o rei de amarelo - ebook

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Ebook da editora Clock Tower, com distribuição gratuita

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  • O Rei de Amarelo

  • Robert W. Chambers

  • O Rei de Amarelo

    Denlson E. RicciOrganizao geral e biografia do autorTraduo de Claudia Doppler

    EDITORA CLOCK TOWERwww.editora-clocktower.com.br

  • Copyright desta edio Editora Clock Tower 2015Copyright da traduo Claudia Doppler

    Direitos reservados e protegidos pela lei 9610 de 19/02/1998

    Texto integral traduzido conforme os manuscritos originais de The King in Yellow em lngua inglesa. A obra se encontra em domnio pblico desde o ano de 2003.

    ORGANIZAO: Denlson E. Ricci (A.k.A).TRADUO E NOTAS: Claudia Doppler.PREPARAO E REVISO DE TEXTOS: Allan Moraes.DIAGRAMAO: Warlen Silveira.DESIGNER DA CAPA: Alexandre Costa, sob ilustrao de Leander Moura e Daniel LM (fundo).ILUSTRAES INTERNAS: Daniel Lopes Mathias.CONSULTORIA DE MARKETING DIGITAL: Edu Costa.

    Chambers, Robert W. (Robert William), 1865-1933. O rei de amarelo / Robert W. Chambers ; organizao geral e biografia do autor Denlson E. Ricci ; traduo de Claudia Doppler ; [prefcio de Elias Alberto Souza ; ilustraes Daniel Lopes Mathias]. Jundia, SP : Clock Tower, 2015. 158 p. : il. ; 16x23cm Traduo de: The king in yellow Inclui bibliografia e ndice ISBN 978-85-66519-02-0

    1. Chambers, Robert W. (Robert William), 1865-1933. 2. Fico americana. 3. Literatura fantstica. I. Ricci, Denlson E. II. Doppler, Claudia. III. Souza, Elias Alberto. IV. Mathias, Daniel Lopez. V. Ttulo.

    CDD: 813.52

    CDU: 821.111(73)-3

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

    Permitida a venda fora do territrio nacional1 edio (ebook): abril de 2015

    Foi feito o depsito legalEditora Clock Tower

    Contatos com a editora:www.sitelovecraft.com ; www.facebook.com/editoraclocktowerwww.editora-clocktower.com.br ; Twitter: @clocktowerpress

    Email: [email protected] ; Email alternativo: [email protected]

    C355r

    Ficha Catalogrfica Bibliotecrio: William Borges da Silva - CRB-8/8244

  • O Rei de Amarelo dedicado a meu irmo.

  • Ao longo da costa, quebram-se as nuvens em ondas,Os sis gmeos abaixo do lago se escondem,

    Estendem-se as sombrasEm Carcosa.

    Estranha a noite em que estrelas negras ascendemE luas estranhas os cus percorrem

    Mas ainda mais estranha Perdida Carcosa.

    Canes que as Hades cantaro,

    Onde os farrapos do Rei se agitam,Inauditas morrero na

    Sombria Carcosa.

    Cano da minha alma, minha voz est morta;Morras tu, no aclamada, como lgrima no derramada

    Deve secar e morrer naPerdida Carcosa.

    Cano de Cassilda em O Rei de Amarelo.Ato I. Cena 2.

  • SUMRIO

    Introduo Um estranho no Moulin Rouge 13

    Biografia de Robert W. Chambers O ltimo dos mosqueteiros 21

    O Reparador de Reputaes 31A Mscara 65

    No trio do Drago 83O Smbolo Amarelo 95

    A Demoiselle dYs 117O Paraiso do Profeta 135

    A Rua dos Quatro Ventos 141A Rua da Primeira Bomba 149

    A Rua de Ns. Senhora dos Campos 183Rue Barre 223

    Um Habitante de Carcosa (Ambrose Bierce) 247

    A Mscara da Morte Rubra (Edgar Allan Poe) 253

    Carcassonne (Poema de Gustave Nadaud) 261

    Hata, o pastor (Ambrose Bierce) 265

    The Strange Society of ORDA 273

    Aps 120 anos... 283

    APNDICE

  • Um estranho no Moulin Rouge

  • 13

    M ais uma vez a Editora Clock Tower nos entrega um volume de qualidade de uma obra fundamental do horror, o clssico O Rei de Amarelo. Como voc deve saber, o primeiro livro foi O Mundo Fantstico de H. P. Lovecraft, e nele, abrindo o conto mais famoso do autor, encontramos a frase que define exatamente o que proponho expor nesta introduo: A coisa mais misericordiosa no mundo, acho, a inabilidade da mente humana em correlacionar todo seu contedo.

    Era uma manh no outono de 2012. Eu caminhava pelo Quartier Latin, em Paris, enquanto observava os pintores vendendo suas obras na rua e as meretrizes fazendo compras na feira livre. Pensava sobre como tudo aquilo parecia decadentemente artificial, criado apenas para o turista ter uma sensao de retorno Belle poque. Mas eu estava enganado.

    Para aquela viagem me foi entregue um computador contendo mapas, dicionrios e guias. Aproveitando essa entrada na alta tecnologia, fui atrs de livros digitais que sempre quis ler e que sabia estarem em domnio pblico. Um dos primeiros livros que coloquei no dispositivo foi The King in Yellow, de Robert William Chambers. A primeira vez que ouvira falar de algo sobre sua obra foi em um conto de Lovecraft que voc encontra na mesma antologia que mencionei acima.

    Chambers nasceu no dia 26 de maio de 1865 no estado de Nova York. De famlia nobre e abastada, formou-se em arte e foi conhecer o velho mundo. Foi em Munique, no ano de 1887, que ele escreveu seu primeiro livro: In the Quarter. A obra foi publicada em 1894 e tratava de desventuras romnticas dos bomios habitantes do Quartier Latin, o famoso bairro latino de muitos bistrs, boa msica e vida cultural ativa. Esses mesmos temas e personagens retornariam na segunda edio de seu segundo livro, The King in Yellow. Dessa vez, fazendo uso de um estilo futurista, o autor projeta os efeitos da chamada invaso amarela na capital francesa. Alemes declarando guerra, americanos contra-atacando Entre poeira e muros cados, poetas se apaixonavam, se embebedavam e morriam sempre nas mesmas quatro ruas do famoso bairro latino.

    Um estranho no Moulin Rouge

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    O Rei de Amarelo Um Estranho no Moulin Rouge

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    ter pensado que era uma referncia ao conto de Ambrose Bierce no qual Chambers se baseou para escrever sua obra, mas s pude me lembrar de Denlson, da Clock Tower, e de como as coisas se amarram na hora certa. Carcosa, uma cidade localizada talvez em um planeta do aglomerado estelar Hades, aparece nas prximas pginas como parte da obra principal e como parte dos extras especialssimos que esta edio traz; extras esses que se fundem com o livro de to belos.

    Mas eu estava falando sobre como as coisas se amarram na hora certa, e elas de fato se amarram. At mesmo esta introduo. Pois , avanar e voltar no tempo, nas memrias e nas informaes, aqui, serve para te preparar para o que est por vir. Chambers no liga seus contos mantendo sempre o mesmo lugar e a mesma poca. Ele faz uso de detalhes como sobrenomes, eventos aparentemente insignificantes e a cor amarela. Portanto, leia com muita ateno este livro cheio de mistrios que, segundo a lenda, pode levar algum ao mais completo devaneio.

    No foi em Paris que li The King in Yellow. Eu o levei dentro de aparato eletrnico e o esqueci l. S no ano passado ento, quando o Denlson, j coproprietrio da lista Culto Lovecraftiano, editor da melhor antologia sobre Lovecraft no Brasil e idealizador do mais importante site sobre o assunto em nossa lngua (ser ele o Rei Plido Mascarado, um estranho em uma festa qualquer no Moulin Rouge?), me mandou uma mensagem anunciando o prximo lanamento da Clock Tower, me convidando a escrever essas atrasadas pginas, que fui me dignar a ler a obra.

    Com um robusto estilo que se aproxima dos versos to comuns aos escritores vitorianos, dez contos se desvelaram diante de meus olhos. Quatro deles, os quatro primeiros, se mostraram sensacionais, aterrorizantes, intrigantes. Eles ditavam sobre a loucura e o horror que se abatia sobre leitores da tal famigerada pea e sobre aqueles que entraram em contato com o tal Smbolo Amarelo. Um desses contos, em especial, assombrou meus sonhos uma noite. No trio do Drago trata de uma ligao entre o narrador e um organista de igreja (seria o mesmo que vemos em O Smbolo Amarelo?) que se d apenas por vises, medos e pela intuio de uma entidade da qual nada sabemos. A entidade cita a Bblia e a pode estar implcito algo que a mente humana no poderia suportar e, pelo visto, no suportou.

    Especialistas em Chambers e recortes do The New York Times dizem que originalmente seu volume de contos sobre o estranho e o misterioso saiu em uma edio limitada contendo apenas quatro contos. Nessa verso,

    Em um feriado de 2007, eu voltava de uma cidade prxima de onde moro. Havia levado um amigo oriental para presenciar uma festividade religiosa que mencionava tal livro. Meu telefone tocou dentro do carro. Nmero desconhecido e de outra regio. Atendi para ouvir uma voz masculina, firme, com um sotaque no to diferente do meu. Foi assim que conheci o Denlson Ricci e sua ideia de traduzir o nefasto volume algum dia no futuro, mas s pude conversar com ele naquela noite, quando estava tomando conta da casa de outros amigos mdio-orientais que passariam o ms fora. Eu ainda no podia imaginar quais rumos tudo aquilo tomaria, j que, ao que me parecia, esse livro j estava me possuindo, uma vez que sempre me deparava com ele em qualquer lugar onde estivesse. Mas me dou conta disso apenas agora, enquanto escrevo a introduo desse livro quase religioso. Falando em religio, um dos pontos mais importantes do livro o Smbolo Amarelo, que tem implicaes religiosas. E no ele descrito como um pictograma chins mesclado com uma letra rabe? Pelo menos parece ser isso o que voc encontrar no conto O Smbolo Amarelo numa das pginas a seguir. Um smbolo que no pode ser possudo pelo contrrio: ele possui quem o l ou o guarda. O personagem dessa narrativa descobrir isso em uma igreja.

    J o protagonista de O Reparador de Reputaes descobrir ainda mais do que isso. Em outro futurismo de Chambers, nos Estados Unidos boatos sugerem que algum tem acesso enlouquecedora pea O Rei de Amarelo. Dessa pea nada ficamos sabendo com exceo de que h um personagem misterioso que d ttulo a ela, e h um trecho da Cano de Cassilda, que supostamente aparece na segunda cena do primeiro ato.

    Acredito que seja um alvio que to pouco se conhea dessa pea. No melhor estilo lovecraftiano, ela arrasta seu leitor para um inferno pessoal de paranoia e alucinaes. No h informaes de nenhum ator que tenha encenado a pea e sobrevivido. Deve ser por isso que o texto da obra foi proibido por organizaes eclesisticas em diversos pases por isso e pelas menes a Carcosa, ao lago de Hali e ao inominvel Hastur.

    Aps todos esses fatos, em janeiro de 2014 eu mudava aleatoriamente de canal na televiso quando me deparei com uma srie original de uma conhecida programao a cabo. Sim, era True Detective. At a, nada de mais, nunca fui um f ardoroso do gnero policial. Mas a situao mudou drasticamente quando vi espirais desenhadas e um personagem com aparncia manaca citando Carcosa. Naquele momento eu poderia

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    O Rei de Amarelo Um Estranho no Moulin Rouge

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    a frase do Rei do Amarelo sobre a Bblia menos dbia, mas muito mais polmica. E essa a verso que voc tem em mos neste momento. Uma edio como o autor desejava, antes das intervenes de um editor visando um pblico leitor maior para consumir o livro. O editor estava errado? Claro que no! Sabemos o sucesso que se tornou The King in Yellow.

    Entretanto, o que se diz que o autor escreveu sobre o Smbolo Amarelo sob o efeito de absinto, que recebeu o apelido de fada verde devido a suas propriedades alucingenas. Veja s, at a fsica das cores nos demonstra que tudo est amarrado. E como est! A manso onde morou Chambers e onde foi escrito seu livro ficou abandonada por dcadas aps seu falecimento, sendo mais tarde invadida por usurios de outras substncias alucingenas. Fato esse comprovado pelos mesmos recortes do The New York Times que citam a manso do autor e o caos que tomou conta do lugar logo aps seu falecimento. Vale ainda lembrar que as informaes desse jornal so um dos poucos registros histricos da vida e obra do autor, usadas como base para a biografia que est neste livro.

    A primeira traduo francesa parece concordar com tudo isso. Quando o editor original resolveu alcanar um pblico maior, sugeriu que Chambers adicionasse ao volume outros contos que ele havia escrito, que diziam respeito mais ao romance que permeia In the Quarter do que s fantasias, fices e aos devaneios de The King in Yellow original. Por sua vez, esses contos, sozinhos, seriam insuficientes para formar um nico livro. A forma encontrada para unir esses dois universos literrios foi engenhosa, devemos assumir.

    Primeiro, h dois poemas em prosa (gnero literrio muito apreciado e bem-executado por autores como Oscar Wilde, por exemplo, cuja pea Salom, juntamente com o conto The Mask of Red Death, de Edgar Allan Poe, que tambm coroa os extras desta edio que voc est lendo agora, influenciaram diretamente no teor da tal pea maldita que liga as quatro histrias de terror originais de Chambers) que tratam tanto de sonhos e alucinaes sobre a morte quanto sobre suspiros de poetas. a que o livro caminha para os contos finais sobre os bomios e as prostitutas parisienses da Belle poque.

    Mas a ligao no acaba a. A segunda forma encontrada tanto pelo autor quanto pelo editor foi inserir margaridas, objetos dourados e os olhos de um gato, entre outras coisas amareladas, nos contos sobre o Quartier Latin. Ora, amarelo a cor do Rei e do Smbolo, mas amarelo, para a

    literatura decadentista que despontava na poca, era tambm a cor da inveja, da doena, da luxria e dos bulbos incandescentes das lmpadas eltricas. Nada mais propcio, no? Assim, o pequeno livro outrora intitulado The Mask (nome de um dos contos que compe a tetralogia bizarra e macabra sobre a pea proibida) se tornou o The King in Yellow que conhecemos hoje.

    Esse o mistrio deste livro. Essa verso, editada, posterior e mais conhecida de O Rei de Amarelo

    voc j deve ter recebido digitalmente enquanto est lendo esta introduo, ou ir receber muito em breve, no se preocupe. A verso que voc segura agora enquanto sacode num meio de transporte ou sentado confortavelmente em sua poltrona a verso que Chambers inicialmente imaginou e produziu. Isso s possvel, provavelmente pela primeira vez no mundo, graas ao esforo do Denlson, bem como de familiares e amigos da equipe, para traduzir corretamente as expresses idiomticas do dialeto cockney que um dos personagens no mais importante conto deste livro (no toa, o ltimo conto), O Smbolo Amarelo, usa. Perceba como esse tipo de cuidado ajuda a tornar esta edio to especial.

    Ento, ser que foi o cockney que nos trouxe at aqui? Ou ser que foi Hades, brilhando em nosso cu h milhes de anos? Ou ser que o incio de tudo isso est no reino infernal de Hades, deus grego dos mortos, cujo nome se relaciona ao aglomerado estelar? Ou ter sido meu passeio pelo Quartier Latin? De minha parte, s posso pensar que palavras como Frana, amarelo, invaso e mscara, entre outras, apareceram nos pargrafos anteriores vrias vezes, mas em contextos sempre diferentes.

    Isso me lembra de um dilogo que pde ser visto ao longo da srie True Detective (com um assassino em srie que fazia parte de uma seita inspirada em The King in Yellow). Um dos personagens diz: A estrela negra ascende. Eu sei o que acontece em seguida. Eu vi voc no meu sonho. Agora voc est em Carcosa, comigo. Ele te v. Voc far isso de novo. O tempo um crculo plano. Garanto que assim ser sua leitura das prximas pginas. Voc acabar e ir reler, pois estar diante de um dos quatro maiores contos de toda a literatura fantstica. Voc procurar a linha que define esse crculo de histrias. Voc ver Carcosa, comigo, com Chambers, com Hastur.

    E aqui estamos. Mais uma vez a Editora Clock Tower nos entrega um volume de qualidade de uma obra fundamental do horror, o clssico O Rei de Amarelo. Como voc deve saber, o primeiro livro foi O Mundo Fantstico de H. P. Lovecraft, e nele, abrindo o conto mais famoso do autor, encontramos

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    O Rei de Amarelo

    a frase que define exatamente que me proponho expor nesta introduo: A coisa mais misericordiosa no mundo, acho, a inabilidade da mente humana em correlacionar todo seu contedo.

    Elias A. SouzaRibeiro Preto, janeiro de 2015

    NOTA: A verso eletrnica que voc tem em mos agora equivalente a verso mais conhecida da obra, a que contm os dez contos, conforme verso do editor em 1895 (desconsiderando o apndice que so contos que inspiraram o autor). A verso original, como era desejo do autor, apenas com os quatro contos originais, foi impressa pela Editora Clock Tower em maro de 2015.

  • O ltimo dosmosqueteiros

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    O mais feliz dos felizes aquele que faz os outros felizes. Alexandre Dumas

    A vida de Robert W. Chambers parece fundir-se com os mistrios em torno de sua obra. Como pde ser esse um escritor to prolfico a ponto de criar uma dezena de incrveis histrias de horror csmico e ao mesmo tempo to belos contos para crianas, alm de romances e fico histrica? E, no bastasse isso e o tremendo sucesso e popularidade em sua poca, ainda ser esquecido por dcadas?

    O fato que a histria desse incrvel escritor parece perdida no tempo, bem como grande parte de sua obra, alm de conhecermos bem pouco da vida de um homem to genial. O que se tem so estudos e teorias e pouca coisa de realmente concreto. Um dos poucos documentos a respeito de sua vida so as pginas do jornal The New York Times, que publicou crticas a respeito de sua obra e fatos sobre sua vida pessoal, haja vista Chambers ter feito parte dos mais altos crculos sociais da cidade de Nova York no comeo do sculo 20.

    Falando em Nova York, l que comea essa histria, no Brooklyn, em 26 de maio de 1865, dia de nascimento do filho do famoso advogado William P. Chambers (1827-1911) e Caroline (Boughton) Chambers (1842-1913), uma descendente direta de Roger Williams, o fundador da histrica cidade de Providence, em Rhode Island. Robert teve um irmo chamado Walter Boughton Chambers, que depois de graduar-se na Universidade de Yale, estudou arquitetura com Paul Blondel, em 1889, e mais tarde tornou-se conhecido no mundo todo como um talentoso arquiteto. Ele projetou grande parte da propriedade da famlia Chambers a partir de 1912: uma manso em estilo vitoriano em Broadalbin, construda no sculo 19 pelo av de Chambers, dr. William Chambers.

    William Chambers nasceu em Galway, Nova York, Saratoga County, em 1798. Seus ancestrais paternos eram escoceses, mas o lado materno descende de Roger Williams, ento h muito estabelecidos em Rhode Island. William Chambers comeou seus estudos na escola do distrito, mas os conclui

    O ltimo dosmosqueteiros

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    O Rei de Amarelo O ltimo dos Mosqueteiros

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    na academia privada mantida pelo rev. Robert Proudlit, pastor da Scots Presbyterian Church em Perth, Nova York. O pastor Proudlit foi ordenado na congregao em 1 de outubro de 1804, e permaneceu em servio at 18 de outubro de 1818, quando renunciou para aceitar o cargo de professor de latim e grego no Union College. William Chambers completou seus estudos mdicos em Boston em 1819 e abriu um consultrio em Broadalbin, onde exerceu a profisso at sua morte.

    Ele recebeu distines pelo brilhante aproveitamento de sua bolsa de estudos, e era um membro honrado da County Medical Society, mantendo o cargo de presidente por vrios anos sucessivos, at sua morte. Era muito querido por seus pacientes e cobriu um extenso territrio com seus servios, sendo especialmente popular entre a populao de origem escocesa, que formava um importante ncleo da sociedade local. Tambm foi membro-fundador da Broadalbin Methodist Church, vindo a falecer nesse vilarejo em 26 de agosto de 1874.

    O bisav de Robert W. Chambers, que assentou a famlia Chambers no vale do Sacandaga, foi tenente da Marinha Real Britnica. As razes da famlia Chambers remontam Esccia, possivelmente desde o sculo 13. O patriarca da famlia Chambers na Esccia talvez tenha sido um tal Charles Edward Stuart Chambers, de Edimburgo.

    Robert W. Chambers visitou a herdade da famlia pelo menos uma vez, e foi ali, na casa familiar do av, entre as montanhas, que descobriu seu amor pela pintura e pela natureza desde tenra idade.

    A vida cultural madura de Chambers comeou na Universidade de Yale, onde se formou. Depois de estudar no Brooklyn Polytechnic Institute, ingressou na Art Students League aos 20 anos de idade, onde veio a conhecer o futuro famoso ilustrador Charles Dana Gibson, que s vezes tomava como modelo o horror de Algernon Blackwood para seus trabalhos artsticos.

    Aps esses estudos, Chambers parte para a Europa em 1886, indo mais precisamente a Paris, e, vido por novos conhecimentos, comea a estudar na cole des Beaux-Arts e na Acadmie Julian. J em 1889 teve seu trabalho reconhecido numa exposio organizada pela Socit des Artistes Franais, mais conhecida pelo mundo como Salon de Paris.

    No ano de 1893 retornou a Nova York e teve suas ilustraes aceitas pelas revistas Life, Truth e Vogue. Chambers disse certa vez que ele e Charles Gibson foram juntos ao escritrio da Vogue com suas ilustraes e que suas ilustraes foram aceitas e as de Gibson no. Gibson fez ilustraes para

    livros de Chambers posteriormente, e ambos eram categricos em afirmar que as ilustraes de Gibson eram melhores que as de Chambers.

    No se sabe ao certo, mas talvez devido influncia de amigos em seu crculo social ou mesmo a algum interesse despertado por sua estadia em Paris em plena Belle poque, o artista abraou a literatura, lanando seu primeiro livro no ano de 1894. Intitulado In the Quarter, foi escrito em 1897 em Munique. uma histria melodramtica de sua vida bomia e estudantil em Paris. Bem acolhido pela crtica, a repercusso anima o jovem a continuar seu trabalho como escritor. Em 1895 ele publica pela F. Tennyson Neely dez contos aparentemente sem relao que recebem o ttulo The King in Yellow. A obra promete deixar louco quem o ler. Foi um grande sucesso, tornando-se sua obra-prima, o que o convence a deixar de lado por um tempo sua paixo pelas artes plsticas em vista de seu sucesso naquilo que tambm gostava muito de fazer escrever. Everett Franklin Bleiler, editor estudioso da fico fantstica, em seu famoso livro Checklist of Fantastic Literature, definiu o best-seller de Chambers como uma das mais importantes obras de fico sobrenatural americana.

    Em 12 de julho de 1898, ele se casa com a francesa Elsa Vaughn Moller (1882-1939), e mais tarde tm um filho, Robert Edward Stuart Chambers (que s vezes usou o nome Robert Husted Chambers).

    Aps o casamento e com o grande sucesso do segundo livro, Chambers escreveu de tudo um pouco, pois se dizia algum com gostos e interesses muito variados: Sempre gostei de mudar, de experimentar assim como eu gostava de mudar o meu meio de pintura, aquarela, leo, carvo, fases, etc., disse ele, provando-o pela alternncia entre estilos, indo de romances, contos e poemas a artigos de revistas de histria natural, assuntos militares e caa e pesca.

    Para a famosa atriz irlandesa Ada Rehan ele escreveu uma pea de teatro, The Witch of Ellangowan, que, segundo se relata, foi composta em apenas uma semana.

    Chambers admirava Dumas (pai) e o tinha como seu escritor favorito, mas tambm tinha um campo de interesses muito variado, o que s vezes o fazia transpor tal deslumbramento pelo desconhecido no horror sobrenatural de algumas de suas histrias.

    Em uma troca de e-mails com Joseph S. Pulver, famoso escritor norte-americano e especialista em Chambers, ele me escreveu:

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    O Rei de Amarelo O ltimo dos Mosqueteiros

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    [...] se voc examinar Chambers como homem e no como escritor, ver que seus escritos ps-terror eram compostos apenas para vislumbrar a vida

    que sempre quis. Leia a introduo do escritor S.T. Joshi em The Yellow Sign e tente entender o homem e sua histria antes de tentar entender sua obra, que inclui narrativas de viagens romnticas e romances. Descartar tudo alm da fico de terror um equvoco e no dar

    a voc uma imagem adequada do homem.

    Por esses e outros motivos, fica claro que Chambers escreveu todo tipo de histria simplesmente porque gostava, e o autor tem esse amplo campo de interesse, como ele mesmo disse, corroborado por muitos estudiosos de sua vida e obra. Nascido em uma famlia abastada, ele no precisaria escrever para sobreviver, como imaginavam muitos crticos, muito menos compor romances baratos; e se o fez, foi por conta de vislumbrar neles a vida bomia que sempre teve em Paris e que de certa forma foi abreviada pelo seu novo estilo de vida no retorno a Nova York.

    Chambers residiu em sua manso em Broadalbin, Nova York, ao sop das montanhas Adirondack, durante grande parte de sua vida. Alguns de seus romances retratam a calma vida colonial em Broadalbin e Johnstown. Segundo informaes do The New York Times, ele gostava muito de pescar, caar, colecionar arte chinesa e japonesa e borboletas americanas, alm de falcoaria e ecologia, tanto que foi responsvel pelo plantio de 25000 rvores no vilarejo em que residia.

    Ele tambm fazia de sua linda manso familiar um refgio, muito embora procurasse sempre um lugar isolado em Nova York para escrever seus livros: uma espcie de retiro espiritual ainda maior, onde podia encontrar novamente uma vida alegre e bomia similar de Paris, com damas e cavalheiros da mais alta classe social e eventos e festas interminveis com admiradores presentes.

    Assim foi a vida de Chambers durante muitos e muitos anos, escrevendo sucesso aps sucesso e cuidando de sua amada esposa que conhecera na Frana, tentando prov-la com o conforto de um lar cada vez mais agradvel pois fazendo ela feliz ele se sentia mais feliz ainda.

    Chambers foi talvez o ltimo dos cavalheiros bomios e artistas de uma poca glamourosa que foi a Belle poque de fato o ltimo dos mosqueteiros, numa aluso a DArtagnan, personagem de Dumas.

    Muitos anos se passaram e sua fama foi se desvanecendo. J idoso, num certo dia de setembro de 1933 ele deu entrada no Hospital de Nova York. Em 13 de dezembro foi operado de uma doena intestinal e morreu naquela mesma noite. Seu funeral foi simples, mas digno seu corpo foi levado pelos moradores de Broadalbin atravs do jardim italiano onde ele costumava fazer sua caminhada diria. A esposa de Chambers, seu filho e outros parentes prximos e amigos estavam presentes em seu velrio, realizado na casa do rev. Edward T. Carrol, reitor da Saint Anns Episcopal Church em Amsterdam, Nova York.

    Entre aqueles que visitaram o caixo estavam vrios homens ilustres das artes, letras e negcios, alm dos moradores da vila: dr. B.E. Chapman, Gerald Sanford, Sanford Samuel, Samuel Jacobsin, John Anderson, Cecil C. Finch, T.E. Lee, Alan Belding, rev. B.L. Crapo, Wilbur Hathaway, Floyd H. Barker, John Harris, James Bartlett, Richard H. Lee, Herbert Sawyer, Marvin Borst, Ray Vail e o chefe de Polcia do Estado de Nova York todos estiveram presentes.

    O corpo de Chambers foi enterrado no jazigo da famlia em Broadalbin, debaixo de uma rvore atrs da manso. O terreno foi cercado pelas rvores que ele havia plantado. Mais tarde, foi levado por sua esposa ao Cemitrio Rural de Broadalbin.

    No resta muito de Broadalbin atualmente. Grande parte da terra aparentemente de propriedade de um mdico. Broadalbin tambm o nome da cidade onde o imvel est. No se pode afirmar se a cidade cresceu em torno da propriedade ou a propriedade em torno da cidade.

    Chambers perdeu grande parte de seu dinheiro na quebra da bolsa de valores em 1929. Elsa manteve a si mesma com alguns recursos que o marido deixou, vindo a falecer mais tarde, em 1939. A casa foi ento deixada sem superviso, com tudo no lugar, e jovens e outras pessoas usaram seu espao para festas, queimando papis e documentos para se aquecer ou por mero divertimento enquanto bebiam e faziam sexo. Por um perodo indeterminado de tempo, o local abrigou at mesmo um bordel. Metade da terra da propriedade est agora debaixo da gua devido a uma barragem, e um tero da casa est afundado, o resto sendo remodelado pela Igreja Catlica, que proprietria, na casa paroquial da St. Joseph Church, aps adquirem o

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    O Rei de Amarelo O ltimo dos Mosqueteiros

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    imvel anos depois. O filho de Chambers no deixou herdeiros e relata-se ter sido colocado em um asilo. Talvez por esse motivo ningum poderia cuidar da propriedade de Broadalbin depois que a esposa de Chambers faleceu.

    At sua morte, Robert W. Chambers tinha escrito 87 romances, uma coleo de poemas, uma pea e inmeros artigos para jornais. Ele tambm escreveu um libreto para uma pera. Foi dito a ele que seu poder de visualizao grfica, suas extravagncias frequentes em delinear os tipos e situaes, juntamente com seu instinto para transmitir uma sensao de movimento que transmite a narrativa junto com uma onda irresistvel e corrida, tem um efeito hipntico sobre o leitor que faz com que at mesmo o improvvel parea real, como uma coisa natural.

    Quaisquer opinies sobre seus trabalhos so deixadas para cada leitor decidir, e o autor desta biografia pede desculpas a si mesmo se quaisquer declaraes tendenciosas aparecem nela. No entanto, seguro dizer que Chambers hoje em dia quase inteiramente lembrado por uma nica obra, O Rei de Amarelo, o que faz parecer com que as incgnitas em torno de sua principal obra de algum modo refletem misteriosamente sua vida. Isso, no entanto, uma vergonha, pois Chambers escreveu obras to interessantes quanto esta, e embora pequeno em tamanho O Rei de Amarelo constiuiu-se segundo crticos, em uma das maiores criaes literrias de toda a literatura fantstica ao longo dos anos.

    Chambers tem inspirado muitos autores modernos, incluindo Joseph S. Pulver, Stephen King, Neil Gaiman e mais recentemente Nic Pizzolatto e sua srie de sucesso mundial True Detective, entre muitos outros.

    BIBLIOGRAFIA

    BLEILER, E.F. (Ed.). The King in Yellow and other horror stories. New York: Dover Publications, 1970.

    ______. Checklist of Fantastic Literature. New York: Shasta Publishers, 1948

    CHAMBERS, Robert W. The King in Yellow. New York: F. Tennyson Neely, 1895.

    CLUTE, John & NICHOLLS, Peter. The Encyclopedia of Science Fiction. London: Orbit, 1993.

    JOSHI, S.T. The Yellow Sign and Other Stories, Chaosium, 2004.______. H.P. Lovecraft A Life. West Warwick-RI: Necronomicon

    Press, 1996.PRICE, Robert M. The Hastur Cycle, Chaosium, 1993.

  • O Reparador de Reputaes

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    INe raillons pas les fous; leur folie dure plus longtemps que la ntre

    Voil toute la differnce.1

    P OR VOLTA do ano de 1920, o governo dos Estados Unidos havia praticamente completado o programa adotado durante os ltimos meses da administrao do presidente Winthrop. O pas estava aparentemente tranquilo. Todos sabiam como foram resolvidas as questes tributrias e trabalhistas. A guerra com a Alemanha, em um incidente pelo embargo, por parte desse pas, s Ilhas Samoa, no deixou cicatrizes visveis sobre a repblica, e a ocupao temporria de Norfolk pelo exrcito invasor fora esquecida na alegria de repetidas vitrias navais e com a subsequente e ridcula situao das foras do general Von Gartenlaube no estado de Nova Jersey. Os investimentos cubanos e havaianos lucraram cem por cento e o territrio de Samoa, como um posto de abastecimento de carvo, bem valeu seu custo. O pas estava em um estado esplndido de defesa. Cada cidade da costa havia sido bem-provida de fortificaes em terra; o exrcito, sob o olhar parental do estado-maior, organizado de acordo com o sistema prussiano, ampliou-se para trezentos mil homens, com um contingente reserva de um milho; e seis magnficas esquadras de cruzadores e navios de guerra patrulhavam as seis estaes de mares navegveis, deixando-se uma reserva a vapor amplamente preparada para controlar as guas locais. Os senhores do Oeste haviam, finalmente, sido compelidos a reconhecer que uma universidade para o treinamento de diplomatas era to necessria quanto escolas de direito so para a formao de advogados; consequentemente, no ramos mais representados por compatriotas incompetentes. A nao estava prspera. Chicago, por um momento paralisada depois de um segundo grande incndio, havia se levantado de suas runas, branca e imperial, e mais

    1. Traduo: No zombe dos loucos; sua loucura dura muito mais tempo do que a nossa Eis toda a diferena. (N. do T.)

    O Reparador de Reputaes

    Ttulo original: The Repairer of Reputations

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    bonita que a cidade branca que fora construda para diverso da nao no ano de 18932. Por todos os lugares, a boa arquitetura estava substituindo a arquitetura de m qualidade, e, mesmo em Nova York, um desejo repentino por decncia havia varrido uma grande poro dos horrores existentes. Ruas foram alargadas, propriamente pavimentadas e iluminadas, rvores foram plantadas, praas foram projetadas, estruturas elevadas foram demolidas e vias subterrneas construdas para substitu-las. Os novos edifcios governamentais e quartis eram amostras excelentes de arquitetura, e o longo sistema de peres de pedra que cercava completamente a ilha havia sido transformado em parques que se revelavam como uma bno populao. O subsdio para o teatro e a pera estatais trouxe sua prpria recompensa. A Academia Nacional de Design muito se assemelhava s instituies europeias do mesmo tipo. Ningum invejava o secretrio de Belas-Artes, muito menos seu gabinete e sua pasta. O secretrio de Silvicultura e Preservao da Caa gozava de um momento muito mais calmo graas ao novo sistema da Polcia Montada Nacional. Havamos lucrado bastante por meio dos ltimos tratados com a Frana e a Inglaterra; a expulso dos judeus estrangeiros como uma medida de autopreservao, a criao do novo estado negro independente de Suanee, o controle da imigrao, as novas leis concernentes naturalizao e a centralizao gradual de poder no executivo contriburam para a calma e a prosperidade da nao. Quando o governo solucionou o problema dos ndios e esquadres de patrulheiros da cavalaria indgena em vestimentas nativas foram substitudos por organizaes deplorveis, atreladas retaguarda de regimentos moldados por um antigo secretrio de Guerra, a nao soltou um longo suspiro de alvio. Quando, depois do colossal Congresso de Religies, o fanatismo e a intolerncia foram enterrados em suas sepulturas, e a bondade e a caridade comearam a unir seitas antes inimigas, muitos pensaram que o milnio chegara, ao menos no Novo Mundo, que, afinal de contas, um mundo por ele mesmo.

    Mas autopreservao a lei primordial, e os Estados Unidos tiveram de observar, em pesar impotente, enquanto a Alemanha, a Itlia, a Espanha e a Blgica se contorciam nos espasmos da anarquia, enquanto a Rssia, assistindo do Cucaso, as parou e as capturou uma a uma. Na cidade de Nova York, o vero de 1899 foi marcado pela desmontagem das

    linhas frreas elevadas. O vero de 1990 viver na memria dos nova-iorquinos por muito tempo; a esttua do Dodge foi removida naquele ano. No inverno seguinte, iniciou-se aquela agitao pela revogao das leis que proibiam o suicdio, o que deu luz seu ltimo fruto, em abril de 1920, quando a primeira Cmara Letal do governo foi inaugurada na Washington Square.

    Aquele dia, saindo da casa do dr. Archer, caminhei pela Madison Avenue, onde estivera por mera formalidade. Desde aquela queda do meu cavalo, quatro anos antes, tive problemas com dores na parte posterior de minha cabea e no pescoo, mas agora por meses elas tm estado ausentes, e aquele dia o mdico me mandou embora dizendo no haver nada mais em mim a ser curado. Quase no valia a pena pagar por suas consultas para ele me dizer isso; eu sabia disso por mim mesmo. Ainda assim, no neguei a ele o dinheiro. O que me perturbava era o erro que ele cometera inicialmente. Quando eles me pegaram do pavimento onde eu havia cado inconsciente, e algum por misericrdia meteu uma bala na cabea do meu cavalo, fui levado ao dr. Archer, e ele, declarando meu crebro afetado, me internou em seu sanatrio particular, onde eu era obrigado a suportar tratamento para insanidade. Finalmente ele decidiu que eu estava bem, e eu, sabendo que minha mente sempre estivera to saudvel quanto a dele, se no mais saudvel, paguei minha taxa escolar, como ele, brincando, a chamava, e parti. Disse a ele, sorrindo, que me vingaria por seu erro, ele riu entusiasticamente e me pediu para ligar de vez em quando. Eu o fiz, esperando por uma chance de acertar as contas, mas ele no me deu nenhuma, e eu disse a ele que esperaria.

    A queda do meu cavalo felizmente no deixara qualquer sequela; pelo contrrio, havia mudado todo meu carter para melhor. Ento um rapaz almofadinha e preguioso, me tornei ativo, enrgico, moderado e acima de tudo ah, acima de tudo realmente ambicioso. Havia apenas uma coisa que me perturbava: eu ria de minha prpria inquietao, contudo, ela ainda me perturbava.

    Durante minha convalescncia, comprei e li pela primeira vez O Rei de Amarelo. Lembro-me, depois de terminar o primeiro ato, que me ocorreu que seria melhor parar de ler ali. Levantei-me e arremessei o livro na lareira; o volume atingiu a grelha barrada de proteo e caiu aberto exatamente ao meio sob a luz da lareira. Se eu no tivesse tido um vislumbre das palavras de abertura no segundo ato, jamais o teria terminado, mas enquanto eu parava para peg-lo, meus olhos se tornaram fixos na pgina aberta, e com um grito

    2. Em 1893 Chicago foi palco de uma importante Feira Mundial em que foram edificadas grandes construes de cor branca. (N. do T.)

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    de terror, ou talvez tenha sido de uma alegria to pungente que a senti em cada nervo, arrebatei a coisa das brasas e me arrastei tremendo para meu quarto, onde li e reli, e chorei e ri e tremi com um horror que s vezes ainda me assalta. Essa a coisa que me perturba, por no poder esquecer Carcosa, onde estrelas negras pendem dos cus; onde as sombras dos pensamentos dos homens se estendem pelo entardecer, quando os sis gmeos se escondem dentro do lago de Hali; e minha mente guardar para sempre a lembrana da Mscara Plida. Oro para que Deus amaldioe o escritor, como o escritor amaldioou o mundo com esta bela, estupenda criao, terrvel em sua simplicidade, irresistvel em sua verdade um mundo que agora treme diante do Rei de Amarelo. Quando o governo francs confiscou os exemplares traduzidos que haviam acabado de chegar a Paris, Londres, claro, se tornou vida para l-lo. bem sabido como o livro se espalhou como uma doena infecciosa, de cidade a cidade, de continente a continente, proibido aqui, confiscado ali, denunciado pela imprensa e pelos religiosos, censurado at mesmo pelo mais avanado dos anarquistas letrados. Nenhum princpio definido foi violado naquelas pginas perversas, nenhuma doutrina promulgada, nenhuma convico ultrajada. No poderia ser julgado por qualquer padro conhecido; ainda, embora fosse reconhecido que a nota suprema da arte fora atingida com O Rei de Amarelo, todos sentiram que a natureza humana no poderia suportar a tenso nem tirar algo de valor de palavras nas quais a essncia do mais puro veneno ocultara-se. A exata banalidade e inocncia do primeiro ato apenas permitia que o golpe que vinha depois casse com efeito ainda mais terrvel.

    Foi, eu me lembro, em 13 de abril de 1920 que a primeira Cmara Letal do governo foi inaugurada no lado sul da Washington Square, entre a Wooster Street e o lado sul da Quinta Avenida. O quarteiro, que outrora consistia de muitos velhos edifcios dilapidados, usados como cafs e restaurantes por estrangeiros, foi adquirido pelo governo no inverno de 1898. Os cafs franceses e italianos foram demolidos; o quarteiro inteiro foi fechado por uma cerca de ao dourado e transformado em um jardim agradvel com gramado, flores e fontes. No centro do jardim havia um edifcio pequeno e branco, severamente clssico em sua arquitetura, e cercado por arbustos floridos. Seis colunas jnicas suportavam o teto, e a nica porta era de bronze. Um grupo esplndido de mrmore das Moiras3 ficava diante da porta, o trabalho de um jovem escultor americano, Boris Yvain, que morreu em Paris

    com apenas 23 anos de idade. As cerimnias de inaugurao progrediam medida que eu cruzava a University Place e entrava na praa. Abri caminho atravs da multido silenciosa de espectadores, mas fui parado na Fourth Street por um cordo de isolamento da polcia. Um regimento de lanceiros dos Estados Unidos estava ordenado em um cordo de isolamento ao redor da Cmara Letal. Em uma tribuna montada de frente para a Washington Square estava o governador de Nova York, e atrs dele agrupavam-se o prefeito de Nova York e Brooklin, o inspetor-geral de polcia, o comandante das tropas do estado, coronel Livingston, o apoio militar ao presidente dos Estados Unidos, general Blount, o comandante em Governors Island, o general de diviso Hamilton, o comandante da guarnio de Nova York e Brooklin, almirante Buffby, da rota no Rio Norte, o secretrio de Sade Lanceford, a equipe do National Free Hospital, os senadores Wyse e Franklin, de Nova York, e o comissrio de servios pblicos. A tribuna estava cercada por um esquadro de hussardos da Guarda Nacional.

    O governador estava terminando sua rplica ao breve discurso do secretrio de Sade. Eu o ouvi dizer: As leis que proibiam o suicdio e prescreviam punio para qualquer tentativa de autodestruio foram abolidas. O governo considerou adequado reconhecer o direito do homem de pr fim a uma existncia que pode ter se tornado intolervel a ele devido ao sofrimento fsico ou desespero mental. Acreditamos que a comunidade ser beneficiada pela remoo de tais pessoas de seu meio. Desde a aprovao desta lei, o nmero de suicdios nos Estados Unidos no aumentou. Agora que o governo determinou a criao de uma Cmara Letal em cada cidade, cidadela e vila no pas, resta apenas saber se aquela classe de criaturas humanas cuja desesperana inclui novas vtimas de autodestruio aceitar ou no o alvio a elas providenciado. Ele parou e se voltou Cmara Letal. O silncio na rua era absoluto. Ali, uma morte sem dor espera por aquele que no pode mais suportar os pesares desta vida. Se a morte bem-vinda, que ele a procure ali. Ento, rapidamente se voltando para o assessor militar do presidente, ele disse: Declaro a Cmara Letal aberta, e de novo olhando a vasta multido, ele gritou em uma voz clara: Cidados de Nova York e dos Estados Unidos da Amrica, por meio de mim o governo declara aberta a Cmara Letal.

    O silncio solene foi quebrado por um grito abrupto de comando; o esquadro de hussardos seguiu a carruagem do governador, os lanceiros se viraram e ficaram em formao na Quinta Avenida para esperar pelo 3. Moiras ou Parcas so divindades greco-romanas do destino. (N. do T.)

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    comandante da guarnio, e a polcia montada os seguiu. Deixei a multido para observar a Cmara Letal de mrmore branco e ficar boquiaberto, e, cruzando ao sul da Quinta Avenida, andei ao longo do lado ocidental da passagem para a Bleecker Street. Ento virei direita e parei diante de uma oficina sombria que exibia o aviso:

    HAWBERK, ARMEIROOlhei de relance pela porta de entrada e vi Hawberk ocupado em sua

    pequena oficina no fim do corredor. Ele olhou para cima, e, me vendo, gritou em sua voz profunda e forte: Entre, sr. Castaigne!. Constance, sua filha, levantou-se para me encontrar enquanto eu entrava, e apertei sua bela mo, mas vi o rubor de desapontamento em suas bochechas e soube que era outro Castaigne que ela esperava, meu primo Louis. Ri de sua confuso e a elogiei pela faixa que bordava a partir de um prato decorativo. O velho Hawberk sentou-se, rebitando grevas gastas de uma armadura antiga, e o tim! tim! tim! de seu pequeno martelo soava agradavelmente em sua extica oficina. Logo ele largou seu martelo e fez um estardalhao momentneo com uma pequenina chave inglesa. O bater macio da armadura enviou uma excitao de prazer atravs do meu corpo. Eu amava ouvir o som do ao esfregando no ao, o choque doce da marreta nas partes da coxa, e o tinir da cota de malha. Essa era a nica razo pela qual fui visitar Hawberk. Ele nunca havia me interessado pessoalmente, nem Constance, exceto pelo fato de que ela estava apaixonada por Louis. Isso ocupava minha ateno e s vezes at mesmo me fazia ficar acordado noite. Mas eu sabia em meu corao que tudo correria bem, e que deveria arranjar o futuro deles do mesmo modo que tinha como certo fazer o mesmo com meu amvel mdico, John Archer. Entretanto, jamais teria me preocupado em visit-los se no fosse pelo fato de que, como disse, a msica do martelo tilintante despertasse em mim essa forte fascinao. Eu poderia ficar sentado por horas ouvindo e ouvindo, e quando um raio de sol perdido atingia o ao incrustado, a sensao que me atingia era quase intensa demais para suportar. Meus olhos ficavam fixos, dilatando com um prazer que dilatava cada nervo quase at a ruptura, at algum movimento do velho armeiro bloquear o raio de sol; ento, ainda tremendo secretamente, eu me encostava e ouvia de novo o som do pano de polir, uish! uish! esfregando a ferrugem dos rebites. Constance trabalhava com o bordado sobre os joelhos, pausando de vez em quando para examinar

    mais de perto o padro no prato decorativo do Museu Metropolitano. Para quem isso?, perguntei.Hawberk explicou que, alm dos tesouros em armadura no Museu

    Metropolitano, para os quais ele havia sido indicado como armeiro, ele tambm cuidava de vrias colees pertencentes a ricos colecionadores. Esta era a greva perdida de um famoso conjunto que um cliente havia rastreado at uma lojinha em Paris, no Quai dOrsay. Ele, Hawberk, havia negociado por ela e a conseguiu, e agora o conjunto estava completo. Ele descansou seu martelo e leu a histria do conjunto, cujos registros vinham desde 1450, de proprietrio a proprietrio, at ser adquirido por Thomas Stainbridge. Quando sua soberba coleo foi vendida, este cliente de Hawberk comprou o conjunto, e, desde ento, a busca pela greva perdida foi realizada at ser encontrada em Paris, quase por acidente.

    O senhor continuou a busca to persistentemente sem nenhuma certeza de que a greva ainda existisse?, perguntei.

    Claro, ele respondeu tranquilamente. Ento, pela primeira vez, tive um interesse pessoal por Hawberk.Isso tinha algum valor para o senhor, arrisquei. No, ele respondeu, rindo, meu prazer em ach-la foi minha

    recompensa.O senhor no tem ambio de ser rico?, perguntei, sorrindo.Minha nica ambio ser o melhor armeiro do mundo, ele

    respondeu gravemente.Constance me perguntou se eu vira as cerimnias na Cmara Letal.

    Ela mesma percebera a cavalaria passando pela Broadway naquela manh e desejou ver a inaugurao, mas seu pai quis a faixa terminada, e ela ficou, atendendo a seu pedido.

    Sr. Castaigne, o senhor viu seu primo por l?, ela perguntou, com o ligeiro tremor de seus clios macios.

    No, respondi desatentamente. O regimento de Louis est manobrando fora, no condado de Manchester. Levantei-me e peguei meu chapu e minha bengala.

    O senhor vai subir para ver o luntico de novo?, riu o velho Hawberk. Se Hawberk soubesse como eu abominava aquela palavra, luntico, ele jamais a usaria em minha presena. Isso desperta certos sentimentos em mim, os quais no quero explicar. Entretanto, respondi a ele calmamente: Acho que devo aparecer e ver o sr. Wilde por um momento.

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    Pobre homem, disse Constance, balanando a cabea, deve ser difcil viver sozinho ano aps ano, aleijado e quase demente. muita bondade de sua parte, sr. Castaigne, visit-lo to frequentemente como o senhor o faz.

    Acho que ele mau, observou Hawberk, comeando de novo com seu martelo. Ouvi o tilintar dourado nas placas da greva; quando ele terminou, eu respondi:

    No, ele no mau, nem de modo algum demente. Sua mente uma cmara de maravilhas, da qual ele pode extrair tesouros que o senhor e eu daramos anos de nossas vidas para adquirir.

    Hawberk riu.Continuei, um pouco impaciente: Ele conhece histria como ningum.

    Nada, por mais trivial que seja, escapa s suas investigaes, e sua memria to primorosa, to precisa em detalhes, que se soubessem em Nova York que tal homem existe, as pessoas no poderiam honr-lo o suficiente.

    Bobagem, resmungou Hawberk, procurando no cho por um rebite que estivesse cado.

    bobagem, perguntei, me esforando para reprimir o que sentia, bobagem quando ele diz que as perneiras e os coxotes da armadura esmaltada comumente conhecida como a Brasonada do Prncipe podem ser achados em meio a uma pilha de acessrios teatrais enferrujados, foges quebrados e restos de ferro-velho em um sto na Pell Street?

    O martelo de Hawberk caiu no cho, mas ele o pegou e perguntou, com muita calma, como eu sabia que as perneiras e o coxote esquerdo da Brasonada do Prncipe estavam perdidos.

    Eu no o sabia at o sr. Wilde contar a mim outro dia. Ele disse que eles estavam no sto do nmero 998 da Peel Street.

    Bobagem, ele gritou, mas notei sua mo tremendo embaixo de seu avental de couro.

    Isso bobagem tambm?, perguntei me divertindo, bobagem quando o sr. Wilde constantemente se refere ao senhor como o marqus de Avonshire e da senhorita Constance

    No terminei, pois Constance ficou de p, com terror estampado em toda sua feio. Hawberk olhou para mim e vagarosamente alisou seu avental de couro.

    Isso impossvel, ele observou, o sr. Wilde pode saber de muitas outras coisas

    Sobre armaduras, por exemplo, e sobre a Brasonada do Prncipe, interrompi, sorrindo.

    Sim, ele continuou vagarosamente, sobre armaduras tambm possvel mas ele est errado em relao ao marqus de Avonshire, que, como o senhor sabe, matou o difamador de sua esposa anos atrs e foi para a Austrlia, onde no viveu muito mais do que ela.

    O sr. Wilde est errado, murmurou Constance. Seus lbios estavam plidos, mas sua voz estava doce e calma.

    Vamos concordar, se assim deseja, que neste caso em particular o sr. Wilde est errado, eu disse.

    IISubi os trs lanos de escadas em runas, que j havia subido tantas

    vezes antes, e bati em uma pequena porta no final do corredor. O sr. Wilde abriu a porta e entrei.

    Depois de passar duas trancas na porta e empurrar um pesado ba contra ela, ele veio e se sentou ao meu lado, perscrutando minha face com seus pequenos olhos plidos. Meia dzia de novos arranhes cobriam seu nariz e suas bochechas, e os fios prateados que sustentavam suas orelhas artificiais haviam se deslocado. Pensei que nunca o vira to horrivelmente fascinante. Ele no tinha orelhas. As artificiais, que agora se projetavam pendendo do arame fino, eram sua nica fraqueza. Elas eram feitas de cera e pintadas de rosa-claro, mas o restante de seu rosto era amarelo. Ele poderia ter se dado o luxo de alguns dedos artificiais para sua mo esquerda, a qual era absolutamente sem dedos, mas parecia que isso no lhe causava incmodo, e ele estava satisfeito com as orelhas de cera. Ele era muito pequeno, quase no mais alto do que uma criana de dez anos, mas seus braos eram magnificamente desenvolvidos, e suas coxas to grossas quanto as de qualquer atleta. Entretanto, a coisa mais extraordinria sobre o sr. Wilde era que um homem de sua maravilhosa inteligncia e conhecimento pudesse ter uma cabea como aquela. Ela era achatada e pontuda, como as cabeas de muitos daqueles desafortunados que so aprisionados em sanatrios pela fraqueza mental. Muitos o chamavam de louco, mas eu sabia que ele era to so quanto eu.

    No nego que ele era excntrico; a mania que ele tinha de pegar aquela gata e provoc-la at ela voar em seu rosto como um demnio certamente era excntrica. Nunca pude entender por que ele mantinha a criatura nem

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    o prazer em se fechar em seu quarto com esta besta intratvel e feroz. Lembro-me de uma vez em que, ao erguer os olhos do manuscrito que estava estudando luz de lamparinas, vi o sr. Wilde agachado imvel em sua cadeira alta, seus olhos completamente brilhantes de excitao, enquanto a gata, que havia se levantado de seu lugar diante do fogo, veio rastejando pelo cho direto para ele. Antes que eu pudesse me mover, ela encostou sua barriga no cho, se curvou, tremeu e saltou em seu rosto. Gemendo e espumando, eles rolaram diversas vezes no cho, se arranhando e se agarrando, at que a gata gritou e fugiu para debaixo do armrio, e o sr. Wilde deitou-se de costas, seus membros se contraindo e se dobrando como as pernas de uma aranha moribunda. Ele era excntrico.

    O sr. Wilde subira em sua cadeira alta e, depois de estudar meu rosto, pegou um livro-razo cheio de orelhas e o abriu.

    Henry B. Matthews, ele leu, escriturrio na Whysot Whysot and Company, comerciantes de ornamentos de igreja. Consultou-me dia 3 de abril. Reputao prejudicada na corrida de cavalos. Conhecido como caloteiro. Reputao a ser reparada at o dia primeiro de agosto. Sinal: cinco dlares. Ele virou a pgina e passou os ns da mo sem dedos sobre o texto escrito em colunas apertadas.

    P. Greene Dusenberry, ministro do Evangelho, Fairbeach, Nova Jersey. Reputao prejudicada no Bowery. Para ser reparada o mais rpido possvel. Sinal: cem dlares.

    Ele tossiu e acrescentou: Consultou-me dia 6 de abril.Ento, o senhor no precisa de dinheiro, sr. Wilde, indaguei.Escute, ele tossiu de novo. Sra. C. Hamilton Chester, de Chester Park, Nova York. Consultou-

    me dia 7 de abril. Reputao prejudicada em Dieppe, na Frana. Deve ser reparada at primeiro de outubro. Sinal: quinhentos dlares.

    Observao: C. Hamilton Chester, capito do U.S.S. Avalanche, enviado para casa, vindo do Esquadro dos Mares do Sul no dia primeiro de outubro.

    Bem, eu disse, a profisso de reparador de reputaes lucrativa.Seus olhos plidos buscaram os meus: Eu s queria mostrar que

    estava correto. O senhor disse que era impossvel ser bem-sucedido como reparador de reputaes; que mesmo se eu fosse bem-sucedido em certos casos, isso me custaria mais do que eu ganharia. Hoje tenho quinhentos homens a meu servio, pobremente remunerados, mas que se dedicam ao

    trabalho com um entusiasmo que possivelmente pode ter nascido do medo. Esses homens podem entrar em cada abertura e nvel da sociedade; muitos at so pilares dos templos sociais mais exclusivos; outros so o apoio e orgulho do mundo financeiro; outros, ainda, detm influncia indiscutvel entre os ricos e talentosos. Eu os escolhi ao meu capricho, a partir dos que responderam a meus anncios. muito fcil, eles so todos covardes. Eu poderia triplicar o nmero em vinte dias se quisesse. Ento o senhor v, aqueles que tm em sua posse a reputao dos seus concidados eu tenho em minha folha de pagamento.

    Eles podem se voltar contra o senhor, sugeri.Ele esfregou seu polegar sobre as orelhas cortadas e ajustou as substitutas

    de cera. Acho que no, ele murmurou pensativamente, raramente tenho de aplicar o castigo, e ainda assim s o fao uma nica vez. Alm disso, eles gostam de seus salrios.

    Como o senhor aplica o castigo?, perguntei.Seu rosto, por um momento, estava horrvel de se olhar. Seus olhos se

    encolheram em um par de fascas verdes. Eu os convido a vir e conversar um pouco comigo, ele disse em uma

    voz suave. Uma batida na porta o interrompeu, e seu rosto retomou sua expresso

    agradvel. Quem ?, ele perguntou.O sr. Steylette, foi a resposta.Venha amanh, respondeu o sr.Wilde.Impossvel, comeou o outro, mas foi silenciado por um tipo de

    rosnado do sr. Wilde.Venha amanh, ele repetiu. Escutamos algum se afastar da porta e virar para chegar escada. Quem era?, perguntei.Arnold Steylette, proprietrio e chefe editorial do grande New York

    Daily. Ele tamborilou no livro com sua mo sem dedos, adicionando: Eu o remunero muito mal, mas ele acredita que um bom negcio.

    Arnold Steylette!, repeti assombrado.Sim, disse o sr. Wilde, com uma tosse de satisfao.A gata, que havia entrado na sala enquanto ele falava, hesitou, olhou

    para ele e rosnou. Ele desceu da cadeira e, agachando-se no cho, pegou a criatura em seus braos e a acariciou. A gata parou de rosnar e logo comeou com um ronronar alto que parecia aumentar em timbre enquanto ele a

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    alisava. Onde esto as anotaes?, perguntei. Ele apontou para a mesa, e pela centsima vez peguei a pilha de manuscrito intitulado:

    A DINASTIA IMPERIAL DA AMRICAUma por uma, estudei as pginas bem gastas, gastas apenas por

    meu manuseio, e embora eu soubesse tudo memorizado, do comeo, Quando de Carcosa, as Hades, Hastur e Aldebaran a Castaigne, Louis de Calvados, nascido em 19 de dezembro de 1877, o li com avidez, ateno absorta, pausando para repetir algumas partes em voz alta, me demorando especialmente em Hildred de Calvados, filho nico de Hildred Castaigne e Edythe Landes Castaigne, primeiro na sucesso, etc., etc.

    Quando terminei, o sr. Wilde acenou com a cabea e tossiu.Falando sobre sua ambio legtima, ele disse, como Constance e

    Louis esto se entendendo?Ela o ama, respondi simplesmente.De repente, a gata em seus joelhos se virou e atacou seus olhos, e ele a

    arremessou e subiu na cadeira em frente a mim.E o dr. Archer! Mas essa uma questo que o senhor pode solucionar

    quando desejar, adicionou.Sim, respondi, o dr. Archer pode esperar, mas hora de ver meu

    primo Louis.Chegou a hora, ele repetiu. Ento pegou outro livro-razo da mesa

    e o folheou rapidamente. Ns estamos em contato com dez mil homens, ele murmurou. Podemos contar com cem mil dentro das primeiras vinte e oito horas, e em quarenta e oito horas, o estado ascenderia en masse. O pas segue o estado, e a poro que no seguir, quero dizer, Califrnia e o Noroeste, ficaria melhor se nunca tivesse sido habitada. No devo enviar a eles o Smbolo Amarelo.

    O sangue correu para a minha cabea, mas apenas respondi: Para diante que se navega.

    A ambio de Csar e de Napoleo empalidece diante desta que no poderia descansar at ter arrebatado as mentes dos homens e controlado at mesmo seus pensamentos no nascidos, disse o sr. Wilde.

    O senhor est falando do Rei de Amarelo, gemi com um tremor.Ele um rei a quem imperadores tm servido.Estou satisfeito por servi-lo, respondi.

    O sr. Wilde sentou-se esfregando as orelhas com a mo aleijada. Talvez Constance no o ame, ele sugeriu.

    Comecei a responder, mas uma exploso repentina de msica militar vinda da rua abaixo abafou minha voz. O vigsimo regimento de drages, outrora em guarnio no Monte St. Vincent, estava voltando das manobras no condado de Westchester para seu novo quartel a leste da Washington Square. Era o regimento do meu primo. Eles eram um bando excelente de homens em jaquetas justas de um azul-claro, colbaques garbosos e calas brancas de montaria com a duas listras amarelas, que pareciam moldadas a seus membros. Um esquadro sim e outro no estava armado com lanas, de cujas pontas de metal tremulavam flmulas amarelas e brancas. A banda passou tocando a marcha regimental, ento veio o coronel e seu regimento, os cavalos se amontoavam e pisavam com fora, enquanto suas cabeas curvavam-se em unssono, e as flmulas tremulavam das pontas de suas lanas. Os soldados, que montavam com a bela sela inglesa, pareciam bronzeados como amoras, vindos de suas campanhas cruis entre as fazendas de Westchester, e a msica de seus sabres contra os estribos, e o ressoar de esporas e carabinas, eram encantadores para mim. Vi Louis cavalgando com seu esquadro. Era um dos mais belos oficiais que eu j vira. O sr. Wilde, que havia subido em uma cadeira perto da janela, tambm o viu, mas no disse nada. Louis virou-se e olhou diretamente para a oficina de Hawberk enquanto passava, e pude ver o rubor em suas bochechas bronzeadas. Pensei que Constance deveria estar na janela. Quando os ltimos soldados passaram em algazarra, e as ltimas flmulas desapareceram ao sul da Quinta Avenida, o sr. Wilde desceu com dificuldade de sua cadeira e arrastou seu ba para longe da porta.

    Sim, ele disse, hora do senhor ver seu primo Louis. Ele destrancou a porta, eu peguei meu chapu e sa para o corredor.

    As escadas estavam escuras. Tateando, pisei em algo macio, que rosnou e espumou pela boca, e preparei um golpe assassino para a gata, mas minha bengala se espatifou na balaustrada e o animal correu de volta para o quarto do sr. Wilde.

    Passando pela porta de Hawberk de novo, o vi ainda trabalhando na armadura, mas no parei, e com passo acelerado segui pela Bleecker Street at a Wooster, contornei o terreno da Cmara Letal e, atravessando a Washington Square, fui direto para meus aposentos no Benedick. L almocei confortavelmente, li o Herald e o Meteor e finalmente fui at o cofre de ao

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    em meu quarto e ajustei a combinao temporizada. Os trs minutos e trs quartos que preciso esperar enquanto a trava est se abrindo so para mim momentos de ouro. Do instante em que ajusto a combinao ao instante em que agarro a alavanca e abro as slidas portas de ao, vivo um xtase de expectativa. Esses momentos devem ser como os momentos passados no Paraso. Sei o que vou encontrar no fim desse limite de tempo. Sei o que o cofre macio guarda em segurana para mim, apenas para mim, e o requintado prazer de esperar severamente acentuado quando o cofre se abre e eu pego, de sua base de veludo, um diadema de ouro puro cravejado de diamantes reluzentes. Fao isso todos os dias, e, mesmo assim, a alegria de esperar e tocar de novo, por fim, o diadema, parece apenas aumentar com o passar dos dias. um diadema digno de um Rei entre reis, um Imperador entre imperadores. O Rei de Amarelo pode at desprez-lo, mas ele dever ser usado por seu servo real.

    Segurei o diadema em meus braos at o alarme do cofre soar de maneira desagradvel, ento, delicadamente, com orgulho, o devolvi ao lugar e fechei as portas de ao. Caminhei vagarosamente de volta ao meu estdio, que se encontra defronte Washington Square, e me encostei ao peitoril da janela. O sol da tarde jorrou nas minhas janelas, e uma brisa suave mexeu os galhos dos olmos e bordos no parque, agora cobertos de brotos e de uma folhagem delicada. Um bando de pombos circulou a torre da Memorial Church, s vezes pousando no telhado roxo, s vezes descendo em crculo at a fonte de ltus em frente ao arco de mrmore. Os jardineiros estavam ocupados com os canteiros de flores ao redor da fonte, e a terra recentemente revolvida tinha um aroma doce e penetrante. Um cortador de grama, puxado por um cavalo branco e gordo, tilintava pelo gramado verde, e carros irrigadores jorravam chuveiradas de borrifos sobre as ruas de asfalto. Ao redor da esttua de Peter Stuyvesant, que em 1897 havia substitudo a monstruosidade que deveria representar Garibaldi4, crianas brincavam luz do sol de primavera, e babs conduziam elaborados carrinhos de beb com uma despreocupada indiferena pelos ocupantes de rosto plido, o que poderia ser explicado pela presena de meia dzia de soldados em boa forma

    sentados languidamente nos bancos. Atravs das rvores, o Arco Memorial de Washington cintilava como prata luz do sol, e alm, na extremidade leste da praa, estava o quartel de pedra cinza dos drages, e os estbulos de granito branco da artilharia estavam vivos, cheios de cor e movimento.

    Olhei para a Cmara Letal, localizada na extremidade oposta ao jardim. Algumas pessoas curiosas ainda se demoravam prximo cerca de ao dourada, mas dentro do terreno os caminhos estavam desertos. Observei as guas das fontes ondulando e brilhando; os pardais j haviam encontrado este novo recanto de banho, e as bacias estavam cobertas com essas coisinhas emplumadas e empoeiradas. Dois ou trs paves-brancos tomaram seus caminhos pelo gramado, e um pombo de cor opaca se sentou to imvel sobre o brao de uma das Moiras que parecia fazer parte da escultura de pedra.

    Estava indo embora, despreocupadamente, quando uma pequena comoo no grupo de curiosos remanescentes ao redor dos portes atraiu minha ateno. Um rapaz havia entrado e avanava com longos passos nervosos ao longo do caminho de cascalho que leva s portas de bronze da Cmara Letal. Ele parou por um momento diante das Moiras, e, enquanto levantava sua cabea para aqueles trs rostos misteriosos, o pombo levantou-se de seu poleiro esculpido, voou em crculos por um momento e rumou para leste. O rapaz pressionou as mos contra seu rosto, e ento, com um gesto indefinvel, subiu os degraus de mrmore com um salto, as portas de bronze se fecharam atrs dele; meia hora depois os remanescentes se afastaram, e o pombo assustado retornou a seu poleiro, nos braos da moira.

    Coloquei meu chapu e fui ao parque para uma pequena caminhada antes do jantar. Assim que atravessei o caminho central, um grupo de oficiais passou, e um deles chamou, Ol, Hildred, e voltou para me cumprimentar. Era meu primo Louis, que ficou sorrindo e batendo em suas esporas com seu chicote de montaria.

    Acabei de voltar de Westchester, ele disse; passei alguns momentos buclicos; leite e coalhada, voc sabe, garotas de leiterias em seus chapus, que falam cum qui e num acho quando voc diz a elas que so bonitas. Estou quase morrendo de vontade de uma refeio reforada no Delmonicos. Quais so as novas?.

    No h, respondi cordialmente. Vi seu regimento chegando esta manh.Voc viu? No vi voc. Onde estava?

    4. Giuseppe Garibaldi (1807-1888) foi um general italiano muito famoso pela luta no sculo 19 em prol da unificao da Itlia. No conto, a substituio de sua esttua, erguida por imigrantes italianos em Nova York (essa esttua existe na Nova York verdadeira), pela esttua de Peter Stuyvesant (1612-1672), diretor da colnia holandesa que deu origem a Nova York, representa o estilo xenfobo do narrador do conto. O mesmo com relao a outros aspectos presentes nesse texto, como a expulso de negros e judeus do pas e a militarizao do estado, onde cmaras de suicdio precisaram ser abertas para dar conta da grande massa de depressivos e insatisfeitos com a situao. (N. do T.)

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    Na janela do sr. Wilde.Oh, cus!, ele comeou impacientemente, aquele homem doido

    varrido! No entendo por que vocEle viu o quanto irritado fiquei devido a essa exploso e implorou o

    meu perdo.De verdade, velho camarada, ele disse, no quero ofender um

    homem que voc gosta, mas no consigo enxergar, de maneira nenhuma, o que voc tem em comum com o sr. Wilde. Ele no de boa estirpe, para falar de forma educada; ele horrivelmente deformado; ele tem a mente de um louco criminoso. Voc sabe que ele esteve em um manicmio

    Eu tambm estive, interrompi calmamente.Louis olhou surpreso e confuso por um momento, mas se recuperou

    e me deu um tapa com entusiasmo no ombro. Voc est completamente curado, ele comeou; mas o interrompi novamente.

    Acho que voc quer dizer que simplesmente reconheceram que eu nunca estive louco.

    Claro que isso isso que quero dizer, ele riu.No gostei de sua risada porque sabia que era forada, mas acenei com

    a cabea alegremente e perguntei a ele onde estava indo. Louis procurava seus camaradas oficiais que haviam quase alcanado a Broadway.

    Ns pretendamos experimentar um coquetel Brunswick, mas, para falar a verdade, estava ansioso por uma desculpa para visitar Hawberk. Venha comigo, farei de voc minha desculpa.

    Encontramos o velho Hawberk elegantemente vestido em um fresco terno de primavera parado porta de sua oficina e farejando o ar.

    Acabei de decidir levar Constance a um pequeno passeio antes do jantar, ele respondeu impetuosa saraivada de perguntas de Louis. Pensamos em caminhar no trecho do parque ao longo do North River.

    Naquele momento, Constance apareceu e alternava-se entre plida e rosada medida que Louis se inclinou em direo aos seus dedos enluvados. Tentei arrumar uma desculpa, alegando um compromisso nos arrabaldes da cidade, mas Louis e Constance no deram ouvidos, e vi que esperavam que eu ficasse e desse ateno ao velho Hawberk. Afinal de contas, eu poderia ficar de olho em Louis, pensei, e quando eles pararam uma charrete na Spring Street, fui atrs deles e me sentei ao lado do armeiro. A bonita fileira de parques e alamedas de granito beira dos peres ao longo do North River, que comearam a ser construdos em 1910 e terminados no outono de 1917,

    se tornaram os passeios mais populares na metrpole. Eles se estendiam da barragem at a 190th Street, contemplando o nobre rio e possibilitando uma boa viso da costa de Jersey e das serras frente. Cafs e restaurantes estavam espalhados aqui e ali entre as rvores, e duas vezes por semana bandas militares da guarnio tocavam em coretos nos parapeitos.

    Sentamos ao sol, no banco aos ps da esttua equestre do general Sheridan. Constance inclinou sua sombrinha para proteger os olhos, e ela e Louis iniciaram uma conversa sussurrada que era impossvel de entender. O velho Hawberk, apoiado em sua bengala com punho de marfim, acendeu um charuto excelente e ofereceu um a mim para acompanh-lo, mas eu educadamente recusei, e sorri sem preocupao. O sol pendia baixo, acima dos bosques da Staten Island, e a baa estava tingida com matizes dourados refletidos pelos veleiros da frota aquecidos pelo sol no porto.

    Brigues, escunas, iates, balsas desajeitadas com seus deques repletos de pessoas, transportadores ferrovirios carregando filas de vages de carga marrons, azuis e brancos, grandiosos navios ressoantes a vapor, navios comerciais comuns a vapor, navios de cabotagem, dragas, barcaas, e por todo lado rebocadores insolentes permeavam toda a baa, resfolegando e apitando inoportunamente; estes eram os barcos que agitavam as guas diurnas, to distantes quanto os olhos poderiam alcanar. Em calmo contraste pressa de veleiros e navios a vapor, uma silenciosa frota de navios brancos de guerra permanecia imvel em meio correnteza.

    A risada feliz de Constance me acordou de meu devaneio.O que voc est olhando?, ela perguntou.Nada a frota, eu sorri.Ento Louis nos contou quais eram os navios, indicando cada um por

    sua posio relativa ao Red Fort em Governors Island.Aquela coisinha em forma de charuto um barco torpedeiro, ele

    explicou, ali h mais quatro parados prximos uns dos outros. Eles so o Tarpon, o Falcon, o Sea Fox e o Octopus. As canhoneiras acima so a Princeton, a Champlain, a Still Water e a Erie. Perto delas, esto os cruzadores Faragut e Los Angeles e, acima deles, os navios de guerra California e Dakota, e o Washington, que est no comando. Aqueles dois curtos, parecendo pedaos de metal, que esto ancorados ali perto do Castelo Williams, so os monitores armados com duas torres de tiros, Terrible e Magnificent; atrs deles fica o navio-arete Osceola.

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    Constance olhou para ele com profunda aprovao em seus belos olhos. Quantas coisas voc sabe para um soldado, ela disse, e todos nos unimos na risada que se seguiu.

    Logo Louis levantou-se com um aceno de cabea e ofereceu o brao a Constance, e passearam ao longo da murada do rio. Hawberk os observou por um momento e depois se voltou a mim.

    O sr. Wilde estava correto, ele disse. Encontrei as perneiras perdidas e o coxote esquerdo da Brasonada do Prncipe em um velho sto repugnante de lixo na Pell Street.

    No 998?, perguntei com um sorriso.Sim.O sr. Wilde um homem muito inteligente, observei.Quero dar a ele o crdito desta descoberta de enorme importncia,

    continuou Hawberk. E pretendo que todos saibam que ele tem todo direito fama.

    Ele no o agradecer por isso, respondi categoricamente; por favor, no diga nada sobre isso.

    O senhor sabe quanto vale?, disse Hawberk.No, cinquenta dlares, talvez.Est avaliado em quinhentos, mas o proprietrio da Brasonada do

    Prncipe dar dois mil dlares para a pessoa que completar sua armadura; essa recompensa tambm pertence ao sr. Wilde.

    Ele no a quer! Ele a recusar!, respondi com raiva. O que o senhor sabe sobre o sr. Wilde? Ele no precisa desse dinheiro. Ele rico ou vai ser mais rico do que qualquer homem vivo, exceto por mim. Por que vamos nos importar com dinheiro ento por que vamos nos importar, ele e eu, quando quando

    Quando o qu?, perguntou Hawberk, atnito.O senhor ver, respondi, tentando me resguardar de novo.Ele me olhou minuciosamente, bem como o dr. Archer costumava

    fazer, e soube que ele pensava que eu estava mentalmente doente. Talvez fosse melhor para ele que no usasse naquele instante a palavra luntico.

    No, respondi ao seu pensamento no mencionado, no sou mentalmente fraco; minha mente to saudvel quanto a do sr. Wilde. Ainda no me importo em explicar o que tenho em mos, mas um investimento que pagar mais do que mero ouro, prata ou pedras preciosas. Assegurar a felicidade e a prosperidade de um continente sim, de um hemisfrio!.

    Oh, disse Hawberk.E com o tempo, continuei mais calmamente, assegurar a felicidade

    do mundo inteiro.E, por coincidncia, sua prpria felicidade e prosperidade, bem como

    a do sr. Wilde?Exatamente, sorri. Mas poderia t-lo estrangulado por ter usado

    aquele tom de voz.Ele me olhou em silncio por um momento e ento disse muito

    gentilmente: Por que no desiste de seus livros e estudos, sr. Castaigne, e faz uma caminhada entre as montanhas, em algum lugar? O senhor costumava gostar muito de pescar. Jogue algumas iscas para as trutas no Rangelys.5

    No ligo mais para pescaria, respondi, sem uma sombra de irritao em minha voz.

    O senhor costumava gostar muito de tudo, continuou; de esportes, de velejar, de tiro, de montaria

    Nunca mais pensei em montar desde minha queda, disse calmamente.Ah, sim, sua queda, ele repetiu, olhando para longe de mim.Pensei que aquela bobagem havia ido longe demais, ento levei a

    conversa de volta ao sr. Wilde; mas ele examinava meu rosto de uma maneira extremamente ofensiva para mim.

    O sr. Wilde, ele repetiu, o senhor sabe o que ele fez esta tarde? Ele desceu e fixou uma placa acima da porta do corredor prximo ao

    meu; ela dizia:

    SR. WILDE,REPARADOR DE REPUTAES.

    3 campanhia.O senhor sabe o que pode ser um reparador de reputaes?Eu sei, respondi, sufocando a raiva interior.Ah, ele disse novamente.Louis e Constance voltaram caminhando e pararam para perguntar

    se gostaramos de nos juntar a eles. Hawberk olhou para seu relgio. No mesmo momento, saiu uma nuvem de fumaa vinda das casamatas do Castelo Williams, e o estrondo do disparo do canho durante a cerimnia de arreamento da bandeira correu sobre a gua e ecoou nas serras frente. A bandeira desceu do mastro, os clarins soaram nos conveses brancos dos

    5. Referncia a um lago nos EUA. (N. do T.)

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    navios de guerra, e a primeira luz eltrica brilhou na costa de Nova Jersey. Enquanto voltava cidade com Hawberk, ouvi Constance murmurar

    a Louis algo que no entendi, mas Louis sussurrou Minha querida em resposta; e, de novo, andando com Hawberk atravs da praa, ouvi um murmrio de querido e minha Constance, e soube que o momento de conversar com meu primo Louis sobre questes importantes se aproximava.

    IIIUma manh cedo em maio parei diante do cofre de ao em meu

    quarto, experimentando a coroa de ouro e pedras preciosas. Os diamantes reluziram como fogo medida que me voltei ao espelho, e o pesado ouro forjado queimou como um halo em minha cabea. Lembrei-me do grito agonizante de Camilla e das palavras horrveis ecoando nas ruas escuras de Carcosa. Elas eram as ltimas linhas no primeiro ato, e no me atrevi a pensar no que se seguia no me atrevi, mesmo no sol de primavera, l em meu prprio quarto, cercado de objetos familiares, reassegurado pelo alvoroo vindo da rua e das vozes dos criados no corredor, do lado de fora. Aquelas palavras envenenadas haviam gotejado vagarosamente em meu corao, como o suor da morte absorvido por um lenol. Tremendo, tirei a coroa de minha cabea e enxuguei minha testa, mas pensei em Hastur e em minha prpria justa ambio, e me lembrei do sr. Wilde e em como o havia deixado, com seu rosto todo rasgado e ensanguentado devido s garras daquela criatura demonaca, e do que ele disse ah, do que ele disse. O alarme do cofre comeou a tocar desagradavelmente, e sabia que meu tempo havia terminado; mas no o consideraria, e recolocando o pequeno crculo cintilante sobre minha cabea, voltei-me desafiadoramente para o espelho. Permaneci por um longo tempo absorto na expresso inconstante de meus prprios olhos. O espelho refletia um rosto que era como o meu prprio, mas mais branco, e to magro que eu quase no o reconheci. E o tempo todo continuei repetindo entre meus dentes cerrados: O dia chegou! O dia chegou!, enquanto o alarme do cofre zunia e clamava, e os diamantes cintilavam e resplandeciam sobre minha fronte. Ouvi uma porta se abrir, mas no prestei ateno. Foi apenas quando vi dois rostos no espelho: foi apenas quando outro rosto surgiu sobre meu ombro, e outros dois olhos encontraram os meus. Virei-me como um raio e agarrei uma longa faca de minha cmoda, e meu primo saltou para trs, muito plido, gritando: Hildred! Pelo amor de Deus!; ento, quando abaixei minha mo, ele disse:

    Sou eu, Louis, voc no me conhece?. Permaneci em silncio. No poderia falar nem se minha vida dependesse disso. Ele caminhou at mim e tirou a faca de minha mo.

    O que est acontecendo?, ele perguntou, em uma voz suave. Voc est doente?

    No, respondi. Mas duvido que ele tenha me ouvido.Venha, venha, velho companheiro, ele exclamou. Tire essa coroa de

    lato e venha para o estdio. Voc vai a um baile de mscaras? O que essa bijuteria de teatro, afinal?.

    Estava feliz por ele pensar que a coroa era feita de lato e vidro, contudo, no gostei mais dele por pensar assim. Deixei-o tomar a coroa de minha mo, sabendo que era melhor satisfaz-lo. Ele arremessou o esplndido diadema ao ar, o pegou e devolveu a mim, sorrindo.

    No vale mais que cinquenta centavos, ele disse. Para que isso?No respondi, mas peguei o pequeno crculo de suas mos, e

    colocando-a no cofre, fechei a porta de ao macio. O alarme cessou seu zunido infernal instantaneamente. Ele me observou curioso, mas no pareceu notar o sbito cessar do alarme. Ele falou, entretanto, sobre o cofre como se fosse uma lata de biscoitos. Temendo que ele pudesse descobrir a combinao, guiei o caminho para meu estdio. Louis se jogou no sof e acertava as moscas com seu fiel chicote de montaria. Ele usava seu uniforme com sua jaqueta enfeitada e quepe garboso, e percebi que suas botas de montaria estavam salpicadas de lama vermelha.

    O que voc tem feito?, indaguei.Saltando por riachos lamacentos em Jersey, ele disse. Ainda no tive

    tempo de me trocar; estava com pressa para ver voc. Voc no tem uma dose de alguma coisa? Estou morto de cansao; fiquei vinte e quatro horas em cima de uma sela.

    Dei a ele um pouco de conhaque de meu estoque medicinal, que ele bebeu com uma careta.

    Que troo horrvel, ele observou. Vou dar a voc um endereo de onde vendem conhaque de verdade.

    bom o suficiente para minhas necessidades, eu disse, de maneira indiferente. Uso para limpar meu peito. Ele fixou o olhar e chicoteou uma outra mosca.

    Veja, velho companheiro, ele comeou. Tenho algo para sugerir a voc. Faz quatro anos que voc se trancou aqui como uma coruja aqui em

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    cima, sem ir a lugar nenhum, sem fazer nenhum exerccio saudvel, sem fazer porcaria nenhuma a no ser se debruar sobre todos aqueles livros ali na prateleira.

    Ele olhou rapidamente ao longo da fileira de prateleiras. Napoleo, Napoleo, Napoleo!, ele leu. Pelo amor de Deus, voc no tem nada alm de Napoleo aqui?

    Gostaria que fossem encadernados em ouro, eu disse. Mas, espere, sim, h outro livro, O Rei de Amarelo. Olhei para ele firmemente.

    Voc j leu?, perguntei.Eu? No, graas a Deus! No quero ficar louco.Vi que ele se arrependeu do que disse assim que proferiu aquelas

    palavras. S existe uma palavra que detesto mais do que luntico, e essa palavra louco. Mas me controlei e perguntei por que ele achava O Rei de Amarelo perigoso.

    Oh, no sei, ele disse com pressa. Apenas me lembro da comoo que ele causou e das denncias vindas dos religiosos e da imprensa. Acho que o autor se matou com um tiro aps criar essa monstruosidade, no foi?

    Sei que ele ainda est vivo, respondi.Isso provavelmente verdade, ele murmurou; balas no poderiam

    matar um demnio como aquele. um livro de grandes verdades, eu disse.Sim, respondeu, de verdades que deixam homens fora de si e

    destroem suas vidas. No me importo se a coisa , como dizem, a verdadeira essncia suprema da arte. um crime ter sido escrito, e com certeza nunca vou abrir suas pginas.

    isso que voc veio me dizer?, perguntei.No, ele disse. Vim para lhe contar que vou me casar.Acredito que, por um momento, meu corao parou de bater, mas

    mantive meus olhos em seu rosto.Sim, continuou, sorrindo alegremente, casar com a garota mais doce

    na Terra.Constance Hawberk, eu disse mecanicamente.Como voc sabia?, perguntou, atnito. Eu mesmo no sabia at

    aquela noite em abril passado, quando passeamos no calado beira do rio antes do jantar.

    Quando vai ser?, perguntei.

    Seria em setembro prximo, mas uma hora atrs um despacho chegou, mandando nosso regimento a Presidio, em So Francisco. Partiremos amanh, ao meio-dia. Amanh, ele repetiu. Pense s, Hildred, amanh serei o homem mais feliz que j respirou neste belo mundo, pois Constance ir comigo.

    Estendi minha mo para dar os parabns, e ele a agarrou e apertou como o tolo bondoso que era ou fingia ser.

    Vou ganhar meu prprio esquadro como presente de casamento, tagarelou. Capito e sra. Louis Castaigne, hein, Hildred?

    Ento ele me contou onde seria e quem estaria l, e me fez prometer ir e ser o padrinho. Cerrei meus dentes e ouvi sua conversa fiada infantil sem mostrar o que sentia, mas Eu estava chegando ao limite da minha pacincia, e quando ele se levantou de repente, e, batendo suas esporas at elas tilintarem, disse que precisava ir, no o detive.

    H uma coisa que quero pedir a voc, eu disse em voz baixa.Pea-me, est prometido, ele riu.Quero que voc me encontre para uma conversa de quinze minutos

    hoje noite. claro, como quiser, ele disse, um pouco intrigado. Onde?Em qualquer lugar, no parque, ali.A que horas, Hildred?Meia-noite. Por Deus, o que, ele comeou, mas se controlou e, rindo,

    concordou. O vi descendo as escadas com pressa, seu sabre batendo a cada passo. Ele se voltou para a Bleecker Street, e eu sabia que ele estava indo ver Constance. Dei a ele dez minutos para desaparecer e ento o segui em seus passos, levando comigo a coroa de pedras preciosas e a tnica de seda bordada com o Smbolo Amarelo. Quando cheguei Bleecker Street, e entrei pelo portal que tinha o letreiro:

    SR. WILDE,REPARADOR DE REPUTAES.

    3 campanhia. Vi o velho Hawberk andando por sua oficina e imaginei ouvir a voz

    de Constance no salo, mas os evitei e me apressei para as escadas trmulas que levavam ao apartamento do sr. Wilde. Bati e entrei sem cerimnia. O sr. Wilde estava no cho, gemendo, seu rosto coberto de sangue, suas

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    roupas despedaadas em farrapos. Gotas de sangue estavam espalhadas por todo o carpete, que tambm havia sido rasgado e despedaado na luta que obviamente havia ocorrido h pouco.

    aquela gata maldita, disse ele, cessando seus gemidos e voltando seus olhos claros para mim; ela me atacou enquanto eu dormia. Acho que ainda vai me matar.

    Aquilo j era demais, ento fui cozinha e, pegando uma machadinha na despensa, comecei a procurar a fera infernal para dar um fim a ela imediatamente. Minha busca foi intil e, depois de um tempo, desisti e voltei para encontrar o sr. Wilde agachado em sua cadeira alta perto da mesa. Ele lavara seu rosto e trocara suas roupas. Preenchera com coldio os grandes cortes que as garras da gata haviam deixado em seu rosto, e uma tira de pano escondia a ferida em sua garganta. Disse a ele que ia matar a gata quando a encontrasse, mas ele apenas balanou a cabea e se voltou ao livro-razo diante dele. Ele leu nome aps nome das pessoas que vieram at ele para tratar de suas reputaes, e as somas que ele acumulara eram espantadoras.

    Eu pressiono de vez em quando, ele explicou.Qualquer dia desses alguma dessas pessoas vai acabar matando o

    senhor, insisti.Voc acha?, ele disse, esfregando suas orelhas mutiladas.Era intil discutir com ele, ento peguei o manuscrito intitulado A

    Dinastia Imperial da Amrica, a ltima vez que eu o pegaria no estdio do sr. Wilde. Eu o li sem interrupo, emocionado e tremendo com prazer. Quando terminei, o sr. Wilde pegou o manuscrito e, voltando-se passagem escura que leva do seu estdio ao seu quarto, chamou em voz alta: Vance. Ento, pela primeira vez, notei um homem agachado, ali, na sombra. Eu no podia imaginar como no o percebi ali durante minha busca pela gata.

    Vance, venha c, gritou o sr. Wilde.A figura se levantou e veio em silncio em nossa direo, e eu nunca

    esquecerei o rosto que apareceu diante do meu quando a luz vinda da janela o iluminou.

    Vance, este o sr. Castaigne, disse o sr. Wilde. Antes que ele tivesse acabado de falar, o homem se atirou ao cho diante da mesa, gritando e me agarrando: Oh, Deus! Oh, meu Deus! Me ajude! Me perdoe! Oh, sr. Castaigne, mantenha aquele homem longe de mim. O senhor no pode, o senhor no pode estar falando srio! O senhor diferente me salve! Estou arruinado eu estava em um hospcio e agora quando tudo estava indo

    bem quando eu tinha me esquecido do Rei o Rei de Amarelo e vou ficar louco de novo vou ficar louco

    Sua voz morreu em um palavreado engasgado, pois o sr. Wilde saltou sobre ele e sua mo direita envolveu sua garganta. Quando Vance caiu amontoado ao cho, o sr. Wilde subiu novamente em sua cadeira agilmente, e esfregando suas orelhas deformadas com o coto de sua mo, voltou-se a mim e perguntou pelo livro-razo. O encontrei embaixo da prateleira e ele o abriu. Depois de um momento procurando entre as pginas belamente escritas, ele pigarreou com complacncia e apontou para o nome Vance.

    Vance, ele leu em voz alta, Osgood Oswald Vance. Ao som desse nome, o homem ao cho levantou sua cabea e voltou seu rosto contorcido para o sr. Wilde. Seus olhos estavam injetados com sangue, seus lbios tumeficados. Consultou-me dia 28 de abril, continuou o sr. Wilde. Ocupao: caixa no Seaforth National Bank; cumpriu pena por falsificao em Sing Sing,6 de onde foi transferido para o Manicmio Judicirio. Perdoado pelo governador de Nova York e liberado do manicmio em 19 de janeiro de 1918. Reputao prejudicada em Sheepshead Bay. Rumores de que mantm um estilo de vida incompatvel com sua renda. Reputao a ser reparada imediatamente. Sinal: mil e quinhentos dlares.

    Observao: desviou somas equivalentes a trinta mil dlares desde 20 de maro de 1919, de excelente famlia e chegou posio atual por influncia do tio. Pai: presidente do Seaforth Bank.

    Olhei para o homem no cho.Levante, Vance, disse o sr. Wilde em uma voz suave. Vance se levantou

    como que hipnotizado. Ele far como sugerirmos agora, observou o sr. Wilde, e abrindo o manuscrito, leu a histria inteira da Dinastia Imperial da Amrica. Ento, em um murmrio gentil e tranquilizante, ele revisou rapidamente os pontos importantes com Vance, que permaneceu como que assombrado. Seus olhos estavam to inexpressivos e vazios que imaginei que ele tivesse perdido a razo, e observei isso ao sr. Wilde, que respondeu que isso no traria consequncia alguma. Muito pacientemente, mostramos a Vance qual seria sua parte no negcio, e ele pareceu entender depois de um tempo. O sr. Wilde elucidou o manuscrito, usando vrios volumes sobre herldica, para evidenciar o resultado de suas pesquisas. Ele mencionou o estabelecimento da dinastia em Carcosa, os lagos que conectavam Hastur, Aldebaran e o mistrio das Hades. Ele falou sobre Cassilda e Camilla, e

    6. Presdio de segurana mxima de Nova York. (N. do T.)

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    examinou a profundidade sombria de Demhe e do lago de Hali. Os farrapos ondulados do Rei de Amarelo devem esconder Yhtill para sempre, ele murmurou, mas no acredito que Vance o tenha escutado. Ento ele conduziu Vance pelos graus ao longo das ramificaes da famlia Imperial, at Uoht e Thale, de Naotalba e o Fantasma da Verdade a Aldones, e, ento, largando de lado seu manuscrito e as notas, comeou a maravilhosa histria do ltimo Rei. Eu o assisti fascinado e excitado. Ele jogou sua cabea para cima, seus longos braos estavam esticados em um gesto magnfico de orgulho e poder, e seus olhos luziram profundamente nas rbitas como duas esmeraldas. Vance escutava entorpecido. Quanto a mim, quando finalmente o sr. Wilde terminou, e apontando para mim gritou: O primo do Rei!, minha cabea girava vertiginosamente de