o papel da burocracia de nível de rua na implementação ... · a pnh foi apresentada pelo...
TRANSCRIPT
IX ENCONTRO DA ABCP
Estado e políticas públicas
O papel da burocracia de nível de rua na implementação e (re)formulação da Política
de Humanização dos serviços de saúde
Luciana Leite Lima – UFRGS Luciano D‘Ascenzi – AGERGS
Gianna Vargas Reis Salgado Dias – UFRGS
Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014
2
O papel da burocracia de nível de rua na implementação e (re)formulação da Política de Humanização dos serviços de saúde
Luciana Leite Lima – UFRGS Luciano D‘Ascenzi – AGERGS
Gianna Vargas Reis Salgado Dias – UFRGS
Resumo do trabalho: Este paperanalisa a implementação da Política Nacional de Humanização nas unidades básicas de saúde de Porto Alegre. Centramos a análise no uso da discricionariedade pelos atores responsáveis pela implementação. Interessou investigar como suas decisões e ações contribuíram para a adaptação da política pública e, consequentemente, seu redesenho. Averiguou-se que os implementadores, diante da falta de treinamento nos marcos da política, da percepção de carência de recursos e do baixo grau de apoio, forjaram um entendimento peculiar dos objetivos e estratégias da política pública. Eles criaram uma visão do que seria “humanizar” os serviços ajustada às preferências e necessidades locais. A política implementada diferiu da política formal. Contudo, foi essa adaptação que permitiu a implementação de fato. Palavras-chave:Implementação. Políticas públicas. Burocracia de nível de rua.
3
Introdução
No campo da análise da implementação de políticas públicas aceita-se que os burocratas
de nível de rua tem um papel central na explicação da trajetória e dos resultados das
políticas(GOFEN, 2014; LOTTA, 2012a; PIRES, 2009; WILSON, 2000; LIPSKY, 2010).Tal
influência decorre do exercício da discricionariedade, possível em virtude do caráter profissional
da atuação, da limitação de recursos, das restrições para supervisionar e controlar as atividades e
da ambiguidade de objetivos e estratégias das políticas formais (WILSON, 2000; LIPSKY, 2010).
A discricionariedade, por um lado, é necessária uma vez que os serviços sociais requerem
respostas a circunstâncias complexas e individuais e julgamentos. Por outro lado, a discrição
concede controle aos agentes de linha de frente cujas variações nas práticas podem, algumas
vezes, prejudicar, mais do que beneficiar a política e os cidadãos (BRODKIN, 2007).
O uso da discricionariedade dos burocratas de nível de rua está assim relacionado às
características dos espaços de execução. Não refleteapenas as preferências individuais, mas
émodelado pelas rotinas, ferramentas e normas organizacionais (SOSS, FORDING e SCHRAM,
2011; BRODKIN, 2011).Além disso, o entendimento dos executores em relação aos objetivos da
política, seu conhecimento profissional e predisposições em relação à política pública são
variáveis mais relevantes do quea influencia de políticos e gestores (MAY e WINTER, 2009).
Os valores expressos na estrutura normativa da política também influenciam o
comportamento dos atores responsáveis por sua tradução (HUPE, HILL e NANGIA, 2014). A
política formal é um insumo entre outros que explicam a performance dos implementadores
(HUPE, 2014; MAY, 2012).
As normas que estabelecem a política pública são entendidas como um conjunto de
disposições que funcionam como ponto de partida para um processo de experimentação, de
procura por uma estratégia mais bem adaptada a circunstâncias particulares (MAJONE;
WILDAVSKY, 1984). Nessa concepção, os planos existem apenas como potencialidades, e sua
realização depende de qualidades intrínsecas e de circunstâncias externas.
Assim, já não se discute mais se há ou não discricionariedade na burocracia de nível de
rua, mas como isso ocorre e quais suas consequências para as políticas públicas no que tange
sua trajetória, seus resultados e, inclusive, seu desenho (GOFEN, 2014; TUMMERS, 2011;
BASTIEN, 2009).
Nesse paper atentaremos para a discricionariedade dos atores responsáveis pela
implementação, centrando-se no seu exercício e na produção de rotinas organizacionais
informais que efetivamente constituem a política na base (BRODKIN, 2011; LIPSKY,
4
2010).Interessa investigar como as decisões e ações dos atores responsáveis pela
implementaçãocontribuem para a adaptação da política pública e, consequentemente, seu
redesenho.
Assumimos, com isso, em consonância com outros (GOFEN, 2014; BRODKIN, 2011;
TUMMERS, 2011; LOTTA, 2012b, PIRES, 2009; LIPSKY, 2010), que as decisões e ações dos
atores de linha de frente, que executam as políticas públicas em interação direta com o cidadão,
divergem das intenções dos formuladores. Com isso, mudam a trajetória da política, influenciando
seus resultados e impactos.
Este paper está dividido em quatro partes, além da introdução e da conclusão. No segundo
tópico, são apresentados os procedimentos de pesquisa. No terceiro, a Política de Humanização
é descrita conforme expõe seus formuladores. Na quarta parte, os dados coletados na pesquisa
de campo são descritos e analisados pontualmente. No quinto tópico, foi delineada a ‘Política de
Humanização’ segundo a visão de seus implementadores.
Procedimentos de pesquisa
Assume-se que os burocratas de nível de rua, por meio de suas decisões e ações, moldam
a política pública durante a implementação. Interessa aqui verificar o que ativa a
discricionariedade, como ela é utilizada e quais as consequências para a política pública. Para
tanto, foi analisada a implementação da Política Nacional de Humanização (PNH)1nas unidades
básicas de saúde (UBS) de Porto Alegre2.
A PNH foi formulada pelo Ministério da Saúde e sua operacionalização depende dos
municípios. Embora os municípios tenham autonomia para gerir o sistema de saúde em seu
território, encontram dificuldades para desenvolver capacidades de formulação e financiamento
de políticas. Nos anos 1990, o Ministério da Saúde passou a atuar como formulador e financiador,
induzindo a adesão dos demais entes federados. É nesse contexto que se insere a Política
Nacional de Humanização.
O campo empírico de pesquisa foram as unidades básicas de saúde. As UBS fazem parte
da estrutura de operação do sistema de saúde e são responsáveis, ao lado das unidades de
saúde da família, pela assistência primária. Isto é, realizam o primeiro atendimento e encaminham
os usuários para outros serviços. Em 2013, Porto Alegre contava com 45 UBS3distribuídas em
oito regiões de saúde4. Cada região conta com uma gerência distrital de saúde que administra
toda a rede assistencial em seu território.
A PNH foi apresentada pelo Ministério da Saúde em 2003, a Secretaria Municipal de
Saúde de Porto Alegre (SMS) formalizou sua adesão em 2004 e em 2006 criou o Comitê de
5
Humanização com o propósito de difundir e incentivar a execução da política nos serviços
municipais de saúde. A partir daí, as atividades relacionadas à Política de Humanização deveriam
ser inseridas nos relatórios de gestão das unidades de saúde. Esses relatórios são instrumentos
de prestação de contas com base nos quais são elaborados os relatórios de gestão da secretaria
de saúde. Esses, por sua vez, são avaliados pelo Conselho Municipal de Saúde e são utilizados
como ferramentas de publicização das atividades desenvolvidas pela SMS.
Foram coletados dados primários e secundários. A coleta de dados primários foi realizada
por meio de entrevistas semiestruturadas com 42 coordenadores de unidades básicas de saúde5.
Esses atores foram questionados sobre a implementação da Política Nacional de Humanização
na unidade na qual trabalhavam.
Os coordenadores são considerados burocratas de nível de rua principalmente porque
cumprem com a principal característica defendida por Lipsky (2010): interagem diretamente com
os cidadãos no desenvolvimento de suas atividades. Desempenham atividades táticas e
assistenciais. Entretanto, o trabalho gerencial não é sua referência primária, em geral, não têm
formação em gestão e constantemente se alternam entre funções gerenciais e assistenciais. Na
execução desse tipo de atividade desenvolvem sua carreira. As atividades assistenciais são
consideradas o coração da organização e o trabalho mais valioso. A posição desses atores na
estrutura organizacional não é fixa e não é superior a dos demais trabalhadores. E o processo
seletivo, por meio do qual acessaram o serviço público, avaliou capacidades e habilidades
técnico-assistenciais.
Os burocratas em destaque nesse trabalho são profissionais da enfermagem, médicos,
nutricionistas, assistentes sociais, dentistas, técnicos e auxiliares de enfermagem. A hierarquia
profissional prevalece á hierarquia organizacional, assim, têm limitado espaço para interferir nas
atividades de seus colegas. As relações são bastante horizontais, embora o campo da saúde seja
marcado por uma hierarquia própria entre as profissões, e a ética corporativa é um elemento
preponderante em suas decisões. Não é possível dizer que estão “espremidos” entre o alto
escalão e o nível de rua (PIRES, 2012), já que estão empiricamente inseridos nessa última
categoria6.
O perfil dos respondentes é o seguinte. No que se refere à formação profissional, 22 dos
respondentes são formados em enfermagem, 11 são médicos, três são técnicos em enfermagem,
três são nutricionistas, um é assistente social, um é dentista e um é auxiliar de enfermagem. Em
relação ao tempo de serviço, 13 respondentes possuem até sete anos de serviço e 27 trabalham
há mais de oito anos na Secretaria de Saúde7. Do total de informantes apenas três são homens.
Dessa forma, o grupo de informantes é formado, principalmente, por mulheres, enfermeiras, que
trabalham em unidades de saúde há mais de oito anos.
6
O conjunto de dados secundários é composto pelas cartilhas produzidas pelo Ministério da
Saúde, nas quais detalha a política pública, expondo as intenções dos formuladores. Os dados
foram categorizados e analisados por meio de análise de conteúdo.
Foram elaborados três grupos de variáveis independentes e subvariáveis que orientaram a
organização da descrição dos dados coletados, quais sejam:
a) conhecimento e entendimento da política pública por parte dos executores:
conhecimento da política, acesso e fonte de material informativo, acesso a treinamento e
entendimento dos objetivos e das estratégias da política;
b) condições organizacionais: estrutura física da unidade de saúde e a percepção sobre
suficiência e qualidade dos recursos humanos;
c) conformidade dos implementadores com os princípios e objetivos da política: visão dos
respondentes acerca da política pública.
A Política Nacional de Humanização segundo o Ministério da Saúde
Segundo o Ministério da Saúde a Política de Humanização pretende lidar com os
problemas de “fragmentação e [d]a verticalização dos processos de trabalho [que] esgarçam as
relações entre os diferentes profissionais da saúde e entre estes e os usuários” (BRASIL, 2004a,
p. 05) e do “despreparo dos profissionais para lidar com a dimensão subjetiva que toda prática de
saúde supõe” (BRASIL, 2004b, p.08).
O baixo investimento na qualificação dos trabalhadores, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho em equipe, diminui a possibilidade de um processo crítico e comprometido com as práticas de saúde e com os usuários em suas diferentes necessidades. Há poucos dispositivos de fomento à cogestão, à valorização e à inclusão dos trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde, com forte desrespeito aos seus direitos (BRASIL, 2004a, p.05).
A humanização é entendida como “a valorização dos diferentes sujeitos implicados no
processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores” (BRASIL, 2004b, p.08).
Trata-se de “aumentar o grau de corresponsabilidade dos diferentes atores que constituem a rede
SUS, na produção da saúde”, para tanto seria necessária “uma mudança na cultura da atenção
dos usuários e da gestão dos processos de trabalho” (BRASIL, 2004a, p.07).
Nesse sentido, a Humanização supõe troca de saberes (incluindo os dos pacientes e familiares), diálogo entre os profissionais e modos de trabalhar em equipe. [...]. Levar em conta as necessidades sociais, os desejos e os interesses dos diferentes atores envolvidos no campo da saúde constitui a política em ações materiais e concretas (BRASIL, 2004a, p.08).
A política apresenta um foco preciso: “investir na produção de um novo tipo de interação
entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde e deles usufruem, acolhendo tais atores e
fomentando seu protagonismo” (BRASIL, 2004a, p.08). “Os valores que norteiam esta política são
7
a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, o estabelecimento
de vínculos solidários e a participação coletiva no processo de gestão” (BRASIL, 2004b, p.09).
A política seria operacionalizada por meio de uma estrutura formada por princípios,
método, diretrizes e dispositivos (BRASIL, 2008), conforme segue:
a) princípios: transversalidade, indissociabilidade entre atenção e gestão, protagonismo,
corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos coletivos.
b) Método: inclusão dos diferentes atores nos processos decisórios. (1) Inclusão dos
gestores, trabalhadores e usuários para produzir autonomia, protagonismo e corresponsabilidade.
Modo de fazer: rodas. (2) Inclusão dos fenômenos que desestabilizam os modelos de atenção e
de gestão, favorecendo e minimizando a resistência à mudança. Modo de fazer: análise coletiva
dos conflitos. (3) Inclusão do coletivo, na forma de movimento social organizado ou “experiência
singular sensível dos trabalhadores de saúde” (BRASIL, 2008, p 25). Modo de fazer: redes.
c) Diretrizes: clínica ampliada, cogestão, acolhimento, valorização do trabalho e do
trabalhador, defesa dos direitos do usuário, fomento das grupalidades, construção da memória do
SUS que dá certo.
d) Dispositivos: Grupo de Trabalho de Humanização (GTH)8, Câmara Técnica de
Humanização, colegiado gestor9, contrato de gestão, sistemas de escuta qualificada para
usuários e trabalhadores da saúde (gerência de porta aberta, ouvidorias, grupos focais e
pesquisas de satisfação), visita aberta e direito à acompanhante, formação em saúde do
trabalhador, Comunidade Ampliada de Pesquisa, equipe transdisciplinar de referência e de apoio
matricial10, projetos cogeridos de ambiência11, acolhimento12com classificação de riscos, projeto
terapêutico singular, projeto de saúde coletiva e Projeto Memória do SUS que dá certo.
Para a atenção básica, a PNH “aposta” que é possível construir uma “zona de
comunidade”, um “comum” entre os distintos interesses dos gestores, trabalhadores e usuários
(TEIXEIRA, 2005 apud BRASIL, 2009).
Tal tática deveria ser operacionalizada por meio da construção de espaços coletivos.
Esses podem ser: o próprio ato de um atendimento no serviço, uma visita domiciliar, a realização
de um grupo ou uma oficina de planejamento, uma reunião do Conselho Local de Saúde, uma
roda de conversa temática, etc. “É nestes encontros, onde as pessoas conversam, que os
problemas podem e devem aparecer, ser analisados e enfrentados. É nestes espaços que se
pode construir corresponsabilidade e aumentar o grau de autonomia de cada um” (BRASIL, 2009,
p.14 – 15).
8
Implementação da Política de Humanização nas unidades básicas de saúde
Para descrever aimplementação da PNH nas unidades básicas de saúde, enfatizou-se
duas questões: a participação no Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) e a execução de
ações da PNH.
Os GTH são uma das principais ferramentas de implementação da Política de
Humanização. Eles são organizados no nível das gerências distritais e têm por objetivo difundir e
incentivar a implementação. Participariam do grupo os coordenadores dos serviços ou outros
trabalhadores indicados por eles. Embora os GTH já estivessem instituídos nas gerências
distritais pesquisadas, 10 atores afirmaram que ele não existia e sete não sabiam informar. Em
todas as oito gerências distritais havia pelo menos um coordenador que acreditava que o GTH
não existia.
Vinte e cinco informantes sabiam que havia um GTH em sua gerência distrital. E 18 UBS
enviavam representantes para as reuniões. Desses, 12 eram trabalhadores indicados.
Os trabalhadores indicados foram escolhidos com base em diferentes critérios, dentre os
quais se destaca: decisão da gerência distrital, afinidade com a ideia difundida de humanização
(ou seja, os profissionais vistos como amáveis e, assim, mais propensos a “humanizar”), falta de
afinidade com a ideia difundida de humanização (ou seja, os profissionais vistos como intratáveis
e, assim, mais propensos a serem “humanizados”) e disposição do trabalhador. Esse é um indício
da visão de humanização desses burocratas: humanizar é tratar bem as pessoas.
Desse modo, averiguou-se que das 42 unidades básicas de saúde estudadas, apenas 18
enviavam um representante para o Grupo de Trabalho de Humanização. Cabe investigar se, nos
casos em que há participação, esses grupos são efetivos no alcance de seus objetivos de difundir
e incentivar a implementação da política.
Para atingir tais objetivos, espera-se que os participantes repassem os assuntos tratados
no GTH nas reuniões de equipe realizadas em suas unidades. Nesse sentido, os coordenadores
foram questionados quanto aos temas das reuniões: dez informaram que os grupos eram
formados para discutir a humanização e o acolhimento, cinco não sabiam o conteúdo das
reuniões, dois acreditavam que se tratava de discutir os problemas das unidades de saúde e um
informou que o objetivo era apenas realizar reuniões. Nenhum deles soube explicar ou especificar
os temas debatidos.
Sobre a implementação do GTH, pode-se fazer duas conclusões principais. Em primeiro
lugar, o grupo não está difundido, dado o fato de que pelo menos um coordenador em cada
gerência não sabe de sua existência. Em segundo lugar, apesar de 18 unidades enviarem
9
representantes para as reuniões, nenhum respondente demonstrou conhecimento dos assuntos
tratados. Isso sugere que os participantes dos GTH não estariam difundindo os assuntos tratados
em suas unidades. Pode-se afirmar que os grupos não são efetivos, não provocam os efeitos que
motivaram sua formulação.
Dada a situação acima descrita, surpreendeu o fato de que apenas um respondente relatou
não executar nenhuma ação de humanização, os demais afirmaram que a UBS na qual
trabalhavam implantava pelo menos uma atividade dessa categoria. Se os GTH são os
instrumentos de difusão da política e seu funcionamento é deficiente, o que explica a propagação
da PNH?
Para responder essa pergunta, deve-se atentar para o objeto da implementação. O que foi
executado?
A ação mais disseminada nas UBS foi o acolhimento, citado por 27 respondentes.
Contudo, duas observações devem ser feitas. Primeiro, a recorrente referência ao acolhimento se
deve ao fato de que essa ação teve a primeira tentativa de implementação em 2001, mas,
segundo os informantes que passaram pelo processo, não obteve sucesso. O Ministério da
Saúde apresenta o acolhimento como uma das principais diretrizes da PNH em 2008. Assim,
essa é a ação mais conhecida pelos informantes, que acabam tomando-a como sinônimo
da‘Política de Humanização’.
Segundo, os atores atribuem diferentes significados para o acolhimento, por exemplo:
estabelecer o acesso ás consultas médicas por meio de agendamento; atender o usuário no
momento em que chega na unidade; escutar o usuário; interpelar os usuários fora da unidade
para cobrar não comparecimento em consultas ou outros serviços; não regular o acesso às
consultas médicas por meio de fichas que devem ser retiradas antecipadamente; orientar e
aconselhar os usuários sobre uso de medicação, resultados de exames e encaminhamentos para
outros serviços; receber bem, dar bom dia, tratar os usuários com afeto, saber lidar com conflitos;
prestar um bom atendimento, ser resolutivo; encaminhar o usuário caso não seja possível
resolver seu problema na unidade; não deixar o usuário sem atendimento; recepcionar os
usuários quando chegam na unidade; ter uma sala para ouvir a demanda do usuário.
Além do acolhimento, foram citadas 23 diferentes atividades executadas que os
entrevistados enquadraram como ‘Política de Humanização’: realização de grupos de informação
e prevenção (gestantes, dependentes químicos, diabete, asma), reuniões de equipe, participação
e desenvolvimento de cursos de capacitação, organização de confraternizações entre os
trabalhadores (aniversários, natal, ano novo), atividades em escolas (palestras, visitas e
vacinações), resolução de problemas não rotineiros, busca ativa (procedimento técnico de ação
em vigilância epidemiológica), visita domiciliar, sala de espera (ação que utiliza o espaço da sala
10
de espera para dar informações sobre saúde), conversar com os funcionários, ambiência
(decoração da unidade para campanhas, pintura de paredes, melhorias na sala de espera),
assistência ao direito da mulher, oferta de consulta de psiquiatria, atendimento de pré-natal,
esforço para realizar atendimentos frente a escassez de recursos, conscientização dos usuários
quanto ao desperdício de recursos gerados pelas faltas às consultas, tudo o que é feito na
recepção, atividades de promoção da saúde, agendamento de consultas, atender bem, realizar
testes itinerantes (DST, HIV, gravidez, diabetes), formar o Conselho Local de Saúde.
Algumas dessas atividades fazem parte da rotina das UBS, precedendo a PNH, por
exemplo: reuniões de equipe, grupos de informação e prevenção, participação em capacitações,
visita domiciliar. Outras, dificilmente podem ser inseridas na categoria “atividade”: qualquer ação
que se faz na recepção, conversar com os funcionários. A diversidade é um dado importante,
assim como a indicação de afazeres rotineiros ou vagos.
Além disso, iniciativas como visitar escolas, busca ativa e assistência ao direito da mulher
são respostas às características do território e da população residente. As situações de busca
ativa relatadas, por exemplo, eram iniciativas voluntárias dos profissionais que, utilizando seus
próprios veículos ou transporte coletivo, visitavam pessoas com dificuldade de locomoção ou com
doenças contagiosas que, por algum motivo, não compareceram à consulta agendada. Enquanto
que o atendimento de assistência ao direito da mulher era uma iniciativa da enfermeira da UBS,
que tinha conhecimento sobre procedimentos administrativos auxiliares dirigidos às mulheres em
situações de risco ou violência.
Nada disso era previsto pela SMS, nem constava claramente nas tarefas a serem
desenvolvidas ou, menos ainda, faziam parte da PNH. Contextualmente, foram atividades
formuladas e implementadas para dar conta das necessidades locais e são sempre referidas
como fruto de um grande esforço pessoal realizado pelos trabalhadores para atender as
necessidades dos usuários. Desse modo, se por um lado, o produto do voluntarismo é a aparente
falta de padrão na implementação; por outro, trata-se da apropriação e controle do trabalho e das
prioridades, específicos a cada lugar, por parte da burocracia implementadora.
No que tange as ações típicas da PNH, as reuniões de equipe foram citadas por seis
informantes, e o Conselho Local de Saúde, por apenas um. Mas novamente deve-se atentar para
o fato de serem atividades já estabelecidas previamente à política.
Percebe-se que os atores desenvolveram ideias bastante distintas acerca das atividades
que comporiam a ‘Política de Humanização’. Atividades rotineiras e outras que foram criadas para
resolver problemas específicos da unidade e de seus usuários, ações que demandam esforço
pessoal, todas fazem parte da ‘humanização’ promovida nas unidades. Assim, o que ocorreu não
foi, propriamente, a implementação da PNH conforme previsto em sua formulação, mas a
11
apropriação e reformulação da política por seus executores. A seguir são apresentados os dados
referentes às variáveis explicativas desse processo. Ou, o que explica o desenvolvimento desse
processo de implementação?
Conhecimento e entendimento da política
A variável “conhecimento e entendimento da política pública” foi operacionalizada por meio
das subvariáveis: conhecimento da política, acesso e fonte de material informativo, acesso a
treinamento e entendimento dos objetivos da política.
Considerou-se “conhecer a política” desde “ter ideia” até “conhecer os objetivos e as
diretrizes”. Nessa abrangência, todos os respondentes relataram conhecer a Política de
Humanização. Dezesseis foram informados em reuniões com as gerências distritais, nove em
cursos de capacitação ofertados pela Secretaria Municipal de Saúde sobre temas diversos
relacionados a assistência à saúde, cinco durante cursos de graduação e especialização e oito
atores receberam informações de fontes variadas (tarefas de docência, estudando para concurso
público, capacitação em emprego anterior, pesquisa por conta própria). Apenas dois
coordenadores conheceram a política por meio dos grupos de trabalho específicos de
humanização da secretaria de saúde e dois não lembram como foram informados da política.
Entretanto, nenhum dos atores demonstrou conhecer as diretrizes e os objetivos da PNH e,
comumente, a usaram como sinônimo do acolhimento. Apenas os que tiveram contato na
universidade, em cursos de graduação, especialização ou tarefas de docência, demonstraram
conhecimento específico.Os coordenadores que conheceram a política por meio de cursos de
capacitação ofertados pela secretaria de saúde, a viram de forma transversal em atividades que
versavam sobre aspectos assistenciais, normalmente o acolhimento inserido numa atividade
técnica-assistencial específica.
No que tange ao acesso a material informativo, 22 informantes relataram não ter recebido,
16 receberam e quatro não lembravam. Considerou-se material informativo tudo que contivesse
alguma explicação sobre os princípios, objetivos e estratégias da política pública. Entre os que
tiveram acesso ao material informativo, as fontes de oferta foram variadas: livro recebido em uma
capacitação (mas que foi perdido), folheto, e-mail da gerência distrital, material impresso recebido
em emprego anterior, slides impressos, textos xerocados, pesquisa voluntária na internet.
Nenhum coordenador informou que recebeu da Secretaria Municipal de Saúde o material
produzido pelo Ministério da Saúde. Assim como, aqueles que informaram ter recebido, não
souberam de sua localização no momento da pesquisa e informaram que não o utilizaram para
desenvolver atividades em sua UBS.
12
No que se refere ao treinamento, entendeu-se desde curso de capacitação até palestras.
Doze coordenadores receberam treinamento (onze da SMS e um em local de trabalho anterior) e
30 não receberam. Entre os 11 coordenadores que fizeram cursos ofertados pela secretaria de
saúde, sete relataram que esses versavam sobre o SUS de forma geral ou sobre procedimentos
assistenciais e três afirmaram que fizeram capacitação sobre acolhimento. Somente um
coordenador recebeu treinamento especificamente sobre a Política de Humanização. Esse
informante foi encarregado da implantação do GTH em uma das gerências distritais de saúde.
A partir de 2006, a SMS passou a exigir a inserção das atividades de humanização nos
relatórios de gestão das UBS. Desse modo, por um lado, os coordenadores deveriam
implementar ações de ‘humanização’ nas UBS, por outro, tiveram pouco ou nenhum acesso ao
conteúdo da política. Esse contexto é propício para a apropriação e reformulação da política.
Tal processo de ressignificação pode ser observado por meio da visão estabelecia pelos
atores em relação aos objetivos da politica. Quando indagados sobre os objetivos, os
respondentes apresentaram uma série de questões que foram agrupadas em quatro ênfases:
objetivos com foco no atendimento e assistência ao usuário, na relação com o usuário, no
trabalhador e na gestão, distribuídos em 32 diferentes citações.
Relacionados ao atendimento e à assistência, os coordenadores citaram 17 diferentes
objetivos. Os mais mencionados foram o acolhimento, atender bem, considerar não somente
fatores biológicos, ser resolutivo e tratar os pacientes com respeito. O acolhimento foi citado por
vinte respondentes como sendo o objetivo da PNH, foi referido também como estratégia de
implementação. Além desses, foram referidos: tornar o atendimento mais personalizado, mais
humano e afetivo; atender com equidade; sentir-se responsável pelos usuários; melhorar a
qualidade de vida dos usuários; atuar de forma intersetorial; realizar grupos de atividades
preventivas e testes rápidos; garantir a felicidade de todos (usuários e trabalhadores); melhorar o
acesso e garantir o acesso universal independente de crenças.
Com foco na relação com os usuários, foram citados quatro objetivos: educação do usuário
(em dois sentidos: o usuário deve conhecer o funcionamento do sistema de saúde e seus
problemas e o usuário deve se responsabilizar por sua saúde), facilitar o relacionamento entre o
usuário e o trabalhador, garantir os direitos dos usuários e ter bom relacionamento com a
comunidade.
Com ênfase nos trabalhadores, cinco diferentes objetivos foram atribuídos à política:
educação permanente, incremento das condições de trabalho, saúde do trabalhador, acolhimento
e humanização do servidor.
13
Com foco na gestão, seis diferentes objetivos foram citados: a formação do Conselho Local
de Saúde, do Grupo de Trabalho de Humanização, gestão compartilhada, organização da rede de
assistência, melhoria da estrutura física das unidades e realização de festas.
Os atores não compartilham do mesmo entendimento quanto aos objetivos da política, e
pode-se questionar o estatuto de objetivos a questões como: tornar o atendimento mais humano
ou garantir a felicidade de todos. Em meio à diversidade de ‘objetivos’ apontados, percebe-se a
interpretação livre e subjetiva da política, a partir do que sugere seu nome: humanização.
Humanizar, na percepção dos atores, relaciona-se com afeto, felicidade, gentileza, respeito,
personalização. Termos normalmente empregados para criticar a insensibilidade burocrática.
Averiguou-se que, se por um lado, os trabalhadores não receberam treinamento e material
informativo da secretaria de saúde, por outro, todos eles tinham uma concepção do que era a
‘Política de Humanização’. Tal concepção é bastante ampla, o que pôde ser evidenciado pela
atribuição de 32 diferentes objetivos. Em sua maioria, esses objetivos não corresponderam aos
que foram definidos na estrutura normativa da política pública. Nesse sentido, apesar da
familiaridade com o termo humanização, a Política Nacional de Humanização, nos termos
definidos pelo Ministério da Saúde, ainda é pouco conhecida pelos atores responsáveis por sua
implementação.
Condições organizacionais
No que se refere à variável “condições organizacionais”, foi considerada a percepção sobre
quantidade e qualidade dos recursos humanos e estrutura física da unidade de saúde.
Em relação à percepção sobre a quantidade dos recursos humanos, há uma impressão
disseminada de grande carência para desenvolver as ações que a secretaria de saúde e a
comunidade esperam que a UBS execute. Do total de entrevistados, 36 consideraram que há
falta de recursos humanos e enfatizaram a sobrecarga de trabalho que derivaria dessa situação.
Quatro coordenadores informaram que a quantidade de trabalhadores está adequada e dois não
comentaram a questão. Os trabalhadores que são considerados mais escassos são,
principalmente, médicos e pessoal administrativo além de agentes comunitários e enfermeiros.
Foi recorrente a preocupação com os serviços administrativos. Pois não há previsão de
trabalhadores administrativos no quadro de pessoal das UBS. Esses serviços são realizados
pelos profissionais de saúde e, em alguns casos, com o auxílio dos seguranças-porteiros. Estes
agem prestando informações sobre o funcionamento das unidades e/ou atendendo ao telefone.
Conforme expõe um dos informantes: “Então quem atende ao telefone? Por camaradagem, o
vigilante”.
14
Os trabalhadores da limpeza e da segurança são terceirizados e sua participação nas
atividades administrativas é voluntária, por isso, variam muito entre as UBS. Além disso, foi
salientada que a execução de atividades administrativas pelos profissionais de saúde os desvia
das funções assistenciais, a finalidade da unidade, colaborando, ainda, para intensificar a
percepção da insuficiência de recursos humanos. O trabalho administrativo é visto como
improdutivo e sua execução gera tensão com o órgão central. As falas que seguem ilustram essa
questão.
Então esse tipo de demanda repetitiva, cansa. [Demanda] burocrática, que não vai alterar, no fundo, nada. [A SMS demanda o] número de receitas dispensadas em uma unidade, nada a ver, por quê? Porque uma receita pode ter 30 medicamentos ou um só. Eu tenho um funcionário que vai ter que dispensar igual [...]. Então eu estou dispensando, tem um estoque mensal, eu preciso demandar o número de receitas? Não. Mas eles [a SMS] me exigem todo mês o número de receitas dispensadas pela unidade, pra quê? [...] não te acrescenta nada, não vai mudar o andamento da unidade nem vai botar um auxiliar de farmácia na farmácia. [...] nós não temos funcionário administrativo, então os nossos técnicos fazem serviço de balcão, distribuição de medicamentos e outras coisas que não são da competência do técnico, não é? Mas aqui, como todo mundo se ajuda, a coisa acaba funcionando direitinho, mas não seria o correto [...].
A forte percepção de carência de recursos humanos torna o voluntarismo um elemento
importante para a execução das atividades. O esforço pessoal aparece como um importante
recurso individual que é apropriado pela organização para atingir seus objetivos num contexto de
escassez. A valorização do esforço individual, que muitas vezes é responsabilizado pela
manutenção do funcionamento das atividades, minimiza o sentimento de impotência e pode até
obscurecer a falta de recursos.
Essa situação pode ser ilustrada pelas seguintes falas: “[...] claro que sempre está faltando
recursos humanos, isso eu acho que tu vai ouvir em tudo quanto é lugar, tá! Mas eu acho que,
com o esforço do pessoal, dá pra fazer”.
[...] uma pessoa que entra pra fazer esse teste [rápido de HIV], vai levar, no mínimo, 20 minutos [...]. Depois eu tenho que dar a resposta do teste, eu vou sempre rezar para que dê negativo, mas é claro que eu vou pegar os positivos. Aí quando a pessoa olha que o teste que deu positivo, que ela está com o HIV... [e eu preciso dizer que] eu tenho o próximo [usuário para atender]... Nessa parte eu acho que a gente falha. [...] se a gente for ver a humanização, eu acho que faltam recursos nesse sentido. Se tu me pergunta: tudo funciona muito bem? Funciona porque a gente se esforça muito [...]. [...] eu acho que o nosso grupo se esmera nessa atenção. [...] por serem moradoras, a maioria das técnicas, as antigas, se criaram aqui, então elas conhecem as pessoas. Então algum laço tem de padrinho, de madrinha, de primo, de tio afastado, amigo do vizinho [...]. Então as pessoas se sentem muito comprometidas umas com as outras.
A qualidade dos recursos humanos foi abordada por meio da percepção sobre a oferta de
cursos de capacitação. Dezoito respondentes afirmaram que há oferta adequada, 14 consideram
15
que falta treinamento para os trabalhadores e 10 julgam que capacitação é um tema irrelevante
frente à escassez de recursos humanos. Os cursos de capacitação citados são voltados a
procedimentos técnico-assistenciais, nenhum respondente mencionou cursos voltados para a
gestão das unidades. Isso é interessante uma vez que as atividades administrativas são uma
preocupação recorrente dos entrevistados.
A organização da rotina das unidades está a cargo da equipe de trabalhadores e de sua
coordenação. Tal rotina é composta tanto por atividades técnico-assistenciais quanto por
atividades administrativas e, na medida em que os trabalhadores não recebem formação para
realizar essas últimas, o que vigora, nas palavras de um respondente, é a sensação de que
“[ficamos] apagando incêndio o dia inteiro”. Pode derivar disso também a forte percepção da
carência de recursos humanos, uma vez que os fluxos de acesso e atendimento são definidos
com base em critério variados e forjados na experiência.
No que tange a estrutura física das unidades, 30 coordenadores consideraram que era
inadequada. Essa avaliação se baseou na carência de espaço para atendimento aos usuários,
atividades administrativas e para os trabalhadores (cozinha, descanso, vestiário e banheiro).
Além disso, foi citada a falta de automatização do trabalho como uma grande dificuldade para
desenvolver as atividades administrativas13.
Verificou-se uma forte percepção de insuficiência de recursos para desempenhar mesmo
as atividades rotineiras das UBS. Diante da sensação de escassez e da necessidade de manter a
organização funcionando, os atores recorrem a um recurso individual: o voluntarismo. É atribuído
ao esforço pessoal o funcionamento das atividades, é ele que preenche a lacuna deixada pela
falta de recursos humanos, treinamento e estrutura física adequada. São as características
individuais que explicariam a manutenção dos serviços num contexto como esse. Isso abre um
espaço importante para os valores individuais nas decisões organizacionais, gera uma grande
variabilidade de condutas e produz,do ponto de vista gerencial, baixa governabilidade.
Conformidade dos implementadores com os princípios e objetivos da política
Por fim, a variável “conformidade dos implementadores com os princípios e objetivos da
política” foi operada por meio da visão dos respondentes acerca da política pública.
Em primeiro lugar, 23 respondentes acreditavam que a Política de Humanização não
estaria adequada à realidade de constrangimentos e limitações que imperam nas unidades de
saúde. De acordo com essa visão, as UBS não contariam com espaços adequados para fazer o
primeiro atendimento (“sala de acolhimento”, espaço para indagar o usuário sobre sua saúde com
privacidade, sala de espera) e com trabalhadores suficientes para realizar esse atendimento da
16
forma como deveria (segundo a visão disseminada, o acolhimento exigiria mais tempo de
conversa com o usuário). Além disso, faltaria treinamento para realizar as atividades,
computadores para fazer o trabalho de forma mais ágil e segura, oferta de serviços de
complexidade secundária e formas ágeis de encaminhamento de usuários.
Para esses atores a implementação da PNH implicaria uma sobrecarga de trabalho para
profissionais que já vivenciam uma rotina extremamente conturbada. Eles enfatizam que o
aumento da demanda de serviços a serem prestados, representada pela multiplicidade de
programas que devem ser executados, não vem acompanhada de recursos para garantir sua
realização.
Como já foi apontado na descrição das condições organizacionais, há uma percepção
altamente disseminada de inadequação e carência de condições de trabalho que é resgatada
quando os atores refletem sobre sua atuação na implementação da política pública.
Ilustrativamente, todos os coordenadores acionaram o contexto de carência de recursos gerais
quando foram questionados sobre os princípios e objetivos da política.
Em segundo lugar, nove coordenadores consideraram a política adequada. Dois destes
citaram que a cogestão seria um mérito da PNH. Os demais enfatizaram os seguintes pontos
positivos: a política estimularia novas ideias; aproximaria os usuários da unidade; estaria coerente
com as necessidades do serviço e com os problemas que enfrentam; incentivaria o bom
atendimento; protegeria os trabalhadores; facilitaria o acesso uma vez que descentralizaria o
atendimento da figura do médico; e criaria um espaço para discutir e compartilhar os problemas
que os coordenadores enfrentam, conforme expõe um informante: “saber que não está sozinha
nesse universo”.
Em terceiro lugar, seis atores enfatizaram questões que versam sobre a difusão da política
pública entre os trabalhadores. Acreditam que a secretaria de saúde deveria ofertar treinamentos
e fomentar debates com os trabalhadores e também com usuários para tentar produzir um
entendimento comum sobre as ações. Esses respondentes percebem que a informação sobre a
PNH não chega até os trabalhadores e acreditam que essa responsabilidade é da SMS e do MS.
Em quarto lugar, quatro coordenadores acreditam que a Política de Humanização é
insuficiente para resolver os problemas que enfrentam as unidades, relacionados com um
contexto mais amplo de dificuldades e carências. Esse grupo percebe que os problemas de
acesso e resolutividade são causados em grande parte por variáveis que não são controladas
pela unidade como: deficiência de renda, saneamento básico, localização geográfica dos serviços
de média complexidade, transporte público deficitário e de má qualidade, falta de trabalhadores.
Assim, veem com reservas a PNH conforme explica uma coordenadora: “o que eu tenho medo,
eu vou ser bem sincera, o que me dá um pouco de receio é de que isso acabe sendo usado por
17
parte da gestão [da SMS] para botar tudo [todos os problemas dos serviços de saúde] na
responsabilidade do profissional”.
Em quinto lugar, três informantes consideram que a política é subjetiva, de difícil
operacionalização, ou utópica. Enfatizam a falta de clareza quanto as formas de
operacionalização o que dificultaria seu entendimento e comprometeria sua execução.
Por fim, dois respondentes avaliaram que a PNH está mais voltada para o trabalho que é
desenvolvido pelas equipes de saúde da família. E dois pensam que ela propõe algo óbvio,
humanizar o ser humano, não trazendo, assim, nada de novo para o contexto das unidades
básicas de saúde. Percebeu-se certo desconcerto quanto à ideia de uma política que propõe
humanizar um serviço prestado por seres humanos a humanos. Além de colocar em xeque certa
identidade humanista, os problemas de funcionamento dos serviços passariam a ser decorrentes
do comportamento dos trabalhadores e não da carência de recursos.
Desse modo, apenas nove coordenadores consideraram que a política seria positiva,
embora tenham deixado muito claro que sua execução seria bastante tortuosa. Os demais
estavam pessimistas e não a viam como uma iniciativa que pudesse solucionar as dificuldades
que enfrentam ou melhorar seu trabalho. Esse quadro apontou para um baixo grau de apoio à
política.
Essa não conformidade dirige-se a política formal. Apesar do pouco conhecimento que os
atores têm sobre ela, reconhecem na proposição externa uma nova demanda de trabalho, a ser
inserida num espaço sobrecarregado de atividades e sem a contrapartida de recursos.
A Política de Humanização segundo a burocracia implementadora
Uma pesquisa realizada a partir dos relatórios de gestão das unidades básicas de saúde
chegaria a seguinte conclusão. A Política Nacional de Humanização foi implementada nas UBS
de Porto Alegre. Pode-se dizer que o processo foi um sucesso, dado que todas as unidades
desenvolvem ações relacionadas. Esse é o resultado aparente do processo de implementação e
é o que atende às demandas das organizações envolvidas: MS, SMS e UBS.
Um olhar sobre as dinâmicas de funcionamento das unidades básicas leva a conclusões
muito diferentes. De fato, foi implementada, e com sucesso, uma ‘Política de Humanização’ que,
no entanto, não corresponde às intenções contidas na política formal. Embora tenha sido
influenciada por ela.
Tal influência se deu pela ressignificação de seu nome: humanização. O termo permite
associações: ser afetuoso, atender bem, dar bom dia, ser gentil... Esses entendimentos serviram
18
de base para a delimitação das atividades que poderiam ser categorizadas como ‘de
humanização’.
Esse processo foi ativado pela conjunção de três situações. Primeiro, a exigência feita pelo
órgão gestor municipal para inserir as atividades de humanização nos relatórios de gestão.
Segundo, pela ausência da mais básica atividade de coordenação de esforços para executar uma
atividade: a publicização e o treinamento nos objetivos e estratégias da política. Terceiro, um
espaço de implementação impregnado pela percepção de que há recursos insuficientes. A
necessidade tomar decisões nessa conjunturaalavancou a reformulação da política pública.
Isso ocorreu por meio da reformulação de seus objetivos e estratégias. Em vez de surgirem
na forma de novas tarefas a serem desenvolvidas, a Política de Humanização foi transformada
em um rótulo aplicado a açõesque já faziam parte da rotina das unidades. Como afirma um
respondente: “tem um monte de coisas que a gente faz que é humanização e nós não sabíamos”.
A adaptação minimizou a carência percebida de recursos, corrigiu os problemas de
gerenciamento do processo, acomodou diferentes demandas e necessidades e principalmente
possibilitou a implementação.
Observou-se também que tanto as ações desenvolvidas, quanto os objetivos e estratégias
atribuídos à política enfatizavam a assistência, afastando-se das intenções dos formuladores e
indicando um não compartilhamento de preferências com as instâncias gestoras do sistema.
Para as organizações as consequênciasda reformulação foram as seguintes. O Ministério
da Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde tiveram suas demandas atendidas, afinal, a PNH
está disseminada. As UBS cumpriram seu papel de executoras das políticas transmitidas. Do
ponto de vista interno, os burocratas implementadores garantiram seu controle sobre as
prioridades e ações organizacionais. A definição do que deve ser feito dentro de uma organização
é motivo de disputa entre os atores. Embora, muitas vezes,seja aceita a ideia de que os órgãos
executores não questionam os objetivos e estratégias formuladas externamente. No que tange a
política pública especificamentetem-se uma grande variabilidade de práticas.
O relato feito demonstroucomo foi usada a discricionariedade e qual foi a consequência
para a política pública e para as organizações envolvidas. Em resumo, a discricionariedade foi
ativada em um contexto de desconhecimento do conteúdo do objeto a ser executado, forte
percepção de escassez de recursos e necessidade de responder às demandas do órgão gestor.
Mesclam-se aqui variáveis referentes à transmissão da política, às características dos espaços de
implementação e aos incentivos do órgão gestor. Ela foi usada na reformulação dos objetivos e
estratégias da política. O resultado desse processo foi a implementação de uma ‘Política de
Humanização’ ajustada as demandas e necessidades locais e que mantinha o controle dos
espaços de trabalho nas mãos da burocracia implementadora.
19
Viu-se implementadores que decidem, formulam e disputam o controle de seu espaço de
atuação com outros níveis hierárquicos e, inclusive, com outros níveis de governo.A partir disso,
podemos definir a implementaçãocomo um processo de apropriação de uma ideia que, nesse
sentido, é consequência da interação entre a intenção (expressa no plano) e os elementos dos
contextos locais de ação.
Considerações finais
A burocracia responsável pela implementação da Política Nacional de Humanização
construiu um conjunto de ideias peculiares a respeito da política. A amplitude e a multiplicidade
dessas percepções foram facilitadas pela ausência de uma socialização desses atores nos
marcos da política. Em segundo lugar, diante da exigência de que executassem ações de
‘humanização’, os atores foram adaptando as atividades tradicionalmente desenvolvidas a suas
respectivas compreensões do que fosse a política. Com isso, temos uma situação interessante:
apesar da carência de treinamento e de pessoal, bem como do entendimento difuso e múltiplo
dos objetivos e das estratégias, praticamente todas as unidades implementaram algum tipo
de‘Política de Humanização’. Usamos aspas para enfatizar que a política será diferente conforme
a compreensão que têm os atores sobre ela. Dessa forma, a política se tornou uma categoria de
entendimento eminentemente local. Ela deixou de ser uma política pública do Ministério da Saúde
e passou a ser uma política pública do implementador.
Referências
BASTIEN, J. Goal ambiguity and informal discretion in the implementation of public policies: the case of Spanish immigration policy. InternationalReviewofAdministrativeSciences, v. 75, n. 4, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004a.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004b.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. O HumanizaSUS na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde)
BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.
BRODKIN, E. Z. Bureaucracy redux: management reformism and the welfare state. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 17, 2007.
______. Policy work: street-level organizations under new managerialism. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 21, 2011.
20
GOFEN, A. Mind the gap: dimensions and influence of street-level divergence. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 24, 2014.
HUPE, P. What happens on the ground: persistent issues in implementation research.Public Policy and Administration, v. 29, n. 2, 2014.
HUPE, P.; HILL, M.; NANGIA, M. Studying implementation beyond deficit analysis: the top-down view reconsidered. Public Policy and Administration, v. 29, n. 2, 2014.
LIPSKY, M. Street-level Bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New York: Russel Sage Foundation, 2010.
LOTTA, G. S. O papel das burocracias do nível de rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, C. A. (Org). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012a.p. 20-49.
______. Desvendando o papel dos burocratas de nível de rua no processo de implementação: o caso dos agentes comunitários de saúde. In: FARIA, C. A. (Org). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012b. p. 221-259.
MAJONE, G.; WILDAVSKY, A. Implementation as evolution. In: PRESSMAN, J. L.; WILDAVSKY, A. Implementation. California: University of California Press, 1984. p. 163-180.
MAY, P. J. Policy design and implementation. In: PETERS, B. G.; PIERRE, J. The SAGE Handbook of Public Administration. London: SAGE, 2012. p. 279-291.
MAY, P. J.; WINTER, Soren C. Politicians, managers, and street-level bureaucrats: influences on policy implementation. JournalofPublicAdministrationResearchandTheory, n. 19, 2009.
PIRES,R. R. C. Estilos de implementação e resultados de políticas públicas: fiscais do trabalho e o cumprimento da lei trabalhista no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 52, n. 3, 2009.
PIRES,R. R. C. Burocracias, gerentes e suas “histórias de implementação”: narrativas do sucesso e fracasso de programas federais. In: FARIA, C. A. (Org). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012. p. 182-220.
SOSS, J.; FORDING, R.; SCHRAM, S. F. The organization of discipline: from performance management to perversity and punishment. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 21, 2011.
TUMMERS, L. Explaining the willingness of public professionals to implement new policies: a policy alienation framework. International Review of Administrative Sciences, v. 77, n. 3, 2011.
WILSON, J.Q. Bureaucracy: what government agencies do and why they do it. New York: Basic Books, 2000.
1 Este paper é um dos produtos da pesquisa “Implementação de políticas públicas e participação da comunidade” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). 2 Porto Alegre é a capital do estado do Rio Grande do Sul. A cidade ocupa uma área de 496,684 km2 e tem uma população de 1.409.351 habitantes segundo o Censo Demográfico de 2010. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Porto Alegre ocupa a 280 posição no ranking nacional das 50 cidades com melhor índice de desenvolvimento humano (IDH), com 0,805. 3 Algumas unidades estavam em processo de conversão para unidades de saúde da família (USF). Enquanto as unidades básicas de saúde funcionam de “portas abertas”, as USF são formadas por equipes de saúde da família que atuam por meio de visitas domiciliares. 4 As regiões de saúde são delimitações territoriais que organizam os serviços de saúde. Cada região compreende uma rede de serviços. 5 Três coordenadores não aceitaram participar da pesquisa. 6 Pires (2012) classifica os coordenadores como burocratas de médio escalão. No entanto, acredita-se que a categorização como burocrata de linha de frente ou de médio escalão deve ser dar a partir das atividades realizadas
21
e da matriz cognitiva que orienta o comportamento dos atores, e não unicamente de sua posição formal na hierarquia organizacional. No caso dos coordenadores das unidades básicas de saúde, a despeito de sua posição formal, suas referências e atividades estão lastreadas na assistência. Esses atores identificam-se com seus colegas e com os usuários principalmente. 7 Houve uma perda de duas respostas. 8 “Espaço coletivo organizado, participativo e democrático, que funciona à maneira de um órgão colegiado e se destina a empreender uma política institucional de resgate dos valores de universalidade, integralidade e aumento da eqüidade no cuidado em saúde e democratização na gestão, em benefício dos usuários e dos trabalhadores da saúde. É constituído por lideranças representativas do coletivo de profissionais e demais trabalhadores em cada equipamento de saúde, (nas SES e nas SMS), tendo como atribuições: difundir os princípios norteadores da PNH; pesquisar e levantar os pontos críticos do funcionamento de cada serviço e sua rede de referência; promover o trabalho em equipes multiprofissionais, estimulando a transversalidade e a grupalidade; propor uma agenda de mudanças que possam beneficiar os usuários e os trabalhadores da saúde; incentivar a democratização da gestão dos serviços; divulgar, fortalecer e articular as iniciativas humanizadoras existentes; estabelecer fluxo de propostas entre os diversos setores das instituições de saúde, a gestão, os usuários e a comunidade; melhorar a comunicação e a integração do equipamento com a comunidade (de usuários) na qual está inserida” (BRASIL, 2008, p. 61). 9 “Em um modelo de gestão participativa, centrado no trabalho em equipe e na construção coletiva (planeja quem executa), os colegiados gestores garantem o compartilhamento do poder, a co-análise, a co-decisão e a co-avaliação. A direção das unidades de saúde tem diretrizes, pedidos que são apresentados para os colegiados como propostas/ ofertas que devem ser analisadas, reconstruídas e pactuadas. Os usuários/familiares e as equipes também têm pedidos e propostas que serão apreciadas e acordadas. Os colegiados são espaços coletivos deliberativos, tomam decisões no seu âmbito de governo em conformidade com as diretrizes e contratos definidos. O colegiado gestor de uma unidade de saúde é composto por todos os membros da equipe ou por representantes. Tem por finalidade elaborar o projeto de ação da instituição, atuar no processo de trabalho da unidade, responsabilizar os envolvidos, acolher os usuários, criar e avaliar os indicadores, sugerir e elaborar propostas” (BRASIL, 2008, p. 56). 10 “Grupo que se constitui por profissionais de diferentes áreas e saberes (interdisciplinar, transdisciplinar), organizados em função dos objetivos/missão de cada serviço de saúde, estabelecendo-se como referência para os usuários desse serviço (clientela que fica sob a responsabilidade desse grupo/equipe). Está inserido, num sentido vertical, em uma matriz organizacional. Em hospitais, por exemplo, a clientela internada tem sua equipe básica de referência e especialistas e outros profissionais organizam uma rede de serviços matriciais de apoio às equipes de referência. As equipes de referência em vez de serem um espaço episódico de integração horizontal passam a ser a estrutura permanente e nuclear dos serviços de saúde” (BRASIL, 2008, p. 70). 11 “A ambiência se refere ao “ambiente físico, social, profissional e de relações interpessoais que deve estar relacionado a um projeto de saúde voltado para a atenção acolhedora, resolutiva e humana. Nos serviços de saúde a ambiência é marcada tanto pelas tecnologias médicas ali presentes quanto por outros componentes estéticos ou sensíveis apreendidos pelo olhar, olfato, audição, por exemplo, a luminosidade e os ruídos do ambiente, a temperatura, etc. Muito importante naambiência é o componente afetivo expresso na forma do acolhimento, da atenção dispensada ao usuário, da interação entre os trabalhadores e gestores. Devem-se destacar também os componentes culturais e regionais que determinam os valores do ambiente” (BRASIL, 2008, p. 51-2). 12 “Processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde que implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua chegada até a sua saída. Ouvindo sua queixa, considerando suas preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários, garantir atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/articulação das redes internas dos serviços (visando à horizontalidade do cuidado) e redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência quando necessário” (BRASIL, 2008, p. 51). 13 É interessante notar que uma das unidades estudadas havia sido escolhida como piloto para a implantação da informatização da rede. Após o início da experiência, um informante se mostrou cético e muito frustrado quanto ao aumento de eficiência decorrente de tal processo.