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Emanuel António Rodrigues Furtado
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano.
O caso de Tira Chapéu – Cidade da Praia
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
Campus Universitário da Cidade da Praia Caixa Postal 775, Palmarejo Grande
Cidade da Praia, Santiago Cabo Verde
30.9.08
Emanuel António Rodrigues Furtado
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano.
O caso de Tira Chapéu – Cidade da Praia
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
Campus Universitário da Cidade da Praia Caixa Postal 775, Palmarejo Grande
Cidade da Praia, Santiago Cabo Verde
Emanuel António Rodrigues Furtado, autor
da monografia intitulada “O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. O
caso de Tira Chapéu, cidade da Praia”, declaro que, salvo fontes devidamente citadas
e referidas, o presente documento é fruto do meu trabalho pessoal, individual e original.
Cidade da Praia aos 30 de Setembro de 2008 Emanuel António Rodrigues Furtado
Memória Monográfica apresentada à Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Licenciado em Arquitectura.
Sumário O presente estudo diz respeito à temática da reabilitação do espaço público urbano, sobretudo nos bairros espontâneos da periferia da cidade da Praia e visa, por um lado, conhecer as estratégias de intervenção no espaço púbico e, por outro, identificar as necessidades do bairro de Tira Chapéu, em matéria de espaço público, bem como a elaboração de uma proposta de intervenção no tecido urbano do referido bairro. Tentamos demonstrar, com este estudo, que a ausência de estratégia de criação e actuação no espaço público urbano potencia a segregação sócio-espacial do território e influi negativamente na qualidade de vida urbana. Uma das consequências do processo de crescimento espontâneo é a degradação urbana e ambiental dos espaços públicos, que se tornam perigosos, poluídos e sem vitalidade, afectando a interacção entre os habitantes da cidade e agravando a qualidade de vida urbana. Na cidade, os problemas ambientais são sentidos directamente pelo cidadão transeunte, designadamente, os da poluição atmosférica e sonora, causada pelo intenso trânsito automóvel; a falta de espaços públicos de qualidade e de zonas de lazer; etc. E, constituindo, a cidade, um pólo de atracção permanente, a questão de se ter espaços públicos de boa qualidade e elevado nível de atractividade, não pode ser descurada, justificando-se, assim, uma intervenção que proteja e valorize os aspectos urbanos e ambientais daquela, de uma forma integrada, no contexto de uma visão estratégica de desenvolvimento sustentado. Deste modo, os espaços públicos urbanos podem desempenhar um papel preponderante na qualidade de vida nas cidades, seja ao nível urbanístico e ambiental, seja ao nível das relações sociais entre os seus habitantes.
Agradecimentos e dedicatória Sem o apoio dos colegas estudantes, professores e administração da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, dificilmente teria chegado a esta fase, neste momento, desde logo, pela dificuldade em conciliar o trabalho e os estudos. Agradeço às instituições públicas que me disponibilizaram documentação e dados, em particular a Câmara Municipal da Praia e o Instituto Nacional de Estatísticas. Os meus agradecimentos são extensivos a todas as pessoas que me atenderam nas referidas instituições, bem como aos meus colegas de trabalho na CMP, em especial os Arquitectos Nuno, Khyra, Marcelino e Gabriel, pela troca de ideias. À minha família e amigos mais próximos, que sempre me apoiaram em todos os momentos, de forma incondicional, compartilhando comigo todas as dificuldades. A todos os meus docentes do curso, que compartilharam comigo o seu saber e a sua amizade. À Dina e ao Áureo, muito em especial, pelos sacrifícios consentidos. Por último, um especial agradecimento ao meu orientador, Arquitecto Paisagista Francisco Duarte, pela paciência e sábia orientação, o que me permitiu dar um salto qualitativo. Dedicatória Dedico este trabalho à memória da minha mãe Fátima que, para sempre, será a fonte onde vou buscar as energias para viver e evoluir. Ela, motivo de sofrimento e tristeza, é, simultaneamente, razão de orgulho e perseverança. Dúvida e certeza, ansiedade e tranquilidade, será ela, certamente, contra todos os paradoxos da vida, uma memória digna de me acompanhar em todos os momentos da minha vida.
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Conteúdo Introdução.................................................................................................................................10
Capítulo 1: Revisão bibliográfica........................................................................................13 1 A conceitualização do espaço urbano...........................................................................13 2 Configuração e tipologia do espaço público urbano ....................................................21 3 Qualidade e sustentabilidade do espaço público urbano ..............................................36
Capítulo 2: Caracterização e diagnóstico ............................................................................46 1 O contexto urbano ........................................................................................................46 1.1 Crescimento da cidade da Praia....................................................................................46 1.2 Situação actual dos espaços públicos ...........................................................................49 2 O bairro de Tira Chapéu ...............................................................................................55 2.1 Enquadramento da área de estudo ................................................................................55 2.2 Contexto e condições socio-económicas ......................................................................58 2.3 Infra-estruturas, serviços e equipamentos colectivos ...................................................64 2.4 Estrutura urbana e ambiental ........................................................................................71
Capítulo 3: Projecto de reabilitação: linhas de força...........................................................90 1 Enquadramento.............................................................................................................90 2 Princípios e linhas de força...........................................................................................91 3 Elementos estruturantes de intervenção .......................................................................93
Conclusão ...............................................................................................................................106
Referência bibliográfica .........................................................................................................109
A Anexos ........................................................................................................................111 A.1 Número de pisos do edificado ....................................................................................111 A.2 Estado de conservação das construções .....................................................................112 A.3 Funções no Rés-do-Chão das edificações ..................................................................113 A.4 Nível de legalização das construções .........................................................................114
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Tabelas Tabela 1 – Relação entre as áreas construídas e as livres de construção, em Tira chapéu.......98
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Figuras Figura 1 – Aspecto de ruas e jardim público em Buenos Aires, Argentina. ............................35 Figura 2 – Exemplo de uma Praça em Portugal. ......................................................................35 Figura 3 – Intensidade do tráfego pedestre, em função do trânsito automóvel. .......................44 Figura 4 – Exemplo de fluxo de pedestres numa rua de Bogotá. .............................................45 Figuras 5 e 6 – Aspectos de venda ambulante e circulação nos passeios do Plateau...............51 Figura 7 – Aspecto geral da “Praça Alexandre Albuquerque” e Memorial Amílcar Cabral....52 Figuras 8 e 9 – Situação actual da Praça do Palmarejo. ...........................................................53 Figura 10 – Aspecto panorâmico da “Praça Cruz de Papa” e Quebra Canela..........................54 Figura 11 – Aspecto geral do Parque 5 de Julho e zona de Taiti. ............................................55 Figura 12 – Localização de Tira Chapéu, no contexto da cidade da Praia...............................56 Figura 13 – Evolução da população residente em Tira Chapéu, de 1970 a 2000.....................58 Figura 14 – Taxa de crescimento da população, segundo as áreas, de 1970 a 2000. ...............59 Figura 15 – Nível de instrução do chefe de agregado familiar, em Tira Chapéu.....................61 Figura 16 – Nível de conforto dos agregados familiares, segundo as áreas.............................62 Figuras 17 e 18 – Aspectos negativos do saneamento básico em Tira chapéu. .......................67 Figura 19 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, ano de 2008. .....................72 Figura 20 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, ano de 2008. .....................73 Figura 21 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, zona Norte........................74 Figura 22 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, zona Sul............................74 Figuras 23 e 24 – Casas construídas perto da ribeira, em Tira Chapéu....................................76 Figuras 25 e 26 – Aspectos distintos da qualidade habitacional, em Tira Chapéu. .................78 Figuras 27 e 28 – Ocupação do espaço público pelas construções, em Tira Chapéu...............83 Figuras 29 e 30 – Realização de actividades domésticas na rua, em Tira Chapéu...................84 Figuras 31 e 32 – Construções nas ribeiras e em encostas acentuadas, em Tira Chapéu.........87 Figura 33 – Esquema viário de Tira Chapéu e da envolvente próxima....................................99 Figura 34 – Proposta de estrutura e esquema do sistema viário de Tira Chapéu. ..................100 Figura 35 – Proposta de espaços públicos para Tira Chapéu e sua articulação com os
equipamentos públicos propostos e existentes nos bairros da vizinhança. ....................101 Figura 36 – Proposta de afectação do uso do solo para Tira Chapéu.....................................102 Figura 37 – Proposta de ambientes para os espaços públicos em Tira Chapéu. ....................103 Figura 38 – Proposta de ambientes para os espaços públicos em Tira Chapéu. ....................104 Figura 39 – Propostas de intervenção no tecido urbano do bairro Tira Chapéu. ...................105
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Introdução
O presente estudo tem como temática a reabilitação do espaço público urbano e apresenta
como título “O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. O caso de Tira
Chapéu, cidade da Praia”. Este trabalho tem um carácter académico e enquadra-se na etapa de
Licenciatura do Curso de Arquitectura, ministrado na Universidade Jean Piaget de Cabo
Verde.
O problema levantado relaciona-se com a reabilitação dos espaços públicos urbanos,
sobretudo nos bairros da periferia da cidade, onde os efeitos do crescimento espontâneo se
reflectem, muitas vezes, na expansão ocorrida pelas áreas com condições inadequadas e com
características marcadamente agressivas perante o meio ambiente natural preexistente. Uma
das consequências desse processo é a degradação urbana e ambiental dos espaços públicos,
que se tornam perigosos, poluídos e sem vitalidade. Desse modo, a falta de tratamento dos
espaços públicos afecta a interacção entre os habitantes da cidade e agrava a qualidade de
vida urbana, pelo que torna-se necessário intervir no sentido de melhorar as condições de vida
na cidade e integrar essas áreas no contexto urbano.
A hipótese por nós formulada é a de que a ausência de estratégia de criação e actuação no
espaço público urbano potencia a segregação sócio-espacial do território e influi
negativamente na qualidade de vida urbana.
Actualmente, mais de 50 % da área urbana da Praia é constituída por bairros de crescimento
espontâneo e há uma forte tendência para a fixação de populações nas áreas periféricas da
cidade, onde, hoje, a vivência se desenrola sob inúmeros efeitos dos impactos decorrentes da
construção desenfreada, que evidencia uma degradação na qualidade de vida das pessoas.
Os problemas ambientais são sentidos directamente pelo cidadão transeunte, designadamente,
os da poluição atmosférica e sonora, causada pelo intenso trânsito automóvel; a falta de
espaços públicos de qualidade e de zonas de lazer; etc. Nessa perspectiva, e considerando que
a cidade constitui um pólo de atracção permanente, a questão de se ter espaços públicos de
boa qualidade e elevado nível de atractividade, não pode ser descurada, justificando-se, assim,
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uma intervenção que proteja e valorize os aspectos urbanos e ambientais da cidade, de uma
forma integrada, no contexto de uma visão estratégica de desenvolvimento sustentado.
Com este estudo, pretendemos atingir os seguintes objectivos: a) Gerais: conhecer as
estratégias de intervenção no espaço púbico; compreender as características da estrutura
urbana e ambiental do bairro de Tira Chapéu. b) Específicos: identificar as características
sócio-espaciais existentes no bairro; identificar as necessidades do bairro em matéria de
espaço público; elaborar uma proposta de intervenção no espaço público do bairro.
A motivação para a escolha do tema resulta da convicção de que os espaços públicos urbanos
desempenham um papel preponderante na qualidade de vida nas cidades, seja ao nível
urbanístico e ambiental, seja ao nível das relações sociais entre os seus habitantes. Nessa
perspectiva, subscrevemos a ideia de que a acção ancorada no conhecimento urbanístico é
uma forma eficaz de transformar e responder aos anseios da colectividade, numa cidade
humanizada e em harmonia com a natureza, onde o espaço público está voltada para o bem
estar colectivo.
O campo de interesse do presente estudo não abrange a totalidade dos espaços públicos, pelo
que damos particular destaque às ruas e praças/jardins públicos, por serem estes os espaços
públicos que, por excelência, constituem os elementos predominantes na imagem da cidade,
na perspectiva de diversos autores. Este trabalho restringe-se a um estudo de caso: o bairro de
Tira Chapéu, na cidade da Praia.
Justificamos essa opção com o facto deste ser um bairro espontâneo que está inserido no
tecido urbano da cidade e possui uma localização bastante privilegiada, contudo, as suas
características sócio-espaciais e ambientais denotam fragilidades que, aparentemente,
impedem a sua plena integração na cidade.
Para a elaboração do presente estudo, recorremos à pesquisa bibliográfica (bibliografias que
se relacionam com a situação-problema, tais como livros, relatórios, diagnósticos, revistas,
etc.), documental (consulta de documentos de suporte tais como levantamentos topográficos,
mapas, projectos, planos urbanísticos, fotografias, estatística, etc.) e a trabalho de campo
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(observação, levantamentos no terreno, anotação, fotografias e desenhos). Após o
levantamento dos dados, procedemos à sua análise e elaboração do presente relatório.
Uma das limitações para a realização do presente estudo prende-se com a inexistência de
bibliografia especializada sobre a matéria de espaços públicos na cidade da Praia. Todavia, a
utilização de estudos existentes e relacionados com essa problemática, bem como o recurso a
bibliografia sobre o mesmo tema, em outros países, ajudou a superar essa dificuldade.
Este documento se encontra estruturado em três capítulos: Capítulo 1: Revisão bibliográfica;
Capítulo 2: Caracterização e diagnóstico; e Capítulo 3: Projecto de reabilitação: linhas de
força. Uma parte introdutória, conclusão e anexos, completam a estrutura do trabalho.
No Capitulo I: Revisão bibliográfica – procedemos a uma pesquisa dos trabalhos existentes e
relacionados com o tema do nosso estudo. Nesse sentido, abordamos aspectos como: a
conceitualização do espaço urbano, em que, além das investigações de autores clássicos sobre
a problemática da produção e apropriação do espaço, procuramos conhecer o pensamento de
autores contemporâneos, sobre o tema, pelo que, também, ao falarmos sobre a configuração e
tipologia do espaço público urbano, ficamos a conhecer outras perspectivas; a qualidade e
sustentabilidade do espaço público urbano fecham o primeiro capítulo, em que são salientados
os factores de qualidade e sustentabilidade na vida citadina.
No Capitulo II: Caracterização e diagnóstico – procedemos à recolha e análise de
informações, visando responder as questões levantadas e esclarecer a hipótese formulada na
proposição do problema. Abordamos aspectos como o contexto urbano, designadamente o
crescimento da cidade da Praia e a situação actual dos espaços públicos; e, no campo
específico do caso de estudo (Tira Chapéu), fizemos o enquadramento da área de estudo,
caracterizamos a situação socio-económica, inventariamos as infra-estruturas e funções
urbanas e fizemos uma análise à estrutura urbana e ambiental do bairro.
No Capitulo III: Projecto de reabilitação: linhas de força – apontamos as linhas de força que,
do nosso ponto de vista, possam garantir uma reabilitação urbana e ambiental do bairro,
ancorada em premissas como a qualidade de vida e qualificação do espaço público, enquanto
factores determinantes do próprio desenvolvimento sustentado do bairro.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Capítulo 1: Revisão bibliográfica
1 A conceitualização do espaço urbano
O conceito de espaço urbano surge relacionado à urbanização, reflectindo esta uma proporção
crescente da população que vive em espaços territoriais definidos como urbanos, ou seja,
respeitante à transformação de um espaço natural ou rural (onde predominam as actividades
agrícolas e pecuárias) em espaço urbano (área de grande densidade populacional, cuja
economia é predominantemente secundária e terciária). O termo urbanização está relacionado
à cidade, esta, possuidora de características demográficas, morfológicas, económicas e sociais
específicas (e que a diferencia do espaço rural) (Baud, 1999).
Na sua relação com o meio natural, o homem procura um espaço territorial para se estabelecer
e organizar as suas actividades. Existirá ou não uma relação entre o espaço e as práticas
sociais? Em que medida os conteúdos que lhes são inerentes são afectados por essa eventual
relação? A conceitualização do espaço tem merecido a atenção de diversos autores, e apesar
de alguns teóricos clássicos se terem debruçado sobres as sociedades tradicionais (espaços
associados a comunidades de pequena dimensão e com poucas relações com o exterior), os
seus estudos contribuíram muito para a definição conceptual do espaço (territorial).
Durkheim, Mauss e Halbwaches apud Silvano (2001) abordaram o espaço enquanto relação
do homem inserido no meio social e definiram a especificidade do espaço enquanto realidade
social, afirmando que este estabelece com a sociedade que o habita um laço indissociável. A
conceitualização do espaço nesses autores apresenta-se em duas dimensões: “o espaço
pensado como uma representação e o espaço pensado como uma realidade material” (Silvano,
2001:7).
Durkheim apud Silvano (2001) define o espaço enquanto categoria do entendimento
(dimensão das representações), ou seja, o espaço é a construção do homem de acordo com a
sua cultura (tem a ver com o entendimento do homem). Afirma que a explicação para os tipos
de organização que manifesta deve ser procurada na relação que se estabelece entre o espaço
e a sociedade que o habita, considerando que “a organização social foi o modelo da
organização espacial, que é como um decalque da primeira” (Silvano, 2001:9).
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Outra dimensão do espaço em Durkheim tem a ver com o substrato material, referenciando-se
a uma “morfologia social”. Mauss apud Silvano (2001) associa essa “morfologia social” ao
estudo do substrato material das sociedades, considerando que “a vida social, em todas as suas
formas, moral, religiosa, jurídica, etc., é função de seu substrato material, isto é, com a massa,
a densidade, a forma e a composição dos grupos humanos” (Silvano, 2001:11).
A questão das transformações do espaço fez com que Durkheim apud Silvano (2001)
elaborasse um conceito mais complexo, apresentando o espaço enquanto realidade dinâmica,
com três categorias: morfologia (materialidade), práticas e representações. A morfologia
social está num plano objectivo, enquanto que a simbolização social está num plano
subjectivo/cultural.
De acordo com Halbwaches apud Silvano (2001), o espaço enquanto suporte das memórias
significa uma relação entre aquele e a memória colectiva e individual. Auguste Comte apud
Halbwaches “observa que o equilíbrio mental resulta (…) do facto dos objectos materiais com
que estamos em contacto diário não mudarem ou mudarem pouco e nos oferecerem uma
imagem de permanência e de estabilidade” (Silvano, 2001:13).
Essa imagem de permanência e de estabilidade aparece, em Halbwaches apud Silvano (2001),
como sendo “o suporte ideal para as nossas memórias, tanto colectivas como individuais”.
Assim, na perspectiva de que, por um lado, o grupo social “molda” o espaço mas também é
“moldado” por este e, por outro lado, porque “o espaço fixa as características do grupo” a
organização material do espaço aparece como sendo “uma espécie de garantia da manutenção
e da transmissão da memória do grupo” (Silvano, 2001:13).
Lévi-Strauss apud Silvano (2001) estuda a problemática das identidades do grupo, abordando
a dimensão material e de representação do espaço, associando-o à organização social do
grupo. Afirma que os indivíduos que habitam e coabitam o espaço têm uma identidade
própria com o espaço e que este está ligado à organização social do grupo, daí a problemática
da identidade colectiva. Este autor retoma a questão da “morfologia social”, sempre mantendo
a relação desta com a estrutura do grupo. Ao contrário de Durkheim, Lévi-Strauss não afirma
que a configuração espacial reflecte sempre a organização social, embora admita a existência
de uma relação entre a configuração espacial e a estrutura social (idem).
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Ao tentar responder o porquê da ocupação de determinado espaço e o porquê de determinado
comportamento, Lévi-Strauss acrescenta à organização do espaço e à organização social a
representação do espaço, numa perspectiva de diversidade das representações, visto que as
sociedades não são homogéneas, afirmando, por conseguinte, que à diferenciação social
corresponde uma diferenciação das representações. Apresentando como exemplo uma aldeia
indígena no Brasil – bororo, em tristes trópicos Lévi-Strauss (1993) faz corresponder uma
estrutura física à estrutura dualista da sociedade em questão, nesse caso dividida em duas
metades exogâmicas.
Dessa diversidade nas representações, Lévi-Strauss apud Silvano (2001) afirma que a
“escolha” de uma ou outra das representações depende da posição em que o individuo se
encontra dentro da sociedade, ou seja, da sua posição na estrutura social do espaço físico. Ao
referir-se ao espaço enquanto garante da identidade, Lévi-Strauss (op. cit) enfatiza as relações
estabelecidas entre as formas de organização física do espaço e as estruturas sociais e
simbólicas dos grupos, pelo que justifica a existência de um laço indissociável entre a “cultura
do espaço e as identidades colectivas”.
Vários outros autores têm-se debruçado sobre a problemática do espaço. Sendo o enfoque do
nosso estudo sobre o espaço urbano, interessa dizer que diversas leituras são apresentadas
sobre a definição do urbano e, se em épocas anteriores à revolução industrial, a distinção entre
o rural e o urbano, entre o campo e a cidade era, de algum modo, precisa e quase indiscutível,
hoje torna-se muito menos clara essa diferenciação e fala-se mais de níveis de urbanização e
mesmo de um continum campo-cidade.
Com o intuito de poder relacionar as teorias apresentadas pelos autores clássicos
anteriormente referidos com as novas perspectivas de autores contemporâneos, importa ver
quais os factores que contribuíram para essa imprecisão na distinção entre o rural e o urbano.
Entre outros aspectos, destaca-se o desenvolvimento dos meios de comunicação, no seu
sentido mais amplo, abrangendo quer os meios de transporte quer os meios de transmissão de
informação; a localização da actividade económica e as novas potencialidades surgidas; a
homogeneização de muitas pautas de comportamento, de formas de vida e de atitudes em
relação à elevação ao nível de vida; etc.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Do ponto de vista teórico as definições de cidade (urbano) baseiam-se, por um lado, em uma
ou duas características consideradas essenciais e, por outro, tem-se as definições ecléticas
(mais liberal e democrática, contudo menos rigorosa). As características que com mais
frequência têm definido o facto urbano são o tamanho e a densidade, o espaço do núcleo
urbano, a actividade não agrícola (embora actualmente existem correntes que defendem uma
posição diferente) e o modo de vida, além de certas características sociais tais como a
heterogeneidade, a “cultura urbana” e o grau de integração social.
De todo o modo e sendo certo que, actualmente, torna-se difícil distinguir os dois espaços
(rural e urbano), pelas tendências de desenvolvimento que ambos têm tido, a fluidez e a
especialização dos mesmos muito está relacionado com a rápida transformação que vem
ocorrendo em qualquer desses territórios. Para o nosso estudo, em particular, importa reter a
questão da mobilidade e a transformação do espaço.
E é precisamente a noção de mobilidade que aparece no pensamento de Georg Simmel. Este
autor estudou a relação entre o indivíduo e a metrópole e tratou da influência da grande cidade
moderna na vida mental dos seus habitantes e na sua personalidade. De acordo com Simmel
apud Silvano (2001), a mobilidade, enquanto factor de organização da cultura e do espaço da
cidade tem duas formas diversas: a primeira associa-se à figura do estrangeiro, “o viajante
potencial, (…) se bem que não tenha prosseguido o seu caminho, não abandonou
completamente a liberdade de ir e vir” (Silvano, 2001:21,22).
À figura do estrangeiro “ligado a um grupo espacialmente determinado” mas cuja posição “é
essencialmente determinada pelo facto de ele não fazer parte desse grupo desde o início, de
ele lhe ter introduzido características que não lhe são próprias e que não podem sê-lo” Simmel
apresenta a noção de distância e proximidade, afirmando ser a síntese das duas a posição
formal do estrangeiro que, através de uma cultura singular articula essa proximidade e
distância, sendo este processo indissociável do meio onde se desenvolve: a cidade (ibidem).
Na cidade, a figura do indivíduo aparece relacionado à noção de liberdade. De acordo com
Simmel apud Silvano (2001) “a atitude de reserva e de indiferença, bem como as condições
mentais da vida dos grandes aglomerados” reveste de importância para a “independência do
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indivíduo”, acrescentando que o “limitado espaço de movimento e a proximidade física dos
indivíduos justificam de imediato o seu distanciamento mental” (Silvano, 2001:23).
A perspectiva económica, referenciada também por Simmel (op. cit) quando nos fala do
estrangeiro “ (…) reduzido ao comércio intermediário e frequentemente à pura finança, como
se esta fosse a sua forma sublime, ele adquire a sua característica específica: a mobilidade” é
retomada por Weber (1999) quando identifica a cidade como um novo tipo de comunidade
cuja principal característica seria a existência de intercâmbios comerciais, a função política e
militar e a existência de instituições e uma organização social relativamente diferenciada.
Weber (1999) define a cidade em relação à sua função económica (localidade de mercado
com uma especialização permanente da produção) e político-administrativa; como sendo um
conjunto demográfico caracterizado pela ausência de relações primárias; um assentamento
compacto e amplo resultante de casas estreitamente ligadas e que impede aquele
conhecimento recíproco tão característico do grupo de vizinhança. Há em Weber (op. cit) um
certo distanciamento social do indivíduo citadino perante a cultura urbana, prevalecendo antes
o interesse pelas actividades económicas.
Essa questão da “cultura urbana”, na perspectiva de um contexto sócio-cultural urbano criador
de novas formas de comportamento, de uma forma de vida urbana, seria reforçada pela
denominada Escola de Chicago, com o seu fundador Robert Park e depois com Louis Wirth.
A partir da ideia de mobilidade (e da figura de estrangeiro) de Simmel, tentam definir um tipo
de sociabilidade (e mentalidade) próprio da cidade. Segundo esses mesmos, a diminuição dos
constrangimentos sociais e a própria liberdade do indivíduo acaba por favorecer a mobilidade.
Park apud Silvano (2001:29) afirma que “a comunicação tem um papel fundamental na
existência de uma sociedade” e, por conseguinte, considera que fazem parte da estrutura e da
organização da sociedade todos os factores que limitam ou facilitam essa comunicação. Na
perspectiva de Park, a importância da mobilidade consiste em permitir novos contactos
sociais; o indivíduo realiza uma experiência particular no espaço e que lhe é própria,
concedendo-lhe essa experiência um ponto de vista independente. “É o facto, para um
indivíduo, de ter uma experiência única e de ter disso consciência, é a sua disposição para
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pensar e agir em função dessa experiência, que o constitui, finalmente, como pessoa”
(ibidem).
De acordo com Wirth apud Fortuna (2001), sendo a cidade um “produto do crescimento e não
da criação instantânea”, as suas influências sobre os modos de vida não deverão apagar
completamente os tipos de associação humana existentes anteriormente. Wirth (op. cit)
pretende com isto dizer que a vida social na cidade tem uma marca da anterior sociedade
rural, pelo que “não se devam registar variações abruptas e descontínuas entre os dois tipos de
personalidade: a urbana e a rural”. Na sua definição de cidade Wirth apresenta três critérios
inspirados na “morfologia social”: dimensão, densidade, heterogeneidade. (Fortuna, 2001:46).
Ao abordar a questão da dimensão, Wirth (op. cit) retoma a importância dos meios de
transporte e de comunicação como elementos que expandem o modo de vida urbano para
além dos limites físicos da própria cidade. Ele afirma que “a urbanização já não significa
apenas o processo pelo qual as pessoas são atraídas a um lugar chamado cidade e
incorporadas no seu sistema de vida”. A densidade está associada a significativas
características sociais, tais como a profissão dos habitantes, a existência de determinados
equipamentos, instituições e formas de organização política, na perspectiva de que esses
traços têm um poder para “fazerem adaptar a natureza da vida social à forma especificamente
urbana da cidade” (Fortuna, 2001:48).
Wirth apud Fortuna (2001) admite que o meio rural apresente marcas de urbanismo, na
medida em que for recebendo influências da cidade, através do contacto e da comunicação e,
por isso, considera o autor que “o urbanismo, enquanto modo de vida” encontra-se em
qualquer lugar que preencha os requisitos para a definição de cidade, mas, igualmente,
manifesta-se, em variados graus, nos lugares onde chega a influência da cidade, embora a
expressão mais profunda das suas características se encontrar nas cidades. A cidade, enquanto
entidade social, é definida por Wirth (op. cit) como “um agregado relativamente extenso,
denso e estável de indivíduos socialmente heterogéneos” (Fortuna, 2001:50).
Inspirado em Weber e Park, Wirth apud Fortuna (2001) enumera um conjunto de
características que, no seu entender, identificam a cidade, partindo das três premissas:
dimensão do agregado, densidade populacional e heterogeneidade de habitantes. Partindo da
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proposição Aristotélica de que as relações entre os habitantes de uma comunidade e a própria
natureza da cidade são afectadas, a partir de um determinado número de habitantes, Wirth
(op. cit) afirma que “quanto maior for o número de indivíduos em interacção, maior será a sua
diferenciação potencial”, dando origem, tais diferenciações, à segregação espacial dos
indivíduos com base na cor, na origem étnica, no estatuto económico e social, nos gostos e
preferências” (Fortuna, 2001:52).
Nessa perspectiva, considera Wirth (op. cit) que a “competição e os mecanismos formais de
controlo substituem-se aos laços de solidariedade que conferiam unidade à sociedade
tradicional”, em virtude das relações de vizinhança, de parentesco e os sentimentos pessoais
tenderem a desaparecer ou a enfraquecer, num “agregado de membros com origens e
formações tão diversas”. Citando Weber diz que a grande dimensão do agregado e a alta
densidade populacional trazem consigo a ausência de interconhecimento, o que implica numa
mudança na natureza das relações sociais (idem).
A segmentação das relações humanas resulta, portanto, em contactos secundários, impessoais,
superficiais, transitórios e a relação entre os habitantes da cidade tende a ser utilitária. Tudo
isso provoca no indivíduo um certo grau de autonomia e de liberdade e ele “perde a expressão
espontânea da sua personalidade, a postura moral e a sensação de participação, inerentes à
vida em sociedade”. Por outro lado e, citando Simmel, “o contacto estreito de numerosos
indivíduos entre si produz inevitavelmente uma alteração na sua relação com o meio urbano,
especialmente com os seus semelhantes” (Fortuna, 2001:55).
Há uma valorização do reconhecimento visual na cidade, pois que apesar dos contactos físicos
serem próximos, são distantes os contactos sociais. Deste modo, “a luta pelo espaço é intensa
e, por isso, cada área tende a ser reservada à actividade que garante as melhores
contrapartidas económicas. Isto resulta, segundo Wirth (op. cit), pelo facto da valorização da
relação unitária e da eficácia estimularem a adopção do espírito corporativo na organização
das empresas. O que acontece, então, é que a capacidade de atracção das várias áreas da
cidade para a fixação dos diversos sectores da população é determinada por uma série de
factores: o valor dos terrenos, a acessibilidade, a salubridade, as condições estéticas e o
prestígio, etc. (ibidem).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Segundo Wirth apud Fortuna (2001) a selecção e a distribuição da população urbana pelas
diferentes zonas da cidade se processa de acordo com “o lugar e a natureza do trabalho, o
rendimento, as características sociais e étnicas, o estatuto social, os costumes, hábitos, gostos,
preferências e preconceitos”. Na medida em que as diferentes necessidades e modos de vida
da população que habita uma determinada localidade, se revelam incompatíveis ou
antagónicos entre si, os diferentes elementos dessa população tendem a afastar-se para outras
áreas. Do mesmo modo, quando há uma homogeneidade no estatuto e necessidades das
pessoas, estas dirigem-se para a mesma área, seja de forma consciente ou inconsciente, ou
mesmo forçadas pelas circunstâncias (Fortuna, 2001:54,55).
Como vimos anteriormente, o espírito de competição surge entre os indivíduos, pelo facto de
trabalharem em estreito contacto físico, ainda que o contacto social seja deficiente. Esse
distanciamento social acentua o carácter da individualidade e fomenta a solidão. Por outro
lado, “a interacção social entre vários tipos de personalidade tende (…) a complexificar a
estrutura de classe, o que conduz a um quadro de estratificação social (…)”. Devido aos seus
diferentes interesses, o indivíduo torna-se membro de grupos bastante diversificados, mas,
aqueles que não conseguem apreender o seu lugar na cidade, desligam-se das organizações
sociais e constituem-se em massas cujo comportamento colectivo se torna imprevisível e
problemático (Fortuna, 2001:56,57).
Apesar disso, Wirth apud Fortuna (2001:57) considera que a cidade “exerce também uma
acção de nivelamento social”, devido em parte aos fundamentos económicos da cidade. Diz o
autor que à medida que a cidade se desenvolve (economicamente), um grande número de
habitantes tem de fazer uso dos equipamentos e instituições comuns, que estão adaptadas às
“necessidades do utilizador-padrão, e não às do indivíduo”, pelo que este, para participar na
vida social, política e económica da cidade tem de se submeter às exigências da comunidade
mais vasta.
Rémy e Voyé (1997) destacam as vantagens que a cidade oferece para a actividade
económica, considerando-a um elemento essencial do sistema económico precisamente pela
sua condição de lugar de intercâmbio e inovação. Afirmam esses autores, que é a facilidade
de interacção social o que torna a cidade particularmente atractiva para as indústrias e para os
homens, dando-lhe o seu valor económico. Mas aparecem, também, vantagens de tipo
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
imaterial, na medida em que a cidade é a concentração de bens produzidos colectivamente,
contribuindo assim para formas de solidariedade comunitária.
Como vimos, não há grandes consensos sobre a contraposição entre o rural e o urbano.
Todavia, a questão da mobilidade encontra-se no centro de atenção de muitos autores. Rémy e
Voyé (1997) apresentam a mobilidade como elemento estruturante do espaço e da sociedade.
Ao contrário de Durkheim (em Silvano, 2001) (que faz depender o espaço da organização
social), Rémy e Voyé (op. cit) defendem o carácter autónomo do espaço, no sentido de que os
sistemas social, cultural e de personalidade, articulam-se entre si dando lugar a
interdependências que se podem compreender por meio das suas conexões espaciais.
2 Configuração e tipologia do espaço público urbano
Lefebvre apud Silvano (2001) analisa o espaço enquanto produto social e apresenta três
dimensões em interacção dialéctica: a prática social (que engloba a produção e a reprodução
dos lugares e dos conjuntos espaciais próprios de cada formação social); as representações do
espaço (relaciona-se com a concepção do espaço a partir de um determinado sistema de
signos); e os espaços de representação (que estão associados ao quotidiano e à vivência diária
– o espaço é vivido antes de ser percepcionado).
Segundo Lefebvre apud Silvano (2001), essas três dimensões intervêm de forma diferente na
produção do espaço. Na perspectiva desse autor, as relações entre o percepcionado, o
concebido e o vivido nunca são nem simples nem estáveis. O espaço social contém (op. cit) as
relações de produção e de reprodução de uma dada sociedade e a passagem de um modo de
produção a outro implica o aparecimento de novos espaços. Lefebvre apud Silvano (2001)
concebe quatro espaços possíveis: o espaço absoluto (essencialmente natural até ser ocupado
e transformado); o espaço abstracto (com um função instrumental); o espaço contraditório
(resultante das contradições do espaço abstracto, revelando a sua desintegração); e o espaço
diferencial (aquele que resulta da composição de diferentes lugares).
Por sua vez, ao falar dos modos de espacialização, Ledrut apud Silvano (2001) abandona a
ideia da existência de uma relação linear entre a organização do espaço e a sociedade,
introduzindo novas dimensões na formulação conceptual do espaço. Considerando como um
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
dado adquirido a existência de uma relação entre as colectividades humanas, o espaço que
habitam e as suas identidades, Ledrut (op. cit) concebe o espaço como algo inseparável de um
conteúdo, sendo este tido como um sistema de operações que integra diferentes dimensões.
Ledrut apud Silvano (2001:51) afirma que “é impossível considerar separadamente os
espaços, as suas representações e as individualidades sociais. Eles estão em interacção
constante”. Afirma ainda Ledrut que um modo de espacialização está “ (…) entre o modo
concreto dominante das práticas sociais, o modo dominante das representações colectivas e o
modo dominante da realização do desejo”. Segundo este autor, os diferentes espaços
distinguem-se pela presença ou ausência de uma série de categorias: forma versus matéria;
finito versus infinito; homogéneo versus heterogéneo; interior versus exterior; aberto versus
fechado; contínuo versus descontínuo (ibidem).
Retomando novamente os estudos efectuados por Rémy e Voyé (1997) que, ao falarem sobre
a ligação entre a morfologia e a estruturação da vida colectiva, afirmam que “a acessibilidade
quotidiana directa, ligada à proximidade espacial, continua determinante para assegurar a
possibilidade de trocas rápidas não programadas e a multiplicidade dos encontros aleatórios”
cuja existência assenta na presença de lugares públicos e semipúblicos, suportes seguros da
vida colectiva, por isso, lugares privilegiados.
Rémy e Voyé (1997), ao criticarem o urbanismo moderno que, no seu entender, negligenciou
os espaços de vida colectiva, contrapõem a necessidade de se reconhecer o “valor dos espaços
públicos para o dinamismo da vida colectiva e o da importância da mobilidade que,
doravante, estrutura a vida quotidiana, quer dos indivíduos quer dos actores colectivos”.
Segundo Rossi (2001:33), “o elemento colectivo e o privado, sociedade e individuo,
contrapõem-se e confundem-se na cidade, que é feita de tantos pequenos seres que procuram
uma organização e, juntamente com esta, um pequeno ambiente para si mais apropriado ao
ambiente geral”. Na perspectiva de que a cidade é uma “coisa humana por excelência”, uma
obra de arte do homem, o “público” fornece um denominador comum às manifestações da
vida social e à arte (Rossi, 2001).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Considerando as posições dos diversos autores sobre a questão do espaço físico territorial,
verificamos que o espaço público urbano tem como principal função permitir a interacção
entre os indivíduos que habitam uma determinada comunidade, de modo a facilitar o
desenvolvimento de actividades sociais, dependendo essas acções do contexto em que se
inserem os indivíduos. Assim, a natureza e o conteúdo dessa interacção social variam em
função do lugar onde a mesma ocorre, designadamente nos aspectos relacionados com a
situação socio-económica, as estruturas e tipo de especialização funcional do bairro.
Nessa perspectiva, a configuração do espaço público urbano está directamente relacionado
com a lógica de produção e apropriação do espaço. Deste modo, os fenómenos de
especialização do espaço influenciam a forma como a necessidade de mobilidade determina a
hierarquização espacial do tecido urbano. A lógica funcional provoca a decomposição da
textura do espaço construído e a dispersão dos equipamentos mais importantes num espaço
descontínuo; e o uso do automóvel reforça a mobilidade dos indivíduos. A lógica residencial
tem subjacente um diferente poder de escolha da localização, em que “apenas os grupos
dominantes dispõem de um real poder de escolha, estando os outros forçados a residir onde
sobra espaço (…) nos bairros mais desfavorecidos” (Rémy e Voyé, 1997:72,73).
Sendo a mobilidade condição de adaptação e de participação na vida urbana, a sua
significação torna-se tanto maior quanto maior for o grau de especialização espacial das
funções urbanas, isto porque as pessoas têm de se deslocar para satisfazer as suas várias
necessidades. Todavia, a capacidade de mobilidade está estreitamente ligada à capacidade
financeira dos indivíduos, sendo que nos bairros predominantemente habitados por grupos
sociais desfavorecidos, a capacidade de mobilidade será reduzida (Rémy e Voyé, 1997).
A existência de grupos sociais com capacidade económica diferente acaba por resultar, nos
meios mais desfavorecidos, num modo de agrupamento espontâneo, cujos habitantes,
também, desejam aumentar o seu nível de vida. Por outro lado, esse grupo social, que se
constitui “de forma espontânea”, assenta-se nas relações de vizinhança e no conhecimento
pessoal; em que as relações interpessoais ajudam a promover o desenvolvimento do projecto
individual de cada membro da comunidade. Entretanto, o modo de apropriação de uma
estrutura espacial tem efeitos diferenciados conforme os intervenientes sociais, daí o
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
surgimento de diversos tipos de bairros com modelos de distância e de ambiguidade, em
relação à restante parte da cidade urbanizada (ibidem).
Diferentes, opostas mesmo, na possibilidade de escolhas de que dispõe e no carácter positivo ou negativo de sua relação com o espaço e com o modo de vida urbanizado, as populações habitando nesses diversos tipos de bairros têm em comum a não valorização (escolhida ou imposta) da mobilidade espacial, concebida como facto estruturante da vida quotidiana, mesmo se essas populações se vêm forçadas a algumas deslocações, para a actividade profissional ou para procedimentos administrativos, por exemplo (Rémy e Voyé, 1997:99).
Segundo Lacaze (1995:16), duas lógicas principais explicam a selecção da cidade: a primeira
diz respeito à “economia dos transportes e remete pois para o papel comercial das cidades” e a
segunda refere-se à complementaridade entre a cidade e o campo (território agrícola). Essa
relação cidade-campo será potenciada pelo aumento demográfico e pela consequente
ocupação territorial, onde o edificado toma uma forma urbana (ruas, praças, monumentos,
etc.).
Nessa perspectiva, Portas et al. (2003), afirmam que nas sociedades contemporâneas, podem-
se identificar duas tendências de ocupação do território, facto que pode ser explicado pela
diferenciação que as caracteriza, como a diversificação de culturas, a polarização social, a
individuação, etc. Se, por um lado, existe um segmento da sociedade com elevado poder de
consumo, altamente qualificado e de capacidade de motorização própria, por outro lado,
existe um segmento dessa mesma sociedade com pouco potencial profissional e académico e
de baixo rendimento. Esses dois grupos determinam, de forma diferente, como o território é
ocupado.
Àqueles com elevadas capacidades económicas, é-lhes proporcionado a oportunidade de
escolherem o território que pretendem habitar (a sua capacidade de mobilidade permite-lhes
estar mais perto ou não do local de trabalho, de diversão, de estudo ou de acesso aos serviços
colectivos). Ao contrário, àqueles que se encontram numa situação de vulnerabilidade ou
excluídos, resta-lhes a possibilidade de escolherem os territórios críticos que estão fora do
âmbito da urbanização. Ainda segundo Portas et al. (2003), o fenómeno do crescimento
urbano das cidades, quando ocorre com carácter espontâneo, provoca a fragmentação do
território urbanizado e traz outras consequências ao nível ambiental, paisagístico, social, etc.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
No seu estudo sobre a análise urbana, Panerai (1999) afirma que a cidade não é independente
dos grupos sociais que a produzem, que nela vivem e que a transformam. Avança com a ideia
de que “as práticas dos habitantes e a materialização dessas práticas no espaço construído,
uma vez que as disposições materiais que constituem o contexto, o suporte ou o estímulo para
a acção dos habitantes são também produto dessas práticas”. Segundo Panerai (op. cit), o
tecido urbano é constituído pela superposição ou imbricação de três conjuntos: a rede de vias;
os parcelamentos fundiários; e as edificações.
Para se compreender as lógicas que actuam na constituição dos tecidos urbanos e nas suas
transformações é necessário, de acordo com Panerai (1999), considerar as articulações entre
os três conjuntos. Dentro do conjunto do tecido urbano, o nosso interesse maior prende-se
com o estudo do espaço público, que engloba “ (…) ruas e vielas, boulevards e avenidas,
largos e praças, passeios e esplanadas, cais e pontes, mas também rios e canais, margens e
praias”, organizado em rede a fim de permitir a distribuição e a circulação (Panerai, 1999:
79).
Os sistemas principais para construir a cidade têm, de acordo com Sitte (1899) apud Rossi
(2001) um valor artístico nulo, pois visam somente regulamentar a rede viária, quando esta
não é percepcionada, senão nos planos. Pelo contrário, uma rua ou uma praça já podem ser
captados pelo olhar e pelos sentidos, resultando assim a sua importância. A rua ganha
importância em Poète (1929) apud Rossi (2001) que afirma ser esta a manter viva a cidade.
Segundo Rossi (2001:124,127), “ (…) o conjunto urbano está subdividido segundo três
funções principais; estas são a residência, as actividades fixas, a circulação. (…) O que existe
de comum refere-se ao carácter público, colectivo, destes elementos (…)”. A união desses
elementos num conjunto agregado constitui a estrutura física da cidade. Desde logo, considera
o autor que o aspecto colectivo, a característica de coisa pública, essencialmente urbana,
“parece constituir a origem ou o fim da cidade”.
Deste modo, há uma distinção entre a esfera pública e a esfera privada, enquanto elementos
característicos da formação da cidade. Segundo Bahrdt (1961) apud Rossi (2001:127), “ (…)
desenvolvem-se uma esfera pública e uma privada, que estão em estreita relação sem que se
perca a polarização. (…) Quanto mais fortemente se exercita a polarização e mais estreita é a
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
relação de intercâmbio (…), mais «urbana» é, sob o ponto de vista da sociologia, a vida de um
agregado”.
Choay apud Ribeiro (2008) define espaço público relacionado aos espaços abertos de uso
comum, apropriados livremente pelas pessoas que vivem numa determinada comunidade.
Segundo a autora, essa definição têm maior conotação como espaço físico e tanto podem ser
espaços verdes (parques, jardins públicos, etc.) como espaços não verdes (ruas, praças, etc.).
Numa concepção mais ampla, a noção de espaço público é interpretado por Paulo Gomes
(Ribeiro, 2008) tanto na perspectiva material (espaço físico) como imaterial (espaço
abstracto). A participação e a acessibilidade ao espaço físico devem ser garantidas a qualquer
indivíduo.
Embora o espaço púbico e privado não se oponham (pelo contrário, se complementam) é
necessário diferenciar o espaço público do espaço de uso colectivo, na medida em que este
último, apesar de ter acesso livre, acaba por limitar a participação de determinados grupos
sociais (como é o caso, por exemplo, dos shopping centers), não sendo pois compatível com a
ideia da “esfera pública”, no sentido amplo do termo (Ribeiro, 2008).
Assim, espaços livres de construção, espaços de uso comum, áreas verdes de uso público,
espaço comunitário de uso colectivo e áreas livres de loteamento, embora com usos
diferenciados, têm sido apresentados como espaços públicos. As pessoas que vivem numa
cidade moderna apropriam, de forma livre, os espaços abertos de uso comum. Segundo Choay
(1997) apud Ribeiro (2008), os espaços públicos podem ser espaços verdes (jardins, parques,
etc.) e espaços não verdes (ruas, praças, etc.).
A análise do espaço público pode ser feita, segundo Panerai (1999), de vários pontos de vista:
como um espaço específico, susceptível de ser apreciado em si mesmo; como um sistema
local que organiza o tecido; e como um sistema global, que constitui o arcabouço da forma
urbana. O nosso estudo pretende dar um enfoque sobre o segundo aspecto, i.e., o papel do
espaço público enquanto sistema local que organiza (estrutura) o tecido urbano. Considera
este autor que a hierarquia das vias tem um papel importante na estruturação da forma urbana,
diferenciando as situações em que o território é servido directamente pela via (as parcelas que
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
a ladeiam) e as em que é servido indirectamente (vias secundárias e as parcelas a elas
ligadas).
Tendo sempre presente a visão de conjunto, o estudo do espaço público deve ainda indagar
sobre a adequação ou o desencontro entre a configuração de tal espaço e o restante da cidade.
Desse ponto de vista, e afim de se compreender a inserção do lugar1 no território e as ligações
evocadas em níveis mais altos, a análise ao espaço público urbano pode começar pela
“identificação das grandes vias que interligam um bairro aos bairros vizinhos”, embora não
deva ser avaliado segundo o único critério da circulação automóvel (Panerai, 1999: 81).
A largura das vias, as distâncias entre cruzamentos, os afastamentos entre ruas paralelas caracterizam o tecido de uma cidade. (…) As edificações podem estar no alinhamento do lote ou recuadas, podem ser geminadas ou isoladas, altas ou baixas, mas têm sempre a rua como referência. Tal submissão do construído ao espaço público tem duas consequências: ela permite que haja uma solidariedade entre os edifícios, mesmo quando estes pertençam a épocas ou tipos diferentes; ela cria características diferenciadas no interior da parcela, que ocorrem em todos os lotes edificados. Essas duas qualidades asseguram o “funcionamento “ do tecido, o jogo entre permanência e mudança, sua capacidade de se renovar sem pôr em xeque a unidade de conjunto. (Panerai, 1999: 84-88).
Segundo Ching (2002), através do volume do espaço as pessoas se movimentam, percebendo
a forma visual, as dimensões e escala e percepcionando os limites espaciais definidos pelos
elementos da forma. Afirma este autor que o modo como os padrões de sólidos e vazios se
relacionam entre si pela sua configuração e função, determina a qualidade do espaço definido
(padrões coerentes de forma e espaço).
Um conjunto de princípios de ordem é apontado como elementos fundamentais para a
composição arquitectónica, tais como: eixo, simetria, hierarquia, ritmo, dado e transformação.
Mais do que a regularidade geométrica, o arranjo harmonioso deve constituir a condição em
que cada parte de um todo está disposta de modo apropriado em relação às outras partes
(Ching, 2002).
A questão da ordem é abordada por Arnheim (2002:361), no sentido em que ela “é uma
condição necessária de tudo o que a mente humana deseja compreender. (…) uma condição
necessária para fazer funcionar uma estrutura”. Afirma Arnheim (op. cit) que a disposição de
1 No caso do presente estudo, a inserção do bairro de Tira Chapéu, no contexto da cidade da Praia.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
elementos estão ordenados quando se pode “captar a sua estrutura geral e a ramificação da
estrutura com algum pormenor”. A ordem permite compreender a inter-relação do todo com
as suas partes, bem como a escala hierárquica de importância e força, “em virtude da qual
alguns elementos estruturais são dominantes e outros subordinados”.
Uma vez que a ordem externa representa tantas vezes a ordem interna ou funcional, a forma regular não deve ser avaliada por si mesma, isto é, separadamente da sua relação com a organização que exprime. A forma pode ser totalmente regular e apesar disso enganosa, porque a sua estrutura não corresponde à ordem que representa. (…) Uma falta de correspondência entre a ordem externa e a interna produz um conflito de ordens, quer dizer, introduz um elemento de desordem” (Arnheim, 2002: 361, 362).
Numa abordagem idêntica, Lynch (2003) associa a importância das partes físicas da cidade
(imóveis) aos seus elementos móveis (especialmente as pessoas e as suas actividades),
afirmando que “a necessidade de conhecer e estruturar o nosso meio é tão importante” que a
imagem das partes físicas quando organizadas numa estrutura coerente “tem uma grande
relevância prática e emocional no indivíduo”, desempenhando também um papel social,
enfim, uma base útil para o crescimento desse indivíduo.
Segundo Alves (2003) deve existir um “diálogo entre os edifícios e o domínio público, entre o
cheio e o vazio, entre o organismo edificado e os espaços que gera à sua volta”. Na opinião
deste autor, o sentido da unidade na composição do edificado e da paisagem é alcançado
mediante a definição de um eixo orientador, de modo que “os edifícios em geral, bem como
os seus componentes em particular, estabelecem entre si relações espaciais específicas”.
A estruturação do espaço urbano é bem conseguida, através dos eixos perspécticos, quando a
perspectiva contínua não excede 1,6Km (distância máxima a que é possível reconhecer a
forma humana). Excedendo essa dimensão, Alves (op. cit) afirma dever existir alguns pontos
de interesse visual ao longo da via.
A evolução histórica do espaço público apresenta, hoje, uma variedade de tipos diferenciados
e que reflectem uma multiplicidade de usos. Como vimos anteriormente, os espaços públicos
livres podem ser: espaços de circulação (como a rua ou a praça), espaços de lazer e recreação
(como uma praça ou um parque urbano), de contemplação (como um jardim público) ou de
preservação ou conservação (como um grande parque ou mesmo uma reserva ecológica).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Nestes locais, o direito à acessibilidade é total. Alves (2003:45-49) selecciona um conjunto de
espaços públicos urbanos contemporâneos com maior peso na cidade:
Ruas (exclusivamente pedonais; percursos/eixos pedonais; dominantemente
motorizadas; de tráfego restrito).
Praças/Largos (praças/pracetas; pequenos largos; corporate plaza).
Memoriais (espaços/recintos públicos que memorizam acontecimentos ou
personagens importantes).
Mercados e feiras/espaços comercias (largos de mercados e de feiras; centros/núcleos
comerciais centrais).
Espaços verdes (parques urbanos; jardins; recintos/pátios; neighborhood park; vias
verdes; espaços intersticiais; frentes marginais de rio ou mar; community open
spaces).
Na opinião de Alves (2003:49,50), as áreas de domínio público têm sido remetidos para uma
importância secundária, considerando que a atenção dada ao espaço público “não tem sido
mais do que criar algumas praças, envolvidas por edifícios, ou subordinar a rua à criação de
grandes quarteirões ou de outras estruturas edificadas”.
Considerando a cidade um lugar de intercâmbio e que os espaços públicos devem ser
acessíveis a todos (independentemente da idade, origens, rendimento ou capacidades) e
facilitadores da interacção social, a rua e a praça surgem como os dois espaços púbicos por
excelência. Sem tirar importância aos restantes espaços públicos, damos uma particular
relevância a estes dois, sobretudo pelo seu carácter preponderante de lugar de encontro,
comércio e circulação.
Ao falar da imagem da cidade e dos seus elementos, Lynch (2003:61) considera que as vias
constituem os elementos predominantes nessa imagem. As vias podem ser ruas, passeios,
linhas de trânsito, canais, etc. Afirma este autor (op. cit) que “a concentração de um costume
ou de actividades especiais numa rua pode conceder-lhe um lugar predominante na mente do
observador”. As características espaciais de largueza ou falta de espaço estão associadas às
ruas principais/ruas largas e ruas secundárias/ruas estreitas, daí derivando parte da sua
importância.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Características especiais nas fachadas, a vegetação e a situação visual das próprias ruas são
aspectos apontados por Lynch (2003) para uma maior ou menor importância das ruas. A clara
identificação das ruas de maior importância torna fácil a leitura da imagem de uma cidade.
Pelo contrário, se as mesmas são dificilmente identificáveis ou facilmente confundíveis, essa
imagem torna-se de difícil legibilidade. Por outro lado, é necessário que essas ruas tenham
continuidade, sendo a exigência fundamental “que o actual percurso ou o lugar de pavimento
continue” (Lynch, 2003:63).
Num estudo efectuado por Lynch (2003) em três cidades norte-americanas, o mesmo
apontava para que as pessoas tinham uma tendência em pensar em termos do fim de uma rua
e da sua origem. Deste modo, as ruas que têm origens e fins claros e bem conhecidos tinham
identidades mais fortes e ajudavam a manter a imagem da cidade como um todo. Um efeito de
fim aparente de uma rua ou o seu fechamento óptico pode ser conseguido por uma “leve
mudança na direcção da rua, colocando um edifício importante no eixo óptico”.
Nessa linha de pensamento, também Cullen (2006) considera que “desfazer o edifício
ligeiramente em relação ao eixo duma implantação ortogonal” convida o transeunte a
contemplar a paisagem, neste caso, criando a expectativa de que “ao fim da rua existe algo
que ele ainda não vê mas do qual o edifício faz parte integrante”. Em se tratando de uma rua
residencial o autor avança com a ideia de que as saliências e reentrâncias contribuem para que
o olhar fique contemplando a complexidade e sinuosidade do local.
Entretanto, Alves (2003:35) afirma que “a perda do sentido de alinhamento é uma
característica geral da implantação dos edifícios da cidade moderna”, mas associando-o ao
facto dos mesmos serem isolados e criando espaços livres privados que os rodeiam e os
isolam dos espaços públicos circundantes. Deste modo, nota o autor que, quando os dois
espaços não se diferenciam nem física nem simbolicamente, ambos fundem num espaço
único, dilatado e confuso. Depreendemos, portanto, que em qualquer circunstância, a primazia
dada ao espaço público deve permitir quebrar a monotonia e criar um ambiente que prenda o
olhar e o sentido do indivíduo.
Ao referir-se à relação entre o público e o privado, Alves (2003:52) afirma que “a incidência
do espaço privado, intimamente ligado à rua pode prevenir a ocorrência de actividades
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
marginais à natureza da rua, (…) permitindo o grau de privacidade necessário aos residentes”.
É o caso, segundo o autor, das ruas cujo uso seja eminentemente residencial, p. ex.
“habitações unifamiliares com logradouros/jardins à frente que inibem a invasão do peão e
doutros movimentos (vendas ambulantes, animação cultural de rua, permanência de
marginais, etc.)” (idem).
Cullen (2006) considera que “acidentes” numa rua evitam a monotonia e que a sua disposição
estratégica dá sentido às formas essenciais duma determinada rua ou local. Por outro lado, se
a largueza relativa das ruas, a dimensão dos quarteirões, as fachadas dos edifícios, a
toponímia, o comprimento e número relativos de ambas as espécies de ruas, a sua
diferenciação funcional, tendem a reforçar a sua diferenciação, dando forma e carácter a um
sistema regular; os estreitamentos (mesmo que não impeçam o trânsito dos veículos e dos
peões) também permitem “estabelecer a articulação da cidade pela sua divisão em zonas bem
definidas e claramente diferenciadas”.
A rua é uma via essencial de comunicação e o componente mais importante da estrutura
urbana, logo, torna-se importante que o cidadão se identifique com ela, além de que deve
tornar-se clara para quem a visita. Numa estrutura urbana, e configuração da rua resulta,
essencialmente, da delimitação de edifícios de dois lados que criam um canal. “A relação
entre os dois lados da rua é particularmente importante para a sua composição, para a
qualidade de contenção, bem como para a sua relação com os edifícios que a compõem”
(Alves, 2003:61).
Decerto, a rua, enquanto lugar de encontros pessoais e de intercâmbio, ajuda a combater
alguns problemas do meio urbano, tais como a marginalidade e criminalidade, o declínio dos
serviços, além dos problemas de ordem ambiental. Com efeito, a expressão social ganha
destaque nas ruas, sendo que estas e os seus passeios são, juntamente com as praças, “os
principais espaços públicos de uma cidade, os seus órgãos vitais, a imagem que nos fica da
cidade que visitamos” (Alves, 2003:66). De acordo com este autor, os aspectos sociais,
económicos e culturais contribuem, em primeiro de tudo, para a vitalidade ou degradação do
meio urbano.
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Ainda de acordo com Alves (2003), quando se proporciona aos peões uma grande diversidade
de utilizações para a rua, esta ganha maior dinâmica. Considera que mesmo as ruas mais
estreitas, com ângulos e linhas sinuosas e passagens estreitas, apresentam virtudes, pois, há no
cidadão, o efeito surpresa de descobrir passo a passo, os elementos que compõem a cidade.
Assim, o conceito de proporção da rua é alargado à relação entre as partes constituintes, com
relação ao conjunto. Por exemplo, “as ruas estreitas, ao permitirem maior facilidade no seu
atravessamento favorecem o comércio, pelo estímulo e atracção que a proximidade visual dos
produtos expostos provocam nos indivíduos” (Alves, 2003:71).
A apropriação do espaço público, pelas pessoas, visa, no entender de Cullen (2006:25), quer o
abrigo, a conveniência ou a procura de um ambiente aprazível. Na opinião deste autor, “ainda
que o grau de ocupação do território seja relativamente fraco, o facto de haver no mobiliário
sinais permanentes dessa ocupação confere à cidade um carácter mais humano e diverso”.
Assim, considera ser “unidade base duma certa morfologia urbana” a síntese da polaridade
entre a circulação de pessoas e a de veículos, referindo-se (ainda que não implicitamente) a
espaços públicos, que devem ter uma escala humana e reflectindo claramente o padrão de um
conjunto urbano.
Na perspectiva da esfera pública que temos vindo a abordar, ou seja, a necessidade de se ter
espaços públicos à escala do homem, que satisfaçam as suas necessidades e possibilitando as
interacções entre as pessoas, a cidade típica aparece como uma sequência de espaços criada
pelos próprios edifícios e não como um padrão uniforme de ruas. Deste modo, é dada
prioridade a peões, pois, apesar do trânsito rápido fazer parte integrante da vida urbana, os
caminhos para peões conferem à cidade a sua dimensão humana (Cullen, 2006).
Essa importância dada ao peão é destaca por Alves (2003), quando afirma que as áreas
pedonais são
Prioritariamente destinadas aos peões, têm como principal objectivo o (re)equilíbrio ecológico no espaço urbano e, por conseguinte, melhorar a qualidade de vida nas cidades. (…) Áreas pedonais pavimentadas distinguem-se em ruas pedonais, passadiços, calçadas, passeios, praças, parques, passagens aéreas ou subterrâneos, espaços intersticiais e recintos, e destinam-se fundamentalmente à circulação e estadia de pessoas, à instalação de mobiliário urbano e de serviços e ao plantio de espécies vegetais (Alves, 2003:151,173).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Nessa ordem de ideias, a praça surge como outro importante espaço público. De acordo com
Alves (2003:75), num sentido estrito a praça resulta de um agrupamento de edifícios à volta
de um espaço livre. As praças podem acolher, no entender do autor, funções diversas, pelo
que são “lugares de manifestações e de encontros sócio-cultrais, comerciais ou outros, de
estadia e de lazer, colectivos ou singulares, ocasionais ou programados”.
Considera Alves (2003) que, na cidade moderna, a praça perdeu o papel que detinha antes,
transformando-se em local de passagem ou de encontros fortuitos e esporádicos, visto que os
recintos fechados vieram retirar muitas funcionalidades à praça tradicional. Na época clássica,
os gregos e os romanos projectaram, respectivamente, a ágora e o fórum. O primeiro,
“verdadeira praça pública, centro da vida urbana” (Alves, 2003:77) era o “lugar de encontro
social, comercial, intelectual ou artístico (…) autêntico centro cívico onde conflui a dinâmica
urbana”.
O fórum romano tinha um traçado complexo (Ribeiro, 2008), onde se misturavam edifícios
com diversas funcionalidades. Tinha dimensões monumentais e representava o símbolo do
poder romano. Segundo Alves (2003:78), no perímetro do primeiro fórum regular portificado,
mandado construir por Júlio César, dispunham-se “ (…) edifícios públicos, (…) colunatas de
dois pisos, (…) configurando uma grande praça descoberta, utilizada para grandes reuniões e,
por isso, privada de acessos”. Em outras situações, contudo, o fórum podia ser um espaço “
(…) incorporando espaços fechados, semi-fechados e abertos, utilizados para comércio,
congregações religiosas e assembleias” (Ribeiro, 2008:30).
Ao longo da história, a praça teve diferentes importâncias, no contexto do tecido espacial das
cidades. Por exemplo, na Idade Média, o espaço público mais importante era a praça, que se
dividia em praça de mercado e praça da Igreja. A praça de mercado era um espaço aberto
público, lugar de trocas comerciais e de reunião social. A configuração da praça nessa época,
resultava mais da congregação de vários edifícios, tais como a Igreja, o Castelo, as habitações
e outros edifícios solenes, criando espaços vazios na estrutura urbana, do que propriamente
pela sua planificação (Lamas, 1993 apud Ribeiro, 2008; Alves, 2003).
No Renascimento, com o incremento da actividade urbanística, a praça ganha uma nova
dimensão, com valor funcional, social, politico, artístico, etc. Enquanto lugar ordenado na
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
cidade, a praça servia de suporte e enquadramento a monumentos como obeliscos, estátuas,
fontes, etc. e tinha, também, funções meramente estéticas. Contemporaneamente, muitas são
as perspectivas sobre o papel que a praça deve ou não desempenhar no contexto urbano
(Ribeiro, 2008; Alves, 2003).
Segundo Alves (2003:82), “a praça deve compreender um espaço público aberto, contido por
formas harmoniosas, articulado aos restantes elementos morfológicos urbanos (ruas, outras
praças, pracetas ou largos, entre outros), com pavimento rígido, na sua maior extensão”.
Naturalmente, este autor exclui a possibilidade de presença contínua do motorizado, sendo
que a função principal da praça será “ (…) passear, sentar, contemplar, comer, ler, observar,
conversar e relaxar”.
Ainda que a vegetação faça, frequentemente, parte da composição da praça, a área de plantio não dever ser, visualmente, dominante nem exceder a área pavimentada, caso contrário, estaríamos perante um jardim ou um parque; por outro lado, não cabem à praça as qualidades hídricas e de drenagem necessárias à manutenção de uma grande massa vegetal (Alves, 2003:82).
Considera Alves (2003) que existem diferenças de natureza contextual e funcional, entre a
praça da antiguidade e a contemporânea. Esta última, apesar da maior diversidade espacial,
surge mais reduzida nas suas múltiplas funções. Quanto à classificação da praça, Zucker
(1959) apud Alves (2003) distingue cinco formas arquitectónicas:
A praça fechada, onde o espaço é autocontido; a praça dominada, com uma estrutura individual ou um grupo de edifícios importantes com os quais o espaço aberto se relaciona directamente e, com este, todas as restantes estruturas envolventes; a praça nuclear, onde o espaço é formado à volta de um centro; os grupos de praças, onde as unidades espaciais são associadas por forma a criarem grandes composições; e a praça amorfa, onde o espaço é ilimitado (Zucker, 1951:151 apud Alves, 2003:91).
Como vimos, a rua e a praça são os espaços públicos que melhor contribuem para a definição
da estrutura urbana de uma cidade. Segundo Alves (2003: 137) “ (…) a recuperação do tecido
urbano, por forma a conferir-lhe uma imagem clara e referenciada a determinados espaços
públicos (…) passa, necessariamente, por uma primeira abordagem de ordenamento viário,
entendida como a requalificação da rua”. Portanto, a definição do seu traçado, bem como a
sua hierarquização, permitirá resolver os problemas de tráfego, por um lado e, por outro,
reestruturar o território urbano ao longo dos eixos mais problemáticos.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A integração da rua com os restantes espaços públicos e os adequados equipamentos,
reforçará a imagem e o sentido urbano da área sujeita a intervenção. Sustentada no aumento
da capacidade da rede de suporte ao tecido urbano, a recuperação de eixos urbanos deverá
contribuir para solucionar um conjunto de problemas, designadamente, a segregação
funcional e espacial, os tipos de nós e de ligações viárias. Alem disso, esses eixos podem
gerar novos espaços urbanos, desbloquear estrangulamentos viários, bem como atribuir um
lugar central no uso da nova rede, aos antigos aglomerados (Alves, 2003).
Fonte: www.higienopolis.com/fotos/pracaBuenosAires04.jpg
Figura 1 – Aspecto de ruas e jardim público em Buenos Aires, Argentina.
Fonte: www.goecaching.com/seek/cache_details.aspx?guid...
Figura 2 – Exemplo de uma Praça em Portugal.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
3 Qualidade e sustentabilidade do espaço público urbano
Nas últimas décadas, tem-se verificado um rápido crescimento da população urbana e uma
grande expansão das áreas urbanas, resultando em pressões sobre o território e consequente
degradação ambiental, bem assim um agravamento das condições de vida das pessoas. Se, por
um lado, a pobreza urbana tem empurrado milhares de pessoas para a marginalidade social,
por outro, os fenómenos decorrentes de um uso descontrolado do solo urbano tem levado a
que a população urbana, em geral, tenha cada vez menos qualidade de vida.
Embora sendo variada a definição de qualidade, no entanto, é ponto comum que ela se
relaciona com a necessidade de satisfazer os requisitos dos clientes/utilizadores de um
determinado produto/serviço. De uma maneira geral, podemos dizer que a qualidade é um
atributo que caracteriza algo e que a distingue das outras coisas. Porém, não se trata de uma
aptidão estática, pois, a qualidade, para estar em conformidade com os requisitos e adequar-se
ao uso, deve estar sob um processo de melhoria contínua. Isto porque as necessidades e
expectativas dos clientes/utilizadores se vão alterando com o decorrer do tempo.
No campo de estudo que estamos a abordar, a questão da qualidade ganha uma importância
relevante, pois é inimaginável que se construam espaços públicos que não se adequam ao uso
para que se destinam, ou então, que a falta de qualidade se traduza numa diferença negativa
entre as expectativas e as percepções dos utilizadores desses espaços. Na verdade, a cidade
deve propiciar aos seus habitantes as condições necessárias para que cada pessoa melhore a
sua qualidade de vida e, isso passa, necessariamente, pela qualidade e sustentabilidade do
meio urbano, designadamente, pela qualidade de oferta dos bens e serviços urbanos.
O espaço público urbano desempenhou, ao longo da história, um papel fundamental na
qualidade e estruturação na vida da cidade, tanto como instrumento de representação
institucional quanto de reprodução social. Se, nas situações não urbanizadas, o espaço público
apresenta determinadas características específicas (Rémy e Voyé, 1997), com a urbanização,
há um certo distanciamento dessas mesmas características, que, doravante (enquanto suporte
da actividade pública), passariam a determinar a especificidade da interacção social de cada
sociedade, e como tal influenciaram de forma determinante a formação da sua consciência
colectiva.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
E são os ganhos dessa consciência colectiva que hoje permite, por exemplo, uma outra atitude
do homem perante o meio envolvente. O crescente aumento da consciencialização sobre
questões ecológicas, por um lado, mas também a democratização das novas tecnologias de
informação e comunicação, contribuíram para o desenvolvimento de uma cultura urbana
socialmente responsável e ambientalmente segura (Rogers e Gumuchdjian, 2005). De todo o
modo, é longo ainda o caminho a ser percorrido, pois a lógica do lucro fácil ainda se
sobrepõe, em muitos casos, sobre a preocupação com a qualidade de vida das pessoas.
Como vimos, a qualidade implica numa diferença positiva entre as expectativas e as
percepções dos utilizadores dos espaços. De acordo com Rapoport (1977), Weber (1995) e
Gibson (1966) apud Reis e Lay (2006:22), o conceito de percepção pode ser relacionado à
“interacção entre o espaço e o usuário, exclusivamente, através dos sentidos básicos (visão,
olfacto, audição, tacto e paladar) (…) ou (…) através dos sentidos básicos e de outros factores
tais como a memoria, personalidade, cultura e tipo de transmissão” (apud Reis e Lay, 2006).
Consideram os autores (op. cit) que “embora as respostas humanas não estejam baseadas
exclusivamente nos sentidos, elas também podem se o resultado directo dos estímulos
sensoriais provocados pelo ambiente construído” (ibidem). De acordo com Porteous (1996)
apud Reis e Lay (2006), cerca de 10% do estímulo sensorial do ser humano deriva do som,
cheiro e tacto, ao passo que o estímulo visual responde por mais de 80% da percepção.
Entretanto, a utilização do termo percepção para se referir à interacção entre o espaço
construído e o utilizador, prende-se, no entender de Reis e Lay (2006:24), com a questão de
“adequação ou familiaridade de linguagem”, pois, conforme esses autores, o conceito de
cognição “serve para explicar reacções ao ambiente construído mais amplo baseadas, além de
nos sentidos, nos valores, conhecimento, personalidade, etc.”, sendo que a cognição é definida
por Piaget apud Reis e Lay (2006:23) como sendo “o processo de construção de sentido na
mente, cumulativo, que se forma através da experiência quotidiana”.
É evidente que as pessoas têm expectativas de vida que se vão modificando em função do
grau de sua satisfação. Partindo da hipótese de que há uma relação directa entre o ambiente
construído e o nível de satisfação das expectativas das pessoas, importa referir, ainda que de
forma breve, às teorias que estão associadas aos processos de percepção e cognição. Assim,
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
nas suas pesquisas sobre a avaliação da qualidade de projectos, Reis e Lay (2006) apontam
três teorias sobre essa matéria.
A Teoria Transacionalista ou Empirista (op. cit) faz enfoque nas expectativas, motivações,
valores individuais e história do indivíduo, para justificar que o que é percebido por este não
pode ser explicado pelas respostas condicionadas a um estímulo mas, sim, por aqueles
factores. Já a Teoria da Gestalt (op. cit) defende que “existe uma experiência directa e
imediata das qualidades expressivas na percepção de linhas, planos, volumes ou massas”. Por
sua vez, a Teoria Ecológica desenvolve uma perspectiva interessante, baseada na informação
ambiental, tentando descobrir quais as relações existentes no meio ambiente (Reis e Lay,
2006:24).
A Teoria Ecológica (op. cit) introduz o conceito de ambiente comportamental, referindo-se às
“propriedades físicas da configuração de um ambiente, que o capacitam a ser usado de uma
forma particular, por determinado grupo de usuários, significando aquilo que o ambiente
oferece de positivo ou negativo em função das propriedades físicas de sua configuração”
(Reis e Lay, 2006:25). Segundo esses autores, na medida em que o ambiente construído é
como um meio de comunicação não verbal, provendo pistas para o comportamento, a sua
configuração limita ou estende as escolhas estéticas e comportamentais do usuário potencial.
Propriedades físicas e espaciais do ambiente construído podem carregar significados, que servem como comunicadores, codificados na forma construída e descodificados pelo usuário, dando pistas com respeito aos padrões comportamentais esperados ou adaptados, facilitando ou inibindo seus usos (Rapoport, 1973 apud Reis e Lay, 2006:25).
Nessa ordem de ideias, relacionando o espaço público com o seu usuário, fica evidente que os
aspectos inerentes à qualidade de vida no meio urbano se prendem, de forma estreita, com as
relações que se estabelecem entre o indivíduo e o ambiente físico construído. Assim, as
formas deste podem apoiar, facilitar ou inibir comportamentos, p. ex., a ocorrência de crimes,
embora não determine a sua ocorrência. Logo, defende-se que a concepção do espaço público,
no caso em apreço, seja “sustentado num conjunto de características físico-espaciais que
respondessem às necessidades de seus usuários” (Reis e Lay, 2006:26).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Referindo-se à urbanidade, Cullen (2006:66) aponta o exemplo de Manchester Square, em
que a “proporção, elegância e alta densidade, a par do requinte de um jardim público com
vegetação exuberante”, constituem a síntese da qualidade e do carácter da vida urbana.
Certamente, no meio urbano, as pessoas procuram abrigo, conveniência e um ambiente
aprazível. No caso dos espaços públicos, estes devem estar assinalados com elementos de
carácter permanente, que indicam o tipo de ocupação que neles pode ocorrer. Por exemplo,
com o intuito de conferir um carácter mais humano e diverso à cidade, deve existir no
mobiliário urbano sinais permanentes dessa ocupação (Cullen, 2006).
Com vista a garantir uma consistência formal e articulação entre as parcelas edificadas e as
áreas livres de construção, a qualidade dos espaços públicos urbanos deve exprimir vitalidade
e calor humano, garantindo a necessária flexibilidade e englobar elementos sócio-culturais
apropriados, de animação urbana e de oportunidades diversificadas de serviços, comércio e
lazer (Cullen, 2006; Reis e Lay, 2006).
Segundo Lynch (2007:119), “um ambiente é um bom habitat se servir de apoio à saúde e ao
bom funcionamento biológico do indivíduo e à sobrevivência da espécie”. Assim, na opinião
desse autor (op. cit) a vitalidade da vida no espaço urbano é originada por três características
fundamentais: sustentação, segurança e consonância. A primeira característica pressupõe a
“adequação da produção de água, do ar, dos alimentos, da energia e dos lixos”. A segurança
implica na “ausência de tóxicos, de doenças ou de riscos para o ambiente”, enquanto que a
consonância remete para “o grau de adequação entre o ambiente e as necessidades humanas
(…)” (Lynch, 2007:126).
Na perspectiva da qualidade do ambiente urbano, são apontadas três categorias definidoras da
mesma, fundamentadas na natureza de aspectos físicos e que remetem aos três aspectos de
projecto tratados por Lynch e Hack (1984): “o padrão da forma percebida (estética), o padrão
de circulação (estrutura) e o padrão de actividades (uso)” (apud Reis e Lay, 2006:29).
A beleza ambiental tem um interesse público, que deve estar baseado nas preferências gerais
das pessoas, pelo que o aspecto visual de um projecto deve ser considerado. Contudo, os
elementos da morfologia urbana que estimulam os sentidos (carácter da estética) não se
referem apenas ao aspecto arquitectónico do edificado ou do espaço urbano, em geral, mas,
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
igualmente, à relação estética entre as características do edificado e os espaços abertos
adjacentes e na vizinhança (Reis e Lay, 2006).
O carácter da estrutura, diz respeito aos elementos que “auxiliam na conexão visual e
funcional entre as dimensões edificadas e espaços abertos, e na consequente formação de uma
imagem ambiental coerente dos distintos sectores urbanos”. Relaciona-se, pois, tanto com a
circulação quanto com a acessibilidade, sendo que a identidade e o significado das diferentes
áreas afectam a coerência das relações entre as imagens ambientais, determinadas pela
estrutura (Reis e Lay, 2006:31; Lynch, 2003).
Por outro lado, a estrutura é determinada pela permeabilidade. Segundo Francis (1987) apud
Reis e Lay (2006:31), a permeabilidade ou a acessibilidade funcional é a “característica
físico-espacial que define onde as pessoas podem ir e onde não podem, sendo um factor
crítico para a qualidade do espaço aberto”. Lynch (1981) apud Reis e Lay (2006) afirma que a
permeabilidade é caracterizada por três aspectos importantes: diversidade de actividades para
as quais se tem acesso, a equidade de acesso a diferentes grupos da população e o controlo do
sistema de acessos.
Um outro factor de qualidade dos espaços públicos relacionado ao carácter da estrutura, tem a
ver com legibilidade, definida por Lynch (2003:12) como sendo “ (…) a facilidade com a qual
as partes podem ser reconhecidas e organizadas numa estrutura coerente”, defendendo ainda
que a legibilidade é crucial na estrutura da cidade, pois esta deve ser considerada objecto da
percepção dos seus habitantes.
O autor aponta algumas espécies de orientação usadas para estruturar e identificar o meio
ambiente, tais como: “a sensação visual da cor, da forma, do movimento ou polarização da
luz, assim como outros sentidos como o cheiro, o ouvido, o tacto, (…)”, considerando que a
imagem da estrutura da cidade tem uma grande relevância prática e emocional no individuo,
sendo que, se ela for clara, é uma base útil para o crescimento deste, além do papel social que
desempenha (Lynch, 2003:13,14).
A imageabilidade é outra das qualidades visuais que afecta a estrutura. Ela está relacionada
com os atributos da identidade e estrutura da imagem mental, sendo definida como “aquela
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
qualidade de um objecto físico que lhe dá uma grande probabilidade de evocar uma imagem
forte num dado observador”. Assim, entende o autor, “imagens mentais vivamente
identificadas, poderosamente estruturadas e altamente úteis no meio ambiente”, contribuem
para que a cidade pareça muito bem formada, distinta e notável, logo, “ (…) compreendida
para além do tempo como um modelo de grande continuidade, com numerosas partes distintas
interligadas claramente (Lynch, 2003:20).
Relativamente ao carácter do uso, um espaço deve ter um uso adequado. Conforme afirma
Gehl (1987) apud Reis e Lay (2006:9), “sem usuários, o espaço aberto público ou de uma
edificação tende a ser de pouco significado e importância”, visto que os espaços atractivos são
precisamente aquelas que contêm pessoas. Além das características físicas do espaço aberto
público, objectivando a sua adequação ao uso, as edificações que delimitam esse espaço
devem ter atributos estéticos. Igualmente, em função do uso dado a tais edificações, assim
será mais ou menos provida de interesses e emoções, a experiência espacial dos usuários de
espaços públicos (Reis e Lay, 2006).
As edificações e os espaços abertos podem ter um conjunto de características físicas de maneira a contribuir para o uso dos espaços urbanos. Essas características podem afectar em distintos graus, por exemplo, a definição e o controlo do território, a segurança no espaço urbano, a privacidade dos usuários e a interacção social. Estudos sobre os usos de espaços públicos, que identificam relações entre as qualidades físicas de um espaço público e interacções sociais positivas (Gehl, 1987; White, 1980), indicam que uma clara definição física dos espaços promove uma clara percepção de definição do território, aumentando a segurança, afectando positivamente o senso de identidade do usuário com o local e fortalecendo o uso e a manutenção dos espaços e o controle das áreas comunitárias (Reis e Lay, 2006:30).
A acessibilidade refere-se às características dos acessos, quanto à clareza e ao controle do
território, tipos de circulação interna e conexão entre os distintos espaços. É um aspecto
funcional importante na qualificação dos espaços públicos urbanos, sendo que, em função do
grau de sua clareza e definição, bem como do controlo de território dos diferentes espaços,
assim tende a ser facilitada ou dificultada a acessibilidade (Cooper Marcus e Sarkissian, 1986
apud Reis, 2002).
A par da qualidade dos espaços públicos urbanos, a sustentabilidade desses espaços também
deve merecer uma atenção particular. Com efeito, a sustentabilidade se relaciona com a
continuidade de diversos aspectos, tais sejam económicos, sociais, culturais, ambientais e
outras questões da sociedade humana. Em síntese podemos dizer que a sustentabilidade visa
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
garantir e preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, na medida em que a própria
sobrevivência da sociedade depende da “ (…) manutenção do equilíbrio existente entre as
variáveis da população, recursos naturais e meio ambiente” (Rogers e Gumuchdjian, 2005:3).
Portanto, a questão ecológica, económica, social e cultural aparecem entrelaçados e
interligados, de tal modo que, dificilmente podemos falar de espaço público de qualidade mas
sem sustentabilidade. Logo, parece-nos plausível afirmar que, sem sustentabilidade, um
espaço público não terá qualidade e vice-versa. Assim, em nosso entender, qualquer
intervenção no domínio do espaço público terá de ser viável, do ponto de vista económico,
socialmente justo, no sentido em que será acessível a todos, culturalmente aceite, visto que
promove a integração e reforça a cidadania e, não menos importante, ecologicamente
correcto, pois que preserva o meio ambiente.
A abordagem que temos vindo a fazer aos espaços públicos, neste estudo, tem sido no sentido
de que estes podem desempenhar um papel importante na estruturação da vida no meio
urbano, com qualidade e sustentabilidade. Como vimos, tudo aponta para uma relação estreita
entre os usuários e os espaços púbicos. Num cenário de instabilidade social e degradação
ambiental e urbana, esse papel fica ainda mais reforçado, na perspectiva de que os espaços
públicos podem contribuir significativamente para a redução da pobreza urbana, da destruição
e poluição ambientais.
Com efeito, segundo Rogers e Gumuchdjian (2005:9) “pobreza, desemprego, saúde
comprometida, ensino de má qualidade, conflitos (…) minam a capacidade de uma cidade de
ser sustentável do ponto de vista ambiental”. Entendem esses autores que o aumento da
polarização da sociedade e a criação de mais pobreza e alienação, resultaram de uma má
política de planeamento de espaços públicos, bem como da negligência e delapidação dos
existentes. Com o intuito de integrar as responsabilidades sociais, visando uma verdadeira
cidadania (sobretudo desenvolvida em ruas e praças), novos conceitos de planeamento urbano
são necessários (Rogers e Gumuchdjian, 2005).
Segundo Alves (2003) “o espaço público sustentado é aquele que desempenha um papel
ecológico eficaz dentro do tecido urbano, a par da sua função social e de polivalência”. Por
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exemplo, uma praça com muitas pessoas, uma rua animada, um mercado, um parque, etc.,
representam usos do espaço multifuncional, que têm a grande vantagem de reunir partes
diferentes da cidade e desenvolver um sentimento de tolerância, consciência, identidade e
respeito, enfim, uma ênfase colocada em inter-relações e comunidade (Rogers e
Gumuchdjian, 2005).
Os espaços públicos multifuncionais apresentam vitalidade e incrementam a participação das
pessoas na vida urbana; a presença destas garante o policiamento natural das ruas e torna os
locais mais hospitaleiros e menos alienantes, logo, também, mais seguros. Ademais, a
vitalidade desses espaços resulta da mistura de trabalho, comércio, habitação, tornando o
bairro mais vivo. Por outro lado, a vitalidade da esfera pública pode, ainda, ser incrementada
pela relação entre o edifício e o espaço público, desde que essa relação crie uma vida pública
vibrante e com boa identidade cívica (Rogers e Gumuchdjian, 2005).
A sustentabilidade passa pela satisfação das necessidades básicas das pessoas. Os espaços
públicos podem ter um papel importante na estruturação do tecido urbano, de modo a que este
seja capaz de garantir a realização desses direitos, designadamente, abrigo, água, alimentação,
educação, saúde, liberdade, etc. Entretanto, relacionado a isso está a utilização de recursos
para a sobrevivência da espécie humana. O actual sistema de exploração dos recursos
naturais, em favor da realização dos anseios e expectativas de vida do homem, tem-se
traduzido na degradação ambiental e na escassez desses recursos.
O modelo de vida contemporâneo privilegia o automóvel, com toda a carga poluente que isso
representa para a qualidade de vida das pessoas, esta dependendo da qualidade do ambiente
urbano. Girardet (1992) apud Rogers e Gumuchdjian (2005) é de opinião que as cidades
devem ter um consumo reduzido, conseguido através da implementação de eficiências e pela
maximização da reutilização de recursos; reciclar materiais, reduzir o lixo, conservar os
recursos não renováveis e privilegiar o consumo dos renováveis. Assim, facilmente podemos
compreender que a sustentabilidade ambiental deve estar subjacente aos processos de
concepção e planeamento urbanos.
Considerando que as unidades de vizinhança apresentam vantagens sociais da proximidade,
Rogers e Gumuchdjian (2005:33) defendem a densificação, pois, esta traz, também, maiores
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
benefícios ecológicos. Explicam que “as cidades densas, através de um planeamento
integrado, podem ser pensadas tendo em vista um aumento de sua eficiência energética,
menor consumo de recursos, menor nível de poluição (…)”. Um exemplo de projectos com
benefícios sociais e ambientais, são os edifícios de uso misto (p. ex. residências, escritórios,
lojas). Entretanto, um factor de destruição da qualidade dos espaços públicos é o automóvel,
que acaba por determinar as formas e superfícies desses espaços. (Rogers e Gumuchdjian,
2005).
Com efeito, o trânsito automóvel tem forte impacto na vida da comunidade. Pesquisas
efectuadas em San Francisco, para avaliar esse impacto, revelaram que:
(…) O nível de interacção social entre vizinhos de uma determinada rua, ou o senso de comunidade naquela rua, era inversamente proporcional à sua quantidade de trânsito. O estudo aponta como causa fundamental para a alienação do morador urbano, um efeito bem no centro do processo de delapidação da cidadania contemporânea (Rogers e Gumuchdjian, 2005:36).
Fonte: Rogers e Gumuchdjian, 2005.
Figura 3 – Intensidade do tráfego pedestre, em função do trânsito automóvel.
Na imagem da direita verifica-se um grande fluxo de pedestres (linhas a tracejado), em
virtude do trânsito automóvel ser leve. Neste caso, prevalece uma situação de 3 amigos por
pessoa e 3,6 conhecidos. Quando aumenta a circulação automóvel, como acontece no
exemplo da imagem do meio (trânsito moderado), o número de amigos por pessoa passa 1,3 e
os conhecidos para 4,1. Quando o trânsito é pesado (imagem da esquerda), há uma grande
diminuição do fluxo de pedestres, sendo que apenas 0,9 amigos por pessoa e 3,1 conhecidos
travam relações de contacto nas ruas (Rogers e Gumuchdjian, 2005).
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Contrapondo o modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominância do automóvel,
sem, contudo, comprometer a mobilidade, a densificação pressupõe “ (…) centros de
actividades sociais e comerciais localizadas junto aos pontos nodais de transporte público,
pontos focais, em volta dos quais, as vizinhanças se desenvolvem”. Trata-se de uma rede de
vizinhanças, onde os espaços públicos acolhem uma diversidade de actividades públicas e
privadas (Rogers e Gumuchdjian, 2005:38).
Este modelo traz, na opinião dos autores (op. cit), vantagens, designadamente, ao nível da
diminuição do congestionamento automóvel e consequente redução da poluição, uma maior
convivência das pessoas no espaço público e, por isso, maior segurança. Portanto, a
proximidade, os espaços públicos, a paisagem natural e a exploração de novas tecnologias são
factores de melhoria da qualidade do ar e de vida no meio urbano.
Fonte: http://www.cafedelasciudades.com.ar/politica_42_1.htm#1.
Figura 4 – Exemplo de fluxo de pedestres numa rua de Bogotá.
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Capítulo 2: Caracterização e diagnóstico
1 O contexto urbano
1.1 Crescimento da cidade da Praia
A ilha de Santiago, em Cabo Verde, albergava (Almeida, 2003), por volta de 1580-1582,
13.408 habitantes e tinha como principal núcleo urbano a cidade de Ribeira Grande, elevada à
categoria de cidade em 1533. Santiago possuía ainda um segundo núcleo urbano, a vila da
Praia, que seria capital da ilha a partir de 1616, embora a mudança da sede de governo de
Ribeira Grande para a vila da Praia só ter acontecido em 1770 e a elevação desta à categoria
de cidade ter acontecido apenas em 1858.
Segundo Almeida (2003), o processo de desenvolvimento da Praia, enquanto cidade urbana,
por excelência, aconteceria à custa da perda em movimento e comércio de Ribeira Grande e,
aquela, a pouco e pouco, se foi afirmando como capital do país. Esse autor diz ainda que “a
formalização da ideia de mudança da capital para Mindelo acaba funcionando como incentivo
de busca de todos os meios de prover a Praia de recursos necessários ao seu
desenvolvimento”.
Correia e Silva (2004) tem a mesma opinião quando diz que “ (…) os munícipes da então vila
de Praia de Santa Maria mobilizam-se em massa, em torno de um único objectivo: o de
conseguir a elevação do referido burgo à categoria de cidade capital de Cabo Verde”,
considerando que essa postura despoletou imediatamente uma dinâmica reactiva nos
moradores.
Esse autor considera, ainda, que “muito diferentemente da aristocrática ruralidade da Ribeira
Grande, a Praia foi pensada para crescer como uma cidade que se queria urbana”, apontando
como justificação o facto da economia da cidade ter sido quase sempre dominada
exclusivamente pela prestação de serviço na função pública e pelo comércio, destacando a
vinda, do interior da ilha de Santiago, de camponeses que vinham vender os seus produtos,
além de adquirir outros bens importados.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A grande expansão da área urbana na cidade da Praia se verificou na segunda metade do
século XX. Por volta de 1930, a cidade deixou de ocupar apenas o Plateau e estendeu-se para
a periferia deste, ocupando os vales e as achadas que se encontravam mais por perto.
Gradativamente, a função residencial do Plateau ia sendo substituída pelos serviços e pelo
comércio. Por volta de 1960 o planalto do Plateau encontrava-se totalmente edificado com
equipamentos de uso administrativo e colectivo, residências, etc.
Depois do Plateau, a expansão urbana da cidade conheceria outros desenvolvimentos. Em
1930, Praia tinha cerca de 6.500 habitantes mas apenas 1.700 (26%) viviam fora do Plateau.
Em 1960, os aglomerados desse planalto começam a se espalhar por outros bairros da capital
e, nesse ano, aproximadamente 62% dos habitantes residiam nos subúrbios do Plateau. Após a
independência, por volta de 1985, apenas 5% da população urbana residia no Plateau.
Um primeiro momento do crescimento urbano explosivo se deu depois da independência
nacional. Nessa altura, apenas o Plateau e os bairros de Achadinha, Fazenda, Lém Ferreira,
orla de Achada Sto. António e Prainha configuravam o espaço urbano a consolidar. Logo após
a Independência Nacional a cidade cresce nas direcções Norte e Leste, ocupando as áreas
mais próximas como Achada Grande, Chã d’Areia e, posteriormente, as encostas de Terra
Branca, Achada Eugénio Lima e Ponta d’Água (CMP, 1998).
Em 1986 a cidade ocupava mais de 300 hectares, continuando a crescer na direcção Norte, a
mais de 3 km do centro, na zona de Achada S. Filipe e ao longo da estrada para a Cidade
Velha, ocupando a zona de Tira Chapéu e outras áreas da vizinhança (CMP, 1998). De acordo
com dados do INE, houve um aumento superior a 60% da população urbana, de 1970 a 1980
e superior a 64% entre 1990 e o ano 2000. Para o corrente ano de 2008, as projecções
apontam para uma população urbana superior a 123.000 habitantes, a residir na Praia.
Para a configuração urbana actual da cidade da Praia terão contribuído as opções tomadas e os
planos oficialmente adoptados e que terão permitido o surgimento e desenvolvimento de
“bairros oficiais” e a ocupação, por parte da população de baixos rendimentos, das zonas
periféricas, incluindo as ribeiras e as encostas de acentuado declive. O crescimento e
desenvolvimento urbano da cidade da Praia tiveram como obstáculos os seguintes factores: a
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
topografia do solo; a crescente pressão demográfica ao longo dos anos; e a carência de
recursos humanos e financeiros (CMP, 2008).
Num quadro de forte urbanização, com migrações internas que determinam uma grande
concentração da população na cidade da Praia, começam, na década de setenta, a ser dados os
primeiros passos no sentido de dotar a cidade de uma estruturação urbana mínima e que
deveria evoluir paulatinamente, com vista a colmatar as situações anteriormente descritas.
Foram elaborados projectos parcelares, por bairro, que pretendiam regular, temporariamente,
a densificação e a expansão da cidade, fincando contudo de fora, aspectos estruturantes como
o sistema viário ou a localização estratégica de equipamentos.
Nos finais de 1970 foram dadas novas orientações e novos planos surgiram: Planos
Detalhados de Terra Branca, de Achada Sto. António e da Zona Industrial de Achada Grande
Frente; projecto da “Área Central” (perímetro Gambôa/Chã d’Areia/Avenida Cidade de
Lisboa) e o sistema viário estruturante da zona urbana com vista à futura expansão.
Todavia, “a proliferação de pequenos loteamentos sem obediência a nenhuma estruturação
urbana global e o crescimento dos bairros de ocupação espontânea com altas taxas de
densidade populacional, ocupando áreas maiores que as planificadas” constituíam os aspectos
de maior relevância no crescimento do tecido urbano. Mesmo com a aprovação de alguns
instrumentos de gestão urbanística, a incorrecta implementação de alguns dos diversos planos
inviabilizou, (quase) por completo, a prossecução dos objectivos traçados (MALU, 1987).
O resultado foi a falta de opções para acolher os novos habitantes da cidade e o agravamento
de alguns problemas estruturais. Desse modo, o crescimento da cidade da Praia verificou-se
de duas formas e velocidade inteiramente distintas: 1) Um crescimento planificado baseado
em projectos urbanísticos a diversas escalas, acompanhado da implantação programada de
redes de infra-estruturas, serviços e equipamentos; 2) Um crescimento espontâneo, decorrente
da pressão da população por terrenos e habitação, sobre o solo urbano com as mais diversas
características físicas, acessibilidade deficiente e ausência de infra-estruturas, serviços e
equipamentos (CMP, 2008).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Para tentar resolver esses problemas e melhor controlar o crescimento dos bairros
espontâneos, foi lançado em 1986 um programa completo de estudos de urbanismo, em que o
PDU (Plano de Desenvolvimento Urbano) constituiu o primeiro passo desse programa, por
estudos de detalhe sobre as zonas de expansão de Palmarejo, Quebra Canela e Achada S.
Filipe.
De todo o modo, o PDU constituiu um instrumento à base de propostas a nível de
anteprojectos e regulamentos contendo disposições gerais e especificas aplicáveis a diferentes
zonas da cidade, mas a sua concepção e implementação foi “imprecisa” o que causou a
“inibição de propostas de PUDs/parcelamentos por parte de proprietários privados; a
proliferação de loteamentos oficiais sem coordenação ou respeito às propostas do PDU (…); e
a comercialização de terrenos sem condições de ocupação”. Após a aprovação do PDU, vários
outros instrumentos de gestão urbanística foram elaborados, tais como projectos específicos
ou parcelares para diversas zonas, mas “sem a necessária compatibilização entre si, ou com as
directrizes físico-estruturais do Esquema de Estrutura do PDU” (CMP, 1998).
A incorrecta implementação de alguns dos diversos planos inviabilizou, (quase) por completo,
a prossecução dos objectivos traçados, tais sejam: organizar o crescimento urbano e as zonas
de expansão mais próxima da cidade de modo a evitar a ocupação dos espaços “ainda
disponíveis”; prever reservas de espaços para as infra-estruturas primárias; reequilibrar em
cada zona de expansão a população, os empreendimentos, os serviços urbanos mais
indispensáveis e as actividades produtoras; dotar a cidade de actividades centrais, reorganizar
as actividades urbanas, reafectar os espaços valorizados e transformá-los em zonas de
actividades integradas ou em locais de lazer (MALU, 1987). O resultado foi a falta de opções
para acolher os novos habitantes da cidade e o agravamento de alguns problemas estruturais.
1.2 Situação actual dos espaços públicos
O sistema de mobilidade da cidade da Praia é caracterizado por quatro eixos viários
estruturantes: uma via urbana que faz a ligação entre Praia e o interior da ilha de Santiago,
passando pela zona Norte da cidade (bairro de Achada S. Filipe) e desenvolvendo até à zona
baixa (Avenida Cidade de Lisboa); uma segunda via urbana estruturante faz a ligação entre
Praia e “Cidade Velha” (actual município de Ribeira Grande de Santiago), organizando a
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
estrutura da zona Sudoeste; uma terceira via organiza o tecido urbano da zona Este (área
aeroportuária); e uma quarta via que estrutura toda a zona Noroeste (acesso a S. Martinho
Pequeno).
Segundo a CMP (2008), a falta de uma planificação estratégica que salvaguardasse vias
estruturantes que determinariam as ligações às novas áreas de expansão planificadas,
contribuiu para uma inadequada ocupação do solo que, agravado por uma expansão
descontrolada das construções espontâneas, levou a cidade a uma situação caótica de
mobilidade. Por outro lado, as características morfológicas do solo urbano influenciaram
grandemente na estruturação da rede viária da cidade e, consequentemente, determinaram os
sentidos de crescimento/desenvolvimento da cidade.
As achadas e encostas elevam-se de zonas baixas, o que define a sua interligação numa rede
viária que, de certo modo, tende a reflectir essa especificidade. Além da rede básica ou geral
(eixos estruturantes) predominantemente desenvolvida na zona baixa, interligando os bairros
e assegurando movimentos do centro da cidade para a periferia urbana e com o interior da
ilha, existem ainda sub-redes reflectindo o confinamento dos bairros e rampas de acesso aos
bairros com declive acentuado. Entretanto, poucos são os pontos de ligação dos bairros com a
rede geral (CMP, 2008).
Por outro lado, devido a um processo acelerado de crescimento espontâneo, sobretudo nos
últimos anos, mas também pelo uso descontrolado do solo urbano, são precárias as condições
de circulação interna nos bairros espontâneos, bem como, de uma maneira geral, a
intercomunicação entre os bairros. Assim, dentro de cada bairro, há constrangimentos graves
à fluidez do tráfego, seja pelas razoes acima apontadas, seja porque há um reduzido número
de ligações entre cada rede de bairro e a rede geral.
A rede viária da cidade da Praia, de um modo geral, apresenta um conjunto de deficiências,
tais sejam: concentração das vias ao longo da faixa central (Várzea/Fazenda); má qualidade
das vias de distribuição e vias locais; sub-dimensionamento das vias; ineficiência das vias de
penetração; estrangulamento nos principais cruzamentos entre bairros; ausência de uma
hierarquia das vias; ausência de pontos de paragem no caso de emergência; ausência de
estacionamentos; falta de sinalização (CMP, 2008).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Um aspecto que tem afectado negativamente o espaço púbico na cidade da Praia, com claro
prejuízo para o peão, tem a ver com os estacionamentos. Com efeito, verifica-se que, de uma
maneira geral, a quase inexistência de locais adequados para o estacionamento de viaturas tem
consequência directa na qualidade de vida dos cidadãos, pois estes se vêm privados de local
seguro para circularem. Referimos, naturalmente, ao estacionamento de veículos motorizados
sobre os passeios, largos e outros espaços públicos destinados aos peões. Por outro lado, nas
situações de estacionamentos em ruas muito estreitas, acaba por provocar conflitos na
circulação automóvel e pedestre, com clara desvantagem para este.
Naturalmente, a situação de circulação nos passeios (quando existem) fica ainda mais
complicada, pois, além de dividir esse espaço com a venda ambulante e outras actividades de
carácter informal, nalguns casos os passeios são também locais de espera para o transporte
colectivo. Mas, de uma maneira geral, os passeios, enquanto espaço público exclusivamente
pedonal, quando são construídas, têm dimensões insuficientes para as necessidades dos seus
usuários e, muitas vezes, a qualidade da sua pavimentação fica aquém do razoável.
Fonte: Fotografias do autor, 2007.
Figuras 5 e 6 – Aspectos de venda ambulante e circulação nos passeios do Plateau.
A situação actual do espaço público, no que diz respeito às ruas pedonais, estas praticamente
não existem. Muitas vezes, tratando-se de ruas de bairro, os percursos pedonais confundem-se
com as vias automóvel provocando uma relação perigosa entre os pedestres e as motorizadas,
sendo urgente um planeamento que proteja os pedestres, por forma a prever ruas pedonais em
áreas de grande movimento e passeios com dimensionamento determinado, de acordo com as
necessidades (CMP, 2008).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Quanto à existência de outros espaços públicos, designadamente praças, largos, jardins, etc.,
podemos afirmar que são praticamente inexpressivas, tendo em conta a extensão territorial da
cidade e o número de habitantes. O que se verifica, com efeito, é que não existe uma política
de planeamento e construção de espaços públicos. Na verdade, se analisarmos os planos
urbanísticos elaborados e aprovados nos últimos dez/quinze anos, verificamos que, além de
terem sido projectados poucos espaços públicos como praças, jardins, parques, etc., aconteceu
mesmo que algumas das propostas foram alteradas, em favor de loteamentos residenciais.
A título de exemplo, podemos referir Palmarejo, Achada S. Filipe, Achada Grande Trás, Terra
Branca de Cima (embora neste último, a força/dinâmica dos construtores “clandestinos”
antecipa sempre a Câmara/titulares de lotes, na ocupação dos terrenos). Entretanto, devemos
referir, igualmente, que vários projectos de espaços públicos foram concretizados nos últimos
tempos: a praça “Cruz de Papa” (Figura 10); pracetas em vários bairros da cidade,
pavimentação e arranjos exteriores em pequenos largos, etc.
De tomo o modo, fica evidente que os maiores projectos de espaços públicos realizados na
cidade, designadamente jardins públicos, remontam à época colonial: os três jardins no
Plateau (um, em frente ao Liceu Domingos Ramos, outro, junto aos Paços do Concelho e um
terceiro em frente à Reitoria da Universidade de Cabo Verde), erroneamente chamados
“Praças”. Poucos mais jardins públicos existem, em toda a área urbana, merecendo destaque o
que se localiza junto à Igreja Nova Apostólica, na Fazenda (que tem uma boa afluência de
público, quiçá pela sua localização privilegiada).
Fonte: Google Earth, 2008.
Figura 7 – Aspecto geral da “Praça Alexandre Albuquerque” e Memorial Amílcar Cabral.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Quanto às praças, além da já referida (Cruz de Papa, que foi e tem sido o maior sucesso, em
termos de afluência de público) existem outras nos seguintes bairros: Bairro Craveiro Lopes,
Terra Branca, Palmarejo, Achada S. Filipe e Achada Sto. António. Apenas as três primeiras se
encontram minimamente arranjada, sendo que as outras três se encontram num estado de
abandono, apesar de existirem já projectos para a sua requalificação.
Fonte: Fotografias do autor, 2007.
Figuras 8 e 9 – Situação actual da Praça do Palmarejo.
Além destas praças, existem um conjunto de pracetas e jardins públicos, espalhadas por
algumas zonas da cidade. Salientamos que, todavia, outros espaços abertos livres de
construção, com grande potencial paisagístico, têm sido negligenciados, pelo que se
encontram, em geral, num estado de degradação. Com efeito, a serem requalificados e
transformados em espaços públicos, muitos deles se constituiriam em excelentes pontos
panorâmicos na malha urbana.
Nesse sentido, em zonas como Ponta d’Água, Achada Grande Frente, Bela Vista, Eugénio
Lima, Achada Sto. António e outras zonas, existem espaços livres que podem ser
transformados em largos, pracetas, miradouros, jardins púbicos, etc. Na verdade, a falta de
espaços públicos para a descompressão dos habitantes da cidade justifica intervenções de
requalificação de todas esses espaços. Não podemos deixar de referir que, na nossa opinião,
os espaços abertos localizados em Quebra Canela (Figura 10) e junto ao Farol Maria Pia
(Prainha), devem ser objecto de requalificação, visando a sua transformação em grandes
espaços públicos, de recreação e lazer.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A cidade possui três largos com algum impacto na imagem urbana: o largo do Memorial
Amílcar Cabral (zona de Taiti, Figura 7), o largo do estádio da Várzea e o largo Diogo Gomes
(no Plateau). Os dois últimos, habitualmente, acolhem actividades de âmbitos diversificados,
desde concertos musicais, feiras, espectáculos, etc. O largo em frente à Biblioteca Nacional,
que, pela sua localização e dimensões, poderia ser um espaço público digno de acolher
diversas actividades, pelo seu estado de tratamento (obras da envolvente imediata
inacabadas), apenas tem permitido a realizações de concertos musicais.
Fonte: Google Earth, 2008.
Figura 10 – Aspecto panorâmico da “Praça Cruz de Papa” e Quebra Canela.
Salientamos que a área do Taiti/Parque 5 de Julho (Figura 11), é o maior espaço livre de
construções situado na zona urbana da Praia. Enquanto que o Parque 5 de Julho foi/é um
espaço público de grande referência local, regional e nacional, pelo papel que desempenhou
no desenvolvimento da cidade, sobretudo no domínio sócio-cultural, a zona de Taiti é uma
propriedade privada, com grandes potencialidades ambientais, mas em estado de avançada
degradação.
Taiti, uma área verde no coração da cidade, com excelentes condições de ser transformada
num grande parque urbano, tem, parece-nos, um futuro incerto, apesar das recomendações
contidas na proposta do PDM da Praia, visto que tem sido enorme a especulação/pressão
imobiliária sobre esses terrenos. Um outro espaço aberto livre de construção, com potencial
paisagístico e ambiental, é a área de Vale do Palmarejo. Zona fértil, onde se pratica muita
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
agricultura, apresenta, entretanto, inúmeros problemas, de ordem ambiental e urbano. De
qualquer modo, é um espaço verde que não pode ser negligenciado, pelo que a sua
requalificação se torna imperativo.
Fonte: Google Earth, 2008.
Figura 11 – Aspecto geral do Parque 5 de Julho e zona de Taiti.
De uma forma geral, os bairros da periferia da cidade, sobretudo os localizados nas áreas de
crescimento espontâneo, se caracterizam pela ausência, quase que absoluta, de espaços
públicos dignos de referência. Ainda assim, em vários desses bairros, se encontram espaços
abertos livres de construção, não necessariamente públicos, mas que têm tido uma utilização
colectiva. É o caso, por exemplo, dos espaços utilizados para a prática de futebol, que existem
um pouco por quase todos os bairros da cidade.
2 O bairro de Tira Chapéu
2.1 Enquadramento da área de estudo
O bairro de Tira Chapéu situa-se a Sul da cidade da Praia e encontra-se delimitado, no seu
perímetro, pelos seguintes bairros: Bela vista, a Norte; Palmarejo, a Oeste; Vale do Palmarejo,
a Sul e Achada Stº António/Terra Branca, a Este. É uma zona que se destaca, no contexto da
cidade, pelo seu forte potencial de localização, pois localiza-se numa área nobre da cidade e
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
perto do mar. O bairro é constituído por duas zonas distintas, pelo atravessamento de uma via
estruturante, que faz ligação com Cidade Velha.
A primeira zona, de uso predominantemente industrial (Tira Chapéu Industrial, mancha
amarela, Figura 12), tem as estruturas implantadas em lotes de grandes dimensões. No
prosseguimento da parte industrial encontra-se a zona de “Sumol”, área ocupada por uma
população de baixo nível de renda, cuja continuidade chega ao bairro de Terra Branca. A
segunda zona (mancha vermelha, Figura 12), que é objecto do nosso estudo, abrange uma
superfície total de aproximadamente 21,7 ha, é ladeada, pelo lado Norte, pela via de acesso a
Cidade Velha e, no restante perímetro, por ribeiras.
Fonte: Adaptado do ortofotomapa de 2003.
Figura 12 – Localização de Tira Chapéu, no contexto da cidade da Praia.
A zona do bairro objecto deste estudo, ou simplesmente Tira Chapéu, apresenta-se sobre um
terreno de declive suave, em direcção ao mar, tendo, na sua continuidade, o bairro de Vale do
Palmarejo, uma zona mais próxima à ribeira e à praia de mar. Toda essa área apresenta, como
dissemos, grandes potencialidades, tendo como principais apelativos a forte vegetação
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
existente e a proximidade da praia de Quebra Canela, a principal e a mais utilizada praia do
perímetro urbano da cidade.
Tira Chapéu encontra-se dotado de uma rede de distribuição de energia eléctrica, contudo a
iluminação pública é bastante deficitária. Também possui rede telefónica, rede de distribuição
de água potável e rede de esgotos, embora esta não cubra ainda todo perímetro do bairro.
Entretanto, péssimas condições ambientais, relacionadas seja a questões do saneamento do
meio, seja ao estado da ribeira, ou à presença de fontes com água estagnada, causando a
proliferação de insectos, ou ainda pela rotura de rede de esgotos ficando a céu aberto,
representam um grande perigo para a saúde pública. Por outro lado, a própria degradação
ambiental a que tem vindo a sofrer a zona balnear, em virtude da descarga de poluentes
oriundos da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), bem como os alagamentos
sazonais que comprometem a ligação entre as diferentes partes dessa área entre si e com o
exterior, contribuem para aumentar a imagem negativa que está associada a essa área da
cidade.
Alem das situações acima referidas, o bairro de Tira Chapéu, na sua globalidade, apresenta
vários outros aspectos problemáticos, entre as quais destacamos: a ocupação de uma área
privilegiada para uso residencial, dentro da zona urbana da cidade, com fábricas e oficinas,
próxima a todas as redes de infra-estrutura; geração de situação de tráfego conflituoso na
principal via de acesso às zonas de expansão urbana da proximidade; vários conflitos e
problemas sociais, designadamente, alcoolismo, delinquência, toxicodependência,
criminalidade, etc.
Todavia, apesar desses problemas, essa área é um espaço urbano predominantemente
habitacional e que se encontra de tal forma organizado, assegurando uma vivência social e
cultural, tendo presente, ainda que de forma incipiente, estruturas de apoio a serviços e
funções urbanas, com um mínimo de auto-suficiência.
Enquanto que Vale do Palmarejo se encontra num estado quase natural, ou seja, sem grandes
operações de construção, Tira Chapéu apresenta-se como um bairro de alta densidade, de
assentamento espontâneo e pouco estruturado, com deficientes vias de ligação interna e com
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
algumas construções ocupando encostas e leitos de ribeiras. Ainda assim e com todos os
constrangimentos referidos, o bairro apresenta-se em condições de ser integrado no restante
da área urbana.
Um outro bairro na vizinhança de Tira Chapéu é Casa Lata que, administrativamente, se
encontra inserido no perímetro do bairro de Palmarejo. Todavia, enquanto que este último se
caracteriza por ser um bairro totalmente planificado e infra-estruturado, com equipamentos e
serviços que lhe garantam a autonomia em termos de funções urbanas essenciais, Casa Lata
trata-se é um dos bairros mais pobres da cidade, de crescimento espontâneo, com péssimas
condições habitações e de infra-estruturas.
2.2 Contexto e condições socio-económicas
2.2.1 Aspectos demográficos
De acordo com os dados do INE, o bairro de Tira Chapéu tem tido sempre um crescimento
populacional, seja em termos de número de habitantes, seja no que diz respeito aos agregados
familiares residentes no bairro, conforme podemos conferir na Figura 13. Em 2000, era o
terceiro bairro mais populoso, no universo das áreas de crescimento espontâneo da cidade da
Praia, com mais de 5.000 habitantes, depois de Eugénio Lima (com perto de 7.000 habitantes)
e Ponta d’Água (com quase 6.000 habitantes). Nessa altura, a população do bairro (5.163
habitantes) representava cerca de 5,5% do total da população urbana (94.161 habitantes).
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
1970 1980 1990 2000
Evolução da população
Fonte: Adaptado de INE, Censos de população.
Figura 13 – Evolução da população residente em Tira Chapéu, de 1970 a 2000.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Uma análise aos dados estatísticos revela que a maior taxa de crescimento populacional em
Tira Chapéu ocorreu na década de 1980-1990, taxa essa que foi na ordem dos 11,6% (uma das
mais elevadas da área urbana). Na década de 1990-2000 a taxa de crescimento da população
foi de 3,4%, inferior ao verificado entre 1970-1980 (cerca de 6%, dos mais baixos em toda a
zona urbana). Com efeito, o grande crescimento populacional verificou-se entre os anos 1970-
1990, período pós Independência Nacional, em que já residiam no bairro mais de metade da
população existente no ano 2000.
Em termos comparativos (Figura 14), no seu conjunto, os bairros das áreas homogéneas de
crescimento espontâneo delimitadas pela CMP, das quais faz parte Tira Chapéu, tiveram uma
taxa de crescimento da população bastante superior à cidade da Praia (4,9%), chegando aos
9,4% na década de 1980-1990. Todavia, essa taxa teve uma diminuição, passando para os
6,6% entre 1990-2000, ainda assim superior à cidade (4,3%).
02468
101214
1970-1980 1980-1990 1990-2000
Cidade da PraiaBairros espontâneosTira Chapéu
Fonte: Adaptado de INE, Censos 70/80/90/00.
Figura 14 – Taxa de crescimento da população, segundo as áreas, de 1970 a 2000.
Embora a população da cidade da Praia tenha vindo a aumentar, os dados deixam claro que a
taxa de crescimento da população urbana tem diminuído, seja ao nível da cidade, seja nos
bairros espontâneos. No caso de Tira Chapéu, as informações estatísticas indiciam que o
grande período de crescimento populacional ocorrido depois da Independência Nacional, tem
sofrido um abrandamento nos últimos anos. Por exemplo, admitindo uma taxa de crescimento
populacional de 3,4% (a mesma do bairro em estudo, na década de 1990-2000) estimamos
uma população actual a rondar os 5.339 habitantes, o que representaria cerca de 4,3% da
população urbana (estimada em 123.384 habitantes, para o ano de 2008). (INE, projecções
demográficas).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Os habitantes de Tira Chapéu eram maioritariamente jovens (55,3% e 72,5% da população
tinha menos de 20 e 30 anos de idade, respectivamente), facto que se estendia, igualmente,
aos chefes de agregado (25,8% tinha entre os 20-39 anos de idade e 61,1% tinha entre 30-39
anos). Num universo de 1.112 agregados familiares, 10,9% era constituída por apenas uma
pessoa, 44,2% por 2 a 4 pessoas, 42% tinha entre 5 a 10 pessoas e 2,9% dos agregados tinha
11 pessoas ou mais a viverem no seu seio.
Em relação à existência de crianças no seio dos agregados, verificamos que, enquanto 20%
dos agregados não tinha nenhuma criança no seu seio, quase igual percentagem (cerca de
19%) tinha 1 ou 2 crianças. Num universo de 2.234 crianças com menos de 15 anos
(representando 43,6% da população total do bairro), 14,7% vivia em agregados com 3
crianças, 12% vivia em agregados com 4 crianças e havia outras famílias com 5 crianças
(8,1%), 6 e mais crianças (7,2%).
Dos habitantes do bairro de Tira Chapéu, 74,8% tinha como concelho de nascimento a cidade
da Praia, o que evidencia que o aumento da população ocorrida nos últimos anos se devia
mais ao crescimento vegetativo do que à migração. A população oriunda da região
Fogo/Brava representava a maioria dos migrantes (cerca de 12%), seguida do interior de
Santiago (cerca de 9,5%). Os originários de S. Antão e S. Vicente representavam,
respectivamente, 1,7% e 1,5% da população residente no bairro.
2.2.2 Níveis de instrução e de conforto
No que se refere à área da educação, os dados do Censo 2000 mostram que 16% da população
com idade igual ou superior a 4 anos, residente em Tira chapéu, não sabia ler nem escrever,
valor esse apenas ultrapassado por Achadinha Pires (19,3%) e S. Pedro/Latada (16,6%). A
taxa de analfabetismo na população com idade igual ou superior a 15 anos era de 20,9%, mais
elevada que a da cidade (16,2%) e a quarta mais elevada no conjunto dos bairros espontâneos,
depois de S. Pedro/Latada (25,3%), Achadinha Pires (24,2%) e Castelão/Coqueiro (22,1%).
As pessoas com formação superior residiam, predominantemente, nos bairros consolidados e
melhor infra-estruturados. Assim, em 2000, o número de pessoas com formação superior
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
residente em bairros espontâneos era inexpressivo. No caso de Tira Chapéu, a percentagem de
quadros com curso superior era de 0,6% e, com curso médio, de 0,3%.
A nível dos chefes de agregado familiar, a situação não muda muito. Com efeito, 20,5% dos
mesmos possuía apenas o pré-escolar ou nunca tinham frequentado um estabelecimento de
ensino. Por outro lado, verificamos que 0,45% e 1,26% dos chefes de agregado possuíam,
respectivamente, curso médio e superior.
Pré-escolar/NuncafrequentouAlfabetização
EBI
Secundário
Fonte: Adaptado de INE, Censo 2000.
Figura 15 – Nível de instrução do chefe de agregado familiar, em Tira Chapéu.
Aproximadamente 60% dos chefes de agregado possuía o Ensino Básico Integrado (EBI) e
cerca de 15% o Ensino Secundário (ES). Todavia, as mulheres encontravam-se em piores
situações, no que diz respeito ao acesso à educação. Com efeito, à medida que aumentava o
nível de instrução, baixava a percentagem de mulheres com esse mesmo nível de instrução,
sendo que a situação inversa se verificava no caso dos homens.
Na verdade, era insignificante a percentagem de mulheres chefes de agregado com formação
média/superior. Igualmente, a taxa de analfabetismo era muito maior entre as mulheres
(29,5%) do que entre os homens (11,4%). Apenas havia algum equilíbrio de género no pré-
escolar e no EBI, ao nível da população de idade igual ou superior a quatro anos, ainda assim
com ligeira vantagem para os homens.
Tira Chapéu, à semelhança do que acontece com outros bairros espontâneos da cidade da
Praia, apresenta grandes carências em infra-estruturas, serviços e equipamentos colectivos,
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
tendo, as famílias, por essas e outras razões, menos conforto. Os dados do Censo 2000
mostram que mais de 61% das famílias desse bairro tinham níveis de conforto muito baixo ou
baixo. Conforme podemos verificar na Figura 16, menos de 2% da população tinha um nível
de conforto muito alto e, se relacionarmos esse dado com o facto de que cerca de 1,7% dos
chefes de agregado possuíam o curso médio/superior, parece-nos que será nessa classe que se
encontra esse alto nível de conforto.
05
1015202530354045
Muito baixo Baixo Médio Alto Muito alto
Cidade da PraiaBairros espontâneosTira Chapéu
Fonte: Adaptado de INE, Censo 2000.
Figura 16 – Nível de conforto dos agregados familiares, segundo as áreas.
No extremo oposto a Tira Chapéu, os bairros que apresentavam os mais elevados índices de
conforto eram: Prainha (76,9%), que se destacava na frente, seguido de Terra Branca (35,8%),
Fazenda (31,5%), Chã d’Areia (30,5%) e Achada Sto. António (18,8%).
Por outro lado, os dados do Inquérito às Despesas e Receitas Familiares (IDRF) realizado em
2002, indicam que os pobres continuavam a ter os mais baixos níveis de conforto (44,6%
contra 7,7% de nível de conforto muito baixo para pobres e não pobres, respectivamente)
enquanto que os níveis mais altos de conforto abrangem as pessoas não pobres (0,6% contra
30,9% de nível de conforto muito alto para pobres e não pobres, respectivamente).
2.2.3 Indicadores económicos
A situação económica no bairro de Tira Chapéu é o reflexo daquilo que se passa ao nível do
meio urbano. Na cidade da Praia, a taxa de desemprego tem sofrido várias oscilações ao longo
dos anos, tendo registado um valor de 21%, em 2007. Em Tira Chapéu, no ano de 2000 a taxa
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
de desemprego no seio da população com idade igual ou superior a dez anos foi de 19%,
afectando sobretudo as mulheres (29,6% destas contra 8,8% entre os homens). A taxa de
desemprego, no seio da mesma população, era de 17,4% e 18,3%, no conjunto dos bairros
espontâneos e na cidade da Praia, respectivamente.
O número de pessoas empregadas no seio dos agregados variava desde famílias com 4
trabalhadores ou mais até famílias sem nenhum membro seu empregado. Embora apenas
3,8% dos agregados estivesse na situação de ter 4 ou mais pessoas a trabalhar, verifica-se que
quase metade do total de agregados (46,7%) tinha apenas 1 membro da sua família
empregada.
Considerando que, igualmente, quase metade dos agregados (42%) tinha entre 5 a 10 pessoas
vivendo no seu seio, decerto que os dados referentes ao número de trabalhadores por
agregado espelha uma realidade difícil para muitas famílias com apenas 1 membro seu a
trabalhar. Uma vez mais, os dados apontam para uma grande precariedade laboral das pessoas
do sexo feminino. É o caso das mulheres chefes de agregado que são mais afectadas pela falta
de trabalho (17% de chefes de agregado do sexo feminino contra 4,8% do sexo masculino).
No bairro de Tira Chapéu, 6,3% dos chefes de agregado aí residentes encontravam-se no
desemprego, valor esse igual à da cidade em geral. Uma vez mais, é entre as mulheres chefes
de família que se encontrava o número maior de pessoas sem emprego (14,5% contra 1,7%
entre os homens). Os outros bairros espontâneos tinham praticamente a mesma taxa de
desemprego entre os chefes de agregado.
Verifica-se que cerca de 83% dos chefes de agregado residentes em Tira Chapéu tinha, em
2000, como principal meio de vida o seu trabalho. Por outro lado, cerca de 11,5% dos
mesmos dependia da família (residente em Cabo Verde ou no estrangeiro) para o seu sustento.
Como vimos, tendo sido elevada a taxa de desemprego, logo, inúmeras famílias viviam numa
situação de grande precariedade económica, em virtude da fragilidade que pensamos
representa essa dependência. O número de chefes de agregado cujo meio de vida resultava da
fonte de rendimento de propriedade/empresa era inexpressivo (0,7%), facto que reforça o
carácter informal das actividades praticadas.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
No que se refere ao sector de actividade económica, em 2000, cerca de 25% da população
ocupada da cidade da Praia trabalhava no comércio enquanto que cerca de 14% trabalhava na
administração pública. Os sectores que albergavam o maior número de trabalhadores eram o
comércio, a construção civil, os transportes, a administração pública, as indústrias
transformadoras, armazenagens e comunicação, que, no seu conjunto, asseguravam emprego a
cerca de 2/3 da população praiense.
Em Tira Chapéu, 66,3% da população empregada com quinze anos ou mais, encontrava os
seus meios de subsistência no sector terciário, enquanto que 25,5% era no sector secundário e
cerca de 5% no sector primário. Nestes dois últimos sectores, os homens é que dominam as
actividades aí desenvolvidas (8,6% contra 0,3% no sector primário e 40,9% contra 4,8% no
sector secundário, respectivamente, para homens e mulheres). Entretanto, no sector terciário,
são as mulheres que dominavam as actividades (93,3% contra 46,3%, respectivamente
homens e mulheres).
2.3 Infra-estruturas, serviços e equipamentos colectivos
2.3.1 Saneamento básico
Um dos graves problemas dos bairros espontâneos prende-se com a questão do saneamento
básico. A situação sanitária nesses bairros é, aliás, o reflexo da cidade, com a agravante do
aumento continuado da pressão da população sobre o território. A maioria dos habitantes vive
em condições sanitárias abaixo do nível mínimo exigido, desde logo, pela fraca
disponibilidade dos recursos hídricos, que tem constituído um dos factores do baixo nível de
qualidade de vida da população urbana residente em bairros “degradados”. A dessalinização
da água do mar surge então como uma das alternativas para fazer face à falta de água na
capital do país, de modo a permitir um desenvolvimento socio-económico das populações.
De 1990 a 2000, a taxa de cobertura em rede canalizada de água aos agregados familiares da
cidade da Praia, passou de 22,4% para 24,2%, respectivamente, um aumento praticamente
inexpressivo, tendo em conta a taxa de crescimento populacional, nesse mesmo período.
Certamente, em virtude dos investimentos programados não terem sido realizados,
atempadamente, os bairros espontâneos sofrem, ainda hoje, as consequências de uma
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
deficiente cobertura em termos de infra-estruturas básicas (abastecimento de água, rede de
esgotos e sistema de recolha de lixo).
O sistema de abastecimento de água aos diversos bairros da cidade da Praia era feito a partir
de três sistemas principais: Monte Babosa; Ponta d’Água e Monte Pensamento. No ano 2000
a rede de distribuição de água à cidade da Praia apenas cobria 26% da população da cidade,
sendo a maioria (74%) abastecida por fontanários e outros meios. O abastecimento de água
aos bairros espontâneos era e continua sendo um problema. Na verdade, às áreas de
crescimento espontâneo, deu-se prioridade, sobretudo, à construção de chafarizes ligados à
rede pública de abastecimento de água.
No caso concreto de Tira chapéu, a água canalizada da rede pública não chegava a muitas
habitações e os chafarizes existentes não cobriam todas as necessidades das populações. Com
efeito, no ano 2000, apenas 9,1% dos agregados residentes nesse bairro dispunha de ligação
directa à rede pública de água, enquanto que 79,9% dos mesmos recorria aos chafarizes e
4,9% se abastecia através de autotanques. Naturalmente, pessoas com menos recursos
económicos são as que estariam em piores situações, em termos de acesso à rede pública de
abastecimento de água (INE, 2000).
Retomamos os dados do IDRF – 2002 que indicam que 3,7% dos pobres contra 41,6% dos
não pobres tinham ligação à rede pública de abastecimento de água, enquanto que 73,1% dos
pobres contra 31,9% dos não pobres se abasteciam através dos chafarizes. Levando em
consideração que os pobres residem, predominantemente, em bairros de carácter espontâneo,
fica evidente que são estes os menos beneficiados com as infra-estruturas existentes.
Quanto à drenagem de águas residuais, até ao ano 2000, apenas 8,4% da população praiense
era servida pela rede de esgotos. Nessa altura, a rede de esgotos abrangia apenas os bairros do
Plateau, Achada Sto. António, Terra Branca, Tira Chapéu e Palmarejo. De referir ainda que
67,7% da população urbana não estava coberto por nenhum sistema de drenagem de águas
residuais.
No bairro de Tira Chapéu, foi previsto a instalação de redes de esgotos (1ª e 2ª fases) numa
extensa de 20 ha. Todavia, apenas foi executada parcialmente e só na parte consolidada, pelo
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
que parte ainda considerável da população local se vê sem acesso a essa infra-estrutura,
ficando mais afectadas, certamente, as pessoas economicamente vulneráveis.
Naturalmente, os 3,5% dos pobres contra 23,6% dos não pobres que possuíam fossa séptica e
os 0% dos pobres que tinham ligação à rede de esgotos contra 10% dos não pobres,
evidenciam a realidade das camadas sociais insolventes. Por outro lado, 79,3% dos pobres
contra 54,5% dos não pobres utilizavam o redor de casa para a evacuação das águas residuais
e 96,5% dos pobres contra 66,4% dos não pobres davam um destino impróprio a essas águas
(INE - IDRF, 2002).
É evidente que os quase 100% de pessoas pobres que dão um destino impróprio às águas
residuais e os cerca de 80% que utilizam o redor de casa para evacuarem essas águas, ilustram
a realidade vivida nos bairros espontâneos, particularmente, nas situações de ocupação em
que se torna difícil levar as redes de infra-estruturas, neste caso, rede de esgotos. Em Tira
Chapéu, na verdade, cerca de 35% dos agregados possuíam casa de banho com retrete,
enquanto que mais de 60% dos mesmos não possuía casa de banho, nem retrete, nem latrina
(INE, 2000).
O sistema de recolha dos resíduos sólidos urbanos era bastante deficitária. De acordo com o
programa de urgência elaborado em 2000, havia um défice na área do saneamento, o que
vinha agravando a situação sanitária da cidade, tornando-se a principal causa das epidemias,
com consequências graves principalmente para as populações dos “bairros degradados”. A
própria edilidade reconhecia as limitações, nesse campo de actuação:
Face a esta situação, os serviços de saneamento – limpeza urbana da Praia, estão numa situação de pré rotura, mostram-se impotentes no combate ao lixo, pois os meios disponíveis têm-se revelado manifestamente insuficientes para responderem minimamente às exigências da cidade no que concerne a recolha e transporte do lixo urbano (CPM, 2000).
Nessa altura, vários dos bairros espontâneos não dispunham de contentores de lixo, pelo que a
recolha do mesmo era feita porta a porta e diariamente, acção essa condicionada à existência e
condições de acesso viário. Na zona urbana da cidade da Praia cerca de 75% da população
beneficiava do sistema de recolha dos RSU2, com uma capitação média de 2
2 Resíduos Sólidos Urbanos.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
litros/dia/habitante, correspondente a uma produção diária de 50 toneladas. Era no entanto
deficiente esse sistema, que não cobria todos os bairros da capital.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 17 e 18 – Aspectos negativos do saneamento básico em Tira chapéu.
Mesmo nos bairros que dispunham de contentores (independentemente do tipo ou
localização) a recolha de lixo era feita de forma deficiente, quer pela falha de equipamentos (o
que inviabiliza a sua recolha com a frequência desejável), quer pelo facto dos mesmos serem
constantemente roubados e vandalizados. De qualquer modo, o documento ressaltava que “os
sistemas de recolha não se têm revelado muito eficaz, devido principalmente à fraca
colaboração das populações” (CMP, 2000).
A situação actual do sistema de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos caracteriza-
se pela existência de uma lixeira municipal sem qualquer sistemática de gestão, nem da
separação ou tratamento; o lixo é queimado quer dentro do perímetro das diversas zonas que
compõe o tecido urbano, quer na lixeira municipal, contribuindo para a poluição atmosférica
da cidade; o acesso das viaturas de recolha é difícil em varias localidades (devido a
dificuldades de acesso), particularmente na época das chuvas; a lixeira municipal não possui
nenhuma vedação, o que facilita o acesso de pessoas e animais de forma livre (muitas pessoas
encontram na lixeira municipal um meio de sobrevivência).
Hoje, com a implementação plena do “Projecto de Resíduos Sólidos Urbanos”, a situação de
recolha de lixo melhorou substancialmente em toda a área da cidade, mesmo nos locais de
difícil acesso, pese embora as situações pontuais de grande demora na recolha. Todavia,
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
frequentemente as populações deitam os lixos fora dos contentores, nas encostas e ribeiras.
Decerto, essa prática terá a ver, também, com situações em que não existem contentores, ou,
existindo, não são em quantidade suficiente ou não estão adequadamente localizados.
2.3.2 Drenagem de águas pluviais
A situação da drenagem de águas pluviais nos bairros espontâneos tem merecido alguma
atenção por parte das autoridades municipais. Além da pavimentação do interior desses
bairros, de forma a permitir um mais rápido escoamento superficial das águas, têm sido
construídos diques de correcção torrencial e murros de correcção longitudinal dos leitos das
ribeiras. Entretanto, devido às condições morfológicas do solo e a quase inexistência da
cobertura vegetal das bacias drenantes, as construções em encostas e linhas de água
constituem um verdadeiro factor de agravamento da situação de drenagem das águas pluviais,
em toda a cidade.
Com efeito, a irregularidade das construções, bem como a inexistência de mecanismos de
drenagem eficazes, fazem com que diversas habitações fiquem em risco de desmoronamento.
Além disso, as zonas mais baixas, quer dos bairros informais quer da cidade, em geral, são
altamente afectadas na época das chuvas (p. ex., as enxurradas de descem da encosta de
Terra/Santa Rosa provocam um grande lamaçal e acumulação de água na baixa da cidade) e
nem mesmo o programa de intervenção de correcção torrencial e drenagem de água
implementada na zona da Várzea/Santa Rosa resolveu o problema, pois que esse sistema de
drenagem não funciona adequadamente, devido a problemas de ordem técnica.
No caso de Tira Chapéu, dada a sua localização num planalto com uma suave inclinação no
sentido Norte/Sul, esse facto facilita o escoamento das águas das chuvas. Entretanto, visto que
não existem mecanismos apropriados para uma correcta drenagem (p. ex. valas), o que sucede
é que as águas superficiais percorrem as vias e fazem o seu percurso até às ribeiras. Porém,
quando o caudal da água é significativa, esta invade as construções com o pavimento térreo
praticamente ao mesmo nível da via.
De igual modo, nas zonas mais baixas do bairro, com o aumento da velocidade do caudal, as
construções que não possuem a devida protecção (seja pela elevação do pavimento interior
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
em relação ao exterior, seja pela existência de varandas ou outros elementos de protecção)
deparam-se com problemas de inundação. A situação é muito mais dramática, nas edificações
que ficam mesmo no leito das ribeiras. Nesses casos e, também, pela própria redução da
largura das ribeiras, as pessoas se vêm perante enchentes de lamas, lixos, etc.
2.3.3 Funções urbanas e equipamentos colectivos
Em geral, nas áreas de crescimento espontâneo, a função urbana predominante é a
habitacional. O bairro de Tira Chapéu não foge à regra e, logo, não se vislumbra nenhuma
outra função, com carácter dominante e que o possa diferenciar dos diversos bairros
emergentes nas áreas de expansão espontânea. Na verdade, a grande procura dessas áreas tem
um carácter eminentemente de abrigo (função principal e dominante). Outras funções urbanas
surgem de forma esporádica, muitas vezes também de forma espontânea, caracterizadas por
alguma informalidade.
Como afirma Lacaze (1995), no contexto do funcionamento das políticas urbanas, a decisão a
tomar “tem o carácter de uma arbitragem política e não de uma escolha justificada por uma
lógica técnica ou por um cálculo económico”, sendo que essa decisão consiste na arte de
escolher entre dois inconvenientes. Parece-nos, portanto, que essa lógica terá, igualmente e a
par de outros factores, contribuído para uma ausência quase generalizada de funções urbanas
importantes no bairro de Tira Chapéu.
Com efeito, no referido bairro, as funções comerciais são muito incipientes e o pequeno
comércio local parece servir apenas para “desenrascar” os maus momentos das pessoas com
menor poder de mobilidade, visto que, ao nível da cidade e mesmo na vizinhança, existem
novos espaços comerciais que têm tido alguma preferência, em detrimento das pequenas lojas
e mercearias locais.
As funções que asseguram os serviços praticamente não existem. A questão higieno-sanitária
é bastante precária, embora tenha sido já construído um centro de saúde de raiz, mas, ainda
não entrou em funcionamento; o turismo não encontra base de sustentação, pois as condições
ambientais, sociais e espaciais não são atractivas para os que queiram percorrer esse espaço
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
urbano; o sistema de transporte público colectivo não penetra no interior do bairro, embora
existe uma linha que passa por perto.
A função cultural e de lazer resume-se, genericamente, às iniciativas das populações em
promoverem actividades socio-culturais e algum intercâmbio com outros bairros; o desporto,
independentemente das iniciativas municipais, constitui o principal divertimento dos jovens
residentes no bairro, que aproveitam um espaço livre de construção. À semelhança do que
acontece um pouco por toda a cidade, a prática de actividades desportivas representa um
importante factor de desenvolvimento social das comunidades.
As funções de direcção e comando (política, financeira e administrativa) estão praticamente
concentradas no centro da cidade, mais concretamente no Plateau. Ultimamente tem existido
alguma descentralização dessas funções, para outros pontos da cidade, mas esse aspecto
permanece fora do horizonte temporal dos bairros espontâneos, nomeadamente Tira Chapéu,
enquanto não se ganhar consciência da necessidade, diríamos que urgente, de dotar os bairros
espontâneos de funções urbanas mínimas, que garantam a sua integração plena, no contexto
da cidade.
Do ponto de vista da dinâmica urbana, do ritmo de crescimento físico e das variações dos
valores do mercado imobiliário, os equipamentos públicos representam factores indutores da
ocupação do solo. Para tanto, a sua distribuição deve ser equilibrada, de forma a garantir a
necessária coesão territorial, factor de desenvolvimento sustentável da cidade. Por outro lado,
a implementação de uma rede integrada de equipamentos colectivos, contribuirá para atingir
os objectivos de elevar os índices de desenvolvimento humano.
Considerando a especificidade do Município da Praia, que, além das funções municipais
tradicionais, também concentra as funções de sede do poder político e de centro metropolitano
com a acumulação de um conjunto de problemas sociais e disfunções daí derivados, a
promoção da coesão social passa necessariamente pelo equilíbrio territorial, sobretudo pela
integração urbana dos bairros de crescimento espontâneo. É nessa perspectiva que a
distribuição dos diversos equipamentos colectivos pode contribuir para o desenvolvimento
sustentável da cidade, potenciando as condições para a sua qualificação urbana e territorial.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Em Tira Chapéu existem os seguintes equipamentos colectivos: uma escola do EBI; um
Centro de Saúde (em fase final de construção); uma Capela; um campo de futebol (em estado
degradado). O bairro carece de equipamentos de recreio e lazer; acção social; segurança
pública (pode-se considerar desnecessário, visto existir uma esquadra policial no bairro
vizinho de Palmarejo); e cultura.
2.4 Estrutura urbana e ambiental
2.4.1 Características da estrutura fisico-morfológica e ambiental
Fisicamente, a área em estudo, cujo eixo longitudinal orienta-se a Norte/Sul, situa-se num
planalto que desce com um declive suave no sentido Norte-Sul, revelando, a Noroeste,
pequenas franjas rochosas. Pelos lados Sudeste e Sudoeste apresenta um relevo de declive não
muito acentuado, culminando o perímetro do bairro em duas ribeiras que se encontram a Sul
do mesmo, formando, a partir desse ponto, uma única ribeira (Vale do Palmarejo) que
desemboca na praia de Quebra Canela. O terreno apresenta níveis altimétricos variáveis,
desde os 14 metros nas proximidades do Vale do Palmarejo, passando por níveis de 38 a 41
metros na zona interior até chegar aos 46 metros, na zona Noroeste.
A vertente Norte do bairro de Tira Chapéu está exposta à zona industrial, a vertente Sul para o
Vale do Palmarejo/mar, a Nascente com Achada Stº António e a Poente com Casa
Lata/Palmarejo. Embora o terreno não seja atravessado por linhas de água com grande
expressão na paisagem, o carácter marcadamente irregular de muitas das construções acabou
por determinar as características hidrográficas e os sentidos em que se realiza a drenagem de
águas pluviais.
Actualmente, o terreno encontra-se quase totalmente consolidado, pois são poucos os espaços
vazios ainda existentes, conforme ilustra a Figura 19. De realçar a existência de um grande
espaço ainda livre de edificação, que tem sido utilizado para a prática de futebol, mas que
antes era a lixeira do bairro, onde todo o tipo de resíduos sólidos era ali despejado. Talvez por
essa razão, relativamente à fertilidade do solo, presencia-se pouca diversidade de vegetação e
em pouca quantidade. Todavia, no que se refere à estrutura arbórea, nota-se a existência de
algumas acácias e outras espécies de pequeno porte, sobretudo junto às ribeiras.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa.
Figura 19 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, ano de 2008.
Quanto à permeabilidade, o local não favorece as melhores condições para a infiltração e
escoamento superficial das águas pluviais, em virtude do elevado nível de consolidação das
construções, além do facto de uma parte considerável das vias se encontrar já pavimentada
mas sem um eficaz mecanismo de drenagem da água das chuvas. O terreno, por se situar
sobre uma plataforma sólida, apresenta boas características de resistência no concernente ao
aspecto construtivo.
À semelhança do que acontece em vários outros bairros espontâneos da cidade da Praia, em
Tira Chapéu existem realidades distintas no que diz respeito ao nível de estruturação ou
consolidação, coexistindo situações de construções legais (realizadas com controlo da gestão
municipal) e ilegais (derivado da ocupação espontânea). Em geral, o maior número de
construções legalizadas (lotes com contorno vermelho, Figura 20) encontra-se nas zonas
consolidadas mais antigas, embora se possa também aí encontrar edificações de carácter
ilegal.
Na verdade, a grande maioria das construções, sobretudo as das encostas e na proximidade
das ribeiras, foi realizada às margens das normas legais. Se atendermos à perspectiva de
Lacaze (1995), de que um corpo de regras deva nortear as construções num sitio natural no
espaço geográfico, que é a cidade, fomentando soluções arquitectónicas que valorizam esses
locais (desenho das construções, ruas, praças, etc.), então podemos afirmar que, no caso de
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Tira Chapéu, a não observância dos critérios de uma construção legal acabou por determinar a
forma urbana que tomou o bairro.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa.
Figura 20 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, ano de 2008.
Assim, a morfologia urbana do bairro caracteriza-se, predominantemente, por uma malha
irregular (traçado linear de vias rectas e, em algumas zonas, curvilínea – acompanhando as
curvas de nível)), sem uma ordem hierárquica, clara, entre as parcelas edificadas, as vias e os
cruzamentos, através da diferenciação de sua escala, forma, comprimento e localização. A
nosso ver, as características socio-culturais dos construtores locais determinaram essa
morfologia, pois parece evidente existirem diversas lógicas de apropriação do espaço, que
influenciaram a natureza da configuração das vias e a organização dos espaços que conectam.
Com efeito, verifica-se que, grande parte das construções mais antigas, bem como as mais
recentes, determinaram um comprometimento da circulação interna, sub dimensionamento
dos espaços públicos, desarticulação das funções, etc. As novas construções tendencialmente
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
são implantadas ladeando as vias existentes e comprometendo inevitavelmente as suas
dimensões (normalmente já reduzidas) e dificultando a sua ampliação bem como o acesso às
edificações em lotes vizinhos ou próximos, como bem ilustram as Figuras 21 e 22.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 21 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, zona Norte.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 22 – Nível de consolidação do edificado em Tira Chapéu, zona Sul.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Além disso, no caso das construções em encostas e leitos de ribeiras, há uma redução das
capacidades de drenagem das águas pluviais, na medida em que as referidas construções
provocaram a redução das larguras naturais das ribeiras; o aumento dos aterros e acumulações
de terras provenientes das escavações que, depositadas nas linhas de água, criam barramentos
e consequente situações de alagamento.
De todo o modo, realça-se o facto de, em geral, as próprias iniciativas da população terem
retido alguma preocupação com a questão das acessibilidades. Assim, a organização espacial
do edificado estabelece uma relação de equilíbrio com a rede viária e os percursos pedonais,
favorecendo uma compreensão da sua disposição, apesar das reduzidas dimensões destes.
Existem alguns traçados de ruas com as dimensões mínimas e algumas edificações com
preocupações de alinhamento.
Por exemplo, a partir do nó que constitui o principal acesso ao bairro, (que se situa perto de
um posto de combustível), algumas casas formam um alinhamento do edificado que se
prolonga ao longo do eixo da via principal que atravessa o bairro. Dessa organização das
casas nascem outras ruas, que permitem a ligação com o interior do bairro. As características
formais que possuem essas ruas exprimem, como vimos, a natureza do lugar em relação com
o modo de apropriação e ocupação territorial.
A nível ambiental, a parte mais elevada da área de estudo se encontra exposta aos ventos
dominantes, recebendo-os em quase toda a sua extensão, pois não existem barreiras de
protecção. As partes mais baixas, situadas a Sudeste e Sudoeste, recebem uma menor
intensidade de ventos, pois possuem alguma barreira de protecção. A direcção do vento
dominante durante os meses de Outubro a Junho é de N/NE, e nos meses de Julho a Setembro
varia entre N/NE e SE/S. A velocidade média anual do vento é de 19 km/h.
Quanto à exposição solar, a área recebe durante toda a manhã e parte substancial do período
da tarde, incidência directa dos raios solares, em virtude de não possuir barreiras de
protecção, ou seja, elementos que facultem o sombreamento e diminuam a forte exposição
solar durante longas horas do dia. A temperatura média anual ronda os 25 graus centígrados,
sendo que a época mais quente vai de Julho a Outubro.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A pluviometria media anual na cidade da Praia ronda os 150 mm, salientando que apenas
chove entre os meses de Julho a Outubro, sendo que as maiores precipitações verificam-se no
mês de Setembro. A humidade relativa média anual é de 70%, verificando-se os valores mais
altos nos meses de Agosto e Setembro e os mais baixos nos meses de Fevereiro e Março.
Retomando a perspectiva de ligação e articulação com o bairro vizinho de Vale do Palmarejo,
toda essa área possui grande valor paisagístico, constituindo-se, pois, num espaço que,
inserido no contexto do tecido urbano, apresenta aptidões preferenciais para implantação de
equipamentos de turismo, recreio e lazer.
Nessa perspectiva, pode-se fazer a leitura dessa área como sendo uma parte indispensável do
sistema de protecção e da paisagem urbana, devendo, por isso, ser objecto de uma intervenção
onde se privilegiem a protecção dos recursos naturais e culturais e a salvaguarda dos valores
paisagísticos e que pela sua especificidade patrimonial merecem relevância.
2.4.2 Características do edificado
Em nosso entender, as características das habitações existentes em Tira Chapéu reflectem a
situação socio-económica dos habitantes desse bairro. Ao contrário do que acontecia no
conjunto dos bairros espontâneos e na restante parte da cidade, em Tira Chapéu a “casa
individual”, apesar de constituir o tipo de habitação maioritariamente edificado, estava
praticamente em pé de igualdade com o tipo “parte de casa”.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 23 e 24 – Casas construídas perto da ribeira, em Tira Chapéu.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Com efeito, os dois tipos de habitação representavam, respectivamente, 52,5% e 46,1% do
total das edificações existentes em 2000. Por sua vez, o conjunto dos bairros espontâneos
possuíam 69,4% de “casas individuais” e 27,1% de “parte de casa”, valores relativamente
idênticos à restante parte da cidade.
Sendo que o tipo “parte de casa” se refere a construções que não reúnem condições de
habitabilidade, parece-nos que esses dados deixam evidente a grande precariedade
habitacional existente em Tira Chapéu, comparativamente aos restantes bairros da cidade. Por
outro lado, era reduzido o número de vivendas e de apartamentos no bairro, quantidade, aliás,
bastante inferior à generalidade das outras áreas. Num universo de 1.112 unidades de
alojamento em Tira Chapéu, apenas existiam 10 apartamentos (0,9%, contra 3,1% e 9,9% em
bairros espontâneos e cidade da Praia, respectivamente) e 3 vivendas (0,3%).
Quanto ao número de divisões das habitações, verifica-se que mais de metade das construções
(63,3%) não tinha para além de dois quartos, sendo que 39,5% tinha apenas um quarto e
23,8% tinha dois quartos. Casas com 3 e 4 quartos existiam em menor quantidade,
respectivamente, 13,7% e a 10,5%. Num outro extremo, encontravam-se as habitações com
mais de cinco divisões, até mesmo de 12 divisões, o que espelha, de alguma forma, o tamanho
do agregado familiar.
De todo o modo, mesmo considerando que 42% dos agregados familiares do bairro de Tira
Chapéu tinham entre 5 a 10 pessoas habitando no seu seio, parece-nos marginal os 5,5% de
casas com 5 divisões, os 3,1% com 6 divisões ou mesmo com 7 (0,7%), 8 (0,5%) ou 12
(0,3%) divisões. Quer isto dizer que grande parte dos agregados com muitas pessoas
habitando uma mesma casa, estava sob condições de habitabilidade extremamente precárias.
Entretanto, apesar da pobreza e da precariedade habitacional, as construções são feitas com
recurso a materiais sólidos, pelo que eram escassas as edificações com carácter rudimentar, ou
seja, era reduzido o número de pessoas que se socorriam de troncos e folhas de árvores,
pedaços de madeira, chapas metálicas e outros materiais de desperdícios para construírem
uma habitação, enfim as “barracas”. Com efeito, no ano 2000, em Tira Chapéu existiam
apenas 5 habitações cuja base de sustentação são materiais bastante precários (0,4% de
barracas, contra 0,5% na restante parte da cidade).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Porém, não significa isto que nunca existiram barracas em maiores quantidades. Na verdade,
pelas observações e pelos contactos efectuados em vários bairros espontâneos da cidade,
verificamos que as barracas são, em geral, ou muitas vezes, alojamentos provisórios em lotes
ocupados de forma ilegal, enquanto se aguarda pela construção de uma habitação com outras
características. Dependendo das possibilidades financeiras do seu proprietário, assim está
determinado no tempo a sua permanência no local de construção, normalmente um tempo não
muito longo.
Levando em conta o carácter fortemente evolutivo das construções e o receio das pessoas de
que as autoridades municipais procedam à demolição das suas casas, facilmente se pode
compreender que de noite para o dia já “nasça” uma nova habitação. Ademais, consideramos
que os cerca de 46% de habitações sem as mínimas condições de habitabilidade (parte de
casa) constituem o factor principal para o início da consolidação física do bairro.
Como se pode ver, existiam aproximadamente 40% de “proprietários” de edificações com
apenas uma divisão, que, certamente, ao ocuparem um lote de terreno, mesmo não o podendo
edificar na sua totalidade, criariam mecanismos para garantir a “posse” do mesmo, para
posterior continuação das obras de construção.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 25 e 26 – Aspectos distintos da qualidade habitacional, em Tira Chapéu.
Sendo o bairro de Tira Chapéu um espaço urbano já praticamente consolidado e sem áreas de
expansão, apresenta, no seu conjunto, características homogéneas em termos de materiais
empregues na construção das habitações. Por exemplo, segundo dados do Censo 2000, o
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
material utilizado na elevação das paredes exteriores das casas era, predominantemente,
blocos de cimento, em 75,8% das construções. Pedra e argamassa surgia como o segundo
material mais utilizado (18%) para esse efeito.
No que se refere ao material para a cobertura, o betão armado era o mais utilizado, em 91,2%
das habitações. Apenas 4,8% destas tinha telha como elemento de cobertura. Quanto ao
material utilizado no pavimento interior das habitações, o cimento era de longe o mais
utilizado, em 87,9% das casas, enquanto que apenas 8,9% das habitações tinham o mosaico
no pavimento. Importa salientar que existe uma homogeneidade no respeitante aos materiais
de construção em toda a área urbana da cidade, quer sejam os materiais para paredes
exteriores, para a cobertura ou para o pavimento interior das habitações.
Todavia, no caso específico dos materiais para a cobertura e para o pavimento interior das
casas, verifica-se que nos bairros espontâneos, designadamente na área em estudo, era menor
a percentagem das habitações que utilizavam, respectivamente, telha e mosaico nas suas
construções, relativamente ao contexto da cidade. Em nosso entender, isso pode ser explicado
pelo facto da telha e do mosaico serem mais caros que os outros materiais que podem ser
utilizados para o mesmo fim, de modo que as pessoas com menos recursos financeiros se
recorrem aos materiais que lhes são mais economicamente acessíveis.
De todo o modo, parece-nos que a qualidade das construções fica reflectido, igualmente, no
estado de conservação do edificado. Analisando, por um lado, o facto de ainda existirem
muitas edificações em ruínas ou em péssimo estado de conservação (cf. Anexo A.2) e, por
outro, uma percentagem significativa de construções em bom estado de conservação (cf.
Anexo A.2), a par das muitas obras de construção civil (cf. Anexo A.2) que têm sido
realizadas no bairro, afigura-se-nos possível afirmar que a especulação imobiliária resultante
da grande demanda por habitação na cidade da Praia, incrementou uma nova dinâmica na
reabilitação de casas degradadas no referido bairro.
Naturalmente, se associarmos ainda o facto da área em estudo se encontrar localizada numa
posição preferencial no contexto da cidade, pois fica perto do centro histórico do Plateau e
dos principais equipamentos colectivos urbanos, além de que a especulação imobiliária
tendencialmente afasta as populações insolventes das áreas mais nobres em termos de
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
potencialidades fundiárias, poderemos então estar perante um fenómeno de reabilitação
urbana do edificado, sem, contudo, haver uma planificação urbanística.
Queremos com isto dizer que, apesar de ter estado a haver uma renovação profunda do
edificado, seja pela alteração da tipologia habitacional, seja pela melhoria do estado de
conservação, pode também estar a ocorrer um fenómeno de segregação sócio-espacial, na
medida em que, muitas das novas construções, regra geral, se demarcam das restantes pelas
suas dimensões maiores e diversidade tipológica – vivendas ou prédios de vários
apartamentos com espaço para comércio no rés-do-chão e moradias nos pisos superiores.
Embora consideramos que o lado positivo dessa questão deve merecer regozijo e, apesar de
não dispormos, no presente estudo, de dados que elucidem sobre a realidade das transacções
fundiárias efectuadas, ficamos com dúvidas se dessas alterações ao edificado resulta uma
integração socio-económica dos agregados familiares mais carenciados do bairro.
Na verdade, somos de opinião que os proprietários dessas novas construções não se integram
no grupo das pessoas com dificuldades financeiras profundas, pois que, como vimos, a
situação socio-económica de grande parte destas pessoas3 dificilmente lhes permite aceder aos
créditos financeiras para a realização de obras de construção, nos moldes a que nos referimos
anteriormente.
2.4.3 Organização e configuração dos espaços públicos
A imagem urbana do bairro de Tira Chapéu fica marcada pela organização espacial do
conjunto edificado numa malha irregular, onde o espaço público não constitui elemento
predominante na imagem do tecido. Conforme pudemos ver na imagem das Figuras 21 e 22
(pág. 74), apenas o espaço cuja função tem sido a prática de futebol, domina a organização
espacial desse território. Os outros espaços públicos existentes, designadamente ruas,
pequenos largos e pracetas, não dispõem de elementos que lhes confiram características
próprias de lugar com forte carácter na estrutura física do bairro.
3 Estimamos que mais de 60%, pois o número de agregados com apenas uma pessoa no seio da família a trabalhar era cerca de 47% e aproximadamente 10% dos agregados não tinha qualquer trabalhador na família.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Da abordagem que temos vindo a fazer do espaço público, no presente estudo, parece-nos que
a rua e a praça, enquanto elementos preponderantes de desenvolvimento urbano, não têm, em
Tira Chapéu, um carácter de componentes primários do tecido urbano, logo, sem
possibilidades de definir uma paisagem sócio-cultural com vitalidade. De modo que, no
processo de leitura visual do bairro, difícil se torna reconhecer e identificar os elementos que
marcam o carácter do espaço público.
Decerto que, apesar do carácter espontâneo das construções, a necessidade de mobilidade
determinou a organização e configuração dos espaços públicos. Com efeito, no que diz
respeito ao tráfego automóvel, apesar do bairro estar servido directamente por uma via
estruturante (a que liga Praia-Cidade Velha), a principal via secundária interna organiza, de
forma pouco adequada, as várias parcelas a ela relacionadas.
Na verdade, como ilustram as Figuras 21 e 22 (pág. 74), apenas a zona Este/Sul do bairro se
encontra melhor servida, no que respeita à rede de circulação automóvel. Entretanto, existem
outras vias que fazem a articulação das parcelas por elas servidas e garantem um grau mínimo
de mobilidade interna. Com toda a certeza, a fragilidade orográfica dos lugares terá
influenciado essa organização, mas, em nosso entender, lógicas distintas de produção e
apropriação do espaço, também, determinaram a actual estrutura do tecido urbano do bairro.
Assim, se atendermos ao facto de, por um lado, Tira Chapéu ser deficitária em termos de rede
de infra-estruturas e de equipamentos colectivos e, por outro, características socio-económicas
da população aí residente espelharem uma situação pouco favorável, podemos depreender que
a lógica residencial teve uma preponderância maior na espacialização do edificado e,
consequentemente, na organização e configuração dos espaços públicos.
Todavia, analisando a estrutura urbana do bairro, mais numa perspectiva de valorização das
áreas pedonais (enquanto um dos parâmetros de qualificação do espaço público) e menos
segundo critérios de circulação automóvel, parece-nos acertado afirmar que, tendo presente a
visão do conjunto, a configuração das vias é razoavelmente adequada, enquanto sistema que
organiza o tecido. Quer isto dizer que, internamente, essa configuração permite uma
articulação entre as parcelas do edificado, assegurando o funcionamento do tecido urbano
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
(ainda que de forma deficitária) e, por outro lado, cria características diferenciadas que
garantem a interligação de Tira chapéu com os bairros da vizinhança.
Não significa isto, contudo, que as actuais dimensões das vias sejam suficientes para o
movimento de pessoas e veículos que aquelas têm tido. Na verdade, as dimensões no espaço
público não têm uma relação, em termos de escala, com as no espaço edificado, logo,
consideramos que não fica garantida a qualidade de vida nesse meio urbano. Como se pode
ver, quer o dimensionamento, quer a ausência/escassez de elementos urbanos,
designadamente, mobiliário, arborização, iluminação, tipo de materiais de pavimentação, etc.,
não permitem satisfazer as necessidades da população, em matéria de, por exemplo, convívio,
recreação, relaxamento, etc.
Além da escassez e deficiente dimensionamento, os espaços públicos existentes não têm uma
relação específica com a envolvente próxima, no sentido de exprimir/representar a memória
colectiva da população local, ou ainda da vivência social e cultural.
2.4.4 Relações entre os espaços público e privado
De uma maneira geral, a implantação das edificações foram realizadas respeitando alguns
critérios elementares de assentamento: alinhamento, acessibilidade aos lotes, dimensão
proporcionada dos mesmos, etc. Como referimos anteriormente, alguns traçados de ruas têm
as dimensões mínimas que, com um trabalho adaptado à realidade construída, traduz-se em
benefícios, quer para a população local, quer para o município, que vê reduzidos os recursos
para a implementação de programas e projectos de reabilitação urbana desse bairro.
Todavia, com o aumento da ocupação do solo e mesmo com as novas construções, elementos
conflituais e perturbadores acabaram por determinar uma alteração à estrutura física,
dificultando e/ou comprometendo intervenções de requalificação urbana no bairro. É o caso
de construções desalinhadas ou mal implantadas que se traduziram numa alteração de algum
equilíbrio existente anteriormente, ou novas situações que configuram um total
incumprimento das regras urbanísticas (cf. Figuras 27 e 28).
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Tira Chapéu é um bairro essencialmente residencial, existindo uma fraca diversificação de
funções urbanas. A existência de actividades comerciais é bastante incipiente, resumindo-se
ao pequeno comércio sem grande expressão e, praticamente não existem outras funções que
possam promover uma vida urbana mais moderna e dinâmica.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 27 e 28 – Ocupação do espaço público pelas construções, em Tira Chapéu.
Pessoalmente, diremos que a actividade comercial que, a par de outras funções, poderia
catapultar o bairro para outros patamares de desenvolvimento socio-económico, encontra-se
disperso e em pouca diversidade. Assim, não existe nenhuma rua que tenha uma relação forte
com a actividade comercial, ou mesmo com a prestação de serviços. Com efeito, a
distribuição da actividade ao nível do rés-do-chão é fundamentalmente de carácter
habitacional (cf. Anexo A.3).
Entretanto, paradoxalmente, algumas pessoas desenvolvem actividades comerciais informais
nas ruas, sobretudo na principal rua interna do bairro. Nesse caso, podemos afirmar que
mesmo a existência de logradouros/jardins à frente das habitações não impedem a venda
informal (caso dos “tabuleiros de rua” e vendedores ambulantes). Logo, parece-nos que a
ocupação de ruas, passeios e linhas de trânsito automóvel, é o reflexo das características
sociais, culturais e económicas dos habitantes.
No caso da principal rua interna do bairro, a sua importância deriva, em nosso entender, da
concentração de costumes e hábitos dos habitantes locais, designadamente, uma grande
circulação/permanência de pessoas nessa rua, actividades específicas (p. ex. cozinhar e lavar
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
na rua, conforme verificamos nas Figuras 29 e 30) que acabam por marcar a mente do
observador. Por essas razões e pelo facto de ser uma rua que tem continuidade (p. ex. é
pavimentada em toda a sua extensão) e articula-se com uma via estruturante que passa pelo
lado Este do bairro, ela torna fácil a leitura da imagem do bairro.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 29 e 30 – Realização de actividades domésticas na rua, em Tira Chapéu.
Não significa isto que ela não carece de um tratamento que lhe confira uma maior
importância, enquanto elemento que estrutura o tecido urbano do bairro. Por exemplo, a
reabilitação do edificado em estado de degradação, o tratamento das fachadas de edifícios
novos, a colocação de vegetação (praticamente inexistente) e a própria alteração da situação
visual da rua (actividades domésticas no exterior, consumo de estupefacientes, etc.) merecem
atenção particular.
Por outro lado, as características espaciais de largueza ou falta de espaço relacionadas com as
ruas principais/estruturantes e as ruas secundárias (as que fazem ligações entre as parcelas do
edificado) contribuem para a falta de importância e de sentido às formas do tecido urbano e na
promoção da boa imagem do bairro. Apesar disso, parece-nos que da relação entre o edificado
e o espaço público, resultam alguns espaços livres e intersticiais que possibilitam a ocorrência
de diversas actividades, algumas referidas anteriormente.
Embora admitindo a riqueza inerente à perda de alinhamento na implantação dos edifícios
(visto poder atenuar o efeito monótono das construções) e a aparente ausência de estratégia na
sua disposição, consideramos que, por causa das situações e carências acima referidas, a
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
relação entre o espaço público e o privado é confuso e, em particular, o espaço da rua não fica
claramente definido, pois o edificado que a ladeia não apresenta um sentido de contenção,
visto que há uma invasão de funções residenciais para o espaço exterior, como vimos.
De modo que, a pouca largueza relativa das ruas e a sua não diferenciação funcional, a
ausência/deficiência de passeios, a forma e dimensão dos quarteirões e as fachadas dos
edifícios, tendem a tirar sentido e carácter ao sistema que é constituído por esses e outros
elementos, que formariam um todo coerente. Em nosso entender, mesmo considerando os
aspectos positivos, tais como os estreitamentos existentes entre as construções (p. ex. as
passagens estreitas – becos) e que permitem estabelecer a articulação entre as várias parcelas
edificadas (privado), um conjunto de princípios de ordem não são observados na organização
espacial do tecido.
Na perspectiva de que a organização das partes físicas da cidade (imóveis) numa estrutura
coerente desempenha um papel social e uma base útil para o crescimento do indivíduo
(Lynch, 2003), parece-nos que uma certa ausência de (ou deficiente) “diálogo” entre o espaço
público e o espaço privado, influencia o comportamento emocional e prático dos habitantes
do bairro de Tira Chapéu. Isto porque, aparentemente, as relações estabelecidas entre os
elementos móveis (especialmente as pessoas e as suas actividades) com o espaço público (os
gerados à volta do das parcelas edificadas) não têm um sentido de unidade na composição
espacial do tecido urbano.
Se atendermos a que o arranjo harmonioso deve constituir a condição em que cada parte de
um todo está disposta de modo apropriado em relação às outras partes (bairros integrados
entre si e no contexto da cidade), quer-nos parecer que há uma desordem entre o edificado
particular e a necessidade de estruturar o meio exterior do domínio público, i.e., o necessário
equilíbrio entre os cheios e os vazios, entre as construções e os espaços que gera à sua volta,
que devem ser livres.
Nessa perspectiva, parece-nos, portanto, que não existem relações espaciais coerentes entre o
edificado e a envolvente imediata, designadamente os espaços livres de construção, pelo que
se nos afigura inexistir um sentido de unidade na relação entre os espaços público e privado,
mesmo considerando as vias existentes, enquanto eixos orientadores que pudessem favorecer
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
tais relações espaciais. Na verdade, acresce-se ainda o facto de muitos edifícios criarem
espaços livres privados que os rodeiam (becos, quintais e varandas, p. ex.) e os isolam dos
espaços públicos circundantes, criando-se alguma confusão entre o público e o privado.
Entretanto, apesar do nível de consolidação do tecido urbano, seja em termos de densificação
das construções, seja pela criação de características diferenciadas no interior do próprio
bairro, a existência de ruas, largos e alguns espaços vazios potenciam/asseguram, de certa
maneira, algum “funcionamento” do tecido, quer no respeitante a circulação quer na
realização de actividades sociais e económicas, como, aliás, vimos neste estudo.
Porém, nas situações de precariedade orográfica dos terrenos, ou mesmo nas situações em que
os terrenos são quase planos, mas onde as pessoas não se mostraram preocupadas com o
cumprimento de normas de segurança, de estética, etc., fica bastante comprometida a
circulação, os encontros sociais e a efectivação do comércio, em virtude, possivelmente, da
apropriação do espaço urbano pelas pessoas não ter retido a necessidade de salvaguardar a
existência de espaço público.
Logo, retomamos a ideia de incoerência na apropriação do espaço público, acrescentando
ainda que, a nosso ver, mesmo os actuais espaços públicos existentes não satisfazem todas
necessidades das populações locais, designadamente, no que se refere a interacção entre as
pessoas.
2.4.5 Riscos e vulnerabilidades
Os riscos de catástrofes naturais (quer sejam resultantes das mudanças ao nível do clima,
tremores de terra, maremotos, chuvas torrenciais, inundações e tempestades, ou ainda de uma
erupção vulcânica), agravadas pelo aumento dos riscos tecnológicos e o perigo do país ser
afectado por desperdícios biológicos, radioactivos e produtos químicos transportados por via
marítima ou terrestre são situações que vêm potenciando ainda mais o agravamento dos riscos
colectivos.
Na cidade da Praia, a complexa situação gerada pela orografia do território tem potenciado
uma tendência cada vez mais crescente de ocupação de encostas e vales por construções de
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
carácter espontâneo e de forma desordenada. A amplitude dos danos e perdas provocados por
uma catástrofe originada por risco hidrogeológico é agravada em períodos de chuvas,
sobretudo quando intensas.
Com efeito, os deslizamentos de terras e as enxurradas trazem consequências gravosas para as
populações residentes em zonas com acentuado declive e as das zonas baixas, como resultado
das enumeras construções nas proximidades de linhas de água, constante mobilização dos
solos nas encostas para a produção de lotes e deposição de produtos resultantes de escavação
nos arredores das moradias e locais inapropriados.
Por outro lado, a vulnerabilidade de uma região aos riscos acima identificados depende de
factores tão diversos como a densidade populacional, a natureza dos seus bens tecnológicos e
culturais, o tipo de organização social e económica e a capacidade exibida pelas comunidades
para enfrentarem os diferentes factores de risco.
Fonte: Fotografias do autor, 2008.
Figuras 31 e 32 – Construções nas ribeiras e em encostas acentuadas, em Tira Chapéu.
As construções situadas sobretudo nas encostas com acentuado declive e nos leitos de ribeiras
ocasionaram modificações no meio físico e ambiental, tendo o volume construído, muitas
vezes sem uma organização coerente, como consequência, uma progressiva redução das
acessibilidades ao bairro e dificuldades de circulação interna. Algumas construções são feitas
sobre as linhas de água o que ocasiona, nas épocas de chuva, inundações e deslizamento de
terras, como corolário da redução da capacidade de drenagem natural.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
De igual modo, as situações de escavações descuidadas agravam as situações de perigo de
desmoronamento, tendo em conta que essas escavações resultam em aterros instáveis e
depositados sobre terrenos inclinados, na maioria dos casos, sobre áreas construídas e/ou
habitadas. Por outro lado, as escavações efectuadas fazem com que todo material seja
arrastado pela água das chuvas, inundando as construções mais baixas e as ruas da cidade, na
sua parte baixa.
As Figuras 31e 32 ilustram essa realidade das construções espontâneas, que acabam por
afectar, de uma maneira geral, toda a cidade. Naturalmente, o bairro de Tira Chapéu também
sofre as consequências inerentes ao carácter espontâneo das edificações (que não cumprem
um corpo de regras e normativas urbanísticas). Para além dos riscos já mencionados, o bairro
em estudo apresenta um conjunto de outros factores de riscos e vulnerabilidades, ligadas não
apenas aos aspectos físicos mas também a questões de ordem sócio-cultural e económica.
Assim, as características sócio-espaciais do bairro potenciam o surgimento de problemas
sanitários e de saúde pública, resultantes da acumulação de resíduos sólidos urbanos; de
doenças e epidemias que surgem sobretudo nas épocas chuvosas, em consequência da
contaminação da água, das más condições de higiene e ainda pela inexistência ou
insuficiência de estruturas de recolha e tratamento de lixos. Os problemas de saúde ficam
agravados quando ocorrem situações de canalizações de esgoto a céu aberto (que espalham
cólera, paludismo, febre tifóide, etc.)
Verificamos, no bairro de Tira chapéu, a permanência de hábitos, eminentemente, rurais,
como a criação de animais nas residências ou então soltos nas ruas. Este facto constitui ainda
hoje um problema para a municipalidade praiense, pois que diariamente se encontram animais
soltos e a circularem pelas ruas da cidade, seja no centro seja nos bairros periféricos. A
deposição de detritos de animais ou mesmo eventuais detritos de resíduos tóxicos (por causa
da vizinhança com a zona industrial) ao lado das moradias constitui outro perigo para a saúde
dos habitantes.
A estrutura urbana do edificado, pelas suas características morfológicas, dificulta, senão,
impede mesmo, em algumas situações, a prestação de socorro em caso de incêndio ou de
outro tipo de acidente, por exemplo, rodoviário ou industrial. Com efeito, verificamos que as
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
dimensões de várias ruas não permitem o acesso a veículos. A falta de acessos fáceis e
directos compromete seriamente a evacuação de pessoas em situação de emergência, pelo que
é um dos aspectos preocupantes no capítulo da protecção civil.
A pobreza e a exclusão social acabam por remeter um grupo considerável de pessoas para a
marginalidade. Tira Chapéu, infelizmente, tem uma imagem social negativa, consequência
dessa exclusão. Na verdade, são visíveis as marcas sociais da degradação de vida de algumas
pessoas, que se refugiam na droga e no alcoolismo. A prostituição, sobretudo a infantil, é um
facto lamentável da vida urbana do bairro. A delinquência juvenil e o alcoolismo constituem
verdadeiros dramas, pelos efeitos que acabam por provocar na estruturação familiar.
Entretanto, acreditamos que esses problemas, tendencialmente, vêm diminuindo.
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Capítulo 3: Projecto de reabilitação: linhas de força
1 Enquadramento
Depois da caracterização e diagnóstico feitos ao bairro de Tira Chapéu, importa reter e
apontar as linhas de força para um eventual projecto de reabilitação urbana e ambiental do
bairro, com vista ao seu desenvolvimento e plena integração na cidade da Praia. Desde logo,
colocamos duas perguntas de partida:
Que papel pode o bairro de Tira Chapéu desempenhar, no quadro do desenvolvimento
da cidade da Praia?
Qual a referência do bairro no contexto urbano?
Como vimos, neste estudo, apesar dos vários constrangimentos que afectam o bairro de Tira
Chapéu, este apresenta potencialidades que, em nosso entender, viabilizam a sua completa
reabilitação, ainda que de forma paulatina, sendo certo que os custos de tal processo serão de
longe inferiores aos ganhos que representaria tal intervenção.
Pessoalmente, diremos que, dada a sua localização privilegiada no contexto da cidade, mas
também, pelos problemas sociais que apresenta, torna-se um imperativo que Tira Chapéu seja
beneficiada com um programa de reabilitação urbana e ambiental, de modo a qualificar e
integrar as várias zonas do bairro, garantindo o seu funcionamento coerente e sustentado. Por
outro lado, pensamos que essa intervenção iria potenciar nos habitantes do bairro o
desenvolvimento de todas as suas capacidades, em prol da melhoria do seu nível socio-
económico e da sua qualidade de vida.
Em nosso entender, os espaços públicos, de uma forma particular, poderão contribuir para
fortalecer os laços sociais e culturais e, pela sua adequação a determinados usos específicos,
poderão diferenciar o capital económico do bairro, designadamente, com a realização de
feiras e de outras actividades, alargando o leque de oportunidades que aumentariam o
rendimento das pessoas que aí habitam.
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Essa intervenção permitiria, igualmente, garantir e intensificar a integração plena de Tira
Chapéu, com relação aos bairros da vizinhança, promovendo a complementaridade entre eles,
sobretudo em termos de cobertura em infra-estruturas e equipamentos colectivos, melhorando,
desta forma, o acesso das várias populações aos bens e serviços oferecidos pela cidade.
No que se refere ao aspecto urbanístico, Tira Chapéu se encontra integrado no espaço urbano,
situando-se numa zona nobre da cidade e com um potencial enorme, tendo em consideração
as possibilidades de sua densificação. De igual modo, as características agrícolas existentes na
proximidade (no Vale do Palmarejo), representam uma mais valia para toda essa área. Deste
modo, esta situação é tida em conta, pelo que merece o devido enquadramento no âmbito da
intervenção.
Visando a sustentabilidade do projecto de reabilitação, torna-se necessário que cada cidadão
residente no bairro tenha a percepção de, efectivamente, pertencer ao bairro. Quer isto dizer
que a mobilização de todos os habitantes (além, é claro, de outros parceiros, sobretudo o
Estado) é uma das condições para o sucesso da operação. Esse compromisso social e cultural
das comunidades locais é vital e, como afirmam Rogers e Gumuchdjian (2005:15) “a
cidadania manifesta-se em gestos cívicos planeados e de grande escala, mas também em
gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica diversidade da vida urbana”.
Acreditamos, como aliás, diversas experiências já o demonstraram, que a participação
popular, em articulação e compromisso com o sector público e o engajamento do sector
privado, concorre decididamente para a transformação da estrutura física, sócio-cultural e
ambiental do bairro de Tira chapéu.
2 Princípios e linhas de força
E termos legais, a actual proposta de Plano Director Municipal (PDM) para a cidade da Praia,
integra Tira Chapéu no grupo de bairros cuja superfície se encontra ocupada quase totalmente,
com baixa densidade populacional, logo, sujeitos a uma densificação. Entretanto, o plano
actualmente em vigor é o PDU (Plano de Desenvolvimento Urbano), em cujos princípios
também se pode apoiar.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Assim, no que tange às estratégias elementares de classificação do uso e ocupação do
território municipal, nomeadamente em relação ao desenvolvimento da zona urbana, como
garantia de um equilíbrio multi-sectorial, designadamente nas vertentes socio-económica e
ecológica, de forma sustentável, levamos em conta os seguintes aspectos:
A melhoria da organização espacial do bairro;
Assegurar em quantidade e qualidade a transformação do solo de acordo com as
necessidades dos cidadãos;
A Garantia de desenvolvimento na perspectiva de sustentabilidade económica e social;
A Garantia do equilíbrio entre as necessidades de crescimento e a protecção de valores
naturais e ecológicos.
A cidade é muito mais do que um conjunto de edifícios, ruas e espaços abertos e deve ser
encarada como um organismo vivo, cuja saúde está fortemente ligada com a saúde dos seus
habitantes. Deste modo, um projecto de reabilitação para o bairro de Tira Chapéu tem de estar
suportado numa visão estratégica de desenvolvimento e, na perspectiva do que abordamos
neste estudo, os valores da qualidade de vida e da qualificação do espaço público urbano, são
os eixos sobre os quais deve assentar essa intervenção.
Em nosso entender, não é uma utopia, tornar Tira Chapéu um bairro saudável, acolhedor,
promotor da cidadania, através da requalificação do seu tecido, enfatizando os espaços
públicos (designadamente a rua e a praça/recintos) e a valorização ambiental; um bairro com
elevado nível de urbanidade, um espaço da cidade servido de projectos multifuncionais e
serviços de boa qualidade, com equipamentos de ordem cultural, lúdicos e serviços
especializados; um bairro que realça o sentido do habitat e promove a inclusão social das
pessoas mais carenciadas.
Enfim, um bairro que, de forma contínua e com o apoio das instituições públicas, melhora o
seu ambiente físico e social, assim como potencia os recursos comunitários que permitem, à
população residente, realizar todas as funções da vida e auto desenvolver-se até ao seu
máximo potencial, a partir de uma perspectiva de promoção de políticas ambientais,
económicas e sociais, num processo de equidade e contínuo fortalecimento. O
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
estabelecimento de elos de ligação com a vizinhança é um outro factor determinante na
materialização de outras vertentes de um projecto de intervenção para toda essa área.
3 Elementos estruturantes de intervenção
No que se refere à mobilidade urbana, o principal objectivo é a criação de condições que
favoreçam a melhoria da qualidade na mobilidade, como uma componente da qualidade de
vida dos cidadãos. A nossa perspectiva vai no sentido de um controlo na quantidade de
veículos que entram e circulam no bairro, bem como uma maior disciplina no seu
estacionamento. Deste modo, prevemos uma hierarquização da rede viária e a criação de
espaços para estacionamentos, da modo a permitir, simultaneamente, a redução do tráfego no
interior do bairro e a ordenação do estacionamento.
A previsão de vias principais que fazem a ligação entre Tira Chapéu e outros bairros da
vizinhança, visa melhorar a acessibilidade inter-bairros e a sua integração no sistema de
mobilidade urbana geral; permitir a introdução do sistema de transporte colectivo,
promovendo sua expansão e reorganização; favorecer a integração funcional entre os diversos
equipamentos e espaços públicos da vizinhança; adequar as necessidades em termos de
tráfego automóvel e espaços para estacionamentos às exigências de qualidade; melhorar a
circulação intra-bairro, com primazia para a circulação pedonal.
Prevemos a existência de vias secundárias que se pretende estruturar as parcelas do edificado,
consistindo no natural acesso aos lotes de construção. Estas vias, em virtude da sua reduzida
dimensão, serão, essencialmente, de sentido único. Por outro lado, algumas dessas ruas
deverão ser de acesso condicionado, apenas permitindo o acesso aos moradores ou para
situações pontuais de cargas e descargas. A ideia é limitar a circulação automóvel, de forma a
permitir um ambiente urbano o mais saudável possível.
Afim de tornar esta ideia imediatamente perceptível, além da colocação dos respectivos sinais
de trânsito, deverá haver, ainda, uma diferenciação quanto ao tratamento do pavimento. Cores
e padrões indicando as ruas de sentido único, estacionamentos, atravessamento de peões
(destacando-se a existência de mecanismos de redução da velocidade automóvel junto às
zonas de maior concentração de pessoas), ruas pedonais, etc., devem permitir uma leitura
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
mais fácil da rua e garantir que a circulação nestas artérias se faça de forma cautelosa. Assim,
consegue-se que esses espaços sejam seguros e tranquilos, além de, simultaneamente, darem
uma nova estética funcional na paisagem urbana. Para tornar essas ruas ainda mais aprazíveis
e saudáveis prevê-se a sua arborização, acentuando o seu carácter privado.
No sentido de que os espaços públicos morfologicamente caracterizados e inteligíveis
facilitam a identificação e interpretação visual da imagem urbana do bairro (Cullen, 2006), a
sua hierarquização reforça o carácter deste. Assim, aproveitando alguma vitalidade, já
existente, dos pontos socialmente mais intensos, reforçamos o carácter das principais vias
intra-bairro que, na verdade, são eixos que estruturam todo o tecido, organizando e
articulando os diversos espaços e equipamentos públicos.
Por outro lado, a própria topografia do terreno participa na diferenciação das diversas vias.
Deste modo, e também, porque a ideia é dar prioridade aos peões, a partir dos acessos já
existentes, propõe-se a sua reabilitação e a criação de novos caminhos pedonais,
acompanhando as características topográficas e articulando-os entre si. Isto irá permitir ainda
um acesso mais fácil às edificações das encostas, que, de um processo de requalificação,
deverão resultar em plataformas sucessivas em terraço.
Em relação ao estacionamento, prevemos espaços destinados a estacionamentos, tanto para
moradores quanto para os visitantes do bairro. De referir que nas tipologias unifamiliares o
espaço destinado ao estacionamento deve estar englobado dentro da respectiva área do lote.
Nas outras tipologias, predominantemente, o estacionamento deve ser garantido em caves do
próprio edifício. De todo o modo, não o sendo possível, não deve ser permitido o
estacionamento sobre os passeios ou nas vias, se o efeito for um comprometimento da
circulação pedonal.
Naturalmente, para a materialização de algumas vertentes da proposta, necessário se torna a
assunção de algumas demolições e expropriações por utilidade pública. Mas, como referimos
já anteriormente, os custos de uma operação de reabilitação do bairro serão inferiores aos
custos sociais da manutenção da situação actual que, eventualmente, pode vir a deteriorar-se.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Com o intuito de garantir uma articulação entre as vias e os restantes espaços públicos, um
conjunto de espaços abertos públicos são previstos, em níveis de hierarquização diferentes,
em função da sua localização, dimensões, uso, etc. Destacamos a previsão de uma praça,
vários largos/pracetas, recintos verdes e pequenos jardins, coerentemente articulados entre si e
com as parcelas do edificado existente. Com vista a garantir uma harmonia entre o edificado e
esses espaços abertos públicos, em que o pavimento faz a articulação/distinção entre eles,
diferentes materiais deverão ser utilizadas na revitalização dos pavimentos.
A reserva de espaços públicos destinados à permanência e circulação de peões,
designadamente, praça, largos, recintos verdes, ruas exclusivamente pedonais, jardins
públicos, etc., visa criar uma paisagem urbana humanizada. Assim, a sua pavimentação deve
contribuir para marcar o carácter e a personalidade dos mesmos, transmitindo para os seus
usuários a percepção de pertença ao lugar. Naturalmente, pela sua importância, não podíamos
deixar de referir à integração da árvore na paisagem urbana do bairro.
Na perspectiva de contribuir para a resolução dos graves problemas socio-económicos dos
habitantes do bairro de Tira Chapéu, associamos a reabilitação dos espaços públicos,
particularmente a rua e a praça, à necessidade de reorganizar o comércio informal, podendo
aqueles funcionar como âncoras polarizadoras da actividade comercial, sobretudo como
espaços de dinamização do tecido económico no bairro e na vizinhança.
Deste modo, prioridade é dada ao comércio de proximidade, localizando no bairro e
favorecendo a articulação entre o comércio, restauração e cultura/lazer (e prestação de
serviços), como factor catalizador de dinâmicas comerciais locais. A previsão de espaço
aberto público para a realização de feiras e outros certames, deverá promover o bairro e as
suas actividades, quer no âmbito interno quer no externo, em domínios variados como o
micro-empresarial, o cultural, o artesanal, etc.
Considerando que os espaços públicos desempenham um papel importante na estruturação
urbana, é nossa percepção que o conjunto de linhas de força ora apresentadas, para a actuação
no bairro de Tira Chapéu, deva permitir uma revitalização gradual do referido bairro. Na
verdade, defendemos que as intervenções especificas no espaço público, particularmente nos
bairros espontâneos, deve ser acompanhada de outras mais gerais, de apoio à reabilitação das
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
estruturas sociais, económicas e culturais locais, visando a melhoria global da qualidade de
vida.
Assim, pensamos que é possível conciliar os riscos e os benefícios de um tal tipo de
intervenção, pelo que propomos algumas intervenções de renovação urbana (reconstrução de
áreas degradadas, com deficientes condições de habitabilidade, de salubridade, de estética ou
de segurança) e outras de reabilitação urbana (maioritariamente), considerando que esta
última tem custos menores do que as operações de demolição e reconstrução inerentes à
opção pela renovação urbana. É, pois, na perspectiva acima referida, que se inserem essas
propostas, sendo, portanto, uma consequência esperada da intervenção e valorização do
espaço público no bairro de Tira Chapéu.
A nível social, são muitos e complexos os problemas que ainda subsistem no meio urbano de
Tira Chapéu, afectando sobretudo as camadas da população em situação de maior
vulnerabilidade. Com vista a permitir uma efectiva inclusão das pessoas mais afectadas pela
pobreza ou que se encontram em situação de marginalização e/ou risco de exclusão social,
mas, igualmente, a integração dessas pessoas nas instâncias de participação da vida social e
económica das suas comunidades de pertença e da cidade de um modo geral, prevemos a
existência de um Centro de Protecção Social, para atender crianças e jovens em situação de
risco social.
O sucesso da generalização das redes de equipamentos colectivos implica uma filosofia de
polivalência na prestação de serviços, exprimindo-se na flexibilidade de utilização de meios e
na agregação de duas ou mais valências num mesmo edifício, em função das
complementaridades que se julguem convenientes e exequíveis face às necessidade
identificadas. A existência de uma Casa da Cultura, equipamento público de proximidade,
deve integrar, num mesmo edifício, funções de cultura, recreio e lazer.
Espera-se que a sua localização e a área de influência proporcionem um convívio
intergeracional nas diversas valências da vida quotidiana dos habitantes do bairro, da
vizinhança e dos visitantes; oportunidade de promoção, produção e inovação culturais dos
jovens; além de desempenhar um papel importante no fomento da mobilidade e intercâmbio
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
juvenil entre os diferentes bairros da cidade, bem como no fomento de iniciativas visando a
criação do emprego jovem.
A nível do sector da educação, propomos a construção de uma biblioteca, como forma de
incentivar a leitura e a investigação. Na verdade, Tira Chapéu apresenta a vantagem de se
situar perto de vários estabelecimentos de ensino, sejam públicos ou privados, desde o ensino
básico, secundário e superior. Por outro lado, perspectivando que, com um desenvolvimento
do bairro, diversos estudantes podem aí encontrar oportunidades de alojamento a custos mais
acessíveis, relativamente a outros bairros da cidade, pensamos que se justifica a existência
desse equipamento. Além do mais, seria uma forma de contribuir para a elevação do nível de
instrução da população que habita no bairro.
Outro sector que pode apoiar na resolução dos problemas sociais é o desporto. Este constitui
um poderoso factor de desenvolvimento humano, pois contribui de forma decisiva para a
formação física e intelectual dos cidadãos e incute, em particular nas crianças e nos jovens,
valores como a solidariedade, o respeito ao próximo, a tolerância, o sentido colectivo, a
cooperação, etc. Sendo os espaços desportivos dinamizadores da qualidade de vida, ou seja,
bem-estar físico, mental e factor de saúde para todas as faixas etárias da população,
assumimos que o espaço onde tem servido para a prática de futebol, deva ver melhorada as
suas condições físicas.
Assim, para que o seu acesso permita uma prática desportiva generalizada, é necessário que o
mesmo seja uma infra-estrutura capaz de dar respostas às solicitações em matéria de desporto
amador, bem como a vertente do desporto de alta competição. Logo, esse espaço deverá ser
transformado num verdadeiro Campo de Futebol, totalmente relvado, com instalações
sanitárias, bancadas e tratamento da envolvente, designadamente com a previsão de
estacionamentos.
O bairro de Tira Chapéu é envolto, a Este e Oeste, por duas ribeiras que se encontram a Sul e
desembocam na praia de Quebra Canela. Apesar da redução da sua largura natural, em virtude
das construções que as foram ladeando, é necessário assumir as mesmas, enquanto fazendo
parte da paisagem urbana e como vias, por excelência, de drenagem das águas pluviais. Nesse
sentido, a intervenção deve prever a construção de murros de protecção e suporte para a
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
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drenagem de águas pluviais, bem como o abaixamento do nível das ribeiras (que vêm subindo
com acumulação de terras das construções espontâneas nas encostas).
Deve ser criada uma área de protecção às linhas de água, em redor das quais são colocadas
plantas de diversas características, bem como espaços de passeio e repouso. Tendo em conta
eventuais aumentos do caudal das cheias4, deve ser respeitada essa faixa de protecção às
linhas de água, pelo que não são previstos loteamentos perto dessas zonas. Assim,
entendemos ser aconselhável desactivar as habitações mais pertos dos leitos das ribeiras, que
correm perigos de inundação e/ou aterro. A existência de uma cintura verde abrangendo a
área de protecção das ribeiras, contribuirá, certamente, para uma melhor leitura do tecido do
bairro, além de melhorar as condições ambientais.
A nível do saneamento básico, entendemos que, a prazo, devem ser criadas as condições
necessárias para que todas as unidades de alojamento tenham acesso directo à rede pública de
abastecimento de água. Tendo em conta que a ETAR se situa a pouca distância do bairro de
Tira Chapéu, uma experiência poderia ser realizada com as águas da cozinha e do banho, que
seriam colectadas e transportadas para essa estação de tratamento e posteriormente utilizadas
na rega. A localização de contentores para recolha de resíduos sólidos urbanos tem por
preocupação não prejudicar o aspecto estético, acústico e salubre do ambiente.
Preferencialmente, não devem ser colocados muitos contentores nas ruas, sendo que os pontos
de colecta, estrategicamente localizados, devem ser recolhidos diariamente, por equipas
responsáveis por esse serviço.
A Tabela 1 indica a relação entre as áreas já construídas e as livres de edificação. A nossa
proposta vai no sentido de aumentar as áreas destinadas a espaços públicos.
Edificado Não edificado Situação actual 10,2 (ha) 11,5 (ha) Proposta 9,5 (ha) 12,2 (ha) Área total do bairro de Tira chapéu 21,7 (ha) 21,7 (ha)
Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de levantamentos efectuados em Julho/Agosto de 2007.
Tabela 1 – Relação entre as áreas construídas e as livres de construção, em Tira chapéu.
4 As mudanças climáticas globais devem fazer-nos pensar seriamente nas graves consequências que podem ocorrer com as construções sobre o leito das ribeiras.
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 33 – Esquema viário de Tira Chapéu e da envolvente próxima.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 34 – Proposta de estrutura e esquema do sistema viário de Tira Chapéu.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 35 – Proposta de espaços públicos para Tira Chapéu e sua articulação com os equipamentos públicos propostos e existentes nos bairros da vizinhança.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 36 – Proposta de afectação do uso do solo para Tira Chapéu.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 37 – Proposta de ambientes para os espaços públicos em Tira Chapéu.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
Figura 38 – Proposta de ambientes para os espaços públicos em Tira Chapéu.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
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Figura 39 – Propostas de intervenção no tecido urbano do bairro Tira Chapéu.
Fonte: Adaptado de cartografia digital do ortofotomapa de 2003.
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
Conclusão
Diversos autores apontam para uma relação entre o espaço e as práticas sociais. Desde logo,
há uma convergência de posições quanto ao estabelecimento de um laço indissociável entre o
espaço e a sociedade que o habita, sendo este uma construção do homem, de acordo com a sua
cultura e, um suporte da memória colectiva e individual. A organização social do grupo de
indivíduos tem uma identidade com o espaço que coabita, existindo, pois, uma relação entre a
configuração espacial e a estrutura social.
Assim, à diferenciação social corresponde uma diferenciação das representações do espaço,
pelo que, a posição do indivíduo dentro da sociedade determina a forma como ocorre a
organização física do espaço. Deste modo, fica evidente que as estruturas sociais influem na
estrutura do espaço físico, daí a existência de um laço indissociável entre a “cultura do espaço
e as identidades colectivas”. Nessa perspectiva, factores como as características sociais, o
estatuto social, o rendimento e a natureza do trabalho, etc., condicionam a distribuição da
população pelas diferentes áreas da cidade.
A existência de grupos sociais com capacidade económica diferente acaba por resultar, nos
meios mais desfavorecidos, num modo de agrupamento espontâneo, cuja forma de
apropriação de uma estrutura espacial tem efeitos distintos, conforme os intervenientes
sociais. Deste modo, as práticas dos habitantes no espaço construído determinam, em maior
ou menor grau, a capacidade de mobilidade, enquanto condição de adaptação e de
participação na vida urbana. A mobilidade espacial, como facto estruturante da vida
quotidiana, é, tendencialmente, reduzida, nos bairros predominantemente habitados por
grupos desfavorecidos.
No tecido urbano, o “público” fornece um denominador comum às manifestações da vida
social, pelo que, a esfera pública estabelece a articulação entre as diversas funções de uma
cidade. O espaço público está relacionado aos espaços abertos de uso comum, apropriados
livremente pelas pessoas. Na perspectiva de espaço público enquanto sistema local que
organiza o tecido urbano, a hierarquia das vias tem um papel importante na estruturação da
forma urbana, designadamente, na definição de um sentido de unidade na composição do
edificado e da paisagem.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
As vias constituem os elementos predominantes na imagem da cidade, sendo a rua uma via
essencial de comunicação e o componente mais importante da estrutura urbana. Sendo um
lugar de encontros pessoais e de intercâmbio, a rua pode ajudar no combate a alguns
problemas do meio urbano. A praça é um outro espaço público importante, de manifestações
sócio-culturais e comerciais ou de outro carácter. O espaço público urbano te um papel
fundamental na qualidade e estruturação na vida da cidade, seja como instrumento de
representação institucional seja de reprodução social.
Os aspectos inerentes à qualidade de vida no meio urbano se prendem, de forma estreita, com
as relações que se estabelecem entre o indivíduo e o ambiente físico construído. A qualidade
dos espaços públicos urbanos deve exprimir vitalidade e calor humano, garantindo a
necessária flexibilidade e englobar elementos sócio-culturais apropriados, de animação urbana
e de oportunidades diversificadas de serviços, comércio e lazer. Os espaços públicos
multifuncionais apresentam vitalidade e incrementam a participação das pessoas na vida
urbana. A sustentabilidade passa pela satisfação das necessidades básicas das pessoas, pelo
que o espaço público sustentado deva desempenhar um papel ecológico eficaz garantir a
continuidade dos diversos aspectos que compõem a sociedade humana.
Na cidade da Praia, o sistema de mobilidade é caracterizado por quatro eixos viários
estruturantes que fazem a articulação entre os diversos bairros, bem como a ligação entre a
cidade e o interior da ilha de Santiago. As condições de circulação interna nos bairros
espontâneos, bem como, de uma maneira geral, a intercomunicação entre os bairros, são
precárias. Tendo em conta a extensão territorial da cidade e o número de habitantes, são
praticamente inexpressivas a existência de espaços públicos de recreio e lazer.
No que se refere ao bairro de Tira Chapéu, apesar da sua inserção no tecido urbano da cidade
e apresentar grandes potencialidades para o seu desenvolvimento, apresenta, actualmente,
péssimas condições urbanas e ambientais. O bairro tem problemas de saneamento básico
(deficit na ligação domiciliária de água da rede pública, rede de esgotos domésticos e
deficiente recolha dos resíduos sólidos). A drenagem das águas pluviais encontra
constrangimentos sobretudo na parte baixa do bairro, em virtude das construções terem
diminuído a largura natural das ribeiras.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A função urbana dominante em Tira Chapéu é a habitacional, sendo as outras funções
praticamente inexistentes. O bairro encontra-se quase totalmente consolidado, sendo
marginais as áreas livres de construção existentes. A morfologia urbana caracteriza-se,
predominantemente, por uma malha irregular, sem uma ordem hierárquica, clara, entre as
parcelas edificadas e os espaços públicos, através da diferenciação de sua escala, forma, etc.
As características das habitações existentes em Tira Chapéu reflectem a situação socio-
económica dos habitantes desse bairro. Seja pela grande quantidade de construções em mau
estado de conservação, seja pelas condições de habitabilidade (por exemplo, se relacionarmos
o número de pessoas habitando uma residência e o número de divisões das casas, o conforto e
a segurança). A imagem urbana do bairro de Tira Chapéu fica marcada pela organização
espacial do conjunto edificado numa malha irregular, onde o espaço público não constitui
elemento predominante na imagem do tecido.
Além da escassez e deficiente dimensionamento, os espaços públicos existentes não têm uma
relação específica com a envolvente próxima, no sentido de exprimir/representar a memória
colectiva da população local, ou ainda da vivência social e cultural. Por outro lado, o conjunto
de riscos sociais e ambientais compromete o desenvolvimento do bairro. Assim, na
perspectiva de contribuir para a resolução dos graves problemas socio-económicos dos
habitantes de Tira Chapéu, propomos um conjunto de intervenções, associando a reabilitação
dos espaços públicos, particularmente a rua e a praça, à necessidade de reorganizar o
comércio informal, podendo aqueles funcionar como âncoras polarizadoras da actividade
comercial, sobretudo como espaços de dinamização do tecido económico no bairro e na
vizinhança.
Perante o problema levantado e a hipótese formulada, pensamos que esta se confirmou, ou
seja, concluímos que a ausência de estratégia de criação e actuação no espaço público urbano
potencia a segregação sócio-espacial do território e influi negativamente na qualidade de vida
urbana, como, pensamos, ficou evidente neste estudo. Apesar das dificuldades surgidas ao
longo da realização deste, pensamos que os objectivos propostos foram amplamente atingidos,
embora entendemos que este trabalho ainda pode ser melhorado, pelo que é nossa intenção
aprofundar este estudo e, quiçá, trazer uma melhor contribuição para a temática investigada.
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
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Bibliografia suplementar ARANTES, António, “A guerra dos lugares: Fronteiras simbólicas e liminaridades no espaço urbano de são Paulo”, in FORTUNA, Carlos (org.) (2001), Cidade, Cultura e Globalização: Ensaios de sociologia, Oeiras, Celta editora, pp. 259-270.
BANCO MUNDIAL, (2004), Relatório nº X: Diagnóstico da pobreza – Cabo Verde.
CUSINATO, Augusto et al., (2003), Relatório da Missão Realizada a Praia (Cabo Verde) junto da ONG África 70 sobre “ Projecto de Melhoria das Condições de Vida dos Residentes dos Bairros Espontâneos da Cidade”, Praia, Universidade IUAV de Veneza/África 70.
GEHL, Jan e GEMZOE, Lars, (2002), novos espaços urbanos, Barcelona, Gustavo Gili.
MARTÍNEZ SARANDESES, José et al., (2003), Guia de diseño urbano, Madrid, Ministério de Fomento, Centro de Publicaciones.
PARTIDÁRIO, Maria do Rosário, (2001), Indicadores de qualidade do ambiente urbano, Lisboa, Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento urbano.
TOLEDO, Fabiane dos Santos e SANTOS, Douglas Gomes dos (2008), “Espaços livres de construção”, in SBAU, Piracicaba, vol. 3, n. 1, pp. 73-91.
O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A Anexos
A.1 Número de pisos do edificado
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A.2 Estado de conservação das construções
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O papel do espaço público na estruturação do tecido urbano. Caso de estudo: Tira Chapéu, cidade da Praia.
A.3 Funções no Rés-do-Chão das edificações
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