem grande habilidade por parte de quem os fabrica,
como o piano, que surge por volta de 1700 ou os famosos violinos Stradivari e Guarnieri, que
segundo Pahlen (1965), datam do século XVII; os instrumentos de metal; até os sons
modernos produzidos por instrumentos eletrônicos, como o teclado, por exemplo, tão
freqüentes na música atualmente.
Mas essa variedade da música não se restringe somente às suas possibilidades de
instrumentos usados, de ritmos e estilos. Observando historicamente, pode-se notar a presença
da música em ritos religiosos, vários tipos de cerimônias, guerras, entre outros. Além disso,
também era utilizada paralelamente com outros tipos de arte: danças, óperas, e especialmente
no teatro.
Assim como há essa variedade de possibilidades em relação à criação de música e suas
diversas formas de ser apresentada, também é necessário levar em conta as formas que a
música pode se mostrar às pessoas. Segundo Galvão (2006, p. 169) “A atividade musical, que
é multifacetada em termos de estilo, também o é no que diz respeito aos modos de vivenciá-
la”. Cada indivíduo sabe como a música se apresenta para si, e para cada pessoa ela pode se
mostrar e proporcionar experiências de maneiras diferentes, seja ouvindo, tocando, compondo
ou cantando. Por isso, o sentido da música é tão importante.
Para o ouvinte, uma música pode despertar novas reflexões, fazendo com que encontre
nesta arte sentimentos e emoções que possibilitem compreensões que sejam significativas em
sua vida; também pode trazer recordações ou estar presente em momentos importantes.
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Segundo Galvão (2006, p. 169) “A reação humana ao discurso musical raramente é de
indiferença”. Porém, o que pode emocionar uma pessoa não necessariamente emocionará
outra, pois os indivíduos respondem à música de maneiras diferentes. Sabe-se que a música é
capaz de alterar estados emocionais. De acordo com Maheirie (2003, p. 150) “As músicas, na
medida em que provocam no fisiológico determinadas reações, podem, a partir daí, nos
remeter a estados emocionais intensos [...]”. Pahlen (1965) cita o exemplo de Davi, que
consegue afastar os maus pensamentos do Rei Saul ao tocar uma harpa; outro exemplo citado
é o de Timóteo, que provocou a fúria de Alexandre, o Grande, por meio de uma melodia e o
acalmou através de outra.
Segundo Maheirie (2003), a música atinge no âmbito da afetividade, que abrange as
emoções e os sentimentos. Os sentimentos seriam estados mais estáveis da afetividade, e as
emoções seriam estados explosivos.
Segundo Zanella et al. (2005), a afetividade (abrangendo esses dois estados
mencionados) implicam na relação com outra pessoa, sendo produzida na relação do sujeito
com a sociedade. Tanto a afetividade quanto as relações sociais podem ser importantes para o
processo de criação.
O que surge por meio das formas de arte em geral, e mais especificamente da música é
uma interligação dessas vivências, essa relação com os outros e a afetividade em relação a
eles. A música transmite emoções e sentimentos e pode estar presente nas relações
interpessoais, não somente com seres humanos, mas na própria relação do homem com o
mundo. De acordo com Zanella et al. (2005, p. 192) “Ao mesmo tempo em que os
sentimentos movem a imaginação, a atividade imaginativa ressignifica ou produz novos
sentimentos, em um movimento intenso onde emoção e pensamento se vinculam
incessantemente”. No entanto, somente as emoções e sentimentos não são suficientes para a
criação artística, sobretudo quando se fala de música. É também necessário que se possua
conhecimentos técnicos e teóricos, para que seja possível a criação ou mesmo a interpretação
de alguma canção.
Algumas pessoas acreditam que já se nasce com um dom para a música, o que
supostamente tornaria a criação ou interpretação musical algo natural e extremamente
simples, quase que inato. Porém, segundo Zanella et al. (2005), para que a criação surja,
necessário se faz um processo que envolve a aquisição de conhecimentos, o que acaba com a
idéia de que a criação possa ser algo natural, como se fosse um presente concedido somente
aos gênios.
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Portanto, se a pessoa não entrar em contato com a música, e com os conhecimentos
necessários para sua execução ou criação, dificilmente terá condições de saber de seu
potencial e de desenvolvê-lo. Segundo Med (1996, p. 9, grifo do autor) “A música não é
apenas uma arte, mas também uma ciência. Por isso, os músicos (compositores ou intérpretes)
precisam, além de talento, uma técnica específica, bem apurada; e esta se aprende durante
longos anos de estudo”. Quando se estuda, e há o contato direto com a música, certamente a
musicalidade será mais desenvolvida, fazendo com que a música tenha um espaço cada vez
maior na vida das pessoas. Para alguns, a música pode-se tornar tão importante e presente em
suas vidas que assume um papel cada vez maior, e assim, progressivamente, acontecerá maior
desenvolvimento técnico e musical. Além disso, certamente serão notados benefícios para
quem se dedica ao estudo musical.
Segundo Chin e Harrington (2007), o estudo da música pode afetar positivamente a
vida dos estudantes de vários modos: melhorando sua coordenação motora fina, o que pode
refletir no desenvolvimento cerebral, por exemplo. Em casos de crianças cuja educação
musical inclui improvisação e composição, suas habilidades de pensamento criativo estão
sendo aguçadas. Além disso, outros benefícios são citados pelos mesmos autores: aprende-se
a focar a atenção, a trabalhar com metas de longo prazo, e também pode haver uma melhora
no relacionamento com outras pessoas (em práticas de banda, por exemplo).
É possível perceber que não é necessário só “talento”. Em caso de pessoas que
queiram se profissionalizar e chegar a um bom nível técnico, a música passa a fazer parte de
suas vidas diariamente, pois é um estudo que nunca termina, e exige muita dedicação e
paciência por parte do estudante ou até mesmo do profissional, que deverá continuar
estudando e se aperfeiçoando ao longo de sua vida. Segundo Galvão (2006, p. 169), “Tocar
um instrumento musical é uma das mais complexas atividades humanas pelo tipo de demanda
que faz ao sistema de conhecimento como um todo”. E além de ter que estudar muito, da
dificuldade de se aprender a tocar um instrumento adequadamente, ainda há a questão
financeira. Especialmente no Brasil, existem muitas dificuldades para alguém que queira se
tornar músico profissional, pois além do mercado de trabalho não ser muito amplo, o músico
muitas vezes precisa fazer de tudo, como por exemplo, dar aula, tocar em estúdio, tocar um
ritmo que não se gosta, mas que dá dinheiro, porque há a necessidade de garantir o lado
financeiro, seja para o sustento, seja para pagar os estudos em música.
Para se chegar a um nível avançado, é necessária muita dedicação, vários anos de
aulas particulares, treino individual diário; deve-se também aprender a se apresentar em um
palco, o que certamente é difícil para muitas pessoas, e também é necessário aprender a lidar
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com a ansiedade e com todas as dificuldades que possam surgir. Tudo isso, apesar de poder
ser muito gratificante, é também um trabalho árduo, então, como mencionado por Chin e
Harrington (2007), o apoio emocional, por parte da família, professores e amigos é
fundamental para que se possa obter resultados satisfatórios.
Segundo Gregoire e Lupinetti (2005), as artes são fundamentais para todas as culturas
e épocas, e a música certamente merece destaque entre elas. Além de estar presente na vida
das pessoas, de trazer benefícios em vários aspectos, ela também pode ser considerada uma
forma de linguagem universal, sendo acessível a todas as pessoas, independente de seu
idioma, raça ou cultura.
2.2. História da Música
Desde os tempos mais remotos, o homem já estava em contato com diversos sons,
desde a variedade quase infinita produzida pela própria natureza até a fala ou o canto.
Segundo Pahlen (1965), na Antiguidade, época em que a natureza era ainda mais
presente no dia-a-dia do homem, eram atribuídos vários significados (muitas vezes místicos)
ao som dos trovões, dos ventos e dos mares, por exemplo. Então, é possível observar que
inicialmente, a natureza possuía estreita relação com a música em si. Pode-se aqui citar um
poema de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) que comenta esse fato:
Aquela senhora tem um piano Que é agradável mas não é o correr dos rios Nem o murmúrio que as árvores fazem... Para que é preciso ter um piano? O melhor é ter ouvidos E amar a Natureza. (PESSOA, 2006, p. 53).
Observando o contexto místico que era dado a determinados sons da natureza pelos
povos da época, já é possível observar que aí surgem os primeiros indícios da ligação entre
música e religião na humanidade, algo que será possível observar por um longo tempo na
história da música.
Em relação à música da Antiguidade, sabe-se muito pouco, pois não há transcrições da
música da época: é possível apenas observar sua importância em livros e histórias antigas.
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Além disso, existem esculturas e outras representações artísticas nas quais é possível ver
cenas musicais, reproduções de instrumentos e até orquestras da época.
Os registros escritos que existem apresentam muitas dificuldades e problemas em
relação à possibilidade de serem compreendidos atualmente, pois os sistemas utilizados eram
diferentes, o que impossibilita a reprodução “exata” (se é que isso é possível, pois como
reproduzir algo exatamente como era em outro povo, época e contexto?) da música de
determinada época.
Segundo Pahlen (1965), é possível observar a importância e ligação entre a música e a
sociedade com exemplos, como os tons na China, cujos nomes eram dados de acordo com as
classes sociais existentes.
Quanto ao Egito, local cujo desenvolvimento musical foi extraordinário, sabe-se que
havia música religiosa, profana, danças, entre outros tipos. Ocasionalmente, são encontradas
reproduções de instrumentos em túmulos.
Continuando a abordar os povos asiáticos, é interessante mencionar os judeus, povo
que concentrou a criatividade artística na poesia e música em função da religião. Depois, com
a dispersão dos judeus, sua música se espalhou no Ocidente.
Ainda tomando por base a Antigüidade, não é possível falar de música e arte sem
mencionar a Grécia, que praticamente possuía um “universo cultural” próprio. Segundo
Pahlen (1965), a música grega teve seus altos e baixos, de acordo com os ápices e decadências
da própria cultura e civilização grega, refletindo suas características.
Sobre a teoria musical na Grécia, é importante citar Pitágoras, que era matemático
(característica comum nos estudiosos de música da época), e usou seus conhecimentos em
alguns fundamentos teóricos da música. Além disso, ele foi educado no Egito, por isso, é
notável a influência egípcia sobre a música grega. As escalas gregas eram utilizadas de acordo
com o efeito que tinham sobre a mente humana. Além disso, em casos especiais, como no
culto de algum deus, por exemplo, eram utilizadas tonalidades e instrumentos específicos.
Com a ruína do Império Grego, que aconteceu lentamente, Roma acabou dominando-
o, e se tornou a nova potência mundial. A cultura grega foi aceita e incorporada em Roma, na
Itália e na Europa. Porém, como eram um povo e local diferentes, as bases da cultura grega
não foram compreendidas adequadamente, sobretudo, porque os romanos eram materialistas.
“A elevação espiritual tornou-se trivialidade, os pensamentos seletos descambaram para um
simples palavrório”. (PAHLEN, 1965, p. 31).
Em Roma, o mundo antigo vai desaparecer gradualmente, enquanto surge uma nova
época da humanidade: o Cristianismo. A partir daí, surgem os primeiros manuscritos
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decifráveis, alem de melodias e criadores de música conhecidos. Segundo Pahlen (1965),
inicialmente, os cristãos não apreciavam a música (que na época, era utilizada em rituais
violentos, sensuais e pagãos).
Conforme Pahlen (1965) informa, com a chegada do apóstolo Pedro, no ano 54, os
cristãos aprenderam a rezar, e por ele foram trazidas melodias do Oriente (mais
especificamente da Antioquia), que eram ligadas aos cânticos sagrados judeus. Assim, os
cristãos, que se reuniam em catacumbas encontraram o tipo de música que procuravam,
trazendo nova vida a essas canções, que permaneceriam na humanidade por muito tempo,
estando presente por mil anos na história da música. Esse tipo de música estava diretamente
ligada ao desenvolvimento e expansão da religião cristã pelo mundo – sendo inclusive
utilizada para converter pessoas.
Posteriormente, no ano de 323, o Cristianismo saiu finalmente das catacumbas para se
tornar a religião oficial do Estado. Com isso, a música também pôde finalmente entrar
oficialmente nas igrejas. No entanto, com isso, surge um novo problema: a música passa a ser
considerada como um privilégio exclusivo do clero, e a população, que a havia “iniciado”,
passa a ser privada da prática musical. Por esse motivo, um dos pontos principais para a
reforma protestante é justamente a música: os protestantes permitiram que o povo tivesse
novamente o acesso a ela.
Em relação ao papel da música nas catequizações e missões, quando a palavra falada
não podia ser compreendida, ou não era aceita, a música transmitia as mensagens de forma
eficiente para converter.
Quando o poder político de Roma acaba (mais precisamente no ano de 476), inicia-se
uma nova era, que possibilitou o posterior desenvolvimento ocidental. Nessa época, as
condições das estradas européias não eram boas, o que dificultava a expansão do
Cristianismo, da escrita e da música. Os rios eram utilizados para facilitar a comunicação. Nas
colônias, o ponto central eram os mosteiros, sendo que muitos deles eram também
importantes centros culturais da época.
De acordo com Pahlen (1965), a música, que havia sido privada do contato com o
povo, se tornou uma ciência dura, assim como qualquer outra ciência, e se tornou distante da
liberdade e entusiasmo da arte. Houve um grande desenvolvimento teórico, em detrimento do
desenvolvimento artístico.
O canto gregoriano foi a única forma de música na Europa por quase mil anos, sendo
essencialmente vocal, cuja melodia se desenvolvia em função do idioma. Conforme afirmação
de Pahlen (1965, p. 37) “A concepção de “arte” ainda não nasceu na Europa; a música, a
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pintura e a poesia servem a Deus. São, na formação e na execução, ainda anônimas, porque
nenhuma glória mundana se lhes liga e, menos ainda, vantagem material”.
Então, iniciam-se transformações nessa época. A Europa se encontra sob ameaça de
invasão por todos os lados, e surge o feudalismo. Essas mudanças políticas trouxeram
transformações extremas em relação à arte e à música, pois agora a vida era muito diferente
da que os sacerdotes levavam anteriormente. Os cavaleiros têm necessidade de cantar sobre os
temas que ocupavam suas vidas: amizades, aventuras, perigos em regiões distantes de sua
terra natal, e especialmente o amor. A Igreja e os temas religiosos ainda possuíam
importância, mas aos poucos, outros temas vão sendo acrescentados. A língua latina também
vai desaparecendo, dando lugar aos dialetos de cada localidade, que podiam ser
compreendidos por todas as pessoas da região.
A música e poesia, finalmente livres das restrições impostas pela Igreja, e cada vez
mais próximas do povo, ganham uma popularidade inédita até o momento. Nessa arte dos
trovadores, aconteceu a primeira invasão da música popular européia na música artística,
sendo uma reação contra o canto gregoriano, e o real início do nascimento da música
européia.
Segundo Pahlen (1965), surgem cidades, e com elas, mais mudanças. As cidades se
iniciaram a partir dos camponeses e artesãos. Então o número de casas foi aumentando, até
que aconteceu uma inversão de papéis: a cidade se torna mais importante que o castelo. Os
habitantes das cidades, os burgueses, se sentem cada vez mais seguros e ricos. Essas cidades
trazem um novo espírito para a Europa, e uma nova alegria de viver. A arte floresceu junto
com toda a riqueza e diversidade de novos temas que a vida da cidade trazia. Com isso, o
canto gregoriano se concentrou ainda mais nos mosteiros, aonde, a partir de então, permanece.
A música burguesa afirma a vida transitória em que viviam. No entanto, além das
músicas da vida terrena, ainda havia músicas religiosas – ainda há a crença em Deus, porém
agora existe espaço para os dois “tipos” de música.
Na nova cidade, a vida complica-se, sabem-no todos porque vivemos as suas últimas e maiores conseqüências nas modernas metrópoles. Não se complica apenas pelas exigências crescentes, pelas expansões e distâncias, cada vez maiores, pela multiplicação das relações mútuas dos homens, complica-se especialmente pelo crescente individualismo, pela especialização cada vez maior e pelo nervosismo cada vez mais sensível. (PAHLEN, 1965, p. 45).
Nessa época também, a música se torna parte da diversão, ao contrário dos outros
séculos, em que era devoção e edificação. E também, diferente dos trovadores, não era só
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representada por uma pessoa que contava feitos heróicos e viagens por territórios distantes:
todos queriam participar. No entanto, o canto gregoriano também não poderia satisfazer a
necessidade crescente de individualismo, pois nele, todos cantavam a mesma coisa. Por isso,
surge a polifonia, em que cada um pode fazer sua parte diferente dos outros, mas ainda se
pode cantar ao mesmo tempo. Segundo Pahlen (1965, p. 45-46) “Talvez já antes aparecessem
as bases técnicas para a polifonia, mas o momento psicológico - que é, afinal, o que importa –
só naquele tempo foi que surgiu”.
A música se tornou complexa a ponto de seu cuidado não poder mais ficar nas mãos
dos leigos, os burgueses que a iniciaram como uma diversão noturna. Porém, esse entusiasmo
popular não desapareceria da música. Os burgueses, de profissões variadas, se entregavam à
arte em suas horas de lazer, cuidando dela com zelo, sacrifício, e formaram “escolas de
música”, estipulando regras diversas.
Além disso, com o desenvolvimento das cidades, aconteceu uma mudança na posição
social dos músicos viajantes, que por muito tempo, fizeram parte da classe mais baixa da
sociedade. Agora, seu trabalho passa a ser mais procurado. Eles foram empregados
definitivamente. Segundo Pahlen (1965, p. 48) “A posição social dos grandes compositores
chega a seu primeiro ponto culminante. São amigos e confidentes de príncipes e grandes do
seu tempo, gozam de honras e de esplêndidas rendas”.
O teatro regressa às formas que predominavam na Grécia antiga, retomando seu
sentido e sua idéia ética. Por muito tempo, a igreja lutou contra essas peças populares, porém,
sem sucesso, já que o teatro era uma das poucas maneiras de diversão no início da Idade
Média. Então, a igreja passou a utilizar o teatro a seu favor, dramatizando a história de
personagens religiosas. Fora das igrejas, surgem peças teatrais com música abundante, que
seriam antecessoras da ópera.
A polifonia, de tão complicada que se torna, acaba ficando estranha para o povo, e
então tem seu domínio ameaçado pelo final do século. Este momento, segundo Pahlen (1965),
é decisivo e crítico na história da música, e coincide com uma época muito importante
politicamente falando: aí estava o limite para o mundo moderno. O Humanismo entra nas
universidades, e simultaneamente acontece o fim do Império Bizantino, com a conquista de
Constantinopla em 1453. Há um espírito de renovação nas cidades italianas – é a época da
Renascença.
Acontece uma reação contra a polifonia. As novas canções se constituem de grande
base popular e distante relação com a música dos trovadores. Nas igrejas, há um esforço para
que a polifonia ainda domine; nos palácios, cantam-se as novas melodias.
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É em Florença que a Renascença tem seu berço, pátria de muitos artistas, e na qual
surge a ópera. De acordo com Pahlen (1965, p. 58) “O século XVI é um século de transição
para a música: lado a lado, deparam-se-nos o antigo e o moderno”.
A música se ergue à categoria de arte, com individualidade e nacionalismo. Acontece a
separação do religioso e do profano - a música de igreja recua, e a profana conquista
importante posição na vida artística. A música nacional se delimita, e pode-se falar em música
francesa, alemã, italiana, etc. É nessa época também que surge a impressão de notas musicais,
que permitiu o registro e divulgação adequadas da música. Essa invenção, conforme Pahlen
(1965) informa, só pode ser comparada com o rádio, em importância.
Segundo Pahlen (1965), nessa época em que a escrita musical já está aperfeiçoada,
sendo quase igual a que se utiliza atualmente, pois já se imprimiam notas e já se divulgavam
músicas facilmente, os aspectos teóricos e os instrumentos já estão desenvolvidos, tudo se
prepara para a expansão musical que está por vir, e que permite que a música se torne
internacional, ultrapassando fronteiras. A época que vai começar é aquela que possui obras
que se tornaram clássicos, e artistas que se tornaram quase imortais. Conforme Pahlen (1965,
p. 74) “Cada trabalho de arte raia o milagroso, cada criador é um mundo à parte, quase
sempre incompreensível para os que o rodeiam”.
Este é o tempo de grandes músicos. Pode-se iniciar falando de Bach, que se tornou
mais reconhecido muito tempo depois de sua morte, e segundo Pahlen (1965) também pode
ser considerado inteiramente moderno. A obra de Bach, foi deixada a um mundo que pouco o
compreendeu, e já mostrava antecipações diretas dos estilos musicais que apareceriam na
história da música futura. Sua família é exemplo de hereditariedade artística, pois muitos de
seus membros foram músicos, incluindo os seus filhos.
Outro gênio da música alemã, Händel, não conheceu Bach, apesar de serem
contemporâneos. Sua vida foi oposta à de Bach, pois ele enfrentou diversos empecilhos e
muitas dificuldades, vencendo por causa de sua grande energia e vontade. Em sua família, não
havia nenhum músico, e seu pai apresentava grande resistência em relação à escolha de sua
profissão. Segundo Pahlen (1965), a essa altura, a música já era uma ocupação bem
recompensada, mas ainda havia o preconceito de que músicos eram pertencentes a uma classe
social inferior.
Segundo Pahlen (1965), após a morte de Bach e Händel, a música, e também a época
estavam em transição. A essa altura, poucos anos faltavam para que acontecessem a
Revolução Francesa e a independência Norte-Americana. A música feita nos palácios era
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mera diversão e passatempo, sem maiores pretensões. Tudo era medido – as formas são mais
importantes que o conteúdo, o que limita a todos, até mesmo os gênios.
O predomínio musical pertenceu à ópera. Lá pelo século XVIII, a Itália perde seu
domínio de país da ópera, enquanto outras cidades se tornam centros de cultura e arte. Viena
passa a ser o centro artístico da Europa, e lá estiveram grandes músicos. Foi durante esse
tempo que o teatro de Viena teve uma de suas mais brilhantes épocas. Segundo Pahlen (1965),
era a cidade da música.
Como exemplo de músico que viveu em Viena, pode-se citar o brilhante Mozart, cuja
breve vida – apenas 35 anos – não pôde fazer com que sua obra não se desenvolvesse a
tempo. Foi um dos compositores mais versáteis, demonstrando perfeição em vários estilos
diferentes, e manifestando seu talento muito cedo, com apenas 3 anos. Segundo Pahlen
(1965), quando já estava mais experiente, começou a compor suas obras primas. Em Viena,
aos 25 anos, compõe os seus maiores trabalhos. No entanto, seu talento não foi valorizado a
tempo, pois só recebeu uma oferta decente em sua vida, morrendo em extrema miséria.
Outro exemplo de músico que viveu em Viena foi Beethoven. Segundo Pahlen (1965),
a música de Beethoven se dirigia a todo o povo. Ele musicava sentimentos e desejos da
humanidade. Foi o primeiro artista independente e livre em sua criação, pois não recebia
nenhum tipo de coação externa. Escrevia música da forma que a sentia, desprezando regras,
quando achava necessário. O que inspirava sua obra eram problemas humanos,
diferentemente dos que faziam música para os palácios. Ele amava a natureza imensamente.
Recebia de nobres, aonde chegou a fazer amigos, mas ainda assim, manteve suas idéias.
Alguns anos depois, em 1796, começou a sentir os indícios da surdez, com a qual lutou
durante todos os anos posteriores. Quase toda a sua obra é composição de um criador surdo.
Conforme Pahlen (1965), ele foi a principal ponte entre o rococó e o romantismo, pois
aqui se iniciou a expressão de idéias.
Conforme o mundo foi mudando e se tornando cada vez mais complexo, a arte
musical também foi ficando mais complicada. As exigências foram aumentando cada vez
mais, e também o número de instrumentos, repertórios e técnicas aumentaram, fazendo com
que os artistas tenham que estudar continuamente, sempre se aperfeiçoando, provocando uma
grande separação entre executantes e público, tornando a música uma profissão como
qualquer outra, na qual vence o mais técnico e preparado. Com isso, também se restringe a
atividade do músico: por exemplo, um músico que desempenhava várias funções pode ter que
optar por sua habilidade mais forte, para se especializar nela, deixando as outras de lado.
13
No século XIX, surge o Romantismo na vida artística. Ele começou a aparecer
lentamente com Schubert e Beethoven. Segundo Pahlen (1965), politicamente, aconteceu uma
profunda revolução, assim surgindo a burguesia e também o proletariado. Regras foram
destruídas, tradições foram desprezadas. Agora, muitas coisas eram diferentes e já não havia a
segurança de antes, estabelecida pelas rígidas regras. Assim, se inicia uma nova forma de
vida, com filosofias diferentes, e com uma nova arte.
Desse modo, o Romantismo aparece com força na poesia, na música, na pintura e até
mesmo na filosofia. Na arte, o conteúdo da obra artística destrói as formas já construídas, para
reconstruí-las. As relações entre as artes se aproximam, uma inspirando a outra mutuamente, e
foi surgindo também a poesia na canção, alterando a relação entre a música e o teatro.
Até este ponto, os principais representantes na música européia eram de países
restritos, como Itália, Alemanha, Áustria e França. Por volta do século XIX, outros povos vêm
tomar seus lugares, seja pela primeira vez, seja num retorno após longa ausência no cenário
musical, como é o caso de Inglaterra e Espanha.
De acordo com Pahlen (1965), a expansão da vida musical tem dois principais
motivos: o primeiro é a expansão dos meios de transporte, e surgimento das linhas
telegráficas, que facilitaram o intercâmbio cultural na época; e o segundo motivo é o
romantismo, que possibilita o ressurgimento de lendas, sagas, tudo que dizia respeito ao povo
e sua cultura vem à tona. Segundo Pahlen (1965, p. 176) “As tendências nacionais apóiam a
arte popular como manifestação do caráter nacional; os movimentos revolucionários de fundo
social vêem no romantismo excelente arma para a luta de classes”. Assim, começa a luta do
nacional, que não mais pretende curvar-se à música internacional. Surge um novo caminho
para os povos.
Um dos artistas mais discutidos e que gerou controvérsia nesta época foi Wagner, não
só artisticamente falando, mas também política e filosoficamente. Segundo Pahlen (1965), é
em sua época que o romantismo chega a seu auge, e ele termina de completar a revolução
proposta por Beethoven. Ele foi, ao mesmo tempo, poeta e compositor, aprofundando-se nas
questões da humanidade através do teatro. Shakespeare e Beethoven o impressionaram
fortemente.
Outro gênio musical foi Verdi, que de acordo com Pahlen (1965), é a personificação
da ópera italiana, com grande esplendor e vitalidade, criando uma forma amadurecida da
ópera na Itália. Foi também um grande oposto de Wagner. O caminho percorrido por Verdi
foi difícil, e ele também teve Shakespeare como inspiração.
14
Com Wagner e Verdi, aconteceu o auge da segunda metade do século XIX. A ópera
alcançou sua maturidade com Verdi, e o drama musical com Wagner.
Algo que também floresceu no período romântico foi a canção. De acordo com Pahlen
(1965), a canção saiu dos círculos de amigos, e foi para os palcos e salas de concerto. Ela era
o oposto da ópera, e dificilmente um artista tinha sucesso nos dois estilos, com exceção de
alguns compositores eslavos.
Segundo Pahlen (1965), nesse ponto, inicia-se o desaparecimento das fronteiras
criadas pelo nacionalismo, sendo que agora as melodias e técnicas dos povos começam a se
misturar, acontecendo um processo de uniformização. A arte moderna vai perdendo cada vez
mais sua característica nacional, da mesma forma que as cidades iam se parecendo cada vez
mais. Inclusive na música, aconteceu uma universalização, até mesmo pela facilidade e
rapidez de comunicação entre os países, antes bem separados por suas fronteiras. Pahlen (1965) nos informa que após a Primeira Guerra Mundial, o mundo é dominado
ainda mais pela técnica, pelas novas invenções, como aviões, automóveis, televisão, entre
outros, e pela vontade de mudar tudo que era antigo. Agora o homem é pressa, busca por
novidade e intranqüilidade. Nas artes, busca-se por novos temas com desespero, e que sejam
diferentes do passado. Iniciam-se também esforços para a reforma da música. Os novos
compositores buscam inovar e criar novas regras, fazendo experimentos.
A essa altura, ainda falta falar da América, que nessa época, já possui música
significativa, subdividindo-se em várias partes. A música mais antiga, conforme Pahlen
(1965) afirma, está perdida.
Nos primórdios da colonização branca na América, não há preocupação em construir
uma nova cultura naquela terra, apenas se traz música da Europa. Chegam músicos para se
apresentarem, outros vêm para fundar instituições e ensinar. A América ainda absorve tudo
que é trazido da Europa, até que uma hora, percebe-se que há necessidade de criar novos
modelos e conteúdos, para desenvolver uma nova cultura separada da européia.
Em relação aos povos indígenas e civilizações antigas da América, Pahlen (1965)
conta que há sinais que indicam que havia música em civilizações desaparecidas, o que pode
ser observado em ruínas, esculturas e figuras com instrumentos musicais (quase todos de
sopro). O autor ainda afirma que os índios têm forte relação com a música, e a que ainda
restou obedece a leis totalmente diferentes da européia. Conforme Pahlen (1965, p. 306-307)
“A música é para o índio o que foi para as tribos da pré-história asiática: parte da vida, irmã
da religião, elemento místico, que traz chuva e cura doentes.”
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Na época da colonização, buscou-se destruir o que havia de cultura indígena. Mais
uma vez os sacerdotes europeus utilizaram a música para converter, só que agora, os índios.
Nas colônias, são fundadas escolas de música, trazendo a tradição européia e seus
conhecimentos. Porém, nessas escolas não existia nenhum índio, só filhos de europeus. Já nas
igrejas, instalam-se órgãos europeus; nos mosteiros, aparece mais uma vez o canto
gregoriano. Até aqui, o que aparece é que os colonizadores repetiram algumas das funções e
características da música observadas no início da história da música européia.
Na América do Norte, a vida e ensino da música também estavam sob influência
européia, predominantemente inglesa, enquanto que na América do Sul, a principal influência
era espanhola e italiana. Conforme Pahlen (1965), por volta de 1730, na América do Norte, já
eram realizados concertos, o que demonstra que já deviam existir orquestras e coros hábeis
nessa época. Em meados de 1750, aparece a “Ópera de Mendigos”, de origem inglesa.
Surgem também os primeiros compositores americanos, o que também se observa na América
do Sul.
Na época da Independência, as obras nacionais foram os hinos dessas novas
repúblicas. Pahlen (1965) conta que a única coisa de nacional que havia nessas obras eram o
entusiasmo e o texto, já que a música em si segue obedecendo às formas européias.
Inicialmente, a ópera e a peça de salão eram os estilos que mais chamavam a atenção
dos compositores americanos. Existiram algumas óperas americanas, que foram esquecidas
com o tempo, mas cujos títulos mostram que o artista americano se baseava na história da
própria América para criar os temas, e conforme Pahlen (1965) ressalta, nos pontos que há
maior drama, ou seja, no choque entre os índios e os europeus. Inclusive, esse mesmo tema
também inspirou alguns compositores na Europa. A única ópera americana que conseguiu
fama internacional foi “O Guarani”, de Carlos Gomes.
Na América Latina, existiam salões musicais, aonde os amantes da arte se reuniam
para falar de poesia e música, além de teatros.
Nos Estados Unidos, de acordo com Pahlen (1965), no início do século XIX, já viviam
bons músicos, que compunham obras para orquestras, óperas, além de terem sido fundadas
orquestras que são renomadas atualmente. Criaram-se também canções que se tornaram
populares entre o povo norte-americano. Neste mesmo século, aumentou o contato entre a
música européia e norte-americana, que vai ganhando mais espaço, o que posteriormente foi
se expandindo, e também abrangeu a América do Sul.
A partir daí, a música só se espalhou e se propagou: estudantes foram enviados para a
Europa, para aprenderem e poderem ensinar em seus países tudo que haviam aprendido; foi se
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conhecendo cada vez mais autores e estilos, e assim, foi surgindo cada vez mais o desejo de
criar música nacional. Além disso, também a mocidade começou a se interessar cada vez mais
por música, resultando em um grande número de estudantes.
De acordo com Pahlen (1965), a música americana do início do século XX, até
meados de 1950, se mescla na música popular – assim como aconteceu na Europa – e também
se influencia da mistura dos povos: tanto os países com predominância branca, como
Argentina, Uruguai e Chile, que receberam toda sua música da Europa; quanto os países com
o componente indígena, tais como Peru, Bolívia, México e América Central; e ainda os
outros, com o elemento negro (Brasil, Cuba, Haiti). Isso definiria o quanto de influência
européia a música de cada um desses países teria.
Cabe agora destacar o Brasil, que de acordo com Pahlen (1965, p. 325) “[...] pode ser
considerado o país mais interessante da América Latina, sob o ponto de vista da vida
musical.”
No seu primeiro momento de desenvolvimento de vida musical, entre os anos de 1801
e 1850, é feita apenas uma continuação da música colonial, ou seja, imitação européia, com
predomínio de música religiosa. Houve importantes centros musicais nesta época na Bahia,
em Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro.
No fim do século XIX, uma nova geração clama por música brasileira, criando os
fundamentos para sua futura ascensão. As duas gerações que se seguem a esta levaram a
música brasileira ao auge – apoiando-se no folclore indígena. Aqui é necessário destacar
Villa-Lobos. Ele venerava Bach, e misturou-o com choros e sambas, o que resultou numa
obra muito original, e também sofreu influência do folclore do Norte. Além dele, também
existiram outros compositores brasileiros notáveis nesta época.
Na América do Norte, na qual há menor base folclórica e mistura de povos, o elemento
negro aparece na música especialmente com o jazz, que inova tanto no ritmo, nos sons e nos
instrumentos. Este estilo está acompanhado pela dança. Também há maior liberdade de
interpretação.
O jazz, ao se espalhar pelo mundo durante a Primeira Guerra Mundial, sofreu alguma
influência dos brancos, que modificaram-no um pouco. A principal influência do jazz foi na
técnica contemporânea das composições, pois muitos elementos da música atual se
fundamentam nele.
Ainda se faz necessário mencionar a música eletrônica, que segundo Bennett (1986)
teve sua origem na Alemanha, na década de 1950, e abrange os sons registrados por
microfones e também os que são produzidos por geradores eletrônicos de som.
17
Neste ponto, depois da maior parte da história da música ter sido percorrida, cabe falar
que tantos outros estilos, como o rock, o metal, o samba, o pop, só para citar alguns, têm seu
surgimento e histórias próprias, dentro deste imenso mundo da música. No entanto, não seria
possível detalhar a história de cada um dos estilos musicais, visto que são inúmeros, e
também, esta não é a proposta do trabalho.
Portanto, para finalizar, cabe mencionar a seguinte afirmação de Pahlen (1965, p.
357):
A idéia – e isso é o essencial – continua sempre a mesma: arrancar os homens à vida de todos os dias, e fazer com que sintam duplamente a arte, visto que tudo quanto os tira da vida diária os aproxima da arte e da natureza. Não há nisso nada contra a arte, nem contra a natureza; pelo contrário, há contra a vida de todos os dias... [...] A educação racional malogrou, não fazendo os homens felizes nem justas as instituições e nem, tampouco, amantes de paz as nações.
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3. OBJETIVOS
3.1. Objetivo Geral
Esta pesquisa tem como principal objetivo a compreensão do sentido da música para
profissionais e estudantes da área musical.
3.2. Objetivos Específicos
- Verificar como se revela a vocação ou o chamado musical para estas pessoas;
- Constatar de que maneira a música se torna parte da vida desses indivíduos;
- Verificar se as pessoas se mostram ou se expressam por meio da música, e caso isso
aconteça, como é esse mostrar-se ou expressar-se.
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4. MÉTODO
4.1. Participantes
A pesquisa foi realizada com 3 pessoas, do sexo masculino, cuja idade variou entre 21
e 25 anos, da Grande São Paulo, que estudam/trabalham com música. O principal critério para
inclusão no estudo foi o tempo mínimo de 2 anos de estudo e prática musical (canto,
composição ou prática instrumental), e que ainda praticassem ou estivessem estudando.
Os participantes foram escolhidos por conveniência, através de contatos em comum.
4.2. Material / Instrumentos
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), no qual o participante se
informou sobre o estudo, e depois de concordar em participar, autorizou por escrito. É
importante ressaltar que foram feitas duas cópias do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, uma para cada participante e uma para os pesquisadores.
Foi utilizado mp3 para fazer a gravação da entrevista, além de papel para anotações e
caneta, para anotar pontos importantes observados durante a entrevista. Foi utilizado o
Roteiro de Entrevista Semi Aberta (Anexo 2) como guia na hora de fazer as perguntas.
4.3. Procedimento
O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e recebeu CAAE número
0087.0.237.000.08. Depois, os participantes foram contatados. Foi feita uma breve explicação
sobre o tema abordado no estudo, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi
apresentado. Foram esclarecidas possíveis dúvidas sobre o estudo e os procedimentos
adotados. Após concordarem formalmente em participar do estudo, foram feitas as
entrevistas, cujos locais e horários foram combinados com cada participante.
Durante cada entrevista, o áudio foi gravado, para que posteriormente fossem feitas as
transcrições. Foram feitas três entrevistas semi-abertas, sendo que existiam algumas questões
20
pré-definidas, que foram aprofundadas e desenvolvidas conforme o desenrolar da entrevista.
Cada entrevistado teve liberdade de falar sobre tudo que achou necessário. Havia o propósito
de se diferenciar de outras pesquisas que visam analisar quantitativamente um determinado
aspecto, ou buscar a resposta para um objetivo já determinado, deixando de levar em conta a
fala da pessoa na sua totalidade.
A partir da crítica ao Positivismo1, surgiu e desenvolveu-se uma nova epistemologia
qualitativa, na qual apareceram novas maneiras de se coletar dados e analisá-los, ou seja,
surgiram novas práticas de pesquisa, alternativas ao modelo tradicional.
Segundo Szymanski e Cury (2004) de um lado, há a pesquisa que busca a manutenção
da objetividade e rigor científico, visando à análise e medição de eventos e variáveis
determinadas através de correlação estatística, o que possibilita generalizar; por outro lado, há
uma proposta diferente, no entanto, não menos científica, na qual se leva em conta que a
relação interpessoal está contaminada pela subjetividade dos participantes. De acordo com
Szymanski e Cury (2004, p. 356), “[...] começou, por essa via, um questionamento do próprio
papel do pesquisador, agora incorporado à situação de pesquisa”.
Assim, nossa pesquisa é qualitativa e fundada no método Fenomenológico. Pretendia-
se que houvesse interação entre pesquisador e entrevistado, e a partir de sua fala, haveria a
possibilidade de desvelamento do sentido dos fenômenos que aparecessem. Como todo
fenômeno aparece em conjunto, é impossível pensar numa pesquisa fenomenológica sem o
pesquisador. Nesse sentido, é sempre um encontro. Ainda, levando em conta que o propósito
principal do trabalho é a compreensão do sentido da música para profissionais e estudantes da
área, cabe destacar que, segundo Forghieri (1997-2001, p.58):
O sentido que uma situação tem para a própria pessoa é uma experiência íntima que geralmente escapa à observação do psicólogo, pois, o ser humano não é transparente; para desvendar sua experiência o pesquisador precisa de informações a esse respeito, fornecidas pela própria pessoa. A investigação desse tipo de experiência, que constitui a vivência, apresenta-se como um desafio para o método experimental que está voltado para a observação dos fatos e o significado destes, considerando-os em si mesmos. O método fenomenológico apresenta-se, então, à Psicologia, como um recurso apropriado para pesquisar a vivência.
1 Segundo Silvino (2007), o Positivismo foi uma corrente de pensamento que dominou parte da cultura na Europa, entre 1840 e o período da 1ª Guerra Mundial aproximadamente. O Positivismo reivindica o primado científico, afirmando que o único método de conhecimento seria o das ciências naturais, estabelecendo leis causais e enxergando a ciência como o único modo de resolver os problemas humanos e sociais, por meio de descobertas ao longo do tempo. O Positivismo se baseia em fatos empíricos, considerando-os como única evidência de verdade.
21
O método Fenomenológico, cuja filosofia, segundo Lopes, Oliveira e Damasleno
(1996), é defendida como ciência de rigor na Alemanha, nasceu como uma reação ao
empirismo positivista2. Ainda segundo estas mesmas autoras, vários autores consideram a
Fenomenologia como um método adequado para o estudo de fenômenos humanos e sociais,
sendo que essa abordagem não é exatamente uma substituição ou oposição direta ao
pensamento das ciências exatas, mas sim uma nova proposta de compreensão do ser humano.
De acordo com Forghieri (1997-2001), o enfoque fenomenológico é aquele que realmente
abarca a existência humana em sua totalidade.
O procedimento para a coleta de dados foi baseado na pesquisa intervenção. Para falar
mais sobre a pesquisa intervenção, pode-se afirmar que tanto o participante quanto o
pesquisador são afetados durante a pesquisa, ou seja, a própria pesquisa já é considerada
como uma intervenção. A pesquisa intervenção em Psicologia surge a partir do
questionamento da utilização dos métodos das ciências naturais aplicáveis às ciências
humanas.
Além disso, em uma perspectiva heideggeriana, pode-se afirmar que, neste modo de
pesquisa, busca-se um autêntico ser-com-os-outros, numa relação de proximidade e
propriedade, o que muitas vezes não é proporcionado por um método de pesquisa mais
objetivo, aonde pessoas podem passar a representar simplesmente dados ou números.
Segundo Rée (2000, p. 31):
Inautenticidade é o que sucede quando não “possuímos” a nós mesmos – quando negligenciamos a peculiaridade de nossa existência como intérpretes do mundo, isto é, como Daseins, e tratamo-nos como se fôssemos apenas mais uma das entidades à-mão ou simples-existências com que deparamos no curso de nossa experiência.
Assim, não é um objetivo do trabalho obter dados, a serem isolados e reduzidos para
serem manipulados como mais uma coisa de uso, como um recorte do homem. Além disso,
como mencionado anteriormente, não é objetivo dessa pesquisa a obtenção de dados visando
a generalização, e que busquem uma “verdade”, mas sim a observação dos fenômenos que se
apresentaram em cada entrevista, a partir do discurso de cada participante. Conforme Beaini
(1981, p. 71):
Existe uma forma de pensamento subjacente à relação subjetivo-objetivo, por nós ainda não mencionada. É o pensar, que reduz tudo ao ente, que pode ser medido, analisado em suas causas e efeitos, calculado. É o pensamento exato tão valorizado
2 Segundo Silvino (2007), o Positivismo se baseia em fatos empíricos, considerando-os como única evidência de verdade.
22
pelo homem de nossa época, pois seus efeitos se fazem notar com extrema rapidez. O pensamento calculador, pretendendo apenas lidar com o ente que tem como seu fim, é prático. Mas, a este pensamento exclusivamente funcional passa despercebido que o conhecimento do ente não se deve aos atributos da inteligência humana, mas ao seu fundamento oculto que tudo revela: o ser.
Assim, fora desse pensamento reducionista, que desmembra, analisa, calcula e conclui,
buscou-se manter a atenção e o cuidado com a fala de cada participante, em sua singularidade.
Sobre a impessoalidade que muitas vezes se encontra na técnica e na ciência, é possível citar
Heidegger (2005, p. 179):
Na utilização dos meios de transporte público, no emprego dos meios de comunicação e noticias (jornal), cada um é como o outro. Este conviver dissolve inteiramente a própria pre-sença no modo de ser dos “outros” e isso de tal maneira que os outros desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão. O impessoal desenvolve sua própria ditadura nesta falta de surpresa e de possibilidade de constatação.
Portanto, há a proposta de se manter no que se revelou em cada encontro, a partir da
fala de cada participante, que possibilita que o ser se desvele a partir da linguagem. Segundo a
seguinte fala de Heidegger (2005, p. 57):
A palavra “fenomenologia” exprime uma máxima que se pode formular na expressão: às coisas em si mesmas!” – por oposição às construções soltas no ar, às descobertas acidentais, à admissão de conceitos só aparentemente verificados, por oposição às pseudoquestões que se apresentam, muitas vezes, como “problemas”, ao longo de muitas gerações.
Assim, ao “ir às coisas em si mesmas”, é possível, a partir de cada fala, observar o que
se deixa desvelar, o que pede para ser escutado, os sentidos que surgem a partir da linguagem
de cada pessoa, sem antes tomar por base premissas adotadas a priori como verdades
inquestionáveis.
Portanto, na pesquisa qualitativa e interventiva, pode-se afirmar que o foco está na
natureza da experiência humana, como tal, enxergando essa experiência como um todo, dando
ênfase para seu significado ao invés de se preocupar com medidas, generalizações ou causas.
As experiências humanas são o que constituem a existência. Sapienza (2004) afirma
que no referencial heideggeriano, compreende-se o Dasein3 como ser-no-mundo, que está
lançado e é chamado nas possibilidades que possui para que sua existência se realize da
melhor maneira possível. Com cuidado, deve fazer suas escolhas criteriosamente, pois, pela
3 Dasein: Palavra alemã introduzida por Heidegger que significa ser-aí, ou seja, o modo de ser do ser-humano, a existência.
23
condição de mortal inerente ao homem, seu tempo é finito. Dessa forma, ele está sempre a
caminho, é esse eterno vir-a-ser que caracteriza o modo humano, e é assim que o homem tem
a possibilidade de realizar seus sonhos e planos; o homem é abertura às possibilidades, e não
algo fechado, pronto ou totalmente já definido.
Aqui vale mencionar que apesar da importância das teorias psicológicas, elas não
bastam para compreender todos os tipos de situações vividas pelas pessoas, especialmente se
forem mal utilizadas, com o intuito de aprisionar ou categorizar. Não importa a quantidade de
teorias psicológicas a respeito do humano; ao rejeitar toda objetividade – e por isso, toda
subjetividade – é necessário estar aberto ao fenômeno como ele mesmo, intervindo e sendo
modificado em cada situação.
4.4. Plano de Análise
Para a análise dos dados, após a transcrição dos relatos, utilizou-se a Hermenêutica
para poder observar o que surgiu nas entrevistas, o que se deixou desvelar e se mostrou como
fenômeno.
Segundo Campigoto (2003), a atitude hermenêutica não está restrita a ser um método,
podendo ser considerada como uma concepção filosófica a respeito da compreensão e
linguagem. Busca-se compreender de uma forma diferenciada das que geralmente são
utilizadas em interpretação de dados que visam a um método mais objetivo.
Segundo Sousa (2004), a Hermenêutica remete ao interpretar, desde suas raízes
gregas, levando-se em conta que a partir do momento em que falamos de algo,
automaticamente já estamos interpretando. Nesse sentido, é possível afirmar que raramente
haverá uma neutralidade total, tanto por parte de quem fala como por parte de quem ouve ou
lê algo, sempre é dado um sentido.
Existem diversos tipos de correntes hermenêuticas na Psicologia. Para nosso estudo,
seria importante destacar a ontologia hermenêutica, que está centrada na constituição da
existência em si mesma, ou seja, emergir nos dados que se mostrarem.
Segundo Sá e Amorelli (2004), Heidegger, em seu livro Ser e Tempo, de 1927, utiliza-
se de uma perspectiva fenomenológico-hermenêutica para analisar a existência humana. A
Fenomenologia de Heidegger se baseia na compreensão da existência humana como um ser
lançado no mundo, como abertura e possibilidade. O não-ser sempre a caminho do ser, que
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não pode ser considerado como uma coisa dada, pronta. Também é proposto que se ultrapasse
o Positivismo postulado por Descartes, a separação entre sujeito e objeto, pois, visto que o
Dasein é ser-no-mundo, não há um sem o outro, ambos co-existem. Esse Dasein irá buscar a
compreensão do mundo a partir de sua existência.
Além disso, Heidegger (2005, p. 219, grifo do autor) ainda fala do discurso,
compreensão e sentido, como se pode observar a seguir:
Do ponto de vista existencial, o discurso é igualmente originário à disposição e à compreensão. A compreensibilidade já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. O discurso é a articulação dessa compreensibilidade. Por isso é que o discurso se acha à base de toda interpretação e proposição. Chamamos de sentido o que pode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda, já no discurso.
De acordo com Beaini (1981, p. 66) “A relação hermenêutica efetua-se, assim, da
seguinte forma: o homem colocando-se a serviço do ser o anuncia, cumprindo, deste modo,
sua referência à solicitação que lhe é feita”.
De acordo com Sousa (2004), a tarefa hermenêutica exige que seja restabelecida a
estrutura do texto a ser compreendido, que traz uma visão do mundo do outro, mas que
poderia ser habitado por mim. Para que seja possível entender, ou até perguntar sobre algo, é
necessário que já haja uma compreensão anterior a tudo isso; só é possível perguntar sobre
algo que já se tenha um conhecimento prévio, ainda que não temático. Além disso, nossa
condição humana permite a compreensão do “mundo” do outro, pois, sendo Dasein, todos
estamos lançados no mundo, e ainda que a existência aconteça de formas diferentes, é
possível se “colocar” no lugar do outro, e compreendê-lo. Segundo Sousa (2004, p. 696) “[...]
a preocupação fundamental da hermenêutica é passar da noção de texto à idéia de abertura de
um mundo, o mundo da obra que se projecta, que se abre, permitindo chegar à compreensão
de si”.
Também é importante ressaltar a importância da análise cuidadosa dos dados após sua
transcrição, pois o explicar e o compreender são possíveis a partir da relação existente entre a
escrita e a leitura, que mostram novas possibilidades que podem não ter sido desveladas no
momento do diálogo (falar e ouvir). Não é dado nem ao texto nem ao indivíduo um caráter já
definido ou imutável, ambos vão se construindo e desvelando um sentido. Há, portanto, uma
relação entre o todo e as partes de um texto ou de uma fala: ambos se influenciam, não são
simplesmente agrupados ao acaso.
25
Segundo Sapienza (2004), quando se trabalha com a fenomenologia, há a necessidade
de ir diretamente ao fenômeno, tal como ele se mostra – isso se caracterizaria como um ir “às
coisas elas mesmas”, ou seja, imergir no fenômeno em si, buscando um sentido de acordo
com aquela situação, que vai se desvelar de um determinado modo, único.
A partir da compreensão, surge a possibilidade de interpretação, como afirma
Heidegger (2005, p. 218-219) “Toda compreensão guarda em si a possibilidade de
interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende”.
26
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 Análise
O contato com o primeiro entrevistado foi feito por meio de e-mail, e de outros meios
eletrônicos, tais como orkut e MSN. Não houve dificuldades para fazer esse contato.
J., de 25 anos, foi muito receptivo, inclusive se prontificando a arrumar o local para
que a entrevista fosse feita, além de comentar sobre o projeto com alunos e outros professores
da escola em que dá aula. Também passou alguns contatos de pessoas que se interessaram,
para que caso houvesse necessidade, fosse feito o contato para que estes interessados
participassem da pesquisa.
A primeira entrevista foi feita no dia 9 de agosto de 2008, na escola de música em que
J. dá aula de teoria musical. A entrevista foi feita em uma das salas da escola, em ambiente
tranqüilo. Além disso, como já era final da tarde de sábado, não havia tanto movimento na
escola. O maior incômodo veio da rua, pois, como as entrevistas foram feitas em época de
eleição, várias vezes os carros de propaganda política atrapalhavam e interferiam, o que pode
ser notado nas entrevistas, além de ter sido difícil fazer a transcrição em alguns pontos por
conta desse excesso de ruído.
Após essa apresentação inicial, foi feita a análise hermenêutica da fala de J., na qual
foram abordadas as questões que apareceram. Foi uma entrevista muito tranqüila, na qual o
entrevistado falou livremente sobre como a música tem se mostrado em sua vida, como se deu
esse “chamado”, ou essa “vocação”, além dos pontos que fundam a importância da música na
vida de J., que possibilitou a observação de seu sentido principal, sobre o qual será falado
mais adiante. Além disso, ele relatou suas aflições, reconheceu as dificuldades que possui
com muita naturalidade, mostrando muito do que a música representa para ele.
Para começar, é possível abordar o surgimento da presença da música na vida de J. Ele
contou que desde criança tinha contato com a música, aquele contato comum que a maioria
das crianças têm (cantar, dançar, por exemplo), mais como uma forma de brincadeira. A
vontade de aprender veio por volta dos 13 anos, quando ele chegava da escola e ficava vendo
MTV o dia todo, o que fez com que ele definisse seu gosto, e passou a se diferenciar mais de
seus pais, passando a escutar novas músicas e parando de escutar várias outras. Nessa época,
J. gostava mais das músicas que passavam na MTV, depois entrou em uma fase de escutar
27
mais rock (o que é típico para muitos adolescentes). Atualmente, ele gosta de um pouco de
tudo, pois a faculdade ampliou sua visão musical, mas destaca que seus estilos preferidos são
música brasileira e Jazz. Ou seja, foi percorrido um caminho que possibilitou a J. a
diferenciação de seus pais, a busca por algo com que se identificasse mais, a criação de uma
identidade musical própria, que o possibilitou nomear o que gosta e o que não gosta.
Então, quando surge essa vontade de J. para iniciar seus estudos, ele relata que não
teve maiores influências além da própria MTV, no entanto, seus pais o apoiaram
financeiramente para que fizesse o curso e pudesse estudar. Cabe destacar aqui que J. estava
no início da adolescência, com mais ou menos 13 anos de idade, então, quando iniciou o
estudo da música, ela não representava necessariamente uma escolha de “futuro”, por isso, ele
não teve dificuldades em conseguir apoio para estudar. Na análise das outras entrevistas, será
necessário retomar essa questão da idade e a relação com o apoio recebido no início do estudo
dos outros entrevistados, pois isso aparece como questão muito importante, que será
desvelada ao longo da análise.
Em relação à presença da música na vida de J., quando perguntado, ele inicialmente
disse que a música estava bem presente, mas em seguida, contou que a música já não estava
tão presente como antes, pois ele afirma que quando fazia só a faculdade de música, tinha
mais tempo para se dedicar tanto ao estudo quanto às aulas que dava. Ele contou que
atualmente, a música em sua vida se restringe ao tempo que passa na faculdade, o estudo
estritamente necessário para poder cumprir com as atividades pedidas, e é sua profissão no
fim de semana. Na seguinte frase de J., nota-se como está a situação atual: [Hoje a minha
música...a música no meu dia-a-dia é a faculdade de música, e assim, pouco, eu estudo muito
pouco assim, uma hora, uma hora e meia por dia assim, só pra fazer as coisas que a faculdade
de música precisa né.]. É interessante ressaltar que na entrevista, J. destacou bastante a
palavra “pouco” quando a disse. Aqui começa a se mostrar o papel da música atualmente na
vida de J. – o cumprimento de tarefas, e o peso do ter que fazer, da obrigação, questão que
será aprofundada. Muito desse aparente esgotamento de J. em relação à música pode ser
relacionado à própria faculdade de música, talvez pelo constante tempo de convivência com
ela. Em vários pontos da entrevista, esse cansaço e peso são notáveis.
Como ele mesmo relata:
A música mesmo é minha profissão no final de semana e o curso que eu faço de manhã e que eu tô doido pra acabar assim. Ai eu até brinco que eu falo assim: “Não, depois que eu me formar em música, ai eu vou voltar a estudar música de verdade”. Aí vai sobrar um pouco mais de tempo, ai eu vou...vou estudar as coisas mais relaxado assim, sem aquela pressão de “Ah, tem que fazer pra faculdade.
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O entrevistado fala que quando se formar, ai vai sobrar tempo pra estudar relaxado,
sem a pressão. Agora não há tempo para o estudo prazeroso e relaxado, somente o tempo
esmagador da pressa e do cumprimento das obrigações.
Ainda nessa fala, é possível notar que J. sente a faculdade como um peso, tarefa a ser
cumprida, e que está perto do final, mas que enquanto não chegar ao fim, continuará a ser um
fardo. Também, no trecho “voltar a estudar música de verdade”, fica aparente que o
entrevistado não vê a música que tem feito ou estudado como verdadeira, mas sim como o
cumprimento de tarefa, e que ele precisa antes “cumprir a tarefa” de se formar, para depois,
estudar música de verdade. E por que essa música agora não é o estudo da “música de
verdade”? Isto já aponta para a questão principal, do sentido da música para J. Para
compreender isto, é necessário verificar como se configura a música e o sentido dela para J.
Logo no início da entrevista, quando foi pedido ao entrevistado que descrevesse o que
é música para ele, ele inicialmente teve dificuldade para descrever, mas em seguida, disse que
era algo do qual gostava muito e que dava prazer, além de trazer um relaxamento, e lhe ajudar
a esquecer um pouco a tensão presente no dia-a-dia.
Ele também conta que gosta de passar o que sabe da música, do contato com as
pessoas, e que ela é a profissão que ele escolheu para estudar. Com essa escolha, veio a
responsabilidade, da qual J. se apropriou (não só ele, como todos os entrevistados), e que o
levou a tarefa de fazer a faculdade. Além disso, ele também aprecia a própria questão do saber
relacionado à música, o que podemos observar na seguinte fala:
[...] saber o que tá por trás da...de tudo aquilo...daquilo que me dá prazer é algo que também me dá prazer. Conhecer o porquê das escalas e o porquê dos intervalos, como funciona a estrutura da música, é algo também que...é um negócio até um pouco de ego, assim, tipo, dá um certo “pô conheço isso” [...].
Essa questão da estrutura da música também aparece nas outras entrevistas,
demonstrando que é algo muito importante para o músico profissional conhecer aquilo que
estrutura o que gosta, e que esse conhecimento trará mudanças no próprio relacionamento
com a música.
Como é possível notar, para J. a música é algo muito positivo, que traz relaxamento,
contato com as outras pessoas, conhecimento, e fundamentalmente prazer em todas essas
situações. Ao longo de toda a entrevista, J. menciona ou a palavra prazer ou palavras
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relacionadas a ela em 14 situações. Portanto, parece que o prazer e relaxamento
proporcionados pela música são muito importantes para J.
Agora, voltando à questão da obrigação e da tarefa impostas pela faculdade, buscando
nos aprofundar nesse aspecto, foi perguntado se J. achava que a pressão do [Ah, tem que fazer
pra faculdade.] atrapalhava. Ele afirmou que sim, que o ter que fazer atrapalha o próprio
relaxamento que a música proporciona. Além disso, o entrevistado ainda relata que um amigo
seu diz que J. costuma dizer a seguinte frase: [nossa, hoje eu adoro pegar um violão, ficar
tocando, cantando.]. Ele conta que era muito o que fazia quando estava aprendendo, e além
disso, logo no início da entrevista, essa questão do mais simples também aparece: [gosto
de...sei lá, acordar de manhã às vezes quando não tem nada para fazer, pegar um violão e
começar a tocar.]. Parece que para J., atualmente, o prazer da música está justamente nessa
simplicidade do mais espontâneo, do que surge, e da sensação que é trazida nesses momentos,
e não no mecânico, que traz a obrigação e com isso tira o prazer e o relaxamento. Ele ainda
conta que quando alguém propõe para tocar uma música mais difícil, ele fala: [Tipo...porque
hoje, nem a pau, “vamos tocar uma música super difícil”, tal, eu já falo “não quero, quero
uma coisa mais fácil...”, tal.]. Quando J. fala esse “não quero, quero uma coisa mais fácil”, ele
usa um tom de “por favor, eu não agüento mais!”.
É curioso que o entrevistado relata que antes, gostava de instrumentais difíceis,
virtuosos, e atualmente gosta de algo mais canção. Ele atribui isso ao fato de ter deixado de
lado um pouco o estudo da música, pela própria pressão do ter que estudar, e também por
estar buscando um novo caminho, sobre o qual será falado mais adiante. Por causa dessa
pressão, J. afirma ter ido para um outro lado da música, o de tentar compor canção. Foi
perguntado para ele como é essa tentativa. Inicialmente, J. pareceu se sentir um pouco
inseguro ao falar dessa questão, mas depois, explicou que no meio do semestre passado, ele
estava numa tentativa de compor, segundo ele, “coisa boba”. A partir daqui, ele sai um pouco
dessa questão que não parece tão confortável, e J. começou a explicar como surgiu seu
interesse pela música brasileira e pela canção, que foi por meio do estudo na faculdade.
Depois, ele retorna a questão da composição, reafirmando que não é nada sério, mas, no
entanto, é algo que lhe dá prazer. O próprio estudo trouxe a ele algo que lhe dá prazer.
Na fala de J. ficou evidente que, apesar do cansaço, ele ainda tem esperança de voltar à
música como prazer e relaxamento, pois atualmente, ela aparece só como estudo e obrigação,
e certamente, é necessário um equilíbrio entre tudo isso. Quando foi perguntado como ele fica
quando está em contato com a música, J. disse que depende da situação, e que é diferente se
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você está tocando com os amigos, ou se há a obrigação do “ter que fazer”. Para retomar o
peso trazido pela faculdade, e para ir adiante, pode-se observar a seguinte fala de J.:
Engraçado, eu tô em uma fase, acho que eu... na verdade acho que eu vou voltar um dia, mas eu tô em uma fase acho que de declínio musical assim, tipo de “ah, eu não agüento mais”, acho que é muito por causa da faculdade, 4º ano de faculdade, você não agüenta mais e... mas eu acho que, ai tipo, depois que acabar, quero ver se eu dou mais aulas, ai acho que eu vou voltar a ter mais prazer assim, de novo. Hoje em dia o que me dá prazer é a coisa mais simples, as coisas que saem na hora assim. A coisa mais mecânica, mais trabalhosa, que eu tenho que estudar, acaba... acabo deixando um pouco de lado, acaba me deixando uma sensação mais... não tão prazerosa.
Nesta fala, além de ser possível mais uma vez observar o peso da obrigação e da
faculdade, também é possível notar a esperança em retomar o prazer da música, além da
simplicidade com a qual ela tem se mostrado. Parece que há um conflito constante entre a
obrigação e o prazer. Também aparece que o fim da faculdade de música parece algo
libertador, uma tarefa que, depois de cumprida, lhe re-autorizará a retomar o prazer da
música.
Outro “ponto de escape” que J. encontrou para tentar superar o tecnicismo e as
obrigações é o estudo da parte teórica da música. J. afirma que sempre foi muito teórico, mais
do que prático. Ele ainda relatou que na parte prática, nunca conseguiu tocar tão rápido, e por
isso, acabou se diferenciando um pouco, por sempre gostar de teoria musical e história da
música.
É feito também mais um retorno a questão do “ter que”, porém, agora ela se revela de
mais um modo: além do próprio peso da obrigação, a frustração da imperfeição com que o
músico precisa lidar. Conforme a fala de J.: [Agora essa coisa do “ah, tem que tocar”, tal, às
vezes, me sinto um pouco pressionado, um pouco mal assim às vezes né, porque também tem
aquela cobrança do “ah, não tá bom”. Tipo, podia tá melhor, não tá bom, e acaba... é... sendo
ruim isso.]. Aqui se ilumina a questão e tarefa do músico, do estudo constante (que será falada
a seguir), da disciplina, além de ter que lidar muitas vezes com a imperfeição e a frustração.
Nesse ponto, pode-se falar do quanto essa tarefa tem sido difícil para J.: além de ter que lidar
com a obrigação, com o mecânico e com a perda do prazer, ainda não está bom, todo o
esforço não é suficiente. Ainda para se aprofundar nessa questão, é possível seguir com a fala
de J.:
Até antigamente tinha muito essa coisa do...quando era mais novo assim, tal, “hoje eu não toco tão legal, mas daqui a dois anos, eu vou estar tocando bem pra caramba”. Eu acho que você evolui assim, mas ai você vai vendo: “ah, ainda não tô
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tocando tão legal”. Ai você fala: “nossa, acho que eu não vou tocar que nem aqueles caras”, porque você tem um ídolo, e você tem a meta de atingir aquilo né. Na verdade, tem outros caminhos que você pode ir, eu acabei indo pra essa parte mais teórica justamente por causa disso. Eu falei: “ah, na prática acho que eu não vou chegar muito onde eu quero” então, acabei indo mais pra parte teórica, gostando mais da parte teórica, porque a prática às vezes dá uma frustração porque você não consegue, que é muito estudo também.
Ou seja, a prática, o tocar em si, muitas vezes é um não, por mais que haja o esforço, o
estudo, e a disciplina, na imperfeição vem a afirmação de que “ainda não é suficiente”.
J. então se questiona: [Talvez se eu estudasse mais, hoje eu talvez eu...]. Foi
perguntado então se o entrevistado achava que essa própria questão do “se eu estudasse mais”
gera mais uma cobrança. Ele disse que com certeza, porque na música, sempre se sabe que
precisa estudar mais. [Porque você sabe, assim, que você precisa estudar mais. Música...eu
sempre gostei muito de estudar, porque sempre soube assim que música é... é necessário isso
assim, se não for estudar, estudar, estudar, estudar, não evolui assim.]. Em toda a fala de J.
pode-se notar que o estudo é muito presente em sua vida, tanto na música quanto em um outro
caminho que ele buscou, e sobre o qual falaremos agora: a história.
O entrevistado, no início da entrevista, contou que também está fazendo faculdade de
história, e que atualmente está mais voltado para ela que para a música em si, segundo ele
[[...] acho que até por ser uma coisa nova assim.]. Ele conta que também tem muito contato
com as pessoas por meio desse curso, e que está envolvido em projetos, monitoria, entre
outros. Ele fala com muita empolgação desse curso, parece que foi uma nova possibilidade
que ele buscou.
Para ligar com a questão do estudo, tão presente na vida do músico, e que aparece em
todas as entrevistas, pode-se observar ainda mais uma fala de J.:
Tanto é que eu até falo pra um amigo meu lá na faculdade de história, que ele fala assim “Nossa meu, você estuda pra caramba assim, como você consegue, tal?”, eu falei “mas acho que é a disciplina da música”. Essa coisa do estudo da música que acho que fez eu saber “ah não, preciso estudar isso pra fazer aquele trabalho”, porque o pessoal fala assim “nossa, você faz duas faculdades, e consegue se organizar melhor do que eu”. E eu acho que tem muito a ver por causa dessa disciplina da música assim, você sabe “não, você tem que estudar, senão você não vai chegar aonde você quer”, tal. E eu acho que eu transferi um pouco dessa disciplina da música pra história assim, e tô conseguindo ir bem lá, apesar de fazer as duas faculdades.
Em relação ao expressar-se ou mostrar-se por meio da música, J. afirma que consegue
se expressar através da música, e que acha isso uma das coisas mais legais na música, essa
tentativa de expressão. Ele afirma que é diferente tocar conforme o modo como você se sente
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no dia, e até mesmo o ouvir música se modifica. J. também fala que a ansiedade e a emoção
são muito influentes na execução de uma música: [Às vezes você quer...aquele solo que você
ensaiou pra caramba, e é a primeira vez que você vai tocar na...com a banda, ai você tá mó
ansioso, você sabe que é difícil, ai chega na hora você erra tudo, você tá tão ansioso que você
erra tudo.]. Aqui se mostra mais uma vez a dificuldade da tarefa do músico, que além da
obrigação, do estudo, da disciplina, de lidar com os aspectos técnicos, com a imperfeição, a
tentativa de expressão e de não transformar a musica em algo simplesmente mecânico, ainda é
necessário controlar a ansiedade. Quanta complexidade há na tarefa do músico?
J. ainda fala que seu estado emocional influencia no como se vai tocar, segundo ele:
E é engraçado, quando você tá com...principalmente quando você tá meio pra baixo assim é bem diferente a relação com a guitarra assim, o bend, o jeito que você vai tocar, é bem diferente, um vibrato, um slide que você vai fazer, tipo, é totalmente diferente assim, você sente mais, parece que a guitarra é um prolongamento do corpo assim [...]
Essa questão do instrumento ser um “prolongamento do corpo” aparecerá ainda em
outra ocasião, na qual essa questão será retomada. Por hora, basta falar que quando se chega a
um certo ponto no desenvolvimento técnico, não há mais a separação de objetos (músico e
instrumento), eles se unem, o que demonstra o grande envolvimento que acontece entre o
músico e o instrumento: em certos momentos, eles se fundem.
J. também falou que quando observa várias pessoas que gravaram o mesmo solo, ele
sempre soa diferente, e o mesmo acontece quando uma mesma pessoa toca a mesma música
em situações diferentes, ela não soa igual. Podemos destacar que J. exemplifica essa situação
mencionando um solo de Jazz, e como apareceu na introdução, nesse estilo, e num estilo mais
popular, há grande liberdade de improvisação e modificação conforme se sente necessidade, o
que já acontece muito menos na música clássica, como será visto posteriormente na análise. J.
ainda fala que a resposta do publico e o feedback são essenciais, que influenciam muito no
jeito em que a pessoa vai tocar. O entrevistado também diz que a segurança de ter a música
bem ensaiada e o próprio gostar ou não de determinada música também são importantes, e
que existem situações nas quais é necessário tocar algo que a pessoa não gosta, porque todos
pedem.
Para finalizar, em relação à parte profissional, J. conta que no Brasil, o mercado de
trabalho é muito diferente dos Estados Unidos, por exemplo, e isso tem seus dois lados. O
lado positivo seria que os músicos aprendem de tudo. Já nos Estados Unidos, há uma grande
especialização, normalmente o músico só sabe tocar dentro do seu estilo, e se tornam
33
referência nele. No Brasil, já é mais difícil existir tanta especialização, devido a essa
necessidade de aprender de tudo um pouco, e de ter que “se virar pra se sustentar”. J. ainda
fala que por isso, muitas vezes músicos que não gostam de dar aula dão aula, músicos que
detestam determinado estilo têm que tocá-lo ou para sobreviver, ou porque o dinheiro é
necessário. Conforme a fala de J.:
Acaba “ah tem que fazer isso”. Tipo, às vezes é meio... quase uma prostituição mesmo. Você: “ah, não gosto de tocar axé, mas pô, preciso comer, então vou tocar axé... na noite. O pessoal gosta”. Então... mas às vezes o cara preferia estar tocando Jazz em algum lugar, estar tocando Blues, sei lá, outra coisa, ou samba. Mas não, tem que tocar uns axés, as músicas que o pessoal pede. Então acaba... o mercado de trabalho é meio complicado no Brasil por causa disso.
Mais uma vez, se reafirma a dificuldade da tarefa do músico, e essa questão contida na
fala de J., do ter que fazer o que se detesta, por causa da questão financeira, será melhor
observada na próxima entrevista. Porém, aqui cabe falar que existe muita dificuldade, tanto
pelo aspecto financeiro, quanto pelo aspecto técnico/teórico, que são agravantes para a
profissão.
Ao longo da entrevista de J., apareceu o sentido da música para ele: relaxamento e
prazer, estudo e tarefa, uma combinação de tudo isso. Em alguns momentos, o prazer e o
relaxamento são negados na aprendizagem acadêmica, que muitas vezes prioriza o técnico e
complexo, promovendo uma perda do prazer da música para o entrevistado. Porém, sem o
estudo, a música também não faria sentido.
Para J. o fim da faculdade parece ser uma libertação e uma esperança para a retomada
do prazer da música, que diferentemente do que já representou um dia, quando ele gostava de
instrumentais virtuosos, agora se mostra no mais simples e espontâneo.
Na segunda entrevista, que foi feita em 19 de agosto de 2008, o entrevistado foi E., de
21 anos. O contato com este entrevistado também foi feito por meio eletrônico, sendo que
uma das autoras do projeto já o conhecia, e, feita a proposta, ele aceitou prontamente. Além
disso, E. também foi muito solícito, passando alguns contatos para que fossem feitas outras
entrevistas, inclusive se disponibilizando a nos levar até a casa da pessoa, e emprestando o
gravador de áudio, já que houve um problema com o gravador das entrevistadoras.
A entrevista foi feita durante a tarde, no salão do prédio de uma das autoras do projeto.
O local foi reservado para esta ocasião, então, o ambiente era tranqüilo, apesar de, como na
entrevista anterior, o barulho da rua também ter atrapalhado e incomodado um pouco.
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Pode-se começar falando de como a música surgiu mais intensamente na vida de E.
Ele contou que estava fazendo Engenharia, mas parou o curso, por achá-lo fraco. Então,
começou a pensar em fazer cursinho para trocar de universidade. Além disso, nesta época,
como ele estava sem dinheiro, E., que já tocava contrabaixo, resolveu aprender a cantar para
tocar em bares e estabelecimentos do gênero, o que facilitaria para que ele pudesse ganhar
dinheiro para fazer o cursinho.
O entrevistado relatou que sempre quis viver de música, mas achava que isso não era
possível, que para isso, seria necessário estudar desde criança, o que não era seu caso. Então,
E. contou que depois mostraram a ele que isso não era verdade, pois era possível ser músico,
ainda que começasse a estudar mais tarde, mas ele teria que estudar e se esforçar muito.
Então, E. mudou de caminho – ele parou o cursinho para fazer aulas com bons
professores de música, pois havia decidido que gostaria de ser músico profissional. Quando
foi perguntado a E. se recebeu apoio, ele contou que até conseguir “provar” que era possível
viver de música, não recebeu apoio. Conforme suas palavras:
Até o momento que eu... até eu conseguir mostrar que era realmente uma vida estável, que dava para viver, não, foi complicado, bem complicado. Mas depois que eu mostrei “ó, tem carteira assinada pra músico, tem tudo”, se você entra no Teatro Municipal, você pode ter um bom salário, você trabalha meio período, quer mais o que? Tem tudo. Carteira assinada, ninguém te manda embora.
Como pode-se observar, primeiro, ele teve que provar que era possível, que ele
poderia ter direito a um futuro na profissão em que escolheu, no caminho que escolheu, assim
como é permitido a maioria dos profissionais. Então, a partir do momento em que ele
“provou”, E. conta que ganhou apoio total, e ai inicia-se sua tarefa.
Falando mais especificamente da idade, pode-se comparar: J. tinha 13 anos quando
quis começar a estudar música, então não houve conflito ou dificuldades para receber apoio.
Já E. tinha 18 anos quando decidiu começar, e pela sua idade, já tinha que decidir seu futuro,
seu caminho: o peso da responsabilidade faz com que se tenha que provar que o caminho que
se quer trilhar é viável, em vários aspectos, mas especialmente do ponto de vista financeiro,
tem que haver uma garantia para que se possa sobreviver. E no Brasil, isso é ainda mais
complicado...
Conforme se avançou na entrevista, foi possível observar como a música está presente
na vida de E., até que houve a possibilidade de compreensão do sentido dela para o
entrevistado.
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Quando foi pedido a E. para que descrevesse o que é música para ele, ele respondeu o
seguinte: [Em qual sentido? No sentido que ela afeta alguém, ou no sentido teórico, didático,
[som incompreensível]?]. Apesar de a pergunta ter sido: [Descreva o que é música para
você.], foi possível notar que há uma preocupação em relação ao teórico, ao didático, como
será possível ver mais vezes ao longo da análise.
Depois de E. perguntar isso, ele disse o que é música para ele, no entanto, não deixou
de dar sua definição teórica, como pode ser observado: [Bem, teoricamente, música é todo e
qualquer tipo de manifestação sonora, onde nós manifestamos o que sentimos e de alguma
maneira tentamos passar algum tipo de mensagem.]. Aqui, nota-se que para o entrevistado,
através da música, há uma manifestação de sentimentos, e uma tentativa de passar uma
mensagem. Esse será um ponto importante para que sejam abordadas algumas questões.
Em seguida, o entrevistado afirma que música, para ele, é o que consegue passar a
mensagem, como pode ser observado na seguinte fala:
Infelizmente sou obrigado a afirmar que músicas pra candidato que é o que está tendo agora é um grande tipo de música, porque realmente passa aquilo, faz você ficar com aquilo na cabeça, você não tira aquele maldito número da tua cabeça, do candidato, a mensagem foi passada, ela está lá, quer dizer, é muito mais música que muita coisa, infelizmente.
Observando a palavra infelizmente, usada duas vezes, nota-se um desconforto por “ter
que” afirmar que esse tipo de música (de propaganda política) é mais música do que muitas
outras, pois “passa a mensagem”. Aqui, aparece que para E., a música define-se por sua
função, por quão bem ela consegue passar a mensagem, e uma vez cumprida essa função, é
impossível negar que aquilo seja música, por mais que aquilo não o agrade.
Tentando visualizar ainda mais o que seria a música para E., foi perguntado qual era o
papel dela em sua vida. O entrevistado contou que a música se configura de formas diferentes
para ele, e ele não costuma misturar esses papéis desempenhados. Conforme sua fala:
Quando eu uso a música pra... apenas sentir a música, ouvir a música, ela é um tipo de música bem mais restrita, é uma diversidade bem menor, só que também tem o lado que eu preciso ouvir de tudo para tocar, para ensinar e isso já abrange qualquer e todo tipo de música, como eu dou aula não tem como fugir.
Aqui, nota-se que a música para E. se divide em 3 aspectos: o primeiro seria a música
em seu aspecto conceitual e de função, que deve passar uma mensagem, e quando isto
efetivamente acontece, não é possível negar que aquilo seja música; o segundo seria a música
para E., uma música mais restrita, para sentir e ouvir, mas que também está ligada ao primeiro
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aspecto; e a música como profissão: o ter que ouvir de tudo, para ensinar e para tocar, o que
não “tem como fugir”, ou seja, é necessário sucumbir a isto para viver, assim como J. havia
dito no fim de sua entrevista, no Brasil, o músico tem que “se virar”.
Com esse “não tem como fugir”, nota-se uma tensão de E. em relação ao que é
imposto ao músico para que consiga sobreviver – a tolerância ao que lhe desagrada
fortemente, que, no entanto, é o que proporciona meios financeiros para que seja possível
tanto o sustento quanto o estudo, para que talvez um dia, seja possível trabalhar com o que se
gosta de verdade, depois de completar a tarefa.
Ao falar de como a música está presente em sua vida, E. disse que usa a música para
fazer tudo, selecionando de acordo com o momento.
Ele contou que ainda está em uma fase de ouvir, de conhecer e entender a música. É
possível observar isso mais claramente na seguinte fala:
Ainda tô numa fase de ouvir muita coisa, de decorar muita coisa, aprender sobre... porque querendo ou não, música clássica a mais forte vem de 1700 pra cá, de 1700 pra cá tem muita coisa, 300 anos é muito tempo pra muita gente escrever muita coisa, e você tem que conhecer tudo. Então eu tenho uma lista de 20 compositores que eu tenho que decorar metade da obra deles. Então é... ainda tô numa fase de ficar horas e horas ouvindo pra conhecer mesmo, pra conhecer, pra entender, entender como eles pensavam, que isso é uma coisa que é extremamente complicada, entender o intuito daquilo [...]
Há uma série de coisas que E. precisa fazer: ouvir muitas músicas, conhecer o que foi
produzido em 300 anos, conhecer tudo, decorar a obra de 20 compositores... A música tem se
mostrado principalmente dessa forma para o entrevistado: como uma tarefa do conhecimento,
do que é preciso fazer, mais uma vez a questão da tarefa para o músico, porém, E. lida com
ela de forma aparentemente diferente do que J. – E. ainda precisa conhecer e entender, está
imerso nessa questão. J., que já está terminando sua faculdade de música, possui uma relação
diferente com a complexidade da música, pois aparentemente, ela se tornou um peso, e não
um atrativo. Para E., essa questão da complexidade da música é muito atraente.
Quando foi questionado ao entrevistado quais trabalhos ele faz relacionados a música,
E. contou que dá aula de canto erudito, história da música, percepção, teoria, e que também
está tocando estilos como axé, forró, entre outros, em bares. É interessante destacar que o
entrevistado, ao longo da entrevista, usa um tom de voz bem linear, quase descritivo, sem
muitas alterações, no entanto, ao falar sobre esse “tocar axé e forró”, ele usou um tom de voz
diferente, que soa como “eu não gosto de fazer isso, mas...”.
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Também foi perguntado a E. qual a importância da música e desse estudo para ele. Ele
demonstra, mais uma vez, uma preocupação com os aspectos funcionais da música, como
pode ser observado em sua fala: [Seria qual a importância pra mim, o que que eu pretendo
com ela passar para os outros, o que que...]. Então, foi reforçado que o interesse era conhecer
a importância da música para ele. Então, o entrevistado saiu um pouco do aspecto funcional
da música, e contou que muitas coisas ele não conseguiria fazer sem ela, que é um meio de
inspiração e reflexão, até para ele conseguir se entender, pois ele afirma que a música leva a
pensar. Aí, E. começa a falar sobre a música clássica:
Que... música clássica, ela é um pouco engenhosa nesse sentido porque é tudo muito pensado, não é nada “ah eu achei bonitinho vou colocar ali”, não. Tem padrões, tem regras, e são músicas vindas de pessoas com um intelecto muito grande. Então tudo tem um porquê, aquela notinha no meio daquele monte tem um porquê.
Nessa fala, é possível falar da palavra engenhosa. O entrevistado, que saiu de um curso
de engenharia por achá-lo fraco, buscou a música, algo que para ele, aparentemente é muito
mais engenhoso. Como E. disse, é tudo muito pensado, tudo tem que ter um porquê, o “ser
bonitinho”, para ele, não justifica nem explica a construção musical. Não pode ser fútil, mas
tem que existir uma explicação que justifique o porquê de tudo, e para isso é que servem os
padrões e regras, para manter esse rigor, do qual não se deve sair, para não virar uma
confusão ou algo sem sentido. Então, pode-se observar que um dos sentidos da música para E.
é justamente seu rigor, suas regras, que justificam e explicam a música, e negam aquilo que é
fútil, sem sentido e que não deve ser usado.
Além disso, em toda a entrevista, e nessa fala destacada acima, é possível notar que o
entrevistado dá muita importância para a engenhosidade e complexidade da música, e talvez
essa própria questão da complexidade tenha atraído o entrevistado, e feito com que ele se
interessasse pelo estudo da música. Isso fica bem notável pelo valor que ele dá a
intelectualidade quando diz que [[...] são músicas vindas de pessoas com um intelecto muito
grande.].
Posteriormente, foi perguntado como E. fica quando está em contato com a música.
Ele respondeu: [Digamos que eu fico... em outro estado de espírito, principalmente quando é
música erudita, que é o que eu foco, que é o lado que eu gosto mesmo, não o lado música
financeira.]. Mais uma vez, é possível ver o conflito entre a música que gosta e a música que
“tem que fazer”, por causa da questão financeira. Essa divisão é muito clara para E.
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Em seguida, ele fala que em geral, as pessoas não sabem ouvir música. O entrevistado
exemplifica:
Que é a mesma coisa que eu colocar um poema em Alemão, pra ler, eu vou ler todas as palavras, mas eu não vou entender. Eu não vou saber o que se passa, então primeiro eu tenho que aprender aquela linguagem, e fazer aquela linguagem algo natural meu para que eu entenda aquele poema, para que daquele poema surja um efeito em mim. A música é a mesma coisa. Depois que você aprende toda aquela linguagem, toda estrutura, todo significado, qualquer coisa que você ouve, ele surge um efeito, ele... faz mudanças.
Fica claro então, que para o entrevistado, a música é como uma linguagem, um
idioma, cujos conhecimentos devem ser aprendidos, para que depois, surja um sentido, para
que uma mensagem seja passada, e cause mudanças. Também é interessante observar que E.
cita justamente um exemplo de um poema, cuja linguagem é tão própria e próxima quanto a
música, no entanto, o sentido desse tipo de linguagem nunca pode ser totalmente apreendido
ou compreendido racionalmente.
O entrevistado ainda afirma que ao dar aula, deve-se passar isso para o aluno, viver
isso, esse poder de fala e de transformação da música, como pode ser observado:
Dando aula é a mesma coisa, você tem que passar isso pro aluno, tem que viver isso, porque senão não tem sentido, se você sair de uma sala de concerto do mesmo jeito que entrou, aconteceu qualquer coisa, malabarismo de dedo, malabarismo vocal, só não aconteceu música. Então ela tem esse poder de mudar, ela tem que mudar, senão não é música.
Aqui fica ainda mais claro um dos sentidos que a música tem para E.: a mensagem a
ser passada, e a mudança que deve ser causada a partir disso, a partir dessa fala da música.
Finalizando, foi questionado se o entrevistado se expressa através da música e como
isso acontecia, ou se a música se expressava através dele. E. relatou que isso é recíproco, e
deve haver equilíbrio. Conforme sua fala:
Porque a música tem padrões, tem estilo, então se eu me colocar na frente, eu posso... falar “ah tá, esse sou eu”, mas não passa nada, não acontece nada, e se eu colocar só a música na frente, fica uma coisa mecânica. Então é uma coisa que, ela tem que ser equilibrada, ela não pode... não posso falar “eu estou na frente da música ou a música está à minha frente”.
E. afirma que para ele, o único modo de expressar o que se sente é escolher alguma
música que esteja de acordo com o sentimento a ser expresso.
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Agora quando eu quero expressar o que estou sentindo, a única maneira disso acontecer é eu escolher algo que realmente foi feito para aquilo, não adianta eu estar morrendo de raiva e querer tocar Chopin, que é uma coisa extremamente romântica, com raiva, e querer passar raiva, não vai ser música e nem eu. A mensagem não será passada.
Ou seja, para E., essa possibilidade de expressão a partir do sentimento contido na
própria música é como se a pessoa usasse da voz de determinado compositor para dar voz a si
mesmo. Aqui fica bem clara a separação, mencionada na introdução, entre intérprete e
compositor. O compositor pode colocar sua voz em sua obra, e o intérprete deve colocar sua
voz a partir do que já está presente ali.
O entrevistado ainda fala que se deve saber escolher o que tocar de acordo com o
sentimento que se deseja passar, ou mudar o estado de espírito de acordo com o que se vai
tocar.
Ao longo da entrevista de E., o sentido da música se mostrou como a possibilidade que
a música tem de passar uma mensagem e de provocar mudanças, e além disso, para o
entrevistado, a complexidade e a sua tarefa em aprender e compreender, em “dar conta” e ser
competente, também é um sentido que se mostrou.
Também foi possível observar que sempre que perguntávamos como era algo para E.,
ele comentava um pouco sobre si, mas em seguida, começava a explicar sobre determinado
aspecto da música, quase como uma explicação teórica, deixando de falar de si, como havia
sido proposto na pergunta. Possivelmente, para ele, a técnica, a tarefa e o aprendizado
estavam antes dele mesmo, como se tudo isso estivesse sendo vivenciado tão intensamente
que não seria possível falar dele de uma forma mais “própria”, pois essa questão da tarefa já o
mostrava. A tensão e a responsabilidade trazidas estavam mais evidentes para E. que o
próprio relaxamento ou o lazer proporcionados pela música, e talvez, essa tensão trazida pela
tarefa do conhecimento da música sustentam e fundamentam a presença da música e seu
sentido para o entrevistado.
A terceira entrevista foi feita no dia 26 de agosto de 2008, também no salão do prédio
de uma das autoras do projeto. O entrevistado foi S., de 25 anos, cujo contato também foi
feito em meio eletrônico. Foi possível fazer esse contato porque E., que conhecia S., sugeriu
que S. possivelmente concordaria em participar do trabalho. Feito este contato, e após uma
breve explicação sobre o tema, S. concordou em participar. A entrevista foi a primeira vez em
que houve um encontro pessoal entre entrevistado e entrevistadoras. S. foi bastante simpático,
porém parecia estar um pouco nervoso ao longo da entrevista, sendo bastante objetivo ao
falar.
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Quando foi pedido para que o entrevistado falasse o que é música para ele, S. disse
que, diferentemente de algumas pessoas, para ele, que é músico, música é simplesmente
música, e não é possível ver “os sons dos passarinhos”, ou o “carro que passa” como música.
Para ele, música faz parte do cotidiano, da existência humana, sendo impossível separar um
do outro. Ainda, para S., música é algo tão importante quanto outras coisas também
importantes para o ser humano.
Depois, foi questionado como a música entrou em sua vida. S. contou que desde cedo,
apesar de não ter músicos em sua família, sempre foi exposto a ela, pois sua mãe sempre
gostou de música. Ele começou a estudar piano aos 18 anos. Ao falar se recebeu apoio ou teve
alguma influência na decisão de ser músico, S. contou que a principal influencia foi sua mãe,
e que de início, não recebeu apoio para ser músico. Segundo sua fala: [É, bem... só quando
viram que dá em alguma coisa, né, quando viram que não é aquela coisa “músico é
vagabundo”, né. Então ai rolou apoio, mas demorou um pouco.]. Mais uma vez, aparece um
exemplo que mostra que com a idade, já é necessário provar que o futuro pensado dará em
algo, que é possível viver, e só depois de provar isso que surge a “autorização” para ser
músico.
S. também contou que a música está presente diariamente em sua vida, no estudo do
instrumento. Também afirmou que a música é de total importância para ele.
Ao contar como fica quando está em contato com a música, S. contou que isso
depende da música. Também disse o seguinte:
De acordo com, por exemplo, pra quem é músico, a visão de música muda muito né, não fica aquela coisa tão... é... A gente começa a analisar mais né, então, eu acho que essa coisa muda. Então dependendo do estilo, o tipo musical, dentro até do que eu faço, música clássica, você sente coisas diferentes né.
Como E. havia falado, especialmente na música clássica, para o músico, a audição e
vivência com a música é diferente, pois ele analisa e tenta compreender além, e isso também
muda conforme o estilo – associa-se muito o estilo, a época ou até mesmo um determinado
compositor a uma sensação.
Sobre a questão da expressão, S. contou que consegue se expressar através da música.
Sua visão sobre esta questão da expressão é bastante interessante: [É o grande...é... dilema de
quem trabalha com música né, é você conseguir resolver um problema técnico pra depois
conseguir se expressar.]. Parece que este é o estágio no qual o entrevistado anterior, E., se
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encontra – na técnica, que por enquanto, parece não permitir que ele se expresse, ou pelo
menos, limita qualquer possibilidade de expressão.
Continuando, S. ainda afirma que é preciso lutar para se expressar, o que é
complicado, como o entrevistado diz, pegar um instrumento enorme, como o piano, por
exemplo, e por meio daquilo, conseguir atingir as pessoas. Em sua fala:
Eu acho que primeiro tem esses lances técnicos, que tem tipo, dominar tudo e depois tem essa coisa de você por mesmo o que você sente ali, né, que depois que você tem um desenvolvimento técnico grande no instrumento, você consegue desenvolver intimidade com ele, você consegue fazer com que ele seja extensão de você, e ai sim, vai mexer com pessoas né, e ai é aquela coisa de idéia né, depende muito do que você tá sentindo né, depende do que você quer que as pessoas sintam, independente daquilo que você tá sentindo.
Em toda a resposta, é possível ver que S. parece já ter “resolvido o problema técnico”,
e assim como J., ele vê o instrumento como uma extensão do próprio corpo, de si mesmo.
Como se uma compreensão mais profunda da técnica permitisse ao músico compreender
aquela linguagem, e que, depois do esforço, finalmente, ele conseguisse utilizá-la.
S. ainda conta que para ele, não há uma fórmula exata que possibilite a expressão, ou
indique como fazer isso. O entrevistado afirma que a intimidade com o instrumento e o
feeling que possibilitam isso, como pode ser visto em sua fala: [Eu acho que na verdade é a
intimidade com o instrumento e o tal do feeling que a gente fala né, que, por mais que tem
gente que a gente vê que estuda muito e tal, não consegue expressar nada no instrumento.].
Assim como apareceu nas três entrevistas, e de um modo mais semelhante, na entrevista de J.,
S. fala da dicotomia entre técnica e feeling – e como pode-se notar mais claramente agora –
possivelmente, muitas pessoas ficam presas na técnica, e somente nela, se esquecendo do
feeling, que também é essencial na música.
A técnica, além de ser, como afirma S., um problema a ser resolvido, também pode ser
vista como um meio para que uma expressão, uma fala, seja conquistada e possível. Porém,
para muitos, se torna um fim em si mesma. Certamente a técnica, não só na música, mas em
todos os conhecimentos, é muito importante, é um fundamento, mas só ela não é suficiente.
Para complementar a pergunta, ainda foi questionado se S. achava que a música se
expressava por meio dele. O entrevistado disse que acha isso complicado, pois afirma que
para ele, a música não é algo sagrado nem tem vida própria, mas para ele, ela se mostra como
o ápice da capacidade humana, como se mostra em sua fala:
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Eu acho que a música na verdade é o ápice da capacidade humana né, o que o ser humano é capaz de fazer, né, conseguir juntar um monte de sons né, usando regras matemáticas pra isso né, pra fazer com que esse amontoado de informações matemáticas atinjam pessoas, né.
Como se mostra ao longo da entrevista, e especialmente nesta fala, a música para S.
aparece como uma produção humana, feita para a humanidade, para atingir pessoas, e este
parece ser seu sentido para o entrevistado. Ainda se pode observar isso em mais uma fala de
S.: [Mostra a capacidade do ser humano, e eu como ser humano tentar fazer, juntar essas
informações todas, e ai sim, transformar algo lógico em emocional né [...]].
Um fato curioso na entrevista de S. é que ele falou mais quando o gravador foi
desligado, isso pareceu deixá-lo mais a vontade. Em sua entrevista, pareceu que ele não
possui grandes conflitos ou tensões em relação à música, talvez até por vê-la de uma forma
simples, “música como música”, uma produção humana.
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6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES
A partir do estudo, e com base na análise hermenêutica das entrevistas, foi possível
concluir que a música pode se apresentar de diversas formas para os estudantes e profissionais
da área.
Foi possível notar que o sentido da música e a tarefa do músico para os
profissionais/estudantes da área aparece principalmente com uma dupla dificuldade: por um
lado, há a dificuldade da própria música, com seu rigor tanto histórico quanto técnico, pois,
por ser uma atividade complexa, é necessário tanto o estudo constante da técnica do
instrumento, como também da história da música, além da teoria musical, o que demanda
vários anos de estudo, dedicação e aperfeiçoamento. E, apesar disso tudo, ainda é necessário
lidar com a imperfeição, o que faz com que o aperfeiçoamento e a necessidade de estudo
sejam um processo praticamente interminável.
Estes conhecimentos servirão de fundamento ao músico, mantendo o rigor da música.
Assim, a relação e prática musical estão diretamente ligadas e fundadas na história e nas
regras estabelecidas. A partir desse conhecimento que é adquirido, o músico passa a conhecer
a música de uma forma diferente, estrutural, o que muda sua própria relação com ela.
Por outro lado, há a dificuldade em se manter financeiramente, o que faz com que
muitas vezes, o músico tenha que fazer de tudo, trabalhar em várias atividades diferentes,
inclusive as que não gosta, ou que não tem muita habilidade, para ganhar dinheiro, e ainda
assim há um risco de nunca se conseguir chegar aonde se deseja. Ou seja, a tarefa do músico
se caracteriza principalmente por grande dificuldade, no entanto, o músico permanece nessa
tarefa. Todos os entrevistados se apropriaram desse chamado, dessa escolha de caminho, com
responsabilidade e compromisso, apesar das dificuldades que vêm com essa escolha.
Por meio do trabalho, também foi possível verificar que a vocação ou chamado
musical se revelou a nossos entrevistados principalmente na adolescência, sendo que
aconteceu de formas diferentes. A idade é um fator muito importante para a maneira com que
se vai lidar com a música, pois quando se começa a estudar numa idade um pouco mais
elevada, as dificuldades são muito maiores, e há uma necessidade de “provar que é possível”.
Também foi possível observar as maneiras que a música se torna parte da vida dos
músicos: tanto como uma profissão, quanto no estudo diário, além de também representar
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lazer e relaxamento, ou seja, passa a ser algo fundamental na vida do músico, estando
diretamente ligada às suas vivências.
Em relação ao mostrar-se ou ao expressar-se por meio da música, ficou claro que os
entrevistados conseguem se mostrar/se expressar por meio da música, no entanto, isso
acontece de modos diferentes, pois, como foi observado, é necessário não só conhecer e
dominar a técnica, mas também ir além dela, para que ela seja um meio, e não um fim em si
mesma. Só indo além da técnica é possível existir uma fala própria em meio à multidão.
Concluindo, após tudo que foi observado no trabalho, é possível repensar o papel da
música e do músico na sociedade, pois apesar da música ser algo tão próprio do ser humano e
ligado à sua existência, as dificuldades são inúmeras, especialmente no Brasil, onde ainda não
há muito incentivo à cultura, diferentemente do que acontece em muitos países, aonde a
música é valorizada, e é vista como algo fundamental para a cultura de um país. Porém, há
uma possibilidade de mudança, visto que de acordo com o projeto de lei 2732, do ano de
2008, que pode ser encontrado no Portal da Câmara dos Deputados, o ensino de música na
educação básica passará a ser obrigatório, sendo que deverá ser ministrado por professores
com formação na área. As escolas terão 3 anos letivos para cumprirem com essa exigência.
É realmente importante que algo esteja sendo feito neste sentido, em prol de uma
maior valorização da cultura, para que nos estabelecimentos de ensino seja dada uma
formação mais global ao aluno, ao invés de enfatizar somente os conteúdos a serem
“passados”.
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RESUMO
Camila Gusmão de Almeida
Fernanda Íris da Cruz
A música está presente em todas as culturas e na vida de todos os seres humanos, porém, ela pode se mostrar de diversas formas para as pessoas, tendo um papel mais ou menos intenso em suas vidas. Certamente, para quem tem contato diário com a música, como profissão e estudo, ela aparece de forma especial. Levando isso em conta, o objetivo desta pesquisa foi compreender o sentido da música para os profissionais e estudantes da área musical, além de verificar como se revela a vocação ou o chamado musical para estas pessoas, constatar de que maneira a música se torna parte da vida desses indivíduos e, finalmente, verificar se as pessoas se mostram ou se expressam por meio da música, e caso isso aconteça, como é esse mostrar-se ou expressar-se. Este tema foi escolhido para conhecer como a música é vista por pessoas da área musical, para trazer uma visão real da vivência com a música profissionalmente, diferentemente do que a maioria das pessoas faz em seu dia a dia como diversão ou relaxamento. Como referencial teórico, foi utilizada a perspectiva fenomenológica existencial de Heidegger. Portanto, para a coleta de dados, utilizando como método a pesquisa intervenção, foram efetuadas três entrevistas, guiadas por 5 questões abertas, nas quais foram feitas as escutas de estudantes e profissionais da área da música. Após a transcrição das entrevistas, foi feita sua análise, utilizando a hermenêutica. Por meio da análise, o sentido da música se desvelou como: dupla dificuldade, financeira e técnica; rigor técnico e histórico; estudo e conhecimento; lazer e relaxamento.