o pêndulo do sentido

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o pêndulo do sentido – essay

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Page 1: o pêndulo do sentido

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o pecircn dul o do sentido distacircncias indic iais e oscilaccedilotildees alegoacutericas

Ricardo Mauriacutecio

o artigo analisa as estrateacutegias de sobrevivncia e auto definiccedilatildeo da arte em seu espaccedilo especiacutefico nas situaccedilotildees moderna e contemporOacutenea tendo como

referncias principais o quadro histoacuterico-cultural proposto por Viacuteeacutem Flusser na perspectiva da inversatildeo paradigmaacutetico operada pela invenccedilatildeo da fotografia e da

decorrente perda da aura apontada por Walter Benjamin aleacutem do gesto fundador representado pelo ready made duchampiano Na sequumlncia satildeo expostos dois momentos da produccedilatildeo praacutetico recente do autor situada no horizonte teoacuterico

delineado por tais questotildees

Arte moderno e poacute s-moderno imagem palavra coisa autoria

Uma vez jasper john s sem se identificar como autor explicou a uma senhora ultrajada pelas latas de cerveja expostas na galeria conceito e processo envolvidos na concepccedilatildeo e realizaccedilatildeo de Pointed Bronze john Cage narra a passagem I e conta que a reconciliaccedilatildeo produzida - em algum niacutevel shyentre observadora e obra levara johns a se indagar por que a informaccedilatildeo sobre o que algueacutem fez afeta o julgamento de outra pessoa Por que algueacutem que estaacute olhando para algo natildeo pode dar-se ele proacuteprio ao trabalh o de 0Ihar2 Seraacute dar-se simplesmente ao trabalho de olhar suficiente para que qualquer observador entre em contato efetivo isto eacute ativo com o objeto de arte Em que medida a apreensatildeo desse objeto como tal dependeria - sempre - de uma circunstacircncia construiacuteda e que papel cabe ao elemento verbal na definiccedilatildeo desta

Segundo William S Wilson 111 atenccedilatildeo com obras de arte de que natildeo se gosta imediatamente eacute difiacutecil mas vem com a

praacutetica Torna-se mais faacutecil atraveacutes de certa atenccedilatildeo aos proacuteprios padrotildees de atenccedilatildeo

()3 De fato essa atenccedilatildeo autoconsciente pode aproximar o objeto de arte mas natildeo seriam esses padrotildees tambeacutem condicionados por todos os dados que informam dirigem e codificam um modo especiacutefico de percepccedilatildeo Ao olhar para Pointed Bronze por exemplo pode ocorrer-nos outra

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passagem envolvendo jasper johns e Willen de Kooning Numa conversa anterior agrave realizaccedilatildeo daquele trabalho de Kooning teria comentado ser Leo Castelli o morchond de ambos capaz de vender qualquer coisa como arte - incluindo latinhas de cerveja Tornando-se conhecido esse dado incorporashyse automaticamente como referecircncia natildeo apenas significativa mas determinante numa certa medida do funcionamento perceptivo do trabalho obviamente redimensionando sua intenccedilatildeo - sublinhando seu aspecto irocircnico - a partir de sua inserccedilatildeo histoacuterica Opera aqui um dispositivo alegoacuterico que define (em parte) o modo de funcionamento do trabalho Como lembra Craig Owens a alegoria ocorre sempre que um texto eacute duplicado por outro ou seja o trabalho passa a ser lido a partir da referecircncia que faz a algo exterior a si mesmo instaurandoshyse uma intertextualidade constitutiva Seria simplificar deduzir daiacute que o objeto de arte natildeo se daacute a perceber em evidecircncia absoluta algo que pudesse comunicar um sentido universal a partir da simples condiccedilatildeo de estarmos em sua presenccedila Acontece que trabalhos como aquele representaram uma ruptura precisamente com valores relativos agrave afirmaccedilatildeo dessa evidecircncia postulada pela teoria modernista tendo sido por isso mesmo por ela recusados Por outro lado ter-se-iam estabelecido desde entatildeo novos paracircmetros que natildeo soacute confirmam a

A R T I G o bull R I C A R o o MAU R I c I o 39

ae R E V 1ST A DO P R o G R A M A D E P 6 S bull G R A D U A ccedil Atilde o E M A R TE S V I SUA I S E B A bull U f R J bull 2 o o 1

propriedade de tais procedimentos mas estipulam que a partir deles ter-se-ia instaurado uma inversatildeo paradigmaacutetica cujas raiacutezes se rastreadas remeteriam a um passado menos recente

Pois bem a fruiccedilatildeo do objeto de arte lida com uma evidecircncia inegaacutevel ou esta tambeacutem se daacute a partir de construccedilotildees culturalmente definidas

Um possiacutevel argumento para ver natildeo basta olhar o homem eacute um ser cultural portanto natildeo existe olhar que natildeo seja mediatizado por coacutedigos referecircncias sugestotildees e reconhecimentos que estruturam nossa percepccedilatildeo elaborando os dados que a sensaccedilatildeo fornece e comparando-os com os de outros indiviacuteduos de acordo com um patrimocircnio coletivo que possibilita a comunicaccedilatildeo e a vida social

Quanto ao objeto de arte ele se distingue dos demais por uma especificidade toda proacutepria Em Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo Kant definia que a faculdade do juiacutezo esteacutetico natildeo subsume um dado particular (uma intuiccedilatildeo sensiacutevel) a uma regra determinada (conceito de entendimento) mas como juiacutezos refiexionantes procedem da realidade na sua singularidade para daiacute conceber uma regra universal por outro lado eles natildeo podem () determinar seu objeto a priori jaacute que sua universalidade eacute totalmente subjetiva4 Seria entatildeo sobre esta experiecircncia original da intersubjetividade humana que se fundam as modalidades indiretas da comunicaccedilatildeo5

Para Joseacute Guilherme Merquior os objetos de arte satildeo objetos de conhecimento que estabelecem uma mediaccedilatildeo imaginaacuteria entre a feiccedilatildeo atual da sociedade e a imagem de seu ultrapassar6 Esses objetos mediatizadores existem pelo menos desde Lascaux a aurora da espeacutecie humana na expressatildeo de Bataille constituindo pela primeira vez o signo sensiacutevel de nossa presenccedila no universo O conceito de arte eacute no entanto muito mais recente surgindo no seacuteculo 18 Se a arte eacute um conceito histoacuterico e como tal teve um iniacutecio poderia vir a encontrar seu fim Arthur Danto opera com o conceito de fim da arte Em Arte sem

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ParadigmaS ele cita o tiacutetulo de um livro de Hans Belting - que tambeacutem escrevera sobre esse fim Bilds und Kut (Imagens e Culto) que para Danto tem um subtiacutetulo maravilhoso A imagem antes da era da arte9 Essa definiccedilatildeo de imagem anterior agrave era da arte pode encontrar um correspondente adequado na imagem posterior agrave era da arte que equivale ao periacuteodo em que estamos vivendo isto eacute na arte poacutes-histoacuterica shycontinua Danto - periacuteodo no qual o modo de ver de perceber e de fruir a imagem eacute muito diferente do que foi na era da arte Em seguida lembra que Hegel jaacute havia falado do fim da arte como de um momento que se atingia a partir de uma tomada de consciecircncia por parte da arte e de um reconhecimento de sua proacutepria natureza internalo

Portanto qualquer investigaccedilatildeo sobre a natureza da percepccedilatildeo do objeto de arte no espaccedilo contemporacircneo deve levar em conta essa posiccedilatildeo consciente de si e de sua histoacuteria com sua especificidade teacutecnica e conceitual e desenvolvimento particular mas envolvida e permeada pela histoacuteria geral dos fatos e das ideacuteias Como diz Wittgenstein se natildeo existisse a teacutecnica de jogar xadrez eu natildeo poderia ter a intenccedilatildeo de jogar uma partida de xadrez11 A mudanccedila de paradigma que define esse momento poacutesshyhistoacuterico poderia ser expressa talvez por uma certa consciecircncia de classe por assim dizer que agora as peccedilas do xadrez teriam adquirido uma compreensatildeo de sua funccedilatildeo social das possibilidades de articulaccedilatildeo e dos limites estrateacutegicos de seus movimentos no tabuleiro - da arte - e desta como peccedila de outro ampliado o da organizaccedilatildeo da sociedade como um todo

Mas qual a origem dessa inversatildeo paradigmaacutetica radical Em seu ensaio TextoImagem enquanto Dindmico do Ocidente12 o filoacutesofo Vileacutem Flusser afirma ser a dinacircmica da trageacutedia ocidental produzida no embate entre o gesto que produz imagens e o que produz textos do que resultaria uma alternacircncia de periacuteodos na histoacuteria ocidental definidos pela hegemonia de uma dessas formas simboacutelicas

Nessa perspectiva a histoacuteria poderia ser dividida em trecircs fases - preacute-histoacuterica

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histoacuterica e poacutes-histoacuterica - demarcadas por eventos cruciais as primeiras imagens os primeiros textos (e os primeiros impressos) e as primeiras fotografias

As pinturas parietais em Lascaux representariam o surgime nto das primeiras imagens Para Flusser o gesto que as produz consiste em um recuo em relaccedilatildeo agrave circunstacircncia para tornar possiacutevel a percepccedilatildeo dos contornos as relaccedilotildees entre objetos que passam a ser superfiacutecies ( ) fenocircmenos aparentes () A intenccedilatildeo eacute dupla fixar visatildeo fugaz - abstraindo a dimensatildeo temporal - e tornar tal visatildeo acessiacutevel a outros por meio da fi xaccedilatildeo das relaccedilotildees espaciais atingida pela abstraccedilatildeo da terceira dimensatildeo Imagem eacute portanto visatildeo tornada fixa e intersu bjetiva Entretanto a imagem produzida para entendimento do real acaba por ser confundida com ele a imaginaccedilatildeo vira alucinaccedilatildeo vira idolatria o que constituiria a consciecircncia preacute-histoacuterica o pensamento maacutegico

Em to rno da metade do segu ndo milecircnio ac aparecem os primeiros textos alfabeacuteticos lineares Segundo Flu sser trata-se de dar um passo para traacutes das imagens a fim de se libertar do fasciacutenio alucinador que exercem e tornaacute-Ias novamente transparentes para a circunstacircnci a que encobrem Esse gesto que rasga as imagens consiste em substituir a bidimensionalidade da imaginaccedilatildeo pela unidimensionalidade do pensamento conceitual e objetiva explicar o conteuacutedo das imagens

No entanto num novo movimento de feedbock entre gesto e consciecircncia equivalente agravequele que desvirtuara a funccedilatildeo de mediaccedilatildeo criacutetica da imagem inchando-a ateacute que encobrisse a circunstacircncia que deveria revelar a proacutepria circunstacircncia passa a ser assumida de acordo com as regras da escrita alfanumeacuterica que se projetam sobre ela Entatildeo conceituaccedilatildeo vira textolatria o que configuraria a consciecircncia histoacuterica do Ocidente

Esse pe riacuteodo que vai dos primeiros textos escritos ateacute a invenccedilatildeo da imprensa natildeo se caracteriza no entanto como alerta Flusser pelo dom iacuteni o total da nova consciecircncia histoacuterica sob re a consciecircncia imaginiacutestica

maacutegi ca jaacute que ambas passaram a conviver os textos iam explicando as imagens as imagens ilustrando os textos A histoacuteria do Ocidente passou a ser di aleacutetica entre texto e imagem Com a invenccedilatildeo da imprensa continua Flusser a consci ecirc ncia histoacuteri ca passou a dominar a sociedade toda e as imagens foram expulsas da vi da cotidiana () A consequumlecircncia foi o domiacutenio das ideologias (de textos que obrigam a circunstacircncia a adaptar-se ao escrito) configurando-se a consciecircncia ocidental moderna O mundo assim des-magicizado pela vitoacuteria do texto so bre as imagens corresponderia ao fim da histoacuteria ocidental strictu sensu passaria a ser mundo vazio e os conceitos inimaginaacuteveis que o explicam passam a ser conceitos vazi os ( ) Abi smo absurdo laacute fora e caacute dentro

Nesse momento em torno da metade do seacuteculo XIX ( ) foi inventada a fotografia e Flusser acresce nta natildeo creio que se possa exagerar a importacircncia de tal invenccedilatildeo Acontece que a fotografia natildeo eacute imagem de objetos mas de elementos teoricamente concebidos diz ele que vatildeo ser imaginados (in seridos em imagem) a fim de representar objetos () O gesto fotograacutefico consiste em dar um passo para traacutes dos textos arrancar os conceitos dos quais satildeo compostos e destarte re-tornaacute-Ios imaginaacuteveis

As imagens teacutecnicas portanto natildeo representam o mundo elas vatildeo constituir o mundo a partir de sua capacidade de tornar conceitos visiacuteve is Trata-se de tornar possiacutevel imaginar (dar sentido a) o abi smo absurdo Essa nova co nsciecircncia poacutes-histoacuterica emergente bidimensional imaginativa computadora vai substituir a consciecircncia histoacute rica linear e calculadora Se esta projetava as regras da escrita so bre o mundo que passava a adquirir caraacuteter textual texto a ser decifrado a nova consciecircncia descobriu que natildeo haacute nada no mundo que possa ser decifrado ( ) que ao nascermos fomos projetados num mundo absurdo e que eacute o ho mem quem projeta significado sobre o mundo

Ocorre entatildeo uma inversatildeo vetorial do significado se os texto s hist oacute ricos satildeo

ART IG Omiddot RICARDO MAURICIO 4 1

ae R E VI S T A o o P R o G R A M A o E P oS - G R A o U A ccedil Atilde o E M A R TE S VIS U AIS E oA bull U f R J 2001

espelhos que captam os signos do mundo para interpretaacute-los e portanto o mundo eacute o seu significado as imagens teacutecnicas satildeo projetores que lanccedilam signos sobre o mundo a fim de dar-lhe sentido Portanto elas satildeo o significado do mundo Nessa nova situaccedilatildeo o pensamento conceitual adquire nova funccedilatildeo serve natildeo mais para explicar o mundo mas para colaborar com a nova imaginaccedilatildeo na sua tarefa de dar significado ao mundo Se a situaccedilatildeo anterior era caracterizada por um modelo linear de desenvolvimento histoacuterico cujo paradigma estrutural seria a escrita a nova seraacute modelada pela relaccedilatildeo simultacircnea e natildeo hieraacuterquica com que as imagens operam entre si e com o mundo A temporalidade linear da escrita seraacute substituiacuteda pela instantaneidade e simultaneidade das imagens emancipadas do outro real Decorrente eacute a crise da representaccedilatildeo segundo Craig Owens se a realidade mesma jaacute aparece constituiacuteda como imagem entatildeo a hierarquia entre objeto e representaccedilatildeo - o primeiro sendo a fonte de autoridade da segunda - entra em colapso A representaccedilatildeo natildeo pode mais se fundamentar como queria Husserl na presenccedila13

Uma nova antropologia comeccedila a se cristalizar o homem enquanto doador de sentido a si proacuteprio e ao mundo aponta Flusser A ciecircncia deixaraacute de ser disciplina que explica e passaraacute a ser disciplina que confere significado O que a transformaraacute em disciplina artiacutestica jaacute que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procurava conferir significado Ora ciecircncia enquanto uma entre as artes obrigaraacute repensarmos os conceitos verdade e conhecimento4 Atenuados esses limites ainda que natildeo de todo dissolvidos tambeacutem a arte mantida sua especificidade passa a se valer natildeo soacute das teacutecnicas anteriormente exclusivas da ciecircncia mas de seus meacutetodos e procedimentos Segundo Victor Goldschmidt a arte () participa como essas [as teacutecnicas] de um saber teoacuterico e por esse meio assume uma funccedilatildeo natildeo soacute de fabricaccedilatildeo e poeacutetica mas teoreacutetica e de conhecimentols

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Ir -- - - -- shy

Comparando com o quadro proposto por Flusser como foi o percurso da histoacuteria da arte afetado por esses eventos cruciais Danto identifica pessoalmente o momento de inflexatildeo que caracterizaria o iniacutecio do periacuteodo poacutes-histoacuterico da arte com a exposiccedilatildeo das Brillo Box de Warhol nos anos 60 marco de ruptura com o paradigma imposto pela teoria da arte moderna definido em grande parte pelos textos do criacutetico Clement Greenberg

Ora haacute aiacute entre os dois esquemas um intervalo significativo se a invenccedilatildeo da fotografia alavanca novo paradigma simboacutelico-perceptivo seu efeito na arte teria sido adiado por mais de 100 anos Sintomaticamente esse periacuteodo coincide com o percurso histoacuterico da arte moderna

Douglas Crimp afirma que o poacutesshymodernismo soacute pode ser entendido como uma ruptura especiacutefica em relaccedilatildeo ao modernismo com as instituiccedilotildees ( ) que deram forma ao discurso do modernismo primeiro o museu depois a histoacuteria da arte e finalmente num sentido mais complexo porque o modernismo depende tanto de sua presenccedila quanto de sua ausecircncia a fotografia 16 Que a fotografia havia derrubado o tribunal da arte eacute um fato que o discurso do modernismo achou necessaacuterio reprimir7 continua parafraseando Benjamim

De fato desde a invenccedilatildeo da fotografia a arte como um todo mas sobretudo a pintura viu-se confrontada com o dilema reinventar-se e definir especificidade proacutepria que garantisse sua sobrevivecircncia ou resignarshyse a uma sobrevida como atividade anacrocircnica IB Nessa empreitada a pintura assumiu estrategicamente muacuteltiplos desdobramentos todos condicionados - por diferenciaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo - agraves novas imagens produzidas fotograficamente Principiando por uma negaccedilatildeo radical da pesada carga literaacuteria que habitava as telas acadecircmicas a pintura moderna livra-se pouco a pouco do tema apecircndice incocircmodo resquiacutecio de sua funccedilatildeo representativa em Manet texto vira pretexto - natildeo importa se o tema eacute um

pelotatildeo de fuzilamento ou aspargos importa a pintura que ele realiza num sentido essencialmente visual19 Em direccedilatildeo agrave plena autonomia a pintura sofre lenta poreacutem inexoraacutevel desindexaccedilatildeo por assim dizer do real visiacutevel e vai encontrar em sua proacutepria concretude toda a carga de realidade necessaacuteria enquanto recusa qualquer relaccedilatildeo mimeacutetica com a imagem do mundo

Esse processo de enxugamento progressivo baseia-se numa determinada teoria do siacutembolo em que este se constitui como sineacutedoque Craig Owens20 menciona que para Coleridge o siacutembolo eacute sempre uma parte do todo que representa21 Mas observa essa definiccedilatildeo soacute eacute possiacutevel se essa relaccedilatildeo do todo com as partes for concebida de uma maneira particular isto eacute de acordo com a teoria da expressividade

causal analisada por Althusser22 que define que o todo pode ser reduzido a uma essecircncia interior daiacute decorrendo a possibilidade de se aplicar agrave aparecircncia exterior a capacidade de revelaccedilatildeo da

essecircncia do todo desde que ficasse pressuposto que este tivesse uma certa natureza precisamente a natureza de um todo espiritual no qual cada elemento fosse expressivo da totalidade inteira como um pars totalis23 Nesse registro segundo Owens o siacutembolo natildeo representa mais a essecircncia passando a ser ela proacutepria e tornando-se assim emblema da proacutepria intuiccedilatildeo artiacutestica Benjamin observara no entanto que essa concepccedilatildeo romacircntica extravagante e destrutiva ( ) herdad a pela teoria moderna derivava da unidade do objeto material com o transcendental que constitui o paradoxo do siacutembolo teoloacutegico e teria passado a ser distorcida numa relaccedilatildeo entre essecircncia e aparecircncia24

Portanto a pretendida e propalada evidecircncia do objeto de arte moderna dependeria fundamentalmente da aceitaccedilatildeo dessa teoria do siacutembolo que representa a supostamente indissoluacutevel unidade de forma e substacircncia que caracteriza o trabalho de arte como pura presenccedila25

A pintura ao abandonar o que parecia ser da estrita competecircncia da fotografia ter-seshyia assumido entatildeo como espeacutecie de siacutembolo auto-referenciado jaacute que eacute a sua proacutepria autonomia e possibilidade de sobrevivecircncia que ela parece se referir na tentativa de preservar em sua aparecircncia sua essecircncia interior Nesse processo depurativo arbitrava Greenberg que a pintura deve apresentarshyse como plana natildeo deve ser ilustrativa deve deixar um espaccedilo suficiente para a escultura e a arquitetura e possui portanto aspectos relativos ao espaccedilo e agrave superfiacutecie que satildeo absolutamente centrais26 Consequumlentemente eacute ainda uma definiccedilatildeo textual a priori que estipula os limites da accedilatildeo pintura e das demais categorias da arte moderna a partir dela No limite satildeo produzidos para usar a expressatildeo de Danto beliacutessimos uacuteltimos quadros27 sejam eles negros como os de Ad Reinhardt ou brancos como os de Robert Ryman Eacute a pintura possiacutevel exerciacutecio siacutesiflCo de autoshyafirmaccedilatildeo no ponto extremo que ela agora parece habitar em coerecircncia com o quadro teoacuterico de divisatildeo de competecircncias definido pela ideologia modernista

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ae REVI S TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAO EM ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ bull 200 I

Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ae REVISTA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAacuteO EM ARTES VISUAIS ECAmiddot UFRJ 2001

ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

A R T I G o bull R I C A R DOM A U R I C I o 47

ae REV I S T A DO PROGRAMA DE POS-G R AOUACcedilAo EM ARTES VISUA I S EBA U f RJ 2 o0 1

Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 2: o pêndulo do sentido

ae R E V 1ST A DO P R o G R A M A D E P 6 S bull G R A D U A ccedil Atilde o E M A R TE S V I SUA I S E B A bull U f R J bull 2 o o 1

propriedade de tais procedimentos mas estipulam que a partir deles ter-se-ia instaurado uma inversatildeo paradigmaacutetica cujas raiacutezes se rastreadas remeteriam a um passado menos recente

Pois bem a fruiccedilatildeo do objeto de arte lida com uma evidecircncia inegaacutevel ou esta tambeacutem se daacute a partir de construccedilotildees culturalmente definidas

Um possiacutevel argumento para ver natildeo basta olhar o homem eacute um ser cultural portanto natildeo existe olhar que natildeo seja mediatizado por coacutedigos referecircncias sugestotildees e reconhecimentos que estruturam nossa percepccedilatildeo elaborando os dados que a sensaccedilatildeo fornece e comparando-os com os de outros indiviacuteduos de acordo com um patrimocircnio coletivo que possibilita a comunicaccedilatildeo e a vida social

Quanto ao objeto de arte ele se distingue dos demais por uma especificidade toda proacutepria Em Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo Kant definia que a faculdade do juiacutezo esteacutetico natildeo subsume um dado particular (uma intuiccedilatildeo sensiacutevel) a uma regra determinada (conceito de entendimento) mas como juiacutezos refiexionantes procedem da realidade na sua singularidade para daiacute conceber uma regra universal por outro lado eles natildeo podem () determinar seu objeto a priori jaacute que sua universalidade eacute totalmente subjetiva4 Seria entatildeo sobre esta experiecircncia original da intersubjetividade humana que se fundam as modalidades indiretas da comunicaccedilatildeo5

Para Joseacute Guilherme Merquior os objetos de arte satildeo objetos de conhecimento que estabelecem uma mediaccedilatildeo imaginaacuteria entre a feiccedilatildeo atual da sociedade e a imagem de seu ultrapassar6 Esses objetos mediatizadores existem pelo menos desde Lascaux a aurora da espeacutecie humana na expressatildeo de Bataille constituindo pela primeira vez o signo sensiacutevel de nossa presenccedila no universo O conceito de arte eacute no entanto muito mais recente surgindo no seacuteculo 18 Se a arte eacute um conceito histoacuterico e como tal teve um iniacutecio poderia vir a encontrar seu fim Arthur Danto opera com o conceito de fim da arte Em Arte sem

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ParadigmaS ele cita o tiacutetulo de um livro de Hans Belting - que tambeacutem escrevera sobre esse fim Bilds und Kut (Imagens e Culto) que para Danto tem um subtiacutetulo maravilhoso A imagem antes da era da arte9 Essa definiccedilatildeo de imagem anterior agrave era da arte pode encontrar um correspondente adequado na imagem posterior agrave era da arte que equivale ao periacuteodo em que estamos vivendo isto eacute na arte poacutes-histoacuterica shycontinua Danto - periacuteodo no qual o modo de ver de perceber e de fruir a imagem eacute muito diferente do que foi na era da arte Em seguida lembra que Hegel jaacute havia falado do fim da arte como de um momento que se atingia a partir de uma tomada de consciecircncia por parte da arte e de um reconhecimento de sua proacutepria natureza internalo

Portanto qualquer investigaccedilatildeo sobre a natureza da percepccedilatildeo do objeto de arte no espaccedilo contemporacircneo deve levar em conta essa posiccedilatildeo consciente de si e de sua histoacuteria com sua especificidade teacutecnica e conceitual e desenvolvimento particular mas envolvida e permeada pela histoacuteria geral dos fatos e das ideacuteias Como diz Wittgenstein se natildeo existisse a teacutecnica de jogar xadrez eu natildeo poderia ter a intenccedilatildeo de jogar uma partida de xadrez11 A mudanccedila de paradigma que define esse momento poacutesshyhistoacuterico poderia ser expressa talvez por uma certa consciecircncia de classe por assim dizer que agora as peccedilas do xadrez teriam adquirido uma compreensatildeo de sua funccedilatildeo social das possibilidades de articulaccedilatildeo e dos limites estrateacutegicos de seus movimentos no tabuleiro - da arte - e desta como peccedila de outro ampliado o da organizaccedilatildeo da sociedade como um todo

Mas qual a origem dessa inversatildeo paradigmaacutetica radical Em seu ensaio TextoImagem enquanto Dindmico do Ocidente12 o filoacutesofo Vileacutem Flusser afirma ser a dinacircmica da trageacutedia ocidental produzida no embate entre o gesto que produz imagens e o que produz textos do que resultaria uma alternacircncia de periacuteodos na histoacuteria ocidental definidos pela hegemonia de uma dessas formas simboacutelicas

Nessa perspectiva a histoacuteria poderia ser dividida em trecircs fases - preacute-histoacuterica

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histoacuterica e poacutes-histoacuterica - demarcadas por eventos cruciais as primeiras imagens os primeiros textos (e os primeiros impressos) e as primeiras fotografias

As pinturas parietais em Lascaux representariam o surgime nto das primeiras imagens Para Flusser o gesto que as produz consiste em um recuo em relaccedilatildeo agrave circunstacircncia para tornar possiacutevel a percepccedilatildeo dos contornos as relaccedilotildees entre objetos que passam a ser superfiacutecies ( ) fenocircmenos aparentes () A intenccedilatildeo eacute dupla fixar visatildeo fugaz - abstraindo a dimensatildeo temporal - e tornar tal visatildeo acessiacutevel a outros por meio da fi xaccedilatildeo das relaccedilotildees espaciais atingida pela abstraccedilatildeo da terceira dimensatildeo Imagem eacute portanto visatildeo tornada fixa e intersu bjetiva Entretanto a imagem produzida para entendimento do real acaba por ser confundida com ele a imaginaccedilatildeo vira alucinaccedilatildeo vira idolatria o que constituiria a consciecircncia preacute-histoacuterica o pensamento maacutegico

Em to rno da metade do segu ndo milecircnio ac aparecem os primeiros textos alfabeacuteticos lineares Segundo Flu sser trata-se de dar um passo para traacutes das imagens a fim de se libertar do fasciacutenio alucinador que exercem e tornaacute-Ias novamente transparentes para a circunstacircnci a que encobrem Esse gesto que rasga as imagens consiste em substituir a bidimensionalidade da imaginaccedilatildeo pela unidimensionalidade do pensamento conceitual e objetiva explicar o conteuacutedo das imagens

No entanto num novo movimento de feedbock entre gesto e consciecircncia equivalente agravequele que desvirtuara a funccedilatildeo de mediaccedilatildeo criacutetica da imagem inchando-a ateacute que encobrisse a circunstacircncia que deveria revelar a proacutepria circunstacircncia passa a ser assumida de acordo com as regras da escrita alfanumeacuterica que se projetam sobre ela Entatildeo conceituaccedilatildeo vira textolatria o que configuraria a consciecircncia histoacuterica do Ocidente

Esse pe riacuteodo que vai dos primeiros textos escritos ateacute a invenccedilatildeo da imprensa natildeo se caracteriza no entanto como alerta Flusser pelo dom iacuteni o total da nova consciecircncia histoacuterica sob re a consciecircncia imaginiacutestica

maacutegi ca jaacute que ambas passaram a conviver os textos iam explicando as imagens as imagens ilustrando os textos A histoacuteria do Ocidente passou a ser di aleacutetica entre texto e imagem Com a invenccedilatildeo da imprensa continua Flusser a consci ecirc ncia histoacuteri ca passou a dominar a sociedade toda e as imagens foram expulsas da vi da cotidiana () A consequumlecircncia foi o domiacutenio das ideologias (de textos que obrigam a circunstacircncia a adaptar-se ao escrito) configurando-se a consciecircncia ocidental moderna O mundo assim des-magicizado pela vitoacuteria do texto so bre as imagens corresponderia ao fim da histoacuteria ocidental strictu sensu passaria a ser mundo vazio e os conceitos inimaginaacuteveis que o explicam passam a ser conceitos vazi os ( ) Abi smo absurdo laacute fora e caacute dentro

Nesse momento em torno da metade do seacuteculo XIX ( ) foi inventada a fotografia e Flusser acresce nta natildeo creio que se possa exagerar a importacircncia de tal invenccedilatildeo Acontece que a fotografia natildeo eacute imagem de objetos mas de elementos teoricamente concebidos diz ele que vatildeo ser imaginados (in seridos em imagem) a fim de representar objetos () O gesto fotograacutefico consiste em dar um passo para traacutes dos textos arrancar os conceitos dos quais satildeo compostos e destarte re-tornaacute-Ios imaginaacuteveis

As imagens teacutecnicas portanto natildeo representam o mundo elas vatildeo constituir o mundo a partir de sua capacidade de tornar conceitos visiacuteve is Trata-se de tornar possiacutevel imaginar (dar sentido a) o abi smo absurdo Essa nova co nsciecircncia poacutes-histoacuterica emergente bidimensional imaginativa computadora vai substituir a consciecircncia histoacute rica linear e calculadora Se esta projetava as regras da escrita so bre o mundo que passava a adquirir caraacuteter textual texto a ser decifrado a nova consciecircncia descobriu que natildeo haacute nada no mundo que possa ser decifrado ( ) que ao nascermos fomos projetados num mundo absurdo e que eacute o ho mem quem projeta significado sobre o mundo

Ocorre entatildeo uma inversatildeo vetorial do significado se os texto s hist oacute ricos satildeo

ART IG Omiddot RICARDO MAURICIO 4 1

ae R E VI S T A o o P R o G R A M A o E P oS - G R A o U A ccedil Atilde o E M A R TE S VIS U AIS E oA bull U f R J 2001

espelhos que captam os signos do mundo para interpretaacute-los e portanto o mundo eacute o seu significado as imagens teacutecnicas satildeo projetores que lanccedilam signos sobre o mundo a fim de dar-lhe sentido Portanto elas satildeo o significado do mundo Nessa nova situaccedilatildeo o pensamento conceitual adquire nova funccedilatildeo serve natildeo mais para explicar o mundo mas para colaborar com a nova imaginaccedilatildeo na sua tarefa de dar significado ao mundo Se a situaccedilatildeo anterior era caracterizada por um modelo linear de desenvolvimento histoacuterico cujo paradigma estrutural seria a escrita a nova seraacute modelada pela relaccedilatildeo simultacircnea e natildeo hieraacuterquica com que as imagens operam entre si e com o mundo A temporalidade linear da escrita seraacute substituiacuteda pela instantaneidade e simultaneidade das imagens emancipadas do outro real Decorrente eacute a crise da representaccedilatildeo segundo Craig Owens se a realidade mesma jaacute aparece constituiacuteda como imagem entatildeo a hierarquia entre objeto e representaccedilatildeo - o primeiro sendo a fonte de autoridade da segunda - entra em colapso A representaccedilatildeo natildeo pode mais se fundamentar como queria Husserl na presenccedila13

Uma nova antropologia comeccedila a se cristalizar o homem enquanto doador de sentido a si proacuteprio e ao mundo aponta Flusser A ciecircncia deixaraacute de ser disciplina que explica e passaraacute a ser disciplina que confere significado O que a transformaraacute em disciplina artiacutestica jaacute que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procurava conferir significado Ora ciecircncia enquanto uma entre as artes obrigaraacute repensarmos os conceitos verdade e conhecimento4 Atenuados esses limites ainda que natildeo de todo dissolvidos tambeacutem a arte mantida sua especificidade passa a se valer natildeo soacute das teacutecnicas anteriormente exclusivas da ciecircncia mas de seus meacutetodos e procedimentos Segundo Victor Goldschmidt a arte () participa como essas [as teacutecnicas] de um saber teoacuterico e por esse meio assume uma funccedilatildeo natildeo soacute de fabricaccedilatildeo e poeacutetica mas teoreacutetica e de conhecimentols

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Ir -- - - -- shy

Comparando com o quadro proposto por Flusser como foi o percurso da histoacuteria da arte afetado por esses eventos cruciais Danto identifica pessoalmente o momento de inflexatildeo que caracterizaria o iniacutecio do periacuteodo poacutes-histoacuterico da arte com a exposiccedilatildeo das Brillo Box de Warhol nos anos 60 marco de ruptura com o paradigma imposto pela teoria da arte moderna definido em grande parte pelos textos do criacutetico Clement Greenberg

Ora haacute aiacute entre os dois esquemas um intervalo significativo se a invenccedilatildeo da fotografia alavanca novo paradigma simboacutelico-perceptivo seu efeito na arte teria sido adiado por mais de 100 anos Sintomaticamente esse periacuteodo coincide com o percurso histoacuterico da arte moderna

Douglas Crimp afirma que o poacutesshymodernismo soacute pode ser entendido como uma ruptura especiacutefica em relaccedilatildeo ao modernismo com as instituiccedilotildees ( ) que deram forma ao discurso do modernismo primeiro o museu depois a histoacuteria da arte e finalmente num sentido mais complexo porque o modernismo depende tanto de sua presenccedila quanto de sua ausecircncia a fotografia 16 Que a fotografia havia derrubado o tribunal da arte eacute um fato que o discurso do modernismo achou necessaacuterio reprimir7 continua parafraseando Benjamim

De fato desde a invenccedilatildeo da fotografia a arte como um todo mas sobretudo a pintura viu-se confrontada com o dilema reinventar-se e definir especificidade proacutepria que garantisse sua sobrevivecircncia ou resignarshyse a uma sobrevida como atividade anacrocircnica IB Nessa empreitada a pintura assumiu estrategicamente muacuteltiplos desdobramentos todos condicionados - por diferenciaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo - agraves novas imagens produzidas fotograficamente Principiando por uma negaccedilatildeo radical da pesada carga literaacuteria que habitava as telas acadecircmicas a pintura moderna livra-se pouco a pouco do tema apecircndice incocircmodo resquiacutecio de sua funccedilatildeo representativa em Manet texto vira pretexto - natildeo importa se o tema eacute um

pelotatildeo de fuzilamento ou aspargos importa a pintura que ele realiza num sentido essencialmente visual19 Em direccedilatildeo agrave plena autonomia a pintura sofre lenta poreacutem inexoraacutevel desindexaccedilatildeo por assim dizer do real visiacutevel e vai encontrar em sua proacutepria concretude toda a carga de realidade necessaacuteria enquanto recusa qualquer relaccedilatildeo mimeacutetica com a imagem do mundo

Esse processo de enxugamento progressivo baseia-se numa determinada teoria do siacutembolo em que este se constitui como sineacutedoque Craig Owens20 menciona que para Coleridge o siacutembolo eacute sempre uma parte do todo que representa21 Mas observa essa definiccedilatildeo soacute eacute possiacutevel se essa relaccedilatildeo do todo com as partes for concebida de uma maneira particular isto eacute de acordo com a teoria da expressividade

causal analisada por Althusser22 que define que o todo pode ser reduzido a uma essecircncia interior daiacute decorrendo a possibilidade de se aplicar agrave aparecircncia exterior a capacidade de revelaccedilatildeo da

essecircncia do todo desde que ficasse pressuposto que este tivesse uma certa natureza precisamente a natureza de um todo espiritual no qual cada elemento fosse expressivo da totalidade inteira como um pars totalis23 Nesse registro segundo Owens o siacutembolo natildeo representa mais a essecircncia passando a ser ela proacutepria e tornando-se assim emblema da proacutepria intuiccedilatildeo artiacutestica Benjamin observara no entanto que essa concepccedilatildeo romacircntica extravagante e destrutiva ( ) herdad a pela teoria moderna derivava da unidade do objeto material com o transcendental que constitui o paradoxo do siacutembolo teoloacutegico e teria passado a ser distorcida numa relaccedilatildeo entre essecircncia e aparecircncia24

Portanto a pretendida e propalada evidecircncia do objeto de arte moderna dependeria fundamentalmente da aceitaccedilatildeo dessa teoria do siacutembolo que representa a supostamente indissoluacutevel unidade de forma e substacircncia que caracteriza o trabalho de arte como pura presenccedila25

A pintura ao abandonar o que parecia ser da estrita competecircncia da fotografia ter-seshyia assumido entatildeo como espeacutecie de siacutembolo auto-referenciado jaacute que eacute a sua proacutepria autonomia e possibilidade de sobrevivecircncia que ela parece se referir na tentativa de preservar em sua aparecircncia sua essecircncia interior Nesse processo depurativo arbitrava Greenberg que a pintura deve apresentarshyse como plana natildeo deve ser ilustrativa deve deixar um espaccedilo suficiente para a escultura e a arquitetura e possui portanto aspectos relativos ao espaccedilo e agrave superfiacutecie que satildeo absolutamente centrais26 Consequumlentemente eacute ainda uma definiccedilatildeo textual a priori que estipula os limites da accedilatildeo pintura e das demais categorias da arte moderna a partir dela No limite satildeo produzidos para usar a expressatildeo de Danto beliacutessimos uacuteltimos quadros27 sejam eles negros como os de Ad Reinhardt ou brancos como os de Robert Ryman Eacute a pintura possiacutevel exerciacutecio siacutesiflCo de autoshyafirmaccedilatildeo no ponto extremo que ela agora parece habitar em coerecircncia com o quadro teoacuterico de divisatildeo de competecircncias definido pela ideologia modernista

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Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 3: o pêndulo do sentido

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histoacuterica e poacutes-histoacuterica - demarcadas por eventos cruciais as primeiras imagens os primeiros textos (e os primeiros impressos) e as primeiras fotografias

As pinturas parietais em Lascaux representariam o surgime nto das primeiras imagens Para Flusser o gesto que as produz consiste em um recuo em relaccedilatildeo agrave circunstacircncia para tornar possiacutevel a percepccedilatildeo dos contornos as relaccedilotildees entre objetos que passam a ser superfiacutecies ( ) fenocircmenos aparentes () A intenccedilatildeo eacute dupla fixar visatildeo fugaz - abstraindo a dimensatildeo temporal - e tornar tal visatildeo acessiacutevel a outros por meio da fi xaccedilatildeo das relaccedilotildees espaciais atingida pela abstraccedilatildeo da terceira dimensatildeo Imagem eacute portanto visatildeo tornada fixa e intersu bjetiva Entretanto a imagem produzida para entendimento do real acaba por ser confundida com ele a imaginaccedilatildeo vira alucinaccedilatildeo vira idolatria o que constituiria a consciecircncia preacute-histoacuterica o pensamento maacutegico

Em to rno da metade do segu ndo milecircnio ac aparecem os primeiros textos alfabeacuteticos lineares Segundo Flu sser trata-se de dar um passo para traacutes das imagens a fim de se libertar do fasciacutenio alucinador que exercem e tornaacute-Ias novamente transparentes para a circunstacircnci a que encobrem Esse gesto que rasga as imagens consiste em substituir a bidimensionalidade da imaginaccedilatildeo pela unidimensionalidade do pensamento conceitual e objetiva explicar o conteuacutedo das imagens

No entanto num novo movimento de feedbock entre gesto e consciecircncia equivalente agravequele que desvirtuara a funccedilatildeo de mediaccedilatildeo criacutetica da imagem inchando-a ateacute que encobrisse a circunstacircncia que deveria revelar a proacutepria circunstacircncia passa a ser assumida de acordo com as regras da escrita alfanumeacuterica que se projetam sobre ela Entatildeo conceituaccedilatildeo vira textolatria o que configuraria a consciecircncia histoacuterica do Ocidente

Esse pe riacuteodo que vai dos primeiros textos escritos ateacute a invenccedilatildeo da imprensa natildeo se caracteriza no entanto como alerta Flusser pelo dom iacuteni o total da nova consciecircncia histoacuterica sob re a consciecircncia imaginiacutestica

maacutegi ca jaacute que ambas passaram a conviver os textos iam explicando as imagens as imagens ilustrando os textos A histoacuteria do Ocidente passou a ser di aleacutetica entre texto e imagem Com a invenccedilatildeo da imprensa continua Flusser a consci ecirc ncia histoacuteri ca passou a dominar a sociedade toda e as imagens foram expulsas da vi da cotidiana () A consequumlecircncia foi o domiacutenio das ideologias (de textos que obrigam a circunstacircncia a adaptar-se ao escrito) configurando-se a consciecircncia ocidental moderna O mundo assim des-magicizado pela vitoacuteria do texto so bre as imagens corresponderia ao fim da histoacuteria ocidental strictu sensu passaria a ser mundo vazio e os conceitos inimaginaacuteveis que o explicam passam a ser conceitos vazi os ( ) Abi smo absurdo laacute fora e caacute dentro

Nesse momento em torno da metade do seacuteculo XIX ( ) foi inventada a fotografia e Flusser acresce nta natildeo creio que se possa exagerar a importacircncia de tal invenccedilatildeo Acontece que a fotografia natildeo eacute imagem de objetos mas de elementos teoricamente concebidos diz ele que vatildeo ser imaginados (in seridos em imagem) a fim de representar objetos () O gesto fotograacutefico consiste em dar um passo para traacutes dos textos arrancar os conceitos dos quais satildeo compostos e destarte re-tornaacute-Ios imaginaacuteveis

As imagens teacutecnicas portanto natildeo representam o mundo elas vatildeo constituir o mundo a partir de sua capacidade de tornar conceitos visiacuteve is Trata-se de tornar possiacutevel imaginar (dar sentido a) o abi smo absurdo Essa nova co nsciecircncia poacutes-histoacuterica emergente bidimensional imaginativa computadora vai substituir a consciecircncia histoacute rica linear e calculadora Se esta projetava as regras da escrita so bre o mundo que passava a adquirir caraacuteter textual texto a ser decifrado a nova consciecircncia descobriu que natildeo haacute nada no mundo que possa ser decifrado ( ) que ao nascermos fomos projetados num mundo absurdo e que eacute o ho mem quem projeta significado sobre o mundo

Ocorre entatildeo uma inversatildeo vetorial do significado se os texto s hist oacute ricos satildeo

ART IG Omiddot RICARDO MAURICIO 4 1

ae R E VI S T A o o P R o G R A M A o E P oS - G R A o U A ccedil Atilde o E M A R TE S VIS U AIS E oA bull U f R J 2001

espelhos que captam os signos do mundo para interpretaacute-los e portanto o mundo eacute o seu significado as imagens teacutecnicas satildeo projetores que lanccedilam signos sobre o mundo a fim de dar-lhe sentido Portanto elas satildeo o significado do mundo Nessa nova situaccedilatildeo o pensamento conceitual adquire nova funccedilatildeo serve natildeo mais para explicar o mundo mas para colaborar com a nova imaginaccedilatildeo na sua tarefa de dar significado ao mundo Se a situaccedilatildeo anterior era caracterizada por um modelo linear de desenvolvimento histoacuterico cujo paradigma estrutural seria a escrita a nova seraacute modelada pela relaccedilatildeo simultacircnea e natildeo hieraacuterquica com que as imagens operam entre si e com o mundo A temporalidade linear da escrita seraacute substituiacuteda pela instantaneidade e simultaneidade das imagens emancipadas do outro real Decorrente eacute a crise da representaccedilatildeo segundo Craig Owens se a realidade mesma jaacute aparece constituiacuteda como imagem entatildeo a hierarquia entre objeto e representaccedilatildeo - o primeiro sendo a fonte de autoridade da segunda - entra em colapso A representaccedilatildeo natildeo pode mais se fundamentar como queria Husserl na presenccedila13

Uma nova antropologia comeccedila a se cristalizar o homem enquanto doador de sentido a si proacuteprio e ao mundo aponta Flusser A ciecircncia deixaraacute de ser disciplina que explica e passaraacute a ser disciplina que confere significado O que a transformaraacute em disciplina artiacutestica jaacute que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procurava conferir significado Ora ciecircncia enquanto uma entre as artes obrigaraacute repensarmos os conceitos verdade e conhecimento4 Atenuados esses limites ainda que natildeo de todo dissolvidos tambeacutem a arte mantida sua especificidade passa a se valer natildeo soacute das teacutecnicas anteriormente exclusivas da ciecircncia mas de seus meacutetodos e procedimentos Segundo Victor Goldschmidt a arte () participa como essas [as teacutecnicas] de um saber teoacuterico e por esse meio assume uma funccedilatildeo natildeo soacute de fabricaccedilatildeo e poeacutetica mas teoreacutetica e de conhecimentols

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Ir -- - - -- shy

Comparando com o quadro proposto por Flusser como foi o percurso da histoacuteria da arte afetado por esses eventos cruciais Danto identifica pessoalmente o momento de inflexatildeo que caracterizaria o iniacutecio do periacuteodo poacutes-histoacuterico da arte com a exposiccedilatildeo das Brillo Box de Warhol nos anos 60 marco de ruptura com o paradigma imposto pela teoria da arte moderna definido em grande parte pelos textos do criacutetico Clement Greenberg

Ora haacute aiacute entre os dois esquemas um intervalo significativo se a invenccedilatildeo da fotografia alavanca novo paradigma simboacutelico-perceptivo seu efeito na arte teria sido adiado por mais de 100 anos Sintomaticamente esse periacuteodo coincide com o percurso histoacuterico da arte moderna

Douglas Crimp afirma que o poacutesshymodernismo soacute pode ser entendido como uma ruptura especiacutefica em relaccedilatildeo ao modernismo com as instituiccedilotildees ( ) que deram forma ao discurso do modernismo primeiro o museu depois a histoacuteria da arte e finalmente num sentido mais complexo porque o modernismo depende tanto de sua presenccedila quanto de sua ausecircncia a fotografia 16 Que a fotografia havia derrubado o tribunal da arte eacute um fato que o discurso do modernismo achou necessaacuterio reprimir7 continua parafraseando Benjamim

De fato desde a invenccedilatildeo da fotografia a arte como um todo mas sobretudo a pintura viu-se confrontada com o dilema reinventar-se e definir especificidade proacutepria que garantisse sua sobrevivecircncia ou resignarshyse a uma sobrevida como atividade anacrocircnica IB Nessa empreitada a pintura assumiu estrategicamente muacuteltiplos desdobramentos todos condicionados - por diferenciaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo - agraves novas imagens produzidas fotograficamente Principiando por uma negaccedilatildeo radical da pesada carga literaacuteria que habitava as telas acadecircmicas a pintura moderna livra-se pouco a pouco do tema apecircndice incocircmodo resquiacutecio de sua funccedilatildeo representativa em Manet texto vira pretexto - natildeo importa se o tema eacute um

pelotatildeo de fuzilamento ou aspargos importa a pintura que ele realiza num sentido essencialmente visual19 Em direccedilatildeo agrave plena autonomia a pintura sofre lenta poreacutem inexoraacutevel desindexaccedilatildeo por assim dizer do real visiacutevel e vai encontrar em sua proacutepria concretude toda a carga de realidade necessaacuteria enquanto recusa qualquer relaccedilatildeo mimeacutetica com a imagem do mundo

Esse processo de enxugamento progressivo baseia-se numa determinada teoria do siacutembolo em que este se constitui como sineacutedoque Craig Owens20 menciona que para Coleridge o siacutembolo eacute sempre uma parte do todo que representa21 Mas observa essa definiccedilatildeo soacute eacute possiacutevel se essa relaccedilatildeo do todo com as partes for concebida de uma maneira particular isto eacute de acordo com a teoria da expressividade

causal analisada por Althusser22 que define que o todo pode ser reduzido a uma essecircncia interior daiacute decorrendo a possibilidade de se aplicar agrave aparecircncia exterior a capacidade de revelaccedilatildeo da

essecircncia do todo desde que ficasse pressuposto que este tivesse uma certa natureza precisamente a natureza de um todo espiritual no qual cada elemento fosse expressivo da totalidade inteira como um pars totalis23 Nesse registro segundo Owens o siacutembolo natildeo representa mais a essecircncia passando a ser ela proacutepria e tornando-se assim emblema da proacutepria intuiccedilatildeo artiacutestica Benjamin observara no entanto que essa concepccedilatildeo romacircntica extravagante e destrutiva ( ) herdad a pela teoria moderna derivava da unidade do objeto material com o transcendental que constitui o paradoxo do siacutembolo teoloacutegico e teria passado a ser distorcida numa relaccedilatildeo entre essecircncia e aparecircncia24

Portanto a pretendida e propalada evidecircncia do objeto de arte moderna dependeria fundamentalmente da aceitaccedilatildeo dessa teoria do siacutembolo que representa a supostamente indissoluacutevel unidade de forma e substacircncia que caracteriza o trabalho de arte como pura presenccedila25

A pintura ao abandonar o que parecia ser da estrita competecircncia da fotografia ter-seshyia assumido entatildeo como espeacutecie de siacutembolo auto-referenciado jaacute que eacute a sua proacutepria autonomia e possibilidade de sobrevivecircncia que ela parece se referir na tentativa de preservar em sua aparecircncia sua essecircncia interior Nesse processo depurativo arbitrava Greenberg que a pintura deve apresentarshyse como plana natildeo deve ser ilustrativa deve deixar um espaccedilo suficiente para a escultura e a arquitetura e possui portanto aspectos relativos ao espaccedilo e agrave superfiacutecie que satildeo absolutamente centrais26 Consequumlentemente eacute ainda uma definiccedilatildeo textual a priori que estipula os limites da accedilatildeo pintura e das demais categorias da arte moderna a partir dela No limite satildeo produzidos para usar a expressatildeo de Danto beliacutessimos uacuteltimos quadros27 sejam eles negros como os de Ad Reinhardt ou brancos como os de Robert Ryman Eacute a pintura possiacutevel exerciacutecio siacutesiflCo de autoshyafirmaccedilatildeo no ponto extremo que ela agora parece habitar em coerecircncia com o quadro teoacuterico de divisatildeo de competecircncias definido pela ideologia modernista

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Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 4: o pêndulo do sentido

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espelhos que captam os signos do mundo para interpretaacute-los e portanto o mundo eacute o seu significado as imagens teacutecnicas satildeo projetores que lanccedilam signos sobre o mundo a fim de dar-lhe sentido Portanto elas satildeo o significado do mundo Nessa nova situaccedilatildeo o pensamento conceitual adquire nova funccedilatildeo serve natildeo mais para explicar o mundo mas para colaborar com a nova imaginaccedilatildeo na sua tarefa de dar significado ao mundo Se a situaccedilatildeo anterior era caracterizada por um modelo linear de desenvolvimento histoacuterico cujo paradigma estrutural seria a escrita a nova seraacute modelada pela relaccedilatildeo simultacircnea e natildeo hieraacuterquica com que as imagens operam entre si e com o mundo A temporalidade linear da escrita seraacute substituiacuteda pela instantaneidade e simultaneidade das imagens emancipadas do outro real Decorrente eacute a crise da representaccedilatildeo segundo Craig Owens se a realidade mesma jaacute aparece constituiacuteda como imagem entatildeo a hierarquia entre objeto e representaccedilatildeo - o primeiro sendo a fonte de autoridade da segunda - entra em colapso A representaccedilatildeo natildeo pode mais se fundamentar como queria Husserl na presenccedila13

Uma nova antropologia comeccedila a se cristalizar o homem enquanto doador de sentido a si proacuteprio e ao mundo aponta Flusser A ciecircncia deixaraacute de ser disciplina que explica e passaraacute a ser disciplina que confere significado O que a transformaraacute em disciplina artiacutestica jaacute que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procurava conferir significado Ora ciecircncia enquanto uma entre as artes obrigaraacute repensarmos os conceitos verdade e conhecimento4 Atenuados esses limites ainda que natildeo de todo dissolvidos tambeacutem a arte mantida sua especificidade passa a se valer natildeo soacute das teacutecnicas anteriormente exclusivas da ciecircncia mas de seus meacutetodos e procedimentos Segundo Victor Goldschmidt a arte () participa como essas [as teacutecnicas] de um saber teoacuterico e por esse meio assume uma funccedilatildeo natildeo soacute de fabricaccedilatildeo e poeacutetica mas teoreacutetica e de conhecimentols

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Ir -- - - -- shy

Comparando com o quadro proposto por Flusser como foi o percurso da histoacuteria da arte afetado por esses eventos cruciais Danto identifica pessoalmente o momento de inflexatildeo que caracterizaria o iniacutecio do periacuteodo poacutes-histoacuterico da arte com a exposiccedilatildeo das Brillo Box de Warhol nos anos 60 marco de ruptura com o paradigma imposto pela teoria da arte moderna definido em grande parte pelos textos do criacutetico Clement Greenberg

Ora haacute aiacute entre os dois esquemas um intervalo significativo se a invenccedilatildeo da fotografia alavanca novo paradigma simboacutelico-perceptivo seu efeito na arte teria sido adiado por mais de 100 anos Sintomaticamente esse periacuteodo coincide com o percurso histoacuterico da arte moderna

Douglas Crimp afirma que o poacutesshymodernismo soacute pode ser entendido como uma ruptura especiacutefica em relaccedilatildeo ao modernismo com as instituiccedilotildees ( ) que deram forma ao discurso do modernismo primeiro o museu depois a histoacuteria da arte e finalmente num sentido mais complexo porque o modernismo depende tanto de sua presenccedila quanto de sua ausecircncia a fotografia 16 Que a fotografia havia derrubado o tribunal da arte eacute um fato que o discurso do modernismo achou necessaacuterio reprimir7 continua parafraseando Benjamim

De fato desde a invenccedilatildeo da fotografia a arte como um todo mas sobretudo a pintura viu-se confrontada com o dilema reinventar-se e definir especificidade proacutepria que garantisse sua sobrevivecircncia ou resignarshyse a uma sobrevida como atividade anacrocircnica IB Nessa empreitada a pintura assumiu estrategicamente muacuteltiplos desdobramentos todos condicionados - por diferenciaccedilatildeo ou identificaccedilatildeo - agraves novas imagens produzidas fotograficamente Principiando por uma negaccedilatildeo radical da pesada carga literaacuteria que habitava as telas acadecircmicas a pintura moderna livra-se pouco a pouco do tema apecircndice incocircmodo resquiacutecio de sua funccedilatildeo representativa em Manet texto vira pretexto - natildeo importa se o tema eacute um

pelotatildeo de fuzilamento ou aspargos importa a pintura que ele realiza num sentido essencialmente visual19 Em direccedilatildeo agrave plena autonomia a pintura sofre lenta poreacutem inexoraacutevel desindexaccedilatildeo por assim dizer do real visiacutevel e vai encontrar em sua proacutepria concretude toda a carga de realidade necessaacuteria enquanto recusa qualquer relaccedilatildeo mimeacutetica com a imagem do mundo

Esse processo de enxugamento progressivo baseia-se numa determinada teoria do siacutembolo em que este se constitui como sineacutedoque Craig Owens20 menciona que para Coleridge o siacutembolo eacute sempre uma parte do todo que representa21 Mas observa essa definiccedilatildeo soacute eacute possiacutevel se essa relaccedilatildeo do todo com as partes for concebida de uma maneira particular isto eacute de acordo com a teoria da expressividade

causal analisada por Althusser22 que define que o todo pode ser reduzido a uma essecircncia interior daiacute decorrendo a possibilidade de se aplicar agrave aparecircncia exterior a capacidade de revelaccedilatildeo da

essecircncia do todo desde que ficasse pressuposto que este tivesse uma certa natureza precisamente a natureza de um todo espiritual no qual cada elemento fosse expressivo da totalidade inteira como um pars totalis23 Nesse registro segundo Owens o siacutembolo natildeo representa mais a essecircncia passando a ser ela proacutepria e tornando-se assim emblema da proacutepria intuiccedilatildeo artiacutestica Benjamin observara no entanto que essa concepccedilatildeo romacircntica extravagante e destrutiva ( ) herdad a pela teoria moderna derivava da unidade do objeto material com o transcendental que constitui o paradoxo do siacutembolo teoloacutegico e teria passado a ser distorcida numa relaccedilatildeo entre essecircncia e aparecircncia24

Portanto a pretendida e propalada evidecircncia do objeto de arte moderna dependeria fundamentalmente da aceitaccedilatildeo dessa teoria do siacutembolo que representa a supostamente indissoluacutevel unidade de forma e substacircncia que caracteriza o trabalho de arte como pura presenccedila25

A pintura ao abandonar o que parecia ser da estrita competecircncia da fotografia ter-seshyia assumido entatildeo como espeacutecie de siacutembolo auto-referenciado jaacute que eacute a sua proacutepria autonomia e possibilidade de sobrevivecircncia que ela parece se referir na tentativa de preservar em sua aparecircncia sua essecircncia interior Nesse processo depurativo arbitrava Greenberg que a pintura deve apresentarshyse como plana natildeo deve ser ilustrativa deve deixar um espaccedilo suficiente para a escultura e a arquitetura e possui portanto aspectos relativos ao espaccedilo e agrave superfiacutecie que satildeo absolutamente centrais26 Consequumlentemente eacute ainda uma definiccedilatildeo textual a priori que estipula os limites da accedilatildeo pintura e das demais categorias da arte moderna a partir dela No limite satildeo produzidos para usar a expressatildeo de Danto beliacutessimos uacuteltimos quadros27 sejam eles negros como os de Ad Reinhardt ou brancos como os de Robert Ryman Eacute a pintura possiacutevel exerciacutecio siacutesiflCo de autoshyafirmaccedilatildeo no ponto extremo que ela agora parece habitar em coerecircncia com o quadro teoacuterico de divisatildeo de competecircncias definido pela ideologia modernista

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ae REVI S TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAO EM ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ bull 200 I

Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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- - --------- -- ----

se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 5: o pêndulo do sentido

pelotatildeo de fuzilamento ou aspargos importa a pintura que ele realiza num sentido essencialmente visual19 Em direccedilatildeo agrave plena autonomia a pintura sofre lenta poreacutem inexoraacutevel desindexaccedilatildeo por assim dizer do real visiacutevel e vai encontrar em sua proacutepria concretude toda a carga de realidade necessaacuteria enquanto recusa qualquer relaccedilatildeo mimeacutetica com a imagem do mundo

Esse processo de enxugamento progressivo baseia-se numa determinada teoria do siacutembolo em que este se constitui como sineacutedoque Craig Owens20 menciona que para Coleridge o siacutembolo eacute sempre uma parte do todo que representa21 Mas observa essa definiccedilatildeo soacute eacute possiacutevel se essa relaccedilatildeo do todo com as partes for concebida de uma maneira particular isto eacute de acordo com a teoria da expressividade

causal analisada por Althusser22 que define que o todo pode ser reduzido a uma essecircncia interior daiacute decorrendo a possibilidade de se aplicar agrave aparecircncia exterior a capacidade de revelaccedilatildeo da

essecircncia do todo desde que ficasse pressuposto que este tivesse uma certa natureza precisamente a natureza de um todo espiritual no qual cada elemento fosse expressivo da totalidade inteira como um pars totalis23 Nesse registro segundo Owens o siacutembolo natildeo representa mais a essecircncia passando a ser ela proacutepria e tornando-se assim emblema da proacutepria intuiccedilatildeo artiacutestica Benjamin observara no entanto que essa concepccedilatildeo romacircntica extravagante e destrutiva ( ) herdad a pela teoria moderna derivava da unidade do objeto material com o transcendental que constitui o paradoxo do siacutembolo teoloacutegico e teria passado a ser distorcida numa relaccedilatildeo entre essecircncia e aparecircncia24

Portanto a pretendida e propalada evidecircncia do objeto de arte moderna dependeria fundamentalmente da aceitaccedilatildeo dessa teoria do siacutembolo que representa a supostamente indissoluacutevel unidade de forma e substacircncia que caracteriza o trabalho de arte como pura presenccedila25

A pintura ao abandonar o que parecia ser da estrita competecircncia da fotografia ter-seshyia assumido entatildeo como espeacutecie de siacutembolo auto-referenciado jaacute que eacute a sua proacutepria autonomia e possibilidade de sobrevivecircncia que ela parece se referir na tentativa de preservar em sua aparecircncia sua essecircncia interior Nesse processo depurativo arbitrava Greenberg que a pintura deve apresentarshyse como plana natildeo deve ser ilustrativa deve deixar um espaccedilo suficiente para a escultura e a arquitetura e possui portanto aspectos relativos ao espaccedilo e agrave superfiacutecie que satildeo absolutamente centrais26 Consequumlentemente eacute ainda uma definiccedilatildeo textual a priori que estipula os limites da accedilatildeo pintura e das demais categorias da arte moderna a partir dela No limite satildeo produzidos para usar a expressatildeo de Danto beliacutessimos uacuteltimos quadros27 sejam eles negros como os de Ad Reinhardt ou brancos como os de Robert Ryman Eacute a pintura possiacutevel exerciacutecio siacutesiflCo de autoshyafirmaccedilatildeo no ponto extremo que ela agora parece habitar em coerecircncia com o quadro teoacuterico de divisatildeo de competecircncias definido pela ideologia modernista

A R T I G o bull R I C A R o o MAU R I C I o 43

ae REVI S TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAO EM ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ bull 200 I

Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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- - --------- -- ----

se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

A R T I G o bull R I C A R DOM A U R I C I o 45

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 6: o pêndulo do sentido

ae REVI S TA DO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAO EM ARTES VISUAIS EBA bull UFRJ bull 200 I

Em um ensaio cujo tiacutetulo - Ut Pictura Teoria shyparafraseia ironicamente o Ut pictura poiesis de Horaacutecio WJT Mitchell afirma que a realidade da vontade de silecircncio28 na arte abstrata () [constituiacutea] a imposiccedilatildeo de um mandato social vocecircs que natildeo satildeo qualificados para falar sobre essa pintura calem-se29 ficando o discurso preservado como propriedade exclusiva de um clero qualificado para falar Por traacutes do silecircncio shyauto-imposto ou natildeo - do artista no quadro moderno de divisatildeo de disciplinas escamoteava-se toda a carga textual que informava a produccedilatildeo

Nesse registro a arte moderna - deixando entre parecircnteses Duchamp (mas tambeacutem Magritte e a fotomontagem) - representaria em coerecircncia com o sistema de Flusser uma sobrevida do periacuteodo histoacuterico na arte uma tentativa (bem-sucedida) de a partir da definiccedilatildeo moderna de competecircncias estabelecer-se convivecircncia harmoniosa entre praacutetica e teoria imagem e texto Haacute que se destacar a ironia desse acordo entre uma teoria que conduz uma praacutetica na direccedilatildeo de sua plena autonomia e produtos esteacuteticos resultantes que contraditoriamente vinculavam o acesso a sua plena fruiccedilatildeo agravequelas formulaccedilotildees teoacutericas externas e aprioriacutesticas Tambeacutem por ironia eacute numa passagem do proacuteprio Greenberg relativa agrave poesia que encontramos uma brecha reveladora da vulnerabilidade da pretendida evidecircncia do objeto de arte moderna shyevidecircncia que segundo Gilles Tiberghien natildeo tinha correspondecircncia senatildeo na veemecircncia de sua afirmaccedilatildeo 3o o poeta escreve natildeo tanto para expressar como para criar algo que vai operar sobre a consciecircncia do leitor () O conteuacutedo do poema eacute o que ele faz para o leitor natildeo o que comunica]1 O que reve rbera a definiccedilatildeo de Kant de que no ato de julgar a beleza eacute em geral em noacutes mesmos que procuramos a medida a priori e que quando se trata de julgar se alguma coisa eacute bela ou natildeo eacute a faculdade de julgar esteacutetica que eacute legisladoraJ2 Mas natildeo dependeria a evidecircncia moderna de uma construccedilatildeo cultural que constituiria na recepccedilatildeo o reconhecimento de valores da cultura

esteacutetica ou seja do nosso ajuizamento informado sociologicamente de quais satildeo as possibilidades e restriccedilotildees para o juiacutezo esteacutetico como sugere Jay Bernstein33 A duacutevida de Bernstein a respeito de juiacutezos esteacuteticos relativos agrave beleza natural (Seraacute que algum de noacutes chegou a ver ver no sentido exigente de Kant uma rosa que natildeo seja extremamente e completamente saturada com as rosas miacuteticas do amor romacircntico ( ) ou mesmo com algum clichecirc de beleza) natildeo poderia ser estendida ao desejo de pureza de meios que permeia a teoria e a praacutetica da arte moderna Em que medida qualquer acordo intersubjetivo relativo a juiacutezos esteacuteticos natildeo dependeraacute sempre dessa construccedilatildeo preacutevia de coacutedigos culturais de reconhecimento e ateacute que ponto o juiacutezo esteacutetico em si mesmo natildeo seraacute sempre parcialmente preconcebido por eles

Segundo Benjamim os teoacutericos da fotografia tentaram justificar a fotografia no mesmo tribunal que ela havia derrubadoJ4 Thierry de Duve sugere que a imagem fotograacutefica estabelece uma ruptura do hic et nunc que constitui o espaccedilo-tempo normal definido pela fenomenologia claacutessica o que vai afetar diretamente nossos modos de percepccedilatildeo do real35 De acordo com a semioacutetica de Pierce a imagem fotograacutefica por sua relaccedilatildeo de conexatildeo fiacutesica contiacutegua e causal com o real define-se como sendo da ordem do iacutendice ou seja como a pegada que assinala a passagem de um ser vivo pelo solo da floresta a fotografia atesta na expressatildeo de Roland Barthes que Isso-foi [ccedila y estJ36 O que a foto tem de exclusivo eacute que na fraccedilatildeo de segundo do clique que a produz nesse instante de esquecimento dos coacutedigos3 ela preserva uma relaccedilatildeo com seu referente marcada pela imediaticidade Se ateacute entatildeo e logo apoacutes ela se apoacuteia em todos os coacutedigos que possibilitam sua produccedilatildeo e recepccedilatildeo aqui ela se amalgama a seu referente estabelecendo em si uma liga indissoluacutevel com ele passando a fazer parte na expressatildeo de Barthes dessa classe de objetos folhados cujas duas folhas natildeo podem ser separadas sem destruiacute-los a vidraccedila e a paisagem3B Mas imediata e inexoravelmente aquela imagem comeccedila a

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- - --------- -- ----

se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

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Page 7: o pêndulo do sentido

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se distanciar do referente do qual sua produccedilatildeo dependeu Essa distacircncia - que progride no tempo e no espaccedilo - eacute determinada pela paralisaccedilatildeo na imagem fotograacutefica daquilo que no mundo se daacute como continuidade Philippe Dubois afirma ser ateacute possiacutevel considerar que tudo o que faz a eficaacutecia da fotografia estaacute no movimento que vai desse aqui (do signo) ateacute aquele ali (do referente)39 O interesse pela imagem fotograacutefica se alimentaria entatildeo da tensatildeo da distacircncia entre o visiacutevel e o intocaacutevel40

Aleacutem disso devido a sua natureza indiciai essa imagem nada fornece sobre o referencial fotografado aleacutem do que nela eacute dado ver por si na instantaneidade do momento fixado ela eacute incapaz de contar histoacuterias de fornecer dados sobre o antes e o depois que a envolvem Daiacute a importacircncia da legenda que (re)inscreve a imagem na linearidade temporal e espacial exigecircncia de uma sensibilidade historicamente condicionada

No entanto agrave medida que a imagem fotograacutefica se distancia duplamente de seu referente operam-se uma perda e um ganho simultacircneos se a imagem ao se dissociar do real emancipa-se simultaneamente se desmaterializa e se descontextualiza Ela de todo natildeo eacute aquele real haacute algo laacute que natildeo se encontra aqui algo que se perde nessa distacircncia O processo de reproduccedilatildeo teacutecnica da imagem implica portanto na perda da aura do objeto descrita por Benjamin como a uacutenica apariccedilatildeo de algo longiacutenquo por mais proacuteximo que possa estar41 A partir da dissociaccedilatildeo dessa conexatildeo exclusiva o olhar pode agrave distacircncia temporal e espacial entrar em contato com a imagem de algo em sua ausecircncia Poreacutem ainda que precaacuteria e parcial a conexatildeo que liga a imagem fotograacutefica a seu referente natildeo se rompe jamais numa fotografia as duas realidades estaratildeo sempre presentes aquela superfiacutecie atestando que isto foi Agrave anaacutelise de Flusser parece ter escapado esse dado essencial agrave fotografia derivado de sua natureza indiciai que a distingue fundamentalmente da geraccedilatildeo seguinte de imagens virtuais puras

produzidas a partir da densiflcaccedilatildeo desse universo emancipado de imagens

Agrave mais perfeita reproduccedilatildeo falta sempre algo o hic et nunc da obra de arte a unidade de sua presenccedila no proacuteprio local onde se encontra42 constatara Benjamin observando que natildeo apenas ela fora inelutavelmente afetada mas todas as coisas visiacuteveis haviam sofrido o efeito da ruptura dessa unidade Ocorre que agrave medida que as imagens passam a ser tomadas como realidade um novo (eedbock entre gesto e consciecircncia leva o mundo a ser percebido como imagem Nessa inversatildeo assume-se perspectiva que desconsidera toda a espessura do real em prol de uma apreensatildeo superficial - em ambas as acepccedilotildees da palavra - das coisas

Esse problema capital para a situaccedilatildeo contemporacircnea seria elaborado pela escultura em seu campo ampliado43 Sua tridimensional idade parecia preservaacute-Ia da influecircncia da imagem fotograacutefica No entanto uma vez que como lembra Merleau-Ponty ao olho soacute eacute dado perceber duas dimensotildees a profundidade sendo deduzida da largura e da altura44 a ela caberia o papel fundamental na investigaccedilatildeo do modo como a nova imagem afeta diretamente a percepccedilatildeo Significativamente esse processo parece ter tido sua origem na utilizaccedilatildeo subsidiaacuteria da fotografia no processo escultoacuterico Ao produzir imagens fotograacuteficas de seus trabalhos constataram alguns escultores poder o resultado ser controlado pela manipulaccedilatildeo tanto quantitativa quanto direcional da incidecircncia da luz sobre os objetos Ora desde o Impressionismo adquirira-se a noccedilatildeo shyinformada pelo funcionamento da cacircmara fotograacutefica - de que o dado visiacutevel do real natildeo se daacute a perceber substancialmente mas que no dispositivo sensitivo estatildeo envolvidas variaacuteveis que interagem mutuamente para produzir as imagens que levam agrave percepccedilatildeo das coisas a luz a superfiacutecie do objeto e o proacuteprio olho (humano ou da cacircmara) Esse embate triacuteplice implicava para a escultura uma reaflrmaccedilatildeo do valor da aparecircncia No ato perceptivo o significado deslocava-se da

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 8: o pêndulo do sentido

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ideacuteia de revelaccedilatildeo de uma verdade espiritual para a exterioridade desse encontro na superfiacutecie45 A contribuiccedilatildeo de

Brancusi como assinala Rosalind Krauss46 foi fundamental da pesquisa inicial de uma essecircncia da forma ou melhor de formas essenciais ele passaria por meio da experimentaccedilatildeo com a utilizaccedilatildeo de vaacuterios materiais a uma noccedilatildeo contextual da forma47 definida pelo entendimento de que a forma eacute percebida em funccedilatildeo dessa interaccedilatildeo muacutetua no acircmbito da operaccedilatildeo relacional perceptiva

Como no olhar que incide sobre a escultura - excluiacutedo o tato que devido agrave interdiccedilatildeo institucional soacute se manifesta como dado preacutevio da memoacuteria - a coisa eacute captada como imagem (ou como imagens sucessivas) qualquer alteraccedilatildeo dos fatores envolvidos em sua produccedilatildeo altera a percepccedilatildeo daquela Derivaria portanto da fotografia a intuiccedilatildeo de Brancusi - fotoacutegrafo aleacutem de escultor - quanto agrave possibilidade de atuar no processo de percepccedilatildeo da escultura alterando a imagem mediante a variaccedilatildeo da superfiacutecie

Tendo Marcel Duchamp como referecircncia central Rosalind Krauss aponta para a predominacircncia na arte contemporacircnea de trabalhos que revelam caracteriacutesticas fundamentalmente da ordem do iacutendice48 Philipe Dubois tambeacutem menciona Duchamp em sua intensa e complexa ligaccedilatildeo com a fotografia Contestando a posiccedilatildeo de Franco Vaccari que afirmara ser o reody mode a fotografia total Dubois observa que se perderia (sic) nessa operaccedilatildeo todos os problemas que o princiacutepio de distacircncia precisamente implica49 Contudo a aproximaccedilatildeo da fotografia com o reody mode pode ser produtiva Se considerarmos que o reody mode pode ser definido como algo que sem deixar de ser o que eacute ou seja uma coisa adquire outra carga ontoloacutegica a partir de um gesto que o indica passando a ser simultaneamente um signo teremos que primeiro para ser esse signo o objeto natildeo foi alterado - estava pronto - portanto signo e coisa se natildeo chegam a ser o mesmo objeto ocupam o mesmo lugar no espaccedilo fiacutesico objetivo segundo na operaccedilatildeo

perceptiva mesmo mantendo-se a noccedilatildeo de que coisa e signo satildeo coincidentes na realidade fiacutesica habita por assim dizer o mesmo objeto - ao olhar natildeo eacute dado perceber essa dupla natureza simultacircnea mas sim sucessivamente ou seja ou vejo (pensopercebo) o objeto como COisa ou o penso (vejopercebo) como signo (reody mode)50 do que decorre que na etapa de recepccedilatildeo da operaccedilatildeo perceptiva objeto e signo ocupam dois lugares distintos terceiro em sua semiose - pelo menos intencional - o reody mode descarta a possibilidade de ser lido como siacutembolo shy

poderia ser iacutecone natildeo haacute semelhanccedila maior do que esta - ou iacutendice - tambeacutem eacute impossiacutevel pensar uma conexatildeo fiacutesica maior do que a que vincula a coisa a algo que natildeo sendo propriamente ela ocupa o mesmo lugar no espaccedilo que ela Mas se eacute iacutendice o reody mode eacute iacutendice de quecirc Uma possiacutevel resposta deriva diretamente do efeito de afastamento da coisa em relaccedilatildeo a sua imagem emancipada isto eacute daquela dupla distacircncia referida por Dubois atestada formalmente pelo processo Brancusi o reody mode reafirmaria a proacutepria presenccedila da coisa que se configura agora como quase

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ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

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Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

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se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49

Page 9: o pêndulo do sentido

ausecircncia reunindo a ela outra presenccedila suplementar para que se alcance o restabelecimento - no plano simboacutelico - da presenccedila - na acepccedilatildeo neutra da palavra shyperdida com a aura Neste ponto chegariacuteamos a afirmar que o reody made eacute natildeo fotografia total mas iacutendice total que apresenta com precisatildeo o problema fundamental da ruptura do hic et nunc

perceptivo dada a perda da aura eacute exclusivamente por meio de uma operaccedilatildeo simboacutelica mediaacutetica que se pode resgatar a unidade ainda que precaacuteria entre a imagem e aqui lo que na coisa a ultrapassa

Em 19 17 Walter Arensberg amigo e patrono de Duchamp comprara a Fonte

para ajudar o art istas I Posteriormente o objeto extraviou-se Em Teoria do Natildeo Objeto de Ferreira Gullar poderiacuteamos encontrar uma possiacutevel explicaccedilatildeo para o fato a limitaccedilatildeo desse processo de transfiguraccedilatildeo do objeto diz ele estaacute em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significaccedilatildeo nas suas relaccedilotildees de uso e haacutebito cotidianos Em breve aquela obscuridade caracteriacutestica da coisa volta a envolver a obra reconquistando-a para o niacutevel comumS2 Eacute ainda a perspectiva da teoria modernista que identifica nas qualidades formais do objeto sua adequaccedilatildeo agravequela estrateacutegia de exclusatildeo de qualquer coisa que desafie a definiccedilatildeo do trabalho como unidade de forma e conteuacutedo53 O fato eacute que natildeo tendo sido materialmente transformado uma vez distante do gesto indicador que Institui sua dupla natureza o ready mode desaparece como tal e a coisa retoma obviamente seu estatuto ordinaacuterio Mas isso natildeo altera o principal que foi a ideacuteia natildeo o objeto que se preservous4 Reafirmado o gesto o ready made readquire a qualquer momento a capacidade geradora das questotildees que circunscreve em toda sua complexidade

Assimilado esse gesto vai definir com clareza que toda percepccedilatildeo eacute - agora de modo autoconsciente - cultural que natildeo existe percepccedilatildeo imediata Distante desse gesto que a disponibiliza para qualquer significado prospectivo a coisa em si

coincide com o abismo absurdo de Flusser Eacute mundo agrave espera de sentido definido por essa ausecircncia que o transforma em simulacro vazio de si mesmo

Do gesto duchampiano que afirma essa dupla presenccedila no uno presenteausente passa-se ao gesto que atua poeticamente no intervalo da distacircncia indiciai introduzida pela imagem fotograacutefica a partir da qual pode passar a operar um dispositivo de deslocamento alegoacuterico generalizado Se a legenda pode produzir verdades retrospectivas agrave coisa na disponibilidade dessa nova presenccedila acorrem sentidos prospectivos diversos Natildeo se trata mais de discutir se de fato as aparecircncias enganam parece mas natildeo eacute cede lugar a assim eacute se lhe parece

Nessa operaccedilatildeo os agentes que constituem o espaccedilo intersubjetivo em que o sentido na arte se produz reorganizam-se ideologicamente Se a arte moderna tinha como garantias fundamentais a instituiccedilatildeo a histoacuteria (e a teoria) da arte e o criacutetico em seu duplo papel de formulador e exegeta na situaccedilatildeo contemporacircnea em sua natureza indiciai prospectiva os objetos de arte natildeo esperam confirmaccedilatildeo mas uma certa co-afirmaccedilatildeo que os legitime Daiacute a crescente importacircncia da figura do curador ele natildeo reconhece significados mas co-opera com o autor recriando sentido como observador ativo ao modo de um co-autor do objeto de arte

Nessa situaccedilatildeo restabelecer-se-iam como Thierry de Duve apontava ser necessaacuterio o direito e a responsabilidade do juiacutezo esteacutetico enquanto fundado no () sentimento e afeto do espectador5s Disponiacutevel para possiacuteveis significados produzidos na interaccedilatildeo com sujeitos variados o mundo passa a corresponder agrave percepccedilatildeo de Benjamin que leva agrave definiccedilatildeo de sua teoria da alegoria qualquer pessoa qualquer objeto qualquer relaccedilatildeo pode significar qualquer outra coisa56 O que implica uma carga adicional de responsabilidade intelectual para todos os agentes envolvidos Trata-se de inventar pontes possiacuteveis sobre o abismo mas para q ue admiraacuteveis mundos novos

A R T I G o bull R I C A R DOM A U R I C I o 47

ae REV I S T A DO PROGRAMA DE POS-G R AOUACcedilAo EM ARTES VISUA I S EBA U f RJ 2 o0 1

Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

48

se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

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Page 10: o pêndulo do sentido

ae REV I S T A DO PROGRAMA DE POS-G R AOUACcedilAo EM ARTES VISUA I S EBA U f RJ 2 o0 1

Caberia agrave palavra dar outro passo atraacutes que produzisse espaccedilo para nova reflexatildeo criacutetica) Para Flusser o alfabeto tenderia a desaparecer cedendo lugar a coacutedigos digitais57 e a razatildeo criacutetica como a conhecemos natildeo teria mais funccedil atildeo A potecircncia criacutetica da palavra natildeo poderia ser incorporada agrave instantaneidade da imagem

Os Objetos Reflexivos constituem situaccedilotildees em que a palavra se articula agrave imagem agrave coisa e agraves re laccedilotildees espaciais e m interaccedilatildeo que constroacutei e desconstroacutei inuacutemeras possibilidades de significados em operaccedilatildeo que se completa com o envolvimento mental ativo do sujeito

O lugar-comum ovo de Colombo eacute deslocado pela accedilatildeo desses age ntes da economia geral do sentido em combinaccedilotildees que produzem flutuaccedilotildees na proacutepria percepccedilatildeo das caracteriacutesticas formais do objeto Ativado o pecircndulo do sentido oscila desenhando o lugar possiacutevel que ele hab itaraacute no espaccedilo da intersubjetividade

Haacute tambeacutem que de fi nir os limites em que a imagem deixa de poder ser confundida com a outra realidade O efeito de abo liccedilatildeo da escala proacuteprio da fotografia tende a d iluir esses limites conduzindo agrave abstraccedilatildeo de um dado fundamental o corpo em sua existecircncia fiacutesica dime nsotildees e limitaccedilotildees reais

Eacute preciso reencarnar essa imagem fantamaacutestica que constitui o mundo a sua feiccedilatildeo Confundir as duas instacircncias isto eacute tomar a realidade do simulacro como toda a realidade pode vir a fazer toda a diferenccedila A arte deve portanto dirigir-se agrave t otalidade ainda que muacuteltipla e fragmentada do sujeito do corpo presente agrave mente ativa pro pondo a reflexatildeo a partir da experiecircncia sensiacuteve l

A instalaccedilatildeo Sic Tronsit enfrentava o problema se os Objetos Reflexivos constituiacuteam a feiccedilatildeo mental do trabalho Sic Tronsit era sua face puacuteblica O risco envolvido em seu processo real de autodestruiccedilatildeo era duplicado pela realidade semacircnti ca do dispositivo de seguranccedila que a envolvia placas vestimentas e contratos Aqui como laacute operava-se um efeito tromp Ioeil agraves avessas se nos Objetos Reflexivos ao

48

se o lhar para ovos viam-se simulacros aqui duvidava-se do risco real tautologicamente reafirmado Ateacute que ponto posso confiar no que vejo Ateacute que ponto devo acreditar no que ouccedilo Em Sic Tron sit com o corpo em jogo um equiacutevoco poderia ser fatal

Saussure compara a liacutengu a a um jogo de xadrez - cada movimento corresp onderia a uma alteraccedilatildeo de um universo linguumliacutestico determinad0 58 Pois bem na situaccedilatildeo contemporacircnea qualquer lance pode reinventar as regras do jogo Pode tambeacutem acabar com ele derrubando as peccedilas e imobilizando para sempre o pecircndulo do sentido

Resumo da dissertaccedilatildeo de Mestrado em Linguagens Visuais PPGAV - EBAlUFRj defendida em 200 I sob a orientaccedilatildeo do Prof Or Carlos Zilio

Notas

I Cage John Jasper Johns Histoacuterias e Ideacuteias in Batcock Gregory (org) A Novo Arte Satildeo Paulo Perspect iva 1975 (trad Cecilia Prado e Vera de Campos Toledo)

Idem ibidem

3 W ilson W illiam 111 Arte Energia e At enccedilatildeo in Batcock Gregory op cit

4 Kail Michel Kant Immanuel in Lo Grande Encyclopeacutedie Larousse nO 33 Paris Librarie Larousse 1974 (traduccedilatildeo livre)

s Idem ibidem

6 Merquior Joseacute Gui lherme Arte e Sociedade A Pintura Corporal entre os Caduveu in Merquior Joseacute Guilherme A Esteacutetico de Leacutevi-Strauss Rio de Janeiro Ed Tempo Brasileiro e Brasilia UNB 1975

7 Bataille Georges Lascoux ou lo Naissance de lArt Paris Skira 1955 I (traduccedilatildeo livre)

B Danto A rthur C Arte sem Paradigma in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio

9 Idem ibidem

la Idem ibidem

II Wittgenstein Ludwig Investigaccedilotildees Fi losoacuteficas In Os Pensadores XLVI Satildeo Paulo Abril Cu~ural 1975 I 17 traduccedilatildeo de Joseacute Carlos Bruni

Flu sser Vileacutem Texto Imagem enquanto Dinacircmica do Ocidente in Caderno Rioarte Ano 11 nO 5 Idem

ibidem para as citaccedilotildees seguintes

13 Owens Craig Apud Tiberghien Gilles Land Art New York Princeton Architectural Press 1995 (traduccedilatildeo livre)

~ -shy

14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

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14 Flusser Vi leacutem op eir

IS Goldschmidt Victor Temps Physique et Temps Trogique chez Aristote Paris Vrin 198240 I apud Tiberghien Gil les A Arte da Natureza in Arte amp Ensaios nO 7 2000 traduccedilatildeo de Malu Fatorelli e Neusa Dagani

16 Crimp Douglas The Photographic Activity of Postmodernism in October n 15 Inverno 1980 (traduccedilatildeo livre)

17 Idem ibidem

18 Argan Giulio Carlo Arte Moderno Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992 traduccedilatildeo de Denise Bottmann e Federico Carotti

19 Idem ibidem

20 Owens CraigThe Allegorical ImpulseToward a Theory of Postmodernism in Beyond Recognition -Representation Power and Culture Berke ley Los Angeles Oxford University of California Press 1992 (traduccedilatildeo livre)

21 Raysor Thomas Middelton Coleridge Miscelaneous Criticism apud Owens Craig opeit

11 Owens Craig opeit

2l A lthusser Louis e Balibar Etienne Reading Capitol London NLB 1970 apud Owens Craig opeit

24 Benjamin Walter apud Owens Craig op eit

25 Owens Craig op cil

26 Greenberg Clement apud Danto Arthur c op cit

27 Danto Arthur C op cie

28 A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e aparece em The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Miths Language in Les Cahiers du v1useacutee National dArt Moderne n033 Paris out 1990 (traduccedilatildeo livre)

29 Mitchell WJT opcit (traduccedilatildeo livre)

lO Tiberghien Gilles A Arte do Natureza opcit

li Ferreira Gloacuteria Cotrim Cecilia (org) Cement Greenberg e o Debate Criacutetico Rio de Janeiro FunarteJorge Zahar 1997

12 Kant Immanuel Criacutetica da Faculdade do Juiacutezo apud Crampe-Casnabet Kant - uma revoluccedilatildeo filosoacutefico Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994

JJ Bernstein Jay M Da beleza agrave experiecircncia de Kant a Cindy Sherman (trad Pedro Sussekind Viveiros de Castro) in Ceroacuten Ileana Pradilla e Reis Paulo (org) Kant Criacutetica e esteacutetico no modernidade Satildeo Paulo Editora Senac 1999

H Benjamim Walter Pequena Histoacuteria do FOlOgra(ia apud CrimpDouglas opeit

l5 De Duve Thierry Pose et Instantaneacute ou Le Paradoxe Photographique in Essais Datecircs - I 1974 1986 Paris Editions de la Diference 1987 (tr aduccedilatildeo livre)

36 Barthes Roland A Cdmara Coro Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Traduccedilatildeo de Juacutelio Castaiion Guimaratildees

l7 Dubois Phi lippe O AlO Fo lOgraacutefico Campinas Papirus Editora 1993 Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

l8 Barthes Roland opeit

)9 Dubois Philippe opeit

40 Dubois Philippe opcit

41 Benjamin Walter A Obra de Arte na Eacutepoca de suas Teacutecnicas de Reproduccedilatildeo in Os Pensadores volume X LVIII Satildeo Paulo Abril Cultural 1975 Traduccedilatildeo de Joseacute Lino Gruumlnewald

42 Benjamin Walter opcit

4l A expressatildeo eacute de Rosalind Krauss e serve como tiacutetulo de seu ensaio A Escultura no Campo Ampliado origina lmente publicado in October ndeg 8 Spring 1979 com O tiacutetulo Sculpture in the Expanded Field e no Brasil in Gaacutevea na I

44 Merleau-Ponty Maurice O Olho e o Espiacuterito in Os Pensadores Satildeo Paulo Abri l Cultural 1984 Traduccedilatildeo de Marilena Chauiacute

45 Krauss Rosalind Caminhos do Escultura Moderno Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 Traduccedilatildeo de Juacutelio Fischer

46 Idem ibidem

41 Idem ibidem

48 Krauss Rosalind Notes on the Index Seventies Art in AmericaJ Part I in October n03 Spring 1977

Dubois Philippe opcit

50 Essa percepccedilatildeo dupla se daacute ao modo da lebre figurada - que tambeacutem pode ser um pato - de Wittgenstein Wittgenstein Ludwig opcit 193

SI Mink Janis Marcel Duchamp - LArt contre IArt Koacuteln Benedikt Taschen 1995 (traduccedilatildeo livre)

52 Idem ibidem

53 Owens Craig apeiL

54 Idem ibidem

55 De Duve Thierry Reinterpretar a modernidade Entrevista a Gloacuteria Ferreira e Muriel Caron in Arte amp Ensaios nO 5 1998

56 Owens Craig opcit

57 Flusser Vileacutem op ci to

S8 Saussure Ferdinand de Curso de Linguumliacutestico Geral Satildeo Paulo Cultrix 1975 Traduccedilatildeo de Antocircnio Cellini Joseacute Paulo Paes e Izidoro Blikstein

ARTIGO R I C A R DOM A U R I c I o 49