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1 ROSEMEIRE DE LOURDES OLIVEIRA MEINICKE O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E A PRÁTICA REFLEXIVA: ESTUDO COM PROFESSORES DA SÉTIMA SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL Belo Horizonte Mestrado em Educação Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2005

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ROSEMEIRE DE LOURDES OLIVEIRA MEINICKE

O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E A PRÁTICA REFLEXIVA:

ESTUDO COM PROFESSORES DA SÉTIMA SÉRIE DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Belo Horizonte Mestrado em Educação

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2005

2

ROSEMEIRE DE LOURDES OLIVEIRA MEINICKE

O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E A PRÁTICA REFLEXIVA:

ESTUDO COM PROFESSORES DA SÉTIMA SÉRIE DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Magali de Castro

Belo Horizonte Mestrado em Educação

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2005

3

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Meinicke, Rosemeire de Lourdes Oliveira M514p O professor de matemática e a prática reflexiva: estudo com

professores da sétima série do ensino fundamental / Rosemeire de Lourdes Oliveira Meinicke. – Belo Horizonte, 2005.

210f. Orientadora: Profª. Drª. Magali de Castro. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Bibliografia. 1. Professores-Formação. 2. Matemática – Estudo e ensino (Primeiro

grau). 3. Aprendizagem experimental. I. Castro, Magali de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós- Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 371.13 Bibliotecária : Maria Auxiliadora de Castilho Oliveira – CRB 6/641

4

Dissertação defendida em 31 de agosto de 2005.

Banca Examinadora:

_____________________________________________________ Profa. Dra. Magali de Castro (Orientadora)

_____________________________________________________ Profa. Dra. Eliane Scheid Gazire (PUC Minas – CP/UFMG)

_____________________________________________________ Prof. Dr. José Francisco Soares (PUC Minas e FAE/UFMG)

5

DEDICATÓRIA Ao meu grande amor, Iago, pela torcida e incentivo de sempre. Aos meus filhos Alexandre, Gustavo, Marcelinho e à minha mãe, que estiveram sempre presentes e que, com compreensão, apoio e carinho, tornaram possíveis as minhas realizações.

6

AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Magali de Castro pela competência e dedicação. Aos professores e colegas do Mestrado, em especial à Jussara, que com suas palavras de carinho e apoio me confortaram nos momentos mais difíceis dessa caminhada. À minha inesquecível tia Irene que mesmo de longe, sempre torceu e acreditou em mim. À minha mãe, grande amiga e incentivadora, que com sua força, persistência e amor incondicional me ensinou a ser uma grande guerreira. À minha irmã Alessandra, que nos meus momentos mais difíceis, esteve sempre pronta para me ajudar, trocando às vezes o papel de tia pelo de mãe. À minha grande amiga Marta Teixeira, que mesmo muito atribulada, sempre me recebeu de braços abertos e com sua sabedoria ímpar me apontava o caminho certo. À minha amiga Glenda, pela sua disponibilidade e atenção, dando-me o suporte necessário nas traduções de inglês. Aos professores das escolas pesquisadas, que com sua colaboração tornaram esse trabalho possível. Ao meu marido e aos meus filhos, pelo carinho e compreensão.

7

SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................... 09

ABSTRACT ................................................................................................ 10

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 11

Capítulo 1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A MATEMÁTICA E SEU ENSINO 20

1.1. O ensino da Matemática no Brasil: retrospectiva ................................ 20

1.2. Matemática moderna: ponto de partida para novos olhares e novos rumos ....................................................................................... 26

1.3. Situação atual do ensino de Matemática no Brasil ............................. 31

1.4. A importância da Matemática e seu sentido no Ensino Fundamental ....................................................................................... 35

1.5. Algumas considerações sobre o ensino da Aritmética ....................... 40

1.6. O ensino da álgebra: uma dificuldade à parte para os professores de Matemática ..........................................................................................

43

Capítulo 2 – A DOCÊNCIA EM MATEMÁTICA E A PRÁTICA REFLEXIVA 48

2.1. Desenvolvimento profissional e reflexão ............................................. 51

2.2. A teoria do prático reflexivo e o desenvolvimento profissional de professores ..........................................................................................

53

2.3. A prática profissional de professores e a epistemologia da prática reflexiva ............................................................................................... 57

2.4. A prática reflexiva segundo Schön: do conhecimento à reflexão durante a ação e sobre ela .................................................................. 60

2.5. A prática reflexiva como uma prática social: a abordagem de Liston e Zeichner ......................................................... .................................. 67

2.6. Professor de Matemática como profissional reflexivo ......................... 71

Capítulo 3 –A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA PARA A ESCOLA BÁSICA NO BRASIL .............................................................. 75

3.1. A formação de professores para a Escola Básica no Brasil dos anos quarenta aos anos noventa ........................................................ 76

3.2. As Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação Básica ................................................................................

86

8

3.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática: Bacharelado e Licenciatura .................................................................

88

3.4. Professor de Matemática: da formação que se tem à formação que se espera ......................................................................................

93

Capítulo 4 – APORTES METODOLÓGICOS: OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA .......................................... 101

4.1. Abordagem metodológica ................................................................... 101

4.2. Campos da pesquisa .......................................................................... 104

4.3. Atores da pesquisa ............................................................................. 110

4.4. Procedimentos metodológicos ............................................................ 113

4.5. Análise e interpretação dos dados ...................................................... 116

Capítulo 5 – A PROFISSÃO DOCENTE E O ENSINO DA MATEMÁTICA NAS ESCOLAS PESQUISADAS ................ 118

5.1. A proposta de Matemática para a 7a série no contexto global do ensino de Matemática .......................................................................... 118

5.2. Professor de Matemática: da opção à formação ................................. 139

5.3. Os professores e a Matemática: concepções, crenças e valores e sua influência na prática cotidiana .................................................... 146

5.4. O ensino da Matemática na 7a série: impasses e alternativas ............ 169

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 188

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 193

ANEXOS ....................................................................................................... 203

9

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar algumas questões sobre a

profissão docente e o ensino da Matemática. Buscamos desvelar as evidências de

processos reflexivos na prática docente de professores de Matemática da 7ª série

do Ensino Fundamental, revelar os impasses encontrados por esses professores,

assim como as estratégias utilizadas para superação dos mesmos, especialmente

em situações de aula de álgebra. Dessa forma, buscamos entender como o

professor concebe, trata, enfrenta ou explora as dificuldades que surgem em

situações de aula envolvendo atividades algébricas na 7ª série. Analisamos,

ainda, as influências que as crenças e concepções sobre o conhecimento

matemático e sobre seu ensino exercem sobre os processos reflexivos

mobilizados pelos professores em sua prática docente. Foi desenvolvida uma

pesquisa de cunho qualitativo, tendo como abordagem metodológica o estudo de

caso e, como estratégias metodológicas, análise documental, entrevistas semi-

estruturadas e observação da prática pedagógica de dois professores de

Matemática da 7ª série de Ensino Fundamental de duas instituições diferenciadas:

uma escola privada, considerada de excelência, situada na zona sul de Belo

Horizonte e uma escola pública estadual, situada em bairro periférico da mesma

cidade. Nos estudos de caso conseguimos, através de uma observação detalhada

das práticas pedagógicas dos professores investigados, desvelar como suas

crenças e concepções a respeito da Matemática e seu ensino interferem nos

processos reflexivos mobilizados por eles. Percebemos, também, que há outras

interferências na prática pedagógica do professor, além de suas crenças e

concepções sobre a Matemática e seu ensino. Entre essas, enfatizamos o

contexto da escola e as inter-relações estabelecidas em função do cumprimento

de suas finalidades básicas. Nossos dados revelam que a formação do professor,

tanto no seu curso de graduação quanto no exercício de sua prática escolar, é

decisiva para a determinação dos processos reflexivos mobilizados por ele na

relação entre o conhecimento e a prática e, ainda, que os saberes experienciais se

fazem presentes a todo instante no exercício de sua profissão.

Palavras chave : Ensino da matemática – Profissão docente – Prática Reflexiva

10

ABSTRACT

This research has an objective investigate some questionings concerning

teaching career and mathematics teaching. Our aim was to unfold the reflexive

process evidences in the practice of teachers in the 7th grade of the Elementary

school, the obstacles met by those teachers as much as the strategies used to

overcame the mentioned troubles, specially in Algebra classes. This way, we

aimed to understand how the teacher manages, deals, faces or explores the

difficulties that appear in a 7th grade algebra class. Yet analyzing, the influences of

the beliefs and conceptions about the mathematical knowledge and its teaching

over the reflexive processes done by the teachers in their practices. A qualitative

research was done using case studies as methodology, document analyzes, semi-

structured interviews and observation of pedagogical practices of two 7th grade

math teachers of Elementary school from two different institutions: a private school,

considered as an excellence, located in the south part of the city of Belo Horizonte

and a state public school, located in the suburbs of the same city. In the case study

we got, through a detailed observation of the pedagogical practices of the

investigated teachers, unfold how their beliefs and conceptions concerning

Mathematic and its teaching interfere in their reflexive processes and in their

pedagogical practices facing the troubles met by them. We also perceived that

there are other forms of interference present in the pedagogical practice of the

teachers other than their beliefs and conceptions about Mathematic and its

teaching. Among them, we emphasize the scholar context and the inter-

relationships established based on the task based goal. Our data reveal that the

teacher formation as much in their under graduation course as in their scholar

practice, is decisive in determining the used reflexive processes in the relation

between knowledge and practice and, yet, that the experienced knowledge are

ever present in the execution of their profession.

Keywords: Mathematics Teaching - Teaching profession - Reflexive processes -

Teacher training

11

INTRODUÇÃO

Este estudo tem suas origens em nossa história pessoal, acadêmica e

profissional e surgiu da necessidade de buscar soluções para os problemas que

apareciam na prática em sala de aula.

Da realidade do curso universitário à realidade das salas de aula, imensas

lacunas apareceram. Essa realidade não se parecia em nada com a que havia

idealizado no curso de licenciatura e a aprendizagem dos alunos não era efetiva.

Pouco do que lhes era “transmitido” era realmente assimilado e, menos ainda,

compunha-se de coisas significativas para eles.

Cada vez mais, os alunos questionavam sobre a necessidade de aprender

determinado conteúdo (onde vou utilizar ‘isto’ na vida?); e nem sempre era

possível uma resposta honesta para esses questionamentos. A insatisfação por

parte dos alunos revelava que havia problemas a serem enfrentados, tais como a

necessidade de rever nossa prática docente, até então centrada nos moldes do

ensino tradicional, o qual, segundo Micotti,

acentua a transmissão do saber já construído, estruturado pelo professor; a aprendizagem é vista como impressão, na mente dos alunos, das informações apresentadas nas aulas. O trabalho didático escolhe um trajeto “simples” – transferir para o aprendiz os elementos extraídos do saber criado e sistematizado, ao longo da história das ciências, fruto do trabalho de pesquisadores. As aulas consistem, sobretudo, em explanações sobre temas do programa; entende-se que basta o professor dominar a matemática que leciona para ensinar bem. (MICOTTI,1999, p.156-157)

Na busca de respostas para nossas questões e de alternativas para nossa

prática, procuramos nos atualizar da maneira que podíamos comprando livros,

participando de palestras, mini-cursos oferecidos pela escola em que

trabalhávamos, enfim participávamos de todos os cursos e eventos que surgiam.

Mas ainda era pouco, porque a nossa “atualização” acadêmica nem chegava perto

da “realidade” dos alunos e os questionamentos continuavam.

12

As dificuldades enfrentadas na ação docente levaram-nos a procurar um

curso de especialização lato sensu em Educação Matemática, o qual nos ajudou a

perceber outras dimensões do processo ensino-aprendizagem e a ampliar nossos

horizontes, estimulando-nos a continuar a busca por novas perspectivas de

ensino. Nessa busca, uma nova solução parecia se delinear: a chave era dar

significado ao ensino da matemática, ou seja, apresentar aos alunos uma

matemática dinâmica e que está em constante evolução, tal como afirma

D’Ambrósio:

É absolutamente inadmissível que o professor continue ministrando uma ciência acabada, morta e desatualizada. Será cada vez mais difícil motivar alunos a estudar uma ciência do passado, cristalizada. Argumentos com base em teorias de aprendizagem ultrapassadas, que apóiam a natureza linear do conhecimento, amparadas numa história distorcida e numa epistemologia construída para justificar essa história, não bastam para justificar programas estruturados com base única e exclusiva na tradição. Um programa dinâmico, de ciências de hoje, que está sendo feita hoje e que vai se manifestar na sociedade do amanhã é o que os alunos esperam.(D’AMBRÓSIO,1998, p.240)

Procuramos, então, saber o que os autores de Educação Matemática

discutiam para viabilizar essa idéia, na prática em sala de aula. Assim, nos

dedicamos à busca de estudos e pesquisas sobre a Educação Matemática.

Constatamos que muitos pesquisadores têm-se empenhado em buscar

explicações para os sucessos e insucessos dos que se aventuram pelos caminhos

da aprendizagem matemática. Os estudos sobre a Educação Matemática

constituem um campo de pesquisa recente. Silva1, citada por Ferreira (2003),

afirma que até meados da década de 80, pouco se havia escrito e pesquisado

sobre a formação de professores e menos ainda sobre a formação de professores

de matemática, no Brasil. Entretanto, a partir dos últimos anos dessa década, esse

tema começa a delinear-se consistentemente e a tornar-se uma das mais ativas

1 SILVA, M. D. O papel de um curso de formação na mudança do discurso e da postura do professor. Dissertação de Mestrado. Campinas, FE/Unicamp, 1998.

13

áreas de pesquisa. Referindo-se ao campo de pesquisa em Educação

Matemática, Fiorentini (2003,p.10) afirma que “os educadores matemáticos, talvez,

constituem um dos grupos profissionais que mais procuram se aventurar por

novos caminhos e com outros olhares em relação à formação do professor aos

seus saberes e à sua prática docente”. Esse autor, em sua tese de Doutorado

(1994), realizou um estudo sobre a formação de professores de matemática no

Brasil. Nesse trabalho, Fiorentini realizou um detalhado inventário da produção

acadêmica na área de Educação Matemática no país, abrangendo desde os anos

60 ao início da década de 1990. Para tal, o autor analisou 204 teses e

dissertações produzidas nos cursos de pós-graduação, focalizando as tendências

temáticas e teórico-metodológicas, as indagações que foram objeto de

investigação, os pesquisadores e orientadores dos estudos e os centros ou

programas em que os mesmos foram produzidos. À área temática “formação de

professores”, pertenciam cerca de 17% do total de trabalhos analisados, os quais

foram classificados em três categorias: formação inicial, formação continuada em

serviço e competências técnicas do professor.

Em 1996, foi publicado, pelo MEC, um Mapeamento de Educação

Matemática no Brasil - 19952, no qual são apresentadas seis áreas temáticas,

dentre elas a formação docente, sendo citados aproximadamente 18 estudos

relacionados à formação de professores. Mais recentemente, o Grupo de Estudos

sobre Formação de Professores de Matemática, da Faculdade de Educação da

Unicamp iniciou um trabalho de mapeamento da produção de professores de

matemática no Brasil, tendo como objetivo recuperar a trajetória da pesquisa

nessa área, na tentativa de melhor compreender as mudanças experimentadas e

apontar novas perspectivas de estudo. Até o final de 2000, haviam sido levantadas

cerca de 160 pesquisas. Em meados de 2002, esse mesmo grupo procurou dar

continuidade ao estudo anterior, fazendo um balanço de 25 anos da pesquisa

brasileira, cujo objeto de estudo foi a formação ou o desenvolvimento profissional

2 Realizado pelo MEC, com participação da Dediae/Inep (Secretaria de Avaliação e de Informação Educacional e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), esse mapeamento é o primeiro de que temos notícia.

14

do professor, o qual aponta para uma mudança paradigmática de concepções e

métodos associados à temática, a partir de 90. (Fiorentini, 2002).

Os estudos sobre a formação de professores de matemática constituem um

vasto campo de pesquisa. Nos anos 70 e 80, as pesquisas tinham como

preocupação maior os cursos de licenciatura em Matemática e os programas

voltados para o magistério dessa disciplina, focalizando em grande parte, as

práticas de ensino e os estágios supervisionados.

Já na década de 90, embora a tendência de investigar os programas de

formação de professores tenha persistido, os objetivos passaram a enfatizar a

identificação de problemas e obstáculos, a avaliação de programas institucionais,

a discussão de questões polêmicas e a proposição de novos rumos a partir de

novas perspectivas.

De acordo com Thompson (1997), a maioria dos estudos sobre o professor

de matemática focalizavam apenas os aspectos psico-cognitivos desse professor.

O mérito desses estudos, segundo a pesquisadora, como é o caso de Blumenthal

(2002), Ponte (1992), Brown e Cooney (1982), Ball (1991), Bromme (1994) e

McLeod (1991); é que, através da análise das concepções, crenças e implicações

de como o professor de matemática concebe e pratica essa disciplina, os

pesquisadores e professores (que têm acesso à pesquisa) passaram a conhecer

melhor como essas concepções e crenças influenciam a sua prática pedagógica.

As pesquisas em Educação Matemática, como afirmam Machado, Fonseca

e Gomes (2002), têm constituído, cada vez mais, como um campo científico, com

crescimento e diversificação de profissionais identificados com as questões

matemáticas. Fiorentini (2002) afirma haver um campo aberto para a investigação

em Educação Matemática, onde muitas perguntas sem respostas poderiam ajudar

a compreender melhor a docência nessa área.

A importância do estudo das dificuldades enfrentadas pelos professores em

sua prática cotidiana já havia sido apontada por Lourencetti (1999), a partir de sua

dissertação de Mestrado, que tem como tema central as práticas pedagógicas na

5ª série. A autora fez um estudo de caso com duas professoras de uma escola

estadual de periferia da cidade de Campinas, São Paulo, sendo uma professora

15

de Ciências e outra de Português. Seu estudo centrou-se basicamente no

pensamento do professor, no comportamento dos alunos em relação às regras

escolares, no programa escolar da 5ª série, no domínio do conteúdo e na relação

professor-aluno.

A partir desses estudos, constatamos que, na trajetória de vida escolar, a

aprendizagem da matemática é, para muitas pessoas, motivo de lembranças

algumas vezes agradáveis e outras nem tanto. Cada indivíduo que tem

experiência com essa disciplina pode ter sentimentos que vão desde a paixão até

o ódio declarado a ela. Somente esse fato já justificaria uma investigação sobre as

causas de comportamentos tão variados com relação a essa que, para muitos, é a

rainha das ciências.

Lecionando matemática para alunos de 5ª a 8ª séries há cerca de 20 anos,

temos observado que uma das grandes dificuldades dos alunos reside na

aprendizagem da álgebra, que se inicia na 7ª série e representa um grande

problema. O ensino dos conceitos algébricos na 7ª série do Ensino Fundamental,

via de regra, consiste em um desafio para professores e alunos.

As constatações derivadas de nossa experiência profissional e de nossas

leituras nos suscitaram, no curso de Mestrado, algumas questões sobre os

impasses encontrados pelos professores e sobre as estratégias buscadas por eles

para conseguirem melhores resultados de aprendizagem no ensino de álgebra, ou

seja, como o professor concebe, trata, enfrenta ou explora as dificuldades que

surgem em situações de aula, envolvendo atividades algébricas na 7ª série do

Ensino Fundamental. Assim, motivadas pela literatura e por nossas reflexões

sobre a profissão docente e o ensino da matemática, realizamos a presente

pesquisa, tendo como objetivo geral “analisar as especificidades, os problemas e

as alternativas da docência em matemática na 7ª série do Ensino Fundamental,

desvelando as evidências de processos reflexivos na prática docente dos

professores” e como objetivos específicos: detectar e analisar as percepções do

ensino da matemática pelos professores da 7ª série do Ensino Fundamental;

identificar o papel de suas crenças e concepções sobre a matemática em seu

processo de ensino-aprendizagem; identificar e analisar as dificuldades

16

enfrentadas pelos professores para sua atuação docente e alternativas de solução

apontadas por eles.

Essa pesquisa insere-se no conjunto de trabalhos que buscam responder

algumas questões sobre a profissão docente e o ensino da matemática,

enfatizando os impasses encontrados pelos professores na docência dessa

disciplina e tem, como ponto de partida, as seguintes questões:

• Como os professores de matemática percebem essa disciplina no contexto do

currículo do Ensino Fundamental, especialmente na 7ª série?

• Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelo professor no ensino

dessa disciplina, especialmente nas situações de álgebra da 7ª série e que

alternativas de solução ele apresenta para elas?

• Como suas crenças e concepções sobre a matemática interferem em sua

prática pedagógica?

Quanto ao ponto de vista teórico, a presente pesquisa se fundamenta nos

estudos sobre a prática reflexiva de Schön (1983,1987,1991) e Zeichner

(1993,1997,2003) além de Fiorentini (1993,2001,2003) e D’Ambrósio

(1996,1999,2005) que sustentam as especificidades da matemática.

Schön centra sua concepção de desenvolvimento de uma prática reflexiva

em três idéias centrais: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão

sobre a reflexão na ação. A importância da contribuição de Schön se sustenta no

fato de ele destacar uma característica fundamental do ensino: é uma profissão

em que a própria prática conduz necessariamente à criação de um conhecimento

específico e ligado à ação, que só pode ser adquirido através do contato com a

prática, pois se trata de um conhecimento tácito, pessoal e não-sistemático. Para

Schön, somente uma nova epistemologia da prática, fundamentada na reflexão do

profissional sobre a sua prática, é que pode orientar uma possível mudança para a

formação de um profissional reflexivo, capaz de encontrar respostas aos dilemas

que o exercício profissional diário lhe impõe e que somente a aplicação de teorias

e de técnicas não soluciona.

Em pesquisa realizada com professoras de Química em escola pública de

Campinas, Maldner (1997) utiliza como referencial de análise a abordagem de

17

Schön, afirmando que esse autor propõe uma nova epistemologia da prática como

saída para a atuação profissional diante de situações problemáticas, na qual a

racionalidade técnica não consegue dar conta.

De acordo com Schön (1983), a epistemologia da prática reflexiva está

implícita nos processos artísticos e intuitivos, e ela se torna presente na ação de

situações complexas do mundo da vida ou da vivência das pessoas. Ao agir

nessa complexidade, os profissionais mais hábeis e mais bem-sucedidos refletem

sobre os procedimentos e conhecimentos de que já dispõem e decidem sobre o

melhor procedimento a ser adotado.

Já Zeichner dá um passo à frente na abordagem do professor reflexivo,

estabelecendo mudanças que vão além das salas de aula, considerando o

contexto das condições sociais nas quais se situam as práticas docentes, levando

à reconstrução social. Zeichner (1993) destaca que os professores constróem

teorias sobre suas práticas. Essas teorias resultam de um processo reflexivo e,

quando realizadas em processos sociais mais amplos, podem contribuir para a

melhoria do ensino. O autor alerta para os riscos de uma ação fora do contexto.

Segundo ele,

é preciso que haja uma conexão estreita entre a formação de professores na universidade com as escolas e as comunidades. Não deve haver atividades acadêmicas isoladas, em que as pessoas somente vão às universidades e assistem aulas sobre mudança social. É preciso estudar as coisas em contexto. Talvez seja essa a maior mudança necessária. Para isso, os professores devem sair da universidade e passar mais tempo nas escolas, as quais precisam estar conectadas com as comunidades.(ZEICHNER, 2000, p.14)

Esses aportes teóricos foram considerados os mais adequados para a

realização de nossa pesquisa, por se tratar de um estudo em que são analisadas

dificuldades e estratégias utilizadas em situações de aula de álgebra na 7a série,

onde a reflexão na prática e sobre a prática são mobilizadas a todo instante pelos

professores.

O estudo foi realizado em duas escolas de Ensino Fundamental e Médio de

Belo Horizonte, sendo uma escola da Rede Estadual de Ensino, situada na região

18

periférica de Belo Horizonte e outra uma escola particular, localizada na região sul

da mesma capital. Optamos pela abordagem qualitativa do estudo de caso e a

coleta de dados se deu por meio de entrevistas, questionários, observações de

aula e de análise documental, que se encontram especificadas e caracterizadas

no capítulo 4, que trata dos aportes metodológicos.

A seleção dos dois professores entrevistados ocorreu a partir da análise de

fichas individuais, (anexo 1), aplicadas a todos os professores de matemática das

escolas, de acordo com os critérios explicitados no capítulo 4. Foram

entrevistados o coordenador da área de matemática da escola particular e o

diretor da escola estadual, por não haver coordenador de área nessa escola.

Foram selecionados alguns alunos, de acordo com os critérios apresentados no

capítulo 4, para responderem a um questionário (anexo 2), que trata da prática do

professor de matemática, e das dificuldades encontradas pelos alunos nas aulas

de álgebra na 7a série.

Os dados obtidos foram analisados à luz dos referenciais teóricos que

embasam a pesquisa, buscando captar as percepções dos atores envolvidos

sobre o ensino da matemática, seus impasses e alternativas no conteúdo de

álgebra da 7a série do Ensino Fundamental.

Assim estruturada a pesquisa, seu relato está organizado em um texto que

percorre as abordagens teóricas consideradas, perpassando pelo caminho da

história do ensino da matemática no Brasil, a formação do professor de

matemática para a escola básica, até a situação atual do ensino de matemática

em nosso país.

O capítulo 1 focaliza as abordagens sobre a matemática, assim como sua

importância e relevância no Ensino Fundamental, passando pelo caminho da

história da Matemática Moderna e suas respectivas conseqüências no ensino-

aprendizagem dessa disciplina, chegando até aos dados que revelam a situação

atual das habilidades matemáticas da população brasileira.

No capítulo 2, apresentamos os referenciais teóricos que sustentam a

pesquisa. A análise é feita à luz dos estudos de Schön, Zeichner, autores que vêm

tratando de questões sobre a profissão docente em seus processos reflexivos.

19

Também são considerados como referenciais teóricos Fiorentini e D’Ambrósio, por

tratarem das especificidades da matemática, assim como da formação de

professores dessa ciência.

No capítulo 3, é discutida a formação de professores de matemática para a

escola básica no Brasil, percorrendo um caminho histórico da formação docente

no Brasil até as mudanças que estão ocorrendo nesse campo.

O capítulo 4 foi dividido em quatro momentos: no primeiro, descrevemos a

metodologia utilizada na pesquisa; no segundo, apresentamos a contextualização

dos campos de pesquisa, destacando sua relação com o objeto pesquisado; no

terceiro, apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados. Por fim, no

quarto momento, caracterizamos os atores da pesquisa: professores, coordenador

de área, diretor e alunos. Nessa parte realizamos um estudo mais aprofundado

sobre cada um dos professores entrevistados.

No capítulo 5, analisamos as questões que tratam da profissão docente e

do ensino da matemática nas escolas pesquisadas. Esse capítulo foi dividido em

quatro itens. O item 5.1 aborda a proposta da matemática para a 7a série no

contexto global do ensino de matemática nas escolas pesquisadas. O item 5.2

focaliza os atores da pesquisa em relação à sua formação. O item 5.3 analisa a

percepção dos professores em relação à matemática, assim como suas crenças,

concepções e valores e suas respectivas influências na prática cotidiana. Por fim,

no item 5.4, apontamos as dificuldades e alternativas utilizadas pelos professores

em situações de aula de álgebra na 7a série do Ensino Fundamental.

Nas considerações finais, apresentamos uma reflexão sobre os dados

obtidos na pesquisa e sinalizamos algumas pistas para novos estudos e

investigações sobre a matemática e seu ensino.

20

CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MATEMÁTICA E SEU ENSINO

1.1. O Ensino da Matemática no Brasil: retrospectiv a

No ano de 1699, preocupada com a defesa da Colônia, a Coroa Portuguesa

decide impulsionar a formação de militares em terras de além-mar. Era preciso ter,

no Brasil, oficiais bem treinados no manuseio das peças de artilharia e com

competência para construírem fortes. Valente afirma que a artilharia influiu

decisivamente sobre as novas formas de se construírem as fortificações.

As grandes muralhas se abaixam; muda o traçado das obras, para obtenção de fogos cruzados; modificam-se os métodos de construção, para proteção das guarnições; criam-se obstáculos para impedir a aproximação. Tudo, enfim, é alterado e aperfeiçoado. A evolução da artilharia e conseqüentemente nascimento de novas formas construtivas, criaram a necessidade da existência de uma mão-de-obra especializada. É assim que nascem, por toda parte, as Aulas de Artilharia e fortificação. (VALENTE, 1999, p.40).

A necessidade de defesa foi o determinante principal da criação do ensino

militar, onde as Aulas de Artilharia e fortificações do Rio de Janeiro, representaram

o ponto de partida da formação de uma casta na sociedade colonial.

Em 19 de agosto de 1738 a Ordem Régia declarou que nenhum militar

poderia ser promovido ou nomeado se não tivesse aprovação na Aula de Artilharia

e fortificações.(Valente,1999,p.44). Apesar dessa deliberação, muitas dificuldades

surgiram para que o curso tivesse início. A principal era a falta de livros para a

instrução militar, mais precisamente, livros adequados ao curso criado. Em

matéria de artilharia, morteiros e bombas, nada existia escrito em português, os

21

que haviam eram verdadeiros tratados, escritos em forma de volumosos tomos

que tinham como conteúdo um curso de matemática, seguido de instruções de

manuseio de armas.

Para a Aula, a Ordem Régia designou como professor, o militar português

José Fernandes Pinto Alpoim3. O militar, acumulando experiências pedagógicas

em suas áreas ministradas desde a época em que foi professor na Academia de

Viana do Castelo em Portugal, escreveu dois livros que se tornariam os primeiros

livros didáticos no Brasil.4 A matemática, a ser ensinada a partir dos livros de

Alpoim, é a dos conhecimentos necessários à prática imediata dos artilheiros e

lançadores de bombas. Segundo Valente:

Não estão, os conteúdos matemáticos, organizados ainda como uma teoria escolar. Não estão postos os conteúdos como uma seqüência de princípios, exemplos, generalização e exercícios. Os textos contém informações de como fazer, como proceder dentro das atividades militares de artilheiros e bombeiros. (VALENTE, 1999, p.60)

Como vimos anteriormente, a Colônia tinha necessidade dos

conhecimentos matemáticos, que eram fundamentais para a instrumentação dos

futuros engenheiros e militares. Em última instância, da matemática dependiam a

proteção e preservação dos domínios portugueses mas, apesar disso, a prática

desse saber não fazia parte da cultura geral da época, a cultura dos colégios

jesuítas.

O Brasil enquanto colônia, não tinha imprensa nem tampouco instituições

de ensino superior. Aqueles que tinham recursos ou se destacavam nas escolas

jesuítas iam fazer seus estudos em Portugal e acabavam cursando a Universidade

de Coimbra. (D’Ambrósio, 1999). Sobre o ensino das Matemáticas nos colégios

jesuítas do Brasil quase nada sabemos. Muito brevemente, Leite cita que “o

ensino de Matemática no Brasil principiou naturalmente por onde deveria começar,

3 Alpoim nasceu em Portugal dia 14 de julho de 1700. Era militar e formado na Universidade de Coimbra. Foi responsável pela demarcação das fronteiras que iam da foz do Rio Ibiaú à barra do Igurei no Paraná. Foi também construtor de vários edifícios públicos no Rio de Janeiro. 4 Os livros foram escritos em 1774 o Exame de Artilheiros e em 1748, o Exame de Bombeiros.

22

isto é, pela lição de Algarismos. (Leite, apud Valente, 1999, p.29).

A formação de cultura geral dada nos colégios jesuítas, dominada pelo

latim, pouquíssimo espaço deixou às ciências. Ocupar-se das ciências e da

matemática, mesmo de modo especulativo, roubaria tempo dos estudos das

letras, consideradas relevantes para a formação do homem.

O estudo das ciências especulativas como a geometria, a astronomia e a física é um divertimento vão. Todos esses conhecimentos estéreis e infrutíferos são inúteis por eles mesmos. Os homens não nascem para medir linhas, para examinar a relação entre ângulos e para empregar todo seu tempo em considerar os diversos movimentos da matéria. Seu espírito é muito grande, a vida muito curta, seu tempo muito precioso para se ocupar de tão pequenas coisas. (VALENTE, 1999, p.218).

O ensino brasileiro, durante quase duzentos anos, foi dominado pelos

jesuítas que, em suas escolas secundárias, ofereciam uma educação de tradição

clássico-humanística. Nessa proposta educacional só se estudava matemática nos

estudos superiores, assim mesmo muito pouco. De acordo com Miorim:

Muitos jesuítas não viam com bons olhos as matemáticas. Os estudos das relações misteriosas entre números e letras, inquietavam os religiosos.(...) Em algumas escolas jesuíticas, devido ao empenho de alguns de seus mestres, os estudos matemáticos foram mais incentivados.(MIORIM,1998, p.82)

Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, o sistema educacional

brasileiro praticamente desmoronou, restando apenas alguns poucos centros

educacionais. Porém, a partir de 1772, foram criadas pela reforma pombalina as

chamadas aulas régias5. Essa medida representou um retrocesso em termos

institucionais, uma vez que essas aulas eram “avulsas”, ou seja, dadas em locais

diferentes, sem nenhuma articulação entre elas e sem planejamento do trabalho

5 Aulas de disciplinas isoladas cujo objetivo consistia em preencher a lacuna deixada pela eliminação da estrutura escolar jesuíta.

23

escolar. Além disso, os professores recrutados para essas aulas não possuíam

uma formação adequada (Miorim,1998,p.83).

Entretanto, foi por meio dessas aulas régias que conteúdos escolares

começaram a ser modificados, especialmente pela introdução de novas

disciplinas, como a Aritmética, a Álgebra e a Geometria (Miorim,1998). Apesar da

introdução dessas disciplinas, a educação brasileira não deixou de ter a

predominância da tradição clássico-humanista. Essa tradição só passou a ser

levemente ameaçada com a criação do Colégio Pedro II, em 1837, que introduziu

a Aritmética, a Álgebra e a Geometria em todas as oito séries do curso.

Os currículos do ensino secundário, cuja estrutura passou por várias reformas no Império e no período republicano, podem ser estudados de maneira bem completa, devido à existência, a partir de 1837, do Colégio Pedro II, concebido para ser o estabelecimento-modelo de ensino no país, e que durante muito tempo foi o responsável aqui pela fixação dos currículos de Matemática para o curso secundário – inicialmente, devido ao fato de o Colégio Pedro II ministrar os exames que conduziam ao título de bacharel, e posteriormente pela atribuição à Congregação do mesmo colégio do direito de elaborar os programas oficiais de Matemática para o ensino primário, ginasial e secundário em todo país. (CARVALHO, 2000, p.93-94)

Na verdade, a Matemática e o currículo científico só vieram se impor na

educação brasileira a partir de 1890, com a reforma Benjamim Constant,

oficializada pelo Decreto nº 891, em 8 de novembro de 1890. A reforma, elaborada

segundo a filosofia de Comte, representou uma ruptura com a tradição clássico-

humanista dominante, até então. Era uma tentativa de introduzir uma formação

científica, nos moldes positivistas, na educação brasileira, segundo Miorim:

Na parte relativa ao ensino de Matemática – considerada a ciência fundamental dentro do positivismo – estiveram contempladas todas as partes que compõem tanto a Matemática abstrata como a Matemática concreta, dentro da hierarquia estabelecida por Comte. (MIORIM,1998, p.88)

24

Na proposta apresentada por Benjamin Constant, que reserva sete anos

para o ensino secundário, além do eixo central determinado pelas matemáticas,

existiam ainda as seguintes disciplinas: Português, Latim, Francês, Inglês ou

Alemão, Grego, Geografia Política e Econômica, Zoologia, Botânica, Meteorologia,

Mineralogia, Geologia, História Universal e Brasileira, Literatura nacional,

Desenho, Música e Ginástica. A reforma instituída por Benjamim Constant

revelou-se inexeqüível, obrigando a um retorno à situação anterior.

Após a revogação da reforma Benjamim Constant, os programas de

Matemáticas para o ensino secundário voltaram a ser praticamente os anteriores.

Uma tradição em todos esses programas era o estudo compartimentado da

matemática. Nenhuma das várias reformas que ocorreram após a de Benjamim

Constant, até 1930, chegou a produzir mudanças significativas no ensino

secundário brasileiro, além de não resolver a antiga questão sobre a melhor

formação secundária – literária ou científica. Entretanto, a expansão da indústria

nacional, o desenvolvimento de nossa agricultura, a expansão dos centros

urbanos e a influência das novas idéias que agitavam a Europa e os Estados

Unidos produziram no Brasil um movimento de renovação social, cultural e

educacional. (Miorim,1998).

Esse movimento com nova proposta educacional ficou conhecido como o

Movimento da Escola Nova, que propunha uma renovação da educação brasileira,

provocando uma ampla discussão sobre as questões pedagógicas. Dentre elas

estavam o “princípio da atividade” e o “princípio de introduzir na escola situações

da vida real”. Esses princípios provocaram uma mudança radical no ensino da

Matemática. De uma “Matemática do quadro negro”, passamos a uma Matemática

de atividade”. Segundo Miorim,

A proposta também trazia uma visão mais moderna dos conteúdos matemáticos, sugerindo a eliminação de “assuntos de interesse puramente formalítico (...) além disso, propunha a descompartimentalização das várias áreas da Matemática, enfatizando a importância de suas aplicações. (MIORIM,1998, p.95).

25

Nesse movimento, mais do que atualizar os princípios e as práticas

educativas do fim do século XIX, a Escola Nova promoveu, nos anos 20, rupturas

nos saberes e fazeres escolares. Não constituiu um novo “modelo escolar”, mas

produziu novas “formas” e alterou a “cultura escolar” (Vidal, 2000).

Euclides Roxo, diretor do Colégio Pedro II, de 1925 a 1935, surgiu como

elemento decisivo para o ensino da matemática no momento em que, em nosso

país, apareceram, a partir da década de 20, no plano pedagógico, os ideais

"escola-novistas". Segundo Fiorentini (1995), Euclides Roxo, então professor

catedrático do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro - escola que ditava as diretrizes

para o ensino secundário no Brasil -, seria o maior defensor das propostas do

movimento reformador do ensino da matemática que teve sua origem na

Alemanha e na Inglaterra no final do século XIX.

Segundo Werneck (1996), esse professor foi o principal mentor da

formulação do currículo de Matemática na reforma Francisco Campos de 1931.

Essa reforma foi responsável pela unificação, em uma disciplina denominada

Matemática, dos quatro ramos da Matemática – Aritmétrica, Álgebra, Geometria e

Trigonometria, oferecidas, até então como disciplinas isoladas, no currículo

escolar brasileiro. Entretanto, o ideário do movimento renovador do ensino da

Matemática na década de 30 em nosso país e a implantação das propostas

pedagógicas da reforma Francisco Campos não conseguiram se impor sem

resistências. Segundo Fiorentini (1993), a oposição mais contundente foi,

provavelmente, a do Padre Arlindo Vieira (1936), que combatia ferozmente o

"enciclopedismo" dos novos programas, a fim de abrir espaço para a volta dos

"clássicos".

Apesar das discussões em torno do "caráter enciclopédico" nos programas

de ensino de matemática, poucas modificações foram feitas no programa dessa

disciplina, na reforma de Gustavo Capanema em 1942. No Brasil, as questões

relativas ao ensino de Matemática começaram a ser discutidas com maior

intensidade durante a década de 50, devido especialmente à realização dos

primeiros Congressos Nacionais de Ensino da Matemática. O primeiro desses

congressos realizou-se em 1955, na cidade de Salvador-BA. Seu objetivo principal

26

foi a discussão dos problemas relacionados ao ensino dessa ciência. Segundo

Fiorentini:

a educação matemática brasileira, após 1950, passaria por um período de intensa mobilização, em virtude da realização dos cinco Congressos Brasileiros de Ensino de Matemática (1955, 1957, 1959, 1961 e 1966) e do engajamento de um grande número de matemáticos e professores brasileiros no movimento internacional de reformulação e modernização do currículo escolar, que ficou sendo conhecido como o Movimento da Matemática Moderna. (FIORENTINI, 1995, p.13)

Devido à sua importância como um marco para o ensino da Matemática, esse

movimento será abordado a seguir.

1.2. Matemática Moderna: Ponto de partida para novo s olhares e novos rumos

A situação atual do ensino da matemática aponta para uma crise crônica,

pela qual esse ensino vem passando há muitos anos. Deixando de lado os fatores

sócio-econômicos e políticos, abordaremos aqui tão somente as dificuldades

ligadas diretamente ao seu ensino nas escolas de nível fundamental e médio.

Essas dificuldades vêm se perpetuando desde o início da década de

sessenta, quando o ensino da matemática passou por uma reforma profunda, que

deu origem ao que se convencionou chamar de Matemática Moderna. Segundo

Ávila (1993), as características principais dessa reforma foram uma ênfase

acentuada na utilização da linguagem de conjuntos e numa apresentação

excessivamente formal das diferentes partes da matemática. Foi uma reforma

radical.

Em nenhum outro momento o ensino da Matemática foi tão discutido,

divulgado e comentado como naquele período. Os jornais noticiavam, os

27

professores faziam cursos, os livros didáticos multiplicavam-se, os pais

assustavam-se e os alunos “aprendiam” a Matemática moderna. Segundo Miorim,

A organização da matemática moderna baseava-se na teoria dos conjuntos, nas estruturas matemáticas e na lógica matemática, Esses três elementos foram responsáveis pela “unificação” dos campos matemáticos, um dos maiores objetivos do movimento. Para isso, enfatizou-se o uso de uma linguagem matemática precisa e de justificações matemáticas rigorosas. Os alunos não precisariam “saber fazer”, mas sim, “saber justificar” por que faziam. A teoria dos conjuntos, as propriedades estruturais dos conjuntos, as relações e funções tornaram-se temas básicos para o desenvolvimento dessa proposta. (MIORIM, 1998, p.114)

O descompasso existente entre os últimos avanços científicos e

tecnológicos e a matemática ensinada nas escolas de nível médio seria

intensificado e este seria um dos mais fortes argumentos utilizados pelos

defensores do Movimento da Matemática Moderna para justificar a necessidade

de “modernização” dos conteúdos matemáticos desenvolvidos naquele nível de

ensino. Foi no bojo desse movimento que o ensino de matemática no Brasil e em

outros países do mundo passaram a ser discutidos com maior intensidade.

Na verdade, esse movimento internacional surgiu como uma das principais

demandas após a 2ª Grande Guerra. Sabe-se que os Estados Unidos sentiram-se

diminuídos diante dos progressos científicos apresentados pela Rússia,

especialmente quando esta saiu à frente na conquista espacial e lançou o foguete

Sputnik. O lançamento do “Sputnik” pelos soviéticos, em 1957, foi decisivo para

que esse movimento adquirisse força política, tanto que o governo norte-

americano passou a injetar vultosos recursos financeiros em projetos de

inovação/modernização dos currículos escolares.

Nos EUA, no Brasil e em muitos outros países, havia críticas ao ensino,

especialmente ao de matemática. No ano de 1952, nos EUA, uma Comissão de

Matemática Elementar começou a preparar um novo programa, concebido como

“currículo moderno” de Matemática. Um programa orientado para as escolas

28

secundárias entrou em vigor, em caráter experimental, por volta de 1960. Esse

programa deu a base para o nascimento da chamada Matemática Moderna.

De acordo com Zaidan (1997), essa “nova matemática” logo ganhou espaço

no mundo. Nosso país ‘abraçou’ a Matemática Moderna ainda nos anos 60,

quando o contexto brasileiro era receptivo às mudanças.

... de um lado, o cenário nacional tornara-se efervescente no início da década, com grandes debates e intenso movimento social de reivindicações, por reforços no ensino; de outro lado, o golpe militar de 1964 viria impor uma ordem social que se mostraria mais opressiva no fim da década e na primeira metade dos anos 70, prevalecendo uma linha tecnicista para o ensino com o qual a Matemática Moderna estabeleceria pontos de contato. (ZAIDAN, 1997, p.66)

De acordo com Fiorentini (1995), as primeiras propostas concretas para a

implantação da Matemática Moderna no Brasil, surgiram no início da década de

60. Em 1961 foi fundado, em São Paulo, o GEEM (Grupo de Estudos sobre o

Ensino da Matemática), que contribuiu de maneira decisiva, através de cursos de

sensibilização e de treinamento de professores e da edição de livros textos, para a

difusão de ideários modernistas. Apesar do esforço do principal grupo de difusão

da Matemática Moderna – o GEEM -, o programa da Matemática Moderna no

Brasil não foi acompanhado por pesquisas ou por estudos sistemáticos sobre sua

viabilidade e sobre as conseqüências de sua implementação em sala de aula.

Segundo Bürigo (1989)6 citada por Fiorentini,

não era feita uma avaliação sobre que visões de matemática, de aprendizagem e de escola, quais os valores que davam sustentação à proposta da Matemática Moderna, como havia sido elaborado em outros países e como havia sido adaptada e divulgada pelo GEEM. As relações entre a Matemática moderna e a Matemática bourbakista e a psicologia piagetiana, por exemplo, não eram discutidas. (FIORENTINI, 1995, p.31)

6 Bürigo, Elizabete Zardo. Movimento da Matemática Moderna no Brasil – Porto Alegre: FE-UFRGS, 1989. Dissertação de Mestrado.

29

A organização da Matemática moderna baseava-se na teoria dos conjuntos,

nas estruturas matemáticas e na lógica matemática. Esses três elementos foram

responsáveis pela “unificação dos campos matemáticos, um dos maiores objetivos

do movimento. Para isso, enfatizou-se o uso de uma linguagem matemática

precisa e de justificações matemáticas rigorosas”.

Segundo Zaidan, a manutenção do raciocínio lógico encadeado foi fazendo

uma Matemática mais compreensível para alguns, mas pouco acessível para

muitos. A linguagem, com nova e excessiva simbologia, dificultou o entendimento

de temas considerados simples. (Zaidan,1997,p.67). Os principais propósitos do

movimento foram:

a) Unificar os três campos fundamentais da Matemática, não em uma

integração mecânica, mas através da introdução de elementos unificadores como

Teoria dos Conjuntos, Estruturas Algébricas e Relações e Funções.

b) Dar mais ênfase aos aspectos estruturais e lógicos da Matemática em

lugar do caráter pragmático, mecanizado, não-justificativo e regrado, presente na

Matemática escolar, naquele momento.

c) O ensino de 1º e 2º graus deveria refletir o espírito da Matemática

contemporânea que, graças ao processo de algebrização, tornou-se mais

poderosa, precisa e fundamentada logicamente.

Os reformistas contaram, desde o primeiro instante, com adeptos

fervorosos e pouco opositores. A maioria dos professores – e mesmo alguns

eminentes matemáticos – apoiava as mudanças com entusiasmo. Mas, com o

passar do tempo, a ineficácia da Matemática Moderna se tornaria mais e mais

evidente. Os opositores do movimento foram aumentando em número e contando,

cada vez mais, com o apoio de pesquisadores de grande prestígio. Como nos diz

Lopes; “embora não fizessem uso da bola de cristal, os professores Lyra e

Catunda acertaram na mosca. A Matemática descambou, via livro didático, para a

ênfase exagerada á simbologia da Teoria dos Conjuntos”. (Miorim,1998,p.115)

Em conseqüência disso e das muitas críticas que então se faziam à

Matemática Moderna, aliada às evidências da ineficácia dessa orientação para o

ensino, novas mudanças começaram a ser feitas, no sentido de corrigir os rumos

30

que vinham sendo seguidos. Na maioria dos países, a crise da Matemática

Moderna foi superada e já é coisa do passado. No Brasil, entretanto, não obstante

os avanços que têm sido feitos nos últimos anos, ainda hoje podemos perceber a

presença de suas idéias não apenas nas discussões teóricas sobre o assunto,

mas também na prática da Educação Matemática. Zaidan (1997) refere-se a uma

questão similar, quando aborda as formas de apresentação dos livros didáticos.

Os livros didáticos, desde então, tomam novo formato: aparecem coloridos, ilustrados, (...) não demonstram teoremas, apenas algumas fórmulas deduzidas. Com nova cara, a Matemática é ainda apresentada num modelo comum na grande maioria dos livros editados até então, onde os conteúdos são explicados, algumas deduções são feitas e são apresentados muitos exemplos e exercícios. (...) Mas uma leitura cuidadosa mostra uma estrutura repetida, apenas com recursos visuais e exemplos diferenciados. (ZAIDAN, 1997, p.67-68)

Entretanto, se a Matemática Moderna não produziu os resultados

pretendidos, o movimento serviu para desmistificar muito do que se fazia no

ensino da Matemática e mudar – sem dúvida para melhor – o estilo das aulas e

das provas e para introduzir muitas coisas novas, sobretudo a linguagem moderna

de conjuntos.

Em educação matemática, assistimos na década de 1970 ao movimento da matemática moderna entrando em declínio em todo o mundo. Mas não há como negar que desse movimento ficou um outro modo de conduzir as aulas, com muita participação dos alunos, com uma percepção da importância de atividades, eliminando a ênfase antes exclusiva em contas e carroções. O método de projetos, com inúmeras variantes, se impôs. (D’AMBRÓSIO, 1998, p. 59)

31

1.3. Situação atual do ensino de Matemática no Bras il

“O nível de leitura e matemática da maioria dos alunos é ‘crítico’”. Esta é a

conclusão do estudo sobre as séries finais do Ensino Fundamental e Médio

(quarta e oitava séries do Ensino Fundamental e terceira série do Ensino Médio),

realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (Inep/MEC). O trabalho tomou como base os resultados do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2001, cujas provas de

Matemática e Língua Portuguesa são aplicadas a cada dois anos, em uma

amostra de estudantes de todas as Unidades da Federação.

A situação revelada em 2001 vem se repetindo ao longo dos anos, sendo

que o Saeb 1993 já indicava, através dos resultados obtidos nos testes de

rendimento em Matemática daquele ano, que 67,7% dos alunos da primeira série

do Ensino Fundamental acertavam pelo menos a metade dos testes aplicados.

Esse índice caia para 17,9% dos alunos que cursavam a terceira série e tornava a

cair para 3,1%, na quinta série, e subia para 5,9% na sétima série.

Em 1995, numa avaliação que abrangeu alunos de quartas e oitavas séries

do Ensino Fundamental, os percentuais de acerto por série e por processo

cognitivo em Matemática evidenciaram, além de baixo desempenho global, que as

maiores dificuldades são encontradas em questões relacionadas à aplicação dos

conceitos e à resolução de problemas.

Em 2001, a qualidade do ensino da Matemática atingiu, talvez, o seu mais

baixo nível na história educacional do país. O cenário apresentado demonstra que,

na avaliação das habilidades de compreensão matemática, 52% dos estudantes

se encontram em situação “crítica” ou “muito crítica” Segundo o estudo, 12% dos

alunos não conseguem transpor para uma linguagem matemática específica,

comandos operacionais elementares compatíveis com a quarta série. Outros 40%

desenvolvem algumas habilidades elementares de solução de problemas, mas o

nível de aprendizado está bem abaixo do exigido nessa fase de escolarização.

32

Os alunos demonstram dificuldades em lidar com localização espaço-

temporal, quando questionados sobre direção (frente/direita/esquerda) e distância

(longe/perto/ao lado) e em reconhecer o intervalo de tempo decorrido entre o início

e o término de um evento. Vários deles não conseguem dividir um número com

três algarismos por outro com um dígito e somar valores monetários com casas

decimais. Há um grupo, que representa 41% dos alunos, classificado no nível

intermediário. Eles também desenvolveram algumas habilidades de interpretação

de problemas, porém inferiores ao esperado para a quarta série. Apenas 7%

interpretam e sabem resolver problemas de forma competente, apresentando as

competências compatíveis com a série cursada.

Dados referentes à 8ª série mostram que 52% dos estudantes que cursam

essa série estão em situação considerada “crítica” ou “muito crítica” na avaliação

das habilidades de compreensão matemática. Esses alunos não conseguem

transpor o que é solicitado no enunciado de uma questão para uma linguagem

matemática, e ainda há apenas 3% dos estudantes no nível classificado como

“adequado” em Matemática. Esses alunos interpretam, constroem gráficos e

resolvem problemas com duas incógnitas utilizando símbolos matemáticos.

Na terceira série do Ensino Médio, de acordo com os dados do Inep, 67%

dos alunos do último ano da educação básica estão no nível “crítico” ou “muito

crítico”. É o mais alto percentual das três séries avaliadas. Eles são capazes de

fazer uso de algumas propriedades e características de figuras geométricas

planas e resolução de Funções logarítmicas e exponenciais, entretanto estão

abaixo do exigido para essa série. Apenas 6% estão no estágio “adequado”.

Esses estudantes reconhecem e utilizam elementos de geometria analítica,

equações polinomiais e desenvolvem operações com números complexos.

Os dados apresentados revelam que o processo ensino-aprendizagem das

crianças se concretiza de forma precária no país. E se a comparação for feita em

nível internacional, a situação se torna alarmante, pois de acordo com o Program

for International Student Assessment (PISA) de 2001, ficamos no vergonhoso

último lugar.

33

Esses resultados revelam que a maioria dos estudantes não adquire

habilidades básicas para realização de atividades essenciais do cotidiano, inserir-

se na complexa sociedade globalizada e exercer plenamente a cidadania. O que

podemos constatar nesse cenário é uma grande massa de cidadãos incapazes de

manipular informações simples tais como gráficos, escalas, juros – o chamado

analfabetismo numérico –, indicativo do despreparo matemático de nossa

população.

Dados que confirmam essa situação encontram-se no Indicador Nacional

de Alfabetismo Funcional (2001), INAF, que revela que 3% da população brasileira

é de analfabetos absolutos em Matemática. Não dominam habilidades mais

simples, como ler o preço de produtos ou anotar um número de telefone que lhe

foi ditado. O INAF7, traz outras evidências que, pela sua importância, destacamos

a seguir:

� 32% da população brasileira está no nível 1 de alfa betismo

matemático .

As pessoas no nível 1 do alfabetismo matemático correspondem a 32% da

população brasileira. Elas acertam as tarefas de leitura de números de uso

freqüente com contextos específicos: preços, horários, números de telefone,

instrumentos de medida simples como relógio e fita métrica. São capazes de

anotar o número de telefone ditado por alguém, ver as horas no relógio de

ponteiros, consultar o calendário.

� 44% estão no nível 2

Os classificados no nível 2, 44% dos brasileiros, demonstram dominar

completamente a leitura de números naturais, independente da ordem da

grandeza e são capazes de ler e comparar números decimais que se refiram a

preços, contar dinheiro e fazer troco. Também são capazes de resolver situações

envolvendo operações usuais de adição e subtração, com valores em dinheiro e

7 Mediu-se a habilidade de cálculco da população por meio de uma pesquisa realizada em parceria do IBOPE Opinião e a ONG Ação Educativa. Realizada entre 23 e 28 de novembro (2001), com 2.000 pessoas entre 15 e 64 anos de idade, a pesquisa é representativa da população rural e urbana. Refere-se a um universo de mais de 110 milhões de brasileiros, segundo Márcia Cavallari.

34

situações que recaiam em uma multiplicação, quando não conjugada a outras

operações. A maioria recorre à calculadora na execução dos cálculos envolvidos

nas tarefas.

� 21% dos brasileiros estão no nível 3

O que distingue o desenvolvimento dos entrevistados classificados no nível

3, que representa 21% dos brasileiros, é a capacidade de adotar e controlar uma

estratégia na resolução de problemas que demandam a execução de uma série de

operações. Esse grupo executa tarefas envolvendo o cálculo proporcional (se o

metro da fita custa R$ 2,00, quando custará 80 cm da fita?). Ele também

demonstra certa familiaridade com algumas representações gráficas como mapas,

tabelas e gráficos. Esses dados encontram-se ilustrados nos quadros a seguir:

Resultados da pesquisa sobre alfabetismo funcional em Matemática

INAF 2001 – Resultado por nível de escolaridade

Até a 3ª Série do Ensino Fundamental

64%

21%

2%

13%

nível 1

nível 2

nível 3

analfabeto

Da 4ª à 7ª Série do Ensino Fundamental

38%

50%

0%

12%

nível 1

nível 2

nível 3

analfabeto

Ensino Fundamental completo e Ensino Médio

completo

16%

59%

25% 0%

nível 1

nível 2

nível 3

analfabeto

Ensino Fundamental completo e Ensino Médio incompleto

5%

57%

38%

0%

nível 1

nível 2

nível 3

analfabeto

35

Os dados apresentados apontam para a hipótese de um Ensino

Fundamental com grandes deficiências em Matemática, o que nos leva a refletir

que, para reverter esse quadro, é necessária uma mobilização imediata da

comunidade Matemática na discussão de diretrizes para o ensino dessa disciplina.

Segundo Fiorentini,

Novas alternativas e novos caminhos têm surgido em todo o mundo, visando a formação do profissional do século XXI. Dentre os profissionais da educação, o professor de Matemática talvez seja aquele que mais sofre críticas. Os formadores de professores de Matemática têm sido acusados, com freqüência, de não atualizarem os cursos de licenciatura e de não viabilizarem uma efetiva formação contínua que rompa com a tradição pedagógica. (FIORENTINI, 2003, p.10)

Segundo o autor, a acusação que pesa sobre os professores de

Matemática não procede, pois os educadores matemáticos, talvez, constituam um

dos grupos profissionais que mais procuram se aventurar por novos caminhos e

com outros olhares em relação à formação do professor, aos seus saberes e à sua

prática docente.

1.4. A importância da Matemática e seu sentido no E nsino Fundamental

Assim como qualquer conteúdo curricular, a matemática não pode ser

concebida como um saber pronto e acabado mas, ao contrário, como um saber

vivo, dinâmico e que, historicamente, vem sendo construído, atendendo às

necessidades sociais e culturais. É obra de várias culturas e de milhares de

homens que, movidos pelas necessidades concretas, construíram coletivamente a

matemática que conhecemos hoje. No que diz respeito ao ensino da matemática,

segundo Santaló (2001), Platão há quatro séculos, já expunha boas razões para

36

prescrever como primordial o seu ensino, observando que “nenhuma arte e

nenhum conhecimento podem prescindir da ciência dos números”. Esse autor

afirma que “Platão assinalava motivos transcendentes para ensinar a matemática,

como ‘aproximar a alma da verdade’ e ‘elevar nossos olhares às coisas das

alturas, fazendo passar das trevas à luz’...” (Santaló, 2001, p.13).

Segundo Ávila (1995), desde os primórdios da civilização, o homem, como

“ser pensante” quis entender o mundo em que vive. Será que a Terra é plana?

Como explicar os movimentos do Sol e da Lua? Perguntas como essas

certamente atormentaram o espírito humano por muitos milênios até que, a partir

do século VI a c., começaram a ser respondidas e com muito sucesso. Foram

idéias matemáticas simples que permitiram aos astrônomos, já no século III a c.,

calcular o tamanho da Terra, do Sol e da Lua e as distâncias a que se encontram

esses astros da Terra. A solução desses problemas mudou radicalmente a idéia

do homem a respeito do mundo em que vivia.

Não há dúvida de que, devido aos progressos científicos do século atual, os

conhecimentos do homem de hoje são muito superiores aos de poucas décadas

atrás. Mesmo sem perceber, a necessidade nos coloca num convívio íntimo e

permanente com a lógica da matemática, pois ela está presente na sociedade

tecnológica em que vivemos, podendo ser encontrada sob várias formas em nosso

dia-a-dia. A matemática é componente importante na construção do

conhecimento, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de

conhecimentos científicos e de recursos tecnológicos. À medida que vamos nos

integrando ao que se denomina uma sociedade da informação crescentemente

globalizada, é importante que a Educação se volte para o desenvolvimento das

capacidades de comunicação, de resolver problemas, de tomar decisões, de fazer

inferências, de criar, de aperfeiçoar conhecimentos e valores e de trabalhar

cooperativamente.

Cabe aqui ressaltar que os Parâmetros Curriculares Nacionais, para o ensino da matemática, consideram que esse ensino “constitui um referencial para a construção de uma prática que favoreça o acesso ao conhecimento matemático que possibilite de fato a inserção dos alunos

37

como cidadãos, no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura” (Relatório SAEB, 2001, Matemática, p.15)

Ao se estabelecer parâmetros para o ensino da matemática no Ensino

Fundamental, pretende-se contemplar a necessidade da sua adequação para o

desenvolvimento e promoção de alunos, com diferentes motivações, interesses e

capacidades, criando condições para a sua inserção num mundo em mudanças e

contribuindo para desenvolver as capacidades que deles serão exigidas em sua

vida social e profissional. Em um mundo onde as necessidades sociais, culturais e

profissionais ganham novos contornos, todas as áreas requerem alguma

competência em matemática e a possibilidade de compreender conceitos e

procedimentos matemáticos é necessária tanto para tirar conclusões e fazer

argumentações, quanto para o cidadão agir como consumidor prudente ou tomar

decisões em sua vida pessoal e profissional.

A matemática comporta um amplo campo de relações, regularidades e

coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar,

projetar, prever e abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o

desenvolvimento do raciocínio lógico. Essa potencialidade do conhecimento

matemático deve ser explorada da forma mais ampla possível, no ensino

fundamental. Para tanto, é importante que a matemática desempenhe, equilibrada

e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na

estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na

sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mundo do

trabalho e no apoio à construção de conhecimentos em outras áreas

curriculares.

Ávila (1995) ressalta que o principal motivo para o ensino da matemática é

justificado, em larga medida, pela riqueza dos diferentes processos de criatividade

que ele exibe, podendo proporcionar ao educando excelentes oportunidades de

exercitar e desenvolver seu raciocínio. Segundo o autor, “a razão mais importante

para justificar o ensino da matemática é o relevante papel que essa disciplina

desempenha na construção de todo o edifício do conhecimento humano” .(Ávila,

38

1995,p.4). A importância da matemática é decisiva, na medida em que ela

desempenha papel primordial na resolução de problemas da vida cotidiana, tem

muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial

para a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares. Desse modo,

pode vir a interferir fortemente na formação de capacidades intelectuais, na

estruturação do pensamento e na agilização do raciocínio dedutivo do aluno. O

significado da Matemática para o aluno resulta das conexões que ele estabelece

entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele

estabelece entre os diferentes termos matemáticos.

A educação para o exercício da cidadania, que é um dos grandes objetivos

da educação hoje, exige uma “apreciação” do conhecimento moderno,

impregnado de ciência e tecnologia. O papel da educação escolar e,

particularmente, da matemática é importante para ajudar o aluno nessa

“apreciação”, assim como para destacar alguns dos importantes princípios éticos

a ela associados. Vivemos numa “sociedade do conhecimento”, que passa a exigir

do cidadão não só conhecimentos específicos, mas principalmente novas

maneiras de organizar o pensamento, de saber lidar com dados e interpretá-los,

dispondo-os em gráficos e avaliando-os; de tomar decisões em que dados

estatísticos comparecem cada vez mais. É também necessária a capacidade de

resolver problemas que surgem em nosso cotidiano, de saber trabalhar em grupo,

como parte de equipes multidisciplinares, de expor suas idéias por escrito ou

oralmente. Além disso, o ritmo acelerado de modificações no mundo do trabalho e

nas formas de organização da sociedade exige a capacidade de aprendizagem

permanentes, de mudanças por vezes radicais de área de trabalho.

Tais necessidades não se fazem presentes somente no mundo do

trabalho. O cidadão é constantemente bombardeado por informações e

afirmações que exigem conhecimentos de estatística e noções básicas de

matemática para avaliar riscos, tomar decisões; as capacidades de resolver

problemas e de enfrentar situações complexas, de expor e compreender idéias

são cada vez mais requisitadas. Segundo Carvalho (2000), o ensino de

matemática, juntamente com a língua materna, devem assumir a tarefa de

39

preparar cidadãos para uma sociedade cada vez mais permeada pela ciência e

pela tecnologia e na qual as relações sociais são crescentemente complexas.

Ainda, segundo o autor, o ensino da matemática, nesse contexto, deveria ser o de

capacitar os estudantes para:

• planejar ações e projetar soluções para problemas novos, que exijam iniciativa

e criatividade;

• compreender e transmitir idéias matemáticas, por escrito ou oralmente;

• usar independentemente o raciocínio matemático, para a compreensão do

mundo que nos cerca;

• aplicar matemática nas situações do dia-a-dia;

• avaliar se os resultados obtidos na solução de situações problemas são ou não

razoáveis;

• fazer estimativas mentais de resultados ou cálculos aproximados;

• saber aplicar as técnicas básicas do cálculo aritmético;

• saber empregar o pensamento algébrico, incluindo o uso de gráficos, tabelas,

fórmulas e equações;

• saber utilizar os conceitos fundamentais de medidas em situações concretas;

• conhecer as propriedades das figuras geométricas planas e sólidas,

relacionando-as com os objetos de uso comum, no dia-a-dia ou no trabalho;

• utilizar a noção de probabilidade para fazer previsões de eventos ou

acontecimentos;

• integrar os conhecimentos algébricos, aritméticos e geométricos para resolver

problemas, passando de um desses quadros para outro, a fim de enriquecer a

interpretação do problema, encarando-o sob vários pontos de vista;

• tratar a matemática como um todo orgânico, em vez de dividi-la em

compartimentos estanques.

Ao abordar os objetivos do ensino de matemática, Carvalho (2000)

apresenta mudanças no enfoque do ensino dessa ciência: saímos da simples

preocupação com o que ensinar, para um ensino-aprendizagem focado no para

que ensinar.

40

A partir da ampla compreensão de que a matemática não é uma ciência

a-histórica, portanto pronta e acabada e sim pertence a uma área prioritária no

conjunto das ciências, pois de uma forma ou de outra permeia todas elas,

observa-se uma crescente preocupação com o seu ensino, em todos os níveis. E

o que podemos constatar é que, mesmo se tratando de uma área de

conhecimento importante, nos deparamos com resultados negativos obtidos com

muita freqüência em relação à sua aprendizagem. Além dos índices que indicam o

baixo desempenho dos alunos na área de Matemática em testes de rendimento,

SAEB8 e SIMAVE/PROEB9, também são muitas as evidências que mostram que

ela funciona como filtro para selecionar alunos que concluem, ou não, o ensino

fundamental.

Freqüentemente, a Matemática tem sido apontada como a disciplina que

contribui significativamente para a elevação das taxas de retenção. (PCN’s

Matemática, 1997). Segundo D'Ambrósio (1993), parte dos problemas referentes

ao ensino da Matemática estão relacionados ao processo de formação dos

professores dessa ciência. Formar professores de Matemática para o século XXI é

um grande desafio, que vai da compreensão, por parte dos professores, de que a

Matemática ministrada em sala de aula deve, de alguma forma, ser útil aos alunos,

ajudando-os a compreender, explicar ou organizar sua realidade até a problemas

relacionados ao modelo de formação desses professores.

1.5. Algumas Considerações sobre o ensino da Aritmé tica

De acordo com Lins e Gimenez (1997), a aritmética e a álgebra constituem,

junto com a geometria, a base da matemática escolar, entretanto, a aritmética que

é ensinada na escola não evolui:

8 SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica 9 SIMAVE/PROEB: Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública/Programa de Avaliação da Rede Pública da Educação Básica.

41

Está cristalizada nos currículos tradicionais, uma visão do que é que se deve ensinar na escola. Professores são submetidos a uma enorme pressão dessa tradição, tanto sob a forma de currículos e livros-texto quanto sob a forma de uma pressão social persistente, mas ao mesmo tempo eles próprios foram educados do ponto de vista daquela tradição.(...) Podemos dizer que a matemática na escola não muda porque ela se acredita, de alguma forma, um estágio superior na linha reta do progresso humano. (LINS ; GIMENEZ,1997, p.21-22)

Para esses pesquisadores, a aritmética, há muito tempo encontra-se nos

currículos do ensino obrigatório em todos os países e os primeiros livros que se

publicaram na matemática ocidental “Aritméticas” tinham como finalidade única

ensinar essa “arte”, contemplando regras e técnicas de algoritmos. Afirmam que

os resquícios dessa “arte” perpetuam até hoje, pois na escola podemos encontrar

números com infinitas casas decimais e números maiores do que a quantidade de

átomos em todo o Universo. É comum encontrarmos situações que chegam a ser

cômicas. Por exemplo, em um determinado livro de matemática, muito

conceituado no mercado, encontramos uma situação matemática envolvendo um

porco que só tinha carne e toucinho, nada de ossos, couro, cérebro: o porco dos

sonhos de qualquer produtor! Números escolares sempre podem ser

multiplicados, divididos, adicionados ou subtraídos, sejam eles positivos ou

negativos, racionais ou irracionais. A matemática escolar procura sempre um

resultado exato, o que se consegue facilmente aplicando o algoritmo adequado.

Chevallard (2001) afirma que problemas escolares tendem a ser

apresentados, efetivamente, como enunciados perfeitamente elaborados, cujos

textos costumam esconder a problemática que lhes deu origem. Isso acontece a

tal ponto que poderíamos falar de um autêntico “desaparecimento” das questões

ou tarefas reais que originam as obras matemáticas estudadas na escola. Assim,

a problemática de uma tarefa começa sempre no momento de resolver um

problema escolar, nunca antes, e com isso a atividade de resolver problemas não

se apresenta como um meio para responder a questões relativas a determinada

problemática real que se pretende estudar, mas como um fim em si mesmo, o

42

que não faz mais do que contribuir para o “aprisionamento” da matemática na

escola.

De acordo com Lins e Gimenez (1997), o ensino da aritmética tem-se

preocupado demasiadamente em transmitir uma aritmética excessivamente

operatória. Os currículos têm esquecido aspectos importantes, como por exemplo,

indicar que a origem dos problemas surgidos na Antiguidade deram lugar a alguns

conhecimentos aritméticos que são usados e aplicados até hoje. O

desenvolvimento habitual do ensino-aprendizagem da aritmética deixa de lado

muitos pontos importantes, que seriam essenciais para sua aprendizagem. Com

freqüência, ignora-se que os algoritmos muito empregados atualmente, tiveram

sua origem vinculada a divisões de heranças, ao desenvolvimento dos sistemas

métricos e que as principais idéias sobre proporção surgiram da harmonia musical,

junto com a melhoria dos cálculos de fenômenos naturais em astronomia e

agricultura.

Para Lins e Gimenez (1997), é inconcebível basear a aprendizagem

aritmética em métodos somente algorítmicos, sem a proposição de situações

problemas. Segundo eles o professor:

Tem de estudar a produção do conhecimento na história da matemática, e assim talvez incorporemos no futuro novas idéias (...) Consideramos que o professor não deve esquecer os problemas da história e que pode, também, usar esses elementos na aprendizagem. (...) Não podemos situar a aritmética escolar sem falar de onde surge e qual o papel que o mundo real ocupa na produção aritmética. (LINS ; GIMENEZ, 1997. p.38)

De acordo com essa visão, os objetivos principais a que se propõe o ensino

de aritmética são os seguintes:

• Desenvolver uma capacidade mínima de interpretar o que há de aritmético

em determinadas situações; isso implica usar de forma ágil linguagens

diferentes;

43

• Integrar e dominar alguns processos gerais aritméticos que permitam a

resolução de situações mediante métodos diversos;

• Dominar algumas bases conceituais importantes, reconhecendo sua

aplicação em situações concretas;

• Adquirir um sentido numérico mais geral, possível, que permita flexibilizar as

técnicas e os conteúdos que se conhecem e reconhecer quando cada uma é

mais útil e adequada;

• Ser capaz de produzir hipóteses diante de problemas, vinculado as

justificações necessárias a diversos raciocínios (aditivo, multiplicativo,

proporcional etc.)

Conseguir um bom trabalho aritmético implica no reconhecimento, por parte

do professor, da necessidade de uma postura que colabore para o

desenvolvimento dos estudantes, no sentido de propor situações em que sejam

capazes de interpretar e formular textos numéricos, relacionando ao máximo os

conteúdos que conhecem na prática situada de cada momento, integrando

diversos tipos de raciocínio na produção de conjecturas ante os problemas

apresentados, desenvolvendo estratégias diferentes na resolução de cada um

deles.

1.6. O ensino da álgebra: uma dificuldade a parte p ara os professores de matemática

O cenário do ensino da álgebra no Brasil evidencia a evolução crescente

desse conteúdo na área da matemática. Segundo Valente (1999), a álgebra

passou a fazer parte do currículo brasileiro no dia 18 de agosto de 1779, quando

um documento assinado por D. Maria I determinou que, a partir daquele período,

fosse criado uma Academia Real de Marinha para um Curso de Matemática, o

qual seria composto das partes seguintes: Aritmética, Geometria, Trigonometria

44

Plana e Esférica, Álgebra e sua aplicação à Geometria, Estatística e, dentre outras

matérias, um tratado completo de Navegação.

De acordo com Miguel, Fiorentini e Miorim (1992), desde 1779 até o início

da década de 60, prevaleceu um ensino de caráter reprodutivo e sem clareza. A

matemática escolar apresentava-se dividida em compartimentos estanques:

primeiro estudava-se aritmética, depois a álgebra e, em seguida, a geometria.

Nesse período, segundo esses autores, a álgebra apresentava um caráter mais

instrumental, útil para resolver equações e problemas. Essa idéia é compartilhada

por Trajano (1947, p.7), quando afirmou que a “álgebra é a parte das matemáticas

que resolve os problemas e demonstra os teoremas quando as quantidades são

representadas por letras”.

Através da análise de livros textos anteriores à década de 60, Miguel,

Fiorentini e Miorim (1992) concluíram que, no ensino da álgebra, era atribuída

maior ênfase às transformações das expressões algébricas e os conteúdos eram,

quase sempre, apresentados através de procedimentos que, provavelmente,

conduziam a uma aprendizagem mecânica, na qual apenas as regras e os passos

na solução de um problema eram trabalhados.

Na década de 60, com o surgimento do Movimento da Matemática

Moderna, que possuía como um de seus objetivos a unificação dos três campos

fundamentais da matemática, através da introdução de elementos unificadores,

como a teoria dos conjuntos e as estruturas algébricas, a álgebra passou a ocupar

um lugar de destaque. O ensino da álgebra recebeu um maior rigor e assumiu

uma acentuada preocupação com os aspectos lógico-estruturais dos conteúdos e

a precisão da linguagem. Em conseqüência, a álgebra perdeu o seu caráter

pragmático, útil para resolver problemas. O programa de álgebra, então,

começava pelo estudo da teoria de conjuntos e a ênfase era colocada nas

operações e nas suas propriedades. Na segunda metade da década de 70, o

Movimento da Matemática Moderna entrou em declínio em todo o mundo e

apareceram críticas aos pressupostos desse movimento e tentativas de correções

dos excessos cometidos.

45

Devido à grande ênfase dada à álgebra pelo Movimento da Matemática

Moderna, os conteúdos geométricos deixaram de ser vistos como potencialmente

ricos e perderam seu lugar no currículo, acarretando o “abandono” do ensino da

geometria. A superação desse abandono passou a ser a grande preocupação

após esse período, como afirmam esses pesquisadores: ”ocorre, então, por parte

dos educadores matemáticos, um esforço no sentido de recuperar o ensino da

geometria”. (Miguel; Fiorentini; Miorim,1992, p.21)

Esses autores ressaltam o fato de que a álgebra pós Matemática Moderna

parece retomar seu papel, ou seja, de um estudo com a finalidade de resolver

equações e problemas. Os autores destacam que a álgebra, apesar de ocupar

boa parte dos livros didáticos atuais, não tem recebido a devida atenção nos

debates, estudos e reflexões a respeito do ensino da matemática. Sobre o ensino

atual da álgebra, comentam que “a maioria dos professores ainda trabalha a

Álgebra de forma mecânica e automatizada, dissociada de qualquer significação

social e lógica, enfatizando simplesmente a memorização e a manipulação de

regras, macetes, símbolos e expressões”.(Miguel; Fiorentini; Miorim, 1992, p.40)

Lins e Gimenez (1997) fazem a seguinte observação a respeito da álgebra

apresentada nos livros didáticos atuais:

(...) técnica (algoritmo)/prática (exercícios). Com toda franqueza, isso é praticamente tudo que encontramos na quase total maioria dos livros didáticos disponíveis no mercado brasileiro, e essa é uma situação bastante ruim. O que é, talvez, até pior é que essa prática não se baseia em investigação ou reflexão de qualquer natureza ou profundidade, apenas em uma tradição, tradição essa que estudos e projetos de todos os tipos, e por todo o mundo – inclusive no Brasil – já mostraram ser ineficaz e mesmo perniciosa à aprendizagem. (LINS ; GIMENEZ, 1997. p.105-106)

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP -, órgão

do Governo Federal, através do SAEB – Sistema Nacional de Avaliação Básica –

que desde 1990 tem aplicado Teste de Rendimento Escolar nos alunos, com o

46

objetivo de melhorar a qualidade de Ensino Fundamental e Médio, aponta nos

resultados apresentados a evidência de inúmeras dificuldades relacionada aos

conteúdos de matemática. De acordo com o relatório do SAEB de 2001, os alunos

das 8ª séries de Ensino Fundamental demonstraram dificuldades, preocupantes,

com o uso da linguagem algébrica.

Vários professores reconhecem a problemática no processo de ensino-

aprendizagem da álgebra, como destacam Imenes e Lelis :

Professores e alunos sofrem com a álgebra da 7ª série. Uns tentando explicar, outros tentando engolir técnica de cálculo com letras que, quase sempre, são desprovidas de significados para uns e outros. Mesmo nas tais escolas de excelência, onde aparentemente os alunos das 7ª séries dominam todas as técnicas, esse esforço tem pouco resultado. (IMENES ; LELIS, 1995, p.2)

O que ocorre em grande escala no ambiente escolar é encontrar alunos que

se frustram e não conseguem ter um desempenho satisfatório nas aulas de

matemática, pois muitas vezes não vêem sentido na sua aprendizagem. O

enfoque a partir da observação, da regularidade de ocorrências dos fenômenos e

de generalizações, ainda não faz parte do ensino da álgebra, o qual deve incluir a

compreensão dos conceitos algébricos com variáveis, incógnitas, expressão,

função, equação, construção e análise de representações de situações.

Tendo em vista o contexto delineado, a escola deveria propiciar atividades

que levem os alunos à construção de uma aprendizagem significativa na álgebra

formal. Se a álgebra não for introduzida de maneira significativa, conectando os

novos conhecimentos aos conhecimentos que os alunos já possuem, se aos

objetos algébricos não for associado nenhum sentido, se a aprendizagem da

álgebra for centrada na manipulação de expressões simbólicas a partir de regras

que se referem a objetos abstratos, muito cedo os alunos encontrarão dificuldades

nos cálculos algébricos e passarão a apresentar uma atitude negativa em relação

à aprendizagem matemática, que para muitos fica desprovida de significação.

47

Em relação à aprendizagem da álgebra, os PCN’s de matemática do Ensino

Fundamental destacam que, para garantir o desenvolvimento do pensamento

algébrico, o aluno deve estar necessariamente engajado em: atividades que inter-

relacionem as diferentes concepções da álgebra. (Brasil, 1997)

Muitos pesquisadores, preocupados com a educação algébrica que se tem

dado aos alunos, afirmam que seria adequado iniciar desde cedo a educação das

crianças no pensamento algébrico por meio de atividades que assegurem o

exercício dos elementos caracterizadores desse pensamento. Para que ocorram

as mudanças tão necessárias no ensino da álgebra, é preciso que se contemple,

além dos aspectos formais, a construção do pensamento algébrico, pois não se

pode utilizar uma nova linguagem sem que lhe seja dado sentido, sem que não se

sinta a necessidade de sua utilização. Deve-se entender que a linguagem é, em

princípio, a expressão de um pensamento. O pensar algébrico ainda não faz parte

de muitos processos de aprendizagem que ocorrem na escola; sendo assim,

pode-se afirmar que a álgebra perde seu valor como um rico instrumento para o

desenvolvimento de um raciocínio mais abrangente e dinâmico.

48

CAPÍTULO 2

A DOCÊNCIA EM MATEMÁTICA E A PRÁTICA REFLEXIVA

É sabido que a matemática tem desempenhado um papel importante no

desenvolvimento da sociedade e que problemas de matemática têm ocupado um

lugar central no currículo escolar desde a Antigüidade (Onuchic e Allevato, 2004).

Hoje, esse papel tem se mostrado ainda mais significativo. A necessidade de se

"entender", "ser capaz" de usar matemática na vida diária e nos locais de trabalho

nunca foi tão grande.

Muitos esforços estão sendo feitos para tornar o ensino da matemática

mais eficiente. É necessário que muito mais gente saiba matemática e a saiba

bem. Sempre houve muita dificuldade para se ensinar essa ciência. Apesar disso,

todos reconhecem sua importância e necessidade para se entender o mundo e

nele viver. Segundo D'Ambrósio,

Educação é um ato político (.,..). A educação para a cidadania, que é um dos grandes objetivos da educação de hoje, exige uma "apreciação" do conhecimento moderno, impregnado de ciência e tecnologia. Assim, o papel do professor de Matemática é particularmente importante para ajudar o aluno nessa apreciação, assim como para destacar alguns dos importantes princípios éticos a ela associados. (D'AMBRÓSIO, 1996, p.85-87)

O século XX, ao longo de reformas sociais, mostrou-se um provocador de

muitos movimentos de mudança na Educação Matemática mundial. A Educação

Matemática foi se tornando um assunto de grande interesse, sendo muitas vezes

49

responsável por acirrados debates. Pesquisadores de todo o mundo estão

trabalhando na reestruturação da Educação Matemática. Ensinar bem matemática

é um empenho complexo e não há receitas fáceis para isso. Segundo D'Ambrósio

(1993), a formação de professores de matemática é um dos grandes desafios para

o futuro, sendo esses professores os elementos centrais do processo de ensino-

aprendizagem. Diante desses desafios, somos levados a buscar uma nova

educação, que possa proporcionar mudanças em posturas e formação de

professores de matemática.

Para Fiorentini (1995), as relações/intenções que envolvem a tríade aluno –

professor – saber matemático motivam, hoje, um dos principais projetos da

investigação em Educação Matemática, realizados com o objetivo de aprimorar os

processos de ensino-aprendizagem. Segundo ele, o conceito de aprimoramento

de ensino,

é relativo e modifica-se historicamente, sofrendo determinações sócio-culturais e políticas, (...) varia de acordo com as concepções epistemológicas, axiológico-teleológicas e didático-metodológicas daqueles que tentam produzir as inovações ou as transformações do ensino. (FIORENTINI, 1995, p.2)

Assim, acreditamos que a prática do professor, tanto em sala de aula como

na seleção (ênfase) dos conteúdos escolares, é conseqüência de suas

concepções sobre conhecimento, aprendizagem, ensino, matemática e educação.

Seu modo de ensinar sofre influência dos valores e das finalidades que ele atribui

ao ensino de matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno, além

da visão que tem de mundo, da sociedade e do homem. Esse ponto de vista é

defendido não só por Fiorentini, mas, também, segundo ele próprio afirma, por

vários outros educadores matemáticos, como Ernest (1991), Ponte (1992),

Thompson (1984), Steiner (1987) e Zuñiga (1987), os quais sustentam que “... a

forma como vemos/entendemos a Matemática tem fortes implicações no modo

como praticamos e entendemos o ensino da Matemática e vice-versa”

(FIORENTINI, 1995, p.4).

50

Em princípio, consideramos que o professor que concebe a matemática

como uma ciência exata e acabada, a-histórica e organizada logicamente, terá

uma prática pedagógica diferente daquele que a concebe como uma ciência viva,

dinâmica, construída pelos homens em sua história, de acordo com as demandas

sociais, políticas, culturais, etc., de cada época. Assim, se o professor acredita que

aprender matemática se dá através de memorização de regras, procedimentos e

princípios estabelecidos, com objetivos definidos de resolver exercícios e chegar a

respostas corretas, certamente sua prática também será diferente daquele que

entende que se aprende matemática construindo-se os conceitos a partir de ações

reflexivas sobre materiais e atividades, ou mesmo sobre suas próprias reflexões,

ou então daquele que acredita que se aprende problematizando situações do dia-

a-dia.

Nossa trajetória profissional nos tem mostrado que a maioria dos alunos

encontra dificuldades para aprender os conceitos matemáticos e poucos

conseguem perceber a utilidade e aplicação do que aprendem.

Perez (2004) acredita que a falta de interesse para estudar matemática

pode ser resultante do método de ensino empregado pelo professor, que usa

linguagem e simbolismo muito particular, além de alto grau de abstração. Segundo

ele, a formação do professor deverá constituir novos domínios de ação e

investigação, de grande importância para o futuro das sociedades, numa época de

acelerada transformação do ser humano. Exige-se, hoje, da profissão docente,

competências e compromissos não só de ordem cultural, científica e pedagógica,

mas também de ordem pessoal e social, influindo nas concepções sobre

matemática, educação e ensino, escola e currículo.

Essas visões levam as instituições formadoras a repensarem as diretrizes

dos cursos de formação (inicial e continuada), passando a considerar a reflexão

do professor sobre sua prática e seu desenvolvimento profissional como fator de

grande importância (Perez, 1999).

51

2.1. Desenvolvimento profissional e reflexão

A reflexão é vista como um processo em que o professor analisa sua

prática, compila dados, descreve situações, elabora teorias, implementa e avalia

projetos e partilha suas idéias com colegas e alunos, estimulando discussões em

grupo. Para Fiorentini e Castro (2003), sem reflexão o professor mecaniza sua

prática, cai na rotina, passando o trabalho de forma repetitiva, reproduzindo o que

já está pronto e o que é mais acessível, fácil ou simples. Refletir significa, segundo

Saviani (1980), produzir, de modo meticuloso, significados sobre o que somos e

fazemos: "Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar,

vasculhar numa busca constante de significados. É examinar detidamente, prestar

atenção, analisar com cuidado”. (Saviani, 1980, p.23)

Refletir, então, acerca do contexto no qual estamos inseridos, com suas

limitações e possibilidades, permite-nos um novo olhar sobre o mundo escolar em

sua dinâmica e complexidade, Para Gómez , a reflexão implica:

a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genérico activados pelo indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza sua própria experiência. A reflexão não é um conhecimento "puro", mas sim um conhecimento contaminado pelas contingên cias que rodeiam e impregnam a própria experiência vital . (GÓMEZ, 1997, p. 103-grifos nossos)

É nesse sentido que compreendemos a reflexão: como um caminho

possível de rupturas, que busca índices para compreender melhor o cotidiano

escolar e desenvolver ações pedagógicas que integram mais o aluno e o professor

no processo de ensino-aprendizagem. A reflexão, portanto, aparece como parte

52

do processo de formação profissional, no qual os saberes docentes são

mobilizados, problematizados e ressignificados pelos futuros professores.

Entendemos que o conceito de ressignificação, que aqui adotamos, é uma das

conseqüências da reflexão. A ressignificação diz respeito ao processo criativo de

atribuir novos significados a partir do já conhecido, validando um novo olhar sobre

o contexto em que o sujeito está imerso. Segundo Fiorentini e Castro,

quando estamos imersos numa prática social, em especial na sala de aula, nossas reflexões e significações sobre o que já sabemos, fazemos e dizemos podem constituir-se em algo formativo para cada um de nós. (FIORENTINI ; CASTRO, 2003, p.128)

Gómez (1997) pontua que a reflexão não é apenas um processo

psicológico-individual, uma vez que implica a imersão do homem no mundo da sua

existência. Nesse sentido, torna-se necessário estabelecer os limites políticos,

institucionais e teórico-metodológicos relacionados à prática, para que não se

incorra em uma individualização do professor, advinda da desconsideração do

contexto em que está inserido.

Na vida profissional, o professor defronta-se com múltiplas situações para

as quais não encontra respostas pré-estabelecidas e que não são suscetíveis de

serem analisadas pelo processo clássico de investigação científica. Na prática, o

processo de diálogo com a situação deixa transparecer aspectos ocultos da

realidade divergente e cria novos marcos de referência, novas formas e

perspectivas de perceber e reagir. A criação e construção de uma nova realidade

obrigam o professor a ir além das regras, fatos, teorias e procedimentos

conhecidos e disponíveis. Na base dessa perspectiva, que confirma o processo de

reflexão na ação do profissional, encontra-se uma concepção construtivista da

realidade com que ele se defronta. Segundo Schön (1983), não há realidades

objetivas passíveis de serem conhecidas; as realidades criam-se e constroem-se

no intercâmbio psicossocial da sala de aula. As percepções, apreciações, juízos e

53

credos do professor são um fator decisivo na orientação desse processo de

construção da realidade educativa. (Gómez, 1997, p.110)

Pimenta (2002) afirma que o ensino como prática reflexiva tem se

estabelecido como uma tendência significativa nas pesquisas em educação,

apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a

partir da prática reflexiva.

Zeichner (1993) alerta-nos quanto ao uso dos termos prático reflexivo e

ensino reflexivo, que se tornaram slogans da reforma do ensino e da formação de

professores por todo o mundo. Segundo ele, o discurso sobre a prática reflexiva

chegou a ponto de incorporar tudo aquilo em que se acredita dentro da

comunidade educacional acerca do ensino, aprendizagem, escolaridade e ordem

social, perdendo dessa forma seu real significado e importância.

Nesse sentido, diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao

desenvolvimento de um possível "praticismo", para o qual bastaria a prática

reflexiva para a construção do saber docente, e de um possível "individualismo"

frente a uma reflexão em torno de si própria, o que acarretaria uma possível

hegemonia autoritária. A consideração de que a reflexão é suficiente para a

resolução dos problemas da prática, sem a compreensão das origens e dos

contextos que a geram pode levar à banalização da perspectiva da reflexão.

Assim, devemos adotar uma postura cautelosa e crítica na abordagem da

prática reflexiva, evitando o reducionismo da teoria. Nesse sentido, procederemos

a seguir uma análise mais detida da gênese dessa teoria.

2.2. A teoria do prático reflexivo e o desenvolvime nto profissional de

professores

As idéias a respeito do pensamento reflexivo - "veículo pelo qual ocorre

transformação" - se iniciaram na segunda década do século XX, com John Dewey,

filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano, que influenciou intensamente o

54

pensamento pedagógico contemporâneo, propondo as "cinco fases do

pensamento reflexivo" (1933/1971. In: Doll, 1997, p. 154). Dewey acreditava que a

procura do professor reflexivo deveria ser a busca do equilíbrio entre o ato e o

pensamento. Essas idéias foram retomadas e se difundiram a partir da década de

80, com Donald Schön (1983, 1987, 1991), sugerindo um modelo de "prática

reflexiva", ou seja, reflexões do indivíduo sobre a experiência vivida.

A teoria sobre o prático reflexivo, difundida por Schön (1983, 1987 e 1991)

e outros autores que tratam do desenvolvimento profissional tem apontado a

importância de se formar profissionais reflexivos, entendidos como bons

profissionais. Schön tem se distinguido no campo da formação profissional,

especialmente quando se trata de desenvolvimento profissional de professores,

embora ele não tenha se dedicado exatamente a essa temática.

Schön tornou-se conhecido internacionalmente a partir dos resultados

obtidos em sua tese de doutorado sobre a formação dos profissionais da

Arquitetura, cujo tema central foi a teoria da indagação de John Dewey. Nela, ele

propõe que a formação dos profissionais não mais se dê nos moldes de um

currículo normativo que primeiro apresenta a ciência, depois a sua aplicação e por

último um estágio que supõe aplicações pelos alunos dos conhecimentos técnico-

profissionais. O profissional assim formado, conforme sua análise, não consegue

dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia profissional, porque essas

ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas

que essa poderia oferecer ainda não estão formuladas. Dessa forma, os estudos

realizados por Schön (1983, 1987 e 1991) sobre os processos de formação do

"profissional reflexivo", tornaram-se referência para muitas pesquisas e propostas

no campo da formação de professores.

O que nos propomos nesta dissertação é usar a epistemologia da prática

reflexiva de Schön como um referencial teórico para tentar encontrar evidências

de processos reflexivos existentes no processo de ensino/aprendizagem da

matemática. Mais precisamente, sobre os processos reflexivos utilizados pelo

55

professor de matemática da 7ª série, diante das dificuldades encontradas na

docência dessa disciplina e as estratégias utilizadas para superação das mesmas.

O que está sendo chamado aqui de processos reflexivos são as diversas

formas pelas quais os professores, sujeitos dessa investigação, descrevem as

suas ações para, a partir delas, tentarmos entender a reflexão como um aspecto

importante ligado à prática profissional do professor.

Schön (1983), em seu livro “The Reflective Practitioner” critica o paradigma

da educação profissionalizante que se baseia no racionalismo técnico e que

propõe soluções para os problemas da educação através da ciência aplicada.

Para substituir tais soluções, Schön propõe o que ele chamou de epistemologia da

prática, que se baseia no saber fazer que pode ser observado na prática dos bons

profissionais.

Nas abordagens sobre o prático reflexivo, Schön (1983, 1987 e 1991) critica

a racionalidade técnica, por entender que esse tipo de racionalidade mecaniza o

pensamento e nega o mundo real da prática vivida. Esse autor defende a idéia

que a competência profissional não é gerada através de cursos ou de estudos

certificados e sim por meio de reflexões sobre e durante a experiência vivida. Para

Schön (1983), todas as metodologias reflexivas originam-se da prática. Ele afirma

que, do ponto de vista da epistemologia da prática, o modelo da racionalidade

técnica não consegue encontrar soluções para todos os problemas práticos, os

quais constituem situações complexas. Uma situação complexa não tem todas as

suas variáveis definidas. Assim, não é possível prever todas as situações no

planejamento antecipadamente à prática real. Para que o profissional possa sair-

se bem dos problemas práticos, é necessário que esteja preparado para enfrentar

situações novas que não foram previstas inicialmente. Isso exige a formação de

decisões imediatas, para as quais o profissional adquire mais experiência em

solucionar problemas inerentes à sua profissão, para tomar novas decisões.

A racionalidade técnica, portanto, encontra soluções apenas para

problemas previamente definidos, de acordo com os recursos e os meios

apropriados para determinados fins, os quais devem ser sempre claros e

coerentes. Schön (1987) defende a idéia de que o racionalismo técnico encontra

56

soluções técnicas para problemas que apresentam uma importância relativa para

os indivíduos e para a sociedade. Entretanto, afirma que os problemas que

representam a maior preocupação humana são aqueles de solução mais difícil;

são os problemas complexos, para os quais não é possível encontrar soluções

técnicas.

Assim, para Schön, o profissionalismo encontra um grande dilema, pois os

profissionais devem escolher entre transitar apenas no terreno dos problemas

cujas soluções podem ser previstas a priori, solucionando, portanto, apenas

aqueles problemas de pouca importância, ou entrar no terreno dos problemas que

requerem investigação e que transformam o profissional em investigador de sua

própria prática. Parece, então, que a epistemologia da prática reflexiva nasce

desse dilema que, segundo Schön, tem duas origens: a primeira baseia-se na

idéia do conhecimento profissional rigoroso fundamentado na racionalidade

técnica e a segunda é a tomada de consciência sobre situações práticas pouco

definidas ou imprevistas.

Na perspectiva da racionalidade técnica, o prático competente se preocupa

apenas com problemas instrumentais. Ele tenta encontrar os meios mais idôneos

para atingir determinados fins, com eficácia e êxito. Desse ponto de vista, a

competência profissional consiste na aplicação de teorias e técnicas.

Na visão de Schön, do ponto de vista da racionalidade técnica,

os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos. Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico.(SCHÖN, 2000, p.15)

Para Schön (1987), não é fácil tomar decisões mediante a aplicação do

conhecimento técnico. Em certos casos, os práticos enfrentam problemas

complexos devido à diversidade de fatores que influenciam cada caso. Por isso

não é possível transformar uma situação problemática em um problema bem

definido. Segundo esse autor, é muito freqüente que uma situação problemática

57

apresente-se como um caso único. Um exemplo seria quando uma professora de

matemática é capaz de identificar algum tipo de confusão de um aluno e, ao

mesmo tempo, uma certa compreensão intuitiva, a partir de uma pergunta do

aluno, para a qual não encontra uma resposta imediata.

Quando um problema se apresenta como um único caso, não é possível

tratá-lo como se fosse um problema instrumental, que se soluciona mediante a

aplicação de algumas das regras que regem o conhecimento prático. Também não

é possível ter-se um conjunto de regras que possam prever todas as situações

práticas. De acordo com Schön,

O caso único transcende as categorias da teoria e da técnica existentes, o profissional não pode tratá-lo como um problema instrumental a ser resolvido pela aplicação de uma das regras de seu estoque de conhecimento profissional. O caso não está no manual. Se ele quiser tratá-lo de forma competente, deve fazê-lo através de um tipo de improvisação, inventando e testando estratégias situacionais que ele próprio produz.(SCHÖN, 2000, p.17)

2.3. A prática profissional de professores e a epis temologia da prática reflexiva

Schön considera que o profissional deve fazer escolhas no momento da

sua atuação e que essas escolhas é que determinarão se sua performance será

bem ou mal sucedida. O profissional poderá escolher entre solucionar apenas

aqueles problemas que podem ser previstos fora do contexto real em que ocorrem

e para os quais é possível encontrar soluções de acordo com padrões

preestabelecidos e com os princípios da racionalidade técnica. Ao contrário,

poderá resolver problemas para os quais as soluções só poderão ser encontradas

mediante uma investigação sobre as condições em que ocorrem e que não

encontram soluções que possam ser pensadas a priori.

58

Segundo Schön, os problemas que ocorrem apenas em situações reais e

que não são previsíveis, são os de mais difícil solução, por não apresentarem uma

estrutura bem delineada. São os problemas que se apresentam como únicos, que

se encontram em certas zonas indeterminadas da prática; portanto carregados de

incertezas e conflitos de valores e escapam às soluções preestabelecidas. Em

situações de conflito de valores, não é possível estabelecer fins claramente

definidos, que possam determinar os meios pelos quais o profissional deve atuar

para atingi-los. Segundo Schön,

Quando uma situação problemática é incerta, a solução técnica de problemas depende da construção anterior de um problema bem delineado, o que não é, em si, uma tarefa técnica. Quando um profissional reconhece uma situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E, em situações de conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção técnica dos meios (...) os problemas da prática do mundo real não se apresentam aos profissionais com estruturas bem delineadas. Na verdade, eles tendem a não se apresentar como problemas, mas na forma de estruturas caóticas e indeterminadas. (SCHÖN, 2000, p.17-18)

A profissão docente, segundo a concepção da prática reflexiva, encontra-se

entre as profissões que exigem uma habilidade especial, que não pode ser

adquirida através da “ciência aplicada”. Não é possível prever todas as situações

que podem ocorrer em uma sala de aula, pois cada uma se apresenta como uma

situação singular. Assim, embora seja possível se aprender a ensinar, não é

possível ensinar a alguém a “arte de ensinar”.

Não estamos aqui defendendo uma crença em alguma coisa como um

“dom” especial e divino para a arte de ensinar. Não se trata disso, embora seja

essa a idéia que Schön aponta ser equivocadamente muito difundida entre

estudiosos de performances profissionais. É amplamente reconhecido que alguns

profissionais se destacam em relação a outros em todas as áreas do

conhecimento e, segundo esse autor,

59

Não se diz que profissionais bastantes destacados têm mais conhecimento profissional do que outros, mas mais “perspicácia”, “talento”, “intuição” ou “talento artístico”. Infelizmente, tais expressões não servem para abrir a investigação, mas para selá-la. Elas são usadas como categorias ultrapassadas, atribuindo nomes a fenômenos que impedem estratégias convencionais de explicação. (SCHÖN, 2000, p.22)

O que Schön propõe é que se investigue a arte profissional no momento da

execução de ações profissionais e que os profissionais aprendam durante a

própria atuação. Ele chama esse jeito de aprender de aprendizagem na ação.

As profissões que exigem dos profissionais que as exercem uma habilidade

para a execução de performances públicas, necessitam de um tipo de ensino em

que profissionais mais experientes iniciam os novatos na profissão. Os estudantes

aprendem por meio do próprio fazer e/ou através da observação e imitação da

performance dos especialistas. Nas palavras de Dewey10, citado por Schön:

Os costumes, métodos e padrões de trabalho da vocação constituem uma ‘tradição’ (...) e a indicação nas tradições é o meio através do qual as forças dos aprendizes são liberadas e dirigidas. Ao estudante, não pode ensinar o que ele precisa saber, mas se pode instruir. Ele tem que enxergar, por si próprio e à sua maneira, as relações entre meios e métodos empregados e resultados atingidos. Ninguém mais pode ver por ele, e ele não poderá ver apenas ‘falando-se’ a ele, mesmo que o falar correto possa guiar seu olhar e ajudá-lo a ver o que ele precisa ver.(DEWEY, apud SCHÖN, 2000, p.25)

Assim, no decorrer da sua própria atuação, esses profissionais necessitam

de um espaço de diálogo que os estimule a refletir sobre o que fazem no momento

em que fazem e depois de o fazer. Nesse caso, o desenvolvimento profissional

poderia se dar pela reflexão sobre a própria atuação profissional. Trata-se de

pensar sobre a prática: pensar sobre o que se fez depois de fazer e pensar sobre

o que se está fazendo, no momento em que se faz. Pensar sobre a ação e durante

10 Dewey, J. –John Dewey on Education: Selected Writtings. (R.D. Archambault, org. / Chicago: University of Chicago Press, 1974).

60

a ação, ou pensar no que se pensou durante a ação é o que, para Schön, torna a

prática verdadeiramente reflexiva. Assim, ao mesmo tempo em que a reflexão

gera o conhecimento, podemos dizer que o conhecimento sustenta a reflexão.

Trata-se então, de uma aprendizagem na ação.

2.4. A prática reflexiva segundo Schön: do conhecim ento à reflexão durante a ação e sobre ela

Schön centra sua concepção de desenvolvimento de uma prática reflexiva

em três idéias centrais: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão

sobre a reflexão na ação.

O conhecimento na ação, segundo ele, traz consigo um saber. Este está

presente nas ações profissionais que, por sua vez, vêm carregadas de um "saber

escolar". Para ele, essa noção deve existir antes de tudo, isto é, "um tipo de

conhecimento que os professores supostamente devem possuir e transmitir aos

alunos”. É uma visão dos saberes como fatos e teorias aceitas, como proposições

estabelecidas. Segundo Schön:

Existe, primeiro que tudo, a noção de saber escolar, isto é, um tipo de conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos. É uma visão dos saberes como fatos e teorias aceites, como proposições estabelecidas na seqüência de pesquisas. O saber escolar é tido como certo, significando uma profunda e quase mística crença em respostas exatas. É molecular, feito de peças isoladas, que podem ser combinadas em sistemas cada vez mais elaborados de modo a formar um conhecimento avançado. A progressão dos níveis mais elementares para os níveis mais avançados é vista como um movimento das unidades básicas para a sua combinação em estruturas complexas de conhecimento. (...) o saber escolar é categorial. Finalmente, existe a idéia muito importante de que o conhecimento molecular, certo, factual e categorial, é também privilegiado. (SCHÖN, 1997, p. 81-82)

61

É com esse "saber escolar" que o professor transitará, a priori. É um

conhecimento que o possibilita agir, um "conhecimento na ação".

Schön utiliza a expressão “conhecer na ação”, para se referir a um tipo de

conhecimento revelado durante a execução de ações inteligentes, ou

performances bem sucedidas, em que o ato de conhecer é inerente à ação. Esse

conhecimento pode ser revelado com o conteúdo, ou nos modos de atuação em

sala de aula. Um professor pode reconhecer um conhecimento intuitivo de seus

alunos, revelado através de suas confusões acerca dos conceitos estudados,

mesmo quando seus alunos não conseguem articular bem as perguntas. O

conhecer na ação do professor é revelado durante a execução espontânea e

competente de ações bem sucedidas relacionadas com a arte de ensinar.

Segundo Schön, a principal característica do conhecer na ação é a nossa

incapacidade de torná-lo verbalmente explícito. Não é sempre possível descrever

os diversos modos pelos quais as ações são executadas e nem as razões que

levam os profissionais a decidir sobre o que fazer no momento em que o fazem.

Schön, entretanto, acredita ser possível fazer uma descrição do conhecimento

tácito inerente a essas ações, a partir da observação da experiência.

As descrições das experiências serão diferentes, dependendo do olhar de

quem as faz, dos propósitos que pretendem atingir e da linguagem utilizada para

fazê-las. Não importa o nível de detalhamento de uma descrição, ela sempre será

uma construção. E essa construção será sempre uma tentativa de explicitar o

conhecer na ação, pois os procedimentos de uma ação passada são estáticos e

não podem ser mudados porque já ocorreram, enquanto o conhecer na ação é

dinâmico e muda com a mudança do olhar sobre a ação. Assim, esse

conhecimento refere-se às maneiras diferentes com que os procedimentos de uma

ação podem ser vistos. Schön afirma que as descrições são:

tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea. Nossas descrições são conjecturas que precisam ser testadas contra observações de seus originais, dos quais, pelo menos em um certo aspecto, elas provavelmente distorcerão. Porque o processo de conhecer na ação é dinâmico, e os “fatos”, os “procedimentos” e as “teorias” são estáticos. (SCHÖN, 2000, p.31)

62

Para ele, a descrição de uma ação transforma o “conhecer na ação”, que é

dinâmico, em “conhecimento na ação”. Quando descrevemos uma ação, nós a

convertemos em conhecimento na ação, pois o que se descreve são os

procedimentos de uma ação, segundo o modo como podem ser vistos no

momento da descrição. Depois que aprendemos a fazer alguma coisa podemos

fazê-lo sem pensar sobre ela, repetindo os procedimentos da ação. Entretanto, o

conhecimento na ação não está carregado apenas de um certo “saber escolar”,

mas também está inserido na maneira pela qual enfrentamos as situações do

cotidiano, que revelam um conhecimento “espontâneo, intuitivo, experimental”

(Schön, 1997, p.82)

O conhecimento, portanto, está na ação em si e o revelamos por meio de

ações espontâneas e habilidades. Essa ação não exige o uso de uma explicação

verbal ou de uma descrição ou mesmo de um pensamento sistematizado. Schön

afirma que:

improvisadores habilidosos ficam, muitas vezes, sem palavras ou dão descrições inadequadas quando se lhes pergunta o que fazem. (...) Sermos capazes de refletir na ação é diferente de sermos capazes de refletir sobre nossa reflexão na ação, de modo a produzir uma boa descrição verbal dela. (SCHÖN, 2000, p.35)

Se observarmos e refletirmos sobre nossas ações, podemos descrever um

conhecimento que está implícito nessas ações. Então, mediante a observação e a

reflexão, podemos descrever essas ações e, para descrevê-las, e explicitá-las.

posicionamo-nos diante do que desejamos observar. Este movimento, dinâmico

em si, requer determinados procedimentos, regras e estratégias, além de um

sistema lingüístico que possa interpretá-lo. Dessa forma, a reflexão na ação pode

ser vista como um momento que gera mudanças, ou seja, com base nessa

reflexão podemos encontrar novas pistas para soluções de problemas de

aprendizagem.

Schön (2000,p.29-36) diferencia o conhecer na ação e a reflexão na ação.

O conhecer na ação é mais automático, rotineiro, espontâneo, isto é, tácito. A

63

reflexão na ação surgiria a partir de resultados inesperados e de surpresas

produzidas pela ação. Esse processo de reflexão na ação não seria tão

espontâneo quanto o conhecer na ação; teria “uma função crítica, questionando a

estrutura de pressupostos do conhecer na ação” (idem, p.33). Para Schön,

assim como conhecer na ação, a reflexão na ação é um processo que podemos desenvolver sem que precisemos dizer o que estamos fazendo. Improvisadores habilidosos ficam, muitas vezes, sem palavras ou dão descrições inadequadas quando se lhes pergunta o que fazem. É claro que sermos capazes de refletir na ação é diferente de sermos capazes de refletir sobre nossa reflexão na ação, de modo a produzir uma boa descrição verbal dela. E é ainda diferente de sermos capazes de refletir sobre a descrição resultante. (SCHÖN, 2000, p.35)

Através da reflexão na ação, um professor poderá entender a compreensão

figurativa que um aluno traz para escola, esta compreensão pode estar muitas

vezes subjacente às suas confusões e mal-entendidos em relação ao saber

escolar. Segundo Schön (1997), quando um professor auxilia uma criança e

coordenar as representações figurativas e formais, não deve considerar a

passagem do figurativo para o formal como um “progresso”. Pelo contrário, deve

ajudar a criança a associar essas diferentes estratégias de representação. Para

ele,

se o professor quiser familiarizar-se com este tipo de saber, tem de lhe prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, surpreender-se e atuar como uma espécie de detetive que procura descobrir razões que levam as crianças a fazer certas coisas. Este tipo de professor esforça-se por ir ao encontro do aluno e entender o seu próprio processo de conhecimento, ajudando-o a articular o seu conhecimento na ação com o saber escolar. Este tipo de ensino é uma forma de reflexão na ação que exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa sala de trinta, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades. (SCHÖN, 1997, p.82)

Schön afirma que a reflexão na ação está em relação direta com a ação

presente, ou seja, o conhecimento na ação. Significa produzir uma pausa – para

64

refletir – meio à ação presente, um momento em que se pára para pensar,

reorganizar o que está fazendo, refletindo sobre a ação presente.

Essa reflexão na ação só se desencadeia quando não se encontra resposta

para as situações inesperadas. Ao não encontrar resposta às surpresas que

emergem da ação presente o sujeito se posiciona criticamente perante o problema

e questiona as estruturas do conhecimento na ação. Pensamos de maneira crítica

sobre o que nos levou a essa situação surpresa e, durante o processo, podemos

reestruturar estratégias de ação: pela compreensão da situação ou pela maneira

de formular o problema.

Segundo Schön (1997), o processo de reflexão na ação, pode ser

desenvolvido em uma série de ‘momentos’, sutilmente combinados, numa

habilidosa prática de ensino. Existe, primeiramente, um momento de surpresa: um

professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num

segundo momento, reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o

aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi

surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela

situação; o aluno talvez não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja

exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efetua uma

experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova

questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre

o modo de pensar do aluno. Esse processo de reflexão na ação não exige

palavras. Por outro lado, é possível olhar retrospectivamente e refletir sobre a

reflexão na ação. Após a aula, o professor pode pensar no que aconteceu, no que

observou, no significado que lhe deu na eventual adoção de outros sentidos.

Refletir sobre a ação é uma ação, uma observação e uma descrição, que exige o

uso de palavras.

Na visão de Schön (1997), ao produzir uma descrição verbal, ou seja, uma

reflexão sobre a reflexão da ação passada, pode-se influir diretamente nas ações

futuras, colocando em prova uma nova compreensão do problema. Esse momento

de reflexão marcado pela intenção de se refletir sobre a reflexão na ação é

designado por Schön de reflexão sobre a reflexão na ação. A capacidade de se

65

refletir acerca da descrição resultante pode gerar modificações em ações futuras:

quando se reflete sobre a reflexão na ação, julgando e compreendendo o

problema, pode-se imaginar uma solução.

Em sua abordagem da prática reflexiva, Schön apresenta a concepção do

conhecimento tácito, mobilizado pelo profissional em certas situações singulares

que o colocam diante de incertezas e conflitos, revelando uma competência

profissional, chamada por ele de “perícia profissional”.

Segundo esse autor, mesmo que estas situações se repitam muitas vezes

em seu dia-a-dia de trabalho e sejam enfrentadas de forma reconhecidamente

habilidosa, nem sempre é possível ao profissional descrever de forma consciente

o conhecimento mobilizado em suas ações. A esse tipo de conhecimento

misterioso e não consciente, Schön chamou de “conhecimento tácito”, termo,

segundo ele, cunhado por Michael Polanyi (1957) em seu livro Personal

Knowledge.

O conhecimento tácito de professores é um conhecimento intuitivo,

espontâneo, experiencial, cotidiano, do tipo revelado em momentos de sala de

aula, quando o professor parece adivinhar o que o aluno está pensando ao fazer

uma pergunta não muito bem articulada, ou quando o aluno consegue chegar à

solução correta de um problema, mas o professor consegue perceber que ele não

entendeu o problema de forma correta. Ou, quando o professor modifica um

procedimento durante a aplicação de uma atividade de sala de aula e consegue

um resultado mais satisfatório em função de tal modificação. É quando se sabe

fazer, mas não se consegue explicar como fazer. Nem sempre é possível tornar

público o que sabemos e nem todo conhecimento necessita ser explicado.

Segundo Schön (1997), o conhecimento tácito é fortemente pessoal e

desenvolve-se e consolida-se por meio da experiência e da reflexão sobre ele. O

fato desse conhecimento ter um caráter pessoal, ligado à ação e à reflexão sobre

a experiência, implica que seu desenvolvimento requer formas de trabalho

imaginativas e diversificadas e a experiência de situações tanto quanto possível

próximas das situações de prática.

66

Schön estabelece uma forte ligação entre o conhecimento tácito

(conhecimento cotidiano) que o aluno traz para a sala de aula e o conhecimento,

também tácito, que o professor constrói ao dar atenção aos processos de

conhecimento e de pensamento de seus alunos por meio da reflexão na ação.

Apoiando-se no filósofo Michael Polanyi, afirma que o conhecimento tácito é:

espontâneo, intuitivo, experimental, conhecimento cotidiano, do tipo revelado pela criança que faz um bom jogo de basquetebol, (...) ou que toca ritmos complicados no tambor, apesar de não saber fazer operações aritméticas elementares. Tal como um aluno meu me dizia, falando de um seu aluno: Ele sabe fazer trocos mas não sabe somar os números. (SCHÖN, 1997, p.82)

Assim, valorizando a experiência e a reflexão na experiência, conforme

Dewey, e o conhecimento tácito, conforme Luria e Polanyi, Schön propõe uma

valorização da prática profissional como momento de construção de

conhecimento, através da reflexão, análise e problematização dessa, e propõe,

ainda, o reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os

profissionais encontram no momento de suas ações.

Segundo ele, é impossível aprender sem ficar confuso. "Isto significa que a

aprendizagem requer que se passe por uma fase de confusão. E há algo mais

incômodo ou mais marcante do que a confusão?" (Schön,1997,p. 85). Dentro

dessa visão de Schön, o grande inimigo da confusão é a resposta que se assume

como sendo uma verdade única, pronta e acabada. Se só houver uma única

resposta certa, que é suposto o professor saber e o aluno aprender, então não há

lugar legítimo para a confusão.

67

2.5. A prática reflexiva como uma prática social: a abordagem de Liston e Zeichner

Liston e Zeichner (1997) apresentam a relação dialógica que a atividade

reflexiva exige e que é tratada por Schön como um processo solitário, quando o

professor mantém-se em comunicação apenas com sua situação e não com

outros profissionais. Essa atitude é apontada pelos autores como um

estreitamento da reflexão proposta por Schön, na medida em que ela centra-se

apenas na atividade em si, deixando de considerar a dimensão contextual em que

essas atividades são inseridas. Esses autores entendem que há de se considerar

as condições institucionais e os papéis que cada professor assume na sua prática.

Quer dizer que a prática do professor, embora momentaneamente individual,

estará sempre carregada das condições políticas, sociais e institucionais, e a

compreensão do contexto, numa visão mais ampla e alargada, deve estar

presente na reflexão sobre a sua prática.

Para eles, a reflexão quando aplicada a profissionais individuais, se reduz a

mudanças imediatas: eles não conseguem alterar as situações além das salas de

aula. Os professores não conseguem refletir concretamente sobre mudanças, pois

que eles próprios estão condicionados ao contexto que atuam. Esses autores

afirmam, ainda, que

A prática reflexiva competente pressupõe um meio institucional que leve a uma orientação reflexiva como fator marcante do papel, que valorize a reflexão e a ação coletiva, dirigidas, não só a modificação das interações na aula, e na escola, como também entre a escola e a comunidade imediata e entre a escola e as estruturas sociais em geral. (LISTON ; ZEICHNER, 1997, p.103)11

Liston e Zeichner (1999) apontam limites na teoria de Schön, afirmando que

11 Texto original em Espanhol - Tradução de responsabilidade da autora.

68

profissionais que se envolvem individualmente em práticas reflexivas têm como

objetivo apenas modificar de forma imediata o que está em suas mãos. Segundo

esses autores, a teoria de Schön não se aplica em sua totalidade ao campo da

educação, por existirem saberes específicos nessa área. De acordo com Zeichner,

também apoiado na teoria de Dewey, a ação reflexiva vai além de uma

consideração ativa: “a ação reflexiva constitui também um processo mais amplo

que a solução lógica e racional de problemas. A reflexão intuição, emoção e

paixão”. (Zeichner, 1993, p.220)

Liston e Zeichner (1999), todo e qualquer profissional, passando por

qualquer tipo de formação, deve ter uma formação reflexiva como forma de

superar sua formação meramente tecnicista, buscando respostas para atender

aos diversos desafios do seu cotidiano. Abertura de espírito12 e responsabilidade13

devem ser componentes centrais na vida do professor reflexivo, que tem de ser

responsável pela sua própria aprendizagem.

Esses autores denominam de ensino reflexivo ao praticado por professores

que criticam e desenvolvem, juntos ou separados, a reflexão sobre a reflexão

na ação, na sua prática docente. O pensamento de Zeichner distingue-se do

pensamento de Schön por sua especial preocupação com as condições sociais

que configuram as experiências docentes. O referencial teórico de Zeichner, assim

como de Schön, está centrado no pensamento de J. Dewey. Seu trabalho consiste

na investigação educativa sobre o conhecimento prático e teórico dos bons

professores. Ele utiliza também as idéias de Schön para formular suas idéias em

relação ao professor como profissional reflexivo.

São três as principais idéias de Zeichner sobre o professor como prático

reflexivo. A primeira trata das reflexões do professor, que segundo ele, devem

centrar-se não apenas em seu próprio exercício profissional, mas também nas

12 Abertura de espírito – refere-se ao desejo ativo de se ouvir mais do que uma única opinião, de se atender a possíveis alternativas e de se admitir a possibilidade de erro, mesmo naquilo em que se acredita com mais força. 13 Responsabilidade – implica a ponderação cuidadosa das conseqüências de uma determinada ação. Zeichner. Pág. 18-19

69

condições nas quais é produzido tal exercício. Não se pode eliminar as condições

sociais que constituem obstáculo para a compreensão e para o desenvolvimento

do trabalho do professor no processo da reflexão. Segundo Zeichner:

O contexto do trabalho do educador deve ser tomado tal como é dado. Ora, embora seja compreensível que as preocupações dos professores são principalmente a sala de aula e os alunos, é insensato restringir-lhes a atenção exclusivamente a essas preocupações. (...) Uma conseqüência do isolamento dos professores individuais é a falta de atenção para o contexto social do ensino, no desenvolvimento do educador, é que este passa a ver seus problemas como exclusivamente seus, sem relação com os de outros professores ou com a estrutura e os sistemas escolares. (ZEICHNER, 2003, p.44-45)

A segunda idéia de Zeichner é que a prática reflexiva do professor deverá

levar em conta os problemas relacionados à questão da desigualdade e injustiça

em sala de aula, que envolvem valores éticos, estéticos e morais. Sem a

valorização desses aspectos, o autor afirma que o ensino reflexivo fica limitado à

racionalidade técnica. Para ele,

Intimamente relacionado com essa persistência da racionalidade técnica sob o estandarte do ensino reflexivo estão a limitação do processo reflexivo e considerações sobre a habilidade e as estratégias docentes (os meios de instrução), a exclusão de definir o conteúdo e os fins do ensino, além dos aspectos morais e éticos do ensino no âmbito do educador. A este se nega a oportunidade de fazer qualquer coisa que não seja afinar e ajustar os meios para atingir os fins determinados por outros. O ensino se converte em uma atividade meramente técnica.(ZEICHNER, 2003, p.44)

E a terceira idéia é que a prática reflexiva consiste no compromisso em

favor da reflexão enquanto prática social. Para Zeichner torna-se necessário

vincular a reflexão do professor à luta pela justiça social, pois segundo ele:

a luta pela justiça social significa que além de assegurar que eles tenham a matéria e experiência pedagógica necessárias para ensinar de modo coerente com o que atualmente sabemos sobre como os alunos

70

aprendem (portanto, rejeitando o modelo de ensino de transmissão e banking), devemos garantir que sejam capazes de tomar decisões no dia-a-dia , que não limitem desnecessariamente as oportunidades na vida dos alunos, que tomem decisões em seu trabalho com mais consciência das conseqüências potenciais das diferentes escolhas.(ZEICHNER,2003, p.47-48)

Para Zeichner (2003), grande parte do trabalho no movimento pelo ensino

reflexivo aponta para uma tendência de favorecer a reflexão dos professores

individuais, que devem pensar por si sós sobre sua atividade. Segundo o

pesquisador, a maior parte do discurso sobre o ensino reflexivo dá pouca ênfase à

reflexão como uma prática social na qual grupos de educadores apóiam e

sustentam o crescimento de cada um de seus membros. O desenvolvimento

profissional como uma atividade a ser exercida unicamente pelos professores

individuais limita-os em seu potencial de crescimento e priva-os do conhecimento

que poderia ser compartilhado com seus pares.

No entendimento do pesquisador, o termo reflexão não deve ser usado

como um fim em si mesmo, desvinculado de questões mais amplas sobre a

educação nas sociedades democráticas; pois existe uma crença de que se os

professores forem mais reflexivos sobre o que fazem e como o fazem, serão

necessariamente melhores. Essa crença não é compartilhada por Zeichner pois,

segundo ele, isso reduz o que venha a ser uma genuína formação reflexiva. É

importante preparar professores reflexivos genuínos, que se engajem na instrução

centrada no aluno e que lutem para mais equidade e justiça social na educação e

na sociedade. A formação reflexiva de professores não deve ser apoiada como fim

em si, sem conexão com a construção de uma sociedade melhor para os filhos de

todos. (Zeichner, 2003, p.47).

De acordo com Zeichner (2003), a formação do genuíno professor

reflexivo deve estar intimamente ligada à sua luta pela justiça social. Segundo ele,

as ações educacionais dos professores nas escolas não resolvem por si só os

problemas sociais, mas podem contribuir para a construção de sociedades mais

decentes e justas.

71

2.6. Professor de Matemática como profissional refl exivo

Na visão de Fiorentini e Castro (2003), ser capaz de indagar/ refletir é

condição profissional por excelência do professor, a ser aprendida e exercitada ao

longo de sua formação e atuação profissional e é essa condição que lhe vai

permitir manter princípios, idéias, ideais, atitudes e conhecimentos recebidos ao

longo da sua trajetória profissional. Os autores defendem que o saber docente

deve ser visto e concebido como "reflexivo e experiencial", o qual se constrói na

própria "atividade profissional" sob a mediação de aportes teóricos apropriados e

da reflexão antes, durante e após a ação.

De acordo com Ponte (1998), as interações entre o professor de

matemática e seus alunos são essenciais no processo de aprendizagem. Mas,

para aprender não basta ao aluno estar "ativo" na sala de aula, através da

interação entre este e o professor; é preciso que ele pense e, sobretudo, reflita

sobre as ações realizadas. Para isso, o professor deve estar atento à relação

entre a ação e a reflexão e procurar que ambos os aspectos se articulem com

naturalidade na atividade dos alunos.

De acordo com a teoria de Schön, no campo do ensino da matemática seria

necessário que os alunos presenciassem o professor "pensando

matematicamente" para que desenvolvessem um "pensar matemático". Essa visão

é compartilhada por D'Ambrósio (1993, p.36), quando afirma que "dificilmente o

aluno de matemática testemunha a ação do verdadeiro matemático no processo

de identificação e solução de problemas".

Segundo a autora, o professor, ao preparar e resolver antecipadamente

todos os problemas a serem apresentados aos alunos, não mostra para o aluno o

"legítimo ato de pensar matematicamente". Guarda para si as emoções da

descoberta de uma solução fascinante, de como tece estratégias de ações

produtivas, bem como as frustrações e angústias pelas quais passa até chegar à

descoberta do caminho a seguir, além de ocultar-lhes a dinâmica de como um

matemático toma suas decisões para resolver um problema. Nesse sentido,

72

O que o aluno testemunha é uma solução bonita, eficiente, sem obstáculos e sem dúvidas, dando-lhes a impressão de que ele também deverá consegui resolver problemas matemáticos com tal elegância. Mas o que não lhe ocorre é que nenhum verdadeiro matemático sabe resolver um problema antes mesmo de tentar resolvê-lo". (D'AMBRÓSIO, B.S.,1993, p.36)

Então, a visão do professor de matemática sobre o seu próprio

conhecimento é produto de inúmeras reflexões, investigações, acertos e erros,

num vai-e-vem contínuo, interminável e solitário.

Segundo Mizukami (1996), a premissa básica do ensino reflexivo considera

que as crenças, os valores, as suposições que os professores têm sobre ensino,

matéria, conteúdo curricular, alunos, aprendizagem etc., estão na base de sua

prática de sala de aula. A reflexão oferece a eles a oportunidade de se tornarem

conscientes de suas crenças e suposições subjacentes a essa prática. Possibilita,

igualmente, o exame de validade de suas práticas na obtenção de metas

estabelecidas. Pela reflexão elas aprendem a articular suas próprias

compreensões e a reconhecê-las em seu desenvolvimento pessoal.

Os processos de aprender a ensinar e de aprender a profissão , ou seja,

de aprender a ser professor e aprender o trabalho docente, são processos de

longa duração e sem um estágio final estabelecido a priori. Tais aprendizagens

ocorrem, grande parte das vezes, nas situações complexas que constituem as

aulas. A complexidade da sala de aula é caracterizada por sua

multidimensionalidade, simultaneidade de eventos, imprevisibilidade,

imediaticidade e unicidade. Professores enfrentam interesses e exigências que

continuamente competem entre si e as decisões formadas representam um

equilíbrio entre múltiplos custos/benefícios. Situações inesperadas e interrupções

variadas podem, por sua vez, mudar igualmente a condução do processo

institucional. Sendo uma atividade interativa, nem sempre as aulas saem de

acordo com o planejado.

Fiorentini e Miorim (2001), em pesquisa sobre o ensino de matemática,

relatam as dificuldades, conflitos e insucessos de um grupo de professores de

matemática que participaram de um programa de formação continuada, que

73

contemplava experiências de inovação curricular. Nesse programa, buscava-se a

formação do cidadão caracterizado pelas propostas pedagógicas atuais: "crítico,

reflexivo, criativo e versátil; detentor de um saber vivo e não-fragmentado; com

atitude exploratória e investigativa; capaz de comunicar-se oralmente e por escrito;

capaz de defender suas idéias e pontos de vista etc".(Fiorentini e Miorim,2001,p.

31). Apresentamos a seguir, relato de uma professora que fazia parte desse

grupo:

A diferença se encontra na forma de abordar o conteúdo. Entendia que, diante da minha responsabilidade de professora, deveria ter controle sobre tudo o que acontecia em sala de aula. Ainda que procurasse levar a turma a participar das aulas, cabia a mim a tarefa de explicar o que os alunos 'iriam aprender'. Mesmo em situações de jogo, era eu quem o planejava, ditava as regras e apresentava o jogo. (FIORENTINI ; MIORIM, 2001, p.183)

Através do relato acima, podemos perceber que os professores lidam

diariamente com situações complexas e, considerando o ritmo acelerado das

atividades e as múltiplas variáveis em interação, há pouca oportunidade para que

eles possam refletir sobre os problemas e trazer seus conhecimentos à tona para

analisá-los e interpretá-los. Um segundo relato aponta para a necessidade de

reflexão compartilhada:

Foi principalmente nestes momentos de discussão com os colegas do grupo e professores orientadores que percebi a importância de ter alguém para compartilhar os conflitos pelos quais passamos ao tentar uma inovação. Sozinho é muito difícil inovar e mais ainda refleti r sobre a prática . (FIORENTINI e MIORIM, 2001,p. 53-grifos nossos).

Entendemos ser fundamental que o professor incorpore a reflexão sobre a

sua prática, para que seja capaz de tomar as decisões fundamentais relativas às

questões que quer considerar, os projetos que quer empreender, e ao modo como

os quer efetivar, deixando de ser um simples executor e passando a ser

considerado um profissional investigador. A reflexão na prática e sobre ela,

74

portanto, deve ser considerada um momento indispensável para o

desenvolvimento profissional do professor. Entretanto, devemos considerar o que

Zeichner pontua: a reflexão é uma prática social e, como uma prática social, está

inerente a ela a reflexão junto a outros profissionais, pois sem isso “limita muito as

possibilidades de crescimento do professor”. (Zeichner, 1993, p. 23)

75

CAPÍTULO 3

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA PARA A ESCOLA BÁSICA NO BRASIL

Segundo Romanelli (1999), as alterações sociais, políticas, econômicas e

culturais que aconteceram no Brasil, na década de trinta, devidas ao período de

recessão agregado ao processo de industrialização e urbanização, provocaram

uma reorganização política das classes dominantes, alterando as demandas

educacionais. Nesse momento o país se viu às voltas com a difícil tarefa de

encontrar um lugar na ordem industrial, deparando-se com o problema da

modernização. De acordo com Romanelli,

A intensificação do capitalismo industrial no Brasil, que a Revolução de 30 acabou por representar, determinou conseqüentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. Se antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população, nem pelos poderes constituídos, a nova situação implantada na década de 30 veio a modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria de educação. (ROMANELLI, 1999, p.59)

A modificação do horizonte cultural e do nível de aspirações de parte da

população brasileira, intensificada nas áreas industriais, constituiu uma demanda

social de educação, que cresceu e se intensificou numa pressão cada vez mais

forte pela expansão do ensino. Nesse contexto, a educação assumiu papel de

destaque no quadro das políticas sociais e, conseqüentemente, cresceram as

preocupações com a formação do professor.

76

3.1. A formação de professores para a escola básica no Brasil dos anos quarenta aos anos noventa

Nos anos quarenta, o governo federal fixou normas para a formação do

professor primário e estabeleceu exigências para o exercício do magistério em

diferentes níveis de ensino. A primeira tentativa de imprimir cunho nacional à

formação de professores para o Ensino Primário se deu com a promulgação da

Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto - lei 8529 de 2 de janeiro de 1946). Tal

como o ensino primário, o ensino normal era assunto da alçada dos Estados,

ficando restritas as reformas, até então efetuadas, aos limites geográficos dos

Estados que as promovessem. A Lei Orgânica do Ensino Normal e a Lei Orgânica

do Ensino Primário, promulgadas no mesmo dia, tiveram os mesmos efeitos

administrativos: centralizaram as diretrizes, embora consagrassem a

descentralização administrativa do ensino e fixaram as normas para a implantação

e funcionamento do ensino primário e normal em todo território nacional. O

Decreto-Lei 8530, de 2 de janeiro de 1946, que instituiu o Ensino Normal,

oficializou como finalidade:

• Prover a formação do pessoal docente necessário às escolas primárias;

• Habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas;

• Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativos à educação da

infância14.

O Ensino Normal ficou subdividido em dois níveis:

• 1o ciclo, funcionava como curso de formação de regentes de ensino primário,

com a duração de 4 anos, que funcionaria nas Escolas Normais Regionais;

• 2o ciclo, continuavam a existir os cursos de formação de professor primário,

com duração de três anos, nas Escolas Normais.

14 Romanelli, Otaíza. História da Educação no Brasil (1930/1973), 1996. Ed. Vozes. Petrópolis. R.S.

77

Segundo Romanelli (1999), além das Escolas Normais Regionais e das

Escolas Normais, foram criados Institutos de Educação, que passaram a funcionar

com os cursos citados acima, incluindo o Jardim de Infância e a Escola Primária

anexos e outros cursos de especialização de professor primário e habilitação de

administradores escolares.

De acordo com Romanelli (1999), essa lei pecava por incorrer nos mesmos

erros em que incorreram as demais Leis Orgânicas: processo exagerado de

provas e exames no que diz respeito ao sistema de avaliação e falta de

flexibilidade em relação ao ensino superior, pois limitava o ingresso dos(as)

estudantes normalistas apenas a alguns cursos da Faculdade de Filosofia. Além

disso, o Decreto-Lei 8530, em seu art. 21, limitava o ingresso de maiores de vinte

e cinco anos no curso de Magistério, criando um impedimento legal para a

qualificação de professores que já exerciam a função.

Quanto à formação de professores para o Ensino Secundário, até 1937, os

docentes desse nível de ensino pertenciam à classe dos autodidatas ou à classe

de docentes não habilitados para o Magistério, vindos de outras profissões. Em

1934, foi criada a primeira Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, na

Universidade de São Paulo, com o curso de Licenciatura.

Segundo Mendonça (1991), este modelo de formação de professores para

o Ensino Secundário perdurou durante o período de redemocratização,

permanecendo em vigor a legislação originária do Estado Novo e as Leis

Orgânicas. Em 1948, atendendo aos dispositivos da Constituição de 1946, o

Ministro da Educação, Clemente Mariani, constituiu uma comissão de educadores,

para estudar e elaborar um ante-projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, propondo uma Reforma Geral do Ensino no País.

• Lei 4024/1961

Em 20 de dezembro de 1961, o Projeto de 1948 resultou na Lei 4024/1961,

sendo essa a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN,

78

que acabou por consolidar, no sistema de ensino brasileiro, um currículo formado

por duas partes: uma comum e obrigatória para o Ensino Primário e Médio e uma

outra diversificada. Segundo Romanelli (1999), a estrutura do Ensino ficou assim

organizada:

1. Ensino pré-primário, composto de escolas maternais e jardins de infância;

2. Ensino primário de 4 anos, com chance de ser acrescido de 2 anos mais, com

programa de artes aplicadas;

3. Ensino médio, subdividido em dois ciclos: o ginasial de 4 anos e o colegial de 3

anos, ambos por sua vez compreendendo o ensino secundário e o ensino

técnico (industrial, agrícola, comercial e de formação de professor);

4. Ensino superior, com a mesma estrutura já consagrada antes.

Para Romanelli (1999), nada mudou, em essência, com essa lei. A única

vantagem talvez esteja no fato de não ter prescrito um currículo fixo e rígido para

todo o território nacional, em cada nível e ramo. Portanto, o único progresso da lei

foi; a quebra da rigidez e certo grau de descentralização, que se fazia necessária

mas que, na verdade, foi apenas timidamente ensaiada. A Lei 4024/61 deixou

intocada a estrutura do Ensino Superior, não atacando os problemas principais

desse nível de ensino. Manteve o tradicionalismo e apenas regulou o

funcionamento e o controle do sistema escolar. Estudantes e professores

clamavam por uma reforma universitária que proporcionasse a modernização da

universidade. Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de

dezembro de 1961, foi aprovado o Parecer CFE Nº 292/62, que apresenta os

seguintes aspectos relativos à licenciatura:

• Estabelece que os currículos mínimos dos cursos de Licenciatura

compreendem as matérias fixadas para o bacharelado, convenientemente

ajustadas em sua amplitude e os estudos profissionais, que habilitem ao

exercício do magistério nos estabelecimentos de Ensino Médio,

79

• Propõe como matérias pedagógicas, de caráter obrigatório: Psicologia da

Educação, incluindo Adolescência e Aprendizagem, Didática e Elementos de

Administração Escolar;

• Determina a exigência de Prática de Ensino das matérias que sejam objeto de

habilitação profissional, sob a forma de estágio supervisionado. Essa foi a

única inovação efetivamente introduzida. Segundo o Parecer, a exigência feita

pela legislação anterior de um Colégio de Aplicação anexo às Faculdades de

Filosofia não implicava a obrigatoriedade da Prática de Ensino, entendida esta

mais como um tema de programa do que como conteúdo curricular;

• Reconhece que, devendo ser um estabelecimento-modelo, de montagem

evidentemente custosa e difícil, o Colégio de Aplicação deixou de surgir na

maioria das Faculdades de Filosofia, e mesmo naquelas em que foi criado, o

seu funcionamento ou reproduziu a rotina dos educandários comuns ou dele

fez a autêntica 'vitrina pedagógica', onde os alunos-mestres passivamente

assistem como espectadores, ao que, a rigor, não lhes é dado a fazer. Propõe,

inclusive, redefinir esses colégios como centros de experimentação e

demonstração e desenvolver a Prática de Ensino nas escolas da comunidade,

nos moldes dos "internatos" dos cursos de Medicina;

• Dispõe que é preciso entender a Licenciatura como um grau equivalente ao

bacharelado e não igual a este, acrescentando mais Didática, como acontece

no conhecido esquema 3 + 1. Estabelece, nesse sentido, que as matérias de

formação pedagógica deverão ser oferecidas ao longo de cinco semestres e

não ao final do curso, em um ano, como se fazia no regime anterior;

• Reduz a parte pedagógica da licenciatura de um quarto para um oitavo do

período total de duração do curso (quatro anos), excluindo do currículo os

fundamentos biológicos e sociológicos da educação.

• Lei 5692, de 11 de agosto de 1971

A Lei 5692/1971, prevê, em seu Art. 29, que:

80

a formação de professores e especialistas para o ensino de 1o e de 2o graus será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se à diferenças culturais de cada região do país e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo e às fases de desenvolvimento dos educandos.

De acordo com essa lei, há vários níveis de formação docente, cada um

correspondendo a um nível de exercício. Logo, a regra geral para a formação do

magistério é ditada pelo seu artigo 30, assim enunciado:

Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1o grau, da 1a à 4a série, habilitação especifica de 2o

grau; b) no ensino de 1o grau, da 1a à 8a séries, habilitação específica de grau

superior, em nível de graduação, representado por Licenciatura de 1o grau obtida em curso de curta duração;

c) em todo o ensino de 1o e 2o graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação corresponde à Licenciatura Plena.

§ 1o - Os professores a que se refere a letra "a)" poderão lecionar na 5a e 6a série do ensino de 1o grau, se sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando em três, mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que incluirão, quando for o caso, formação pedagógica. § 2o 0 Os professores a que se refere a letra "b)" poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2a série do ensino de 2o grau, mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo a um ano letivo. § 3º - Os estudos adicionais referidos nos parágrafos anteriores poderão ser objetos de aproveitamento em cursos ulteriores.

Romanelli (1999) alerta para a constatação da existência de dois

esquemas: um correspondente à formação dada por cursos regulares e outro

correspondente à formação dada por cursos regulares acrescidos de estudos

adicionais. Isso pressupõe a existência de cinco níveis de formação de

professores:

1. Formação de nível de 2o grau, duração de 3 anos, destinada a formar

professor polivalente das quatro primeiras séries do 1o grau, para lecionar as

matérias do núcleo comum.

81

2. Formação de nível de 2o grau, com um ano de estudos adicionais, destinada à

formação do professor polivalente, com alguma especialização para uma das

áreas de estudo, apto, a lecionar até a 6a série do 1o grau.

3. Formação superior em licenciatura curta, destinada a preparar o professor para

uma área de estudos e a torná-lo apto a lecionar em todo o 1o grau.

4. Formação em licenciatura curta mais estudos adicionais, destinada a preparar

o professor de uma área de estudo com alguma especialização em uma

disciplina dessa área, com aptidão para lecionar até a 2a série do 2o grau.

5. Formação de nível superior em licenciatura plena, destinada a preparar o

professor de disciplina e, portanto, a torná-lo apto para lecionar até a última

série do 2o grau.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacion al e a Formação de

professores para a Educação Básica

A formação de professores da educação básica no Brasil está definida na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 que, em seu título

VI, artigos 61 a 67, trata dos Profissionais da Educação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece um novo

patamar para os cursos de formação de professores no país e coloca em questão

a estrutura e a organização pedagógica desses cursos, cujas definições se

encontram em legislações anteriores. A nova LDB fixa, em relação aos

profissionais de Educação, diversas normas orientadoras: as finalidades e

fundamentos da formação dos profissionais da educação; os níveis e o locus da

formação docente e de "especialistas"; os cursos que poderão ser mantidos pelos

Institutos Superiores de Educação; a carga horária da prática de ensino; a

valorização do magistério e a experiência docente.

A Lei 9394/96 em seu art. 61, estabelece como finalidade da formação dos

profissionais da educação "atender aos objetivos dos diferentes níveis e

modalidades de ensino e às características de cada fase de desenvolvimento do

82

educando". Assim, criar condições e meios para atingir os objetivos da educação

básica é a razão de ser dos profissionais da educação, e sua formação tem como

fundamentos:

I. a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em

serviço;

II. aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de

ensino e outras atividades.

Níveis e instâncias de formação de professores para a Educação Básica

Em seu Art. 62, a Lei estabelece que:

"Art. 62. - A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em Universidades e Institutos Superiores de Educação, admitida, como formação mínima para o exercício do Magistério na Educação Infantil e nas quatros primeiras séries do Ensino Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal."

Nas Disposições transitórias, art. 87, é instituída a Década da Educação, a

iniciar-se um ano a partir da publicação da Lei:

§ 1o – A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. § 2o – O Poder Público deverá recensear os educandos no ensino fundamental, com especial atenção para os grupos de sete e quatorze e de quinze a dezesseis anos de idade. § 3o – Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá:

I. matricular todos os educandos a partir dos sete anos de idade e, facultativamente, a partir dos seis anos, no ensino fundamental;

II. prover cursos presenciais ou à distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados;

III. realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação à distância;

83

IV. integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar.

§4o – Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço; §5o – Serão conjugados todos os esforços, objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral. §6o – A assistência financeira da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a dos Estados aos seus Municípios, ficam condicionadas ao cumprimento do art. 212 da Constituição Federal e dispositivos legais pertinentes, pelos governos beneficiados.

Entretanto, dispositivos legais posteriores asseguram o direito dos

portadores de diploma de curso normal de nível médio exercerem o magistério na

escola básica até o fim de suas vidas.

Desde a promulgação da lei nº 9394/96, o tema Formação de Professores

para a Educação Básica tem causado enormes discussões, tanto no âmbito do

Conselho Nacional de Educação, como fora dele.

Segundo a Lei 9394/96 - LDB, as Universidades e Institutos Superiores de

Educação são os locais próprios para a formação de docentes e especialistas para

a educação básica. De acordo com o art. 63 dessa lei, os Institutos Superiores de

Educação são as instâncias específicas de formação de docentes e deverão

manter os seguintes cursos:

I. cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o Curso Normal Superior, destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do Ensino Fundamental; II. programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III. programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.(LDB 9394/96, art.63)

A lei atribui a cada Município, ao Estado e à União a incumbência de

"realizar programas de formação para todos os professores em exercício,

utilizando, para isso, também recursos da Educação a Distância". (Art. 87,

parágrafo 3o, inciso III), de tal modo que, até o fim da Década da Educação

84

(2006), somente sejam admitidos "professores habilitados em nível superior ou

formados por treinamento em serviço". (Art. 87, parágrafo 4o).

A formação de professores para a educação básica foi regulamentada por

uma série de documentos e atos normativos, produzidos pelo Conselho Nacional

de Educação:

Parecer CNE/CP 009/2001 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Parecer CNE/C027/2001 – Dá nova redação ao item 3.6, alínea c, do Parecer CNE/CP 9/2001 – Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Parecer CNE/CP 028/2001 – Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Resolução CNE/CP 1/2002 – Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Resolução CNE/CP 2/2002 – Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

Considerando a dispersão de atos normativos com uma mesma finalidade –

formação de professores da educação básica – o CNE criou uma comissão,

através da Portaria nº 4, de 03/07/2002 para, a partir de um processo de revisão

desses atos normativos, estabelecer as diretrizes operacionais para a formação de

professores da educação básica.

Essa comissão elaborou um Projeto de Resolução que dispõe sobre as

diretrizes curriculares para a formação de professores da Educação básica em

nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena e sobre os Institutos

Superiores de Educação, numa tentativa de consolidação das Resoluções e

Pareceres do CNE sobre essa formação. Assim, a Resolução define como locus

de formação de professores para Educação Infantil e séries iniciais do ensino

fundamental os cursos Normais Superiores e os cursos de Pedagogia e

85

estabelece que a formação de professores para os anos finais do ensino

fundamental e o ensino médio será feita nos cursos de licenciatura.

Essa resolução não entrou em vigor devido à polêmica em torno das

diretrizes curriculares de Pedagogia, a qual perdura até o momento da conclusão

deste trabalho: em maio de 2005, o CNE divulgou um projeto de resolução

definindo o curso de Pedagogia como um curso destinado “precipuamente à

formação de docentes para a escola básica” (Projeto de Resolução CNE, maio de

2005, art. 2º) e facultando a transformação dos atuais Cursos Normais Superiores

em curso de Pedagogia (Projeto de Resolução CNE, maio de 2005, art. 11). Essa

limitação do curso de Pedagogia a uma licenciatura para os anos iniciais da

escolarização acirrou a polêmica já existente em torno da identidade desse curso.

A partir desse projeto de Resolução, as Instituições de Ensino Superior e as

Associações científicas e Entidades de classe, especialmente a Anfope, Anped,

CEDES e Forumdir15 vêm discutindo a questão e intermediando junto ao CNE,

buscando equacionar as divergências existentes em torno do Curso de

Pedagogia.

Entretanto, essa questão atinge mais diretamente a formação docente nos

Cursos de Pedagogia, sendo que a formação de professores de Matemática da

escola básica continua sendo feita no curso de Licenciatura Plena em Matemática,

oferecido em Instituições de Ensino Superior. A formação de professores para a

escola básica é organizada de acordo com as Diretrizes Curriculares, contidas no

Parecer 009/2001.

15 Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação Anped - Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade Forumdir – Fórum de Diretores das Faculdades / Centros de Educação das Universidades Públicas do País

86

3.2. As Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação

Básica

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da

Educação Básica foram previstas no art. 5º do Decreto 3276, de 6/12/1999 e

definidas pelo Conselho Nacional de Educação:

As diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores devem assegurar formação básica comum, distribuída ao longo do curso, atendidas as diretrizes curriculares nacionais definidas para a educação básica e tendo como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais, sem prejuízo de adaptações às peculiaridades regionais, estabelecidas pelo sistema de ensino. (Decreto 3276/1999, Art. 5o, § 2o)

Em maio de 2000, o Ministério da Educação remeteu ao Conselho Nacional

de Educação o Documento de Proposta de Diretrizes para a Formação de

Professores da Educação Básica em Curso de Nível Superior, elaborado por um

Grupo de Trabalho integrado por representantes das diferentes Secretarias do

MEC. O Conselho Nacional de Educação abriu a discussão desse documento,

promovendo audiências públicas com profissionais da Educação e com

representantes das Associações Científicas e Entidades de Classe, no sentido de

reformulá-lo e aprová-lo. O Parecer CNE/CP 009/2001, aprovado em 8 de maio de

2001 e homologado em 17 de janeiro de 2002, estabelece as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em

nível superior, curso de Licenciatura de Graduação Plena. A Resolução 01/2001,

homologada em 18 de fevereiro de 2002, institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível

superior, curso de Licenciatura de Graduação Plena, definindo em seu artigo 1o:

Art. 1 - As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de Licenciatura, de graduação plena, constituem-se de um conjunto de

87

princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica.

O Parecer 009/2001 estabelece que os objetivos e conteúdos de todo e

qualquer curso ou programa de formação inicial e continuada de professores

devem tomar como referência os artigos 22, 27, 29, 32, 35 e 36 da LDB, que

determinam as finalidades gerais da educação básica, e as diretrizes para a

organização dos conteúdos curriculares e os objetivos da Educação Infantil e do

Ensino Fundamental e Médio. Os cursos de formação docente devem considerar

as diretrizes para a formação de seus professores no âmbito da concepção,

desenvolvimento e abrangência, definindo o conjunto de competências

necessárias à atuação profissional, desenvolvendo-as e tornando-as norteadoras

para a proposta pedagógica, o currículo e a avaliação da organização institucional

e gestão da escola de formação.

As diretrizes para a organização da matriz curricular devem tomar como

referência inicial o conjunto de competências que se quer que o professor

desenvolva no curso. Os critérios para a elaboração da matriz curricular são

definidos através de eixos, em torno dos quais se articulam dimensões que

precisam ser contempladas na formação profissional do docente e sinalizam o tipo

de atividade de ensino e aprendizagem que materializam o planejamento e a ação

dos formadores.

Os princípios norteadores da reforma curricular dos cursos de formação de

professores, através do Parecer CNE/CP 009/2001, estão embasados e inseridos

na construção e aquisição de "competências" por parte do docente. De acordo

com esse Parecer,

as competências tratam, sempre, de alguma forma de atuação, só existem "em situação, e portanto, não podem ser aprendidas apenas no plano teórico nem no estritamente prático. A aprendizagem por competência supera a tradicional dicotomia entre a teoria e a prática, definindo-se pela capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos nas reflexões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, que articulados respondem às diferentes demandas das situações de trabalho. (Parecer CNE/CP 009/2001, p. 29)

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Em outubro de 2001, as disposições deste Parecer, relativas ao estágio

curricular supervisionado, foram alteradas pelo Parecer do Conselho Nacional de

Educação - CNE nº 27/200116. Também foram definidos os mínimos de carga

horária e duração dos cursos de Formação de Professores pelo Parecer CNE nº

21/2001, de 06/08/2001, alterado pelo Parecer CNE nº 28/2001, de outubro de

2001, segundo o qual esses cursos devem ter carga mínima de 2800 horas, sendo

2.000 de atividades científico-acadêmicas, das quais 200 horas serão de

atividades de enriquecimento, 400 horas de prática pedagógica como componente

curricular, ao longo do curso e 400 horas de estágio supervisionado, a partir da

segunda metade do curso. Às 2.800 horas devem ser cumpridas em, no mínimo,

três anos letivos.

Segundo Castro (2004), a proposta atual de formação de professores traz

em seu bojo duas alterações substanciais em relação àquela que vinha sendo

desenvolvida até então: a prática pedagógica ao longo do curso, que antes era

concentrada nos períodos finais do curso e a formação de todos os professores

em nível superior.

3.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os C ursos de Matemática:

Bacharelado e Licenciatura

Além das Diretrizes Curriculares Nacionais contidas no Parecer 009/2001, a

formação de professores de Matemática fundamenta-se nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para os cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura através do

Parecer CNE/CES 1.302/2001, homologado em 04 de março de 2002. Esses

16 Parecer CNE/CP nº 27/2001: dá nova redação ao item 3.6, alínea c, do Parecer CNE/CP 009/2001, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação básica em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

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cursos oferecem a oportunidade do bacharelado, que se destina à atuação em

pesquisas e da licenciatura, destinada à atuação docente. Os cursos de

Bacharelado em Matemática têm como objetivo preparar profissionais para a

carreira de ensino superior e pesquisa, enquanto os cursos de Licenciatura em

Matemática têm como objetivo principal a formação de professores para a

educação básica.

O curso de Bacharelado em Matemática possui um programa flexível,

visando qualificar seus graduados para a Pós-Graduação e o ensino superior, ou

para oportunidades de trabalho fora do ambiente acadêmico. Dentro dessas

perspectivas, os programas de Bacharelado em Matemática permitem diferentes

formações para seus graduados, quer visando ao profissional que deseja seguir

uma carreira acadêmica, como àquele que se encaminhará para o mercado de

trabalho não acadêmico e que necessita, além de uma sólida base de conteúdos

matemáticos, de uma formação mais flexível contemplando áreas de aplicação.

Perfil dos formandos

Nesse contexto, um Curso de Bacharelado deve garantir que seus egressos

tenham:

• uma sólida formação de conteúdos de Matemática;

• uma formação que lhes prepare para enfrentar os desafios das rápidas

transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de

exercício profissional.

Por outro lado, são apontadas as seguintes características para o

Licenciado em Matemática:

• visão de seu papel social de educador e capacidade de se inserir em diversas

realidades com sensibilidade para interpretar as ações dos educandos;

• visão da contribuição que a aprendizagem da Matemática pode oferecer à

formação dos indivíduos para o exercício de sua cidadania;

• visão de que o conhecimento matemático pode e deve ser acessível a todos.

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Competências e habilidades

Os currículos dos cursos de Bacharelado/Licenciatura em Matemática

devem ser elaborados de maneira a desenvolverem as seguintes habilidades:

• capacidade de expressar-se escrita e oralmente com clareza e precisão;

• capacidade de trabalhar em equipes multi-disciplinares;

• capacidade de compreender, criticar e utilizar novas idéias e tecnologias para a

resolução de problemas;

• capacidade de aprendizagem continuada, sendo sua prática profissional

também fonte de produção de conhecimento;

• habilidade de identificar, formular e resolver problemas na sua área de

aplicação, utilizando rigor lógico-científico na análise da situação-problema;

• estabelecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento;

• conhecimento de questões contemporâneas;

• educação abrangente necessária ao entendimento do impacto das soluções

encontradas num contexto global e social;

• participar de programas de formação continuada;

• realizar estudos de pós-graduação;

• trabalhar na interface da Matemática com outros campos de saber.

No que se refere às competências e habilidades próprias do educador

matemático, o licenciado em Matemática deverá ter a capacidade de:

• elaborar propostas de ensino-aprendizagem de Matemática para a educação

básica;

• analisar, selecionar e produzir materiais didáticos;

• analisar criticamente propostas curriculares de Matemática para a educação

básica;

• desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia e

a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, buscando trabalhar

com mais ênfase nos conceitos do que nas técnicas, fórmulas e algoritmos;

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• perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico,

carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, onde

novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente;

• contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica.

Estrutura do curso

Os conteúdos curriculares dos cursos de Matemática deverão ser

estruturados de modo a contemplar, em sua composição, as seguintes

orientações:

• partir das representações que os alunos possuem dos conceitos matemáticos

e dos processos escolares para organizar o desenvolvimento das abordagens

durante o curso

• construir uma visão global dos conteúdos de maneira teoricamente

significativa para o aluno

Adicionalmente, as diretrizes curriculares devem servir também para

otimização da estruturação modular dos cursos, com vistas a permitir um melhor

aproveitamento dos conteúdos ministrados.

Conteúdos Curriculares

Os currículos devem assegurar o desenvolvimento de conteúdos dos

diferentes âmbitos do conhecimento profissional de um matemático, de acordo

com o perfil, competências e habilidades anteriormente descritos, levando-se em

consideração as orientações apresentadas para a estruturação do curso.

A organização dos currículos dos Institutos de Ensino Superior – IES, deve

contemplar os conteúdos comuns a todos os cursos de Matemática,

complementados com disciplinas organizadas conforme o perfil escolhido do

aluno.

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Bacharelado

Os conteúdos descritos a seguir, comuns a todos os cursos de

Bacharelado, podem ser distribuídos ao longo do curso de acordo com o currículo

proposto pela IES:

Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, Topologia, Análise

Matemática, Álgebra, Análise Complexa e Geometria Diferencial.

A parte comum deve, ainda, incluir o estudo de Probabilidade e Estatística.

É necessário um conhecimento de Física Geral e noções de Física Moderna,

como forma de possibilitar ao bacharelando o estudo de uma área na qual

historicamente o uso da matemática é especialmente significativo.

Licenciatura

Os conteúdos descritos a seguir, comuns a todos os cursos de Licenciatura,

podem ser distribuídos ao longo do curso de acordo com o currículo proposto pela

IES:

Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, Fundamentos de Análise,

Fundamentos de Álgebra, Fundamentos de Geometria e Geometria Analítica.

A parte comum deve, ainda, incluir:

• conteúdos matemáticos presentes na educação básica nas áreas de Álgebra,

Geometria e Análise;

• conteúdos de áreas afins à Matemática, que são fontes originadoras de

problemas e campos de aplicação de suas teorias;

• conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das Ciências e da

Matemática.

Para a licenciatura, serão incluídos, no conjunto dos conteúdos profissionais,

os conteúdos da Educação Básica, consideradas as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a formação de professores em nível superior, bem como as

Diretrizes Nacionais para a Educação Básica e para o Ensino Médio.

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Estágio e Atividades Complementares

Algumas ações devem ser desenvolvidas como atividades complementares

à formação do matemático, propiciando uma complementação de sua postura de

estudioso e pesquisador, integralizando o currículo, tais como a produção de

monografias e a participação em programas de iniciação científica e docência.

No caso da licenciatura, o estágio é essencial nos cursos de formação de

professores, possibilitando desenvolver uma seqüência de ações em que o

aprendiz vai se tornando responsável por tarefas em ordem crescente de

complexidade, tomando ciência dos processos formadores.

Carga horária do curso

A carga horária do curso de Matemática deverá obedecer ao disposto em

Resolução própria que normatiza a oferta de cursos de bacharelado e licenciatura.

3.4. Professor de Matemática: da formação que se te m à formação

que se espera

A formação de professores de matemática tem sido tema de inúmeros

encontros, congressos, seminários, tanto em nível nacional quanto internacional.

Um conjunto de pesquisas, dissertações e teses tem mostrado a preocupação

constante com a formação de professores, que passou a ser dominante, tanto em

encontros e congressos educacionais, quanto em publicações científicas da área.

Nos últimos anos, essa discussão ampliou-se e tem sido assumida por vários

grupos, nacionais e internacionais, entre os quais se destacam: GT-Formação de

Professores da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em

Educação- ANPED, Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores

de Matemática (GEPFPM), Círculo de Estudo, Memória e Pesquisa em Educação

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Matemática (Cempem/FE/Unicamp), Sociedade Brasileira de Educação

Matemática (SBEM), Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), Associação de

Professores de Matemática (APM) de Portugal, Grupo de Investigação em

Educação Matemática (Giem) de Sevilha, Espanha. Além dos grupos de

profissionais, também os cursos de Pós-Graduação em Educação apresentam

uma razoável produção de pesquisas que enfocam a temática da formação de

professores.

Os problemas da formação de professores vêm de longa data. Ludke

(1996), em sua fala no VIII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de

Ensino, em Florianópolis – SC, já dizia que:

a situação atual dos cursos de formação docente nas universidades é insustentável, pois parece existir, em relação às licenciaturas, um sentido generalizado de que as coisas ali não mudam e de que os problemas que hoje discutimos são praticamente os mesmos desde sua criação. (LÜDKE, 1996, p.298)

Fiorentini (2003) afirma que, dentre os profissionais da educação, o

professor de matemática talvez seja aquele que mais sofre críticas, no que diz

respeito à sua formação acadêmica e atuação docente. Dessa forma, os

formadores de professores de matemática têm sido acusados com freqüência, de

não atualizarem os cursos de licenciatura e de não viabilizarem uma formação

efetiva e contínua, sendo assim incapazes de romper com a tradição pedagógica.

Os professores de matemática escolar são, por sua vez, vistos como seguidores

dessa tradição e , portanto, resistentes às inovações curriculares e à integração

com outras disciplinas.

D’Ambrósio (1994), discutindo os problemas da licenciatura em um

seminário específico sobre a Licenciatura de Matemática, afirmou que não se deve

pensar a formação de professores sem a incorporação de um elemento norteador

para essa formação, Assim, propõe incorporar o elemento “pesquisa” nas

licenciaturas, implementando dessa forma uma discussão científica nas

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Licenciaturas de Matemática. Pavanello (2003) também defende a incorporação

da pesquisa nos cursos de licenciatura matemática, afirmando que:

O trabalho a ser desenvolvido pelo professor em sala de aula exige uma sólida formação teórica interdisciplinar, da qual o domínio dos conteúdos a serem ensinados nos diferentes níveis da escolarização representa apenas uma parte. Essa formação deve habilitá-lo a compreender o fenômeno educacional e seus fundamentos históricos, políticos, sociais e psicológicos. Sendo assim, a formação do professor deve ter como um de seus objetivos possibilitar-lhe ampliar seus conhecimentos em relação às diferentes dimensões desse fenômeno. Para que tal objetivo possa ser alcançado, torna-se imprescindível, a meu ver, considerar o papel da pesquisa nessa formação. (PAVANELLO, 2003, p.10, grifos nossos)

Para D’Ambrósio (1998), a educação enfrenta, em geral, grandes

problemas, sendo que o mais crítico refere-se à formação inadequada do

professor:

Essa inadequação reside sobretudo em dois setores: falta de capacitação para conhecer o aluno e a obsolescência dos conteúdos adquiridos nas licenciaturas. Normalmente esses cursos são obsoletos, organizados de acordo com a “linha” que agrada ao professor.(D’AMBRÓSIO, 1998, p.239)

Esse autor aponta para outros problemas que vão além da implementação da

pesquisa nos cursos de graduação e pós-graduação; afirma que o grande ou

talvez o maior problema seja relacionado aos conteúdos ministrados nesses

cursos, especialmente aqueles dirigidos aos professores de Ciências e

Matemática. De acordo com ele, “é absolutamente inadmissível que o professor

continue ministrando uma ciência acabada, morta e desatualizada”.(1998,

p.240)

D’Ambrósio chama atenção, também, para os desafios futuros do ensino de

matemática, pois a sociedade e os alunos atuais não esperam programas

estruturados com base única e exclusiva na tradição pedagógica; o que se deseja

96

é um ensino estruturado com base em um programa dinâmico, atualizado,

coerente com o mundo em que vivemos hoje. Para o pesquisador, o grande

desafio da educação é colocar em prática hoje o que vai servir para o amanhã.

Afirma, ainda, que uma das maiores dificuldades da escola encontra-se na sua

lentidão em se transformar, em se adaptar à sociedade moderna e, portanto,

enfrentar os desafios do futuro. Defende a idéia de que a educação escolar deve

estar voltada para a construção do indivíduo e para o exercício de sua

cidadania. Acredita que a responsabilidade do professor ultrapassa sua disciplina

específica, deve formar o cidadão e isso é particularmente importante para o

professor de ciências, uma vez que ciência e tecnologia são marcas da sociedade

moderna.

Atualmente, uma boa parte da informação é veiculada em linguagem

matemática. Para decodificar esse tipo de informação, precisa-se de instrução

matemática. Assim, o papel da educação matemática é particularmente importante

para ajudar o sujeito nessa apreciação, assim como para destacar alguns dos

importantes princípios éticos a ela associados, pois, hoje, cidadania implica

conhecimento, afinal estamos em uma “sociedade do conhecimento”17. O

conhecimento está subordinado ao exercício pleno da cidadania e,

conseqüentemente, deve ser contextualizado no momento atual. É fundamental na

preparação para a cidadania o domínio de um conteúdo relacionado com o mundo

em que hoje vivemos. À primeira vista, o ensino da matemática parece ter bem

pouco a ver com cidadania. No entanto, um pouco de reflexão mostra que os dois

temas se relacionam e de maneira até surpreendente.

A matemática é componente importante na construção da cidadania, na

medida em que a sociedade se utiliza cada vez mais de conhecimentos científicos

e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar. De acordo

com os PCN’s de matemática, o ensino dessa ciência visa à construção da

cidadania e tem como objetivos levar os alunos a:

17 Sociedade do conhecimento: termo usado por Peter F. Drucker em seu livro Post-capitalist society. Nova York, Harpner Business, 1993.

97

Identificar os conhecimentos matemáticos como meio para compreender e transformar o mundo a sua volta e perceber o caráter do jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para resolver problemas. (Parâmetros Curriculares Nacionais: Brasília: MEC/SEF.p.51)

As propostas dos PCN’s buscam um ensino mais adequado às novas

demandas sociais científicas e não apenas voltado à preparação dos alunos para

estudos posteriores. Em relação à matemática, a grande contribuição dos PCN’s

consiste na definição de um perfil curricular, que envolve conteúdos, métodos de

ensino e avaliação e está baseado em idéias do movimento de educação

matemática e em inovações próprias, adequadas à nossa realidade. As propostas

pedagógicas de ensino/aprendizagem dos PCN’s visam:

• A busca de abordagens significativas dos conteúdos;

• Ter a resolução de problemas como eixo central;

• Favorecer o uso das modernas tecnologias (calculadora e computador) como

recursos que podem trazer contribuições significativas para a aprendizagem.

Durante as últimas décadas, o desenvolvimento das tecnologias de

informação e comunicação assumiu um ritmo crescente, imprimindo à sociedade

novos rumos, não só tecnológicos, mas também sócio-econômico-culturais. Não

parece haver dúvidas que essas tecnologias são fundamentais para a

sobrevivência de nossa sociedade, cada vez mais complexa. O incremento inédito

das tecnologias de informação e comunicação remodelou rapidamente as relações

de trabalho e os perfis de competência profissional.

O acesso à informação e ao conhecimento relativo a essas tecnologias

incessantemente modificadas e renovadas passa a ser visto como mais um

desafio para o professor, principalmente o de matemática. De acordo com

Filippsen e Groenwald (2002), é preciso relacionar a matemática com a vida. É

necessário que a matemática da escola se sintonize com a matemática que se

manifesta em nosso entorno. “Na escola, a matemática não é tratada como algo

que evolui e se modifica. Geralmente, é encarada como um gigantesco corpo de

conhecimentos ‘sacramentados’, que precisa ser transmitido ao aluno”.(Bigode,

2000, p.29)

98

A sociedade mudou e, com ela, o mundo, as relações interpessoais, a

comunicação entre indivíduos e entre grupos. O acesso ao conhecimento e às

informações de todos os tipos adquiriu uma outra dimensão. Em decorrência do

avanço das novas tecnologias da informação e comunicação, vivemos hoje em um

mundo de globalização de mercado, encurtamento ou até mesmo a eliminação

das distâncias físicas de tempo e espaço, que faziam o trâmite de comunicação

entre locais. Viabilizar uma educação que atenda à demanda da sociedade atual,

isto é, uma educação que forma profissionais polivalentes, autônomos,

cooperativos e cidadãos conscientes, críticos, capazes de inseridos na sociedade,

transformá-la, demanda um novo tipo de professor.

Um desafio que se coloca neste momento é como formar um profissional

que, atuando na educação escolar, possa responder pela formação de crianças,

jovens e adultos, qualificando-os para o exercício da cidadania, em um mercado

de trabalho que exige do profissional inteligência, conhecimento, domínio de

informações e utilização de modos sofisticados de comunicação pelas vias

eletrônicas. De acordo com Sthal,

As exigências feitas à educação pela era da informação constituem-se em grandes e específicos desafios para os professores, que se encontram geralmente despreparados para fazer uso das novas tecnologias. Saber lidar com as novas tecnologias, com um número ilimitado de informações, tirar proveito delas e transmitir essa capacidade aos alunos é o que se espera do professor nas sociedades informatizadas. (STHAL, 1997, p.301)

Dessa forma, cabe aos cursos de formação de professores uma

reformulação curricular, uma atualização no sentido de oferecer condição para que

esse professor desempenhe o seu novo papel social, ou seja, preparar crianças,

jovens e adultos para uma sociedade mutante, imprevisível. Apontando nessa

direção, D’Ambrósio (1993), afirma que a formação de professores de matemática

é um dos grandes desafios para o século XXI. A pesquisadora acredita que o

professor, para enfrentar essas adversidades, deve possuir algumas

99

características especiais para exercer esse novo papel. Ela diz que o professor de

matemática deverá ter: 1. Visão do que vem a ser a matemática: “é importante que

o professor entenda que a Matemática estudada deve, de alguma forma, ser útil

aos alunos, ajudando-os a compreender, explicar ou organizar sua

realidade”.(p.35); 2. Visão do que constitui a atividade matemática: “a atividade do

matemático deve ser descrita com menos acúmulo de informações e mais

ação”.(p.36); 3. Visão do que constitui a aprendizagem da matemática: “enfatizar a

importância da compreensão deste processo por professores de Matemática, já

que esta visão de aprendizagem vê substituir a noção do aluno como recipiente de

fatos e idéias”.(p.37); 4. Visão do que constitui um ambiente propício à

aprendizagem da matemática: “um ambiente de pesquisa matemática; onde a

curiosidade e o desafio servem de motivação intrínseca aos alunos”.(p.37)

Para ela, uma educação voltada para a formação de pessoas que pensem,

que sejam críticas e autônomas, requer mudanças urgentes no processo de

ensinar/aprender matemática. De acordo com a pesquisadora, pesquisas sobre a

formação de professores apontam, de uma forma geral, que os professores

ensinam da mesma maneira como lhes foi ensinado. Portanto, a reformulação nos

programas de formação de professores torna-se uma necessidade premente, pois

Dificilmente um professor de matemática formado em um programa tradicional estará preparado para enfrentar os desafios das modernas propostas curriculares. (...) Predomina portanto, um ensino em que o professor expõe o conteúdo, mostra como resolver alguns exemplos e pede aos alunos que resolvam inúmeros problemas semelhantes. (D’AMBRÓSIO,1993,p.38)

Segundo D’Ambrósio (1998), o futuro da Educação Matemática não

depende apenas de revisões de conteúdo, implementação da pesquisa nos cursos

de formação de educadores matemáticos, mas também da dinamização da própria

matemática, procurando levar nossa prática à geração de conhecimento. Dessa

maneira, o pesquisador defende que:

100

Depende essencialmente de o professor assumir sua nova posição, reconhecer que ele é um companheiro de seus estudantes na busca de conhecimento, que a Matemática é parte integrante desse conhecimento. Um conhecimento que dia-a-dia se renova e se enriquece pela experiência vivida por todos os indivíduos deste planeta. (D’AMBRÓSIO, 1998, p.14)

Finalizando essas considerações sobre a formação do professor de

matemática, apontamos a necessidade de uma mudança na política de formação

docente, que leve a uma mudança efetiva na prática pedagógica dessa disciplina.

Não acreditamos que propostas curriculares, como PCN’s, venham produzir as

mudanças preconizadas pelos governantes. É necessário um Plano Nacional de

Formação de Professores que contemple uma série de metas, tais como

investimentos em pesquisas, recursos materiais, currículos elaborados com a

participação do professor, uma reformulação nos conteúdos ministrados nos

cursos de formação de professores, salários dignos, um investimento na formação

continuada do professor, entre outras. E essas são questões que passam ao largo

dos PCN’s.

101

CAPÍTULO 4

APORTES METODOLÓGICOS: OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA

4.1. Abordagem metodológica

Para a realização deste estudo, optamos por fazer uma investigação de

cunho qualitativo que, conforme Bogdan e Biklen18 (1994), caracteriza-se pela

coleta de dados no ambiente natural, onde o próprio pesquisador deve buscar as

informações, para que possa compreendê-las melhor em seu contexto. Os autores

afirmam, ainda, que o pesquisador deve estar especialmente atento ao significado

que as pessoas dão às coisas e à sua vida, não se preocupando em buscar

evidências que comprovem hipóteses rigidamente definidas antes do início dos

estudos.

Optou-se pela pesquisa qualitativa, por considerar que ela apreende melhor

à multiplicidade de sentidos presentes em um ambiente escolar e na narrativa dos

professores. Através dessa abordagem, cria-se uma relação entre o pesquisador e

o pesquisado, trabalhando com um universo de significados de uma realidade que

não pode ser quantificada.

A pesquisa qualitativa responde a questões particulares. Ela se preocupa nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificada. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que

18 BOGDAN, R. ; BIKLEN, S.K. Qualitative research for education. Boston: Allyn and Bacon, 1982.

102

não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (...) Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região "visível, ecológica, morfológica e concreta", a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. (MINAYO,1999,p.21-22)

Destaca-se, dessa abordagem, as seguintes características, conforme

Bogdan e Biklen (1994).

• O ambiente natural como sua fonte direta de dados, sendo que estes se

apresentam predominantemente explicativos;

• o processo é mais importante do que o produto;

• o foco de atenção do pesquisador está, especialmente, no significado que as

pessoas dão as coisas e à sua vida;

• preocupação em relatar a perspectiva dos participantes;

• análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.

Contudo, a subjetividade e a complexidade inerentes a este campo do

conhecimento, exigem análises que vão além do estudo fragmentado e ou

reducionista dos fenômenos e são necessárias à compreensão do todo.

Dentre os vários tipos de abordagens qualitativas, optou-se por realizar um

estudo de caso por ser, segundo Lüdke (1986), um estudo que busca retratar a

realidade de forma completa e profunda, com a preocupação central de

compreender uma instância singular. "O objeto estudado é tratado como único,

uma representação singular da realidade, que é multidimensional e historicamente

situada". (Lüdke,1986,p.21).

Macedo (2002), compartilhando com Lüdke e André (1986), afirma ainda

que:

Os estudos de caso visam à descoberta, característica que se fundamenta no pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado uma vez por todas, haverá sempre um acabamento precário, provisório, portanto; o conhecimento é visto como algo que se constrói, se faz e se refaz constantemente. (...) O objeto não é recortado por uma amostragem com preocupações nomotéticas (...) a pertinência do detalhe

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que o edifica e da singularidade que o marca, identifica-o e referencializa-o, sem cair nos regularismos e formismos das perspectivas tecno-funcionalistas. (MACEDO, 2002, p.149-150)

O estudo de caso tem duplo propósito; por um lado, tenta chegar a uma

compreensão abrangente do grupo em estudo e por outro, tenta desenvolver

declarações teóricas mais gerais sobre regularidade do processo e estruturas

sociais.

Dessa forma não pode ser concebido segundo uma mentalidade única para testar proposições gerais; (...) tem que ser preparado para lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos. (...) Assim postos, os objetivos do estudo de caso mal podem ser conscientizados; é utópico supor que se pode ver, descrever e descobrir a relevância teórica de tudo. (BECKER,1993,p.118-119)

Pelas características do objeto, interessou-nos compreender, em

profundidade, como os professores de matemática trabalham essa disciplina,

especialmente na 7a série do ensino fundamental, o que consideram como

dificuldade no ensino da matemática e possíveis soluções por eles apresentadas

em situações de álgebra na 7a série. Para isso, consideramos que o estudo de

caso é a melhor abordagem, na medida em que nos permitiu ter acesso a essas

particularidades, ações e decisões do professor em sua prática de ensino. Nesse

sentido,

os estudos de caso visam à descoberta. Mesmo que o investigador parta de alguns pressupostos teóricos iniciais, ele procurará se manter constantemente atento a novos elementos que podem emergir como importante durante o estudo. (...) Assim sendo, o pesquisador estará sempre buscando novas respostas e novas indagações no desenvolvimento do seu trabalho. (LÜDKE ; ANDRÉ, 1986, p.18)

104

4.2. Campos da pesquisa

Na tentativa de assegurar um entendimento mais aprofundado da questão,

optamos por realizar um estudo de caso em dois campos distintos. Duas escolas

que oferecem o ensino fundamental, com características opostas: uma escola

particular, das mais conceituadas de Belo Horizonte, situada em bairro nobre da

Zona Sul, atendendo, primordialmente, a uma clientela privilegiada do ponto de

vista social, cultural e econômico, a qual será denominada de escola A e uma

escola da rede pública estadual, também em Belo Horizonte, situada em bairro

periférico da cidade, que tem como clientela a classe popular, que será chamada

de escola B. A escolha de dois locus opostos justifica-se pelo fato do nosso

interesse estar na verificação das especificidades, dos problemas e das

alternativas para a docência da matemática na 7a série do ensino fundamental,

independente das características da escola, ou seja, sem um endereço definido.

Interessou-nos, pois retratar a realidade do professor de matemática em suas

práticas docentes, focalizando suas dificuldades e suas estratégias na docência

dessa disciplina; ou seja, como os professores "se viram" para ensinar a

matemática da 7a série. Tais questionamentos levaram-nos a procurar revelar a

multiplicidade de dimensões presentes nessas situações. Segundo Macedo, o

pesquisador:

...estará sempre buscando novas respostas e novas indagações no desenvolvimento do seu trabalho; valorizam a interpretação do contexto, buscam retratar a realidade de forma densa, refinada e profunda, estabelecendo planos de relações com o objeto pesquisado, revelando-se aí a multiplicidade de âmbitos e referências presentes em determinadas situações ou problemas. (MACEDO, 2002, p.150)

Escola A

A escola A está situada na região sul de Belo Horizonte. Foi criada em 1948

105

e possui um número superior a 3.100 alunos, distribuídos entre os níveis

fundamental e médio. Essa escola foi selecionada, por ser uma referência no

ensino fundamental e médio em Belo Horizonte. A escola possui excelentes

condições físicas e materiais. É tradicional e seu ensino tem se destacado na

capital, apresentando alto índice de aprovação no vestibular. Nos vestibulares de

2002, de 266 de seus egressos inscritos, 203 foram aprovados – índice de 76,3%.

O primeiro colocado no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais de

2002, o mais disputado do Estado, foi aluno dessa instituição. Esse aluno

alcançou 119 de 120 pontos possíveis, distribuídos na primeira etapa, tendo

errado apenas uma questão em Biologia, o que permite concluir que esse aluno

teve 100% de aproveitamento em matemática.

Organização administrativa e pedagógica

A administração da escola é integrada por um diretor pedagógico e um

diretor geral responsável pelo setor administrativo-financeiro.

O diretor pedagógico está presente durante todo o período de atividades,

supervisionando os trabalhos e atendendo às famílias, como forma de garantir a

qualidade da proposta pedagógica e a organização administrativa do

estabelecimento.

O diretor geral, responsável pelas atividades administrativas e financeiras,

está envolvido com todos os assuntos relacionados à tesouraria e contabilidade.

Realiza o planejamento financeiro junto ao diretor pedagógico e participa das

decisões relacionadas à área administrativa e financeira. É também responsável

pelo departamento de pessoal, supervisão das atividades administrativas da

secretaria da escola e pelo atendimento aos pais, no que tange a aspectos

administrativos e financeiros.

A escola possui um supervisor geral e um coordenador pedagógico por

área de conhecimento. O supervisor geral atua nas atividades da escola, com

questões relacionadas ao cotidiano escolar, tais como informação às famílias

106

sobre qualquer ocorrência com os alunos; auxílio aos alunos com problemas

disciplinares; supervisão de atividades extra-classe, como: trabalhos de campo,

palestras, planejamento e coordenação de datas comemorativas da escola. Os

coordenadores por área de conhecimento atuam diretamente em atividades como:

acompanhamento e avaliação dos professores nas atividades pedagógicas,

participação na seleção de materiais pedagógicos, responsabilidade pelas

reuniões e planejamentos da equipe de área de trabalho.

Mediante pesquisa preliminar junto à secretaria da escola, alguns aspectos

relativos ao corpo docente nos chamaram a atenção:

• O processo de seleção dos professores é rigoroso;

• a média de permanência de professores na instituição é superior a doze

anos;

• 55% dos professores têm regime de dedicação exclusiva;

• as aulas são desenvolvidas em salas ambiente19, sistema implantado há

quatro anos pela escola, visando um aprimoramento pedagógico em busca

de melhores resultados.

A organização do ensino da matemática nessa escola é bem estruturada,

pois possui um coordenador específico para essa área. A equipe reúne-se

quinzenalmente, às quartas-feiras, tendo como objetivo discutir questões

relativas a essa disciplina, tais como: planejamento das aulas, realização de

atividades complementares, de aprofundamento e discussão e elaboração de

questões de prova. Segundo o coordenador, questões relacionadas à prova, são o

principal alvo das reuniões e “é necessário manter um nível elevado e homogêneo

em todas as séries da escola, ou seja, tanto no ensino fundamental quanto no

ensino médio".

A Matemática nessa escola tem um lugar de destaque, pois possui um

número de aulas semanais superior à Língua Portuguesa, sendo cinco aulas

semanais de matemática e uma de Desenho Geométrico, contra apenas cinco

19 Nesse sistema são os alunos que mudam de sala a cada aula, o que permite aos docentes manter livros, mapas e outros recursos usados como instrumentos de aprendizagem, na própria sala ambiente.

107

de Língua Portuguesa, ainda assim, subdividindo-se em aulas semanais de

redação.

O coordenador, quando questionado sobre o livro didático adotado pela

escola, teve uma resposta enfática, "Não adotamos livros (matemática), pois não

existe nenhum, atualmente, que possa acompanhar nosso ritmo. Os exercícios

nesses livros ficam aquém do nosso ensino”. Segundo ele, há alguns anos atrás,

utilizava-se um livro didático de altíssimo nível, mas a edição do mesmo foi

cancelada. De acordo com sua informação, apenas duas escolas em Belo

Horizonte adotavam esse livro. Atualmente os professores ainda utilizam questões

desse livro, mas em forma de atividades complementares e de aprofundamento.

Escola B

A escola B localiza-se em bairro pobre, situado na periferia de Belo

Horizonte, oferecendo o ensino fundamental e médio, distribuídos entre os três

turnos de funcionamento. É uma escola com instalações modestas, mas atende às

exigências legais relativas ao número de alunos por sala. O espaço físico é muito

grande, o pátio é de terra, a escola é toda murada e possui uma quadra de

esportes. As melhorias foram conseguidas através de um esforço conjunto do

diretor, professores e comunidade local. Além das salas de aula, a escola conta

com uma biblioteca com um acervo razoável, a qual é muito organizada e utilizada

com freqüência pelos alunos.

No ano em que realizamos a pesquisa, a escola contava com 1.485 alunos,

distribuídos nos três turnos: ensino fundamental (5a a 8a série) à tarde e ensino

médio nos turnos da manhã e da noite. A escola não oferece as séries iniciais do

ensino fundamental.

Em sua grande maioria, os alunos da escola B são provenientes do próprio

bairro e de bairros vizinhos, já que a escola situa-se próxima a uma avenida de

grande movimento, que oferece acesso a vários locais.

108

Quanto às condições socioeconômicas, sua clientela é composta

majoritariamente por alunos provenientes das classes populares. Essa informação

foi prestada pela secretária, por professores e pelo diretor da escola e, segundo

eles, apóia-se em indicadores como: profissão dos pais, estrutura familiar, acesso

a bens de consumo e retorno de materiais solicitados.

Organização administrativa e pedagógica

Em termos administrativos, a escola conta apenas com um diretor e seu

vice. O diretor assume as funções administrativas e pedagógicas, permanecendo

na escola nos turnos manhã e tarde e o vice-diretor assume essas funções no

período da noite. A escola possui, ainda, um colegiado que reúne-se

trimestralmente. O mesmo conta com a participação dos representantes

envolvidos no processo escolar (pais, professores e funcionários) e tem por

objetivo buscar melhor funcionamento da escola. Esse colegiado é constituído por:

um representante da direção, dois funcionários da escola, dois professores e dois

pais. Todos os representantes têm um suplente e são eleitos em assembléia

escolar, com mandato de dois anos.

Outro dado importante dessa escola é a participação de voluntários,

geralmente mães de alunos que ajudam na cantina escolar e pais que participam

da preservação e conservação da mesma.

Na época da pesquisa, a organização pedagógica da escola era realizada

através de reuniões que aconteciam ao final de cada bimestre letivo. Essa

organização, segundo o diretor, tinha como objetivo melhorar a qualidade de

ensino e oportunizar aos professores conhecerem seus alunos como um todo, não

apenas em sua disciplina. Nessas ocasiões, os professores reuniam-se para

discutir problemas de aprendizagem e disciplina. Fomos convidados a participar

de um desses encontros, no qual constatamos que a preocupação maior por parte

dos professores estava no grande número de adolescentes grávidas nas séries

finais do ensino fundamental e também na agressividade demonstrada por muitos

109

alunos desse segmento. Ficou acordado, entre eles, que deveria ser desenvolvido

um projeto específico para tratarem dessa questão, sendo esse batizado de

Projeto Afetivo-Sexual. Nessa reunião, a parte pedagógica, no que diz respeito ao

planejamento e conteúdos curriculares, não foi abordada.

A sala dos professores, na hora do recreio, nos proporcionava um rico

ambiente de observações. Ali, os professores faziam comentários informais a

respeito das turmas, da disciplina em sala de aula e da deficiência de

aprendizagem demonstrada por algumas delas; trocavam algumas informações

como: com foi o resultado da prova da turma 'tal'? Onde você está com a

matéria?

Quando questionado de que forma e com que freqüência os professores se

reuniam para tratarem de questões pedagógicas e realizarem o planejamento de

atividades e conteúdos, o professor focalizado em nossa pesquisa nos informou

que cada um faz o seu próprio planejamento, não havendo reuniões específicas

para isso. Quando indagado sobre as reuniões bimestrais, respondeu-nos que

nessas reuniões nunca há tempo suficiente e disponibilidade de todos para

tratarem desses assuntos e afirmou, ainda, que cada professor é responsável pela

sua disciplina, seu planejamento e suas atividades, não havendo uma supervisão

ou acompanhamento pedagógico para isso.

A organização do ensino da matemática na escola é realizada formalmente

através de um planejamento anual, o qual contempla os conteúdos curriculares

que constam no livro didático distribuído pelo Estado. Esse planejamento é

entregue no início do ano letivo ao diretor da escola, o qual, segundo o professor,

recebe-o sem fazer questionamentos nem intervenções.

Procuramos o diretor da escola para conversarmos a respeito da parte

pedagógica e, em uma conversa informal, ele reconheceu que deveria haver mais

reuniões e um entrosamento maior entre os professores, mas afirmou ser muito

difícil reuni-los, pois a grande maioria dos docentes daquela escola trabalhavam

em três turnos, havendo possibilidade de reuniões apenas aos sábados. E;

quando isso acontecia, o número de ausências era alto. Afirmou também que já

tentou solucionar esse problema, fazendo reuniões em dias letivos, liberando

110

os alunos dois horários antes do término normal da aula, mas essa tentativa

só pode ser colocada em prática duas vezes pois, segundo a comunidade local, a

liberação dos alunos antes do horário normal causa um transtorno muito grande,

pois muitos deles não voltavam para casa naquele horário, motivo de grande

preocupação por parte de alguns pais, por se tratar de uma comunidade pobre,

onde a droga circula livremente.

A grade curricular dessa escola é composta por cinco aulas semanais

de Matemática no ensino fundamental e quatro aulas semanais no ensino

médio. Não há aulas de Desenho Geométrico em nenhum dos dois segmentos

de estudo.

4.3. Atores da pesquisa

Foram entrevistados o coordenador da área de Matemática da escola A e o

diretor da escola B, a qual não possui coordenador de área. Os professores de

matemática da 7a série das duas escolas, além de serem entrevistados, tiveram

sua prática docente observada, conforme será explicitado ainda neste capítulo, no

item: Procedimentos metodológicos.

Hélio, o coordenador da área de Matemática da escola A, exerce também a

docência dessa disciplina no ensino médio, é graduado em Matemática pela

Universidade Federal de Minas Gerais há quase trinta anos. Atua nessa instituição

há 23 anos como professor e há 15 na coordenação. Exerce várias funções

pedagógicas na escola, além da docência, dentre as quais destacamos:

assessoramento aos professores nas atividades pedagógicas intra e extra-classe,

reuniões com os professores da área de matemática, atendimento aos pais, no

que se refere ao aspecto pedagógico. Além dessas atividades, o coordenador da

área de matemática também é responsável pela seleção dos professores dessa

área.

111

Roberto, o diretor da escola B, foi selecionado para a entrevista em razão

da inexistência de um coordenador específico da área de matemática nessa

escola. É graduado em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de

Belo Horizonte. Trabalha na área de Educação há 22 anos. Trabalhou no ensino

fundamental durante 18 anos, exerceu a coordenação de uma escola estadual e

também atuou na educação de jovens e adultos. Trabalha na instituição há nove

anos como professor e, pela primeira vez assumiu o cargo de direção. Nessa

função, Roberto responde pela parte administrativa e pedagógica da escola,

supervisionando, atendendo às famílias e coordenando as reuniões, como forma

de garantir a organização administrativa e pedagógica. Atualmente, Roberto

exerce a função sozinho, pois a vice-diretora está afastada por motivo de

saúde.

Participaram da pesquisa dois professores de matemática da 7a série,

sendo um de cada escola. Na escola B, há apenas um professor de Matemática

de 7a série. Na escola A, encontramos dois professores, sendo que um, além de

Matemática, leciona Desenho Geométrico. Nessa escola, optamos por trabalhar

com o professor que leciona apenas a Matemática, objetivando ter

informações mais específicas dessa disciplina. Esses professores são

aqui denominados por codinomes escolhidos por eles próprios: Falcon (escola A)

e Alpha (escola B).

Professor Falcon

Nascido em 1951, em Belo Horizonte, o professor Falcon cursou Ciências,

com Licenciatura em Matemática na PUC–MG. Inicialmente não era sua opção

fazer o curso de Matemática como ele próprio afirma: "Eu sempre gostei de

desenho, meu forte sempre foi desenho, então, fiz vestibular para Engenharia Civil

112

e Matemática.” Acabou optando pela Matemática porque, como afirma: "já tinha

um certo 'cacoete' para o magistério."

Sua facilidade em se expressar e aprender Matemática influenciou muito

na sua escolha. A necessidade de trabalhar para custear seus estudos e ajudar

seus pais na manutenção da casa, também teve um peso considerável para

essa opção. Durante o curso universitário, lecionava Matemática na rede

pública estadual de Belo Horizonte, onde permanece até hoje como professor

efetivado, através de concurso público. Há vinte e três anos é professor, estando

na Escola A há dezoito anos. O professor Falcon não possui nenhum curso de

pós-graduação e justifica sua falta de investimento na profissão pelo fato de

ter uma carga horária quase que totalmente fechada nos três turnos, chegando

a uma carga semanal de 70 horas-aula, exercidas quase que totalmente na

escola pesquisada. “Eu dou em média dez aulas por dia; quando estou

trabalhando pouco, eu dou dez aulas. E eu sempre termino no Estado à

noite. O meu fim do dia é justamente lá. (...) alguns dias chega a ser a

décima quinta do dia”.

Professor Alpha

O professor Alpha nasceu em 1958, é formado em Matemática pela

Faculdade Newton de Paiva, desde 1985. Sua identificação com essa disciplina

não teve início na sua mais tenra infância; pelo contrário, sua professora primária

sempre reclamava à sua mãe "–Ah! Esse menino só fica dormindo!", como ele

mesmo afirma: "essa matéria era muito difícil para mim, ela era um monstro". A

identificação com essa ciência só chegou anos mais tarde, quando já estava na

adolescência, mais precisamente na 7a série. Segundo ele, "a Matemática abstrata

despertou em mim o desejo de entender o que se passava por trás daquele

"monte" de letras e números, parecendo um "amontoado" de códigos.”

O desafio estava lançado: ele tinha que decifrá-los!

113

Se sua identificação com a Matemática se deu de forma tão inusitada, seu

interesse e sua paixão pela profissão talvez não. Sua formação continuada é vista

como essencial, fato que podemos comprovar pelo número de especializações

que possui na área da Educação Matemática. São três cursos de especialização,

aprovados pelo MEC, com apresentação de uma monografia (que ele fez questão

de destacar) ao final de cada curso e vários mini-cursos, palestras e encontros, na

maioria das vezes, proporcionados pela Secretaria de Educação de Minas Gerais.

É professor de Matemática na rede pública estadual há dez anos, estando há 6

anos na escola B.

4.4. Procedimentos metodológicos

Nisbet e Watt20, citados por Lüdke e André (1986), indicam três fases

presentes no estudo de caso: a primeira é chamada de aberta ou

exploratória, a segunda é mais sistemática em termos de coleta de dados e a

terceira é a análise dos dados e a elaboração do relatório.

A fase exploratória coloca-se como fundamental para a definição mais

precisa do objeto de estudo. É o momento de especificar os pontos críticos, de

estabelecer os contatos iniciais para a entrada em campo, de localizar os sujeitos

e as fontes de dados necessários para o estudo.

Nesta pesquisa, tal fase iniciou-se em meados de 2003, para uma

sondagem inicial dos campos de pesquisa. Os contatos possibilitados nessa fase

foram extremamente importantes para a identificação dos elementos-chave e a

delimitação do problema, bem como para a elaboração dos critérios para a

escolha do estudo de caso. Nesse sentido, consolidou-se a opção por investigar

como o professor concebe, trata, enfrenta ou explora as dificuldades que surgem

em situações de aula envolvendo atividades algébricas, na 7a série do ensino

fundamental.

20 NISBET, J ; WATT, J. Case study. Readguide 26: Guides in Educational Research. University of Nottinghan School of Education, 1978.

114

Dentre os procedimentos indicados para a coleta de dados em estudo

de caso, utilizamos a análise documental, as entrevistas e a observação das

aulas.

A análise documental, necessária para contextualizar e identificar os

aspectos institucionais e legais do ensino da matemática nas escolas foi realizada

na fase inicial do trabalho de campo. Foram analisados os seguintes documentos

legais: Diretrizes Curriculares para a formação de professor da Educação Básica;

Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional -Lei 9394/96. Nas escolas, foram analisados materiais e

documentos que dizem respeito ao objeto de estudo, tais como: Projeto Político

Pedagógico da Escola, Regimento interno, planos de curso dos professores,

programas curriculares do ensino de matemática do nível fundamental (5a a 8a

série) e plano anual de ensino de matemática da 7a série.

Paralelamente à análise das fontes documentais, levantamos alguns dados

de todos os professores de matemática da 7a série da escola, através de um

questionário individual, contendo informações pessoais, escolares e profissionais.

Tais dados serviram para escolher os professores que seriam entrevistados. Além

dos dois professores foram entrevistados o coordenador de matemática da escola

particular e o diretor da escola estadual, onde não há um coordenador específico

da área.

Optamos pela entrevista semi-estruturada, que nos permitiu um maior

aprofundamento nos aspectos analisados. Podemos entender entrevista semi-

estruturada como sendo:

...aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teoria e hipótese que interessam à pesquisa e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, frutos de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. (TRIVINÖS,1987,p.146).

115

Optou-se pela entrevista semi-estruturada por ser uma técnica muito

importante para detectar atitudes, motivações e opiniões do entrevistado, na

medida em que, a partir dos eixos temáticos definidos, o sujeito tem liberdade para

expressar espontaneamente sua relação, suas opiniões e seus sentimentos sobre

a Matemática e a docência dessa disciplina.

A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. (...) pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolha nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta, de alcance mais superficial, como o questionário. (LÜDKE ; ANDRÉ ,1986, p.34)

As entrevistas foram utilizadas com o objetivo de obter informações e

detectar:

• A relação dos professores com a matemática em sua trajetória e os motivos

da opção por essa disciplina;

• a percepção dos professores sobre a matemática e seu ensino;

• as dificuldades encontradas na docência dessa disciplina e as estratégias

utilizadas para superar essas dificuldades;

• o papel que suas crenças e concepções sobre a matemática têm em sua

condução do processo de ensino-aprendizagem.

De posse dos dados obtidos através da análise documental e das

entrevistas, passamos para a fase da observação das aulas. Foram

acompanhadas/observadas as aulas de álgebra do professor de matemática da 7a

série de cada escola. Esses professores são aqui denominados ficticiamente de

professor Alpha (Escola Estadual) e professor Falcon (Escola Particular).

Durante as aulas, atuamos como observadoras, registrando todo o

processo em um caderno de campo, onde constavam os registros referentes às

questões pedagógicas e também, o registro de observações, atividades e

reflexões sobre o processo em curso. Durante este tempo, foram realizadas

116

gravações em fita cassete, com registro de diferentes momentos das aulas, que

serviram como um precioso auxílio para a apreensão daquele processo21. Na

escola estadual, fomos convidados a participar mais ativamente das atividades, no

acompanhamento e correção de exercícios.

As observações das aulas do professor Falcon tiveram início em março de

2004, quando estava iniciando o tópico sobre álgebra.

Observamos/acompanhamos todas as aulas de matemática ministradas pelo

professor Falcon, nas quatro turmas de 7a série, ao longo de 7 semanas,

totalizando aproximadamente 120 aulas.

As aulas do professor Alpha só puderam ser observadas no segundo

semestre de 2004, pelo fato do mesmo optar por fazer uma "preparação

aritmética" em seus alunos (termo denominado por ele) antes do início da álgebra.

Dessa forma, as observações das aulas tiveram início em meados de agosto de

2004, nas 4 turmas de 7a série, ao longo de 8 semanas, totalizando

aproximadamente 100 aulas. As aulas observadas/acompanhadas dos dois

professores foram registradas por escrito em um diário de campo e gravadas em

fita cassete, em alguns momentos.

4.5. Análise e interpretação dos dados

Segundo Minayo (1999, p.69), essa etapa pode ter três finalidades:

"estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os

pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas e ampliar o

conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando ao contexto cultural do

qual faz parte.” A autora ressalta que essas finalidades são complementares.

21 As gravações foram autorizadas pelos professores, em documento escrito. (modelo em anexo)

117

Para sua análise, as fitas cassete foram transcritas literalmente e após "ler

e reler o material até chegar a uma espécie de "impregnação" do seu conteúdo"

(Michelat apud Lüdke e André,1986,p.48), procuramos identificar os temas

relevantes e recorrentes, assim como as idéias contraditórias e as centrais,

visando o estabelecimento das categorias descritivas.

Adotamos o mesmo procedimento para a leitura e análise dos cadernos de

campo e de questionários respondidos por alunos.

Concordando com Lüdke e André (1986), quando afirmam que a

categorização por si só não esgota a análise, sendo necessário ir além,

ultrapassando a mera descrição e buscando acrescentar algo à discussão já

existente sobre o assunto focalizado, procuramos relacionar os dados

categorizados às descobertas feitas durante a análise dos referenciais teóricos

adotados: Schön, Zeichner, Fiorentini e D'Ambrósio.

Os resultados dessa análise são apresentados nos capítulos seguintes.

118

CAPÍTULO 5

A PROFISSÃO DOCENTE E O ENSINO DA MATEMÁTICA NAS ESCOLAS PESQUISADAS

5.1. A proposta de Matemática para a 7ª série no co ntexto global do ensino de Matemática

Zaidan (2001), em sua tese de doutorado, descreve uma aula típica de

matemática dos anos oitenta, afirmando, ainda, que ministrou esse tipo de aula

por vários anos de docência, até o início da década de noventa, quando atuava

em uma escola municipal de Belo Horizonte.

Uma aula de matemática, segundo Zaidan (2001):

Estamos em uma escola que oferece ensino de primeiro grau (hoje denominado ensino fundamental), qualquer uma, pública ou privada, na sétima série, os alunos de treze a quatorze anos. Vai começar a aula de matemática. O professor(a) entra na sala portando seus livros e o diário de classe. Professor(a): Bom dia a todos. Põe seu material sobre a mesa. Faz a chamada. Pega um giz, vai ao quadro onde escreve: “Polinômios”. Professor(a): - Por favor, vamos fazer silêncio. Nosso assunto é Polinômios. Na aula anterior pedi que vocês lessem a Unidade 3 do livro, que trata deste assunto. Então, vejamos. Quadro: Polinômios. Considere as expressões algébricas do tipo: 3x 3x + 7

2

1 a 2 + 2 a – 3 b -

5

3

Professor(a): A essas expressões denominamos polinômios, definimos assim: Quadro: Polinômios – expressão algébrica racional inteira .

119

Professor(a): - Expressão desse tipo nós chamamos de Polinômios. O primeiro polinômio tem um termo, que nós denominamos de monômio. O segundo polinômio tem dois termos, denominamos de binômio. O que podemos dizer do que tem três termos? Trinômio. Para aqueles que têm mais do que três termos não há nomes especiais. Vejamos outros exemplos. Quadro: - 10 x – 1 Professor: Este o que é? É um binômio.

3 x 3 - x + 7 Professor: E este? É um trinômio.

x 4 + x 3 + x 2 + x + 1 Este é chamado de polinômio. Chamaremos polinômio a todos os que têm mais de três termos. Professor(a): - Seguindo: o que queremos dizer com “expressão algébrica racional inteira”? É racional porque não aparece nem uma vez a variável em um radical....é inteira, porque não tem variável em denominador. Há silêncio na sala, todos copiam e prestam atenção. Professor(a): - Quando o polinômio apresenta termos semelhantes, estes devem ser reduzidos a um só termo, o que fazemos reunindo-os. Vejamos um exemplo: Quadro: 5 x + 4 y + 2 x – 3 y = (5 x + 2 y) + (4 y – 3 y) = 7 x + 1 y = 7x+y Professor(a): Agora, vamos abrir o livro e fazer os exercícios 1 e 2, página 44. Exercícios: “1. Reduza os termos semelhantes de cada polinômio. a) 7 a + 3 b – 2 a + 5 b =

b) 3 x 2 + 7 x 2 - 5 x + 2 x =

c) 2 x 2 - x – 1 + 3 x 2 + 2 x + 1 =

d) 4 a + 5

6b- 2 +

10

3b +

3

a - 1 – b =

2. Num polinômio, dois termos semelhantes com coeficientes opostos podem ser cancelados porque têm soma igual a zero. Observe o exemplo:

3 x + 7 x 2 - 1 – 7 x 2 + 2 x = (3 + 2) x – 1 = 5 x – 1 Agora faça você a redução dos termos semelhantes. a) 2 x + 3 y – 3 y + x = b) a + 3 x – 6 a – 3 x + 6 a + 4 =

c) x 2 - 3 x + 1 - x 2 + 5 x – 1 + 3 x + 7 x – 6 =

d) 3 x – 3 + x 3 - 3 x + 2 x 2 + x 3 - 2 x 2 + 3 – 2 x 3 =”. Os alunos começam a fazer os exercícios no caderno, reduzindo termos semelhantes, classificando os polinômios e ordenando segundo os seus expoentes. O professor, acompanhando a turma, auxilia nos cadernos e faz correção, ao final, no quadro. Em seguimento a esta aula, o(a) professor(a) “entra” em “operações” e vai ministrando o assunto. (Zaidan,2001,p.15-17)

Segundo a pesquisadora, os contextos escolares em que uma aula como

essa se inseria eram variados. O professor chegava na sala de aula, “dava” a

120

matéria e, por ser mais ou menos tratável, tinha, muitas vezes, um bom

relacionamento com a turma. Isso acontecia em escolas públicas ou privadas e o

professor se limitava a ir ao quadro, expor a matéria, dar um ou alguns exemplos e

colocar os alunos a fazerem exercícios baseados no que tinha acabado de

“ensinar”. Thomaz (1999), assinala que:

A ênfase no “é assim que se faz”, geralmente encontrada no ensino atual, vem acompanhada da ênfase exagerada na repetição e imitação, considerando que a repetição leva à fixação e esquecendo que leva, principalmente, à automação cega.(THOMAZ,p.196)

Zaidan (2001) destaca, também, que tradicionalmente o professor passava

de um assunto a outro, gradativamente, encadeando-o e articulando-o numa

formalização própria requerida pela matemática. Ponte (2005) apresenta a

seguinte análise a esse respeito: ”Imagem usual dessa ciência, como um corpo de

conhecimento organizado de forma lógica e dedutiva, qual edifício sólido,

paradigma do rigor e da certeza absolutas”.(p.15)

Zaidan (2001) afirma que a exposição dos “conteúdos” era, muitas vezes,

feita com beleza e maestria e que o livro didático orientava professor e alunos

quanto aos assuntos a serem tratados e os exercícios a serem realizados. Dando

continuidade ao seu trabalho, ao final do assunto, o professor “aplicava” uma

prova, melhor se fosse concisa, para avaliar a aprendizagem. Com os resultados

em mãos, se necessário, voltava a algum ponto e, havendo o aluno mostrado

ainda dificuldades, principalmente com as habilidades básicas, orientava para que

estudasse mais ou tivesse uma aula particular, continuando o processo até a

prova final. Nessa, novamente, se propunham questões visando perceber o

desempenho do aluno, envolvendo o assunto anterior. Aqueles que não

alcançavam a média exigida eram encaminhados à recuperação e tinham que

apresentar o “rendimento” esperado, caso contrário eram reprovados, faziam no

ano seguinte tudo novamente, até que demonstrassem ser capazes de resolver

exercícios e problemas sobre os assuntos estudados.

121

A aula descrita pela pesquisadora, mesmo que descontextualizada, reflete

um estilo de aula que foi (e em certas situações ainda é) bastante comum no

ensino de matemática, podendo-se afirmar ser típica dos moldes de uma visão

tradicional de ensino. D’Ambrósio também endossa a afirmativa anterior, quando

explica uma típica aula de matemática:

a típica aula de matemática ... ainda é uma aula expositiva, em que o professor passa no quadro negro aquilo que julga importante. O aluno ... copia da lousa para o seu caderno e em seguida procura fazer exercícios de aplicação.(D’AMBRÓSIO,1989,p.15)

Referindo-se à aula expositiva, Lins acrescenta ainda que:

É cômodo dar aula expositiva, acreditando que a comunicação efetiva existe ( “eu falo e ensino, você entende e aprende” ), é cômodo pensar que é possível que eu cumpra a tarefa que me foi designada ( ensinar esta ou aquela parte do currículo neste meu período com estes jovens, promover esta ou aquela passagem de nível de desenvolvimento num dado período de tempo ) –uma linha de montagem de gente “boa”.(LINS, 2004, p.104)

D’Ambrósio (1996) contribui para essa discussão, destacando que

tradicionalmente, saber ensinar é expor conteúdos bem estruturados e

organizados pelo professor. Ao lado dessa questão relacionada à prática

pedagógica do professor, é importante considerar aqui a organização do conteúdo

das matérias previstas nas Leis de Ensino, a partir da qual as escolas organizam

seus currículos e os professores planejam suas aulas. Na vigência da Lei

5692/1971 o ensino era seriado, disciplinado e avaliado com rigor. Os conteúdos

organizavam-se por blocos de conhecimento e se encadeavam e se estruturavam

ao longo de todo o ensino fundamental. Foi se criando um “nível de

conhecimentos e habilidades” que era fixo e desejável pela escola, para os alunos

de cada série, de maneira que essa decidia a avaliação dos alunos. Esse foi o

modelo de ensino brasileiro que predominou até a década de noventa.

122

Em 1996 aprovou-se a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei 9394/96, que contém em seu texto muitos elementos essenciais

propostos pelo movimento de renovação pedagógica, admitindo diversificação dos

processos de aprendizagem e de avaliação. Nessa mesma década, vieram os

Parâmetros Curriculares Nacionais –PCN’s, produzidos por equipes de docentes

de todo país, contratados pelo Ministério da Educação e Cultura. Embora esse

texto tenha sido muito polêmico e suscitado várias críticas da comunidade

educacional, em geral podemos dizer que, em relação ao programa mínimo e

rígido anteriormente existente, a nova Lei e os PCN’s trouxeram alguns avanços,

mesmo que não substancialmente. Nessa visão, tanto a Lei vigente quanto os

PCN’s fizeram suscitar pelo menos discussões sobre o assunto, principalmente na

área da matemática.

Diante do colocado até aqui, podemos inferir que os novos Parâmetros

Curriculares implicam em mudanças nos conteúdos ministrados e/ou nas práticas

realizadas, no que se refere ao ensino de matemática. Assim, cada escola passou

a se organizar e a planejar o ensino das diferentes disciplinas de acordo com os

PCN’s. Nas escolas alvo de nossa pesquisa, os conteúdos são organizados por

blocos de conhecimento e encadeiam-se e estruturam-se ao longo de todo o

ensino fundamental. Segue o relato da proposta de ensino de matemática da

7ªsérie das duas escolas.

Análise da proposta de ensino de Matemática: Escola A

Para discussão dessa questão, foram analisados o programa anual de

matemática da 7ªsérie, bem como o planejamento de aula do professor, listas de

exercícios, provas e o Projeto Político Pedagógico dessa escola.

Os conteúdos de matemática da 7ªsérie são ministrados em seis aulas

semanais, sendo a carga horária semanal dividida em cinco aulas para Álgebra e

123

uma para Desenho Geométrico22; ficando cada uma dessas disciplinas a cargo de

um professor. Assim, a 7ª série da escola conta com dois professores de Álgebra

e um de Desenho Geométrico. De acordo com o coordenador da área de

matemática, o programa anual dessa disciplina se mantém inalterado por vários

anos23, afirmação que comprovamos na análise do planejamento anual da sétima

série. Inicialmente, o programa não foi localizado, pois o coordenador e os

professores de matemática da sétima série não tinham uma cópia desse

documento; apenas um professor, que não foi alvo da nossa pesquisa, possuía o

documento, mas do ano anterior. Na semana seguinte, fomos à secretaria da

escola e solicitamos o planejamento anual do ano de 2004 e fomos prontamente

atendidos.

Com o documento em mãos, passamos a analisá-lo e nossos pressupostos

foram confirmados: no planejamento havia apenas a modificação do ano. Os

conteúdos e a distribuição dos mesmos permaneciam inalterados. Quando

questionado sobre a não atualização do planejamento curricular, o coordenador de

área afirmou:

Trabalhamos com o objetivo direto no vestibular da UFMG. Como os conteúdos exigidos permanecem os mesmos, não vemos a necessidade de mudá-los aqui também. E tem outra coisa, nós temos uma tradição matemática de longa data. O aluno que entra aqui sabe que a matemática é nosso carro chefe. Então concluindo: em time que está ganhando não se mexe!(Coordenador da área de matemática)

Esse depoimento nos remete a Lins e Gimenez (1997), quando afirmam

que a matemática escolar não muda, pois está cristalizada nos currículos

tradicionais das escolas, que possuem, por sua vez, a visão do que se deve

ensinar na escola. Os autores afirmam, ainda, que os professores são submetidos

22 -Há um professor de Álgebra para cada turno-manhã e tarde. O professor de Desenho Geométrico trabalha nos dois turnos. 23 -De acordo com suas informações, o programa se mantém inalterado há pelo menos 15 anos, tempo que exerce essa função.

124

a uma enorme pressão dessa tradição, tanto sob a forma de currículo e livros-

texto quanto sob a forma de uma pressão social persistente e concluem que

tradições não se sustentam por si próprias, com base apenas na idéia de que

“sempre foi assim”: é preciso que a tradição seja revestida de princípios

justificadores para que possa resistir de forma eficiente à mudança.

Durante a entrevista, levantamos a possibilidade da existência de um

currículo um pouco mais flexível, que poderia trazer mais significado à

matemática, ou seja, um currículo mais voltado às necessidades da sociedade

atual, denominado por D’Ambrósio (1996) de currículo dinâmico:

O currículo dinâmico é contextualizado no sentido amplo.(...) O currículo dinâmico reconhece que nas sociedades modernas as classes são heterogêneas, reconhecendo-se entre os alunos interesses variados e enorme gama de conhecimentos prévios. O currículo, visto como estratégia de ação educativa, leva-nos a facilitar a troca de informações, conhecimentos e habilidades entre alunos e professores, por meio de uma socialização de esforços em direção a uma tarefa comum.(D’AMBRÓSIO, 1996, p.88-89)

Para o coordenador da Escola, a possibilidade de um currículo mais flexível

e dinâmico na matemática é muito interessante, quando o mesmo é direcionado

às escolas públicas, pois, segundo ele, os alunos necessitam da matemática para

o seu dia-a-dia; mas aplicá-lo em uma escola particular seria loucura. Quando

questionamos essa sua crença, ele foi taxativo:

”A matemática ensinada para o cotidiano é muito “rasteira” e se aplica em escolas públicas, onde a clientela dificilmente terá como objetivo o vestibular.(Coordenador da área de matemática)

Esse depoimento revela que as afirmações do Coordenador vão na contra

mão de vários estudiosos e pesquisadores da área de matemática, como

Terezinha Nunes(2003), David Carraher(2003), Ana Lúcia Schielmamn(2003) e

D’Ambrósio(2005), quando afirmam que o cotidiano está impregnado dos saberes

125

e fazeres próprios da cultura e que a todo instante, os indivíduos estão

comparando, classificando, quantificando, inferindo e de algum modo utilizando

instrumentos de natureza matemática. Ao explicar como e porque considera a

matemática como coisa séria, o Coordenador reforça essa sua posição:

Não podemos fazer “isso” com a matemática aqui no colégio, pois se ficarmos brincando de ensinar matemática, os alunos não podem ficar brincando de aprender. É importante trazer significados para a matemática, mas é muito importante os alunos saberem trabalhar com ela de uma forma mais profunda e analítica. Você sabe, existem muitos modismos no ensino da matemática, muitos livros “coloridinhos por aí” que não ensinam, enganam. Aqui é coisa séria. Matemática de altíssimo nível, o aluno aqui faz tudo isso que você disse e muito mais.(Coordenador de matemática)

O relato do coordenador de matemática nos remete a Baraldi (1999),

quando discute a matemática escolar: segundo ela, considerações como

observamos no relato acima, deterioram e desclassificam a matemática ensinada

nas escolas e são responsáveis pela redução da matemática, a um punhado de

conceitos e técnicas desconexas.

O coordenador é o responsável maior pelas atividades da área de

matemática da Escola A, a ele compete à organização dos conteúdos ministrados,

a participação na elaboração das provas, a aprovação de qualquer material

didático utilizado pelo aluno, no que se refere à matemática e a propostas de

novas dinâmicas para o ensino dessa disciplina. Dessa maneira, o planejamento

de ensino, que não tem sido alterado, é passado aos professores, os quais devem

segui-lo, tendo como objetivo maior a aprovação no vestibular da UFMG. Diante

do colocado até aqui, questionamos qual o material mais indicado e, portanto, o

mais utilizado pelos professores na escola para a aprendizagem dessa disciplina,

Usamos muitas listas de exercícios, quando terminamos um conteúdo os alunos recebem essas listas para resolverem em casa. Essas listas são boas porque nelas o aluno tem condições de perceber que um conteúdo tem diversos graus de dificuldade. Ah! E ela vem com resposta, para que os alunos possam fazer sua própria correção.(Coordenador de Matemática)

126

Os depoimentos do Coordenador de área, revelam que a concepção de

matemática e de seu ensino, demonstradas pelo professor Falcon também é

compartilhada, de alguma forma, pelo Coordenador dessa disciplina. Nessa

perspectiva, sua visão sobre o ensino de matemática é predominantemente

procedimental, pois é dada extrema importância às repetições, reduzindo a

possibilidade do aluno de experimentar um método de descoberta. Ainda nessa

perspectiva, o Coordenador acredita ser a matemática a única responsável pelo

desenvolvimento do raciocínio lógico do aluno.

Recursos utilizados para as aulas de Matemática: sa la ambiente

De acordo com o Projeto Político Pedagógico da escola, visando a um

aprimoramento pedagógico, em busca de melhores resultados, foram implantadas

há quatro anos as salas ambiente. Segundo o Coordenador, endossado pelo

professor Falcon, a implementação dessas salas partiu de sugestões dos

professores, pois os mesmos alegavam uma “certa dificuldade” de se trabalhar

com outros recursos didáticos. A implementação desse tipo de sala poderia

contribuir para um aprimoramento pedagógico dos professores, sendo que cada

um deles poderia ter em sua sala os materiais necessários para desenvolver um

trabalho que utilizasse outros recursos didáticos além do quadro negro,

possibilitando que cada professor personalizasse sua própria sala.

Uma outra consideração a respeito das salas ambiente é que sua

implantação poderia contribuir para uma melhor aprendizagem pois, de acordo

com os relatos, os alunos nesse tipo de salas possuem um nível de concentração

e disciplina muito superior, se comparada às salas tradicionais.

Em relação às salas ambiente, Falcon nos relatou:

É muito bom, os alunos já chegam dispostos a ter aula. Não tem aquele tipo de coisa que os alunos têm panelinhas dentro de sala. Eles vão chegando e sentando, não há espaço para conversa. Você entendeu né?.(Professor Falcon)

127

As vantagens que Falcon atribuiu às salas ambiente se restringiram às

colocações de sua entrevista: disposição e disciplina. Em momento algum de sua

entrevista ou mesmo enquanto estávamos observando sua prática, Falcon

mencionou o objetivo real da implantação desse tipo de sala. De acordo com o

Projeto Político Pedagógico, a implementação desse tipo de sala visa proporcionar

um espaço onde o professor tem a oportunidade de utilizar alguns materiais

didáticos (televisão, vídeo-cassete, mapas, jogos, materiais concretos) na própria

sala, além de espaço cultural utilizado para boletins informativos, murais,

exposição de trabalhos e etc. Em nossas observações de aula, não constatamos a

utilização da sala ambiente de acordo com os objetivos mencionados acima,

verificamos que a mesma limitou-se a ser usada para aulas expositivas. Para

Falcon, a dimensão de uma sala de aula restringe-se ao quadro negro e ao giz,

portanto uma visão limitada sobre sua utilização.

Faremos aqui, um paralelo das semelhanças entre o que foi constatado nas

observações de aula e na concepção apresentada por Falcon em relação à

matemática e ao seu ensino

CRENÇA / CONCEPÇÃO UTILIZAÇÃO DA SALA AMBIENTE

Professor: transmissor de conhecimentos -

aluno receptor

Utilização: aula expositiva, não a utiliza como

um ‘laboratório’ matemático

Professor: estabelece ordem, respeito e

disciplina

Carteiras enfileiradas milimetricamente

Disciplina rígida

O conteúdo deve ser ensinado de forma clara,

lógica, sistematizada e precisa

Não a utiliza como um espaço cultural

(exposição de murais, desafios e etc.)

Material didático

A Escola A não adota livros didáticos para o ensino da matemática pois,

segundo informações do Coordenador de área e do professor, não há no mercado

um livro que acompanhe o currículo de matemática desenvolvido pela escola.

128

Assim, a Escola A utiliza listas de exercícios, que são coletâneas de antigos livros

considerados pela equipe como excelentes, Falcon diz que esses exercícios são

extraídos do livro que a escola adotava, o qual não é mais editado. Entretanto, a

sua utilização só deixou de existir formalmente pois, as listas de exercícios são

cópias fiéis dos referidos livros. Tivemos acesso a essa coleção, e constatamos

que se trata de livros predominantemente algébricos, que apresentam uma grande

quantidade de exercícios com grau de dificuldade muito elevado; que poderia ser

muito bem definido por D’Ambrósio (1996) como “carroções”.

As listas de exercícios são fornecidas aos alunos, no final da explicação de

cada conteúdo, contemplando exercícios com grau de dificuldade crescente e

fornecendo as respostas no final de cada lista. No que se refere às listas de

exercícios, Falcon explica:

Utilizamos essa dinâmica para facilitar a vida dos meninos, porque se os exercícios têm resposta eles podem conferir e achar onde está o erro. (Professor Falcon)

Na postura de observadores, chegávamos com uma antecedência de dez a

quinze minutos do início da primeira aula do dia, constatávamos que Falcon

também chegava com uma certa antecedência para ‘preparar’ a aula no quadro.

Quando os alunos entravam em sala, o conteúdo já estava exposto e, portanto,

pronto para ser copiado pelos alunos. O fato observado contrasta com o que foi

mencionado por Falcon em sua entrevista:

Os exercícios eu sempre bolo na hora, eu invento na hora. É porque é justamente em cima da dificuldade do pessoal, eu vou dosando, eu vou canalizando para mais ou para menos, eu vou dosando, sabe? (Professor Falcon)

A fala de Falcon se enquadra no que Schön (1983) afirma ser um professor

reflexivo e, portanto, que vai além da racionalidade técnica, que mostra sua perícia

profissional, que entende que não é possível de se prever todas as situações

129

antecipadamente. Entretanto, o que foi mencionado por Falcon em entrevista não

foi constatado em nossas observações.

Avaliações

As avaliações a que tivemos acesso baseavam-se na aplicação de

algoritmo, dando prioridade a exercícios que exigiam procedimentos e pouca

relevância no desenvolvimento de situações problema. A título de exemplo,

apresentamos um excerto de uma prova realizada pelos alunos, em abril de 2004.

QUESTÃO 04

CONSIDERE os polinômios A = 0,3 x 3 - 0,5 x 2 - 2 2− x + 0,45 0

B = - 4,0 x 3 - 1 2

1 x 2 - 0,75 x + 1 e C = - x + 3

Sejam as afirmativas:

I. O polinômio D = A – B é igual a x 3 - 2 x 2 + x.

II. O grau do polinômio E = A + B é 6.

III. O polinômio F = A + B – C +

− 43

1 3X é igual a 3

2 x 3+ x 2 + 1.

a) Se apenas I é verdadeira.

b) Se apenas II é verdadeira.

c) Se apenas III é verdadeira.

d) Se todas as afirmativas são falsas.

e) Se todas as afirmativas são verdadeiras.

130

A prova da qual foi retirado esse excerto continha oito questões e, de

acordo com nossa análise, era excessivamente extensa para o tempo estipulado

de 60 minutos. Não havia nenhuma questão mais exploratória, que exigisse

justificativas de procedimentos, ou situações problema que exigissem uma relação

entre o cotidiano e o conhecimento matemático. As questões apresentadas eram

operacionais e exigiam o conhecimento do conteúdo avaliado e aplicação de

algoritmos e, de acordo com Fiorentini e Miorim (2001), poderia ser caracterizada

como uma prova procedimental ou seja, uma prova que se enquadra na sintaxe da

linguagem matemática e nos procedimentos, regras, processos algoritmos,

fórmulas e processos de validação/demonstração das idéias e expressões

matemáticas. Nenhuma das questões apresentadas nessa prova, deu margem à

aplicação do conhecimento conceitual da matemática que, segundo os autores, se

refere aos múltiplos significados, relações e conceitos das idéias e representações

simbólicas da matemática, ou seja, essa dimensão geralmente expressa um

conhecimento do tipo declarativo, relacional ou conceitual e é modelada por uma

rede de significados.

No dia seguinte da realização da prova, o professor afixava o gabarito nas

paredes laterais de sua sala, local muito disputado pelos alunos antes do início da

aula e iniciava um novo conteúdo, sem fazer considerações sobre a prova do dia

anterior. Após alguns dias da realização da prova, presenciamos a devolução da

mesma, que se deu da seguinte maneira: Falcon falava o nome do aluno e o

mesmo ia até sua mesa, voltando rapidamente para sua carteira sem fazer

qualquer comentário; a feição dos alunos era, na sua maioria, uma mistura de

medo e decepção. Após a entrega das provas, Falcon fez um breve comentário:

É preciso se esforçar mais, correr atrás, 7ª série é isso aí, vocês têm que ‘rebolar’ porque um conteúdo puxa o outro. (Professor Falcon)

A postura de Falcon diante do resultado das provas aponta que sua

preocupação está centrada na aprendizagem como um produto final e não

processual.

131

De acordo com D’Ambrósio (1996), a avaliação deve ser uma orientação

para o professor na condução de sua prática docente e jamais um instrumento

para reprovar ou reter alunos na construção de seus esquemas de conhecimento

teórico e prático. Segundo o autor, selecionar, classificar, filtrar, reprovar e aprovar

indivíduos não é missão de um educador, porque isso a sociedade já o faz e muito

bem.

Acompanhamento pedagógico da instituição

O acompanhamento pedagógico, como foi informado anteriormente, é

realizado pelo Coordenador de área dessa disciplina. As reuniões acontecem

semanalmente, entretanto, as de área são quinzenais. Nas reuniões de área, são

resolvidos problemas referentes à elaboração de provas e informativos

institucionais.

Na reunião em que fomos convidados a participar, não constatamos um

diálogo entre professores e Coordenador que pudesse apontar para uma

preocupação com ensino e aprendizagem, com novas propostas de abordagem de

conteúdo e nem com resultados obtidos pelos alunos na última prova. Essa

constatação de falta de diálogo nos remete a Liston e Zeichner (1997), quando

afirmam que uma prática reflexiva competente pressupõe um meio institucional

estimulador da reflexão e da ação coletiva e que, se não há reflexão ou a mesma

se dá em um processo solitário, as mudanças tornam-se imediatas, não

conseguindo, portanto, alterar situações que vão além das salas de aula.

Análise da proposta de ensino de matemática: Escola B

Para discutirmos a proposta de matemática para a 7ª série da Escola B,

foram analisados: o programa anual de matemática da série mencionada, o

132

planejamento de aula do professor alvo de nossa pesquisa, as atividades

direcionadas aos alunos, as provas e o Projeto Político Pedagógico dessa escola.

Os conteúdos da 7ª série são ministrados em cinco aulas semanais, sendo

a carga horária dividida de acordo com a proposta de cada professor. No caso de

Alpha, eram distribuídas em quatro aulas semanais para álgebra e uma para

geometria. De acordo com Alpha, o programa anual dessa disciplina é de

responsabilidade de cada professor, assim como o planejamento das atividades,

não havendo acompanhamento ou supervisão das mesmas por parte de um

coordenador, pois a escola não conta com um profissional que exerça essa

função. Como nos relata Alpha em sua entrevista:

Não existe coordenador, é você e você. É você e o livro didático. É você com aquilo do seu dia-a-dia. Não existe coordenador, não existe outro planejamento. O que existe é um colega que às vezes a gente discute sobre alguns conteúdos, se vale a pena ou não ensinar. (Professor Alpha)

Alpha nos relata que seu planejamento anual baseia-se nos conteúdos

apresentados no livro didático adotado pela escola, mas afirma não se prender a

ele. Para efeito burocrático, o planejamento é realizado nos moldes exigidos pela

secretaria da escola. Alpha, em relação ao planejamento anual, nos coloca que:

Não acredito em um planejamento anual que é feito para ser entregue à secretária da escola. Um planejamento desse tipo, sem a gente conhecer os alunos não funciona, principalmente em uma escola Estadual onde só há retenção no final de cada etapa do ensino Fundamental e Médio. Eu faço o planejamento bonitinho, mas dentro de sala eu decido o quê, como e quando eu vou ensinar algum conteúdo. (Professor Alpha)

Analisando o que foi assumido por Alpha em seu relato anterior, à luz dos

aportes teóricos de Gómez (1997), acreditamos que Alpha é um professor

competente, porque atua refletindo na ação, criando uma nova realidade,

133

experimentando, corrigindo e inventando, através do diálogo que estabelece com

essa realidade.

Nas entrevistas, levantamos a possibilidade de um currículo que pudesse

ser desvinculado do livro texto e Alpha afirma que ele e a escola não se prendem

muito ao que está no papel, acrescentando ainda que a escola trabalha muito com

projetos interdisciplinares e que os mesmos têm dado bons resultados. Alpha

apontou uma preferência em trabalhar com projetos, mesmo reconhecendo as

dificuldades de execução e de realização.

Trabalhar com projetos é muito bom, o único empecilho é que fica difícil o encontro dos professores em um mesmo horário. Porque 90% dos professores dessa escola saem correndo daqui para trabalhar em outra escola, mas mesmo assim, a gente dá um jeito e o projeto sai. (Professor Alpha)

De acordo com as informações do professor Alpha, as dificuldades na

realização de um projeto só podem ser resolvidas porque os professores dessa

escola são muito competentes e, acrescenta, a maioria dos professores dessa

escola possui curso de pós-graduação lato sensu ou stricto sensu.

Alpha, ao assumir sua preferência em trabalhar com projetos, demonstra

uma visão humana e dinâmica de seu ensino, sendo o mesmo comprovado

através das observações de aula e de acordo com sua entrevista:

A realidade de uma escola de uma região é diferente de uma outra. A realidade do centro é uma e a realidade da periferia é outra. Ou de uma região, ou mesmo de uma escola para outra. Então, assim, alunos carentes necessitam de um assunto que tem a ver com a realidade deles e da comunidade em que eles vivem, por isso trabalhar com projeto é muito bom, a gente tem que trabalhar com essa realidade, alguma coisa que traga significado para eles.(Professor Alpha)

O depoimento de Alpha vai ao encontro do que Liston e Zeichner (1997)

apontam para um genuíno professor reflexivo, que conhece a realidade de sua

134

escola e também de seu entorno e que trabalha com essa realidade, agregando

significado para o seu ensino. A preocupação com a realidade da comunidade e

com a visão dinâmica do ensino também é compartilhada pelo diretor da escola:

A escola atende, em sua grande maioria, crianças muito carentes e que estão ávidas por alguma coisa que faça sentido para elas. Então, nós aqui da escola procuramos fazer o possível para trazer essa realidade da rua e da vida deles para a escola. A meu ver, a educação só tem sentido quando existe sentido naquilo que se ensina e, então, naquilo que se aprende. (Diretor da Escola B)

Fomos convidados a participar de uma reunião pedagógica que aconteceu

em um sábado letivo. Essa reunião não tratou de problemas relativos ao ensino e

de especificidades relacionadas a ele; a pauta da reunião foi o problema da

gravidez de muitas de suas alunas. Nessa reunião, decidiu-se desenvolver um

projeto de cunho social, denominado de Projeto Afetivo Sexual, que seria

desenvolvido por todos os professores da escola, com a colaboração especial dos

professores de Ciências e Ensino Religioso. Cada professor ficou encarregado de

desenvolver atividades com o tema escolhido. As aulas aconteceriam

semanalmente, às sextas-feiras, nos dois últimos horários do dia e o professor

encarregado dessa tarefa ficaria responsável pela discussão do tema.

Acompanhamos duas aulas desse projeto e constatamos um grande

interesse por parte dos alunos. A dinâmica da aula foi a seguinte: inicialmente o

professor explicou o motivo do desenvolvimento do projeto e da preocupação da

escola com esse tema e explicou também, como seria desenvolvido durante as

aulas. Após a explicação, o professor leu um texto que havia selecionado, sobre

gravidez na adolescência e direcionou uma interessante discussão sobre o tema.

Recursos utilizados para as aulas de matemática

A sala de aula

As salas de aula da Escola B não são salas ambiente, entretanto

observamos que o espaço físico da sala era muito utilizado. Pareceu-nos que

135

aquele local tinha ‘vida’, pois as paredes da sala eram recobertas de cartazes,

textos produzidos pelos alunos sobre livros que haviam lido, trabalhos de grupo e

até um painel onde se colocavam avisos de aniversário, datas de eventos e etc.

Há que se destacar a matemática: desafios, desenhos geométricos realizados

pelos alunos e alguns textos informativos.

As salas de aula eram muito simples, reduziam-se ao quadro negro, às

carteiras enfileiras em duplas e uma decoração com a ‘cara’ de cada turma. A

disciplina, de uma forma geral, não era excelente, mas dava para se realizar um

bom trabalho. Alpha mostra uma preferência por trabalhar em duplas:

Eu acho melhor, às vezes o que o aluno não entendeu com sua explicação, entende com a do colega e outras vezes, quando eu assento com eles para tirar alguma dúvida, eu já explico para os dois. (Professor Alpha)

A preferência metodológica utilizada por Alpha nos remete a Micotti (1999),

quando afirma que esse tipo de metodologia é considerada como situações de

aprendizagem e de mediação; nessas são valorizadas o trabalho dos alunos na

apropriação do conhecimento e a orientação do professor para o acesso ao saber.

Material didático

Livro texto

Segundo Alpha, o livro texto adotado era escolhido democraticamente em

reunião feita pelo Departamento de Matemática, juntamente com a direção da

escola, de acordo com as opções dadas pela Secretaria de Estado da Educação

de Minas Gerais. Na década de 90, um olhar mais rigoroso do MEC recaiu sobre

os livros didáticos. Isso ocorreu devido à presença constante de erros conceituais,

ausência de informações essenciais à formação dos alunos, falta de qualidade

gráfica, entre outros. Criou-se então um grupo de trabalho em 1995 com o intuito

de estabelecer critérios para a avaliação dos livros didáticos; nascia assim o PNLD

136

(Programa Nacional do Livro Didático). O Programa Nacional do Livro Didático é

uma iniciativa do Ministério da Educação e Cultura e tem por objetivo básico a

aquisição e distribuição universal e gratuita de livros didáticos para alunos das

escolas públicas.

O livro adotado pela escola é a coleção “Matemática para todos”, dos

autores Imenes e Lelis. A coleção, segundo Alpha, possui um enfoque um pouco

mais inovador, no que se refere à produção de livros didáticos de matemática e

oferece uma visão menos tradicional dessa disciplina, propiciando oportunidade

de se trabalhar com a matemática mais contextualizada. Alpha coloca que não

trabalha com o livro como um caderno de ‘receitas’:

Ah! Eu trabalho com o livro, como me convém, não sigo religiosamente o índice do livro. Vou selecionando aquilo que é interessante para os alunos aprenderem. (Professor Alpha)

A opinião demonstrada por Alpha vem ao encontro de Murari (2004), que

acredita que selecionar conteúdos que acentuem o valor das atividades de

aprendiz na apropriação da saber, revela uma postura reflexiva diante de sua

prática.

Outros recursos

Alpha diz gostar muito de diversificar suas aulas com fitas de vídeo, pois

elas possibilitam um trabalho interessante e funcionam como um elemento

‘detonador’ para uma discussão em sala de aula; mas acrescenta não poder

utilizá-las no momento, pois sua escola foi ‘visitada’ por ladrões, que roubaram a

televisão e o vídeo cassete que haviam sido comprados com a ajuda da

comunidade.

No que se refere à diversificação de recursos didáticos, Alpha afirma que

sempre tenta diversificar:

137

Eu tento usar o material concreto, é a melhor coisa que tem, pelo menos você vê que os alunos se interessam mais, é coisa diferente para eles. E eles se interessam mais. Você vai ver quando a gente estiver trabalhando com produtos notáveis, eu vou usar material concreto, vou desenvolver geometricamente. (Professor Alpha)

Em nossas observações de aula, acompanhamos a atividade mencionada

por Alpha na entrevista e constatamos a grande euforia e interesse por parte dos

alunos. Murai (2004) afirma que atividades em que os estudantes são estimulados

a explorar conceitos matemáticos, utilizando material que se pode manipular,

proporcionam condições para a descoberta e o estabelecimento das relações

existentes nesses conceitos.

Avaliações

As avaliações que presenciamos eram semelhantes aos exercícios

trabalhados em sala, não cobravam memorização de fórmulas que segundo

Alpha, se houvesse necessidade poderiam ser deduzidas. As questões

exploravam as várias situações vivenciadas em sala de aula, não cobravam

excessivos desenvolvimentos operacionais, exigiam apenas o conhecimento de

conceitos básicos para aplicação na resolução de situações problema. O número

de questões foi coerente com o tempo dedicado para a prova: 50 minutos.

A seguir, exemplificamos um excerto dessa prova.

Questão 1

Veja a tabela de preços de um estacionamento:

TEMPO PREÇO EM REAIS

1ª hora R$ 5,00

Horas seguintes R$ 2,00

*Fração de hora é paga como hora inteira

138

a) Um carro ficou estacionado por 4 h 10 min. Qual será o valor que o motorista

pagará?

b) Deduza uma fórmula que dê a quantia a pagar (Q), para um carro que ficou

estacionado por n horas, com n > 1.

(Excerto da avaliação do professor Alpha)

Após alguns dias, Alpha devolveu a prova aos alunos e o que constatamos

foi um resultado positivo, no que se refere ao aproveitamento. Verificamos que

Alpha considerou muitas formas de raciocínio apresentados pelos alunos e fez

comentários pertinentes, que levariam os alunos a repensarem seus erros. A

atitude de Alpha foi a de um professor que vê a avaliação como um processo de

aprendizagem e não apenas como um produto final.

A visão que Alpha possui sobre o processo de avaliação nos remete a

D’Ambrósio (1996), quando afirma que a avaliação serve para que o professor

verifique o que de sua mensagem foi passado e se seu objetivo de transmitir

idéias foi atingido. Ao conceituar educação como uma estratégia da sociedade

para facilitar que cada indivíduo atinja o seu potencial e para estimular cada

indivíduo a colaborar com outros em ações comuns na busca do bem comum,

D’Ambrósio reconhece que a missão do educador é levar essa estratégia ao

máximo.

Acompanhamento pedagógico

O acompanhamento pedagógico, como foi colocado anteriormente, não é

realizado por um coordenador de área e sim pelo diretor da escola. As reuniões

dessa escola acontecem com uma periodicidade bimestral, objetivando aprimorar

a qualidade e desenvolvimento de projetos pedagógicos. Não há supervisão ou

coordenação na elaboração das provas e ou exercícios, ficando o professor

inteiramente responsável pelo seu desenvolvimento.

139

5.2. Professor de matemática: da opção à formação

Acreditar que a formação do professor acontece apenas em intervalos

independentes ou em um espaço bem determinado é negar os movimentos

sociais, históricos e culturais de constituição de cada sujeito. O movimento de

formação do professor não é isolado do restante da vida. Ao contrário, está imerso

nas práticas sociais e culturais de cada indivíduo (Fiorentini e Castro,2003). Dessa

forma, muitas foram as oportunidades profissionais encontradas pelos professores

entrevistados, em sua trajetória, mas todos acabaram escolhendo a profissão

docente. Suas escolhas foram pontuadas pelo desejo ou por situações reais do

cotidiano, que fizeram com que se decidissem por essa profissão.

Alpha relata que os motivos que o levaram à escolha da profissão docente

e, conseqüentemente, à matemática, foram acontecimentos que se encaixaram ao

longo de sua vida, como as peças de um quebra-cabeça. Durante a entrevista,

Alpha se mostrou visivelmente emocionado quando fazia a reconstituição de sua

trajetória. Ele voltou quase 40 anos em sua vida e relatou um episódio de quando

ainda cursava o ensino fundamental, anteriormente chamado de ensino primário

ou grupo escolar:

Quando eu estava no grupo, minha professora chamou minha mãe e disse: Ah ! Esse menino só fica dormindo! Não presta atenção em nada. Não gosta de nada, só gosta de jogar bola.(Professor Alpha).

Alpha relatou que não se interessava pelos assuntos da escola, pois

segundo ele “tudo era muito monótono e sem novidades”. Em seus relatos, disse

que seu desinteresse pela escola, inicialmente, deu-se provavelmente pelo fato de

sua mãe ser professora primária. No seu depoimento, declarou que teve contato

com a escola antes mesmo de freqüentá-la, pois sua mãe sendo professora

primária, estava sempre envolvida com o planejamento de suas aulas. Nos conta

também, que várias foram as ocasiões em que sua mãe lhe dava lápis de cor e

papel para brincar, enquanto ela estava envolvida com suas tarefas escolares. A

140

infância de Alpha, segundo ele, foi entremeada por muitos livros e atividades

escolares. Talvez isso o tenha levado a aprender a ler e escrever muito antes do

que lhe foi ensinado na escola e esse fato talvez possa explicar o seu

desinteresse pela mesma. Segundo ele, seu interesse pela escola só começou

quando estava cursando a 7ª série do ensino fundamental.

O que me incentivou foi a matemática, justamente por ser abstrata, eu não conseguia ver, e aquilo me incentivou a raciocinar mais e buscar respostas de quando eu estava no grupo e minha mãe foi chamada. Não é que eu estava dormindo, é porque eu ficava pensando em outras coisas, meu raciocínio estava em outra coisa. E quando chegou essa matemática abstrata, me pareceu que ai eu me identifiquei eu acordei.(Professor Alpha)

A sua identificação com a matemática o levou a exercer a monitoria dessa

disciplina durante todo o período em que esteve cursando o ensino fundamental e

médio. Entretanto, outros fatores influenciaram sua escolha por essa disciplina.

Alpha relata que, quando cursava o ensino médio, começou a namorar a melhor

aluna da sala em matemática e isso criou uma certa disputa entre eles, para ver

quem seria o melhor.

Eu tive essa experiência na 7ª série, percebia que eu começava a aprender e no 2º grau, eu tinha uma namorada que gostava de matemática, ela gostava de ensinar. Passei a ver que eu tinha que aprender mais. Eu tinha que aprender, eu não podia ficar para trás ! (risos) Tinha que aprender, não podia deixar. Aquilo ali, eu acho que foi uma forma de eu aprender mais, de caminhar e caminhar mais em cima do aprendizado e do gosto pela matemática.(Professor Alpha)

O que pudemos perceber é que várias “peças” do quebra-cabeça estão se

formando, no sentido de sua escolha pela profissão docente. Primeiro, sua

habilidade e gosto pela disciplina, segundo, pela influência de sua namorada e a

formação de grupos de estudo na época do ensino médio e, finalmente, podemos

apontar mais uma “peça” desse quebra-cabeça:

141

Que eu gostava da matemática sim, mas que eu seria professor passou pela minha cabeça no 2º grau. Eu tive um professor no 3º ano, que, no final do ano nós apostamos: ”Olha, eu vou tirar dez na sua prova” (que era nota máxima). Eu acho que ele fez alguma coisa lá, para eu não tirar dez, eu tirei nove e meio. E eu não consegui ver essa prova depois, no final do ano. Eu já tinha passado, não precisava tirar dez. Então isso... Durante o ano, ele era um professor muito legal! Dava aula no Colégio Batista. Era um professor muito legal, e ele me influenciou muito também! O modo de ele tratar, de brincar e ensinar, aquilo tudo me influenciou. E a partir daí eu passei a gostar do jeito dele ensinar e, no 2º grau, eu falei: “Não, eu posso ensinar também!” Eu vou fazer matemática e fiz.(Professor Alpha)

Alpha, graduou-se em matemática há quase 20 anos e exerce sua

profissão desde então. Quando questionado sobre sua formação continuada,

afirmou ser uma peça importante na profissão de qualquer pessoa, mas acha-a

essencial na profissão docente. Justifica sua afirmativa, pontuando que a

graduação não lhe deu suporte suficiente para que pudesse enfrentar os desafios,

diários de uma sala de aula. Relata que os motivos que o levam à busca da

formação continuada estão relacionados às dificuldades encontradas na sua

trajetória docente e à busca de alternativas para sua prática.

Alpha afirmou que a busca pela formação continuada não possui o objetivo

único de aplicação em suas práticas docentes. Ele afirma ser importante estar

sempre informado, “antenado” nos últimos acontecimentos da Educação

Matemática e procura manter-se informado, assinando revistas sobre o tema e,

na medida do possível, participar de cursos e congressos que tratem de Educação

de uma forma geral e de Matemática. Ele relata que possui três cursos de

Especialização lato-sensu, sendo duas na área de matemática e uma na área de

Psicopedagogia; afirma que a busca por uma formação continuada é muito

importante, mas que a troca de experiência entre os pares é fundamental. Pontua

que a formação continuada só se torna efetiva quando há possibilidades de troca

e discussão das teorias e práticas aprendidas nesses cursos.

Entre nós, trocamos idéias sobre certos alunos, certas situações: “Aquele aluno é assim, tem mais dificuldades...” E com isso você planeja alguma coisa para aquele aluno. A gente troca “figurinha”. Olha, eu tenho isso aqui, eu trouxe de um curso que eu fiz, olha eu tenho esse

142

livro aqui, ele é legal, olha, eu fiz isso aqui na turma tal e deu certo e etc.Então passa exercícios, situações, e a gente vai introduzindo. Eu olho se aquilo ali é adequado à capacidade do aluno que eu tenho. E ai eu transmuto. Às vezes é muito para o aluno, para esse aluno que eu tenho. Então eu não vou transmitir isso para ele agora, mas pelo menos eu aprendi coisa nova.(Professor Alpha)

Falcon relata que o motivo que o levou à escolha da profissão docente, foi

inicialmente, a sua identificação pela área. Na verdade, sua opção inicial era o

curso de Engenharia Civil. Não deixou claro em sua entrevista, que a sua opção

pela matemática foi um resultado frustrado do seu vestibular para Engenharia.

Afirmou que fez vestibular para Engenharia com uma segunda opção para

Matemática, só que há 31anos não havia a re-opção de cursos. Portanto, quando

questionado sobre a existência da re-opção, sua resposta foi a seguinte:

Fiz para Engenharia, só que na época não existia re-opção, entendeu? Eu fiz a segunda opção para (o curso na época era Ciências). Isso! Era Licenciatura curta em Ciências, e acho que plena em Matemática! Então o diploma é esse... (Professor Falcon)

Nas sessões de entrevista de Falcon, pudemos observar que as questões

sobre sua formação o incomodavam de uma certa maneira e, por esse motivo,

decidimos não questioná-lo mais a esse respeito. Fomos até à secretaria do

estabelecimento onde trabalha e comprovamos que sua formação é Licenciatura

em Ciências Biológicas. Essa licenciatura, na época, dava direito ao professor de

ministrar aulas de matemática, no ensino fundamental. Falcon afirma que uma das

questões que o incentivaram a optar pela matemática foi a sua habilidade por

desenho porque, segundo ele, poderia canalizá-lo para suas aulas.

Eu sempre gostei de desenho, meu forte sempre foi desenho, então assim, Engenharia, Arquitetura, alguma coisa. Em conversa com amigos, colegas, eu vi que o negócio não era bem isso, que eu poderia canalizar o desenho nas minhas aulas.(Professor Falcon)

143

Entretanto, o que ficou claro para nós é que sua opção pela matemática

não se deu apenas pela “identificação”, mas também pela necessidade de custear

seus estudos e ajudar nas despesas da sua casa pois de acordo com seu relato,

o curso de Matemática seria mais “leve” que o de Engenharia Civil e, portanto,

poderia trabalhar e estudar ao mesmo tempo.

E ai, a gente conseguia uma licença no Estado...Uma autorização. Ai o negócio foi pegando, porque naquela época tinha muita coisa pegando... Dar aula, ajudar o ... Né? E não me arrependi até hoje, se eu tivesse que voltar atrás, eu teria feito a mesma coisa. Uma coisa interessante...(Professor Falcon)

Falcon declara que, desde antes de sua graduação, vem exercendo a

profissão docente, há mais de 30 anos, e afirma não se arrepender disso:

Esse negócio de dar aula é um “trem” que vai entrando, que vai entranhando na gente. E a gente vai pegando o gostinho e aquilo vira um cachaça mesmo.(Professor Falcon)

Falcon afirma que possui muito prazer em ensinar, já está “viciado”, pois

percebe que a retribuição por parte dos alunos é imediata.

Você ficar atrás de uma mesa, você tentando passar e você não ver um... Você não vê resultado. E aqui não, aqui é imediato. Aquele brilho nos olhos dos meninos, aquela reação dos meninos. Isso você percebe, não precisa esperar.(Professor Falcon)

A satisfação em ensinar, demonstrada por Falcon, reflete-se de alguma

forma em sua conduta profissional. De acordo com seus relatos, dá em média 10

aulas por dia e, segundo ele, suas aulas devem ter sempre o mesmo nível.

144

Eu dou em média dez aulas por dia; quando estou trabalhando pouco, eu dou dez aulas. E eu sempre termino meu dia no Estado à noite. O meu fim de dia é justamente lá . E a primeira aula aqui no colégio e a minha última, seja a décima terceira, décima quarta, alguns dias chega a ter a décima quinta do dia, tem o mesmo nível. E, nesse ponto, eu me policio muito. (Professo Falcon)

Falcon, relatou em sua entrevista, que desde que começou a exercer a

profissão, sempre trabalhou muito; tem em média 55 aulas semanais. Quando

questionado sobre o tempo que sobraria para sua formação continuada, sua

resposta foi a seguinte:

Meu horário é fechado ! À tarde é fechada, à noite também (salvando a quinta-feira que tenho esse horário) e pela manhã também. Eu tenho duas manhãs. Eu tenho terça e quinta-feira de folga... Ai nas quintas-feiras me prende o final da manhã porque tenho aula de recuperação. Então eu tenho mesmo só a terça-feira de folga na semana. (Professor Falcon)

De acordo com seus relatos, a formação continuada nunca esteve em seus

planos. Quando questionado sobre a importância que ela teria em sua formação,

ele nos diz:

De vez em quando vem um pessoal aqui no colégio, dar uns cursos. Mas você pode ter certeza, esse pessoal não pega no duro não ! Esse povo aí sai da sala de aula e acha um jeito de ganhar dinheiro, dando esses cursinhos de reciclagem. Eu chamo isso de ir do nada prá lugar nenhum ! (Professor Falcon)

Falcon nos contou que possui muita experiência em sala de aula. e que já

passou por muitas situações delicadas e a prática, ou seja, o dia-a-dia é o que

importa. Justifica a pequena importância dada à formação continuada, afirmando

que a formação continuada poderia tê-lo ajudado anteriormente, mas atualmente

ele já está quase aposentando e, dessa forma, não teria muita utilidade no seu

caso, mas acha válido quem se propõe a fazer.

145

A necessidade e o desejo de continuar a estudar, aprimorar-se e buscar

estratégias para sua prática, foi evidente no caso do professor Alpha. Entretanto, o

mesmo não podemos dizer no caso do professor Falcon. Analisados à luz das

abordagens relativas à reflexão sobre a prática, no capítulo 2, a trajetória dos

professores evidencia distintos caminhos.

Quando abordou seu processo de formação profissional, Alpha enfatizou a

importância da formação continuada em serviço, proporcionada no dia-a-dia,

através das trocas e atividades conjuntas dos professores.

O processo de conhecer na ação de um professor se fundamenta no

contexto escolar particular que em que ele atua. Nesse contexto particular, o

professor compartilha com seus pares as suas crenças e valores, exercitando

assim o seu conhecimento na ação. Em um mesmo contexto escolar, as

situações de sala de aula apresentam características muito semelhantes. As

situações relatadas por um podem ser reconhecidas por outros, pois todos têm um

repertório comum de conhecimento profissional. Assim, as situações inesperadas

podem tornar-se objeto da reflexão de todos, encontrando-se para os problemas

que emergem dessas situações, soluções coletivas.

Esse fato nos remete a Schön (1983), quando afirma que, pessoas que

exercem uma mesma profissão são diferentes entre si, e compartilham um

conjunto de conhecimentos profissionais organizados de tal maneira que isso os

distingue dos demais profissionais. Os membros de um mesmo grupo profissional

compartilham, além do conhecimento específico sobre as suas profissões,

também um conjunto de valores, crenças e preferências, que influenciam a sua

conduta profissional, e através dos quais compreendem as situações práticas e

solucionam os problemas práticos de suas profissões.

Para Zeichner (1997), uma prática profissional consiste em um conjunto de

conhecimentos, tradições e convenções de ações que são compartilhadas por

uma comunidade de profissionais. Os professores, em sua prática, compartilham,

além de um conhecimento específico do conteúdo que lecionam, um grande

número de estratégias e valores que determinam o seu procedimento em sala de

146

aula, incluindo aí a linguagem, as ferramentas e as metodologias que utilizam em

sala de aula.

As relações dos professores com seus pares e com a comunidade, podem favorecer o ensino.(...) A falta de interesse e atenção na incapacidade para efetuar conexões entre as crenças sociais do professores e a ação educativa, subestima a importância do conhecimento social dos professores e a sua ação educativa.(ZEICHNER, 1997, p.91)

5.3. Os professores e a Matemática: concepções, cre nças e valores e sua influência na prática cotidiana

Apresentamos, a seguir, uma análise das concepções dos professores

sobre o ensino da matemática e uma discussão das relações entre essas

concepções e a prática docente dos professores. A partir dessa análise, buscamos

explicar as diferenças entre eles, no que se refere às suas concepções

matemáticas, ao seu ensino e à possível influência das concepções e crenças na

prática cotidiana. Nossa análise é decorrente das observações de aula, das

entrevistas e de conversas informais com os professores.

Alpha: Matemática como um desafio!

O ensino do professor Alpha refletiu uma visão da matemática como uma

ciência viva, dinâmica e que está sempre em evolução, conforme a concepção de

D’Ambrósio (1998), explicitada no capítulo 2, quando afirma que a matemática não

é uma ciência morta e desatualizada, cristalizada no tempo e no espaço, ela é

ativa, dinâmica.

147

O entusiasmo pela matemática foi evidente em sua prática. Seu gosto pela

disciplina foi mais claramente manifestado durante as sessões freqüentes de

resolução de problemas e desafios lógicos, que ele conduzia com habilidade em

suas aulas. Em várias ocasiões, ele comentou com os estudantes sua satisfação e

entusiasmo por abordar esse tema tão desafiador. Sempre que os estudantes

faziam comentários sobre o tópico abordado em questão ou obtinham sucesso na

resolução de um problema ou desafio, Alpha se enchia de orgulho e participava

esse entusiasmo para a turma, encorajando outros alunos a fazerem o mesmo.

Para exemplificar esse comentário, apresentamos a seguir o relato de uma

aula, em que uma aluna levantou-se de sua carteira e foi até a mesa do professor

perguntar sobre a resolução do seu exercício.

Aluna: Professor, olha se tá certo o que eu fiz. Professor: Deixe-me ver. Marina, me explica como você fez para

resolver esse exercício, me conta como foi que você fez para chegar até aqui.

A aluna, então, explicou ao professor a estratégia utilizada por ela para

resolver aquela questão. Durante a explicação da aluna, o professor se mostrou

muito concentrado naquilo que ela tentava explicar. A sala de aula estava com um

nível de barulho um tanto quanto alto, os alunos levantavam-se das carteiras para

conferir o resultado com o colega, outros não tinham entendido e pediam ajuda

aos mais espertos. De repente, o professor interrompeu a agitação em sala e

pediu para que todos se sentassem e fizessem silêncio. Anunciou que Marina

havia conseguido encontrar a solução correta do exercício proposto e pediu à

turma para prestar atenção à sua explicação e estratégia de resolução. Ele disse

para a turma:

Gente, olha que beleza! Estou muito contente por Marina ter conseguido resolver o desafio de uma maneira completamente diferente do que eu havia pensado. A solução dela é muito mais interessante do que a minha. Prestem atenção na maneira dela resolver, se tiver mais alguém que conseguiu resolver de forma diferente, venha ao quadro explicar para a turma.

148

Esse relato ilustra a prática de ensino de um professor reflexivo, pois

segundo Schön:

Este tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação que exige do professor uma capacidade de individualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades.( SCHÖN, 1997, p.82)

De acordo com Schön (2000), o conhecimento profissional não resolve

todas as situações e nem todo problema tem uma resposta correta. Ao ouvir a

aluna, Alpha refletiu sobre sua própria proposta para resolução daquele problema.

Além dessa reflexão, está clara nessa ocorrência a prática de um professor de

matemática que ajuda aos alunos a descobrirem seus próprios métodos e

estratégias de resolução. Nesse episódio, Alpha mostrou-se competente e seguro,

na medida em que assumiu a qualidade do raciocínio da aluna em relação ao que

ele próprio havia pensado inicialmente. Alpha se permite aprender no processo, e

realizar as ações necessárias ao seu desenvolvimento. O seu conhecer na ação é

produto da reflexão na ação que, por sua vez, é gerada pela demanda inesperada

de uma ação. De acordo com Schön:

Consideraremos que os estudantes devem aprender um tipo de reflexão-na-ação que vai além das regras que se podem explicitar – não apenas por enxergar novos métodos de raciocínio, mas também por construir e testar novas categorias de compreensão, estratégias de ação e formas de conceber problemas.(SCHÖN, 2000, p.41)

O ensino de Alpha refletiu mais a abordagem de um ensino voltado para a

descoberta em que a figura do professor passa a ser a de um facilitador,

auxiliando o aluno na busca de estratégias para sua aprendizagem. A visão da

matemática como disciplina que permite a descoberta de propriedades e relações

através da investigação pessoal e observações, pareceu sustentar a sua

abordagem de ensino. Sua prática pedagógica sugeriu que a matemática é mais

uma disciplina de idéias e processos mentais a serem desenvolvidos que uma

149

disciplina de fatos e verdades incontestáveis, em que tudo já se encontra pronto e

acabado, bastando apresentá-los como um amontoado de conceitos a serem

aprendidos. Na sua visão, a matemática pode e deve ser compreendida pela

redescoberta de suas idéias. Para ele, o processo da descoberta e verificação são

processos essenciais na aprendizagem dessa disciplina. Essa visão é coerente

com aquela apresentada pelos teóricos Ubiratan D’Ambrósio (1996) e Beatriz

D’Ambrósio (1993), quando afirmam que o professor deve ser um agente capaz de

gerenciar, de facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir

com o aluno na produção crítica de novos conhecimentos.

Alpha entende que o principal objetivo do estudo da matemática é

desenvolver habilidades de raciocínio, que são necessárias para resolver

problemas. Aponta, também, que a matemática é uma ferramenta útil para o

estudo da ciência e que o conhecimento matemático é necessário e útil em outras

profissões:

A matemática tem influência em diversas áreas.Tem influência... Você pode ver na medicina, na fisioterapia, na engenharia, no turismo e até na música, na escala musical.Então, eu mostro para o aluno que, de uma forma ou de outra, de uma forma mais branda, ou de forma mais aprofundada, vai ter a matemática, não tem como fugir dela.(Professor Alpha)

A visão de matemática do professor Alpha, revelada em seus comentários

durante as entrevistas, pode ser assim resumida:

• A proposta fundamental da matemática é servir como ferramenta para a

ciência e outros campos da atividade humana.

• O conteúdo matemático tem origem nas necessidades adquiridas da

evolução da ciência e nas necessidades da própria matemática.

A matemática tem uma importância muito grande no cotidiano das pessoas. Eu levo as crianças ao supermercado para ensiná-las a dar troco, fazer estimativas do valor que ela tem e o que ela pretende comprar. Ela não sabe porcentagem. Ela vê uma propaganda de

150

brinquedo, que é vendido de três ou quatro vezes sem entrada, e paga um juro altíssimo ao mês. Ela não dá muita importância, porque não entende aquilo. No momento que ela passa a entender aquilo, aquela porcentagem, quantidade de meses que vai pagar, ela vai pensar um pouquinho antes de pedir ao pai para comprar.(...) Por exemplo, o pedreiro, eu tive a oportunidade de ter um pedreiro, que vacilou ao calcular a área de um certo ambiente para comprar um piso. E ai ele olhou apenas e falou: “Ah! Compra tantos metros”. Eu peguei, fui e medi e vi que ele havia calculado para mais, muito mais. Então está ai uma das várias importâncias da matemática.(Professor Alpha)

• A matemática é uma disciplina desafiante, rigorosa e abstrata, cujo estudo

fornece oportunidade de uma visão alargada da atividade mental de alto

nível.

• A matemática está continuamente expandindo seus conteúdos e auxiliando

no desenvolvimento de áreas de trabalho.

Cada dia é diferente do outro. Nós somos seres evolutivos.Vamos evoluindo! E a matemática vai junto! Ela evolui, então ensinar matemática evolui também, muda todo dia, porque nossos alunos estão mudando.(...) Você não pode pegar listas de exercícios de dez anos atrás que eu dei. As coisas mudam, então você tem que estar continuamente aprendendo, continuamente aperfeiçoando, estudando, vendo outras coisas.(Professor Alpha)

Considerando os relatos de Alpha, podemos constatar sua visão ativa da

matemática. Ele considerou a matemática como uma disciplina estimulante, que

proporciona a oportunidade para um trabalho mental mais desenvolvido. Para ele,

não é o valor prático da matemática que a torna interessante. Ao contrário, seu

interesse pela matemática se explica pelo desafio colocado pelos problemas, pela

beleza de suas teorias e pelos efeitos disciplinares de seu estudo.

A matemática abstrata sempre me fascinou. Desde quando eu estava no grupo, eu ficava imaginando... Quando cheguei na 7ª série e chegou a matemática mais abstrata, me parece que ai eu me identifiquei.(Professor Alpha)

Essa visão que o professor Alpha tem sobre a matemática reflete a

concepção considerada a mais adequada pelos teóricos dessa disciplina. Como

exemplo, Fiorentini, Melo e Souza Jr. (1998), afirmam que o conhecimento

151

necessário para ensinar uma matéria, deve ser amplo, profundo, flexível e

diversificado.

Esse domínio profundo do conhecimento é fundamental para que o professor tenha autonomia intelectual para produzir o seu próprio currículo, constituindo-se efetivamente como mediador entre o conhecimento historicamente produzido e aquele - o escolar reelaborado e relevante socioculturalmente – a ser apropriado/construído pelos alunos.(FIORENTINI ; MELO E SOUZA JR., 1998, p.316)

Os pontos de vista a respeito da matemática emitidos por Alpha mostraram-

se consistentes com sua ação pedagógica. Além disso, esses pontos de vista

pareceram exercer uma forte influência nas decisões pedagógicas que tomou. As

abordagens heurísticas, muitas vezes usadas na apresentação do conteúdo e nas

freqüentes sessões de resolução de problemas em classe, foram bastante

consistentes com sua visão de matemática como uma disciplina estimulante e

desafiadora. Alpha freqüentemente encorajava os estudantes, em um tom

bastante persuasivo, a imaginar, a fazer conjecturas, a buscar estratégias para

resolução de problemas, a encontrar um caminho e ao raciocínio próprio,

explicando-lhes a importância desses processos na aquisição do conhecimento

matemático.

A visão da matemática como uma disciplina formal não foi manifestada por

Alpha. Sua abordagem pedagógica foi muito mais empírica e intuitiva do que

formal. Ele explicou que, devido ao nível da classe, e até por se tratar de uma

escola estadual, freqüentemente necessitou ajustar o rigor matemático e o nível

dos problemas abordados, em favor da intuição, de modo a tornar a matemática

mais significativa e atrativa para os alunos.

Alpha mostrou-se seguro em seu conhecimento matemático e em sua

habilidade em ensinar essa disciplina. Essa confiança ficou evidente em suas

observações na entrevista e em seu comportamento em sala de aula e parece

resultar de sua experiência bem sucedida no estudo da matemática, em uma

tendência natural para o pensamento analítico e raciocínio lógico. Seu prazer pela

matemática foi derivado das muitas oportunidades que seu estudo lhe

152

proporcionou para exercitar habilidades de raciocínio, de criatividade e de

satisfação pessoal, decorrente do sucesso na realização de tarefas consideradas

difíceis para muitos.

Essas observações nos remeteram a Ponte (2005) quando ao abordar a

questão da investigação matemática, nos lembrou da paixão que motivou Andrew

Wiles24 na resolução de um teorema dito impossível para muitos. Ponte nos diz

que:

Aprender matemática não é simplesmente compreender a matemática já feita, mas ser capaz de fazer investigação de natureza matemática (ao nível adequado a cada grau de ensino). Só assim se pode verdadeiramente perceber o que é matemática e a sua utilidade na compreensão do mundo e na investigação sobre o mundo. Só assim se pode realmente dominar os conhecimentos adquiridos. Só assim pode ser inundado pela paixão “detetivesca” indispensável à verdadeira fruição da matemática.(PONTE, 2005, p.19).

A concepção do papel de professor enquanto estimulador e facilitador do

desenvolvimento dos alunos está refletida em sua prática pedagógica e em suas

afirmações, e pode ser resumida nos itens a seguir:

• O professor deve criar e manter um espaço agradável em sala de aula, deve

ter uma cumplicidade com a turma, para assegurar a participação dos

estudantes, a fim de que possam expressar suas idéias com mais segurança.

• O professor precisa ser receptivo às idéias e às sugestões dos estudantes e

deve, de algum modo, valorizá-las.

• O professor deve encorajar os alunos a fazerem conjecturas e suposições,

deve incentivar os alunos a fazerem parte do problema, fazer com que os

mesmos ‘entrem’ no problema, ao invés de mostrar-lhes uma solução ou

24 Andrew Wiles- Tornou-se famoso por ter conseguido resolver um problema dificílimo- demonstrar uma célebre afirmação de um dos grandes matemáticos franceses do século XVII, Pierre de Fermat, feita há mais de trezentos anos.

153

apenas a resposta. O professor precisa desempenhar uma função de

orientador e não de um transmissor.

• O professor deve valorizar a intuição e as experiências dos alunos ao

apresentarem formas diversas de resolver um exercício. Ele deve apontar

caminhos.

Aí eu tento de outra forma! Tento mostrar para ele com outras palavras, tento de outro jeito, mostro uma figura, peço a ele para que tente entender o que o problema está pedindo, digo para analisar a situação e vou jogando perguntas do tipo: pode ser assim? Por quê? E eu vou tentando, vou dando pistas, reluto ao máximo em dar a resposta.(Professor Alpha)

• O professor deve estar atento às falsas concepções dos alunos e usá-las,

mostrando exemplos e contra-exemplos.

Alpha enfatizou, também, como qualidades essenciais a um bom professor

de matemática, o gosto pela disciplina. Afirma que o professor deve transmiti-la

com entusiasmo, saber transmiti-la, possuir habilidades para mostrar que a

matemática nasceu da necessidade do homem e para o homem. Fazendo uso de

suas palavras o bom professor deve saber “vender” a matemática e “vendê-la”

bem, para que todos possam compreendê-la e perceber sua utilidade.

Essas concepções de Alpha sobre o professor de matemática estão

presentes nos estudos teóricos sobre a formação de professores e o exercício da

docência nessa disciplina, essencialmente nos estudos de D’Ambrósio (2005), que

afirma:

A intervenção do educador tem como objetivo maior aprimorar práticas e reflexões, e instrumentos de crítica. (...) A capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar criticamente situações novas, constituem a aprendizagem por excelência. Apreender não é a simples aquisição de técnicas e habilidades e nem memorização de algumas explicações e teorias.(D’AMBRÓSIO,2005,p.81)

154

Alpha considera muito importante para o ensino da matemática a utilização

de uma variedade de abordagens, para estimular o interesse dos estudantes e

combinar diferentes tópicos: lançar questões que estimulem os alunos, atividades

que os desafiem, planejar aulas que envolvam os alunos, proporcionar-lhes o

contato com material concreto, dobraduras, jogos, enfim todas as possibilidades

que possam ser usadas como um dispositivo de motivação. Além disso, Alpha

expressou uma forte crença no conhecimento, todas as suas ações e abordagens

metodológicas possuem uma sustentação teórica, nada é no ‘achismo’, termo

utilizado por ele. Alpha atribui essas ações como sendo ações necessárias a um

bom professor.

Eu acredito que a característica é essa do professor prender a atenção do aluno. Primeiro ele tem que prender a atenção do aluno, ele tem que ter uma forma, um modo de prender essa atenção, para que ele possa transmitir para o aluno a sua proposta. Eu acho também que ele deve construir junto do aluno aquilo que ele vai passar para o aluno e não passar apenas: é assim que faz! Eu acho que você tem que levar o aluno a entender aquilo que ele está aprendendo e chegar junto com o aluno na resolução do problema.(Professor Alpha)

Alpha mostra-se preocupado com as questões de metodologia. Embora,

na prática, tivesse se mostrado favorável ao uso de métodos heurísticos, e

freqüentemente os tivesse usado em seu ensino, ele mostrou-se consciente da

deficiência dessa prática. Reconhece que essa metodologia possui lacunas e que

não são todos os alunos que conseguem acompanhá-la e se mostra favorável ao

uso de outros métodos para o ensino e aprendizagem da matemática, não existem

métodos infalíveis para se ensinar alguma coisa a alguém. Afirma que o professor

tem que ser “esperto” na hora de abordar um conteúdo, pois a adequação do

método é importante nessa hora. Admite que sente dificuldades na transmissão de

muitos conteúdos matemáticos e isso o faz agir do modo que lhe dá segurança, ou

seja, transmitir o conhecimento da forma mais tradicional possível.

Essa atitude de voltar ao método do ensino tradicional reflete a idéia de que

há resquícios de sua formação básica ou de experiências anteriores que talvez

155

tenham comprovado a eficiência desse método para alguns conteúdos. Alpha

explicou que as dificuldades vividas por seus alunos para aprenderem

determinados tópicos e sua própria dificuldade em ensiná-los eram, de certa

forma, sua crença nos benefícios do método da descoberta.

Eu acho que essa Álgebra da 7ª série, tem aluno que não consegue enxergar. Eles não conseguem imaginar certas coisas para depois... Porque eles estão acostumados muito com o cotidiano. (Professor Alpha)

Essas preocupações de Alpha com os aspectos metodológicos e seu apelo

aos métodos tradicionais quando esses se revelam os mais adequados, nos

remetem aos estudos de Schön (1997), quando aborda o professor reflexivo e as

limitações da racionalidade técnica. Segundo ele, não devemos abandonar, de

forma generalizada, a utilização da racionalidade técnica em determinadas

situações de prática educativa, pois existem múltiplas tarefas concretas em que a

melhor e, por vezes, a única forma de intervenção eficaz consiste na aplicação

das teorias e técnicas resultantes da investigação básica e aplicada. Ainda de

acordo com Schön (1997), o que não podemos é considerar a atividade

profissional (prática) do professor como uma atividade exclusiva e prioritariamente

técnica; é mais correto encará-la como uma atividade reflexiva e artística.

Alpha se considera um professor que tem os pés no chão, não gosta dessa

“onda”, desse “modismo” de que agora temos que abandonar “essa” prática para

contemplar “essa” outra. Ele afirma que tem muito receio disso, pois não se

podem abandonar certas crenças e convicções por conta de outras, sem uma

sustentação teórica. Ele afirma que o que está em jogo é o aluno e seu

conhecimento. Ao discutir as dificuldades dos alunos, Alpha normalmente as

atribuía às dificuldades inerentes aos próprios conteúdos, aos pré-requisitos

necessários para a compreensão de um novo tópico ou a um “vacilo” de sua parte

na apresentação dos mesmos.

Um aspecto da personalidade de Alpha, que pareceu contribuir para a

consistência entre suas concepções mencionadas e sua prática, foi sua tendência

156

para refletir sobre suas ações pedagógicas em relação às suas dificuldades na

abordagem de um conteúdo e em relação ao aprendizado do mesmo. Mediante a

reflexão sobre suas próprias ações e seus respectivos efeitos sobre os

estudantes, ele desenvolveu suas concepções sobre a eficiência das diferentes

abordagens e práticas pedagógicas. Entretanto, o que pudemos constatar é que

ele se preocupa em apresentar exercícios que possam se adequar ao nível dos

alunos, raramente apresenta situações mais complexas, que poderiam servir de

motor para novas descobertas, que os levasse a reestruturar seu conhecimento.

Em uma ocasião, pudemos acompanhar a aplicação prática da matemática,

quando os alunos calcularam a área e o perímetro da sala de aula em que eles

estudavam.

Analisando as concepções e a prática pedagógica de Alpha à luz dos

aportes teóricos de Schön e Zeichner sobre o professor reflexivo, podemos afirmar

que sua ação é reflexiva, a lógica da razão e a da emoção estão atreladas entre si

e se caracterizam pela sua visão ampla de perceber os problemas. Alpha, em

suas ações reflexivas, não ficou preso a uma só perspectiva, ele examinou

criteriosamente as alternativas que se apresentavam mais viáveis, como também

aquelas que lhes pareceram mais distantes da solução, com o mesmo rigor,

seriedade e persistência. Houve também evidências, em suas práticas utilizadas

em sala de aula, que favoreceram alguns processos reflexivos que podem levar à

reflexão sobre a ação e assim contribuir para o desenvolvimento profissional

desse professor.

Falcon

O ensino de Falcon refletiu uma visão da matemática como sendo uma

ciência estática, cristalizada, que consiste em métodos, regras, fórmulas e

procedimentos para encontrar respostas a um tipo específico de conteúdo. Nas

entrevistas, o professor não deixa clara essa visão, seus comentários e respostas

durante as sessões de entrevistas foram, na maioria das vezes, incoerentes com a

157

sua prática pedagógica. As concepções sobre o ensino da matemática de Falcon

podem ser caracterizadas em termos da sua visão sobre o seu papel no ensino da

disciplina e sobre o papel dos estudantes em aprendê-la. Uma análise cuidadosa

revela que, para ele:

• Os estudantes aprendem um conteúdo quando estão prestando atenção às

explicações do professor respondendo às suas perguntas. Sua atitude

baseia-se na crença de que o professor exerce papel principal no processo

ensino-aprendizagem.

• A função do professor é zelar pelo espaço da sala de aula, no sentido de

estabelecer respeito, ordem e disciplina.

• A função dos alunos é aprender o conteúdo. Crença na figura do aluno como

sendo um receptor de informações. Aprender, na sua visão, significa que é

de responsabilidade do aluno e da família zelar por essa função. O

estudante deve se comprometer com os seus estudos, a fim de conseguir

bons resultados.

• É de responsabilidade do professor apresentar o conteúdo de forma clara,

sistematizada, lógica e precisa. Para gerenciar isso, ele deve dirigir e

controlar todas as atividades pedagógicas da sala de aula, com o objetivo de

canalizar todos os esforços para que o aluno resolva as atividades propostas

com o menor número de dúvidas possível.

• Os estudantes devem buscar entender a lógica matemática existente nos

procedimentos matemáticos.

Essas concepções de Falcon parecem não se adequarem às características

de professor reflexivo tratadas por Schön e Zeichner. A forma como concebe o

papel do professor, o comportamento do aluno e o contexto em que deve ser

ensinada a matemática, aproxima-se mais da visão tradicional, que concebe a

matemática como uma imagem usual, que é vista como um corpo de

conhecimento organizado de forma lógica e dedutiva, que possui o paradigma do

rigor e da certeza absolutas.(Ponte,2005)

As observações de Falcon, nas entrevistas, indicavam que ele concebia a

matemática como uma ciência dinâmica, viva, ou seja, uma ciência que possui um

158

corpo de conhecimentos, que possui uma história e, portanto, está inserida no

cotidiano das pessoas. Entretanto, algumas das crenças e concepções

professadas por Falcon sobre o ensino e a utilidade da matemática foram

inconsistentes com o seu ensino: a visão da matemática expressa na entrevista.

não foi observada em sua prática pedagógica. O contraste mais marcante entre as

visões declaradas por Falcon e sua prática foi evidenciado pela observação de

que é importante o professor encorajar a participação dos estudantes em sala e

estar sempre atento às dificuldades apresentadas por eles, com o objetivo de

ajustar a aula e a explicação às necessidades dos alunos.

Na entrevista, Falcon relatou um episódio em que um determinado aluno se

mostrou muito deprimido por não conseguir acompanhar a turma. Acompanhe sua

intervenção:

Ele chegava aqui, ele chorava todos os dias...”Eu não estou entendendo... eu vou sair do colégio...eu não estou entendendo nada...Mas ele chorava...Chorava direto...Cada “pití!”. Ai teve um dia que eu falei: Igor, arranja um professor, para que você possa fazer esse trabalho, buscar um pouquinho essa defasagem sua, para que você possa mais ou menos entender isso aqui. Isso que está sendo jogado para você. Você ainda não está em condições de receber isso...”.(Professor Falcon)

No relato acima podemos perceber que Falcon passou para outro professor

o papel que deveria ser seu: ensinar matemática ao seu aluno. No seu

entendimento, a matemática é uma disciplina exata, livre de ambigüidades e os

procedimentos e métodos usados nela garantem sempre respostas corretas. O

seu entendimento a respeito da matemática nos remete a D’Ambrósio (1996),

quando argumenta que teorias de aprendizagem ultrapassadas, apóiam-se na

natureza linear do conhecimento, que permanecem amparados por uma lógica

distorcida da realidade. Para esse pesquisador,: a matemática que se ensina na

escola é morta e, portanto, poderia ser tratada como um fato histórico.

(D’Ambrósio, 1996, p.31)

159

Assim, as dificuldades só existem quando não são bem compreendidas

pelo aluno e, se o aluno “correr atrás”, termo usado por ele, se o aluno se esforçar,

ele consegue, basta querer. Estamos aqui diante de uma concepção tradicional do

ensino da matemática, que atribui ao aluno toda a culpa pelo seu fraco

desempenho nessa disciplina. A esse respeito, Micotti nos diz:

As dificuldades ou fracassos, em geral, são vistos como decorrentes de empecilhos, de algum modo, vinculados ao aluno – “falta de base” ou de condições para aprender, problemas familiares, deficiência mental ou cultural etc.(...) o fracasso não provém do professor, quem transmite o conhecimento e teria ensinado mal, mas de quem recebe o conhecimento e aprendeu mal. Idéias como essas justificam e ajudam a manter o ensino tradicional.(MICOTTI,1999,p.157)

Durante as sessões de entrevistas, Falcon sempre fez questão de enfatizar

a importância da participação do aluno no seu processo de aprendizagem.

Segundo Falcon, o estudante deve questionar o professor, a fim de que possa

aprender. Para ele, o aluno deve envolver-se com o conteúdo, ele deve ficar

curioso, o que pode ser constatado no seguinte trecho de uma aula ministrada por

ele:

É, eu ensino a vocês, eu dou para vocês o conteúdo e faço aquela mecânica, aquela dinâmica para que você possa desenvolver aquilo que você aprendeu. Eu não quero geração xerox. Eu não quero você reproduzindo, eu quero você produzindo, você desenvolvendo. Então o que você conseguir vai ser fruto de seu trabalho, aquilo que você desenvolveu e entendeu, ai você vai ter o resultado.(Professor Falcon).

Apesar de Falcon ter conduzido a aula no modelo de perguntas e

respostas, não houve sinais observáveis, e portanto evidentes, de que ele

estivesse fazendo algum esforço para encorajar discussões entre os estudantes e

ele próprio. Em nenhum momento das aulas observadas, ficou claro para nós a

sua vontade de fazer com que os alunos produzissem e não reproduzissem o

conteúdo ministrado. O máximo que pudemos observar foram tímidas

160

participações por parte dos alunos, e, mesmo assim, se limitavam a respostas

rápidas e simples, na maioria das vezes óbvias. Assim, não nos sentimos diante

de um professor reflexivo e sim diante de um transmissor de conhecimentos. De

acordo com Schön (1983), Falcon se enquadraria na categoria de um professor

limitado pela racionalidade técnica, que se fundamenta na visão de que o

conhecimento baseia-se em teorias e técnicas de base da ciência aplicada.

Nessa perspectiva, o professor Falcon defende a idéia de que a aplicação do

conhecimento e do método científico e a construção de regras devem dirigir suas

ações em sala de aula. Entretanto, atividade educacional é necessariamente uma

prática social, portanto, complexa e incerta. Os problemas da prática social não

podem ser reduzidos a problemas instrumentais, em que a tarefa profissional

baseia-se em escolhas acertadas de métodos e procedimentos. Para Gómez a

reflexão implica:

Na imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico, só pode ser considerado instrumento dos processos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genéricos ativados pelo indivíduo quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua própria experiência.(GÓMEZ, 1997, p.103)

Um professor reflexivo dá voz ao seu aluno, incentiva-o na busca de

estratégias para o seu aprendizado, familiariza-se com o tipo de saber do aluno,

presta atenção, é curioso. O professor reflexivo esforça-se por ir ao encontro de

seu aluno e entender seu próprio processo de conhecimento, ajudando-o a

articular o seu conhecimento na ação com esse saber escolar.

As abordagens metodológicas mencionadas pelo professor Falcon,

durante as entrevistas foram coerentes com sua prática. Falcon diz possuir

“alguns materiais concretos”, em seu armário, pois sua sala é ambiente; mas acha

desnecessário seu uso.

161

Na geometria espacial, eu tenho um material ali. Tenho um material, mas poucas vezes eu uso, eu trabalho mais aqui no quadro, porque através do desenho (pausa). Fazer justamente aprofundar mais o raciocínio, desenvolver o raciocínio. (Professor Falcon)

Na concepção de Falcon, o uso do material concreto distanciaria o

raciocínio do aluno. A aprendizagem seria mais efetiva, de acordo com sua

concepção, se o aluno reproduzisse a figura, sem tocá-la. Quando questionado

por nós, se o aluno não teria maior facilidade se pudesse manipular o sólido

geométrico que estava representado em forma de desenho no quadro, e que

muitas vezes alguns alunos não conseguiriam reproduzir, sua resposta foi a

seguinte:

Não, de jeito nenhum! Tenho anos de experiência sobre esse assunto. Quando o aluno pega esse tipo de material ele fica muito agitado, mexe daqui, mexe de lá e depois fica perguntando como é que chama esse negócio aqui. A aula não anda, até todo mundo ficar calado para que eu possa explicar já se foi muito tempo. Muito melhor quando eu desenho no quadro e ele acompanha comigo a construção e a gente vai nomeando e apresentando cada parte da figura. (Professor Falcon)

Se analisarmos esse fato à luz dos aportes teóricos de D’Ambrósio (2005) e

Murari (2004), fica claro que a intervenção do professor Falcon deveria ter como

objetivo maior aprimorar práticas e reflexões, e instrumentos de crítica; mas sua

capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar, criticamente,

situações novas, não constituíram um ensino por excelência. Aprender, para

D’Ambrósio, não é uma simples aquisição de técnicas e habilidades e nem

memorização de algumas explicações e teorias. Murari (2004), por sua vez,

endossa a afirmativa de D’Ambrósio, quando diz que as aulas de matemática

devem ser constituídas de situações que envolvam atividades estimuladoras, que

explorem idéias matemáticas utilizando material que se pode manipular.

O relato de Falcon aponta para uma preferência incondicional do método de

transmissão de conteúdo, ou seja, da dupla transmissor-receptor. Falcon, em

muitos de seus depoimentos, afirmou que jamais se adequaria a uma aula onde o

162

professor tivesse que ser um “animador de auditório”. Para ele, o conteúdo deve

ser transmitido de forma rigorosa, clara e objetiva, sem muito rodeio e o professor

deve ter “pulso firme”, termo utilizado por ele referindo-se à disciplina. A forma de

transmissão de conteúdo baseia-se nos moldes do ensino tradicional. Na posição

de pesquisadores, chegávamos sempre antes do horário do início das aulas e

podemos, dessa forma, relatar alguns fatos que nos chamaram a atenção:

• Antes da entrada da primeira turma do dia, Falcon dividia o espaço do

quadro, exatamente em três partes iguais.

• Escrevia, com rigor matemático, todas as definições que seriam necessárias

aos tópicos abordados na aula, e alguns exemplos resolvidos.

• Propunha atividades de fixação, com níveis variados.

Quando os alunos entravam na sala de aula, já abriam os cadernos e

começavam a copiar. Nesse período ele fazia a chamada. Nos minutos seguintes,

explicava a matéria, lendo as definições e apontando para os exemplos

resolvidos. Pronto! A aula estava dada. Os alunos abaixavam a cabeça e

começavam a trabalhar, alguns solicitavam sua ajuda, outros a de colegas.

Terminado o tempo estipulado, fornecia as respostas dos exercícios, oralmente, e

a aula estava encerrada.

De acordo com sua entrevista, as concepções sobre a matemática podem

ser resumidas do seguinte modo:

• A matemática é acurada, precisa e lógica.

• A matemática é uma criação humana, e que está presente no nosso

cotidiano.

• A matemática é infalível, não possui contradições, não há ambigüidades é

exata.

• A matemática ajuda a desenvolver o raciocínio, amplia a visão de mundo.

As colocações de Falcon, no momento das entrevistas, apontavam para

uma preferência de atividades que convidam ao raciocínio lógico em relação a

outras que são mecanicamente realizadas, sem requerer muito raciocínio. Quando

questionado a respeito da abordagem de resolução de problemas, ele foi

plenamente favorável:

163

Trabalho! Demais da conta! Eles resolvem tranqüilamente. Daqui prá frente, daqui a pouquinho, assim que eu terminar os casos, que praticamente a gente está fazendo, mais...È só engrenagem do trabalho operacional. Daqui a pouco, a gente fecha o conteúdo e vai justamente para os problemas. A gente leva tudo para o lado prático.(Professor Falcon)

Entretanto, nas observações de sua prática pedagógica, pudemos constatar

que seu ensino ainda estava caracterizado por uma abordagem prescritiva, cujo

objetivo era, claramente, fazer os estudantes memorizarem procedimentos

específicos. O ensino de Falcon, dessa forma, se apresentou em contraste

acentuado com sua preferência declarada por atividades envolvendo trabalho

mental e aplicado em matemática. Em relação ao relacionamento professor aluno,

se diz favorável a um relacionamento amistoso entre as partes. Afirmou que os

alunos desenvolvem melhor a aprendizagem quando há harmonia entre o

professor e os estudantes.

Com relação às práticas pedagógicas específicas do ensino de matemática,

Falcon manifestou a crença na importância de relacionar os tópicos matemáticos

estudados à situações da vida real e nas abordagens metodológicas que deveriam

enfatizar a sua crença da matemática precisa, inabalável e infalível. Entretanto, a

primeira dessas crenças não se mostrou presente em sua prática; mas a sua

crença em relação à precisão matemática reflete em seu ensino e nas abordagens

feitas em sala de aula. Falcon declara não ser favorável ao uso de material

concreto, pois o mesmo não tem o poder de desenvolver o raciocínio e construir o

conhecimento. Ele admitiu que a reflexão sobre sua prática pedagógica nunca fez

parte do seu dia a dia, pois possui uma longa experiência no magistério e trabalha

em um único estabelecimento há mais de vinte anos.

Análise comparativa

A discussão far-se-á através de uma análise comparativa, segundo a qual

serão examinados aspectos das concepções e visões dos professores, buscando

164

os pontos em que elas divergem de forma mais acentuada. Foram apontadas as

seguintes diferenças:

• Nas concepções sobre a matemática e seu ensino.

• Na reflexão dos professores sobre suas ações pedagógicas, suas crenças e

seu conteúdo.

Concepções e prática pedagógica dos professores

O estudo sobre as crenças, valores e concepções dos professores em

relação à matemática apontou evidentes diferenças em relação à matemática e

seu ensino. Temos consciência da complexidade na abordagem desse tema e

que o mesmo não pode ser expresso de forma simplista, observando apenas a

dimensão de causa e efeito. Entretanto, muitos dos contrastes observados na

prática dos professores podem ser explicados com base nas diferenças

constatadas e em suas concepções matemáticas. Alpha, por exemplo, considerou

a matemática como um conteúdo desafiador, cujo ponto central estaria na sua

descoberta e verificação. Já Falcon, na maioria de nossas observações,

concebia-a como um conhecimento de natureza essencialmente prescritiva,

embora, não tenha sido exatamente essa a forma assumida por ele nas sessões

de entrevista.

Falcon concebeu a matemática como uma ciência viva, construída pelo e

para o homem. Na prática, sua abordagem retratava a matemática como uma

coleção de regras e procedimentos que, se aplicados corretamente, levariam à

resposta correta. Ao ensinar, somente Alpha deu ênfase aos processos de

descoberta, discutindo-os sempre, não dependendo apenas do conteúdo a ser

estudado, pois acredita que os alunos aprendem melhor quando fazem

inferências em seu estudo. Sua prática retrata sua visão dinâmica da matemática.

Falcon, em contraste, deixa claro que era sua responsabilidade dirigir e controlar

todas as atividades da aula, acreditando que seu papel no ensino seria o de

165

demonstrar, de forma rigorosa, os procedimentos que os alunos aplicariam nas

atividades indicadas.

O contraste mais acentuado entre os professores foi em relação às suas

visões da compreensão matemática por parte dos alunos. Alpha considerou como

compreensão matemática, o momento em que o aluno consegue verbalizar os

procedimentos utilizados para a resolução de um determinado problema. Para

Falcon, a compreensão matemática equivaleria à habilidade dos estudantes em

seguir os procedimentos ensinados, com o objetivo de obter respostas corretas.

Essa visão nos remete aos teóricos D’Ambrósio (1996), Fiorentini (2003), Beatriz

D’Ambrósio (1993), Baraldi (1999), dentre outros pesquisadores que se dedicam

ao assunto, quando afirmam que o ensino da matemática depende

essencialmente do professor, agente incentivador na busca de conhecimento por

parte do aluno. Dessa maneira, a sua condução em sala de aula, sua visão a

respeito do ensino/aprendizagem e a importância que atribui à matemática

influenciam diretamente nos alunos.

De acordo com as visões mencionadas pelos professores no processo de

ensino da matemática, pudemos constatar que a crença de Alpha de que os

estudantes aprendem melhor, fazendo e raciocinando matemática por si mesmos

foi consistente com sua visão dinâmica da matemática. Já Falcon, em contraste,

acreditava que era sua responsabilidade administrar todas as atividades

realizadas em sala e acreditava também, que o seu papel no ensino seria o de

demonstrar os procedimentos que os estudantes tinham para usar na realização

das tarefas diárias. Essa visão é apontada por Baraldi (1999) como uma

concepção Pitagórica da matemática, e a partir dessa concepção, acredita ser

necessário somente saber fazer cálculos, reduzindo-a a um amontoado de

técnicas, fórmulas e algoritmos, apresentando assim uma matemática impotente

para contribuição da construção de outros conhecimentos, ou seja, entremeando

todas as outras ciências.

Houve um contraste acentuado entre os professores em relação às suas

visões acerca daquilo que poderia evidenciar a compreensão matemática dos

estudantes. Alpha considerou necessário que os estudantes conhecessem os

166

motivos ou a lógica subjacente aos procedimentos e que fossem capazes de

reconhecer relações entre os tópicos estudados, de modo a encontrar soluções

para uma variedade de tarefas matemáticas relacionadas. Compartilhando dessa

visão Perez (2004) coloca que ao professor de matemática cabe o papel de

valorizar essa disciplina, tornando-a prazerosa, criativa e, mais ainda, tornando-a

útil, garantindo, assim, a participação e o interesse, por parte dos alunos, a fim de

proporcionar-lhes um aprendizado eficiente e de qualidade. Para Falcon, a

compreensão matemática de seus alunos, equivalia à habilidade e destreza com

que conseguiam realizar os procedimentos ensinados a fim obter respostas

corretas. Em síntese, a visão dos professores em relação àquilo que constituía

evidência de compreensão do conhecimento matemático, por parte dos

estudantes, refletiu suas respectivas concepções sobre a matemática.

Do mesmo modo, a visão dos professores acerca do planejamento e da

preparação das aulas mostraram-se relacionadas às suas concepções a respeito

da matemática. Devido ao fato de que, em sua visão, aprender matemática

significa essencialmente aprender uma coleção de procedimentos, Falcon viu

benefícios em planejar suas aulas contemplando listas de exercícios, confirmando

mais uma vez a sua crença sobre o ensino-aprendizagem dessa disciplina. Para

ele, a aprendizagem só ocorre se houver a dupla transmissor-receptor e um aluno

dedicado, disposto a enfrentar um exército constituído por números. Alpha, por

outro lado, considera importante a preparação de suas aulas como uma primeira

etapa essencial no sentido de assegurar a qualidade do ensino. Alpha procurou

organizar as atividades de aula, recorrendo a estratégias variadas: artigos de

jornal, situações problema e exercícios contextualizados, não se limitando apenas

ao tópico abordado e questões do livro de matemática adotado. Zeichner (2003)

argumenta que quando o professor consegue mobilizar outros saberes em sua

prática, cria um veículo para seu desenvolvimento profissional e para o seu

engajamento na instrução voltada para o aluno, valorizando seu meio cultural e

conectando-o com a construção do conhecimento, gerando dessa forma um

instrumento para o exercício da cidadania e eqüidade social.

167

Nas observações de aula, somente Alpha mostrou sinais de percepção

acurada das necessidades e dificuldades dos estudantes; demonstrou

preocupação e atenção nas observações, muitas vezes inesperadas, dos

estudantes. Em acentuado contraste com Alpha, Falcon comportou-se de modo a

assegurar a clareza e objetividade de sua apresentação. O que constatamos foi a

pouca importância em relação às dificuldades dos alunos, sua preocupação

centra-se na transmissão do conhecimento e não na aprendizagem/dificuldade de

seus alunos.

Reflexão dos professores sobre suas ações pedagógic as, suas crenças e

seu conteúdo .

Nossas análises mostraram que, além das diferenças das concepções de

matemática dos professores, eles diferiram também no grau de conscientização

das relações entre suas crenças e sua prática, no efeito de suas ações sobre os

estudantes e nas dificuldades e sutilezas do conteúdo. Falcon, por exemplo,

parece não ter formado suas crenças através da reflexão, muitas delas pareceram

se manifestar a partir de visões assumidas inconscientemente, como parte de uma

ideologia do ensino da matemática. Um exemplo que deixa claro esse aspecto foi

sua crença assumida na importância de encorajar a participação dos alunos

durante as aulas e também a sua crença em que a matemática faz parte do nosso

cotidiano e, portanto, é importante trazê-la para a sala de aula. Entretanto, essa

atitude não pode ser comprovada através do período em que estivemos

observando sua prática pedagógica. Nesse sentido, Schön (1983) coloca que

profissionais que apresentam esse tipo de prática são profissionais que não

conseguiram ir além da racionalidade técnica, são profissionais que não

desenvolveram o processo de reflexão na ação, pois não fizeram uso de práticas

habilidosas. Ele considera também, que as crenças, valores, e suposições que os

professores internalizam sobre o ensino, matéria, conteúdo, aprendizagem, estão

na base de sua prática de sala de aula.

168

Em contraste, as observações de Alpha revelaram um alto grau de reflexão

sobre suas ações, coerentes com o que verificamos à luz das suas práticas de

ensino. Suas reflexões pareceram estar de acordo com sua visão sobre a

matemática e sua prática pedagógica aponta para o ensino reflexivo. Schön

(1983) reconhece que professores que buscam outras práticas de ensino e que se

permitem ficar confusos e curiosos, adquirem novas compreensões sobre o seu

ensino. Para ele é a reflexão na ação, pois ela vai além das regras, ela pode

explicitar novos métodos de raciocínio e construir novas categorias de

compreensão e estratégias de ação. Além disso um professor reflexivo consegue

vencer a barreira da racionalidade técnica, consegue enxergar o aluno como

único, um professor reflexivo mostra ou libera seu conhecimento na ação,

emergindo do seu comportamento da reflexão na ação.

Contribuindo nesse sentido Mizukami (1996) entende que a reflexão na

ação ocorre nas interações com a experiência, que resultam em formas

freqüentemente repentinas e não antecipadas, pelas quais se vê a experiência

diferentemente, sendo esse o tipo de reflexão que dirige as ações dos professores

reflexivos.

Muitos fatores parecem interagir com as concepções de matemática e o

seu ensino, afetando nas decisões e no comportamento dos professores,

sugerindo fortemente que as visões, crenças e níveis de reflexão dos professores

sobre a matemática influem sobre sua prática docente. Uma outra questão que

poderá influenciar os níveis de reflexão é o fato de os professores não trocarem

experiências entre seus pares. (Schön,1983). Constatamos esse fato em nossas

observações pois Falcon trabalha há várias décadas em um mesmo

estabelecimento, mas não possui nenhum vínculo profissional com seus pares,

fato esse comprovado em seus relatos, quando afirmou que as reuniões semanais

são utilizadas para recados institucionais e para prepararem provas. Já Alpha

afirma:

A gente sempre, sempre troca idéias. Eu tenho isso aqui, que eu vi na televisão, e no livro, toma aqui, é legal. Mesmo minha colega tráz de outra escola.”Ah! Isso aqui minha colega trouxe, olha que legal!”. (Professor Alpha)

169

O relato de Alpha apresenta-se como o de um professor reflexivo que

pensa sobre o que faz e aproveita a experiência adquirida em situações cotidianas

do seu exercício profissional para a tomada de decisões em novas situações em

que isto lhe é exigido. Partindo-se do princípio de que a reflexão sobre a prática

gera conhecimento e que o conhecimento pode sustentar novas reflexões,

podemos dizer que os conhecimentos de uma determinada ação profissional e os

possíveis processos reflexivos que transformam o conhecimento em saber fazer e

posteriormente o saber fazer em novas reflexões levam, dessa forma, à produção

de novos conhecimentos.

Em síntese, podemos entender que o contexto e as facilidades da escola e

do aluno não garantem uma boa prática pedagógica, a qual não se prende a

essas questões e sim ao nível de reflexão do profissional docente.

5.4. O ensino de matemática na 7ª série: impasses e alternativas

Nosso objetivo com o acompanhamento das atividades de sala de aula, das

entrevistas e das análises documentais das escolas pesquisadas, como

mencionamos anteriormente, é identificar os impasses e alternativas utilizadas

pelos professores alvo de nossa pesquisa, no ensino de matemática na 7ª série.

Pretendemos, com esse agir, desvelar procedimentos e estratégias de ensino que

estariam ou não, contribuindo para o desenvolvimento de uma postura reflexiva,

por parte dos professores.

Alpha: impasses e alternativas de sua prática docen te

Diversas pesquisas apontam a formação do professor como uma das

principais causas do quadro de insucesso atual em que se delineia no ensino e na

170

aprendizagem da matemática. Indo ao encontro dessa afirmação, Alpha coloca

que sua formação inicial é uma de suas grandes dificuldades para sua atuação

docente pois, segundo ele, essa não lhe deu subsídios suficientes para enfrentar

os problemas da sala de aula. Acrescenta que muito se cobra para que o

professor tenha práticas diferentes, para que abandone o ensino tradicional e para

que se coloque o aluno como produtor de seu conhecimento e, ainda, que a

matemática esteja voltada para a realidade dos alunos. Afirma, porém, que a

Licenciatura em Matemática só lhe ensinou derivadas, integrais e cálculos

avançados, mas não lhe ensinou a contextualizar a matemática e muito menos

como trabalhar com o cotidiano dessa disciplina em sala de aula.

Para trabalhar em sala de aula, não me preparou. Porque hoje eu sinto a necessidade de novos métodos, justamente para pegar esses alunos que não estão querendo aprender essa matemática como eu aprendi, eles querem outra coisa, querem coisas novas, diferentes. E você põe esse método antigo de vinte, trinta, cinqüenta anos atrás, você não consegue ensinar uma matemática que seja útil a eles.(Professor Alpha)

Em concordância com o pensamento do professor Alpha, Fiorentini e

Castro (2003) afirmam que a formação inicial do professor de matemática está

centrada em: integrar, derivar e resolver muitos exercícios:

A licenciatura preocupa-se muito mais em formar um profissional que tenha o domínio operacional e procedimental da matemática do que um professor que fale sobre a matemática, que saiba explorar suas idéias de múltiplas formas, tendo em vista a formação humana. (FIORENTINI ;CASTRO, 2003, p.137)

Alpha tenta mudar a forma de conduzir suas aulas pois, como nos diz, “está

em busca de novos caminhos”, mas sem abandonar aquilo que acredita funcionar,

e tem consciência de que está “avançando” em sua prática pedagógica.

Ao analisarmos o termo ”avançando”, usado por ele para caracterizar sua

prática, inferimos que ele ainda acredita ser a aula expositiva uma estratégia de

171

ensino eficiente, pois apesar de tentar modificá-la e ter clara consciência e

convicção dessa necessidade, sente-se inseguro em determinados momentos de

sua atuação docente. Alpha afirma que não quer abandonar a aula expositiva e

sim torná-la mais atraente e dinâmica, pois segundo ele nos diz,

A matemática atua na maioria das profissões. Eu acho que ela não é uma matéria para ser ensinada do jeito que está sendo ensinada hoje. Você deve ensinar essa matemática para ser atuada na matéria de História, na matéria de Geografia, de Ciências, onde envolve a Matemática você tem que buscar por aí, para ensinar essa matemática, porque o professor de outras matérias não vai estar muito preocupado em ensinar a matemática que está dentro de outras ciências. (Professor Alpha)

Moreira e David (2005) apontam que, no trabalho escolar é importante que

os professores sejam capazes de envolver os alunos em um leque de situações

didáticas adequadas, isto é, situações que se colocam como problemas e que de

algum modo, desafiem os seus saberes anteriores, conduzindo à reflexão sobre

novos significados e novos domínios de uso desses saberes. Essa é, a visão que

Alpha revela possuir do ensino-aprendizagem da matemática: uma coisa

significativa, que revele a beleza da matemática, levando o aluno por outras

ciências, e não a matemática que ele aprendeu na Licenciatura, desconectada da

realidade, a matemática pela matemática, termo utilizado por ele.

Através das nossas observações, percebemos sua enorme vontade de

“fazer diferente”, de promover um ensino que tenha como decorrência uma

aprendizagem significativa, uma preocupação em aprimorar sua forma de

trabalhar. O que foi mencionado em suas entrevistas e observado em sua prática,

foi a procura por novos métodos, procedimentos que estivessem mais centrados

nos alunos e em sua forma de raciocinar. Alpha trabalha muito bem suas aulas

expositivas, pois se preocupa, como já mencionado anteriormente, em

contextualizar a matemática, trabalhar com conjecturas, tentando dessa maneira

deixar o aluno no papel central do processo ensino-aprendizagem. Incentiva os

alunos a fazerem generalizações e também a justificá-las.

172

Eu devo auxiliar o aluno no seu conhecimento, mas a figura principal é ele. Eu só fico em segundo plano. (Professor Alpha)

A atitude de Alpha vem confirmar as colocações de Schön (1987), quando

pontua que o profissional que tenta ter uma compreensão da própria atividade

profissional, com uma atuação inteligente e flexível, valorizando o conhecimento

que o aluno traz para a escola, se apresenta como um professor reflexivo.

Para o autor, é através da reflexão na ação que o professor poderá

entender seu aluno. Professores reflexivos aprendem a resolver problemas

complexos de sala de aula, muitas vezes por ensaio e erro ou quando fazem

tentativas de modos diferentes de atuação. Quando Alpha pensa sobre essas

questões, ou fala com os outros sobre isso, está investigando a própria prática e

aprendendo com ela.

A fragilidade da formação inicial, apontada por Alpha, fez com que ele

procurasse a formação continuada, na busca de uma discussão atual sobre o

ensino da matemática. Essa busca por uma formação continuada, afirma, não se

baseia apenas na aprendizagem de novos métodos ou procedimentos milagrosos

para se ensinar matemática, já que acredita ser importante também, nesses

encontros, o diálogo com outros professores dessa disciplina. Essa busca,

segundo ele, tem como conseqüência a reflexão sobre seu fazer pedagógico.

Eu procuro fazer curso, igual eu fiz três cursos no mês de julho. A minha colega e eu, fomos até o Centro de Referência dos Professores, na Praça da Liberdade, fizemos um curso nas férias. Justamente para aprender novos métodos para levar para a sala de aula, para ver se prende a atenção do aluno para que volte a querer aprender. É ai o único modo que eu estou vendo para que possa ensinar essa matemática é fazer outros cursos por fora. (Professor Alpha)

Como podemos observar, Alpha realmente está preocupado com questões

relacionadas à sua prática pedagógica e à aprendizagem de seus alunos. Fato

que pôde ser observado através das entrevistas e confirmado nas observações de

aula, pois procura realizar, da melhor maneira possível, sua tarefa como professor;

173

desempenhando com competência e criticidade suas atividades profissionais. A

adoção dessa postura só vem enfatizar, uma vez mais, sua postura reflexiva pois

Alpha, enquanto observado, mostrou-se como um professor que reflete e teoriza

sobre os acontecimentos que se dão no interior da sala de aula e no

desenvolvimento do processo de ensinar e de aprender, a fim de possibilitar a

ruptura de um pensar cristalizado sobre o processo educativo.

Eu me coloco no lugar dele, porque eu tinha dificuldade... E como que eu percebia, qual é o modo que o professor falava, para que eu pudesse entender. Eu penso assim: “Não, se eu levá-lo a entender isso, assim e assim, eu acho que ele vai entender o que eu estou querendo dizer”. Então planejo estratégias para chegar para ele e mostrar. Na maioria das vezes dá certo, outras vezes não. (Professor Alpha)

Quando requisitado a apontar dificuldades na sua prática pedagógica, e

mais especificamente na 7ª série, Alpha não teve dúvidas, apontou ser a

abordagem dos conteúdos dessa série por se mostrar, segundo ele,

excessivamente algébrico e abstrato.

Eu acho que essa álgebra na 7ª série, tem aluno que não consegue enxergar. Eles não conseguem imaginar certas coisas para depois aplicá-las. Porque eles estão acostumados muito no cotidiano. (Professor Alpha)

A colocação “eles estão acostumados muito no cotidiano”, aponta para um

impasse que Alpha busca superar, tentando trazer a matemática para o cotidiano

e para a realidade de seus alunos pois, segundo ele, pertencem a uma classe

menos favorecida no que se refere à situação socioeconômica. A preocupação de

Alpha tem suporte nos estudos de Lins e Gimenez (1997), quando apontam para a

necessidade de que a álgebra seja compreendida de forma ampla, pois fornece

recursos para analisar e descrever relações em vários contextos, matemáticos ou

não. Em nossas observações, comprovamos sua preocupação com a

contextualização da matemática e uma tentativa de trazer significado para os

174

conteúdos ensinados. Algumas estratégias apontadas por ele como uma busca

para a compreensão efetiva de seus alunos, visando com isso uma melhor

aprendizagem foram: utilização de situações-problema, introdução ao cálculo

algébrico com situações do cotidiano de seus alunos (dedução de fórmulas para o

cálculo da conta de luz, de água, o preço cobrado em um estacionamento e etc) e

a utilização de material concreto.

Tivemos a oportunidade de acompanhar, através de observações, aquilo

que já havia sido apontado em suas entrevistas, a utilização das estratégias

apontadas por ele. No que se refere à contextualização da matemática, essa

prática se mostrou uma constante em suas aulas. Em uma delas, fez a seguinte

pergunta: “Se vocês trabalhassem em um estacionamento no centro da cidade e a

máquina que calcula o preço cobrado pelo estacionamento quebrasse. Como

vocês fariam essa conta? As respostas foram as mais diversas e engraçadas

possíveis. Após muita agitação, o professor resolveu a questão, apontando para a

necessidade do uso de um ‘certo’ cálculo algébrico. Ouviam-se expressões de

espanto por parte de alguns alunos: “nunca pensei que essas letras ai, iam servir

prá alguma coisa”. Alpha, aproveitando esse entusiasmo demonstrado por seus

alunos, propôs uma atividade que também necessitava do cálculo algébrico, e

pudemos comprovar que os alunos resolveram sem muitas dificuldades.

Uma segunda confirmação de estratégia utilizada por Alpha foi o uso de

material concreto, na abordagem do conteúdo Produtos Notáveis, valendo-se do

conhecimento de geometria para essa abordagem. Alpha afirmou que seus alunos

são muito carentes financeiramente, mas isso não o impede de desenvolver

algumas atividades que utilizam o material concreto. De acordo com ele, ao fazer

uso dessa estratégia, procura usar materiais que são acessíveis a eles: régua,

papel ofício, tesoura e o uso de muita criatividade.

A postura reflexiva de Alpha, diante da sua prática, é apontada por Murari

(2004,p.199) como uma estratégia que está de acordo com as modernas

propostas curriculares: “ensinar conteúdos de formas alternativas, sempre com

uma postura reflexiva diante da nossa prática”.

175

A importância da reflexão sobre a prática e sua influência no processo de

formação do professor é apontada por diversos autores como Zeichner (1993),

Schön (1983,1987,1991), Fiorentini (1998) e outros; e é o que pudemos

comprovar no caso do professor Alpha pois, segundo ele, a reflexão que faz sobre

sua atuação docente influencia sua maneira de atuar em sala de aula.

Eu fico assim: Será que ele entendeu? Ás vezes, para acabar com o assunto ele vai falar que entendeu. Mas ai eu vejo que ele não entendeu. Mais ai eu o procuro depois, depois da aula. ‘Não, vem cá! Você não entendeu? Por quê? (...) Eu às vezes levo isso para casa, fico pensando: ‘Aquele negócio não ficou legal’. Levo, levo e fico pensando. Então, lá em casa eu planejo outra maneira, outra forma de explicar aquilo que não foi muito bem entendido.(Professor Alpha)

Segundo Schön, afirma que atitudes como as apresentadas pelo professor

Alpha caracterizam a prática reflexiva, pois se trata de pensar sobre ela: pensar

sobre o que se fez depois de fazer e pensar sobre o que se está fazendo, no

momento em que se pratica a ação. Pensar sobre a ação e durante ela, ou pensar

no que se pensou durante a ação é o que, para Schön, torna a prática

verdadeiramente reflexiva. Dessa forma, quando Alpha reflete sobre suas ações,

no momento em que acontecem e após acontecerem, ele mobiliza uma reflexão

que gera conhecimento e, conforme afirma Schön, esse conhecimento sustenta a

reflexão.

Uma outra dificuldade apontada por Alpha, em sua prática docente na 7ª

série, é o problema da linguagem matemática e, mais especificamente, a

linguagem algébrica, a qual considera um dificultador, pois o problema, segundo

ele, não está centrado apenas na linguagem algébrica, é mais profundo:

Os alunos não sabem ler o português também! Não sabem interpretar aquilo que esta pedindo. (...) ‘Professor, eu não entendi o que está pedindo’. Então, eu acho que está faltando as duas coisas, a interpretação e uma linguagem matemática.(Professor Alpha)

176

A observação feita por Alpha é tema de vários estudos nessa área, como

aponta Fonseca (2004):

educadores se debruçam sobre os resultados do INAF 2002 e, a partir deles, tecem reflexões sobre as condições e repercussões das relações entre alfabetismo e habilidades matemáticas, entre letramento e educação matemática.(FONSECA, 2004, p.13)

Fonseca (2004) aponta uma compreensão ampliada das práticas de leitura,

na perspectiva do letramento e não exclusivamente na alfabetização, podendo

dessa forma promover o acesso e o desenvolvimento de estratégias e

possibilidades de leitura do mundo, para as quais conceitos e relações, critérios e

procedimentos, resultados e culturas matemáticas possam contribuir.

Alpha solicita aos professores de Português e História que trabalhem a

leitura e a interpretação de texto com mais freqüência, visando a uma maior

compreensão da linguagem matemática por parte de seus alunos. E trabalha

enfatizando a resolução de problemas, mostrando aos alunos as especificidades

da linguagem matemática.

Oliveira (2002), em relação às especificidades da linguagem algébrica

coloca:

O uso de convenções algébricas, o conceito de variável, o conceito de incógnita, o recurso a determinado produto notável... são responsáveis por dificuldades em lidar com as situações propostas. (...) Os procedimentos que fazem parte do cenário algébrico são complexos para muitos.(OLIVEIRA, 2002, p.36)

A autora nos coloca que a grande dificuldade demonstrada pelos alunos,

quando se iniciam nos processos algébricos, reside no fato da abordagem muitas

vezes mecânica, por parte dos professores, caracterizada por uma manipulação

automática e cega de variáveis e operações. Alpha tenta se desvincular desse tipo

de manipulação, mas afirma não ser fácil.

177

Duas outras dificuldades, são apontadas por Alpha: disciplina e salário. Em

relação à primeira, Alpha afirma sentir-se extremamente incomodado com a

indisciplina de alguns alunos e coloca:

Eu acho que a disciplina está pior que no meu tempo, os meninos não estão respeitando os professores, os pais, ou o responsável por eles. Aqui nessa região o que mais a gente vê são meninos morando com padrastos, madrasta, avô, avó. E eles não estão respeitando, e com isso a disciplina fica ruim e fica pior você ensinar essa matemática para a sétima série.(Professor Alpha)

Alpha afirma que, para tentar melhorar a disciplina e adquirir respeito, usa o

diálogo:

Conversar com os alunos, deixá-los à vontade, isso é fundamental. Acho que não tem que ficar xingando o aluno, a gente deve tentar conscientizá-lo e não sair ”pagando pau” para ele. Você tem que ser amigo.(Professor Alpha)

Zeichner (1997) coloca que o professor que conhece o contexto social em

que atua, reconhece suas diversidades culturais e percebe as condições sociais,

culturais e institucionais daquela comunidade, pode não só interagir como

modificar as relações existentes entre a escola e a comunidade e entre as

estruturas sociais em geral. Assim, tentando uma ação coletiva, além do diálogo,

Alpha recorre a alguns recursos didáticos com o objetivo de ‘prender’ a atenção

dos alunos, melhorar a disciplina e tornar a aula mais agradável.

Um recurso que afirma não poder utilizar mais, pois a Secretaria de

Educação cortou o convênio com a escola, são as fitas de vídeo que tomava

emprestado no Centro de Referência do Professor. Segundo ele,

Lá tem muito sobre frações, equações, unidades de medidas, são sensacionais, fantásticas! Que dá uma idéia para o aluno, de onde está aplicada a matemática. (Professor Alpha)

178

Um segundo recurso que, segundo ele, funciona muito bem, que talvez por

timidez não o tenha usado no período em que estava sendo observado, é contar

histórias da matemática. Alpha demonstrou ter um fascínio e um conhecimento

vasto sobre essa parte da matemática, chegando a nos indicar algumas leituras

interessantes a esse respeito. Ele afirma que, quando faz uso dessa estratégia, os

“olhinhos de alguns alunos até brilham”. Entretanto, segundo afirma, utiliza essa

estratégia só quando nota um desinteresse muito grande da turma. Questionamos

então: Se os alunos adoram esse tipo de aula, porque não utilizá-la com mais

freqüência? E ele responde: “Porque os alunos não querem fazer mais nada, só

querem ouvir histórias”. Percebemos, com essa fala, que o professor poderia ter

aproveitado mais essa sua prática de contador de histórias da matemática. No

nosso entender, Alpha perde uma grande oportunidade de melhorar a leitura e a

interpretação, por parte de seus alunos, pois consideramos que poderia aproveitar

essa estratégia para uma produção textual, e até mesmo para uma pesquisa

sobre a historia dessa disciplina, que poderia, de alguma forma, vir a contribuir

para sanar dificuldades apontadas por ele, no que se refere à linguagem

matemática.

Falcon: Impasses e alternativas em sua prática doce nte

Num primeiro momento, as entrevistas de Falcon não corresponderam à

nossa expectativa, em relação ao objeto de estudo dessa pesquisa, pois a sua

prática pedagógica não apresentava problemas, de acordo com seus relatos.

Procurando entender essa afirmação, resolvemos redirecionar nossa atenção à

sua prática pedagógica e aos seus alunos, partindo do pressuposto de que se o

professor não via problemas em sua prática, talvez o mesmo pudesse ser

detectado através de seus alunos. Assim, nesse redirecionamento, fomos

forçados a dividir nossa atenção, para o professor e para seus alunos, procurando

fazer uma leitura mais aprofundada dessa situação.

179

Essa nova leitura nos permitiu verificar as sutilezas existentes entre sua

prática, seu discurso, sua postura reflexiva do ensino da matemática, assumida

nas entrevistas e verificar de que maneira seus alunos vão se apropriando dessas

formas de pensamento utilizadas pelo professor. Com o objetivo de desvelar

alguns procedimentos e estratégias utilizadas pelo professor Falcon, de acordo

com o que explicitamos acima, nossa postura de pesquisadores necessitou ser

mais atuante no que se refere às observações de aula, de pesquisadores

“invisíveis”, passamos a uma observação mais atuante. Não chegamos a realizar

uma pesquisa-ação ou etnográfica, mas tivemos um contato mais próximo com os

alunos, no que diz respeito à realização das atividades por eles desenvolvidas no

decorrer das aulas. Colocamo-nos, portanto, como observadores que, em

determinados momentos de aula, intervinha no desenvolvimento de algumas

atividades pedagógicas realizadas pelos alunos.

Nos relatos de entrevista, Falcon afirma que foi sua formação inicial que

deu elementos suficientes para sustentar sua prática pedagógica. Mais tarde, no

decorrer de uma aula, em conversa com os observadores/pesquisadores, Falcon

afirmou que, diante da extensa carga horária, para conseguir manter todas as

aulas com bom nível, tem se policiado muito, pois não é fácil manter, por exemplo,

na décima quinta aula do dia o mesmo nível apresentado na primeira.

Esse “policiamento”, segundo ele, sempre aconteceu, desde o início de sua

carreira, há mais de vinte anos. Perguntamos a ele sobre a satisfação de atuar

sempre dessa mesma forma, durante tantos anos. A resposta de Falcon foi a

seguinte:

A gente acredita naquilo que dá certo, e pra mim tá legal desse jeito. Eu aprendi assim e eu acho que é por ai.(Professor Falcon)

Quando questionado sobre o peso que sua formação inicial exerce sobre

sua prática pedagógica, Falcon afirma que muita coisa que aprendeu na

Licenciatura está guardada junto com seu diploma, mas admite, porém, que o

rigor, a forma de raciocinar e de ver a lógica matemática é conseqüência de sua

180

formação inicial, mas que aprendeu muito na prática do dia-a-dia. Quando

solicitado a falar sobre uma possível formação continuada, pois já era de nosso

conhecimento que o professor não possuía nenhum tipo de formação além da

inicial, Falcon não se mostrou muito favorável a essa prática, atitude

compreensível pelo número de aulas que ministra a cada dia, segundo sua própria

colocação. Constatamos que a formação continuada só lhe faz falta ‘algumas

vezes’ pois, de acordo com sua declaração, ‘alguns alunos pedem para fazer

alguma coisa diferente’. Segundo ele, é nessas horas que assume sentir

dificuldade, alegando que na sétima série o conteúdo é muito árido para se fazer

alguma coisa diferente.

A observação que Falcon fez, sutilmente, de sua prática pedagógica nos

revelou o que Schön (1983) caracteriza de racionalidade técnica já que, diante

dessa perspectiva, Falcon mecaniza sua prática, seu pensamento e nega o mundo

real da prática que é vivenciada por seus alunos. Nessa perspectiva, conseguimos

compreender a dificuldade apontada por ele na sua prática docente, quando a

mesma refere-se a diferentes abordagens de um mesmo conteúdo. Apoiados em

Schön, acreditamos que a dificuldade enfrentada por Falcon explica-se mediante

as limitações da racionalidade técnica, pois quando Falcon afirma ter dificuldade

na abordagem diferenciada de alguns conteúdos é porque não conseguiu romper

a barreira da racionalidade técnica e, portanto, não encontrou a solução para

problemas que não foram previamente definidos.

Endossando essa afirmativa, temos Fiorentini e Castro (2003), que colocam

que professores que agem dessa maneira mecanizam sua prática, caem na rotina

e atuam de forma repetitiva, reproduzindo o que lhe é mais fácil, acessível e o que

já está pronto. Falcon revela, em sua trajetória docente, que não mobilizou

saberes e reflexões suficientes para investigar e, por conseqüência, transformar

sua prática docente, transitando apenas no campo da ciência aplicada. No

entanto, temos clara consciência de que a prática de Falcon está impregnada de

saberes experienciais, como é apontado por Tardif (2002), os quais ele construiu

ao longo de sua carreira; estamos aqui apenas apontando que esses saberes e

experiências, mobilizados em sua prática, não foram suficientes para torná-lo um

181

investigador de sua própria prática, podendo, dessa forma, contribuir para a

formação de um professor reflexivo.

Embora Falcon não assuma problemas em sua prática, algumas evidências

puderam ser apontadas:

• Aulas que demonstram uma prática cristalizada, sendo respaldada pela

crença no “sempre deu certo”.

• Aulas com predominância de regras e procedimentos quanto ao uso da

simbologia e da linguagem matemática, em detrimento do significado e uso

dos conceitos.

• Aulas expositivas centradas no molde do ensino tradicional.

No nosso redirecionamento de olhar, passamos a observar mais de perto alguns

alunos realizando suas atividades de aula. Em nossas ‘conversas’, ficou aparente

a vontade de ter ‘aulas diferentes’, segundo eles: alguma coisa mais dinâmica,

saindo um pouco das listas de exercícios, confirmando dessa forma as evidências

apontadas anteriormente.

Para ilustrar essas afirmações, apresentamos, a seguir, alguns excertos de

aula do professor Falcon:

O professor Falcon, habitualmente, expõe seus conteúdos no quadro, na

primeira aula do dia, e os mesmos permanecem ali até o quinto horário desse dia.

Com essa prática, Falcon, em geral, começa a aula recapitulando, oralmente, o

que foi visto na aula anterior, para os alunos se ‘localizarem’, de acordo com sua

explicação. Por exemplo, quando o assunto da aula foi Produtos Notáveis, ele

relembra, oralmente, a multiplicação de monômios e, depois dessa explicação, vai

logo ao assunto do dia.

Produtos Notáveis

São produtos importantes para o trabalho com cálculo algébrico.

182

1º caso: Quadrado da soma de dois termos

( x + y ) 2 = x 2 + 2 x y + y 2

Regra: Quadrado do 1º termo + 2 vezes o 1º multiplicado pelo 2º termo +

quadrado do 2º termo.

2º caso: Quadrado da diferença de dois termos

( x – y ) 2 = x 2 - 2 x y + y 2

Regra: Quadrado do 1º termo – 2 vezes o 1º multiplicado pelo 2º termo +

quadrado do segundo termo.

3º caso: Produto da soma pela diferença de dois termos

( x + y ) ( x – y ) = x 2 - y 2

Regra: Quadrado do 1º termo – quadrado do 2º termo.

(Excerto de aula do professor Falcon)

Exercícios de Fixação: é apresentada uma lista de vinte exercícios, que

contemplam a aplicação direta no caso, e outros com graus de dificuldades

variados, incluindo números racionais na sua forma fracionária e decimal, essa

lista também apresenta simplificação de expressões algébricas.

Após realizar uma breve revisão oral, Falcon acredita que seus alunos já se

‘localizaram’, e começa a explicação do conteúdo do excerto de aula mencionado

acima. Observamos que, durante sua explicação oral, ele ‘mostra aos alunos’ a

necessidade de se perceber que ( x + y ) 2 é equivalente ao produto de ( x + y ).

( x + y ), mas não demonstra esse raciocínio, nem sequer atenta para o fato da

possibilidade da não aplicação da regra dos produtos notáveis pelos alunos e,

dessa maneira, transcorreu a explicação para os outros casos de produtos

notáveis, ensinados naquela aula.

Observamos, porém, que Falcon está preso às regras que mascaram o

conceito dos produtos notáveis e o desenvolvimento do algoritmo da multiplicação

nesse caso, não incentivando, portanto, os alunos a procurarem outro tipo de

183

resolução, mesmo que no processo, considerado por muitos, como longo.

Apoiados em Schön (2000), acreditamos que se Falcon assumisse uma postura

reflexiva, deveria nesse momento, enfatizar a possibilidade de outras regras de

investigação, incentivando seus alunos à reflexão na ação, a qual ocasionaria um

possível desenvolvimento de novas regras e métodos próprios.

No acompanhamento das atividades de aula realizadas pelos alunos,

percebemos que a todo instante procuravam uma regra que se encaixasse no

exercício que deveriam resolver. Após a aplicação da mesma, os procedimentos

algébricos eram resolvidos sem muita dificuldade; exceto nos exercícios finais, os

quais julgamos excessivamente complicados e desnecessários para alunos nesse

estágio de estudo.

Quase no final da aula, Falcon ‘corrigia’ os exercícios, fornecendo as

respostas oralmente. Percebemos que, quando o aluno errava, não tinha tempo

suficiente para fazer a correção, pois sempre batia o sinal e os alunos mudavam

de sala. Ficamos intrigados com aquela situação e, buscando esclarecimento, no

outro dia sentamo-nos próximo à aluna que notamos que havia errado alguns

exercícios. Perguntamos a ela como fazia para corrigi-los. Informou-nos que pedia

o caderno de sua colega emprestado e tirava xerox.

Falcon diz, em suas entrevistas, que “os meninos têm dificuldade de

enxergar”, pedimos-lhe para explicar esse termo, e ele o fez dessa forma:

Eles têm mais dificuldades agora na 7ª série, porque eu diria que primeiro eles assustam com a situação, é uma situação inusitada. O uso de letras, dos algoritmos, dessa linguagem mais específica da 7ª série, eles ficam desorientados. A principio eles têm aquela sensação: “Ah! Não entendi !” Não sei, não dá! Então a minha maior dificuldade é essa, fazê-los “enxergar” essa linguagem algébrica. (Professor Falcon)

Falcon aponta que sua maior dificuldade é fazer os alunos assimilarem a

linguagem matemática. Segundo seu depoimento, “os meninos chegam da 5ª e 6ª

séries muito limitados”. Afirma, também, que no início da 7ª série os alunos

apresentam muita dificuldade em linguagem algébrica e que fazem muita

184

“confusão”, quando se iniciam nesse conteúdo. Como uma forma de amenizar

essa dificuldade, Falcon diz que “força” o aluno. Em nosso entendimento, “forçar”

para Fausto é sinônimo de listas de exercícios gigantescas e aplicação de uma

prova muito difícil. Buscando entender melhor essa situação, procuramos

conversar com os alunos sobre as provas e o tempo diário dedicado ao estudo de

matemática. As respostas obtidas apontaram para um tempo médio de duas horas

diárias dedicadas ao estudo dessa disciplina. Além disso, a maioria dos alunos

precisava de aulas particulares pois, segundo o depoimento dos alunos, a prova

de matemática era “rocha”. No nosso entendimento, muito difícil.

Falcon considera a linguagem simbólica uma das grandes dificuldades da

7ª série e coloca como estratégia para superação desse impasse a utilização de

resolução de problemas. Em relação à estratégia utilizada por Falcon, quanto ao

uso de situações problema, não acompanhamos o tratamento desse assunto em

nossas observações de aula, entretanto, tivemos acesso às listas de exercícios

que contemplavam esse conteúdo e, pela nossa análise, constatamos ser o que

Onuchic (1999,p.215) adverte sobre a crença no ensino através de resolução de

problemas: “o problema não é um exercício no qual o aluno aplica, de forma

mecânica, uma fórmula ou uma determinada técnica operatória (...), a resolução

de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como

aplicação da aprendizagem, mas como orientação para a aprendizagem”.

Recorremos, também, às considerações de Schoenfeld (1987): longas listas de

exercícios conduzem à constatação de que dominar os procedimentos formais da

matemática é diferente de aprender matemática que, por sua vez, é diferente de

pensar matematicamente. Da forma como entende esse autor, os alunos devem

ser levados a pensar matematicamente.

O professor Falcon, de acordo com nossas análises, acredita que se seus

alunos estão trabalhando com álgebra básica, manipulando equações, expressões

algébricas, etc., ou seja, entes algébricos, a aprendizagem desse conteúdo será

uma conseqüência natural da aritmética. Lins e Gimenez (1997) negam esse

conceito. Segundo eles, o aluno não vai aprender álgebra porque sabe aritmética:

a aprendizagem da álgebra envolve outros processos do pensamento, inclusive a

185

aritmética generalizada. De acordo com esses autores, o que poderia facilitar a

aprendizagem seria a apresentação de atividades algébricas que não fossem

conseqüência natural da aprendizagem da aritmética, ou seja, apresentar uma

abordagem que parta de uma concepção de conhecimento que privilegie a

produção de significados, por parte dos alunos.

Quando Lins e Gimenez (1997) fazem referência à produção de

significados nos remetemos a Liston e Zeichner (1997), os quais afirmam que

educação é uma prática social e portanto, o professor deve entender o contexto

social no qual está inserido. Para eles a compreensão desse contexto deve estar

presente nesse professor, levando-o a uma reflexão sobre sua prática. E, de

acordo com nossas análises, o professor Falcon não consegue visualizar

situações que estão além de sua sala de aula e, portanto, não consegue refletir

sobre as estruturas sociais que estão ao seu redor, ficando dessa forma

condicionado ao contexto em que atua. Falcon, porém, é um professor

competente, que se mostra preocupado com a aprendizagem de seus alunos, que

está imbuído em realizar um bom trabalho, mas é um profissional que ainda não

se tornou um investigador de sua própria prática. Desse ponto de vista, de acordo

com Schön (1983,1987,1991), é um profissional rigoroso, que soluciona

problemas instrumentais mediante seu conhecimento técnico e científico.

Acreditamos que o professor Falcon escolheu, em sua prática pedagógica,

transitar apenas no campo dos problemas cujas soluções podem ser previstas a

priori, solucionando apenas problemas que não requerem uma investigação mais

profunda do caso, transitando, dessa forma, apenas no campo da racionalidade

técnica.

Algumas considerações sobre os impasses e alternati vas apontadas nas

práticas de Alpha e Falcon

Os professores das duas escolas, independente da situação econômica e

social de sua clientela e de sua localização, enfrentam problemas semelhantes

186

para o ensino da álgebra na 7ª série do Ensino Fundamental; fato que pode ser

comprovado através das análises das práticas descritas anteriormente. Algumas

dificuldades apontadas pelos professores foram semelhantes: as que se referem à

formação inicial e à linguagem matemática. As dificuldades apontadas pelos

professores, no que diz respeito à formação inicial, revelam o que muitos

estudiosos da Educação Matemática afirmam ser necessário: o repensar a nossa

Licenciatura, até então centrada nos moldes do ensino tradicional com um

currículo obsoleto, cristalizado que não reconhece as diversidades culturais, se as

conhece não as reconhece como tal.

Nossas análises apontaram para uma formação deficiente no que diz

respeito à atuação docente desses professores: “o que aprendi no curso de

Licenciatura em nada me serviu para a sala de aula”, nos revelam sérios

problemas em nossos cursos de formação de professores, pois são poucos os

professores que conseguem transitar com uma postura reflexiva na sua atuação

docente, que investigam sua própria prática e, portanto, constróem novos

conhecimentos que apontam novos rumos. Não são poucos, entretanto, os que

atuam apenas no campo da racionalidade técnica e que não conseguem romper

com a ciência aplicada, assim definida por Schön, e nem enxergar que a

educação é um ato político, assim colocado por D’Ambrósio e tampouco enxergá-

la como uma prática social que está impregnada de condições políticas, sociais e

institucionais, assim definida por Zeichner.

Assim, acreditamos, de acordo com a análise dos dados, que a crença

sobre o ensino da matemática e a concepção que se possui sobre ela, direciona o

olhar do professor para uma postura mais reflexiva, ou não, de seu ensino.

Um segundo problema comum, mencionado pelos professores e que diz

respeito à especificidade da matemática, foi sua linguagem. Essa dificuldade nos

remete, uma vez mais, aos nossos cursos de Licenciatura: se a linguagem

matemática passa a ser um dificultador para o professor dessa disciplina na sua

atuação em sala de aula, podemos concluir que essa dificuldade deveria ser

trabalhada nos cursos de formação de professores.

187

De acordo com Lins e Gimenez (1997), a linguagem algébrica deve ser

iniciada já nos primeiros contatos da criança com a escola, sendo necessário

‘atribuir significado’ a essa linguagem.

Os dados nos revelaram que, se o professor não introduz a linguagem

algébrica na mais tenra idade dessas crianças e não atribuem significados a ela,

muito provavelmente, é porque não foram preparados e, por isso, são poucos os

que ousam assumir essa postura; acreditamos, ainda, que os que se aventuram

por esses caminhos o façam no método da tentativa e erro.

Assim sendo, com consciência de que não existe receita pronta e fácil para

se ensinar matemática, somos levados a buscar uma nova educação, que possa

proporcionar mudanças em posturas e formação de professores.

188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso estudo foi realizado com o objetivo de desvelar evidências de

processos reflexivos na prática docente de professores de matemática da 7ª série

do Ensino Fundamental, mais precisamente nas aulas de álgebra, e de identificar

as estratégias utilizadas por esses professores para superação das dificuldades

encontradas na docência dessa disciplina. Nesse sentido, a pesquisa teve como

foco central os processos de reflexão na prática docente dos professores.

Não pretendemos fazer generalizações, pois trata-se de um estudo de

caso, que analisa a prática de dois professores em locus de atuação diferente.

Entretanto, podemos apontar algumas constatações de ordem geral, relativas aos

campos da pesquisa:

• As dificuldades inerentes ao ensino da 7ª série independem da estrutura e das

condições físicas e materiais da escola e do nível sócio-econômico-cultural dos

alunos. A Matemática dessa série possui suas especificidades e seus

impasses, sendo que os professores das diferentes escolas enfrentam os

mesmos tipos de problema e sua solução não está afeta apenas a essas

condições. Depende muito mais do relacionamento estabelecido entre o

professor e os alunos, da sua bagagem cultural e conhecimento matemático,

da capacidade do professor em mobilizar processos reflexivos em suas

práticas e ainda da visão que possui sobre a Matemática e seu ensino.

Portanto, ter uma escola de alto nível, com boas condições estruturais e alunos

com um padrão sócio-econômico-cultural elevado não garante um bom ensino

da Matemática;

• Trabalhar em uma escola de excelência não significa, necessariamente, ter

oportunidade de investimento na própria formação. Muitas vezes as exigências

em torno da produtividade e o número de aulas excessivo impedem esse

investimento. É o caso do professor Falcon, que possui uma carga horária

semanal elevada e ainda trabalha em uma instituição que “prima” pela tradição

no ensino da Matemática. Sendo assim, é submetido a uma enorme pressão

189

dessa tradição, tanto em relação aos conteúdos curriculares quanto à

necessidade de preparar os alunos para a aprovação nos vestibulares mais

conceituados da cidade;

• As escolas se organizam tendo em vista seus fins. Assim, a escola A, que tem

como uma de suas principais metas a preparação dos alunos para ingressarem

no ensino superior das melhores universidades, tem atingido seu fim, ou seja,

seus alunos vêm sendo aprovados nos exames vestibulares e ela tem sido

destacada como uma escola de excelência. Já a escola B, que não tem a

aprovação no vestibular como uma de suas principais metas e nem mesmo a

pretensão de ser conhecida como uma instituição de excelência, prepara seus

alunos para a utilização prática da Matemática na vida, buscando na instrução

escolar o significado do conhecimento. É o que apontam nossas observações

no caso do professor Alpha, quando em suas diversas abordagens no ensino

da Matemática tentou imprimir significados aos conteúdos por ele ensinado.

Além disso, nosso estudo aponta para uma dificuldade comum no que diz

respeito à especificidade da linguagem algébrica, o que nos remete à reflexão

apontada por Lins e Gimenez (1997), quando defendem à introdução dessa

linguagem, já nos primeiros anos da educação escolar propiciando, assim, um

pensamento algébrico desenvolvido por meio de atividades que assegurem o

exercício dos elementos caracterizadores desse pensamento.

Acreditamos ser necessário repensar a educação algébrica, no sentido de

se apresentar uma linguagem que tenha significado e, portanto, aponte para a

necessidade de sua utilização. O que detectamos, em nosso estudo, foi que o

pensar algébrico ainda não faz parte de muitos processos de aprendizagem,

perdendo, dessa maneira, o seu verdadeiro valor como um instrumento para o

desenvolvimento de um raciocínio mais abrangente e dinâmico. Ainda reforçando

nossa crença, Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) defendem que o pensamento

algébrico não prescinde de uma linguagem estritamente simbólico-formal para sua

manifestação, ao contrário, acreditam que esse tipo de pensamento deve-se fazer

presente desde o inicio da formação do estudante.

190

Os estudos de caso revelaram, também, que as crenças e concepções que

os professores possuem da matemática e do seu ensino pareceram estar

diretamente relacionados com o nível de reflexão de cada professor. Dessa

maneira, compartilhamos com Thompson (1997), quando afirma que as

concepções que os professores possuem de seu ensino e da matemática, é uma

relação complexa, pois existem vários fatores que interagem com essas crenças e

concepções, afetando, portanto, sua prática pedagógica.

Vimos que essa influência desempenha, ainda que sutilmente, um

significativo papel em suas reflexões, que convertem-se em ações para sua

prática pedagógica. No caso do professor Alpha, percebemos que a reflexão sobre

sua prática e sobre seus conhecimentos possibilitou a criação de estratégias para

os impasses enfrentados em seu dia-a-dia. Entretanto, Falcon revela, em sua

prática, uma matemática como um conhecimento de natureza essencialmente

prescritiva e procedimental, não demonstrando uma reflexão mais

sistematizada.

O estudo também apontou que, é na realização do trabalho pedagógico,

que os saberes da profissão docente são efetivamente compreendidos,

produzidos ou ressignificados, mediante um processo reflexivo do professor sobre

seu trabalho. Como o trabalho pedagógico não existe isolado do contexto da

escola, há toda uma organização que determina e influencia na ação docente.

Assim, Alpha que trabalha em uma escola que não tem o compromisso com a

excelência e atende a uma clientela de classe popular, não tem sob seus ombros

o peso das exigências relativas à pressão regressiva do exame vestibular sobre a

Escola básica. Dessa forma, esse professor pode romper com a racionalidade

técnica (Schön,1983) e buscar na reflexão um caminho possível para uma

compreensão mais alargada do cotidiano escolar, desenvolvendo ações

pedagógicas que colocam o aluno no centro do processo ensino-aprendizagem.

A reflexão, portanto, pareceu fazer parte do processo de formação do professor

Alpha, no qual seus saberes docentes foram mobilizados, problematizados e

ressignificados, pois o professor entende a educação como uma prática social,

assim caracterizada por Liston e Zeichner (1997), portanto possui um olhar

191

diferenciado sobre o contexto escolar no qual está inserido. Já o professor Falcon,

que exerce sua profissão em um contexto de grande exigência com a

produtividade do aluno, onde não é dada ao professor a mesma flexibilidade para

a escolha e abordagem dos conteúdos, é pressionado a desenvolver, em sala de

aula, o conteúdo exigido nos programas dos exames vestibulares das maiores

universidades, não lhe sendo permitida maior flexibilidade para o desenvolvimento

do processo reflexivo e criativo. Assim, diante da necessidade de cumprir o

programa, acaba resvalando para o campo da racionalidade técnica. Dessa forma,

a prática de Falcon aponta para uma visão de que a solução dos seus problemas

já pode ser prevista a priori. Algumas deficiências e dificuldades de seu ensino são

atribuídas aos alunos e não há, evidências concretas de uma mobilização de

processos de investigação de sua própria prática

Acreditamos, assim, ser fundamental a formação de professores reflexivos

e, no que diz respeito ao nosso estudo, dos professores de matemática, pois será

em sua formação inicial que existirá a possibilidade de se discutir as concepções

sobre a matemática, seu ensino, sua aprendizagem e especificidades inerentes a

ela.

No nosso entender, a formação inicial tem contribuído muito pouco para

ajudar o professor nessa reflexão pois, para que os professores se predisponham

a mudanças, é preciso que tenham a oportunidade de perceber sua necessidade e

importância. Assim, acreditamos que dificilmente um professor de matemática

formado em um programa tradicional, cristalizado e com um currículo obsoleto,

como colocado por D’Ambrósio (1996), estará preparado para enfrentar os

desafios, que se fazem crescentes, em sua prática pedagógica. Defendemos a

idéia de que cabe aos cursos de formação de professores, uma reformulação

curricular, uma atualização no sentido de oferecer condições para que esse

professor desempenhe o seu novo papel social, ou seja, preparar crianças, jovens

e adultos para uma sociedade em constante evolução.

Um outro aspecto importante na formação de professores é o

desenvolvimento de uma formação reflexiva que aponte caminhos para a

educação como uma prática social e, portanto, que se leve em consideração as

192

condições sociais em que se está inserido. Esse caminho pode ser apontado

criando-se condições para uma articulação entre a teoria e a prática no momento

da formação. Acreditamos ser necessário que os professores entrem em contato

com a realidade que os espera, o mais cedo possível. Talvez, do conhecimento da

realidade, aliado à reflexão, surja uma consciência político-social que leve os

futuros professores a compreenderem que a educação ultrapassa e muito o

conceito de instrução.

Compartilhando com as idéias de D’Ambrósio (1993), acreditamos ser

necessário que os professores de matemática possuam uma visão do que venha a

ser a matemática e do que constitui a legitima atividade matemática. Defendemos

a idéia da necessidade de mudança nas propostas pedagógicas e na

reformulação do ensino da matemática, até então centrada nos moldes do ensino

tradicional, entretanto há que se ter uma orientação adequada e consciente, para

que esse movimento aconteça com compreensão particular e subjetiva, para que

esse conhecimento se transforme em um saber socializado.

Não defendemos o abandono das aulas expositivas e nem dos livros

didáticos, entretanto chamamos a atenção no enfoque que os mesmos dão ao

ensino. Apontamos, portanto, a condição de reflexão por parte do professor como

uma visão de educação voltada para a prática social, onde as aulas expositivas e

os livros didáticos sejam fortes aliados na construção de um conhecimento que

tenha significado. Ao professor cabe selecionar, criar dinâmicas exploratórias,

propiciando um ambiente de pesquisa em sala de aula, onde a reflexão sobre e na

sua prática também possa ser compartilhada e incentivada aos seus alunos, para

que os mesmos exerçam uma postura crítica e reflexiva sobre sua aprendizagem,

levando-os a investigações e explorações do seu conhecimento.

193

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202

• BRASIL, Conselho Nacional de Educação, Resolução CNE/CP 2/2002 – Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Brasília. CP, 2002. Acessado em 21/01/04. Disponível em www.mec.gov.br/cne

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• BRASIL, Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica – SAEB. Relatório SAEB 2001 . Matemática. Brasília, DF. Inyo, 2002.

203

ANEXOS

ANEXO 1

FICHAS COM OS DADOS DOS PROFESSORES

DADOS PESSOAIS, ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS

Prezado Professor,

A pesquisa “O professor de Matemática e a prática reflexiva: estudo com

professores da 7ª série do Ensino Fundamental” está sendo realizada por mim,

como atividade acadêmica do curso de pós-graduação em Educação. Necessito

de informações pessoais, acadêmicas e profissionais de todos os professores de

Matemática de 7ª série do Ensino Fundamental dessa escola para uma análise

quantitativa da configuração do corpo docente e para a escolha dos atores a

serem entrevistados.

Sua colaboração é muito importante.

Agradeço antecipadamente e coloco-me a disposição para maiores

esclarecimentos.

Rosemeire de Lourdes Oliveira Meinicke

204

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome Completo: ____________________________________ _____ Endereço: Av/Rua: _________________________________ ________________

Nº:_______ Apto:________ Bairro: ________________ C EP: _______________

Telefone: ______________ e-mail: __________________ __________________

Cidade: ____________________________ Estado: ______ _________________

SITUAÇÃO NA ESCOLA

Ano de admissão: _____

Séries que leciona atualmente: ____________________ ___________________

Cargo que exerce:

( ) Professor / coordenador de área

( ) Professor

( ) Coordenador de área

TIPO DE HABILITAÇÃO

( ) Licenciatura Plena em Matemática

( ) Licenciatura Curta em matemática

( ) Outra Habilitação. Qual: __________________________________________

GRAU DE ESCOLARIDADE ( ) Superior Completo

( ) Especialização Lato sensu na área de Matemática

( ) Pós Graduação Scrito sensu – Mestrado

( ) Pós Graduação Scrito sensu – Doutorado

205

TEMPO DE FORMAÇÃO ( ) de 0 a 5 anos

( ) de 6 a 10 anos

( ) de 11 a 15 anos

( ) de 16 a 20 anos

( ) mais de 20 anos

Atualmente exerce a profissão docente também em outra escola?

( ) Sim ( ) Não

Nível: ( ) Fundamental ( ) Médio ( ) Superior

DISPONIBILIDADE PARA PARTICIPAR DA PESQUISA Concorda em ser entrevistada para a pesquisa?

( ) Sim ( ) Não

Caso tenha respondido não, justifique: __________________________________ _________________________________________________________________ Disponibilidade de horários: ___________________________________________

206

ANEXO 2

QUESTIONÁRIO: O ENSINO DA MATEMÁTICA

Prezado aluno,

As questões seguintes dizem respeito sobre a maneira como você estuda e

aprende Matemática da 7a série.

Entre as alternativas apresentadas, indique as que você considera mais

importante, numerando-as em ordem crescente, sua importância.

Exemplo: A que você numerar como 1 será a menos importante.

01) O que me leva a estudar Matemática é o fato de:

( ) Ser uma matéria importante para minha formação.

( ) Gostar de Matemática.

( ) Ser uma matéria obrigatória no colégio.

( ) Desenvolver meu raciocínio.

( ) Ter que fazer provas.

( ) Não pode repetir disciplinas, pois teria que repetir a 7a série novamente

( ) Gostar de estudar.

( ) Tirar boas notas e ter um bom currículo.

( ) Ter uma boa base em matemática, visando me preparar para o vestibular.

( ) Na realidade, praticamente não estudo Matemática.

02) Aprender Matemática é:

( ) Entender a teoria (definições, teoremas, aplicabilidade)

( ) Saber usar a fórmula certa, no momento certo.

( ) Ser capaz de usar o que aprendeu em situações novas

( ) Dar conta de fazer qualquer exercício.

( ) Saber aplicar os conhecimentos matemáticos em situações do dia-a-dia.

( ) Dar conta de fazer uma boa prova.

207

03) A meu ver Matemática é:

( ) Um conjunto de fórmulas e equações.

( ) Procurar respostas para o uso dos números e fórmulas.

( ) Algo através do qual podemos gerar conhecimentos novos.

( ) Como uma linguagem universal que permite às pessoas se comunicarem e entender o universo.

( ) Ciência que lida com números, figuras e fórmulas.

( ) O estudo dos números e a solução de problemas numéricos.

( ) Não é só números... mas não sei explicar direito o que é.

( ) Números e operações e com essas duas coisas você explica fatos, prova acontecimentos.

04) Meus estudos de Matemática constituem em:

( ) Fazer, se possível, todos os exercícios recomendados.

( ) Reler as notas de aula e fazer os exercícios.

( ) Estudar os exemplos resolvidos no caderno e/ou no livro.

( ) Reler a teoria no livro e fazer exercícios.

( ) Apenas prestar atenção nas aulas.

( ) Escrever à medida em que leio a teoria e os exercícios.

( ) Ler o assunto antes da explicação do professor e marcar as dúvidas.

( ) Ler com atenção exemplos resolvidos no livro ou no caderno.

( ) Refazer todos os exercícios já resolvidos e corrigidos pelo professor.

( ) Outros, especificar: ______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

208

05) Além de assistir as aulas, estudo matemática:

( ) Todos os dias.

( ) Apenas na véspera da prova.

( ) Posso dizer que não estudo, apenas assisto às aulas.

( ) Depende... às vezes sou capaz de estudar até a manhã toda, outras, nem abro o livro

( ) Só se me sinto motivado.

( ) Apenas para dar conta de “passar”.

( ) Sempre, para não deixar a matéria acumular.

( ) Não sei se isso é estudar, apenas faço os exercícios.

( ) Outros, especificar: ______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________

06) Enumere as principais dificuldades que você enf renta para aprender a

Matemática da 7 a série e as alternativas que tem buscado para soluci oná-

las.

DIFICULDADES ALTERNATIVAS

209

07) Percepção sobre as aulas e o professor de Matem ática.

Responda: O = ótimo

B = bom

R = razoável ou regular

I = insuficiente ou ruim

A – Avaliação das aulas de Matemática

( ) Planejamento da aula.

( ) Procedimentos e estratégias utilizadas.

( ) Materiais e recursos didáticos.

( ) Avaliação: métodos e critérios utilizados.

B – Percepção sobre o professor

( ) Capacidade de comunicação.

( ) Domínio de conteúdo.

( ) Compromisso com o ensino.

( ) Pontualidade.

( ) Relacionamento com o aluno.

Que sugestões você dá para melhorar o ensino da Ma temática na escola.

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

210

ANEXO 3

Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral

Pelo presente documento, eu .................................................................., brasileiro,

(estado civil), professor, residente e domiciliado em (cidade), (rua), (número e

complemento), declaro ceder à Pesquisadora Rosemeire de Lourdes Oliveira

Meinicke, aluna do Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG, situado à Av. Dom José

Gaspar, 500, bairro Coração Eucarístico, Belo Horizonte, Minas Gerais, a plena

propriedade e os direitos autorais do depoimento de caráter histórico e documental

que prestei à mesma, no mês ....................................... de (ano), num total

aproximado de duas horas gravadas, assim como a gravação em fita cassete das

aulas observadas.

A referida pesquisadora fica constantemente autorizada a utilizar, divulgar e

publicar, para fins culturais e científicos, o mencionado depoimento, no todo ou em

parte, editado ou não, bem como permitir a terceiros o acesso ao mesmo para fins

idênticos, sendo preservada sua integridade e sigilo, o qual será resguardado

mediante a utilização do codinome ... (pseudônimo).

Belo Horizonte, ....... de ...................................... de ............... .

______________________________