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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE O museu local o museu em pequenas cidades paulistas Elísio Francisco Zanotti SÃO PAULO 2009

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE

O museu local o museu em pequenas cidades paulistas

Elísio Francisco Zanotti

SÃO PAULO 2009

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Elísio Francisco Zanotti

O MUSEU LOCAL o museu em pequenas cidades paulistas

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte sob a orientação do Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre

São Paulo 2009

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Elísio Francisco Zanotti O museu local o museu em pequenas cidades paulistas

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa Interunidades em Estética e História da Arte

Data da aprovação: Prof. Dr.________________________________________ Instituição:______________________________________ Assinatura:______________________________________

Profª. Drª._______________________________________ Instituição:______________________________________ Assinatura:______________________________________

Profª. Drª._______________________________________ Instituição:______________________________________ Assinatura:______________________________________

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Agradecimentos

Esse trabalho deve sua concretização a inúmeras pessoas que ao longo do período de pesquisas e redação

contribuíram com ações positivas somando, substituindo, questionando, respondendo, subtraindo,

opinando, ouvindo, alterando, corrigindo, estimulando... enfim, ajudando a dar forma ao que era só uma

intenção.

Agradeço ao orientador José Eduardo de Assis Lefèvre pela sabedoria na condução das diretrizes

lançadas que foram ao seu tempo acatadas.

À Valéria Ruiz pelo acompanhamento próximo: sóbrio nos momentos de euforia e decisivo nos

momentos sem ânimo.

À Neusa Brandão pela assistência profissional e carinhosa.

Aos colegas e professores do Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte

pela convivência enriquecedora.

Aos colegas professores da Oficina Pedagógica da Diretoria de Ensino de Carapicuíba pelas inúmeras

experiências trocadas.

Às professoras Carmem Aranha e Kátia Canton pelas contribuições substantivas por ocasião do exame de

qualificação.

À Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Estado da Cultura nas pessoas de

Diná Jobst, Rosa dos Santos e Beatriz Cruz pela oportunidade de apreciação dos documentos relativos aos

Museus Históricos e Pedagógicos.

À Simona Mizan pelo estímulo inicial

Aos diretores e funcionário dos museus pesquisados, por suas contribuições fundamentais: Alessandra

Rodrigues, professora; Rosana Zanelatto, funcionária do setor de Cultura e Helena de Lima, diretora do

Setor de Educação e Cultura de Rubinéia (SP): Belmiro Baio, diretor municipal de Cultura, Carla e

Gustavo, estagiários do Museu Alexandre de Gusmão de Itápolis (SP); Célia Stangherlin, pertencente ao

grupo de criação do museu e Janaína Cescatto, diretora do Museu Histórico Municipal Luis Saffi de Barra

Bonita (SP); Regina Fosati, diretora Administrativa do Setor de Cultura da Prefeitura de Mirassol (SP);

Nazaré Cruz, diretora do Setor de Educação e Cultura e Waldenice Sevalho diretora de Cultura da

Prefeitura Municipal de Bariri (SP).

A Ênio Brito Cunha pelas longas conversas e observações incisivas.

À Val Barcellos pelas observações de pontos de vista inéditos.

À Christiane Botosso pela revisão paciente dos textos.

À Adriana Talhari pela tradução esmerada do resumo.

À Márcia Talhari pelo apoio crítico e arguto.

A José Talhari pelo excelente dicionário.

Aos meus filhos, esposa e familiares pela compreensão e os fins de semana sem passeio.

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RESUMO

O objeto de estudo desse trabalho são os museus em pequenas cidades do Estado de São

Paulo. Os museus são aqui considerados como parte do processo de universalização do

ensino público e instrumentos de afirmação histórica, disseminando a linguagem

museológica como parte de um processo de interiorização encampado pelo governo

estadual. O termo “museu local” foi aqui adotado para designar o espaço imediato de

seu entorno e que o situa em uma das extremidades do conjunto de tipologias de museus

que operam diferentes áreas de influência. Assim sendo o museu local se diferencia do

museu regional ou do museu nacional por ocupar-se de um território físico e

psicossocial compatíveis com as dimensões do corpo humano, suas percepções diretas e

vivências cotidianas. Ao apresentar os museus de Mirassol, Itápolis, Barra Bonita,

Bariri, Rubinéia e a casa museu de São José do Rio Pardo, a Casa Euclidiana, esta

dissertação procurou demonstrar as especificidades das dinâmicas socioculturais que

impulsionaram as iniciativas ou as fizeram esmorecer – não como modelos

configurados, paradigmáticos, mas como possibilidades, dentro desse grande campo, de

como a linguagem dos museus foi sendo apropriada nessas diferentes localidades.

Palavras chave: museu local, linguagem museológica,

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ABSTRACT This dissertation examines museums in small cities (up to 50,000 inhabitants) in the State of

São Paulo, Brazil. The museums are regarded as an integral part of the process of

universalization in public education , as well as instruments of historical assurance,

spreading the museological language as part of a process of internalization embraced by the

State government. The term “local museum” was used in this work to designate the

immediate space and its surroundings. This term also places the local museum at one end of

the museum typologies that include different areas of influence. In this manner, the local

museum distinguishes itself from the regional museum or the national museum, since it

occupies a territory that is both physical and psychosocial, and that is compatible with the

dimensions of the human body and its direct perceptions and daily experiences. By

introducing the museums of Mirassol, Itápolis, Barra Bonita, Bariri, Rubinéia and the house

museum of São José do Rio Pardo, this dissertation seeks to demonstrate specific

characteristics of the sociocultural dynamics that either leveraged those initiatives, or rather

made them vanish – not as set up, paradigmatic models, but as possibilities within the vast

field in which the language of the museums was seized in each of these locations.

Keywords: local museum, museological language.

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SUMÁRIO

1. Introdução.......................................................................................................... 9

2. Capítulo I – Uma breve história do colecionismo........................................... 21

2.1. Curiosidades reais – predomínio da individualidade............................... 23 2.2. Modelo burguês – patrimônio sócio-cultural........................................... 31 2.3. Chegada ao Brasil – busca de civilidade................................................. 40

2.3.1 Museu Nacional........................................................................... 47

2.3.2 Museu Nacional de Belas Artes................................................... 51 2.3.3 Museu Paulista............................................................................. 56 2.3.4 Escola Nova e o conceito de museu pedagógico......................... 66

3. Capítulo II – Os Museu Histórico e Pedagógicos do Estado de São Paulo.. 72

3.1. A Casa Euclidiana.................................................................................... 73

3.2. O modelo dos Museus Históricos e Pedagógicos.................................... 80 3.3. A municipalização dos Museus Históricos e Pedagógicos...................... 92

4. Capítulo III – Os museus em pequenas cidades paulistas............................. 101

4.1. Museus históricos e/ou museus de arte.................................................... 102

4.2. Objetos e utensílios.................................................................................. 104 4.3. Contextualização...................................................................................... 105 4.4. Fotografia como documento histórico..................................................... 106 4.5. O museu como espaço de reconhecimento.............................................. 108 4.6. A memória como objeto da aprendizagem - ........................................... 115 4.7. O museu e o espaço urbano..................................................................... 121 4.8. O museu e a comunidade......................................................................... 130

5. Considerações finais.......................................................................................... 147 6. Bibliografia........................................................................................................ 159

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INTRODUÇÃO

Durante as pesquisas e levantamentos de dados para a monografia “Bariri: o café e a

República”, 1 que aborda o período de formação da cidade, foram disponibilizadas para

esse fim várias coleções de fotos, jornais, plantas de edifícios públicos e privados,

discos e filmes pertencentes aos baririenses residentes e não residentes no município.

Outros documentos, pertencentes ao poder público local, estavam dispersos em

diferentes repartições, como bibliotecas, arquivos diversos e escolas. Encontravam-se

sem nenhuma organização que facilitasse o trabalho da pesquisa. Também não havia

nenhum critério de arquivamento que visasse à preservação daqueles documentos.

Algumas coleções pertenciam aos seus realizadores já bastante idosos; um maior

número delas, porém, estavam em mãos de herdeiros diretos, preocupados com a

continuidade e a conservação, os custos de manutenção e a falta de interesse do poder

público. Seria preciso o surgimento de uma entidade, preferencialmente pública, que,

por meio de um trabalho constante, conquistasse a confiança dos herdeiros e recebesse

esse material.

Diante de um quadro de constante falta de recursos financeiros disponibilizados à área

cultural, pela ineficácia das poucas iniciativas no âmbito da pesquisa histórica e da falta

de continuidade dos projetos que se iniciam, não se pode esperar das prefeituras das

pequenas cidades e de suas secretarias de cultura as condições mínimas que satisfaçam

as exigências desse trabalho.

A organização do material existente e a ser levantado, os métodos de exploração e

divulgação, os projetos específicos que tornem essas informações fluentes e disponíveis,

são alguns dos trabalhos que requerem diretrizes e conhecimentos específicos. Dessa

constatação, nasce o projeto de criação de um Arquivo Iconográfico com a missão de

reunir cópias desses registros, contextualizá-las, e divulgá-las; disponibilizando-as para

pesquisa de estudantes de vários níveis escolares, artistas, historiadores e outros

1 Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI) apresentado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Ana Maria de Moraes Belluzzo. Publicação por iniciativa da Prefeitura Municipal de Bariri em 1988

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interessados na memória da cidade; gerar produtos culturais como exposições,

seminários, debates; promover discussões e intervenções no espaço urbano como a

preservação de patrimônio cultural, espaços, obras, eventos e manifestações artísticas de

toda a sorte.

Em 2004, passei a integrar o corpo de professores da Rede Estadual de Ensino da

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como professor de Educação Artística.

Desde então, tenho participado de inúmeros cursos e capacitações em que me é

solicitada a visitação de museus acompanhando os alunos da escola em que leciono e

que me colocaram frente a frente com suas dificuldade em perceber o museu como

espaço de fruição e aprendizagem. Essa mesma dificuldade é compartilhada com outros

professores de diferentes disciplinas que notam, também, que nossos alunos percebem a

“linguagem” do museu permeada de códigos incompreensíveis, roupagem vetusta e

estética elitista. O museu afugenta o estudante da periferia. “O museu é chic”. O museu

fala a língua da elite.

As duas experiências e o projeto não concretizado do arquivo iconográfico me fizeram

refletir sobre quais possibilidades poderíamos desenvolver como pesquisa na área da

preservação de patrimônio, que respondesse às necessidades de guarda, produção de

sentido e exposição de acervos em vias de desaparecer, mas que adequasse a linguagem

do museu como proposta contemporânea de educação.

Museus são espaços de reflexão, assim como espaços de convívio, lazer, fruição

estética, lugar de experiência e rememoração afetiva, lugar de buscar conhecimento,

curiosidades, informação. Museus são espaços lúdicos no sentido de que nos recortam

do cotidiano e nos transportam a espaços atemporais, revelando uma espécie de

materialidade do próprio tempo. Ali o tempo cristaliza-se e ali estão os indícios de seu

percorrer.

O espaço do museu coaduna funções de templo e de teatro, oferecendo ao visitante a

experiência da evocação das imagens da memória e do conhecimento do passado, do

presente, das origens e das últimas descobertas e tendências em ambiente

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adequadamente preparado para isso e onde se apresentam os personagens da cultura

material e imaterial. Essas são experiências estéticas e intelectuais, não são experiências

virtuais. Elas relacionam fatos e objetos com as vivências e saberes pessoais no campo

da memória.

A virtualidade dos meios informatizados pode substituir, em muitos casos, a “presença”

como condição necessária ao aprendizado, ao conhecimento. Será sempre, no entanto,

um conhecimento exclusivamente intermediado, filtrado, versificado. As técnicas da

linguagem museológica, por sua vez, são, para o freqüentador de museus, também

formas versificadas de se obter conhecimento, ainda que guardem a materialidade de

seus objetos de estudo como atestado e comprovação das suas teses. Os objetos estão lá,

podem ser apreciados pelo visitante, que pode atestar ou discordar das inferências da

exposição. São fontes primárias e estão lá submetidas ao julgamento do público

observador.

Essa relação entre o pesquisador/curador do museu e o fruidor é intermediada pelo

objeto exposto, elemento do mundo sensível, “veículo natural do inteligível” na

assertiva de São Tomás de Aquino e “portador de sentido” ou “semióforo” no dizer de

Pomian2 quando se referia particularmente ao objeto de coleção.

Sem dúvida, não podemos perder de vista que na relação entre as exposições em museus

e o público visitante se estabelece um vetor de comunicação de sentido único e que

define para o visitante um papel eminentemente passivo e pouco reflexivo, que analisa,

repensa e sintetiza, mas que não se beneficia de uma relação de troca, interação e

reordenação do que está exposto.

Fora dos museus já se configura um mundo de interatividade que convida o observador

a participar e, por conseguinte, deixa para a instituição museu uma imagem de

distanciamento e superioridade. Contribui para isso a arquitetura monumental que se

pratica para abrigar as instalações dos museus. São projetos geralmente ancorados em

propostas de reabilitação de edifícios históricos, que conservam as expressões elitistas

2 Semióforo, segundo a definição de Krzstof Pomian é o objeto que, retirado do contexto das atividades econômicas e passando a integrar uma coleção, esvazia-se de sua função original e ganha um novo sentido estabelecido pelo contexto cultural em que se inseriu.

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do passado, em projetos próprios que inauguram linguagens novas e refinamentos

estéticos ou na busca do “espetacular” que prefere investir numa abordagem supra local

para um público qualificado que já detém o vocabulário dessa linguagem.

O Prof. Dr. Ulpiano T. Bezerra de Meneses, em ensaio de 1994 3, aborda a questão que

ainda se faz corrente, denunciando um momento de crise sobre a eficácia dos museus

como agentes produtores de conhecimento e que poderia ser resumida na seguinte

formulação: existe, ainda, um papel a ser exercido, na atualidade, por museus com seus

acervos? E podemos acrescentar: levando-se em conta sua origem burguesa, portanto

patrimonialista, elitista e excludente e os novos ventos da contemporaneidade trazendo

as tendências globalizantes, a maior velocidade de obsolescência dos objetos, a

desmaterialização das informações, a virtualização dos estímulos estéticos, poderíamos

dizer que estariam obsoletos a linguagem dos museus e seus códigos?

As respostas são favoráveis à sobrevivência da instituição museu, se forem acatadas as

afirmações de Edwina Taborsky 4 de que o museu só se interessa pelo objeto devido ao

sentido. Essa afirmação é suficientemente abrangente para permitir a compreensão dos

limites de certos conceitos aplicados aos acervos dos museus. Conceitos como

patrimônio, elitismo, exclusão são extrínsecos aos objetos e inerentes ao uso que se faz

deles, portanto, pertencem ao campo de atuação dos museus e seus curadores. Aqui

cabe, então, mencionar outra definição de Krzstof Pomian (1978), desta vez acerca das

coleções:

“qualquer conjunto de objetos natural ou artificial, mantidos temporariamente ou definitivamente, fora do circuito das atividades econômicas, sujeito a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim e exposto ao público”5.

Considerando ainda que cada vez mais nos cercamos de objetos que nos auxiliam nas

diferentes tarefas cotidianas, estendendo o alcance e os limites das nossas

3 Ensaio publicado nos Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material sob o título “Do Teatro da Memória ao Laboratório da História: a Exposição Museológica e o Conhecimento Histórico”, dentro da seção Debates, em que também são publicados comentários do texto por Profissionais Especialistas em áreas correlatas.

4 TABORSKY, Edwina. The discursive object. In: PEARCE, Susan, ed. Objects of knowledge. London: Athlone, 1990. p.50-77.

5 POMIAN, Krzstof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi, v. 1 (Memória – História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. p.51-86. (traduzido do original: Entre le visible et l’invisible: la collection. Libre, n.3: p.3-54,1978).Grifo nosso.

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potencialidades, é justo acreditar que a chamada cultura material está longe de se tornar

desimportante.

Outras questões contemporâneas envolvendo as relações dos museus com a sociedade,

que poderíamos classificar como conjunturais, se dissolvem na vigência de novas

conjunturas, propondo novos desafios, mas nunca a inviabilidade. O uso

propagandístico das mega-exposições, comprometidas em demasia com a

espetacularização do evento é um exemplo dessas questões.

A contemporaneidade e seus vetores apontam para um futuro que torna mais complexo

o sentido de pertencimento do homem a qualquer território. Qual será a relação do

cidadão planetário com sua circunvizinhança mais próxima? Não se pode acreditar que

seus valores afetivos e primordiais perderão as raízes fincadas no seu local de origem e

que seu cotidiano se fará de intercâmbios exógenos com realidades distantes sem

profunda interação material. Valores como a memória afetiva vinculada ao tempo e

espaço de vivência e crescimento estabelecem referências espaciais e temporais com os

objetos, a arquitetura, o ambiente urbano e os demais cidadãos que aí vivem.

O objetivo deste trabalho é levantar as questões diferenciais para a compreensão da realidade

ou realidades atuais das iniciativas no campo da museografia em pequenos núcleos urbanos

no Estado de São Paulo. Que papel o museu desempenha, nessas pequenas povoações, como

agente de promoção do conhecimento e da apreensão da dinâmica social? O Museu que se

utiliza do estudo da cultura material e imaterial – com ênfase na visualidade – pode, por isso

mesmo, ser um agente eficaz a favor da disseminação de formas de participação social? São

questões que, pelo menos no universo pesquisado, ainda são formuladas de maneira muito

incipiente, mas que já se fazem sentir.

A cultura material é exteriorização e concretização dos desejos do ser humano. Os

objetos que produzimos são extensões do corpo humano, são produzidos para atender

necessidades projetadas e concebidas a partir do universo imaterial da cultura: o

conhecimento. Os museus operam em sentido inverso, coletam as manifestações

sensíveis das culturas para chegar o mais próximo possível de sua compreensão. Os

objetos de estudo, materiais e imateriais (os saberes), desafiam as teses, orientam o

raciocínio em certa direção para promover cruzamentos com outras linhas de raciocínio

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e tornar possível uma trama, uma forma intelectual, uma complexidade, uma hipótese.

O museu trabalha criando e transformando hipóteses para produzir conhecimento.

Coleções adquiridas pelos museus têm valor incalculável, considerando as possibilidades

infinitas de contribuições que cada peça pode oferecer ao longo do tempo e do

desenvolvimento das pesquisas históricas. Coleções que se perdem sem ao menos chegar aos

museus são inestimáveis. São silêncios eloqüentes. Fotografias, jornais, filmes, vídeos etc.

estão se perdendo e com eles se perde a chance da produção de sentido.

Quais são os procedimentos museológicos que tem norteado o trabalho do pessoal desses

museus? Que produtos culturais têm sido resultado da utilização desses acervos e como esses

produtos culturais são apropriados pelo visitante/usuário, habitante ou não da localidade

onde o museu está inserido? Como as escolas do entorno se utilizam dos recursos do museu

como meio pedagógico? Há interação entre os produtos de pesquisas internos do museu e o

trabalho de estudantes dos diversos níveis escolares?

Talvez o maior trunfo diferencial do museu local seja a proximidade que se estabelece, ou se

faz crer existente, com o público visitante. Esse é um museu em que a primeira visita não é

completamente isenta de referências prévias. Ou o edifício já era conhecido, ou o entorno era

familiar, ou os funcionários são vizinhos ou já se tinha ouvido falar do museu em casa, na

rua ou na escola.

Este é o campo de trabalho do museu local. O museu que se ocupa de um território

físico e psicossocial compatíveis com as dimensões do corpo humano. Um território não

maior que a distância de uma caminhada, que consegue manter a noção de vizinhança,

que está ao alcance da visada da janela das nossas casas. Um território que abriga um

número menor de segmentações sociais e que por isso mesmo se tornam mais palpáveis

e cotidianas. Um território que se aproxima da definição de “pedaço” utilizada por José

Guilherme Magnani para designar o “espaço intermediário entre o privado (a casa) e o

público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos

laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais

individualizadas impostas pela sociedade” (MAGNANI, 2000: 138)

Esse museu é lugar de incursão no espaço/tempo da vivência e da formação cultural da

sociedade de seu entorno. É lugar de busca identitária, de promoção do conhecimento e

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de compreensão da realidade mais imediata e próxima. O museu é o teatro em cujo

palco se expõem as representações da memória que nos une aos nossos irmãos, que nos

fazem pertencer aos nossos grupos: familiares, amigos, companheiros e concidadãos..

A questão básica que se coloca é se o museu, que tem suas raízes fincadas nos estratos

sociais mais elevados e historicamente ligados ao absolutismo na Europa dos séculos

XVII e XVIII, pode servir de instrumento de promoção e transformação sociais em

parcerias com escolas e outras formas de associação dos cidadãos. O colecionismo, a

exposição e a preservação são expressões diretamente ligadas à noção de posse,

ostentação (poder) e conservação desse status e que, portanto, servem muito claramente

ao discurso, mesmo que subliminar, da natureza e da manutenção das hierarquias

sociais. Poderia o museu que trabalha com esses conceitos possuir discurso diferente?

A resposta afirmativa talvez esteja na transformação da linguagem e do discurso

unidirecional dos museus. Algumas iniciativas importantes são testadas primeiramente

na Europa, a partir da década de 70, os ecomuseus, os museus comunitários, os

neighbourhood museums americanos e, nessa linha, poderíamos colocar os pequenos

museus de bairro e os de pequenas cidades que são o objeto deste estudo.

No caso dos museus das pequenas localidades há mais uma questão de base. Ainda

existirá espaço para o que é local na sociedade planetária de que fala Edgar Morin?6 O

global não esvazia o significado do que é local? 7. Global e local são dimensões

complementares e de maneira nenhuma excludentes, no mais, intercaladas com

inúmeras outras instâncias que se articulam: o regional, o nacional etc. “O mundialismo

não se identifica, pois, à uniformidade”, declara Ortiz encerrando a questão. (ORTIZ,

1994: 29)8.

6 MORIN,Edgar. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. São Paulo: Cortez. 1996) 7 Um exemplo citado por Renato Ortiz (1994: 28) sobre o caráter transnacional da língua inglesa é bastante elucidativo da complementariedade entre o local e o global. O uso do inglês em atividades específicas como informática, colóquio científico, comunicação entre empresas multinacionais, teria um caráter de um “espaço transglóssico” que “engloba todos os usos de caráter extranacional, mas apenas esses usos. O desenvolvimento de um espaço transglóssico não abole a função veicular das línguas locais, ele a setoriza” (TRUCHOT, C. L’anglais dans le monde contemporain, Paris, Le Robert, 1990). 8 O autor faz distinção entre globalização, expressão aplicada às trocas mercantis e mundialização usada para a dinâmica cultural.

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Os espaços museais podem se constituir em espaços diferenciais para a reflexão sobre a

evolução urbana e das relações sociais. Certas parcerias, como Museu/Escola, Museu/Igrejas

e outras associações sociais, seriam de suma importância e obteriam resultados relevantes no

sentido da participação do cidadão na apreensão de seu ambiente. Cabe aqui mencionar o

conceito de Laboratório de História que o Prof. Dr. Ulpiano Bezerra de Meneses introduz em

sua reflexão sobre o papel dos museus e sua condição de espaço privilegiado para produzir

inferências sobre a dinâmica da sociedade. Diz o texto:

“Não sendo a História um conjunto a priori de noções, afirmações e informações – mas uma leitura em que ela mesma institui, em última instância, aquilo que pretende tornar inteligível – ensinar História só pode ser, obrigatoriamente, ensinar a fazer História (e aprender História, aprender a fazer História). Por isso, a diretriz (obviamente não exclusiva, mas necessariamente presente) de um museu histórico seria transformar-se num recurso para fazer História com objetos e ensinar como se faz História com os objetos”. (Meneses 1994: 40)

Os Museus, principalmente aqueles que os pequenos núcleos urbanos têm ao redor, são

campo fecundo para o exercício de uma cidadania mais plena e participativa, apropriando-se

de instrumentos tradicionais, convencionais e não convencionais para o debate e a crítica de

suas realidades. Esse é o conceito de sociedade civil que participa ativamente das decisões

que lhes são diretamente associadas.

A pesquisa partiu de algumas fontes bibliográficas fundamentais apresentadas durante o

Curso de Especialização em Estudos de Museus de Arte, realizado durante todo o ano de

2005. Esse curso foi fundamental para a inserção no universo da museologia e na elaboração

de critérios que foram direcionando e recortando o campo de atuação da própria pesquisa.

Os dados e impressões iniciais obtidas através da visitação de alguns desses museus, foram

sendo acrescentadas às informações obtidas através de sites oficiais das prefeituras

municipais que as disponibilizam. Assim sendo, foi se formando um arquivo com a ficha de

cada um dos 120 museus focados pela pesquisa.

Outros organismos governamentais foram consultados, como o Serviço de Museus e

Arquivos do Estado de São Paulo – DEMA9 - e a Fundação Sistema Estadual de Análise de

Dados – SEADE - ligadas ao governo do Estado de São Paulo.

9 A Partir de 2007 passa a ser designado UPPM – Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico

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Os dados obtidos por meio da Fundação SEADE foram de grande valia para a localização

dos museus em estudo, levantamento de dados estatísticos referentes aos acervos, capacidade

e número de visitantes anualmente computados, condições de preservação e suporte

financeiro.

Já o Arquivo Vinício Stein Campos, pertencente ao DEMA, teve grande importância para a

obtenção de informações preciosas sobre a instalação dos Museus Históricos e Pedagógicos

levado a cabo por Vinício Stein no intervalo entre os anos de 1956 e 1973, período em que

ele foi diretor do Departamento de Museus da Secretaria da Educação do Estado de São

Paulo. Informações adicionais e preciosas foram encontradas na coleção organizada por

Stein 10, em que se menciona os “Cursos de Museologia” patrocinados pela Secretaria da

Educação destinado à professores da Rede Pública Estadual. Desde 1962, quando foi

realizado o primeiro curso na capital, até 1973, foram realizados 134 cursos de Museologia

em 93 municípios do interior, atendendo a 52.296 professores.

Também sobre esse tema, ressaltamos a tese de doutoramento de Simona Mizan,

apresentada à Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH – USP) e que

aborda os aspectos históricos da constituição dos Museu Históricos e Pedagógicos no Estado

de São Paulo e de sua permanência até a década de 90 quando, sistematicamente, foram

sendo municipalizados. 11

Outra importante fonte de levantamento de dados foi o envio de questionário aos diretores

dos museus pesquisados com perguntas que envolviam abordagem histórica e de aspectos da

administração dos recursos museológicos disponíveis. Parcerias, atividades educacionais,

exposições e serviços prestados à comunidade foram outros temas explorados.

Os dados levantados foram sistematizados com o intuito de se traçar um quadro sobre as

atividades desses museus, as iniciativas que produziram maior interação entre museu e

público, os serviços oferecidos, as pesquisas realizadas etc. Esse quadro deverá ser

confrontado com experiências semelhantes no campo da museografia, com o intuito de se

estabelecer critérios de avaliação e apontar prováveis focos de dispersão e ineficácia das

ações. Uma importante iniciativa com a que se poderá confrontar é o caso do Ecomuseu do

10 STEIN CAMPOS, Vinício. Elementos de museologia do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo do Estado de São Paulo, 1973. vol. III 11 MISAN, Simona. A implantação dos museus históricos e pedagógicos do Estado de São Paulo (1956- 1973), 2005. 274 p. Tese (Doutorado em História Social) FFLCH-USP. São Paulo.

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Quarteirão Cultural do Matadouro, no município de Santa Cruz (RJ) que apresenta proposta

inovadora de participação dos membros do bairro onde foi instalado. 12

Dentre os museus pesquisados seis deles foram selecionados e analisados mais a fundo por

suas particularidades, para ilustrar o conteúdo da pesquisa. Posicionados em momentos

históricos distintos retratam a diversidade de abordagens, deficiências e carências locais,

assim como a sua contribuição à compreensão do tema da presente dissertação e representam

soluções e/ou fracassos no campo da museologia que ajudam a compreender as dinâmicas

sociais e históricas e suas representações nesses museus.

A Casa Euclidiana, criada em 1946 no município de São José do Rio Pardo - 51.023

habitantes13 - é analisada sob a ótica de sua íntima relação com os movimentos culturais e

sócio-políticos dos primeiros anos da República observados na pequena cidade. Ali se

construiu um plano de culto, positivo e emblemático à figura de Euclides da Cunha. Sua obra

renovadora e civilizatória e as relações afetivas dos rio-pardenses com o grande escritor

compõem o campo de cultura onde se assenta a criação do museu. Essa iniciativa pioneira

será de grande importância para a interiorização da linguagem museológica e servirá de

modelo e inspiração para a rede de museus Históricos e Pedagógicos implantados pelo

governo paulista a partir de 1956.

No caso de outro museu pioneiro, este criado em 1953, o Museu de Mirassol – 51.660

habitantes14 - a iniciativa deve-se ao seu criador Jezualdo d’Oliveira, mas foi sendo abraçada

pelo conjunto da sociedade local com a crescente participação de suas lideranças. A

implantação do museu de Mirassol é um exemplo de como a ação individual do

colecionador, que vislumbra o caráter evocativo e didático de sua coleção soma-se à

conseqüente adoção do museu por um grupo crescente de concidadãos organizados para

atender às necessidades advindas do crescimento e manutenção do acervo, espaços de

guarda e exposições de seu museu.

O Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão, em Itápolis – 38.633 habitantes15 -

é um museu criado nos moldes dos Museus Históricos e Pedagógicos em 1967. O governo

12 PRIOSTI, Odalice Miranda. Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro: território de memória e instrumento da comunidade. 2000. Dissertação de mestrado – Unirio/Memória Social e Documento. Rio de Janeiro, 2000. 13 Fonte IBGE: Contagem populacional 2007. Página acessada em 14.02.2009 às 11:26 hs: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 14 Idem. 15 Idem.

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local empenhou-se em organizar para o município um museu da rede vinculada à Secretaria

Estadual da Educação. A rede de museus iniciada com a implantação dos primeiros quatro

museus em 1956 trazia algumas inovações, polêmicas, a começar pela adoção do próprio

conceito de rede de museus. Os museus eram integrados ao conjunto das escolas da rede

pública estadual e eram dirigidos por professores e ex-professores subordinados ao serviço

público da Secretaria de Estado da Educação. Outra inovação importante foi a participação

das populações locais para a formação dos acervos desses museus através de campanhas de

doação envolvendo cidadãos, famílias, instituições públicas e privadas e o poder público.

O Museu Histórico Luís Saffi de Barra Bonita – 35.090 habitantes16 - foi criado em 1986,

muito tempo depois da implantação do último museu da rede de Museus Históricos e

Pedagógicos em 1973. Foi uma iniciativa independente da Prefeitura Municipal que

arregimentou um grupo de barra-bonitenses, filhos de imigrantes italianos, empenhados com

a história da cidade, mas sem nenhum conhecimento em museologia. Para tanto o grupo

partiu de um levantamento histórico utilizando-se de textos publicados em antigos jornais da

cidade, documentos oficiais, fotos, objetos e relatos orais de antigos moradores. Para a

formalização do museu, algumas diretrizes fundamentais foram adotadas depois das muitas

visitas que fizeram aos Museus Históricos e Pedagógicos de Jaú e de São Manuel. Hoje, o

Museu de Barra Bonita que leva o nome de um de seus fundadores, desenvolve importante

trabalho de pesquisa e levantamento histórico e artístico na cidade. Precariamente sustenta o

trabalho abnegado de seus poucos funcionários associado ao de muitos colaboradores que de

forma espontânea contribuem para sua permanência.

Rubinéia, com pouco mais de 2.546 17 habitantes possui o Museu Histórico Cultural

Nazareth Reis. Na sua singeleza o museu revela a dificuldade técnica e conceitual que o leva

a deixar de abordar a rica história do município de apenas 43 anos de emancipação político-

administrativa. Criado pelo professor que lhe cede o nome, seu acervo foi reunido por seus

alunos em desdobramento de um trabalho escolar para a disciplina de História que

investigava uma Rubinéia que não mais existia, haja vista que a cidade precisou ser

transladada por causa do represamento das águas do rio Paraná com a construção da Usina

Hidrelétrica de Ilha Solteira. Com a formação do extenso lago artificial praticamente todo o

sítio urbano foi submerso. O drama de seus habitantes vivido durante a vigência do Regime

16 Idem. 17 Idem.

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Militar, a diversidade de tipos humanos personagens no rico panorama histórico e social não

se encontram adequadamente representados no museu da nova Rubinéia.

Por fim, esse trabalho apresenta o Museu de Bariri – 30.995 habitantes18 - uma iniciativa

abortada já nos primeiros meses de funcionamento, deixando uma grande lacuna para uma

cidade que já conta com extensa cobertura historiográfica. Várias publicações de livros e

trabalhos acadêmicos abordando a história local servem de grande embasamento para uma

proposta de musealização. Muitos arquivos particulares, amadores e profissionais, além de

outros tantos arquivos públicos poderiam ser reunidos no acervo do museu que não vigorou

devido às deficiências e carências do projeto que chegou a ser implantado.

O estudo desses seis exemplos de implantação de casas museológicas procurou estabelecer

algumas das diversas motivações norteadoras do empenho e dos anseios que conjugam essa

tarefa. Tarefa, aliás, cercada de sutis indiferenças, descrenças e desinteresse por parte de um

grande número de pessoas entre os conterrâneos. O Museu na pequena cidade não vem à luz

sem grande batalha contra o desânimo e não vinga sem a persistência de quem antevê seus

préstimos à cultura local, educação histórica e formação da visualidade de seus espaços.

Espaço social, espaços físicos, dos afetos, e das memórias, lugares cívicos que formam esse

ambiente onde nasce, além do homem, o cidadão.

18 Idem.

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Capítulo I

UMA BREVE HISTÓRIA DO COLECIONISMO

Na Grécia, o mouseion, ou a casa das musas, era o local de encontro dos cidadãos que

buscavam o saber filosófico. Era um lugar de culto e pesquisa, um templo onde se podia

apartar-se das atividades comezinhas e dedicar-se à elevação espiritual, ao

conhecimento transcendente, ao saber e ao deleite estético. O impulso fecundo da busca

do conhecimento do mundo rememora a ação criadora do deus supremo, Zeus, e cultiva

no campo da memória, seara da deusa Mnemósine, os nove estados de alma que

podemos usufruir na morada das musas, suas filhas: Clio, a musa da história que nos

inspira as sínteses históricas, nosso interesse pela glória dos feitos heróicos e imortais e

que nos impulsiona na busca do poder; Euterpe, aquela que inspira o prazer da

intelecção e da decifração; Tália, que inspira o humor demolidor e recria a forma pré-

existente; Mepômene, que inspira a reflexão e a problematização formadora do ato

projetivo; Terpsícore, que inspira o prazer estético e nos educa na percepção mais

profunda da realidade; Erato, que promove a concórdia pela busca da verdade onde

repousam os ânimos; Polímnia, que inspira as interpretações possíveis; Urânia, que

estimula a percepção das fórmulas abstratas que desenham o universo e Calíope, a musa

da comunicação, do bem dizer, da harmonia entre as musas. Esse espaço mítico

descreve as possibilidades de exploração do ambiente do museu, essa espécie de templo

e lugar privilegiado para a pesquisa e a busca do conhecimento.

Em Alexandria, durante a dinastia dos Ptolomeus, no Egito do segundo século antes de

Cristo, pôde-se formar o grande mouseion da Antigüidade. Ali estavam dispostos

biblioteca, anfiteatro, observatório astronômico, refeitórios e jardins zoológico e

botânico. Lograva-se reunir ali todo o conhecimento de então nos diversos campos do

saber humano: religião, mitologia, astronomia, filosofia, medicina, zoologia, geografia

etc. Discutiam-se e apresentavam-se idéias, visões de mundo. Coleções de ferramentas,

animais, pedras e outros objetos vindos dos mais distantes recantos podiam ser

avaliados. (SUANO,1986: 11).

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O museu, como instituição pública como o conhecemos hoje, nasceu no século XVIII,

ainda como expressão afirmativa de uma superioridade intelectual da nobreza. Durante

o século XIX, depois da Revolução Francesa, foi adotado pelos revolucionários

burgueses e, como conseqüência, por todas as elites burguesas ocidentais, devido ao seu

caráter aurático e normativo da cultura iluminista. Na segunda metade do século XIX,

os museus passam a preocupar-se mais efetivamente com seu caráter educativo, seu

papel de promotor de conhecimentos, imbuídos na difusão instrucional da cultura

burguesa, que tinha no saber escolástico laico o paradigma e o substrato da nova

hierarquização da sociedade.

As vanguardas modernas ainda viam no museu um instrumento culturalmente opressor,

portador de um discurso arcaico. Havia, porém, o respeito às suas potencialidades e a fé

inabalável no caráter científico e doutrinário que os museus podiam oferecer à

sociedade moderna. A linguagem do museu, e não o museu instituído, era o inimigo a se

vencer. A modernidade fez os museus prosperarem largamente, atingindo uma categoria

de templo laico, ocupando espaços centrais no mapa das grandes cidades. O museu

tornou-se o espaço privilegiado como difusor do pensamento científico e de suas

conquistas e, no campo das artes, a sua voz oficial.

A contemporaneidade trouxe os questionamentos à linguagem dos museus, ao seu papel

mediador de ideologias e estéticas dominantes e à sua condição de avalista de uma

política do espetáculo calcada essencialmente no trato da cultura material de viés

patrimonialista. Busca-se a reformulação das relações do museu com o público, ou

melhor, com os públicos que podem e devem dele se beneficiar como instrumento de

pedagógico. Busca-se uma relação não unidirecional entre museu e usuário. As novas

propostas da arte e da pedagogia contemporâneas exigem do museu inovações na sua

ação.

Políticas inclusivas orientam as novas aquisições, exposições e acessibilidades bem

como a reestruturação de seus quadros de pessoal e a interação entre seus diferentes

departamentos.

Aos curadores, pesquisadores e arquitetos das exposições se junta um novo grupo de

profissionais que farão o trabalho pedagógico de promoção da acessibilidade efetiva, da

crítica e da avaliação do objeto exposto e de sua representação.

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Os museus se disseminaram pelos núcleos urbanos de menor expressão econômica,

seguindo a tendência de expandir seu campo de atuação. Surgem museus menores, de

áreas de interesse restritas, menor abrangência histórico-geográfica ou temática

exclusiva, como as casas museus que focam a biografia de personagens históricos e sua

produção. Novas propostas de museus vingaram com o intuito de incluir ou restaurar as

relações de setores das sociedade historicamente desatendidos.

2.1. CURIOSIDADES REAIS – O predomínio da individualidade

A história do colecionismo confunde-se com a história das elites culturais, que através

das coleções manipulam e elegem as expressões culturais e artísticas e as transformam

em normas da cultura. A norma, portanto, cria um objeto para o sujeito bem como um

sujeito para o objeto.

Uma elite da cultura estabelece a norma e o consumo. Indica a uma elite econômica

quais objetos devem ser consumidos e esta por sua vez se entrega ao prazer de consumir

aqueles bens que somente ela pode adquirir. Sacerdotes egípcios, cônsules romanos,

Igreja medieval, nobreza renascentista, monarquias absolutistas ou burguesias

ascendentes têm orientado a expressão midiática na história da cultura. 19

O colecionismo firma-se como um fenômeno social dentro da elite militar romana. É a

partir dessa civilização pragmática, onde a visualidade tornou-se um fator essencial de

seu poderio, que colecionar se torna sinônimo de poder político, social e militar. Foi

entre os romanos que colecionar atingiu a mais alta significação como atividade e

patrimônio. A grandeza e a força do Império Romano se impuseram, sobretudo pela

eloqüência de seus símbolos e pelo convencimento através da exibição de seu poderio.

Nunca antes a organização do estado se ocupou tanto com sua própria imagem. O

aparato estatal atesta seu poderio através da visualidade. Propaganda, informações,

ilustração e notícia, tudo era imagem. (LEON, 1995: 17). O colecionismo, entre os

19 Leon, Aurora. El museo: teoria, práxis y utopia. Madrid: Ediciones Cátedra S.A., 1995, p.15.

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romanos, se firma principalmente como apropriação de algo valoroso. A coleção é

essencialmente a materialização do sentido de ter, da propriedade e do poder sobre o

objeto e seu significado. As campanhas militares nutriam a expansão do Império, os

saques de bens valiosos e objetos de arte incrementavam em número e preciosidade os

acervos dos líderes militares. Tornava-se signo de poder e de conhecimento colecionar o

que havia de mais engenhoso e caro dentre os objetos, supremas criações da cultura

material dos povos subjugados.

O colecionismo surge então impregnado de valores individuais de aspiração de

ascendência social, prestígio cultural e reconhecimento. A exposição privada das obras,

clara exibição de força político-social, além da criação de certo gosto influenciava

criando modas. 20

Um grande passo para a história da museologia foi dado a partir da decisão de Marco

Agripa (? 63 -? 12 a.C.), general romano que compreendeu a necessidade de se

agruparem as coleções num mesmo lugar e permitir acesso a todos. Talvez tenha sido a

primeira declaração explícita de que uma coleção se constituía em patrimônio cultural

de toda sociedade.

A força moral do cristianismo nascente veio disciplinar a utilização da arte figurativa,

que deveria seguir critérios pedagógicos claros dedicados à educação moral. Somente

com Constantino (c.270 – 337) sobrevive um colecionismo por esmero e afã cultural de

alguns.

Na Idade Média, a Igreja chegou a ser a expressão mais próxima do que seja um museu

público. Relíquias e objetos valiosos ligados à liturgia e aos ritos religiosos, presentes

de reis e populares constituem os tesouros eclesiásticos e eram inventariados

minuciosamente por monges letrados. Por outro lado, crescem os acervos particulares

alimentados pelos saques e roubos, que já possuíam grande valor econômico pela

excelência artística ou riqueza dos materiais e faziam dinheiro em tempos de carestia.

Para ambos os casos, muito contribuíram as Cruzadas.

20 Terminologias da museologia remontam aos romanos que estabeleceram grande atividade de colecionadores diretamente ligada ao seu poderio militar expansionista. De origem helenista, o termo museu advém de “mouseion”: edifício fundado em Alexandria por Ptolomeu Filadelfo (c.309-246 a.C.) dedicado às Musas e o termo pinacoteca já aparecia em Vitrúvio em seu VI Livro de Arquitetura.

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No entanto, em nada favoreceram ao colecionismo as normas da Igreja Medieval que

visavam controlar a idolatria e coibir o uso de imagens pagãs. A despeito disso, Carlos

Magno (742 – 814), assim como Teodorico, o grande (c.454 – 526) e Frederico II (1194

– 1250), estimularam em suas cortes programas culturais que procuravam resgatar

valores da antiguidade romana. Das oficinas dos artesãos, saíram então obras

executadas segundo normas clássicas renovadas e que resgatavam certo dinamismo

humano, laico, mais próximo da representação fiel das figuras e que veio preparar o

terreno para a amplitude do Renascimento. 21

A crescente urbanização das povoações medievais traz consigo novas relações sociais e

a polarização das cidades. Ali prosperava juntamente com o comércio um aglomerado

de oficinas de artesãos responsáveis pela gradativa especialização, resultado da divisão

do trabalho. As cidades cresciam na interdependência e na troca de serviços. Três

segmentos sociais estavam mais ligados ao colecionismo: o clerical, a aristocracia

cortesã e a burguesia ascendente. Nasce o gosto pelo profano, a necessidade do conforto

e do ornamento como função presente no cotidiano da vida urbana. A arte torna-se

ornamento no espaço urbano, uma necessidade vital.

Sensível a essa demanda, a Igreja de Roma, “que não escapara ao colecionismo”

praticado no período, abre suas coleções ao público em 1471, expondo o antiquarium

do papa Pio VI (SUANO, 1986: 22)

O humanismo promove uma ampla renovação no colecionismo. Em busca das

experiências culturais do passado, o Renascimento acrescentou um valor formativo e

científico para o homem de sua época, que deveria ser educado no contato com as obras

clássicas. Esse valor pedagógico surgido no seio da cultura renascentista pelo estudo das

obras do passado amplia e qualifica a apreciação cultural do objeto da coleção

enriquecido de estima, agora, por qualidades estéticas e também históricas. Assim

sendo, o colecionismo de caráter hedonista e econômico ganha valores formativos como

coleção de modelos e fonte de saber e excelência. O Renascimento é um dos grandes

21 Tese defendida por Erwin Panofsky in Renascimento e renascimentos na arte ocidental na qual expõe o fenômeno da renovação carolíngia como um dos renascimentos da cultura ocidental, calcados nos modelos greco-romanos.

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ciclos históricos que mais contribuiu para essa consciência de unidade cultural que se

tornou típica da cultura ocidental (LEON,1995: 23).

Depois da fase erudita do humanismo, baseada nas leis clássicas da beleza, segue uma

segunda fase hedonista que corresponde ao desenvolvimento da senhoria, uma elite

requintada e citadina. É o retorno a um colecionismo mais arraigado às suas forças

como distintivo social e símbolo de poder e de status cultural. Quem adquire e conhece

essas obras valorizadas são as cortes principescas e uma burguesia urbana cujos

objetivos políticos indicam a mesma direção, sendo que o “bom gosto” dos nobres

influencia os burgueses ascendentes. Nasceu daí uma forma de compromisso do qual

vão se beneficiar mutuamente e o qual trará implícito o desencadeamento que gerou, no

campo da política, as monarquias absolutistas, e no da arte, a estética barroca.

Cosimo I dei Médici (1519-1574), depois de estender seu poder por quase toda Região

da Toscana, procura dar visibilidade ao centro do poder com uma importante

intervenção urbanística em Florença. Ordena a construção de um importante edifício a

ser erguido entre a Piazza della Signoria, o tradicional centro político florentino, e as

margens do rio Arno. Tal edifício deveria abrigar as principais atividades do aparato

estatal e recebeu, portanto, o nome de Palazzo degli Uffizi – Palácio dos Ofícios.

Os planos do edifício couberam ao arquiteto e pintor favorito de Cosimo I, Giorgio

Vasari, que iniciou a construção em 1560. Foi seu filho e sucessor Francisco I quem

decidiu utilizar o último pavimento do edifício como galeria para abrigar a coleção de

estátuas da Antigüidade clássica, retratos da família Médici e retratos de personalidades

ilustres. Nascia assim a Galleria degli Uffizi, que a partir de 1580 foi aos poucos

ocupando a totalidade do edifício em constantes adaptações. 22

Depois da morte de Francisco, assume o poder em 1587 seu irmão Ferdinando, que dá

seqüência aos trabalhos da instalação da Galeria, enriquecendo-a com suas coleções de

caráter científico e em sintonia com as tendências culturais daquele fim de século.

Acrescentou a sala “das cartas geográficas” representando nas paredes a expansão dos

domínios de Florença. A sala abrigava um mapa mundi e uma esfera armilar, exemplos

22 É no período maneirista, com o projeto de Vasari para o Palácio Uffizi, que se concebe o primeiro edifício projetado e construído para abrigar um museu (LEON, 1995: 28).

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das conquistas tecno-científicas da época. Também foi instalada a “sala da Matemática”

que abrigava instrumentos científicos entre afrescos que continham alegorias da

matemática e figuras identificadas com as invenções de Arquimedes.23

Como se pode perceber, a Galeria tinha como principal objetivo a guarda e conservação

das coleções, patrimônio da família do grã-duque, a personificação do estado florentino.

Os objetos ali reunidos representavam mais que objetos de arte ou ciência, compunham

um tesouro símbolo da opulência material e cultural que lastreava a soberania e o poder

dos Medicis.

Um restrito número de famílias no topo das categorias sociais monopolizava a

produção, o saber, o comércio e a coleção das obras de arte. É nesse contexto que

surgem os conhecedores, os tratadistas e os críticos de arte incumbidos das funções de

especialistas a orientar a formação das coleções e a cada vez mais influenciar o mercado

da arte.

Com os tratadistas e críticos de arte, inaugura-se no maneirismo uma visão mais

intelectualizada sobre as artes (juízos de valor, ideologias etc.), balizada cultural e

socialmente pelo conhecimento dos tratadistas. Acentua-se a noção de gosto (o bom

gosto) nem sempre diretamente associada às qualidades das obras. Havia uma crença da

decadência da arte depois do nível de excelência dos trabalhos de mestres como

Michelangelo, Leonardo da Vinci ou Rafael (LEON: 29)

Sendo assim, os tratadistas ampliaram seu campo de pesquisa e já não se limitavam à

arquitetura ou às artes plásticas, passando a se interessar também pelo “raro, o

maravilhoso, o supérfluo ou o precioso”. Invadem as novas áreas do conhecimento que

se abriam às ciências naturais, às curiosidades zoológicas e vegetais que o contato

crescente com as terras novas punha em presença mais constante. Cimelioteca, raroteca,

dactilioteca, thesaurus fossilium, arca rerum fossilium são termos da época que

23 Dados obtidos através do site oficial da Soprintendenza Speciale per il Pólo Museale Fiorentino, órgão do Ministero per i Beni e le Attività Culturali do governo italiano. www.polomuseale.firenze.it/uffizi/storia.asp em 06.02.2007 às 6:52 hs.

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designam o conteúdo das coleções que apontavam o interesse pelo raro, pelo exótico e

pelo valioso. 24

O caráter pedagógico das coleções foi fator importante considerado pelo Collegio

Romano, sede da Companhia de Jesus em Roma. Estava na essência da Contra Reforma

a ação educativa como fator de restauração da doutrina oficial da Igreja, e os jesuítas

souberam se utilizar de todos os meios disponíveis para suas tarefas restauradoras da fé

católica. Sendo assim, no final do século XVII e início do XVIII, o Collegio Romano

disponibilizava de um acervo de peças clássicas às quais foram se juntando objetos

provenientes das missões jesuíticas espalhadas por todos os continentes. Esses objetos

serviam para atestar os benefícios do trabalho evangelizador das missões jesuíticas na

representação dos homens dos confins do mundo conhecido e suas ânsias pela salvação

cristã.

Coube ao padre Athanasius Kircher organizar a coleção de “maravilhas” fiel à

concepção museológica da época. Alemão de nascimento, era professor de matemática

no Collegio Romano. Foi escritor de fama européia, compôs obras abordando várias

áreas do conhecimento, como filologia, física, liturgia sacra, astronomia, história

natural, matemática, música, egiptologia, geografia e civilização chinesa, além de

colecionar “maravilhas” clássicas, cristãs, orientais e da sul-americanas. Dessas

coleções surge o museu que recebeu seu nome. 25

O Museu Kircheriano, como ficou conhecido, reunia coleções heterogêneas que

abordavam da etnologia à física, da zoologia ao esoterismo, da mineralogia à botânica, e

rapidamente se transformou em ponto de atração e curiosidade de eruditos de toda a

Europa. 26

24 Termos com cimelioteca ou raroteca referem-se às coleções de expoentes de valor econômico (pedras preciosas, ouro), bem como raridades e singularidades (livros, documentos, relíquias, achados arqueológicos e zoo-botânicos); dactilioteca refere-se à coleções de anéis e jóias; thesaurus fossilium e arca rerum fossilium designavam coleções de animais fósseis, bem como de conchas, crânios e esqueletos de animais exóticos. 25Fonte: http://www.pigorini.arti.beniculturali.it/Museo/Storia/I_personaggi_K/i_personaggi_k.html#Kircher Acessado em 02.06.2007 às 13h20min. O acervo do Museu Kirckeriano foi dividido, gerando três novos museus romanos, entre eles o Museu Preistórico Etnográfico Luigi Pigorini, inaugurado em 1876. 26 Fonte: http://www.liceoeqvisconti.it/museo/il-museo-dia-kircher/116 Acessado em 01.06.2007 às 16h23min. O museu do Liceo Ennio Quirino Visconti que ocupa, hoje, o mesmo edifício do Collegio Romano é um dos quatro museus descendentes do Museu Kicheriano. Os outros três são o Museo

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Depois da morte de Kircher e de um período de abandono, o museu passou a ser

dirigido pelo padre Filippo Bonanni, que reestruturou a coleção e o espaço do museu,

dando a ele a conformação pedagógica, largamente utilizada pela Companhia de Jesus.

Constituiu-se num dos primeiros museus a reunir e expor objetos com a função social

de documentar o passado, celebrar as ciências e a historiografia oficiais com fins

doutrinários. (SUANO, 1986: 23).

Embora não houvesse ainda o rigor enciclopédico que viria com o século XVIII, as

coleções do século XVII já possuíam valor científico e exposição sistematizada.

Aparecem já os museus de ciências naturais com um critério moderno de exposição, já

que cada objeto é mais interessante pelo que ensina (o sentido) do que pela sua beleza

ou valor reconhecido (LEON: 30).

O termo museum era uma novidade na Inglaterra do início do século XVIII. O famoso

dicionário The New World of Words, em sua edição renovada de 1706, trazia o verbete

museum como sendo “um estúdio, biblioteca, escola ou lugar público onde se

concentram estudiosos e eruditos”. Exemplo disso é o Ashmolean Museum de Oxford,

de 1683, originado a partir da coleção de John Tradescant doada a Elias Ashmole. A

coleção particular, uma miscelânea de curiosidades, produto de 50 anos de trabalho do

pai e depois do filho, ambos chamados John Tradescant, desde 1638 era aberta ao

público mediante o pagamento de ingresso. A coleção acomodada em sua residência era

composta de objetos manufaturados e de espécimes vegetais, minerais e animais vindos

de todas as partes do mundo. Ao longo desses anos, cresceu tanto em número e

abrangência que a coleção foi doada por Ashmole à Universidade de Oxford como

grande recurso para a pesquisa científica. 27

Além da coleção propriamente dita o museu era constituído também por um laboratório

de química destinado à pesquisa e ensino e pela biblioteca. O museu já abria, em dias

específicos, à visitação do público em geral. Essa medida, no entanto, não era Nazionale Etrusco di Villa Giulia (antigüidade etrusca), o Museo Nazionale Preistorico Etnografico Luigi Pigorini (coleção de etnografia) e o Museo Nazionale Romano (antigüidade romana). 27 Fonte: http://www.ashmolean.org/about/historyandfuture/ acessado em 23.04.2007 às 18h27min. Site Oficial do Ashmolean Museum de Oxford.

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universalmente bem aceita. Criticava-se a curadoria pelo excesso de liberalidade com a

presença das “pessoas do povo”. Temia-se que com suas gritarias, correrias e o

manuseio das peças, a coleção não sobrevivesse. 28

No campo das artes plásticas, o colecionismo na Europa do século XVIII dividia-se sob

a influência das duas grandes correntes político-religiosas com as quais se alinhavam os

governos europeus de então.

Em países protestantes como a Holanda, o mercado de arte era animado por uma

burguesia atuante que se via representada nos temas das obras associados ao indivíduo,

ao burguês notável ou às corporações e associações de classe. Preconizavam a liberdade

de ação religiosa e cultural. A pintura, por exemplo, sofria mais abertamente as

influências e interferências do mercado de arte. Havia ali uma categorização mais ampla

dos consumidores de arte, desde as grandes corporações que encomendavam telas de

grandes dimensões para enaltecer seu papel social, até pequenos burgueses que

compravam o ornato para suas residências. Uma produção de cópias e pinturas de má

qualidade se fez presente para atender a essa demanda crescente.

Em países católicos como a Bélgica, o domínio da Igreja é bastante claro e o Estado

poderia proibir até a comercialização de obras originárias dos países protestantes. A

França, porém, oferece um exemplo de como o colecionismo tornou-se expressão da

autoridade do rei e da corte. É da França que nos vem o exemplo mais bem acabado

dessa nova relação da coleção com as esferas mais altas do poder: os personalismos, a

representação alegórica do Estado na pessoa do rei e sua corte, o “bom gosto” cultivado

como benesse de um grupo social. A presença marcante do cardeal Richelieu e de seus

comandados como Colbert, diretor da Academia Real de Pintura e Escultura, impunha o

estilo da corte, adotado pela burguesia ascendente. O governo absolutista mantinha total

controle sobre o ensino das artes por meio das academias e dos salões onde as obras

eram comercializadas. Esse aparato associado ao glamour da corte fazia da produção

cultural oficial e do colecionismo instrumentos de controle das forças sociais em torno

da figura do rei. A monarquia exerce o controle sobre todo o universo das artes, impõe o

estilo da corte que é assumido pela burguesia, mantém o monopólio da educação

28 Idem.

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artística manipulando a arte como instrumento do Estado e fazendo da produção

artística uma organização estatal (LEON: 33).

Na Espanha do século XVII, a corte era a única classe laica que podia ter acesso ao

comércio de objetos de coleção devido à depressão econômica que amargava. A Igreja,

porém, incumbida de comover visualmente o fiel armazenou nos conventos, igrejas e

hospitais o maior tesouro artístico do país, base primordial dos atuais museus nacionais.

Era principalmente para as irmandades religiosas que trabalhavam artistas e artesãos.

O fenômeno mais característico do período é a internacionalização e a intensificação do

mercado de arte que acompanham uma especulação econômica provocada pela inserção

e crescente participação dos países germânicos e da Rússia, que passam a importar as

novidades ditadas pelas modas. Versalhes era então o centro irradiador de estilos a

orientar coleções de toda a Europa.

A Itália, porém, estava no centro de outro fenômeno cultural. Colecionadores viajantes

mais endinheirados já se mostravam mais preocupados em adquirir obras de “valor

eterno” e, em suas viagens pela península, procuravam pelas obras dos mestres

renascentistas e barrocos. Em conseqüência, pinturas representando ruínas de

arquiteturas clássicas, objetos e móveis em pátina, verdadeiramente antigos ou não,

passam a interessar colecionadores menos abastados.

A descoberta de Pompéia e Herculano em escavações arqueológicas no século XVIII

também contribuiu para incrementar o interesse dos colecionadores por objetos e

artefatos antigos e, desse modo, ressurge o interesse pela Antigüidade greco-romana.

2.2 - O MODELO BURGUÊS – Patrimônio sócio-cultural

Os indivíduos da classe dominante, entre outros fatores também dominam como

pensadores que regulam a produção e a distribuição das idéias de seu tempo29. O

29 Marx, K. e Engels, F., La ideologia alemana. Barcelona: Grijalbo, 1970

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colecionismo, portanto, é um fenômeno revelador dessa condição minoritária, elitista e

ideológica desse grupo dominante: suas origens, preferências, status social, sua ação e

pensamento. Afirma-se ideologicamente como defensor da posse única não

compartilhada. Esse traço comum dos colecionadores baliza análises que podem ser

feitas sobre a evolução e as variações do conceito de propriedade ao longo do suceder

de momentos históricos. Em segundo lugar, o colecionismo atua como sujeito na função

ideológica da cultura. Elege e prioriza o que é representativo dentro de um universo de

objetos que compõem uma determinada realidade cultural, seguindo critérios próprios,

interesses e objetivos. Além disso, o colecionismo tem um valor formativo e

consolidante sobre a cultura, sobre o que vai ser aceito e valorizado. Impõem seus

critérios.

Até o século XVIII, as coleções tinham unicamente a expressão particular de seus

criadores e mantenedores. Algum acontecimento solene era o único motivo para que

seus donos abrissem as portas ao público. Por exemplo, os Museus Vaticanos só abriam

suas portas à visitação pública em um dia específico e único no ano, na sexta feira santa

(LEON, 1995: 51). Não havia nisso nenhuma preocupação pedagógica senão o puro

deleite estético, visual e comemorativo para as celebrações mais importantes do

catolicismo e seu conseqüente significado político: o poder que a posse de tal tesouro

expressava.

Às coleções particulares, príncipes, nobres e burgueses permitiam a visitação a grupos

seletos de convidados, sem dúvida grupos de elite: outros colecionadores, intelectuais,

eruditos, estudiosos, artistas e conhecedores de arte. Eram tesouros e como tal eram

tratados. A posse dos objetos ali reunidos, a singularidade e seu significado político-

social eram os valores mais deliberadamente expressos. A coleção remete diretamente

ao trabalho e ao afinco do colecionador e seu méritos: conhecimento, gosto e cultura

refinada. A ilustração se remete a uma herança renascentista que estendeu ao homem da

cidade a busca do conhecimento e da erudição até então restrita ao clero e a nobreza. Os

gabinetes de curiosidades e as galerias de arte respondiam ao pendor para essa distinção

intelectual como forma de dar estofo e lastro à sua posição social.

Na França, no final do século XVIII, o colecionismo foi afetado pela luta de interesses

de classes. A ascensão definitiva da burguesia mercantil ao poder associada à ruinosa

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decadência da aristocracia deixa clara a supremacia burguesa, agora dominando

completamente os meios da cultura. Círculos fechados de burgueses ricos e ilustrados

não só amparam, mas agora se apropriam da produção cultural, “a burguesia produzia a

cultura, a vendia, a comprava, a degustava” (LEON, 1995: 40). Com a Revolução

Francesa, o colecionismo altera fundamentalmente sua perspectiva devido a novas

condições históricas e a um crescente dinamismo social, porém suas bases ainda serão

ancoradas na diferenciação social, nos privilégios das novas classes dominantes e na

marginalização da cultura popular. Ainda que esse último efeito venha sofrendo lentas

transformações e validações, os novos fundamentos decorrentes desse período

permanecem vigentes até os dias de hoje.

Com a revolução, uma nova concepção de Estado é instaurada. Ao nacionalizar as

propriedades da coroa francesa, uma nova categoria se constituía no corpo jurídico dos

bens públicos. A partir de 1793, os bens da coroa passam legalmente a se constituir bens

do Estado Francês. É quando emblematicamente a Grande e a Pequena galerias do

Louvre surgem como Museu da República, disponibilizando-se o acesso a toda

população. Era uma ação contundente e eficaz sob o ponto de vista político e

ideológico, porém totalmente inócua como ação pedagógica. Para todos os efeitos,

aquelas obras e objetos que ali se encontravam não podiam ser compreendidos pela

população iletrada senão como a manifestação mais concreta das excentricidades e da

exploração que o monarca e sua corte impunham ao seu povo. Sendo assim, ao cabo de

alguns anos o público visitante do Museu do Louvre se reduziu ao público habitual de

antes da nova ordem, constituído por representantes de uma elite burguesa e de seus

protegidos.

Uma enorme faixa da população não podia vislumbrar as idéias iluministas, porém, o

conhecimento, o saber científico e racional alcançava camadas mais amplas, menos

elitistas, ocupadas pela burguesia ascendente suficientemente numerosa para modificar

completamente o quadro político-social na França, Alemanha e Inglaterra,

principalmente. O iluminismo, mais que uma corrente filosófica, atingia uma dimensão

política, literária e artística. Defendia os direitos dos cidadãos frente aos regimes

políticos excludentes, autoritários e de poderes absolutos. Surgia um discurso que

reclamava direitos universais e livre acesso ao saber e ao conhecimento como fator

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promotor da liberdade individual a que todos teriam direito. É nesse contexto que

nascem os museus cujas características ainda perduram.

Em 1753, Sir Hans Sloane oferece ao Rei George II da Inglaterra sua vasta coleção de

71.000 itens, entre objetos, biblioteca e herbarium. Sua intenção era, além da

manutenção da integridade da coleção, disponibilizá-la aos estudiosos e pesquisadores,

cumprindo assim a função mais valiosa do pensamento iluminista, a produção do

conhecimento através da observação direta e do método científico. Um ato do

Parlamento britânico instituiu em 7 de junho de 1753 a criação do Museu Britânico.

Desde o início, o Museu tinha a obrigatoriedade de abrir suas portas ao público em

perfeita consonância com o espírito iluminista. Entretanto, na prática, era bastante

seletivo e restringia o acesso aos mais persistentes, que esperavam até alguns meses

para obter a licença para a entrada30. A visita, por sua vez, consistia na observação dos

objetos caoticamente dispostos e precariamente identificados, o que limitava o

aprendizado a pouco mais que o mero contato visual com eles. (SUANO, 1986:30)

É fruto desse período tão fecundo a redação da extensa obra literária e ilustrada, a

Enciclopédia, com verbetes escritos por estudiosos de cada área e que se propunha

abarcar todo conhecimento da época 31. Estavam imbuídos pela crença corrente de que

a educação e a busca do conhecimento, apoiados na razão, seriam as grandes armas das

nações mais justas e avançadas contra as crenças e os dogmas religiosos que

dominavam os povos e os condenavam às trevas da ignorância e à submissão.

Era um discurso perfeito a calçar ideologicamente as pretensões das classes burguesas a

alçar-se ao poder central. Combatia frontalmente a antiga associação entre a religião e

as monarquias absolutistas, propondo a universalidade dos direitos dos cidadãos. E os

museus prestavam-se perfeitamente às necessidades da burguesia em se estabelecer

como classe dirigente em uma nova era de liberdade e direitos constituídos.

30 Fonte: http://www.thebritishmuseum.ac.uk/the_museum/history/general_history.aspx Página acessada em 15.06.2007 às 9h09min. Site official do Museu Britânico. 31 Enciclopédia (na definição de Diderot): palavra composta pelos vocábulos gregos en (preposição) e pelos substantivos kyklos (círculo) e paideia (conhecimento). Obra coletiva dos enciclopedistas, fundada e organizada por Denis Diderot e por d’Alembert e editada em Paris de 1751 a 1766. (JUPIASSU, 1996: 81)

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Em 1792, a Convenção Nacional dos revolucionários franceses aprovou a criação de

quatro museus com o claro objetivo de associar a nova ordem política aos ideais

iluministas. Isso incluía promover o conhecimento dos grandes autores do passado. Em

1793, é aberto o Museu Central das Artes, expondo o grande tesouro artístico reunido

pelos monarcas no antigo palácio do Louvre, acrescido dos objetos dos saques às igrejas

feitos pelos revolucionários e mais tarde pelos botins das campanhas napoleônicas por

toda a Europa e Egito. O intuito era de educar o povo francês com os valores estéticos

clássicos greco-romanos. Abria suas portas preferencialmente aos artistas e estudiosos e,

aos fins de semana, era franqueado ao público em geral32. Os outros três museus foram

o Museu dos Monumentos, que visava a “construir” o passado glorioso da França

diretamente ligado às heranças das civilizações grega e romana; o Museu de História

Natural e o Museu de Artes e Ofícios. Esses últimos, ligados à expansão da cultura

científica e à promoção do desenvolvimento técnico (SUANO, 1986: 28).

Foi por influência dessas movimentações sociais revolucionárias que, ao final do século

XVIII e meados do século XIX, o ideário iluminista chega ao poder central das mais

avançadas nações européias. Economias lastreadas pela revolução da produção

industrial e pelos incrementos comerciais e financeiros complementam os fatores sócio-

econômicos que permitiram a criação de alguns dos museus mais importantes da

Europa.

O Palácio do Belvedere de Viena abrigou desde sua construção as coleções do Príncipe

Eugene e, desde 1781, boa parte dessas coleções já podia ser visitada pelo público33.

Em 1798, o primeiro-ministro das Finanças da Holanda da era Napoleônica, o

revolucionário Jan Alexander Gogel, implanta uma série de iniciativas para

modernização do país. Entre elas, a criação de um sistema nacional de educação e a

implantação de um museu aos moldes franceses. Depois de abrir as portas ao público

em 1800, a Nationale Konst-Gallerij, inicialmente um museu de arte, rapidamente teve

32 Depois da Revolução, sob o nome de Museu Central das Artes, o museu do Louvre abria suas portas a 10 de Agosto de 1793, conforme o site oficial http://www.louvre.fr/llv/musee/detail acessado em 03.02.2007 às 16h55min. (ver Referências: páginas visitadas) 33 Fonte: http://www.belvedere.at/jart/prj3/belvedere/main.jart?rel=en&content-id=1169655776875&reserve-mode=active Página acessada em 08.06.2007 às 19h30min.

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seu acervo acrescido e transferido para Amsterdam em 1808. Willian I, rei dos

holandeses, deu ao Museu seu nome atual “Rijks Museum” em 181734.

O Museu do Prado, de Madri, foi inaugurado em 19 de novembro de 1819 como museu

de Pintura e Escultura. A idéia remonta o final do século XVIII a partir da criação do

Museu do Louvre. Chegou a ser idealizado oficialmente pelo Rei José Bonaparte I de

Espanha, durante a vigência do Império Napoleônico, como Museu Josefino, em 1808,

mas o projeto não saiu do papel. Finalmente é levado a cabo durante o reinado de

Fernando VII, por interferência de sua esposa Isabel de Bragança. Nesses novos tempos,

o museu reuniu obras de arte espalhadas por palácios e conventos com a finalidade de,

reunidas, servir à instrução pública35.

Entre 1823 e 1830, foi construído em Berlim o museu que ficou conhecido por Altes

Museum (antigo museu). Foi o primeiro museu público da Prússia e destinava-se a

reunir todas as coleções de arte de Berlim. O projeto do arquiteto Karl Friedrich

Schinkel, com formas neoclássicas, deixa clara a intenção de compor o museu como

uma instituição educacional aberta ao uso público36.

O Palácio de Hermitage, residência de inverno de Catarina II em São Petersburgo já

abrigava uma esplêndida coleção de obras de arte. Quando seu neto Alexandre I

ascendeu ao trono russo (1801-1825), decretou o Hermitage como Palácio Museu e o

abriu à visitação pública. Além disso, foi um grande connaisseur e ampliou com

excelentes aquisições o acervo do Museu37.

Os museus, como agentes de ensino, não encontraram terreno mais fértil, nesse período,

do que entre os norte-americanos. Nos Estados Unidos da América, a grande maioria

dos museus, ao contrário de seus similares europeus, já nasceu como instituições

34 Fonte: http://www.rijksmuseum.nl/hetnieuwerijksmuseum/geschiedenis?lang=en Página acessada em 08.06.207 as 17h35min. Site oficial do Rijksmuseum. 35 Fonte: http://museoprado.mcu.es/historia_cont.html. Página acessado em 08.06.2007 às 18h10min.. Site oficial do Museu do Prado. 36 Fonte: http://www.smb.spk-berlin.de/smb/standorte/index.php?lang=en&p=2&objID=24&n=1&r=1 Pagina acessada em 08.06.2007 às 18h58min. Site Oficial do Serviço de Museus de Berlim. 37 Fonte: http://www.hermitagemuseum.org/html_En/05/hm5_4_2_2_1.html Página acessada em 08.06.2007 às 19h16min. Site oficial do Museu Hermitage.

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voltadas para a instrução pública. Em 1782, já se abria ao público a coleção Peale, da

Filadélfia, estranha coleção de aberrações e curiosidades zoológicas. Esse museu

oficialmente instituído em 1786, trouxe uma das inovações das quais os museus

americanos serão pródigos nos séculos XIX e XX. Dentre suas peças expostas,

encontravam-se animais empalhados ambientados em cenários artificiais representando

seu habitat natural, os dioramas, amplamente utilizados até hoje, por museus do mundo

inteiro (SUANO, 1986: 31).

Fig.1 – Diorama com primatas em floresta tropical - American Museum of Natural History

Fig.2 – Diorama com abutres em savana africana – American Museum of Natural History

O mais antigo museu americano que se tem notícia é o de Charleston, na Carolina do

Sul, criado em 1773. A Sociedade da Biblioteca de Charleston, promotora do museu,

solicitava através dos jornais que os cidadãos lhe enviassem espécimes de animais,

plantas, raridades e curiosidades naturais para compor seu acervo. Em pouco tempo, o

acervo já se destacava. Associou-se à Universidade de Charleston e em 1857 a revista

Harper´s o considerava como um dos melhores museus americanos (SUANO, 1986:

32).

As associações promotoras, sociedade de amigos e parcerias entre instituições públicas

e privadas são uma constante na criação de entidades sócio-culturais nos Estados

Unidos e uma eficiente solução para a administração e crescimento dessas instituições.

Escolas, hospitais, museus etc. são beneficiados por uma forte ligação com a sociedade

em diferentes níveis. Desde a criação de uma escola rural até as grandes Universidades,

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são iniciativas que envolvem largos setores da sociedade representados por suas

associações. São laços importantes que aumentam a representatividade dessas

iniciativas, garantem maior participação das populações e são incorporadas mais

facilmente como elementos de fomento cultural e promoção social. Um bom exemplo

dessa integração é o Peabody Essex Museum. Compõem-lhe o acervo, as coleções do

Instituto Essex e as bicentenárias coleções do Museu de Salem. Esse último foi criado

em 1799 no importante porto comercial de Salem, Massachusetts, pela East Índia

Marine Society , uma associação cultural e de mútuo socorro formada por capitães de

navio e mercadores. Seus fundadores estavam entre os primeiros empreendedores

americanos que viajavam pelo mundo em busca de trocas comerciais. Seu acervo,

composto de objetos e curiosidades dos lugares mais remotos, hoje está incorporado aos

mais de 2,4 milhões de itens da coleção do Peabody Essex Museum da Universidade de

Harvard38.

O grande capital americano foi responsável pelo surgimento de alguns dos maiores

museus do mundo. Na segunda metade do século XIX, americanos enriquecidos e

magnatas de todas as áreas de sua próspera economia buscavam no velho continente o

estofo e distinção cultural das elites européias. Antiquários, ateliers e marchands de

Paris, principalmente, se animaram. A partir de 1900, os norte-americanos abastados

são os principais responsáveis pelo aquecimento do mercado de arte, respondendo

quantitativa e qualitativamente pelo êxodo de grande parte das obras e objetos de

antiquários dos mercados europeus (LEON, 1995: 42).

Um grande pioneiro do colecionismo de arte americano foi Charles Eliot Norton,

homem de letras e professor da cadeira de história da arte criada para ele na

Universidade de Harvard em 1875. Norton foi mestre de Bernard Berenson, autor de

importantes teorias estilísticas sobre o Renascimento Italiano. Essa associação entre

colecionismo e pesquisa acadêmica foi de suma importância para a função pedagógica

típica dos museus americanos contemporâneos (LEON, 1995: 44).

38 Fonte: http://www.pem.org/museum/new_museum.php Acessado em 22/06/2007 às 7h07min. e

http://www.nps.gov/archive/sama/indepth/exhibits/object/cert/harbor.htm. .Acessado em 22.06.2007

às 5h41min. Site oficial do Peabody Essex Museum e Salem City Guide respectivamente.

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A coleção de Andrew W. Mellon doada para a constituição da National Gallery de

Washington é um outro exemplo de como o grande capital americano deixou enorme

contribuição para a publicação de objetos de arte. Mellon também contribuiu com

fundos para a construção do edifício e seu papel fundamental para a pesquisa e o ensino

de arte entre os americanos. Outros nomes como Henry Walters, Pierpont Morgan,

Altman e Rockefeller, típicos expoentes do grande capital americano, estão intimamente

ligados ao colecionismo cujas obras, cedo ou tarde, são oferecidas aos olhos do público

através das fundações e seus museus. Esses homens tinham consciência de seus papéis

de “construtores da nação” e a clara intenção de associar a imagem do novo capital à da

tradição cultural européia (LEON, 1995: 44). Também fica evidente a ação pedagógica

dessas fundações e a maneira como assumiram a dianteira no campo das pesquisas e do

desenvolvimento dos trabalhos educativos em museus.

Contribui como modelo de museu destinado à promoção e difusão do conhecimento o

Metropolitan Museum of Art de Nova York. Aberto ao público em 1872, o museu foi

criado dois anos antes numa associação entre grandes empresários, tendo a frente os

grandes executivos do ramo de ferrovias e colecionadores de obras de arte John Taylor

Johnston e George Palmer Putnam, seus primeiros diretores. Inicialmente uma coleção

de 174 telas de pintores europeus e antigüidades romanas, o acervo do museu cresceu

rapidamente e abrange hoje 2 milhões de obras representando um período de 5 mil anos

de História da arte de todo o mundo. O caráter associativo de sua constituição reflete-se

na necessidade da prestação de contas aos associados, doadores e benfeitores. Desde sua

fundação em 1870, o Metropolitan publica catálogos de exposições, guias para sua

coleção permanente e o Bulletin, divulgador trimestral das aquisições do museu e

aplicação de recursos. Um vasto e diversificado público tem sido atendido desde então

com as publicações do anuário Metropolitan Museum Journal que publica pesquisas

originais e trabalhos, tendo como suporte as coleções de museus e as áreas de

investigação que eles representam. Contribuições de membros de seu corpo de

profissionais e outros especialistas de áreas correlatas também são freqüentes. Estudos

aprofundados ou breves notas que explicam a riqueza e as potencialidades do acervo

fazem do Journal veículo de grande valor para estudantes e amantes das artes39.

39 Fonte: http://www.jstor.org/journals/mma.html Página acessada em 29.06.2007 às 15h34min. Site norte americano que disponibiliza coleções de jornais daquele e de outros países.

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Todas essas foram iniciativas que ampliaram o campo de atividades oferecidas e

expandiu o campo de interesse a um público menos aproximado do universo dos

museus. A preocupação com a pedagogia da arte, não se restringe a sua divulgação, mas

também a uma tentativa de desmistificação, de “aproximação do homem e sua obra”

retirando-se da produção artística seu caráter de excepcionalidade que a distanciava do

mundo real e tornando-a objeto de conhecimento e fruição estética. Essa proposta

inovadora do Metropolitan lançou as bases para alguns futuros museus norte-

americanos, como o Guggenheim e o Museu de Arte Moderna, que por sua vez foi

centro de irradiação da proposta museológica a muitos museus latino-americanos, entre

eles, segundo demonstra Aracy Amaral, os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do

Rio de Janeiro (AMARAL, 1988: 14 e ss).

2.3 - CHEGADA AO BRASIL – Busca de civilidade Os grandes descobrimentos dos séculos XV e XVI inundaram a Europa, além das

especiarias e de produtos buscados nas terras distantes, de curiosidades que alimentaram

a imaginação dos europeus sobre como seriam aquelas novas terras. As coleções de

príncipes e mercadores receberam através dos navegadores espécimes vegetais, animais

e minerais dos pontos mais distantes do mundo recém conhecido. Não é improvável que

tais colecionadores pudessem “encomendar” curiosidades de locais específicos e que

tais encomendas pudessem gerar uma verdadeira rede de coletores e entrepostos para

sua comercialização.

A curiosidade que as terras novas despertavam nos europeus pode ser constatada pelas

inúmeras expedições exploratórias patrocinadas por nobres e monarcas e, com o passar

do tempo, também por burgueses comerciantes, navegadores e industriais. Maurício de

Nassau, já no século XVII administrador da Nova Holanda no nordeste brasileiro, traz

consigo inúmeros estudiosos e artistas incumbidos do relato e da descrição visual desses

novos domínios. Frans Post, mas principalmente Albert Eckhout, retrataram a paisagem

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e as gentes da América Holandesa em imagens ricamente adornadas por “coleções” de

vegetais e animais nativos.

Em 1784, foi criada no Rio de Janeiro pelo Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza a

Casa de História Natural. Localizava-se na Rua do Sacramento, atual Avenida Passos e

ficou mais conhecida como a Casa dos Pássaros devido à grande quantidade de aves

empalhadas. Tinha a função de preparar e colecionar produtos naturais, adornos e

objetos indígenas para serem enviados a Lisboa. Exerceu essa função até a vinda da

família real portuguesa e sua corte, quando foi extinta.

Alguns relatos de viajantes chegam até nós, testemunhando a existência de coleções de

curiosidades entre os brasileiros. Num desses relatos, Augusto Emílio Zaluar, em seu

Peregrinações pela Província de São Paulo, descreve, em 1865, em sua passagem por

Piracicaba a coleção de curiosidades que Miguel Arcanjo Benício Dutra mantinha em

sua casa. Descrito por Zaluar como “...arquiteto, pintor , entalhador, músico,

conhecedor, enfim, de todas as artes”, Miguel Arcanjo exercia uma espécie de liderança

obscura capitaneando as energias locais para a construção de benfeitorias que as

comunidades não deveriam prescindir, como: capela, cemitério e obras assistenciais.

Zaluar faz a seguinte descrição da coleção piracicabana de Benício Dutra:

“Na casa de morada deste ilustre cidadão há uma sala onde seu dono tem reunido, em uma espécie de museu, grande cópia de objetos raros e curiosos. Ao lado de magníficas cristalizações e grande número de amostras mineralógicas, encontram-se pinturas, desenhos, armas e utensis (A palavra é essa mesmo?) dos indígenas, preciosidades numismáticas, peles de serpentes, ossadas animais, e finalmente os elementos desordenados de um mundo em miniatura!” (ZALUAR, 1943: 170)

Miguel Arcanjo, vindo de Itu, estabeleceu-se em Piracicaba a partir de 1844 e segundo

Zaluar tratava-se de um homem pobre e que não tinha “...outro distintivo que o

recomende aos seus concidadãos mais do que a sua fisionomia franca e olhar

desassombrado”. E continuava seu relato lamentando os descasos do poder público

com tais iniciativas: “As honras e condecorações, reparte-as o governo pelos que

prestam serviços eleitorais, e são já bem aquinhoados pelos cofres públicos: este há de

morrer obscuro.” (ZALUAR, 1943: 170). Vaticínio cumprido à risca. Miguel Arcanjo

morreu pobre e seu tesouro foi dissipado.

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42

O museu chega oficialmente ao Brasil como um emblema de um processo civilizatório.

É criado o Museu Real, hoje Museu Nacional, em 1818 por D. João VI. Fazia parte de

uma série de medidas da coroa portuguesa no sentido de levar adiante, a partir da capital

Rio de Janeiro, o projeto de diminuir as distâncias sócio-culturais entre a metrópole e a

colônia agora politicamente em pé de igualdade a partir da elevação do Brasil a Reino

Unido de Portugal e Algarves.

Não é descabido afirmar que D. João VI, ao transferir o governo real para o Brasil, tinha

a intenção já fomentada de aqui instalar bases mais sólidas para a continuidade da

dinastia de Bragança na América. Ao aportar em Salvador, primeira escala da trajetória

do monarca até o trono que viera instalar, D. João começa uma série de iniciativas que

paulatinamente vão preparando o aparelho de estado e viabilizando um projeto de país.

A assinatura do ato régio abrindo os portos brasileiros encerra a condição econômica

estritamente colonial do Brasil. Seguiram-se outras medidas, postas em prática

rapidamente tão logo o príncipe regente aportou definitivamente na nova capital do

Reino, o Rio de Janeiro, em março de 1808. A presença da corte trazia um ânimo nunca

visto e encontra um Brasil disposto a abraçar todas as oportunidades. Em maio, o Conde

de Linhares, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra cria uma Escola de

Marinha com todos os livros e instrumentos que trouxera de Portugal. Em 1809 cria um

observatório astronômico e uma fábrica de pólvora enquanto reorganizava os arsenais

militares. Em 1811, criou a Academia Militar ancorada em bases científicas e

organização promissora que deu origem à futura Escola Politécnica. Na Bahia é criada a

Escola de Cirurgia – futura faculdade de medicina. Logo começam a funcionar a

imprensa trazida por Antônio de Araújo, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e ainda

em outubro daquele mesmo ano o primeiro Banco do Brasil40. (BARRETO, 2001: 143)

Com a presença da Corte portuguesa no Brasil, concretizam-se várias iniciativas que

abrirão novos horizontes à vida do país no que toca principalmente à história da cultura

científica e das artes. Inaugura-se a partir daí um verdadeiro ciclo de viagens e

40 Fonte: BARRETO, Célia de Barros, et al. O Brasil Monárquico: o processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 410 p. tomo II. Coleção História Geral da Civilização Brasileirao. 9ª ed. Obra dirigida por Sérgio Buarque de Hollanda, com a participação, neste volume, dos historiadores: Célia de Barros Barreto,Pedro Moacyr Campos,João Cruz Costa, Pedro Octávio Carneiro da Cunha, Sérgio Buarque de Hollanda, Carlos Oberacker, Olga Pantaleão, Eurípedes Simões de Paula, Amaro Quintas, Arthur Cezar Ferreira Reis, J. A. Soares de Souza e Dorival Teixeira Vieira

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expedições científicas das mais importantes a explorar a natureza e as gentes do país.

Desde 1810, cientistas que tinham sido contratados pelo governo português, como o

Barão Eschwege, Frederico Varnhagen e Guilherme Feldner, foram atraídos ao estudo

das terras brasileiras. O ensino superior das ciências e das artes é cogitado seriamente

pela primeira vez quando o próprio governo faz vir, em 1816, uma missão de artistas

franceses; assim como ocorre com o estudo da flora com a criação do Horto Real que,

mais tarde, em 1819, passou a ser denominado Real Jardim Botânico. (BARRETO,

2001: 120)

Em 1813 e 1814 respectivamente, chegam ao país os naturalistas Georg Wilhelm

Freyreiss e Frederick Sellow convidados pelo Cônsul Geral da Rússia, o Barão Von

Langsdorff. O Barão também trouxe o botânico alemão Heinrich Karl Beyrich que

remeteu mais de 400 espécies de plantas vivas para o Jardim Botânico de Berlim.

Freyreiss logo foi contratado pelo cônsul sueco, Lorenz Westin, para “organizar

coleções zoológicas, ornitológicas e botânicas destinadas ao museu de Estocolmo”.

Viajou pela província de Minas Gerais na região do rio Mucuri, onde pesquisou a vida

dos índios daquela área enviando valioso material para museus de Berlim, Leide e

Moscou. (BARRETO, 2001: 121).

Friedrich Sellow, um colecionador apaixonado, explorou várias províncias brasileiras da

Bahia ao Rio Grande do Sul, coletando materiais de diversos ramos das ciências

naturais: fauna, flora e mineralogia. Colecionou mais de 12.500 espécies de plantas,

descreveu mais de 2.000 variedades minerológicas Suas anotações e desenhos que

abarcam a meteorologia, astronomia e etnologia encontram-se preservados nos Museu

de História Natural e no Museu Etnográfico de Berlim. (BARRETO, 2001: 122).

Olivério Pinto, no prefácio da edição brasileira de Viagem ao Brasil do príncipe alemão

Maximilian von Wied-Neuwied, informa que exemplares de animais de sua rica coleção

de bichos, plantas e exemplares entológicos coletados por ele no período de 1815 a

1817 encontram-se ainda hoje no American Museum of Natural History de Nova York,

tendo sido adquiridos em 187041. O príncipe Maximilian foi talvez o primeiro grande

41 Essa coleção compôs o núcleo primordial do departamento de herpetologia do American Museum of Natural History. Ver: http://research.amnh.org/herpetology/about.html página acessada em 28.01.2008 às 15h23min.

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cientista a estudar a fauna e a flora brasileiras não se restringindo a colecionar material,

mas também sistematizando e publicando-o. Especialmente importantes foram suas

descrições dos povos indígenas como os Botocudos do Rio Doce, Coroados, Patachó, e

muitos outros, uma contribuição fundamental à etnologia brasileira. (BARRETO, 2001:

123)

A presença do Príncipe Regente no Rio de Janeiro contribuía diretamente para a

divulgação e assimilação dos modos e interesses civilizados da Corte. A população já

havia assistido aos funerais de uma rainha, à aclamação do Rei e ao casamento do

príncipe herdeiro. Palácios eram erguidos nos moldes europeus. O tacanho cenário da

cidade se transformava rapidamente. Fundaram-se escolas de medicina, da Marinha de

Guerra, de comércio; uma Imprensa Régia nunca antes permitida; a livraria que mais

tarde seria base para a Biblioteca Nacional; o Jardim Botânico e o Museu, além de todos

os outros melhoramentos urbanos e os subseqüentes costumes, hábitos e consumos da

nova elite.

Muito significativa para esse sentido de elevação civilizatória que as artes e as ciências

podiam patrocinar foi a vinda do séquito que a arquiduquesa D Leopoldina de

Habsburgo fez-se acompanhar ao desposar o Príncipe D. Pedro, futuro imperador do

Brasil. Filha do Imperador da Áustria, a princesa sempre demonstrou interesse pelas

ciências naturais e pelas artes. Pôde aqui demonstrá-lo, ao transformar-se em

colecionadora, ajudando inclusive a remeter coleções de minerais, plantas e animais de

toda a espécie para museus europeus, preferencialmente ao Museu de História Natural

de Viena, o qual teve seu acervo sextuplicado graças aos envios da comitiva da futura

Imperatriz.

A equipe de cientistas e artistas que acompanharam D. Leopoldina era dirigida pelo

prof. Johann Christian Mikan, botânico e entomólogo. Um fato importante associado a

Mikan e a sua equipe refere-se à riqueza e grande quantidade das coleções enviadas

desde 1818, o que fez com que o Imperador austríaco mandasse instalar em Viena um

Museu com treze salas e uma biblioteca dedicada às novas pesquisas. O Museu recebeu

o nome de Brasilianisches Naturalienkabinett e foi, infelizmente, incendiado durante a

revolução de 1848. Exposições desse tipo, organizadas posteriormente em cidades como

Berlim, Munique, São Petersburgo, Estocolmo, Bruxelas, Londres etc. contribuíram

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para divulgar o Brasil entre os europeus, reforçando, por outro lado, seus aspectos mais

exóticos, mas contribuindo entre os brasileiros para firmar-se como precioso

intercâmbio. (BARRETO, 2001: 125).

Também fizeram parte da comitiva de D. Leopoldina, o médico e botânico Carl

Friedrich Philip von Martius e o zoólogo Johann Baptist von Spix que, durante três

anos viajando pelo Brasil, recolheram material que propiciou estudos e publicações

monumentais. Spix faleceu poucos anos após seu retorno à Europa. Coube a Martius a

tarefa de organizar e sistematizar todo o material que juntos levantaram durante suas

estadas no país. Homem de grande cultura geral foi de grande relevância sua

contribuição no campo da etnografia, etnologia e lingüística, que, mesmo com todas as

falhas inevitáveis em obra de tamanha envergadura, e ineditismo, foi considerado o

fundador da etnografia brasileira42. Todavia, a culminância da obra de Martius foi, sem

dúvida, sua contribuição à botânica. Sua obra monumental intitulada Flora Brasiliensis

abrange 40 volumes e foi por ele iniciada em 1840 e continuada até sua morte em 1868.

Em verdade, tamanho trabalho somente foi concluído em 1906, depois de contar com a

dedicação de 65 botânicos alemães e também de outras nacionalidades, inclusive

brasileiros. A Flora Brasiliensis, com suas 20.753 páginas e 3.811 gravuras que

abrangem 2.253 espécies e 22.767 variedades de plantas quase exclusivamente

brasileiras, ainda é considerada obra fundamental de sistemática da nossa botânica.

(BARRETO, 2001: 127).

A comitiva da princesa contava ainda com o zoólogo Johann Natterer, o médico e

naturalista Johann Emmanuel Pohl e o paisagista Thomas Ender que retornou à Europa

depois de dez meses apenas, mas suficientes para a produção de mais de mil esboços,

desenhos e aquarelas que realizou ao acompanhar as viagens de Pohl, Spix e Martius

pelas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ainda inéditas são as imagens

produzidas durante as viagens à província de São Paulo. Seus trabalhos retratam tipos

humanos, paisagens, conjuntos arquitetônicos, cenas de rua, interiores de palacetes, casa

e ranchos, costumes e hábitos populares em ricas descrições e incontestável valor

documental. (Ver FERREZ: 1957)

42 Outras obras de Martius foram: “O Glossaria Linguarum Brasiliensium (Erlangen, 1863), Von Rechszustand unter den Ureinwohnern Brasiliens (Munique, 1832) e Das Naturell, die Krankheiten, das Arzithum und die Heilhmittel der Uberwohner Brasiliens (Munique, 1844), este último traduzido para o português: Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros.” (BARRETO, 2001: 127)

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Em 1825, iniciava-se no Rio de Janeiro a expedição organizada pelo Barão Georg

Heinrich von Langsdorff, que conseguiu do czar russo Alexandre I os meios necessários

para essa empreitada. Fizeram parte dela cientistas e artistas de grande importância

como o astrônomo russo Rubzoff, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas – logo de

início substituído pelo francês Aimé-Adrien Taunay –, o desenhista Hèrcule Florence, o

zoólogo alemão Christian Hasse e o botânico alemão Ludwig Riedel. Este último já

estivera no Brasil em 1820, em missão do governo russo para envio de espécies da flora

brasileira ao jardim botânico de São Petersburgo. Anos mais tarde, a partir de 1842,

Riedel fez parte do quadro de cientistas do Museu Imperial e Nacional como Diretor da

Seção de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas.

A expedição de Langsdorff foi talvez a mais ambiciosa e bem montada, mas padeceu

inúmeros reveses, entre eles, logo no início, o desentendimento com Rugendas que,

separando-se da expedição, faz suas próprias incursões pelo país e retornou à Baviera

com um acervo de 3.339 esboços, desenhos e aquarelas. Depois, ocorreu a morte por

afogamento de Taunay, no rio Guaporé, culminando com a demência do próprio

Langsdorff após ter-se contamindado por malária. Foi a primeira expedição européia a

penetrar o interior do país, passando pelo Mato Grosso, a atingir a região amazônica.

(BARRETO, 2001: 128)

Malograda a expedição antes mesmo do prazo previsto, os resultados podem ser

avaliados anos mais tarde pelos relatos de Hèrcule Florence43. As primeiras remessas de

coleções e desenhos partiram de Cuiabá a São Petersburgo em 1827 e lá se encontram

até hoje. Cabe salientar, no entanto, que Langsdorff, desde 1813, na condição de

Cônsul-geral da Rússia na corte de D. João, já enviava àquele país, com regularidade, os

objetos de suas pesquisas. Das remessas posteriores que foram frutos da expedição,

muito se extraviou e, segundo Cecília Prada, esses materiais se perderam ainda

encaixotados em suas embalagens originais nos porões da Academia de Ciências de São

43 Diário de campo escrito pelo pintor entre 1825 e 1829 e publicado em 1977 com o título de Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas pelas Províncias Brasileiras de São Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará (1825-1829).

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Petersburgo (Leningrado) onde enfrentaram enchentes e o cerco à cidade durante a

Segunda Guerra Mundial44.

2.3.1 – MUSEU NACIONAL 45

Desde 1784, criada pelo Vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Souza, a Casa de História

Natural colecionou, armazenou e preparou por mais de vinte anos produtos naturais e

adornos indígenas para serem enviados para Lisboa. Era conhecida como “Casa dos

Pássaros” devido à grande quantidade de aves empalhadas. O principal responsável pela

Casa dos Pássaros foi Francisco Xavier Cardoso Caldeira, conhecido como Francisco

Xavier dos Pássaros. O prédio da Casa de História Natural localizava-se na antiga Rua

do Sacramento, atual Avenida Passos. Em 1810 Francisco Xavier Cardoso Caldeira

faleceu e foi substituído por Luis Antonio da Costa Barradas, o último diretor da Casa.

Logo após a vinda de Príncipe-Regente D. João, o edifício da Casa dos Pássaros ainda

existia, abrigando por volta de 1811 os encarregados dos serviços de lapidação de

diamantes com suas famílias. Em 1813, o Príncipe-Regente D. João mandou extinguir

todos os cargos daquela instituição e seus móveis e produtos de mineralogia e de

história natural foram para a Academia Real Militar, no Largo de São Francisco de

Paula. O Decreto nº 20 de 22 de junho daquele ano considera

“a pouca utilidade que se tira da despeza feita com os empregados do denominado – Museu; foi o mesmo Senhor servido ordenar, que hajam por extinctos os differentes empregos de semelhante repartição, cessando os ordenados e vencimentos das pessoas a ella addidas, e sendo-lhes pago o que se lhes estiver devendo. Outrossim foi o mesmo Senhor servido ordenar, que sejam entregues

44 Texto publicado no site: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=92&breadcrumb=1&Artigo_ID=983&IDCategoria=1138&reftype=1 página acessada em 16.03.2008 às 11horas.

45 As mudanças das denominações do Museu obedeceram rigorosamente às trocas de regime de governo do país e foram elas: Museu Real (1818) desde sua criação no reinado de D. João VI até que em 1824 tornou-se Museu Imperial e Nacional depois da independência e sob o império de D. Pedro I. Museu Nacional vigora desde 1890, logo após a instalação do regime republicano.

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à Academia Real Militar, todos os productos naturaes que alli se acharem e tudo quanto pertencer à Real Fazenda, expedindo-se as ordens a esse fim necessárias.”

Somente cinco anos mais tarde o Príncipe-Regente criaria o Museu Real do Rio de

Janeiro, que incorporou parte daquele acervo. È necessário notar que a terminologia

Museu já era empregada para designar a Casa dos Pássaros e que à sua função de

entreposto de coleta e preparo de objetos e coleções a serem expedidas a Lisboa podia

se somar a eventual função de exibição, mesmo que não oficial, dessas coleções.

Devemos lembrar também que o conceito de museu como coleção que se guarda, se

mantém e se expõe não era desconhecido dos brasileiros devido à existência de algumas

dessas coleções organizadas por homens comuns e descritas por viajantes como Zaluar

(Zaluar: 1943) e aos métodos escolásticos trazidos pelos jesuítas desde 1549.

Com a corte portuguesa no Brasil e o movimento intenso de naturalistas que aqui

chegaram, houve por todo o país, mais acentuadamente na cidade do Rio de Janeiro,

uma valorização dos estudos de história natural enfatizando o seu caráter prático. Nesse

ambiente, foi criada a primeira instituição brasileira dedicada exclusivamente ao estudo

das ciências naturais.

O Museu Real foi fundado pelo decreto de 06/06/1818, com a função de "propagar os

conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil, que encerra em si

milhares de objetos dignos de observação e exame e que podem ser empregados em

benefício do comércio, da indústria e das artes" (BRASIL, 1818). Foi nomeado como

seu primeiro diretor Frei José Batista da Costa Azevedo, franciscano e professor de

botânica e zoologia da Academia Real Militar.

Para sua instalação, foi adquirida a residência de João Rodrigues Pereira de Almeida,

futuro Barão de Ubá, localizada entre as antigas ruas Nova do Conde e dos Ciganos,

atuais Visconde do Rio Branco e da Constituição, na região conhecida como Campo de

Santana. Efetuadas as modificações necessárias, a instituição permaneceu nesse prédio

até 1892, sofrendo algumas ampliações ao longo dos anos.

Com a proclamação da República, a Quinta da Boa Vista, até então residência do

Imperador, foi adaptada para abrigar e expandir o acervo do Museu Nacional que para

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ali foi transferido46. Politicamente foi um ato bastante acertado, pois adaptava os

aposentos do Imperador, figura carismática, para uma finalidade ainda mais nobre:

abrigar uma instituição destinada à instrução pública. Eram ecos da Revolução Francesa

e o Museu Nacional repetia os mesmos passos que o Museu do Louvre: transferia,

mesmo que somente no discurso, um dos símbolos máximos da monarquia para atender

aos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.

O acervo inicial do Museu Real foi adquirido do Barão Tabst von Oheim pelo governo

de D. João VI. A coleção tinha sido organizada pelo mineralogista alemão Abraham

Gottlob Werner (1749-1817). À “Coleção Werner” foram acrescentados objetos de arte,

artefatos indígenas e outras coleções menores, além dos diamantes remetidos da região

diamantina à Academia Real Militar.

O caráter de instituição científica oficial foi muitas vezes ratificado pelo próprio

governo pelas inúmeras consultas e realizações de análises de materiais enviados de

diversos pontos do Brasil a fim de se verificar a utilidade prática de tais produtos. Desde

o início, o Museu tratou de normatizar essas funções através da adoção das “Instruções

para os Viajantes e Empregados nas Colônias sobre a maneira de Colher, Conservar e

Remeter os Objetos de História Natural”, traduzindo o original francês de 1818 e que

vigorou norteando as ações do museu por vinte e cinco anos (LOPES: 1997, p. 44).

Além do mais, o museu deveria identificar e catalogar os produtos naturais da colônia

para desenvolvimento das ciências e das artes e intercambiá-los com demais museus

europeus na busca de integrar-se ao mundo civilizado e completar seu acervo, dando-lhe

também caráter universal.

Esse período inicial de formação de acervo e constituição do estatuto e definição das

funções a serem desempenhadas pelo Museu está intimamente ligado ao interesse

estrangeiro pelo estudo dos recursos naturais – fauna, flora e mineralogia – e pelo

trânsito de importantes cientistas contratados pelos governantes europeus para esse

levantamento em terras brasileiras. Em 1820, o naturalista alemão Frederic Sellow, que

46 O Paço de São Cristóvão foi residência da Família real de 1808 a 1821, pertenceu à família imperial de 1822 a 1889, abrigou a primeira Assembléia Constituinte Republicana de 1889 a 1891 e é sede do Museu desde 1892.

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integrou a expedição do Barão Von Langsdorff, foi contratado em troca de uma pensão

vitalícia instituída por D. João VI para realizar viagens de explorações por diversas

partes do Brasil e repartir com o Museu as coleções que seriam organizadas no

desempenho desse encargo.

Entre 1822 e 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva conseguiu que naturalistas

estrangeiros contribuíssem doando parte do material colhido em explorações em solo

brasileiro em troca de apoio governamental. Ele ocupava o cargo de Secretário do

Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros de D. Pedro I e percebeu o grande

interesse que as instituições científicas européias dispensavam às inexploradas riquezas

naturais do país. Entre naturalistas estrangeiros, estavam o próprio Barão de Langsdorf,

Johann Natterer e Auguste François César Provençal de Saint-Hilaire. Além disso,

importante foi o estímulo dado pela Imperatriz Leopoldina aos estudos de história

natural e sua atuação como patrocinadora do Museu, possibilitando a ampliação das

coleções47.

No entanto, mesmo com a intervenção de José Bonifácio, a discrepância entre a

quantidade do material exportado pelos viajantes naturalistas aos seus museus-sede e

aquela destinada à permanência no país foi muito grande, embora muitos viajantes

mencionassem o trabalho do Museu em seus relatos de viagem, como Johann Emanuel

Pohl e Maria Graham entre outros. O intercâmbio com vários museus internacionais que

se seguiu já era previsto na “Instrução de 1819”. Visava ao caráter universal das

coleções e, portanto, o Museu não deveria dedicar-se somente ao estudo da realidade

local. Exemplos dessa diversidade eurocêntrica adotada pelo Museu são as peças

recebidas em doação. Das Ilhas Sandwich vieram peças etnográficas que foram doadas

pelo Imperador Pedro I em 1824. Uma coleção de objetos mineralógicos doada pelo

Príncipe da Dinamarca e outra, proveniente de Gênova com fragmentos minerais e

geognósticos do vulcão Vesúvio, também foram acrescentadas ao acervo. Em 1827, o

Museu de Berlim, por intermédio de Frederic Sellow, enviou uma coleção ornitológica,

pretendendo assim "estabelecer uma correspondência regular com o Museu desta Corte,

47Informações obtidas através do site http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/musnac.htm#historico. Acessado em 11.09.2007 às 18h32min.

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o que sem dúvida é de reconhecida vantagem às luzes de uma e outra nação" (LOPES:

1997, 60).

Novas doações foram ocorrendo e contribuindo para o encorpamento do acervo. Dentre

elas, “há registros da doação, em 1823, feita por Antônio Luis Patrício da Silva Manso,

cirurgião-mor e inspetor do Hospital Militar da Província de Mato Grosso, de cerca de

270 espécies de plantas em 2.300 exemplares aproximadamente”.

2.3.2 – MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES

Segundo Afonso de Escragnolle Taunay, Antonio de Araújo e Azevedo, o Conde da

Barca, sucessor do Conde de Linhares na condução dos negócios públicos do reinado de

D. João VI no Brasil, levou avante uma idéia de seu ministério para a criação de uma

academia ou escola de ciências e artes. Vislumbrava a necessidade de se amparar

intelectualmente o plano da promoção do Rio de Janeiro à capital de um novo império e

certamente deveria capitanear a formação de mestres engenheiros, artistas, arquitetos e

outros profissionais capacitados para dar forma e feição civilizadas a essas terras novas.

Corria o ano de 1815 e a viabilidade de tal projeto recaía evidentemente à Paris das

luzes e seu modelo de Academia. O Conde da Barca encomendara ao Marquês de

Marialva, o embaixador extraordinário de Portugal na corte de Luís XVIII, a

contratação de artistas e artífices naquele país. O Marquês, de boas relações, consultou

Alexandre Humboldt que já conhecia a América portuguesa. Através dele se chegou a

Joachim Le Breton, recém demitido secretário da Academia de Belas-Artes do Instituto

de França. Sendo assim, Le Breton teria sido contratado para liderar um grupo de

homens de sua confiança para compor a equipe que aqui viria organizar uma academia

nos moldes franceses. (TAUNAY, 1983)

Desse modo, em 22 de janeiro de 1816, partiu do porto de Havre de Grace, no pequeno

barco fretado por Le Breton, a sua equipe composta além dele por: Jean Baptiste Debret

– pintor histórico; Nicolas-Antoine Taunay – pintor de paisagens e de batalhas; Auguste

Henri Victor Grandjean de Montigny – arquiteto; Charles de Lavavasseur – arquiteto;

Louis Ueier – arquiteto; Auguste Marie Taunay – escultor; François Bonrepos –

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escultor; Charles-Simon Pradier – gravador; François Ovide – mecânico; Jean Baptiste

Leve – ferreiro; Nicolas Magliori Enout – serralheiro; Pelite – peleteiro; Fabre –

peleteiro; Louis Jean Roy – carpinteiro e Hypolite Roy – carpinteiro. Seis meses mais

tarde, juntam-se ao grupo já no Rio de Janeiro: Marc Ferrez – escultor, tio do fotógrafo

Marc Ferrez e Zephyrin Ferrez – gravador de medalhas48.

Desembarcam no porto do Rio de Janeiro em 26 de março, mas somente em 12 de

agosto de 1816 D. João VI assina o decreto que “concede pensões a diversos artistas

que vieram estabelecer-se no paiz”.

O decreto não menciona em nenhum momento o termo missão artística ou equivalente

que faça entender que os franceses capitaneados por Le Breton tivessem vindo em

missão oficial reconhecida pelo monarca. Mário Pedrosa, em seu ensaio “Da missão

francesa – seus obstáculos políticos”, faz um minucioso relato das condições adversas

que enfrentaram os franceses da “Missão” muito antes de desembarcar em terras

brasileiras.

Os principais membros da Missão eram notórias figuras das artes na França

napoleônica, agora perseguidos por essas mesmas vinculações políticas depois da

restauração da monarquia com Luís XVIII. A França vivia um tempo de muitas

inquietações e animosidades envolvendo perseguições de ambos os lados. Os contatos

com o Marquês de Marialva, e principalmente com seu encarregado de negócios

Francisco Maria de Brito, poderiam viabilizar um acordo favorável para ambas as

partes. O notório saber e reputação da equipe de Le Breton e uma saída honrosa e

promissora para eles eram focos de interesses que se completavam. No entanto, muitas

eram as barreiras a serem contornadas até que os planos da nova escola pudessem ser

concretizados.

No texto do decreto de agosto de 1816 não é exatamente de uma escola de belas artes

que conforma o interesse do monarca para aquele momento, mas tais profissionais

conhecidos e respeitados em várias cortes européias não poderiam ser dispensados.

Cauteloso, D. João, ao mesmo tempo em que os queria pelo que poderiam contribuir 48 Informações obtidas através do site: http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Miss%C3%A3o_Art%C3%ADstica_Francesa&action=edit&section=4 Página acessada em 22.07.2008 as 18h46min.

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com o país, não viabilizava de pronto o projeto da academia, pois várias arestas políticas

teriam de ser aparadas. Dentre elas, havia uma questão diplomática, já que Le Breton

representava um revolucionário inimigo de Luís XVIII, um bonapartista ferrenho,

banido secretário perpétuo da quarta Classe Instituto Nacional de França

implementando uma academia similar na corte de D. João VI. Outras questões menos

importantes, mas talvez mais decisivas fossem a falta de interesse dos outros membros

do governo, ministros e homens fortes da Corte, que não viam justificativa para se

implantar no Rio de Janeiro qualquer instituição que não tivesse correspondente em

Lisboa, além da ciumeira criada pela possibilidade de uma academia de belas artes

criada e dirigida por estrangeiros. (PEDROSA, 2004).

Os esforços e a visão do Conde da Barca, no entanto, não deixavam de ter forte

influência sobre os atos do Rei, como não se pode deixar de notar no texto do decreto

real que concede as pensões a Le Breton e seus companheiros. O decreto justifica a

concessão das pensões pelo interesse maior em:

“(...)se estabelecer no Brazil uma Escola Real de Sciencias, Artes de Offícios em que promova e diffunda a instrucção e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos da administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, industria e commercio de que resulta a subsistência, commodidades e civilisação dos povos, maiormente neste Continente, cuja extensão, não tendo ainda o devido e correspondente numero de braços indispensáveis ao tamanho e aproveitamento do terreno, precisa dos grandes soccorros da estatística, para aproveitar os productos, cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos; fazendo-se portanto necessário aos habitantes o estudo das Bellas Artes com applicação e referencia aos officios mecânicos, cuja pratica, perfeição e utilidade depende dos conhecimentos theoricos daquellas artes e diffusivas luzes das sciencias naturaes, physicas e exactas; e querendo para tão úteis fins aproveitar desde já a capacidade, habilidade e sciencia de alguns dos estrangeiros beneméritos, que tem buscado a minha real e graciosa protecção para serem empregados no ensino e instrucção pública daquellas artes (...)”

Pelo exposto nas últimas linhas acima, a condição improvável de uma missão artística

oficial fica bastante patente e ficamos obrigados em acordar com a tese de Mário

Pedrosa, crítico das posições consagradas de Taunay. Segundo Pedrosa “esses artistas

não chegaram aqui ‘convidados’ formalmente pelo governo de Sua Majestade” o que

descaracterizaria a denominação missão artística. “Vieram por conta própria,

precipitados pelos acontecimentos políticos que os envolveram”. (PEDROSA, 2004:

104). De qualquer forma, também não eram intrusos, uma vez que passaram a receber

pensão graças à generosidade de D. João e devido a seu interesse em mantê-los no

Brasil para terem condições bastante razoáveis de subsistência e poderem exercer

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profissionalmente suas funções, como de fato o fizeram, até que pudessem ser

aproveitados na escola que seria criada.

Muitos percalços ainda os franceses da “Missão” enfrentariam no Brasil. O principal

articulador da idéia da academia e protetor do grupo, o Conde da Barca, veio a falecer

em junho de 1817 deixando os artistas desamparados. O próprio Le Breton morreu sem

ver seus planos concretizados em junho de 1819.

Depois da morte de Le Breton e diante de todos os impedimentos à concretização dos

planos iniciais da academia, Nicolas-Antoine Taunay retorna à França no início de

1821, inconformado com a decisão de D. João expressa no decreto de 12 de outubro de

1820, dando forma à Academia e Escola Real e a direção do novo estabelecimento a um

reinol vindo de Lisboa. Finalmente a escola ganhava corpo, mas bastante diferente do

que o pretendido pelo grupo inicial. Segundo Debret, o Barão de São Lourenço,

ministro das finanças de D. João, que era nessa hora o único protetor dos franceses na

Corte, concedeu ao pintor português Henrique José da Silva, um protegido seu, a

direção da instituição para descontentamento dos demais.

Do primeiro grupo dos pensionados pelo monarca em 1816, finalmente são

aproveitados como lentes da Academia: Debret, Auguste Taunay, Grandjean de

Montigny, François Ovide, Marc Ferrez e Zephyrin Ferrez. O nome de Nicolas-Antoine

Taunay constava na relação de pessoas empregadas na Academia e Escola Real em

adendo ao decreto de outubro de 1820, mas, preterido para a direção do instituto e

descontente com os rumos tomados, decidiu retornar à França no início do ano seguinte.

Deixou, no entanto, obras importantes ao acervo da Academia. Simon Pradier foi o

primeiro a duvidar da concretização dos planos iniciais e, como pensionista, retornou à

Paris em 1819, autorizado a gravar com a boa técnica e recursos ainda inexistentes no

Rio de Janeiro as mais conhecidas imagens da iconografia joanina no Brasil. Os demais

trataram de exercer suas atividades por conta própria e “se empregaram na indústria

particular, contribuindo, de maneira eficaz, para o progresso da mesma. Ainda existem

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no Rio de Janeiro muitos Fabre, Pilité e Level que são seus descendentes.” (RIOS

FILHO, Adolfo Morales de Los, 1942 apud PEDROSA, 2004: 54)49

Um novo estatuto foi dado pelo decreto de 30 de dezembro de 1831, já no período da

Regência, estipulando formas mais nítidas à escola que passou a denominar-se

Academia das Bellas-Artes. Baseava-se nos planos apresentados por Debret em 1824 e

finalmente aclarava os objetivos imprecisos indicados desde o decreto de 1816 que

pretendia, na verdade, um liceu de ofícios e artes industriais. Esse era o plano do Conde

da Barca, que priorizava o ensino desses ofícios para o país que recebia a Corte e

deveria se modernizar rapidamente, ainda que não pudessem dispensar artistas tão

renomados. (PEDROSA, 2004: 74). O Decreto de 30 de dezembro de 1831 dá estatutos

à Academia das Belas Artes considerando-se o interesse do Império brasileiro para que

possa:

“(...) aproveitar-se a mocidade brazileira no estudo das bellas-artes, para o qual a natureza parece haver-lhe dado um gênio e gosto particular; e achando-se a Academia das Belas Artes estabelecida nesta Corte, quasi em uma perfeita nullidade, sem conseguir os fins para que fora creada, pois que nella não se encontra nem applicação, nem regimen, talvez pela absoluta falta de estatutos próprios, que regulem um e outro objecto (...)”

Finalmente a vocação artística é definida como prioridade para o funcionamento da

Academia e assim sendo, superados os percalços iniciais, prestará inegável influência

nas artes no Brasil durante todo o século XIX, formando artistas e divulgando a estética

neoclássica proposta pelos franceses que aqui aportaram. A Academia Imperial de

Bellas Artes foi responsável pela formação dos grandes artistas do período, iniciando a

maior coleção de obras de arte brasileiras. Esse acervo se inicia com as 54 obras trazidas

por Le Breton como chefe da Missão em 1816. São pinturas italianas, flamengas,

holandesas e francesas criadas ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. A essas foram

acrescentadas as peças da coleção pessoal de D. João VI trazidas com a mudança da

Corte em 1808 e os trabalhos dos professores e artistas franceses, suas produções de

antes e depois da constituição da Academia, como as pinturas e desenhos de Nicolas

Taunay, Debret, Ferrez e Grandjean de Montigny50. De grande importância para a

49 RIOS FILHO, Adolfo Morales de Los. O ensino artístico no Brasil. In: Congresso da História Nacional, 3, 1942. Rio de Janeiro, Anais. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, v. 8, 1942. 50 Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=342 Página acessada em 02.08.2008 às 11h05min.

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formação artística dos brasileiros é o acervo que foi sendo enriquecido pelas obras

adquiridas ao longo do século XIX em salões e exposições de alunos e por doações de

artistas que deveram sua formação à Academia e aos artistas professores que ali

atuaram. Entre eles: Vitor Meireles, Agostinho da Mota, Pedro Américo, Almeida

Júnior, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo, Eliseu Visconti e tantos outros51.

Desde 1826 a Academia Imperial de Belas Artes ocupava o edifício em estilo

neoclássico projetado por Grandjean de Montigny para esse fim. Em 1908, passou a

ocupar o novo edifício construído em estilo eclético como parte das ações de

reformulação do centro histórico do Rio de Janeiro.

Com o advento da república, a Academia teve seu nome alterado para Escola Nacional

de Belas Artes e seu acervo se manteve com a instituição até a criação do Museu

Nacional de Belas Artes em 1937 por Gustavo Capanema, ministro de Getúlio Vargas

na vigência do Estado Novo.

2.3.3 – MUSEU PAULISTA Passados alguns meses do 7 de setembro de 1822, já se cogitava a construção de um

monumento comemorativo na colina do Ipiranga, situada a poucos quilômetros da Vila

de São Paulo. A idéia persistiu dormente e a concretização só foi tenazmente perseguida

durante a década de 1880, quando foi construído a partir do plano do arquiteto italiano

Tomaz Gaudêncio Bezzi para aquilo que ficou conhecido como o Monumento do

Ipiranga. Tratava-se do mesmo edifício que hoje abriga o Museu Paulista, que foi

erguido a uma distância de aproximadamente 200 metros do local onde D. Pedro I

bradou a Independência do Brasil e que ficou sem destinação de uso até 1893.

51 Fonte: Museu Nacional de Belas Artes através do site: http://www.mnba.gov.br/2_colecoes/a9_pe.htm acessado em 02.07.2007 às 11h30min.

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O edifício marcava a paisagem ainda mais do que hoje. Construído no descampado do

alto da colina, podia ser visto de longe por todos os lados. O ecletismo de suas formas

inspiradas nos palácios renascentistas e a monumentalidade o distinguiam das demais

construções da acanhada São Paulo do final do século XIX.

Foi somente por meio da lei 192 de 1893 que o Governo do Estado definiu o uso que se

faria daquele edifício. Diz a Lei:

Artigo 1º - O próprio do Estado denominado Monumento do Ipiranga situado da colina do mesmo

nome, será utilizado nos termos da presente lei.

Artigo 2º - Nesse edifício será instalado o Museu Paulista com a organização legal que lhe for

determinada.

Artigo 3º - Para ele serão transportadas desde logo as coleções e objetos ora existentes sob a

guarda da Comissão Geográfica e Geológica do Estado.

Artigo 4º - As dependências não ocupadas pelo museu serão utilizadas:

§ 1º - Pelo quadro de Pedro Américo comemorativo da Independência, e outros de assuntos da

História Pátria, adquiridos ou oferecidos ao Estado.

§ 2º - Por estátuas, bustos ou retratos a óleo de cidadãos brasileiros que em qualquer ramo de

atividade tenham prestado incontestáveis serviços à Pátria e mereçam do Estado a consagração de

suas obras ou feitos e a perpetuação de sua memória. (...) 52.

As coleções mencionadas na lei no seu artigo 3º como estando sob a guarda da

Comissão Geológica e Geográfica pertenceram ao Museu Sertório e provavelmente ao

Museu Provincial de propriedade da Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província

de São Paulo.

O Museu Provincial foi inaugurado em 11 de junho de 1877, com grande repercussão na

imprensa da época, estando presentes pessoas ilustres da paulicéia e convidados como o

Conde d´Eu. Essa instituição era formada por paulistas bem posicionados que queriam

52 Conforme nota de rodapé à página 107 do volume 3 dos Elementos de Museologia, Vinício Stein Campos comenta que os acervos que estavam sob a guarda da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo compreendiam as coleções adquiridas do Coronel Joaquim Sertório e do colecionador Peçanha (provavelmente o acervo do extinto Museu Província). Por sua vez, o quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte, fora contratado por escritura pública datada de 14 de janeiro de 1886 por trinta contos de réis, tendo sido executado na Europa. Assinam a lei o Governador Bernardino de Campos e o Secretário do Interior Cesário Motta Júnior.

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para São Paulo um museu dedicado ao campo das ciências. Pouco se sabe de seu

acervo, pois o museu caiu no esquecimento nos anos que se seguiram53.

O Museu Sertório era um museu particular que funcionava na casa do Coronel Joaquim

Sertório, um rico comerciante. Henrique Raffard, filho do Cônsul da Suíça no Rio de

Janeiro e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em viagem pela

Província de São Paulo em março de 1890, deixou-nos um importante relato sobre esse

museu particular que Sertório mantinha num prédio localizado onde hoje é a Praça João

Mendes. Raffard viera como correspondente de um jornal carioca para uma série de

artigos sobre o rápido desenvolvimento que estava ocorrendo em São Paulo. Em um

desses artigos, mais tarde reunidos em um folheto intitulado Alguns dias na Paulicéia, o

repórter relata sua visita ao Museu Sertório, guiado por Laurindo, empregado do Museu,

e descreve algumas peças de seu acervo.

“(...) muitas armas dos nossos indígenas, vestimentas e enfeites das tribos amazônicas, urnas funerárias (caçabas), crânios de carijós e outros, sambaquis, conchas e mais coisas do mar, coleção de madeiras do país, matérias têxteis, inúmeras amostras mineralógicas, borboletas, insetos, répteis, bichos e aves empalhadas, algumas mandadas vir da Europa, outras obtidas do Jardim Público de São Paulo, além das que pouco a pouco preparou o Laurindo.”54

O museu como uma instituição de caráter científico já não era uma excentricidade na

capital da província. À exemplo da Corte, onde já funcionava com grande êxito o

Museu Imperial e Nacional, a elite paulistana amparada pela riqueza gerada pelo

crescimento da economia cafeeira queria também usufruir desse contato com a

produção científica e outros símbolos de civilidade. As coleções particulares deixaram

de ser ação diletante para ganhar a oficialidade de instrumento voltado à instrução

pública. Esse fato pôde ser constatado pela euforia derramada pelas páginas dos jornais

ao noticiar a doação do acervo do Museu Sertório para a administração do Governo do

Estado. Era o caso, por exemplo, do Diário Popular que, em novembro de 1890,

noticiava o fato:

“Dádiva fidalga, verdadeiramente principesca foi a que fez o eminente financeiro F. de Paula Mairinque ao Estado de São Paulo. O ilustre cidadão, representante hoje de nosso mundo

53 Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz no site: http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/muspaul.htm#historico Página acessada em 09.08.2008 às 20horas. 54 RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia, 1890 appud CAMPOS, Vinício Stein. Elementos de museologia, São Paulo: Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo, S/D, p. 103 -105.

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financeiro e representante acatado por todos, não só pelos seus serviços perduráveis à Nação, como pelo alto patriotismo que o guia em todos os seus atos, adquiriu a propriedade do Museu Sertório e transferiu-a para o nosso Estado.” (Apud CAMPOS, 1973 vol.3: 105)

Sobre a venda da coleção do Coronel Joaquim Sertório, diz a escritura lavrada no

Cartório Liberato da Capital em 29 de outubro de 1890:

“(...) E, perante as mesmas testemunhas pelo outorgante Coronel Sertório me foi dito que é o único senhor e possuidor de todos os objetos de zoologia, mineralogia, arqueologia, que fazem parte da coleção conhecida pelo nome de ‘Museu Sertório’, localizado no prédio sob número 27 do Largo Municipal, que por escritura pública de hoje, sem reserva alguma, faz venda como de fato vendido tem ao outorgado comprador Conselheiro Francisco de Paula Mairinque de toda a mencionada coleção pelo preço certo e ajustado de cento e cinqüenta contos de réis (...)”(CAMPOS, 1973 v. 3: 106)

No mesmo ano o Conselheiro Francisco de Paula Mairinque doou-o ao Estado de São

Paulo. O acervo do museu Sertório foi incorporado, então, ao acervo da Comissão

Geográfica e Geológica durante o governo de Américo Brasiliense em 1891.

(CAMPOS, 1973 v.3: 106).

O Museu Paulista foi inaugurado oficialmente em 1895, tendo sido seu primeiro

presidente o naturalista o Dr. Hermann von Lhering, que permaneceu no cargo até 1916.

Como cientista, Lhering priorizou as secções de ciências naturais que tiveram grande

desenvolvimento nesse período (CAMPOS, 1973 vol. 3: 105)

A proximidade do centenário da Independência do Brasil apontava para uma

inadmissível inconsistência do grande memorial construído no local do “grito”. A Seção

histórica do Museu Paulista não fazia jus à importância da efeméride. O próprio von

Lhering em mais de uma oportunidade havia propalado que, a despeito de seus esforços,

a representação histórica no museu criado às margens do Ipiranga deveria dar maior

relevo a essa etapa fundamental da formação do país.

Na capital federal, em 1917, o Rio de Janeiro se preparava para abrigar a grande

exposição universal comemorativa dos cem anos da nossa emancipação política. Além

das obras na grande área dos pavilhões das nações que se fizeram representar na

exposição, a cidade tinha enfrentado bravamente seus problemas sociais mais graves,

como os focos de epidemias, áreas insalubres e controle de endemias. Além do mais, a

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cidade havia passado por grandes transformações urbanísticas, construído novos

edifícios públicos em recém abertas avenidas que davam aspecto parisiense à ensolarada

cidade.

Os paulistas investiram naquilo que sem dúvida era um trunfo: tinham um belo

monumento construído no local exato do cenário histórico. Além do mais, cabia aos

paulistas enaltecerem em forma e conteúdo os feitos bravios, as glórias, fortunas e

infortúnios dos conterrâneos, antepassados que estiveram presentes em tantos episódios

da História do país.

São Paulo, já se dizia, era o motor ou a própria locomotiva do Brasil. Desde os

primeiros anos do descobrimento, havia tido papel de destaque na condução da

ocupação do território da América portuguesa e da expansão de seus limites. Quase

quatro séculos haviam se passado e em tempo nenhum os paulistas deixaram de ser

protagonistas em importantes conquistas para a construção de um país que agora estava

pronto a comemorar 100 anos de independência.

Havia mesmo uma luta por justiça histórica que recobrasse a tantos esforços os méritos

devidos. O pano de fundo histórico-social estava estendido. Sobre ele era bordada a

bandeira da legitimidade do poder político de São Paulo a se sustentar no plano

nacional.

Em decorrência do desenvolvimento econômico alcançado com a cultura cafeeira em

terras paulistas e também por conta da forte presença de personagens paulistas no

movimento em favor da instituição do novo regime político – a República, é que a elite

paulista desejava afirmar sua importância não só econômica, mas sobretudo política no

contexto nacional. Aspirava a uma projeção de maior significância para se legitimar no

poder. Os festejos do Centenário da Independência ocorridos em São Paulo seriam,

nesse sentido, utilizados como um gesto de afirmação política.

Em 1917, Afonso d’Escragnolle Taunay toma posse da diretoria do Museu Paulista.

Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1900, professor

catedrático da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1910, biógrafo de

várias figuras da história do Brasil, historiador, ensaísta, foi convidado para organizar o

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Museu tendo em vista o Centenário da Independência que se aproximava. Filho do

Visconde de Taunay que era membro do Partido Conservador e deixou a política após a

Proclamação da República, neto materno do Barão de Vassouras, bisneto do Barão de

Itambé e sobrinho-neto do Barão d’Escragnolle, era, portanto, legítimo membro da elite

formada pela aristocracia rural que detinha o poder político, econômico e social nos

períodos imperial e da primeira república55.

Durante os trabalhos preparatórios para a grande celebração, governaram o Estado de

São Paulo Altino Arantes (1916 a 1920) e Washington Luís. (1920 a 1924). A aspiração

à presidência da República era o degrau subseqüente dos ocupantes do poder estadual.

Fortalecer as posições políticas dos paulistas era aplainar os caminhos que levariam a

presidência da República.

Taunay era o homem certo no lugar certo. Homem culto e historiador habilidoso, ele era

porta-voz de uma crescente força política, cada vez mais fortalecida pela dinâmica

economia paulista. A partir de 1919, Taunay passa a desenvolver seu programa para a

remodelação do Museu Paulista, com a clara incumbência de torná-lo verdadeiramente

um museu histórico. Esse programa era compartilhado com seus pares, intelectuais do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – IHGSP – e manteve interlocução direta

com os governadores Altino Arantes (1916-1920) e Washington Luís (1920-1924)

durante os preparativos. Todos compartilhavam das mesmas idéias, de um mesmo modo

de se pensar a história, baseada nos feitos heróicos e primordiais, no protagonismo da

cultura européia e na linha evolutiva que concede ao homem branco europeu a liderança

do processo civilizatório.

Um museu histórico constitui-se em instrumento para construção de uma memória que

produz legitimações e exclusões. O Museu Paulista deveria ser, portanto, o palco onde

seria encenada a história do Brasil narrada pelas gentes de São Paulo, seus mais audazes

personagens. Taunay vai produzir eficientemente a história de uma nação fundada por

paulistas56. Vai “capitalizar os benefícios simbólicos da Independência em harmonia

55 Fonte: Academia Brasileira de Letras através da página: http://www.academia.org.br/ acessada em 04/08/2008 às 17horas. 56 Já no primeiro volume da Revista do IHGSP vem impressa a síntese propositiva adotada pelo Instituto:

“A história de São Paulo é a própria história do Brasil”.

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com o projeto hegemônico de São Paulo na República Velha (já então assediado por

contestações).” (MENESES, 1992: 5)

A afirmação de São Paulo como berço da nação independente traz consigo um modo de

narrar a história do Brasil que muito credita aos paulistas e que, portanto, legitima a

centralidade do poder em suas mãos. Uma nação brasileira fundada a partir de São

Paulo e por paulistas é a mensagem que deverá ser transmitida por meio da iconografia

criada por Taunay para compor o seu “altar da pátria” que culmina com o grito de

Independência grandiosamente representado pela tela de Pedro Américo.

Tudo estava posto para capitalizar cada fato histórico em concordância com a tese de

Taunay, como aponta Brefe:

“A invenção do passado nacional, com uma origem determinada, marcos históricos precisos, heróis e símbolos memoráveis se apresenta como poderoso instrumento pedagógico capaz de forjar uma identidade nacional intrinsecamente comprometida com os interesses das elites políticas e intelectuais paulistas. Deste modo, as camadas dirigentes de São Paulo vislumbram, no universo cultural a ser representado no Monumento do Ipiranga, a possibilidade de se auto-afirmarem através da construção de um campo simbólico. “ (BREFE,1999:102)

O museu foi dedicado a narrar a história nacional do ponto de vista de São Paulo,

colecionando e expondo documentos direta ou indiretamente a ela ligados. O momento

de comemoração do Centenário da Independência é privilegiado para a legitimação do

regime republicano e “São Paulo se serve então do fato de ter sido o palco da

Proclamação da Independência brasileira para unir 1922 a 1822 e ambos ao

memorável passado paulista, onde a luta pela instauração do regime republicano

também teve lugar de destaque.” (BREFE, 1999, p.127),

É no Museu Paulista que estará explícita a construção de mitos que contribuem para a

legitimação da história da nação vinculada à história de São Paulo. Fica aí estabelecido

o paralelo entre o desbravador bandeirante, unificador do território da nação e a

empreendedora oligarquia rural paulista, que leva o desenvolvimento e o progresso ao

país desbravando as terras incultas.

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Taunay, grande historiador do bandeirantismo paulista, vai se aproveitar sobremaneira

da arquitetura monumental do museu para explicar a história da independência numa

viagem que começa no hall do edifício e acompanhará o visitante nesse movimento

ascendente pelas escadarias do museu. Aí será apresentada, através de metáforas

visuais, uma espécie de altar da pátria onde estão expostos à contemplação os ícones

personificados da saga paulista. O mito do bandeirante é reforçado não só como um

dado histórico amplamente explorado, mas como um símbolo paulista atemporal

distintivo de sua ação empreendedora. Segundo Brefe, “(...) o mito do bandeirante

integra uma memória erigida para nobilizar as realizações de uma coletividade que

não mais avança sobre o continente, mas que se impõe política e economicamente aos

demais estados da federação.” (BREFE, 1999, p.213)

A narrativa se inicia ainda no peristilo, larga planura dominada por duas gigantescas

esculturas de Raposo Tavares e Fernão Dias Paes que, segundo Taunay, foram a

expressão máxima do impulso do bandeirantismo responsável pelas conquistas e

construção do solo pátrio. As figuras esculpidas em mármore branco pelo artista italiano

Luiz Brizzolara, estão voltadas para a direção geográfica de seus domínios: Fernão Dias

a examinar um mineral e Raposo Tavares com as mãos em pala a observar o horizonte

estendido das novas terras desbravadas.

Quatro painéis pintados por Wasth Rodrigues encimando as portas de entrada

completam o perímetro deste chão primordial e foram instalados em 1930. Aí estão

representados D. João III, o rei desbravador das terras brasileiras com a concessão das

capitanias hereditárias; Martim Afonso de Souza, governante da capitania de São

Vicente fundador da primeira vila em solo brasileiro, São Vicente e a Vila de

Piratininga; João Ramalho português desposado com a índia Bartira, fundador da

miscigenada linhagem paulista e o cacique Tibiriçá, líder indígena, pai de Bartira e

patriarca americano da ”raça paulista”.

A viagem ascendente pelas escadarias que levam ao pavimento superior se inicia por

entre ânforas adornadas com motivos da fauna e da flora e contêm a água dos rios que

representam. As principais vias utilizadas pelos bandeirantes são aqui simbolicamente

apresentadas como elementos estruturantes da unidade territorial da nação. As ânforas

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trazem para o trajeto das escadas os percursos históricos dos bandeirantes, mas a

simbologia maior dessas ânforas, entretanto,

“(...)estava em duas delas, que misturavam águas do Oiapoque e Chuí, e Javari e Capibaribe, expressando respectivamente, a unidade do território pela junção das águas de seus rios mais extremos: os do Norte-Sul e Leste-Oeste. Esses dois vasos alocados no centro da escadaria expressam por si mesmos a simbologia metonímica criada por Taunay através do monumento aos rios”. (OLIVEIRA, 2007:116)

Ocupando o nicho em posição destacada no centro da escadaria, encontra-se a estátua de

D. Pedro I, principal personagem da Independência. Seis estátuas menores de

bandeirantes foram colocadas ladeando o nicho ocupado por D. Pedro I, cada uma

simbolizando um estado brasileiro que foi território da província de São Paulo: Borba

Gato, representando Minas Gerais; Paschoal Moreira Cabral, Mato Grosso;

Bartholomeu Bueno da Silva – o Anhangüera, representando Goiás; Manoel Preto, o

Paraná; Francisco Domingos Velho, Santa Catarina e Francisco de Brito Peixoto,

representando o Rio Grande do Sul.

Nove brasões encomendados por Taunay ao pintor Wasth Rodrigues, inaugurados em

1926, acrescentam nesse percurso as principais vilas de São Paulo, que foram pontos de

partida das bandeiras: Paranaíba, Sorocaba, Porto Feliz, Itu, Itanhaém, Taubaté,

Guaratinguetá, Mogi das Cruzes e Jundiaí. No mesmo nível dos bandeirantes estão as

imagens alegóricas representando as conquistas do território nacional pela ação dos

paulistas: Ciclo da caça ao índio, pintado por Henrique Bernardelli; Creadores de gado,

por José Baptista da Costa; Ciclo do ouro, por Rodolfo Amoêdo e Tomada e posse da

Amazônia, pintada por Fernandes Machado.

Acima das estátuas foram colocados os “Mártires da liberdade brasileira”, sempre sob a

orientação historiográfica de Taunay: Tiradentes, personificando a Inconfidência

mineira e Domingos José Martins, a Revolução Pernambucana. Pelo teto da escadaria,

ao redor da clarabóia e sancas são posicionadas 22 figuras de personalidades que

contribuíram de alguma forma com o ideário da independência do Brasil.

Nos cantos da sanca são gravadas quatro datas que rememoram os principais

movimentos pela liberdade do país: A Rebelião de Vila Rica (1720), a Inconfidência

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mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817) e a própria Proclamação da

independência (1822).

Finalmente chega-se ao andar superior, que conduz ao ápice dessa construção

museográfica. A disposição ascendente não é fortuita, ela se completa para o fato maior

representado no Salão Nobre. Esse espaço é dominado pela grande tela de Pedro

Américo, Independência ou morte, executada em 1888 quando o edifício ainda estava

em construção.

Com essa construção habilmente trabalhada, Taunay ressalta e legitima o papel de São Paulo

como lugar material e simbólico da Independência Nacional, e por decorrência legitima seu

papel na liderança econômica, política e social.

Nesse sentido podemos focar como o Museu Paulista, espaço privilegiado da construção

visual da memória, pode ser um instrumento eficaz na confirmação de uma corrente

historiográfica. Como salienta Brefe,

“(...) a memória é um dos ingredientes básicos para a construção da identidade nacional e é justamente em torno de sua construção que pontos de vista divergentes se constituíram, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro. Para a intelectualidade paulista, especialmente representada no IHGSP e na Revista do Brasil, era necessário buscar um novo locus produtor da identidade nacional. O Rio de Janeiro, palco privilegiado do Brasil imperial e de toda a história a ele ligada, é então desqualificado em proveito da cidade bandeirante, tomada com matriz privilegiada para a construção da imagem daquilo que é ou deve ser a nação no início dos anos vinte”. (BREFE,1999: 126)

Taunay exerceu a direção do Museu Paulista de 1917 a 1947. Firmou-se a partir daí

como grande historiador e museólogo. Foi diretor do Serviço de Museus do Estado de

São Paulo desde 1923; reorganizou para o Governo Federal a Biblioteca e o Arquivo do

Ministério das Relações Exteriores (1930); foi professor na Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (1934-1937). Foi aposentado, em

1945, por decreto especial, em que recebeu o título de Servidor Emérito do Estado de

São Paulo. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto

Histórico de São Paulo e sócio correspondente de Institutos Históricos estaduais. Foi

membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Portuguesa de História e da

Academia Brasileira de Letras.

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Afonso Taunay especializou-se como o grande mestre do bandeirismo paulista, do

período colonial brasileiro e da literatura, da ciência e da arte no Brasil, tendo também

escrito uma monumental “História do Café”57.

A obra de Taunay exerceu grande influência na museografia de diversos museus no

Brasil, sobretudo no Estado de São Paulo. Em 1921, durante sua gestão na direção do

Museu Paulista, foi encarregado por Washington Luís, então governador do Estado,

para a implantação do Museu Republicano Convenção de Itu, para o qual havia sido

comprado o Solar dos Almeida Prado naquela cidade. Sua ação também foi

determinante para a criação dos estatutos de criação da Casa Euclidiana em São José do

Rio Pardo que servirá de modelo para os Museus Históricos e Pedagógicos que viriam a

se disseminar pelo interior do Estado durante as décadas de 50 e 60, atingindo até as

pequenas cidades.

2.3.4 - A ESCOLA NOVA E O CONCEITO DE MUSEU PEDAGÓGICO

A educação formal e todo o universo que envolve a formalização do saber, e aqui

podemos incluir os museus, ganharam novo ânimo no Brasil já no período

imediatamente anterior à Proclamação da República. Lastreados pelo discurso

positivista, indicavam a primeira tentativa de universalização da educação como

condição civilizatória58. A reforma do ensino primário, assim como as celebrações de

datas históricas e a proliferação do uso de símbolos ligados ao ideário republicano

foram amplamente utilizadas pelos primeiros governos republicanos como instrumento

de legitimação do novo regime59.

Os republicanos alcançam o poder central e caracterizam seu discurso com um fervor

ideológico pela disseminação da democracia, da federação e da educação como

categorias a apontar a redenção do país. Proposições herdadas das profundas discussões

57 Fonte: Academia Brasileira de Letras através do site http://www.academia.org.br/ . Biografia dos membros da ABL. Página acessada em 14.08.2008 às 18h30 min. 58 SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: A implantação da Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora Unesp, 1998. 59 CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas – O imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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havidas ainda no final do Segundo Império sobre assuntos educacionais e que agora

reforçam o ideário republicano para fomentar a construção de um país íntegro e bem

posicionado para enfrentar o novo século.

A educação universalizada passa a ser uma bandeira desfraldada pelos republicanos em

primeira hora, mas arrefece o fervor na década seguinte para ressurgir, a partir de 1915,

como proposta de “republicanização da República” pelos descontentes com a mesmice

que ainda vigorava na governança do país. Volta-se a pensar na educação como

redenção da Pátria e organizam-se por todo o país grupos de lideranças intelectuais para

“repensar o Brazil” e “repensar em brazileiro”. Esse novo impulso inicia-se com as

conferências de Olavo Bilac e com a conseqüente formação da Liga de Defesa Nacional

(1916). Buscava-se remediar as cobiças externas com o exercício patriótico e o serviço

militar obrigatório e rebater o depauperamento moral e o separatismo através da

promoção da língua pátria e a “desmistificação da História e Geografia do Brasil”

(NAGLE, 1997: 262).

É desse período, que vai do final do II Império até a segunda década do século XX, que

se verificam as primeiras incursões das idéias da Escola Nova entre os intelectuais e

pensadores da educação no Brasil. Naquele momento ainda não se apresenta sua

formulação sistemática, nem se organiza unidade escolar de acordo com seus princípios,

mas algumas de suas idéias e noções vão pontuando os discursos, aqui e ali, e

preparando o terreno para penetração futura desse ideário.

O museu pedagógico foi um modelo adotado pelos pensadores do movimento da Escola

Nova que, a partir da década de 30 com o suporte político de Getúlio Vargas, teve

grande influência sobre a administração pública para a área de educação. Desde 1880,

porém, com a iniciativa do educador Pedro de Alcântara Lisboa, que idealizou o Museu

da Instrução, a idéia de associar museu e escola foi sendo implementada no País. Em

1883, foi instalado no Rio de Janeiro o Museu Escolar Nacional, que reunia objetos,

projetos e novas concepções de material didático, apresentados por ocasião da Primeira

Exposição Pedagógica realizada naquela cidade entre 29 de julho e 30 de setembro. A

iniciativa revela o interesse pelo tema da renovação e da atualização no campo da

instrução pública por parte dos intelectuais brasileiros no final do período do segundo

Império. (MIZAN, 2005: 97).

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Em 1890, com a República ainda em fase de consolidação, uma importante iniciativa é

posta em prática tendo em vista o desenvolvimento da educação. Trata-se da criação e

regulamentação do Pedagogium pelo decreto federal nº 980 cujo texto já estava

embebido com o ideário escolanovista. O Pedagogium foi pensado como um “centro

impulsor das reformas e melhoramentos de que carece a educação nacional” e para isso

contava com um museu pedagógico, laboratórios, escola primária modelo, classes tipos

de desenho, de oficinas de trabalhos manuais e a publicação da Revista Pedagógica.

Como centro irradiador da nova educação, o Pedagogium promovia cursos e

conferências, concursos para livros e exposições escolares. Espelhava-se no National

Bureau of Education norte-americano e ali foi implantado o primeiro laboratório de

psicologia experimental do Brasil, em 1897. (NAGLE, 1997: 283).

Segundo Simona Mizan, o Museu Pedagógico contava com uma biblioteca pedagógica

com uma secção circulante e uma biblioteca escolar. Expunha em caráter permanente

coleção de documentos nacionais e estrangeiros sobre a educação básica, trabalhos

notáveis de professores e alunos, material de desenho, geografia, ciências físicas e

história natural. Apresentava exemplos de museus escolares, modelos de organização

interna e de edificações escolares, material didático de uso em sala de aula, aparelhos de

ginástica adaptados às escolas brasileiras e coleção de animais e plantas que “interessam

às artes e às indústrias do país”. O Museu contava ainda com uma seção de exposição

anual de trabalhos de professores, como planos de aula, estratégias didáticas e de

organização pedagógica e de trabalhos escolares de alunos divididos nas alas feminina e

masculina. Eram expostos cadernos de escrita e ditado, exercícios de caligrafia, redação,

análises e problemas, planos e cartas geográficas, desenhos, volumes geométricos de

papelão, arame ou argila produzidos por alunos de ambos os sexos e mais trabalhos

exclusivos da ala feminina como bordados, moldes, costuras, tricô, crochê e pinturas a

aquarela, a óleo etc. (MIZAN, 2005: 100)

Com a reforma do Ensino do Distrito Federal empreendida por Fernando Azevedo, foi

criado o Museu Pedagógico Central em 1928. Trazia uma grande inovação em relação

aos museus pedagógicos anteriores: a participação do magistério na organização e na

constituição de acervo. O avanço dessa medida se apoiava no cerne das idéias

promovidas pelo Movimento da Escola Nova cujos princípios já começavam a se

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apresentar com mais clareza no final da década de 1920. O museu deveria desenvolver

um trabalho comunitário que permitisse a reunião de esforços para se atingir um ideal

comum. A escola deveria, portanto, ser a extensão cultural dos museus, a interface

pedagógica dinâmica que não só conduziria as ações do museu fazendo um trabalho ao

alcance do aluno, mas também, como uma via de mão dupla, traria professor e aluno

para a ação e organização do trabalho do museu.

Uma boa leitura desse momento é feita pelo estudo de Edgard Süssekind de Mendonça

quando era técnico de educação da Secção de Extensão Cultural no Museu Nacional do

Rio de Janeiro em 1946. O autor argumenta, coerentemente com o pensamento

predominante à época do Estado Novo, que o exercício da cultura está diretamente

ligado à condição de sua função educativa na sociedade. Museu e escola seriam, dessa

forma, agentes diretos nos campos da cultura e deveriam entendê-la a partir de seu

aspecto educativo. E o autor vai ainda mais longe quando sugere que a participação de

alunos na organização e no recolhimento de material de museu seria condição de grande

valor pedagógico:

“A criação de museus escolares, a que o museu empresta ou cede material de exposição, ou – o que é mais aconselhável, do ponto de vista pedagógico – a que assiste tecnicamente, ensinando a colecionar e exibir o material colhido pelo aluno; a colaboração com as atividades extra-escolares, sobretudo proporcionando campo de atividade organizado para excursões; o estímulo para formação de associações escolares, que não só promoverão visitas ao museu, como realizarão reuniões a que o museu forneça temas e material consentâneo com a sua especialidade; todas essas são modalidades sobejamente conhecidas da influência dos museus sobre as escolas” (MENDONÇA, 1946: 20)

De acordo com Mendonça, que lamentava a extinção do Museu Pedagógico Central, os

museus agora deveriam “priorizar a comunicabilidade com a escola” e essa seria uma

espécie de herança deixada pela breve experiência dirigida por Fernando Azevedo

naquela instituição. Lá a participação do magistério se estendia à formação e

organização do acervo, o que corresponderia a um atendimento de um preceito

fundamental da “Escola-Nova”: a escola comunidade. Por associação, outro preceito

fundamental bastante difundido dos escolanovistas se destacava: o estímulo ao

aprendizado com base na observação direta dos fenômenos, na valorização da presença

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e no uso de objetos e mostruários, que muito provavelmente são heranças da taxonomia,

método classificatório que dominou o espírito científico do século XIX60.

È ainda no vigor desse ideário que serão implantados pelo governo do Estado de São

Paulo os Museus Históricos e Pedagógicos na década de 1950. Desde a efêmera

implantação do Museu Pedagógico Central em 1928, passaram-se quase 30 anos até a

implantação dos primeiros Museus no interior de São Paulo. Mas a confirmar a

continuidade do vigor das idéias escolanovistas, ressaltamos a retomada do debate sobre

o papel da educação formal na sociedade pelos representantes do pensamento da Escola

Nova no Brasil que publicam, em 1959, o segundo manifesto do movimento, intitulado

“Manifesto dos Educadores mais uma vez convocados” (MIZAN, 2005: 105)

Simona Mizan apresenta, em seu trabalho de 2005, as declarações de Sólon Borges dos

Reis, em entrevista, em que ele afirma a “influência direta das proposições dos

intelectuais escolanovistas nos objetivos que levaram à concepção do Decreto que deu

origem à criação dos primeiros Museus”. Era o ano de 1956, quando Sólon Borges,

então Diretor Geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, redige o

decreto sancionado pelo Govenador do Estado Jânio Quadros, criando os quatro

primeiros Museus Históricos e Pedagógicos nos municípios de Campinas,

Guaratinguetá, Batatais e Piracicaba. Acrescenta Sólon Borges dos Reis:

“Propícia à participação dos museus com responsabilidade pedagógica, casava-se com a proposta de Educação, no final dos anos 50. Dentre as personalidades que mais se destacaram na época, meados do século XX, na área da Educação, incluem-se: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Almeida Júnior, Sampaio Dória, Afrânio Peixoto, Roldão Lopes de Barros, Júlio de Mesquita Filho, Mário Casasanta” 61·.

Essa aproximação com o ideário da Escola Nova se fez no decorrer de sua trajetória

como educador e político da educação. Diplomado pela Escola Normal de Campinas em

1935 e em Pedagogia pela Universidade de São Paulo em 1945, acompanhou de perto o

Movimento da Escola Nova a partir do manifesto de 1932 e posteriormente o Manifesto 60 Segundo Fernando Azevedo, o ideário escolanovista vislumbrava três aspectos fundamentais a serem perseguidos pela nova concepção social da escola: a escola única, a escola para o trabalho e a escola comunidade. A escola única refere-se à obrigatoriedade e à gratuidade do ensino com a união do programa pedagógico. A escola para o trabalho refere-se ao fato contemporâneo da sociedade apoiar-se da organização do trabalho tendo a escola como vetor de inserção social do indivíduo. A escola comunidade expressa a ação disciplinadora de esforços individuais coordenados entre si e subordinados ao alcance de um objetivo determinado. (AZEVEDO, 1929: 117) 61 Depoimento concedido em entrevista. (apud MIZAN, 2005: 115)

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de 1959. Sólon Borges foi deputado estadual a partir de 1958 e autor de grande número

de projetos voltados à Educação que se transformaram em leis, mas antes mesmo disso,

já havia militado em diversos organismos representativos de classe, tendo sido, em

1945, um dos fundadores da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de

São Paulo e, em 1947, da União Paulista de Educação. Foi depois por quarenta anos o

Presidente do Centro do Professorado Paulista.

A implantação dos Museus Históricos e Pedagógicos esteve ancorada em dois esteios

fundamentais e complementares. O mais evidente pressupõe o avanço que se quis

imprimir à iniciativa com o ineditismo de uma rede de museus afinada com as mais

influentes correntes pedagógicas de então e, em segundo lugar, havia o peso político

com que tal iniciativa viria a contribuir para o discurso ufanista adotado pela elite

paulista. São Paulo, a capital, enfim firmava-se como centro irradiador de influências e

concretizava seu papel de metrópole nacional. Com o interior, base da riqueza estadual,

reivindicava o papel de locomotiva do Brasil.

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Capítulo II

OS MUSEUS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1956 A 1973)

Durante o Estado Novo, instaurado a partir de 1937, o governo de Getúlio Vargas

empenhou-se na criação de mecanismos diversos que promovessem a dimensão

nacional na cultura do povo brasileiro como forma de controlar regionalismos que

pudessem desarticular seus planos de integração nacional. Para tanto, elegeu a bandeira

política da modernidade desenvolvimentista, da industrialização e da autonomia

nacionais como forma de encobrir proeminências regionais. Para tanto, se cercou de

intelectuais, artistas e políticos que pudessem criar um panorama favorável a uma idéia

de um Brasil unido mais avançado e maior. É nesse contexto que chega a florescer o

terceiro momento do modernismo brasileiro, onde são apresentados nossos avanços na

área da cultura, das artes, literatura, música e principalmente da arquitetura, como

identidade cultural e quando nossos valores começam a ser enaltecidos como expressão

nacional.

Com o apoio de Getúlio Vargas, o ministro Gustavo Capanema arregimentou ao

Ministério da Educação e Saúde educadores, arquitetos e urbanistas, poetas, artistas,

músicos que direta ou indiretamente ligavam-se às atividades de promoção cultural

empreendidas pelo governo federal. Grande ênfase era dada na superação do modelo

agrário e regionalista que até então vigorava, na modernização e na unificação da

expressão cultural. Nesse contexto, foram criados quatro museus históricos nacionais

em diferentes estados brasileiros que notabilizassem os quatro grandes períodos da

História do Brasil: o Museu das Missões, em 1937, em Santo Ângelo no Rio Grande do

Sul; o Museu da Inconfidência, em 1938, em Ouro Preto, em Minas Gerais; o Museu

Imperial, em 1939, em Petrópolis, no Rio de Janeiro e, em 1945, o Museu do Ouro em

Sabará, Minas Gerais.

A elite paulista responde com a criação do Museu de Arte de São Paulo em 1947 e o

Museu de Arte Moderna em 1948. Antes, porém, em 1946, o governo estadual, com a

supervisão de Affonso d’Escragnolle Taunay, então Presidente do Conselho Estadual de

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Bibliotecas e Museus, cria a Casa Euclidiana, uma casa histórica biográfica a

reverenciar a memória de Euclides da Cunha na cidade paulista de São José do Rio

Pardo.

3.1 - CASA EUCLIDIANA – Museu pioneiro (1946)

Euclides da Cunha morreu em 1909 consagrado como um dos grandes escritores

brasileiros e, mesmo considerando a comoção nacional provocada por sua morte trágica,

é curioso como sua obra foi sendo intensamente estudada. Outros escritores como Artur

Azevedo e Machado de Assis, falecidos menos de um ano antes, também mereceram o

empenho dos intelectuais da época, porém foi com Euclides da Cunha que se inicia o

verdadeiro culto de um escritor no Brasil.

Regina Abreu62, em conferência apresentada por ocasião da Semana Euclidiana de 1998 63, ressalta que os funerais de Euclides da Cunha marcam no Brasil o culto do escritor

“não apenas como grande homem, mas como um ‘herói nacional’”.

Esse interessante trabalho aponta para a construção da memória euclidiana alimentada

pelas elites intelectuais que visavam à efetivação política da República recém

implantada no país. Nos anos que se seguiram à morte do autor de Os sertões, pode-se

constatar através dos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro uma apropriação

ideologicamente comprometida de sua figura de republicano “exemplar”. Estavam em

voga as biografias de vultos exemplares, construções de modelos em biografias

divulgadas como paradigmas para o desenvolvimento sócio-cultural. A Igreja Católica

lançava mão das histórias de vida dos santos como bastiões doutrinários. Por sua vez, o

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encarregava-se de produzir as biografias dos

vultos históricos, figuras emblemáticas a pontuar e/ou personificar os processos

históricos. Ao ingressar no IHGB, o próprio Euclides foi incumbido da produção de

62 Regina Maria de Rego Monteiro Abreu, é doutora em Antropologia Social e professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) 63 Fonte: http://www.euclidesdacunha.org/conferenciaoficial98.htm . Página acessada em 05/04/2007 às 18h45min. A Conferência Oficial faz parte das atividades da Semana Euclidiana anualmente promovida pela Casa Euclidiana em São José do Rio Pardo (SP)

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uma biografia de Duque de Caxias. A revista do Instituto tinha uma seção dedicada aos

relatos biográficos e a Academia Brasileira de Letras também incentivava a produção do

gênero, solicitando dos novos membros a produção de textos sobre os antigos patronos

das cadeiras que acabavam de ocupar.

A vida de Euclides da Cunha muito favorecia ao biógrafo à cata de fatos trágicos,

desafios, lutas e obstáculos. A orfandade desde a infância e a falta de família que o

acolhesse contribuíram para torná-lo um sujeito ensimesmado. Colhia brilhos e

respeitos com sua inteligência vivaz e cortante, ao mesmo tempo em que lhe sobravam

incompreensões. Cadete da Escola Militar, em 1888, ficou famoso o episódio de

insubordinação do qual foi protagonista. Diante do Ministro da Guerra, lançou-lhe aos

pés sua espada de cadete. Por tal gesto foi julgado e excluído do Exército. Era ferrenho

republicano em plena vigência do segundo Império. Comungava do pensamento

científico e das posições políticas mais avançadas da época, colocando-se a serviço dos

ideais de grandeza para a construção da nação em dedicação tão arrebatada e integral

que não poderia encontrar compreensão nas suas relações familiares64.

Regina Abreu aponta mesmo para uma construção paulatina da memória euclidiana, que

envolvia políticos e intelectuais. A autora identifica o que chamou de “sete passos para

a construção da memória”. No primeiro passo, já ao noticiar a morte do escritor, os

principais jornais, como O Estado de São Paulo, Jornal do Commércio, Gazeta de

Notícias, Jornal do Brasil, Correio da Manhã publicam os primeiros esboços de sua

biografia. Na ocasião foi comum ser comparado ao guerreiro grego Ulisses, mesmo

sendo um homem de letras já laureado, refinado e culto, por aceitar a missão confiada

pelo Barão do Rio Branco. Embrenhou-se em expedição pela Amazônia, como

engenheiro que era, a fim de solucionar a delicada questão dos limites das fronteiras

entre Brasil, Bolívia e Peru. Ao patriota juntaram-se os atributos de herói. Ao homem

inteligente, de origem humilde, foram acrescentadas as condições de visionário

incompreendido e mártir da civilidade. E todo brasileiro, portanto, deveria a ele um

tributo. Morto, coube-lhe, ao menos, o culto da memória.

64 Fonte: Biografia dos Membros da Academia Brasileira de Letras através do site: http://www.academia.org.br/ Página acessada em 22.08.2008 às 10horas.

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Nas exéquias, segundo passo na construção da memória euclidiana, o escritor Coelho

Neto, seu amigo, o compara ao naturalista Alexander Von Humboldt, ao volver seu

olhar a um Brasil interior e mostrar não só os tesouros naturais, mas principalmente as

riquezas agrestes das nossas gentes, sertanejos, brasileiros esquecidos.

O episódio da morte do escritor, envolvido em um duelo com o lugar-tenente

Dilermando de Assis, amante de sua esposa, ficou conhecido como a “tragédia da

Piedade”. Os jornais acompanharam a formação do processo de Dilermando até seu

julgamento, em 1911. Sua absolvição foi seguida de protestos e juramentos. No

aniversário da morte do escritor, amigos e admiradores decidiram iniciar um movimento

de “protesto” à decisão do júri e de “adoração” à memória do escritor. Estava dado o

terceiro passo, com a fundação do Grêmio Euclides da Cunha. Nascia, assim, o

movimento euclidiano.

Edgar de Mendonça lançou, em 1917, o que chamou de “Plano de Campanha” a ser

referendado pelo movimento. Os membros do Grêmio incumbiram-se de divulgar as

palavras do escritor inicialmente realizando conferências sobre sua obra. Participaram

dessa iniciativa Roquette-Pinto, Basílio de Magalhães, Pacheco Leão, Escragnolle-

Dória, Juliano Moreira, Coelho Neto e Ignácio Amaral. As conferências seriam reunidas

em livro a ser levado a todo Brasil. O Grêmio deveria ainda redigir a biografia de seu

patrono e a obra de Euclides seria estudada e analisada criticamente a fim de

dimensionar sua importância e alcance. Uma estátua do escritor seria posta em frente da

Escola Militar, marco inicial da sua trajetória patriótica. Este quarto passo em prol do

culto euclidiano também incluiu o meticuloso trabalho de levantamento de fontes,

documentos e objetos do escritor, relíquias reunidas pelos incansáveis euclidianos,

transformados em verdadeiros sacerdotes a divulgar as palavras do mestre.

A criação da Sala Euclides da Cunha, em 1917, no Museu Nacional, ao lado da Sala

Humboldt, é considerada por Regina Abreu o quinto passo. Para os euclidianos, era a

póstuma “consagração científica” do escritor. Alçado à condição de proeminente

naturalista, ao lado de Humboldt, seus escritos serviram ao combate das teorias racistas

que ainda vigoravam entre os intelectuais brasileiros.

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Em 1918, o movimento promove a conferência “Euclides da Cunha naturalista” de

Roquette-Pinto no Conservatório Dramático de São Paulo, motivando importantes

intelectuais paulistas para a difusão da obra euclidiana. O sexto e sétimo passos

referem-se à adesão dos paulistas ao movimento, terminando por transformar a cidade

de São José do Rio Pardo na Meca do euclidianismo.

Francisco Venâncio Filho, em artigo de 1918, elogiava a rara devoção manifestada

pelos rio-pardenses que, desde 1912, anualmente, promoviam uma romaria cívica em

memória do escritor. O ponto alto das homenagens era a visitação à cabana de zinco,

erguida ao lado da ponte metálica sobre o rio Pardo, onde o engenheiro Euclides se

abrigava do sol e da chuva durante suas visitas de inspeção às obras de reconstrução da

ponte. Nos três anos que duraram as obras, Euclides pôde dedicar-se a escrever aquela

que seria sua mais consagrada obra literária: Os Sertões.

Em 1896, Euclides da Cunha ingressa como engenheiro-ajudante na Superintendência

de Obras Públicas do Estado de São Paulo e passa a viajar pelo interior do Estado para

construção de pontes, de edifícios públicos, reconstrução de obras e demarcações de

limites.

Desde 1988, vinha escrevendo sobre questões políticas e sociais para o jornal A

Província de São Paulo (hoje O Estado de São Paulo). Em 1897, escreve um artigo

sobre os revoltosos de Canudos, intitulado “A Nossa Vendéia” referindo-se à luta, na

França, de republicanos e camponeses defensores da monarquia. Naquele mesmo ano, a

convite de Júlio de Mesquita, dono do jornal, segue como correspondente de guerra para

a região dos conflitos. Com o massacre dos seguidores de Antônio Conselheiro e o

conseqüente final dos conflitos, retorna a São Paulo e publica o último artigo da série

“Diário de uma Expedição”. Em janeiro de 1898, publica no mesmo jornal o artigo

“Excerto de um livro inédito” com algumas idéias que serão desenvolvidas em Os

Sertões (1902)65.

65 Cronologia de Euclides da Cunha obtida no site do portal da Academia Brasileira de Letras: http://www.euclidesdacunha.org.br/cronologia.htm?var_topo=empresa&var_imagem=empresa&var_url1=cronologia.htm Acessada em 18.07.2007 às 14h38min.

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Retoma suas atividades como engenheiro e transfere-se para São José do Rio Pardo

onde fixa residência com a família - a esposa Ana Ribeiro e dois filhos - no sobrado da

esquina das ruas Treze de Maio e Marechal Floriano, onde hoje se encontra instalada a

Casa de Cultura Euclides da Cunha, a Casa Euclidiana.

Na cabana de zinco, às margens do rio Pardo e construída a poucos metros das obras de

reconstrução da ponte, Euclides redigiu as primeiras páginas de Os Sertões. Foi

estimulado pelo amigo Francisco Escobar, intendente municipal e homem de grande

cultura, que lhe emprestou livros e reuniu um grupo de intelectuais para a leitura dos

primeiros capítulos. Em maio de 1900, termina a redação e Escobar contrata o sargento

de polícia José Augusto Pereira Pimenta para transcrever os originais em boa

caligrafia66.

Desde 1912, os euclidianos de São José do Rio Pardo, celebram a memória do amigo

fazendo a romaria cívica até a cabana de zinco anualmente no dia de sua morte: 15 de

agosto. Os rio-pardenses participam cada vez em maior número dessas romarias e as

celebrações só fazem crescer ao longo dos anos. Em 1918 foi inaugurada a efígie do

escritor em placa de bronze sobre um bloco de granito. Em 1925 foi instituído no dia 15

de agosto o Feriado Municipal Dia de Euclides. Em novembro do mesmo ano, foi

criado o Grêmio Euclides da Cunha com 22 membros entre os quais sete que estavam

presentes na primeira romaria. Em 1936 as comemorações passaram a ser organizadas

pela Comissão de Festejos Euclidianos criada pelo prefeito Dr. Luis Gonçalves Jr. Em

1938, atendendo ao pedido do Prof. Francisco Venâncio Filho, o presidente Getúlio

Vargas, através do decreto nº 25, incorpora a Cabana ao Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional67.

66 Os Sertões foi publicado pela Editora Laemmert no Rio de Janeiro em 1902. Fonte: http://www.euclidesdacunha.org.br/cronologia.htm?var_topo=empresa&var_imagem=empresa&var_url1=cronologia.htm Portal da Academia Brasileira de Letras. Página acessada em 18.07.2007 às 14h38min. 67 Fonte: TREVISAN, Amélia Fanzolin. Casa de Cultura Euclides da Cunha. http://www.casaeuclidiana.org.br/historia.asp Página acessada em 17/07/2007 às 11h14min.

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Fig. 3 – Uma das primeiras romarias à cabana de Euclides, provavelmente em 1915. Acervo da Casa Euclidiana.

Fig. 4 – Redoma de vidro construída para proteger a cabana tornbada como Monumento Nacional pelo Iphan em 1938. Ao fundo a ponte metálica.

As manifestações cresciam ano a ano em importância e número e o Dr. Oswaldo

Galotti, médico e euclidianista de Rio Pardo propõe, então, a criação da Semana

Euclidiana. Sempre realizada entre 9 e 15 de cada mês de agosto, a Semana veio atender

às inúmeras manifestações culturais, esportivas e homenagens festivas, não sem certo

constrangimento, realizadas no aniversário de morte do escritor. Coube ao Dr. Galotti a

primeira conferência oficial que passou a ser um dos pontos altos das atividades

programadas da Semana. No ano seguinte, o Prof. Hersílio Ângelo, procurando atrair os

mais jovens ao movimento, criou a Maratona Intelectual Euclidiana, ainda hoje o grande

fator de concentração de estudantes locais e vindos de outros municípios dentro da

programação anual da Semana68.

Seis importantes oradores fizeram conferências nessa primeira Semana, entre eles o

Prof. Francisco Venâncio Filho, que foi elo de ligação entre os euclidianos de São José

de Rio Pardo e os intelectuais do Movimento no Rio de Janeiro. A presença do

conceituado professor atraiu caravanas de estudantes de São Paulo, Campinas, Mococa,

São João da Boa Vista, além de centenas de romeiros. O sucesso das primeiras Semanas

Euclidianas demonstrou a necessidade da Comissão de Festejos ter seu próprio espaço

para a organização dos eventos. Venâncio Filho, em sua conferência, evidenciou a

necessidade da criação do espaço apropriado para abrigar todas as atividades que se

concentravam durante a Semana. Já era grande a quantidade de livros, documentos e

objetos relacionados à vida e obra de Euclides recebidos em doação que ficavam

68 TREVISAN, Amélia Fanzolin, opus cit.

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dispersos em vários locais. Um museu já se fazia necessário. Além do mais, um museu

poderia abrigar atividades de pesquisa, consulta e exposição durante o ano todo69.

O projeto para criação da Casa Euclidiana já existia desde 1938. Por iniciativa do Dr.

Honório de Silos e possivelmente contando com a contribuição do Dr. Galotti, a

proposta foi apresentada para o então secretário de educação, Álvaro Guião. A morte do

secretário interrompeu o empenho administrativo e o projeto caiu no esquecimento

durante o governo dos dois interventores sucessores.

Já como diretor geral do Departamento Estadual de Informações, em 1946, Honório de

Silos contando com a participação do Presidente do Conselho Estadual de Bibliotecas e

Museus, Affonso d’Escragnolle Taunay70, apresentam o projeto para o novo interventor

federal José Carlos de Macedo Soares, que assina o decreto-lei 15.1961 em 14 de agosto

de 1946, instituindo a Casa de Cultura Euclides da Cunha em São José do Rio Pardo.

Fig. 5 – Casa Euclidiana em São José do Rio Pardo, antiga residência de Euclides da Cunha e família . Foto do autor

Fig. 6 – Sala de Exposição da Casa Euclidiana. Foto do autor.

O culto à memória de Euclides não impediu que o interventor federal no governo de um

Estado, ainda durante a vigência do Estado Novo, decretasse a criação de uma casa de

cultura atendendo a uma reivindicação local. De acordo com o Decreto-lei Federal nº

1202 de 8 de abril de 1939, estabelece que as atribuições dos interventores era proibido

aos Estados e aos Municípios, segundo seu artigo 33, “erguer monumento ou realizar

69 Idem, ibidem. 70 Ambos eram também membros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

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qualquer obra (...) sem autorização expressa do Presidente da República”. A medida

visava ao controle sobre Estados e Municípios que pudessem vir a cultuar outros

“símbolos de caráter local” que não fossem os símbolos nacionais, expressos claramente

no artigo 53 do mesmo decreto: “A bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais”.

O caráter nacional que impregnava a figura de Euclides da Cunha avalizava a iniciativa

e conquistava a anuência da política imposta pelo Estado Novo. Culto, nascido e

formado no Rio de Janeiro e notabilizado por seu republicanismo e pelo serviço à Pátria

nos mais longínquos rincões brasileiros, da Amazônia ao Sertão da Bahia ou ao interior

de São Paulo, Euclides da Cunha era um patrono que servia aos interesses nacionalistas

do Governo de Getúlio Vargas. Seu culto deveria mesmo ser incentivado.

3.2 - O MODELO DOS MUSEUS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS (1956)

Em 1956, dez anos depois da implantação da Casa Euclidiana em São José do Rio

Pardo, Sólon Borges dos Reis, na época Diretor Geral do Departamento de Educação do

Estado de São Paulo durante o governo de Jânio Quadros, criou os quatro primeiros

Museus Históricos e Pedagógicos. O fato de os museus criados estarem sob a direção do

Departamento de Educação não é fortuito, assim como não o são os moldes em que se

basearam suas estruturas e organização. Uma apreciação nos decretos de criação dos

quatros museus e do decreto de criação da Casa Euclidiana mostra que possuíam muitos

pontos em comum. A começar pela dedicação à construção da memória de um patrono,

os Museus Históricos e Pedagógicos devem muito de sua formatação à implantação da

Casa rio-pardense dez anos antes. O patrono da Casa histórica, Euclides da Cunha,

permaneceu morando com a família durante dois anos em São José do Rio Pardo.

Estava ali dirigindo os trabalhos de reconstrução da ponte metálica sobre o Rio Pardo,

que havia sido destruída após uma enchente. Ali ele escreveu sua obra literária mais

respeitada, Os Sertões, e ali construiu muitas amizades e respeito entre os rio-pardenses.

A Casa Euclidiana veio atender, porém, a um movimento de culto vigoroso desde 1912.

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O Decreto estadual nº 26.218, de 3 de agosto de 1956 do governo de Jânio Quadros,

instituía os quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos nos municípios de

Campinas, Batatais, Guaratinguetá e Piracicaba. Esses quatro municípios foram

escolhidos por serem as bases eleitorais dos quatro presidentes da república oriundos da

força política de São Paulo que tiveram papel destacado na condução do Governo

Federal em seus mandatos. Foram eles: Campos Salles, Prudente de Moraes,

Washington Luís e Rodrigues Alves. A instituição dos museus teria uma dupla

atribuição: a criação de um centro de pesquisa histórica do município somada à pesquisa

histórico-biográfica de seu patrono. Os quatro municípios escolhidos eram as bases

políticas dos seus quatro patronos presidentes e, assim associados, os Museus criados

deveriam constituir-se numa espécie de panteão do republicanismo paulista, juntamente

com o Museu Convenção de Itu criado em 1923. Esse grupo de museus seria, portanto,

o repositório do patrimônio político conquistado desde a Proclamação da República e

que legitimava a liderança de São Paulo frente aos outros estados da Federação.

No texto do Decreto Estadual que oficializa a instalação dos quatro museus, podem-se

observar as ponderações que justificavam suas criações:

“(...) CONSIDERANDO que incumbe ao poder público cultuar as tradições que possam constituir patrimônio de honra e de glória para a coletividade; CONSIDERANDO o papel relevante que tiveram nos destinos da nacionalidade homens que saídos de São Paulo, governaram a Nação em quadriênios que se tornaram memoráveis; CONSIDERANDO que os governos de Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Washington Luís, constituem fecundas páginas da História do Brasil e que outra personalidade, a vida e a obra desses preclaros homens públicos podem e devem ser apontados como exemplos de dignidade , civismo e capacidade de ação às novas gerações; CONSIDERANDO que é apreciável o valor dos museus como instrumentos de cultura e educação do povo e também como elemento de recreação popular e atração turística, podendo constituir ainda, a serviço da escola, recurso pedagógico de extraordinário alcance; CONSIDERANDO a conveniência de estudar e divulgar, por meio de Museus Histórico-Pedagógicos, sediados nas cidades em que nasceram ou projetaram sua vida pública, a obra dos grandes homens de São Paulo que ocuparam a presidência da República, (...) 71

Como a Casa Euclidiana, os quatro museus criados teriam a incumbência de cultuar a

figura de seus patronos, cujas biografias estavam intimamente ligadas às localidades que

71 Trecho do Decreto estadual nº 26.218 de 3 de agosto de 1956 do governo de Jânio Quadros.

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os sediavam. Com efeito, era uma estratégia cuja pretensão seria a de estimular nesses

núcleos urbanos a mesma vibração que se verificava em São José do Rio Pardo com

relação à memória de Euclides da Cunha. O culto aos patronos Presidentes da República

teria o papel de despertar o sentimento cívico e o interesse histórico dos cidadãos

conterrâneos do museu e, com isso, despertar o interesse próprio para com a história

local. Porém, é no seu artigo 2 que o Decreto de agosto de 1956 traz uma grande

novidade: a participação de professores e alunos das escolas para a formação dos

acervos dos museus. As organizações desses museus sempre estiveram subordinadas à

orientação da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação, por meio do

Departamento de Educação e de seu Serviço de Museus Históricos. Diz o artigo:

Artigo 2º - Os Museus Histórico-Pedagógicos a que se refere este decreto serão instalados mediante entendimento do departamento de educação com as municipalidades e instituições culturais das cidades em que forem sediados, competindo às escolas públicas e particulares a incumbência da coleta e preparação do material destinado aos Museus.

A organização dos novos museus criados estava submetida a uma Comissão Central,

criada com indicações do Diretor do Departamento de Educação e designada pelo

Secretário de Estado dos Negócios da Educação. Essa Comissão Central teria como

incumbência “emprestar unidade” e coordenar os trabalhos das Comissões Municipais -,

que, por sua vez, estariam envolvidas com as tarefas locais, as instalações e

manutenções dos Museus Históricos e Pedagógicos no âmbito do município,

desempenhando suas funções sob a Chefia de Serviço de Instituições Auxiliares da

Escola do Departamento de Educação. Tal estrutura deixa clara a reprodutibilidade da

organização e evidentemente a possibilidade de expansão para a formação de uma rede

de museus municipais sob a coordenação e chefia da Secretaria de Governo do Estado.

Sólon Borges dos Reis deixou a Diretoria de Educação em 1957, época em que era um

departamento da Secretaria dos Negócios da Educação. Os Museus Históricos e

Pedagógicos ficaram sob a Direção de Vinício Stein Campos, que levou a cabo aquilo

que parecia ser a proposta inicial desse projeto, ou seja, a criação de uma rede de

museus implantados pelo Governo do Estado em parceria com os municípios. Nesse

período, foram criados 79 Museus Históricos e Pedagógicos em todas as regiões do

Estado de São Paulo.

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Em 1962, Sólon Borges dos Reis retorna à Secretaria a convite do Governador

Carvalho Pinto, agora para ocupar o cargo de Secretário. Vinício Stein esteve, portanto,

sob a chefia de Sólon Borges, de 1962 a 1965, enquanto este ocupou o cargo de

Secretário e não lhe impôs nenhuma restrição quanto à continuidade da rede. Ao invés

disso, em 1958, logo depois de sua saída, solicitou a Vinício Stein a criação do Museu

de Casa Branca, sua terra natal. O Museu Histórico e Pedagógico Visconde de Taunay e

Afonso Taunay foi criado pelo Decreto Estadual nº 32.203 de 10 de maio de 1958 em

Casa Branca, tendo como um de seus patronos Afonso d’Escragnolle Taunay, falecido

em março daquele ano.

A respeito dos objetivos da criação de tais museus pelo governo de São Paulo, Sólon

Borges procura esclarecer:

“ O Museu Pedagógico foi uma inovação na estrutura cultural de São Paulo com seu caráter eminentemente pedagógico. Ali fundiram-se nossa criatividade, espírito de iniciativa e de empreendimento. A receptividade no Estado foi a melhor possível.(...) Os motivos que levaram a criação dos primeiros quatro Museus Históricos e Pedagógicos no Estado foram: 1) a necessidade de dotar todo o território paulista, dividido hoje em 645 municípios de centros de maior desenvolvimento cultural; 2) o Museu é um espaço na área cultural de estímulo à conservação e ao estudo da história municipal; 3) o Museu, quando devidamente cultivado, pode contribuir para a pesquisa da História do município a que deve servir. A fim de que não se percam o conhecimento e a interpretação do passado a História da região municipal, estadual ou nacional; 4) se é pacífico o mérito dos objetivos do Museu, em si mesmo, de modo geral e, em especial, do estudo, do conhecimento, do que já passamos. É pacífica a convicção de que recorrer à História, é imprescindível. Nosso esforço lançando, preliminarmente, os quatro Museus Históricos e Pedagógicos, teve êxito. Mas, a finalidade pedagógica – Museu dinâmico como a Pedagogia – é ainda receita para empenhar a grande rede que seguiu os rastros das quatro primeiras unidades. Pedagogia (na acepção grega do termo, que descende de Atenas, da cultura helênica) há que se manter, a fim de que o educando tanto quanto o educador, participem da nossa proposta que pressupõe o envolvimento, não só do estudo como também do pedagógico”72

O ideário escolanovista empresta o lastro em que se baseia o conceito criador dos

Museus Históricos e Pedagógicos. A aproximação entre museu e escola parece ser um

grande achado que vai ao encontro dessa pedagogia da experiência concreta. Ali no

museu, a escola encontraria o espaço adequado para o estímulo sensorial dos estudantes,

ali os objetos estariam prontos a relatar os fatos e valores sociais, das ciências naturais e

das teses históricas. Deveria ser um contraponto complementar para o espaço do

72 Entrevista concedida à Simona Mizan em março de 2003. (apud MIZAN, 2005: 116)

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pensamento e da abstração da sala de aula. Além do mais, o museu é um espaço cívico

aberto a todas as faixas etárias e um lugar em que esses valores ganham o sentido mais

amplo da representação social.

A subordinação das ações desses museus à administração estadual é, pelo menos

inicialmente, uma condição incontestável. Somente com a direção do governo estadual,

poderiam esses museus resultar em empreendimentos confiáveis. Eles teriam a função

de perseguir a “verdade histórica”, avalizada pela oficialidade do Governo Estadual,

instância superior a coordená-los. Cria-se, portanto, um discurso e um espaço de

legitimação a reger as histórias oficiais desses municípios.

Em 1957, Sólon Borges deixa o Departamento de Educação de São Paulo e no mesmo

ano passa a presidir o Centro do Professorado Paulista (CPP). No ano seguinte, disputa

uma vaga para deputado na Assembléia Legislativa de São Paulo, onde permanece por

cinco legislaturas. Seu trabalho à frente dos museus paulistas foi abraçado por Vinício

Stein Campos. Natural de Capivari, Vinício Stein estudou em Campinas e em Santa

Bárbara D´Oeste, onde formou-se em Pedagogia, Psicologia e Didática. Era o ano de

1932, justamente quando foi publicado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”

e seu ideário já percorria as discussões dos estudiosos da educação em todo o país. Em

1952, Stein ingressou como sócio no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,

onde foi primeiro secretário e membro do Conselho Editorial da Revista do Instituto.

Foi diretor da Divisão de Museus, da Coodenadoria do Patrimônio Cultural, da

Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo do Estado de São Paulo. Foi membro de

várias entidades culturais e sociais, bem como colaborador da imprensa paulista.

(MIZAN, 2005: 57)

Ao assumir a Direção do Serviço de Museus Históricos, Vinício Stein Campos redige o

Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos, publicado como o Ato nº 19 de 30

de abril de 1957 e assinado pelo Secretário da Educação Vicente de Paula Lima. A

própria existência desse regulamento publicado apenas sete meses depois da criação dos

quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos deixa evidente a intenção de

reproduzir seu formato. Em seu artigo 1º, o Regulamento define os Museus Históricos e

Pedagógicos como “instituições de caráter educacional e cívico”, onde se exercita o

aprendizado, matendo-se vivo o passado da nação, e em cujos espaços se apresentam os

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valores desejáveis aos cidadãos e a difusão do “conhecimento da História, Arte e

Literatura da época dos respectivos patronos.”

O mesmo Artigo, em seu parágrafo 3º, estipula a formação e o enriquecimento dos

acervos “mediante doações, aquisições e, sobretudo através de campanhas

desenvolvidas pelos Institutos de Educação e estabelecimentos de ensino

secundário e normal do Estado, de conformidade com planos de trabalho elaborado

pela Comissão Central e os estabelecimentos de ensino” 73

No parágrafo seguinte, o Regulamento deixa clara a estreita ligação entre a pesquisa nos

museus e a produção escolar, quando determina que os “trabalhos de pesquisa, coleta e

preparação do material de interesse histórico realizados pelas escolas oficiais deverão

ser feitos de preferência por intermédio das cadeiras de História Geral e do Brasil,

História da Civilização Brasileira e Educação Social e Cívica”

A figura do patrono ganha especial atenção na organização dos Museus Históricos e

Pedagógicos. Nota-se mesmo pela redação do Regulamento que eles deveriam ter

vínculos muito fortes com a sede do museu a ele dedicado. Especial atenção deveria ser

dedicada à representação da “vida política e social ao tempo dos respectivos patronos” e

para isso o museu deveria empenhar-se nas tarefas de pesquisa e coleta de objetos que

pudessem “compor o ambiente social respectivo”, reconstituindo-o em todos os setores:

“econômicos, agrícolas, industriais, comerciais, políticos, jurídicos, morais, religiosos,

educacionais, lingüísticos, estéticos, administrativos etc.”.

É preciso salientar que, na época em que foi redigido o Regulamento dos Museus

Históricos e Pedagógicos, somente os quatro primeiros museus haviam sido

implantados em Guaratinguetá, Campinas, Batatais e Piracicaba. Dedicados aos

patronos Presidentes da República oriundos de São Paulo, esses primeiros museus

deveriam coletar objetos, documentos, depoimentos e imagens arrecadados entre seus

moradores e instituições. Nesses moldes, tendo sido esgotadas as representações

republicanas pelas cidades do interior, foram criados outros museus cujos patronos eram

totalmente indiferentes ao contexto local. Foi o caso, por exemplo, de São José do Rio

73 Grifo do autor

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Preto. Ali, em 1958, foi criado o Museu Histórico e Pedagógico D. João VI, onde

certamente seria infrutífera qualquer campanha de captação de objetos que servisse ao

estudo do personagem patrono e sua época.

A idéia de composição de uma rede de museus subordinados ao governo estadual está

presente na organização hierárquica criada pelo Regulamento, mas que já vinha exposta

desde o Decreto nº 26.218 que havia criado os quatro primeiros. A idéia de rede já vinha

desenhada pela organização das comissões que deveriam estruturar a futura rede. Em

seu Artigo 3º, define-se a competência da Comissão Central, que “emprestará unidade e

coordenará os trabalhos e a Comissões municipais que se incumbirão das tarefas locais,

as instalações e manutenção dos Museus Histórico-Pedagógicos, sob chefia e jurisdição

da Chefia de Serviço de Instituições Auxiliares da Escola, do Departamento de

Educação”. As Comissões a que se refere esse artigo seriam designadas pelo Secretário

da Educação por proposta do Diretor do Departamento de Educação. O Artigo 9º do

Regulamento vem especificar a composição dos Conselhos Municipais em 7 membros,

“dos quais 1 indicado pela Câmara Municipal, 1 pela Prefeitura Municipal e 5 – cinco-

pela Secretaria da Educação.”

Mesmo a estrutura organizacional dos museus estava bem definida pelo Artigo 11º do

Regulamento. Ali vinha mencionada até mesmo a configuração futura dos museus,

prevendo-se o seu crescimento. O modelo estipulado pelo Regulamento reproduzia,

grosso modo e guardadas as devidas proporções, a organização do Museu Paulista.

“Os Museus à medida que se desenvolvem, deverão compor-se de a) – Secção de Documentação Histórica, que compreenderá – 1 – Biblioteca, Filatelia, Mapoteca e Estampas; 2 – Arquivo, Documentação Fotográfica, Publicações e Intercâmbio Cultural; b) - Secção de Objetos, que compreenderá: 1 – Porcelanas, Cristais, Móveis e Viaturas; 2 – Jóias, Miniaturas, Prataria, Condecorações, Medalhística e Numismática; c) – Secção de Serviços Auxiliares, que compreenderá: 1 – Administração, 2 – Portaria, 3 – Vigilância, 4 – Oficina de restauração, 5 – Depósito, 6 – Gabinete Fotográfico e 7 – Cadastro” 74

O Decreto nº 30.324, de 10 de dezembro de 1957, o primeiro depois da publicação do

Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos, criava os museus dedicados a

Cesário Mota, em Capivari; dos Andradas, em Santos; de D. Pedro I e D. Leopoldina,

74 Artigo 11º do Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos publicado em anexo o Ato nº 19 de 30 de abril de 1957.

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em Pindamonhangaba; Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em Sorocaba e Monções,

em Porto Feliz. Por ele, podemos verificar o esgotamento dos patronos republicanos e a

inclusão de personagens de outros momentos da História do Estado e do Brasil. Porém,

mantinha-se ainda a rigorosa vinculação histórica do patrono com a cidade sede do

museu a ele dedicado.

Em 1958, pela primeira vez, se utiliza a terminologia “rede de museus” no Decreto nº

33.980 de 19 de novembro de 1958. Com ele também é criada uma classificação que

agrupava os museus por vinculação de seus patronos aos três grandes períodos da

História do Brasil pela ótica do protagonismo paulista. Assim sendo, os museus criados

a partir desse decreto e os outros já instalados se distribuiriam em três categorias:

Museus do Período Colonial, do Período Imperial e do Período Republicano. Sendo

assim divididos:

“Artigo 2º - Os Museus do Período Colonial serão os seguintes, com os patronos e as sedes respectivas: de Martim Afonso de Souza, em São Vicente; de Anchieta, em Itanhaém; de Fernão Dias, em Penápolis; das Monções, em Porto Feliz; do Morgado de Mateus, em Bauru; de D, João VI, em São João do Rio Preto. Artigo 3º - Os Museus do Período Monárquico serão os seguintes, com as respectivas sedes e patronos: dos Andradas, em Santos; de D. Pedro I e D. Leopoldina, em Pindamonhangaba; do Senador Vergueiro, em Presidente Prudente; do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em Sorocaba; dos Voluntários da Pátria, em Araraquara; do Visconde de Mauá, em Mogi das Cruzes; de Afonso e Alfredo de Taunay, em Casa Branca; de D. Pedro II, em Franca. Artigo 4º - Os Museus do Período Republicano serão os seguintes, com as respectivas sedes e patronos: de Prudente de Morais, em Piracicaba; de Rodrigues Alves, em Guaratinguetá; de Campos Sales, em Campinas; de Cerqueira César, em São Carlos; de Bernardino de Campos, em Amparo; de Cesário Mota, em Capivari; de Jorge Tibiriçá, em Jaú; de Altino Arantes, em Ribeirão Preto; de Washington Luís, em Batatais; de Fernando e Júlio Prestes, em Itapetininga; de Fernando Costa , em Pirassununga.”

Foram criados pelo Decreto 33.980 mais 15 museus, sendo 5 dedicados a personagens

históricos do período colonial, quatro, do período Monárquico e seis, do período

Republicano. Além desses, também foram criados os Museus Históricos e Pedagógicos

Cornélio Pires, em Tietê, e Monteiro Lobato, em Taubaté. Esses dois, criados pelo

Decreto 33.909 de 4 de novembro de 1958, foram destinados à “evocação histórica dos

respectivos municípios e ao estudo, preservação e difusão do folclore regional e

nacional (...)”. Portanto, fugiram à classificação baseada nos períodos históricos que

acabara de ser criada para benefício da abertura de novos temas e do estudo de dois

grandes pesquisadores da cultura tradicional paulista tão vinculados às suas cidades de

origem.

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Ao final do ano de 1958, a rede de Museus Históricos e Pedagógicos já contava com 28

museus. Até 1973, outros 51 museus seriam criados, distribuídos eqüanimemente pelo

território estadual, totalizando 79 museus quando da saída de Vinício Stein Campos da

Diretoria do Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo. (MIZAN, 2005:

168).

A bem da verdade, dos 79 museus criados por decreto, 4 deles nunca foram instalados,

27 foram extintos por diversas motivações e em diferentes datas, 42 foram

municipalizados e 6 permanecem sob administração da Secretaria da Cultura do Estado.

Há que se ressaltar, no entanto, que a despeito de serem iniciativas promovidas por uma

política governamental, tais museus somente puderam existir graças à ampla participação das

populações locais doando as peças que vieram a constituir seus acervos e à participação dos

professores da rede pública estadual de ensino, de onde saíram os gestores desses museus.

Professores de História eram deslocados de suas atribuições em sala de aula para dirigi-los.

Fig. 7 – Localização dos Museus Históricos e Pedagógicos no Estado de São Paulo

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Para fomentar e divulgar a cultura dos museus, Vinício Stein cria os cursos itinerantes

dirigidos aos professores da rede pública e particular do Estado de São Paulo. Os

“Cursos de Museologia” eram, na verdade, uma maratona de palestras oferecidas aos

professores reunidos em teatros ou cinemas. Esses Cursos eram ministrados pelo

próprio Vinício Stein Campos e colaboradores. Contavam com o apoio da estrutura da

Rede Estadual de Ensino, que liberava os professores interessados, bem como premiava

com pontuações extras os que obtinham bom aproveitamento. Mediante a apresentação

do certificado de participação no curso, os professores poderiam ascender no quadro de

carreira. 75

Desde 1962, quando foi realizado o primeiro curso na capital, até 1973, foram realizados 134

cursos de Museologia em 93 municípios do interior e foram atendidos 52.296 professores

interessados. (CAMPOS, 1973: 125 vol. II). Vinício Stein fazia verdadeira peregrinação pelo

interior do Estado disseminando seu projeto, encampado pelo Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, do qual era membro. Vislumbravam a criação de um curso de

museologia em nível técnico a ser oferecido pela rede pública de ensino.

Fig. 8 – Curso de Museologia em Andradina (1970). Arquivo Vinício Stein Campos - UPPM – Secretaria de Estado da Cultura de SP..

Fig. 9 – Vinício Stein entrega certificado de participação do Curso de Museus a professor de Porto Feliz – Arquivo VSC - UPPM

75 Conforme correspondência de Vinício Stein ao Diretor do Museu de Itápolis, acertando os detalhes para a realização do curso de Museologia naquela cidade. (Pasta de Itápolis do Arquivo Vinício Stein Campos sob guarda da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo)

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Os planos de Vinício Stein também contemplavam a publicação de uma extensa obra de 11

volumes, intitulada “Elementos de Museologia” que deveria tornar-se obra de referência aos

futuros “museólogos”. Somente os três primeiros desses volumes foram publicados pela

Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo em 1972. Todos os onze volumes, no entanto,

abarcariam os temas fundamentais para o conhecimento do funcionamento dos museus,

como era concebido pelo autor, e estavam assim planejados:

Volume I – História dos Museus (Europa, Ásia e África)

Volume II – História dos Museus (América, Austrália e Suplemento)

Volume III – História dos Museus (Brasil)

Volume IV – Técnica de Museus

Volume V – Numismática Brasileira

Volume VI – Heráldica e Condecorações

Volume VII – Iconografia (Pintura, Escultura e Gravura)

Volume VIII – Arquitetura e mobiliário

Volume IX - Arqueologia

Volume X – Cerâmica e Cristais

Volume XI – Gliptologia e Index76

Até 1968, os Museus Históricos e Pedagógicos foram criados e geridos no âmbito da

então Secretaria de Estado dos Negócios da Educação pelo Serviço de Museus

Paulistas, passando para a alçada da cultura, a partir daquele ano, com a criação da

Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo. Durante a década de 90, os museus passam a

ser geridos pelo Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura, quando

se inicia o processo de municipalização que transferirá para as administrações

municipais 43 desses museus. Outros 27 deles foram extintos, 4 nunca foram instalados

e 6 ainda pertencem à administração estadual.

76 Plano Geral da Obra publicado nas terceiras páginas dos três primeiros volumes impressos.

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Simona Mizan, em sua tese, descreve a situação atual dos Museus Históricos e

Pedagógicos por meio da análise das ações de diferentes agentes que lideraram a

formação e direção desses museus. A estreita ligação com a rede escolar se dava através

da participação de alunos e professores na identificação e coleta de objetos para compor

os acervos, na definição de conduta sobre temas como memória, história e identidade

dos museus, bem como de sua função pedagógica. A comunidade engajada nas ações, as

esferas de poder estadual e local articulados e a influência do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo são alguns desses agentes. (MIZAN, 2005: 132)

O museu passa a compor o cenário cultural da comunidade como um teatro por onde se

exibe o desfile da História e da vida locais. São destinados a destacar, com a exposição

da cultura material, os vultos de seus patronos e o processo de criação e

desenvolvimento histórico do município onde está instalado. O que se observa, no

entanto, são acervos homogêneos entre si, não somente quanto à categoria das coleções,

mas quanto às características dos objetos presentes. A forma de aquisição dos objetos

que integram as coleções e o sucesso da empreita da constituição dos acervos estavam

diretamente ligados ao grau de engajamento dos escolares que participaram desse

processo. E esta era uma idéia cara aos educadores da Escola Nova, que viam a

condição da participação de professores e alunos como primordial na organização social

e formadora da sociedade.

Mais que fruto da pesquisa e do levantamento promovido pelas escolas, o modo de

aquisição se deu preponderantemente por meio de doações espontâneas dos habitantes

adultos da comunidade. Esse dado é relevante, uma vez que revela que as doações

obedecem a motivações aquém do interesse histórico/científico, e que passa por

motivações que enaltecem exclusivamente o valor simbólico desses objetos como

atestado do status sócio cultural do doador. Nesse sentido, o museu concebido como um

espaço de exposição das representações históricas acaba por se conformar a um espaço

de reificação, e a seleção de objetos expostos procura demonstrar um grau de

urbanização da comunidade e as conquistas tecnológicas e materiais de uma parte

menor da população.(MIZAN, 2005: 134)

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A crítica mais contundente aos Museus Históricos e Pedagógicos foi proferida por

Mário Neme, quando era diretor do Museu Paulista entre os anos de 1960 e 1973,

período em que foi contemporâneo do grande avanço que esses museus tiveram pelo

interior do Estado. Mergulhado nas dificuldades de administrar, com orçamento muito

limitado, um museu histórico da importância do Museu Paulista, Mário Neme questiona

a validade de se criar uma série de museus de âmbito municipal, mas com administração

gerida pelo Estado. Para ele, tal política inibiria o surgimento de verdadeiros museus

municipais, contrariando os propósitos da iniciativa. Mais eficiente, segundo Neme,

seria a redução do número de museus geridos pelo Governo Estadual para cinco ou seis

museus regionais. Seus acervos poderiam abarcar aspectos históricos e geográficos,

economia, costumes, artes e técnicas populares da região onde fossem instalados,

desempenhando concomitantemente o serviço de propagador da cultura museológica e

prestando assistência técnico-científica aos “verdadeiros” museus municipais que

viessem a ser criados. (NEME, 1964: 13)

Essas observações de Mário Neme, criticando aspectos fundamentais da constituição

desses museus, acabaram por ser reproduzidas nos decretos do Governo do Estado, a

partir da década de 90, que transferiram para a alçada municipal a gestão e criação de

seus próprios museus, permanecendo sob a administração estadual não mais que seis

museus situados em municípios distribuídos geograficamente descentralizados.

3.3. - A MUNICIPALIZAÇÃO DOS MUSEUS HISTÓRICOS E

PEDAGÓGICOS Dessa forma, dos setenta e nove museus criados até 1973, durante a gestão de Vinício

Stein Campos, somente seis permanecem sob a administração direta da Secretaria de

Estado da Cultura do Estado de São Paulo. São os Museus Históricos e Pedagógicos:

Conselheiro Rodrigues Alves, de Guaratinguetá; Bernardino de Campos, de Amparo;

Prudente de Moraes, de Piracicaba; Monteiro Lobato, de Taubaté e Índia Vanuíre, de

Tupã. Além desses, o Museu Casa de Portinari, da cidade de Brodósqui, criado nesse

período na casa onde nasceu e cresceu o artista, permanece administrado pelo Estado.

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Em 1973, foi criado o último Museu nesses moldes, na cidade de Itapira. Foi o Museu

Histórico e Pedagógico Comendador Virgolino de Oliveira, que deve seu nome ao

homenageado industrial itapirense. Vinício Stein Campos permaneceu na direção do

Serviço de Museus Históricos (SMH) da Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo até

1976. Desde essa data até 1986, ele dirigiu informalmente a rede de Museus Históricos

e Pedagógicos (MIZAN, 2005: 257). Nesse ano, o governo paulista inverte a orientação

de sua política cultural em relação a esses museus. Com a publicação do Decreto 24.634

de 13.01.1986, criou-se o Sistema de Museus do Estado de São Paulo. Trata-se de um

órgão colegiado, subordinado diretamente ao Secretário de Estado da Cultura e que teria

por finalidade a gestão, coordenação e fomento da cultura museológica no Estado.

Entretanto, entre uma de suas atribuições, tratadas em seu Artigo 2º e especificada no

inciso IV, estava a idéia de “promover a adoção de medidas visando à gradual

municipalização de museus estaduais localizados no interior do Estado”.

O Sistema Estadual de Museus deveria ser constituído por um Grupo de Conselheiros

com larga representação e um Grupo Técnico de Coordenação do Sistema. Além dos

museus de propriedade do Governo Estadual, o Sistema abria-se para a participação de

entidades municipais e privadas, situadas no Estado, que desejassem participar de uma

política integrada. Visava a um trabalho conjunto para o aprimoramento e

desenvolvimento das atividades no campo da museologia, trabalhos coordenados e

fomento da cultura dos museus. O Artigo 11º, porém, reduzia o passo para a

implantação da medida, deixando claro que a implantação do Sistema ficava

condicionada às disponibilidades orçamentárias e financeiras; dessa forma, a ação

perdeu calor nas sucessivas administrações do governo estadual.

Passados mais de vinte anos depois da criação e implantação do último Museu Histórico

e Pedagógico em 1973, o Governo de São Paulo publica em 1994 o decreto nº 38.947

que transfere para a alçada dos municípios a administração dos bens e acervos desses

museus. Tal providência se verifica após findarem os trabalhos do Projeto de

Revitalização dos Museus do Interior vinculados ao Departamento de Museus e

Arquivos da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo77.

77 Projeto levado a cabo pelo DEMA-SEC, em 1988, composto de dois volumes: vol. 1- Análise do Diagnóstico e vol. 2 – Propostas. (MIZAN, 2005: 144)

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A última reorganização da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo é

recente. É regida pelo Decreto 50.941 de 05.07.2006 que redefine a estrutura funcional

da Secretaria e seus agentes nos diversos setores. Em seu Artigo 13, define a Unidade

de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM. Essa Unidade herdou os encargos

do antigo Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura (DEMA-SEC),

e é a Unidade encarregada de gerir o Sistema de Museus do Estado.

Foi estruturada em três grupos de apoio. Além do Núcleo Administrativo, é constituída

pelo Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico e pelo Grupo Técnico de

Coordenação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo. Esse mesmo Decreto

define as atribuições do Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico. Conforme

explicitado pelo Artigo 51, Iniciso VIII, dentre outras atribuições regulamenta seu papel

disciplinador e gestor dos Museus do Estado em processo de municipalização. Está

entre suas atribuições, em casos de municipalização, estabelecimento de parcerias com

os municípios, extinção ou desativação dos museus estaduais:

“a) equacionar os procedimentos técnico-administrativos relacionados à transferência do acervo, nos casos citados;

b) determinar as responsabilidades sobre a gestão que serão transferidas, em caso de parcerias com municípios;

c) determinar o agente municipal, público ou privado, ao qual caberá a gestão local do museu, nos dois primeiros casos;”78

O mesmo Artigo, em seu parágrafo único, define a constituição dos museus que

estariam na abrangência do Decreto:

“Para os fins deste decreto, consideram-se entidades museológicas os equipamentos culturais caracterizados como instituições permanentes, com acervos abertos ao público para finalidades de estudo, pesquisa, educação, fruição e deleite, e que possuam um quadro de pessoal adequado ao seu funcionamento.” 79

O Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de Museus, por sua vez, é definido pelo

Artigo 9º do Decreto 24.634 de 13.01.1986, que cria o próprio Sistema de Museus. O

mesmo formato do Grupo Técnico foi mantido na atual reformulação da Secretaria,

78 Fonte: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo através do site: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/integra_ddilei/decreto/2006/decreto%20n.50.941,%20de%2005.07.2006.htm Página acessada em 03.10.2008 às 11horas 79 Fonte: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo através do site: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/integra_ddilei/decreto/2006/decreto%20n.50.941,%20de%2005.07.2006.htm Página acessada em 03.10.2008 às 11horas.

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mantendo-se suas atribuições. Cabe ao Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de

Museus do Estado de São Paulo, segundo aquele Decreto:

I – providenciar a celebração de convênios entre o Governo do Estado, por sua Secretaria da Cultura, e entidades, públicas e privadas, municipais, estaduais, nacionais ou internacionais, visando atingir os objetivos do Sistema;

II – administrar os convênios de que trata o inciso anterior e acompanhar o cumprimento de seus objetivos;

III – equacionar, em cada caso de museu estadual a ser municipalizado, os procedimentos técnico-administrativos dessa transferência, o nível em que tal transferência ocorrerá, bem como o agente Municipal, público ou privado, ao qual caberá a gestão local do museu;

IV – manifestar-se, previamente, sobre a concessão de recursos da Pasta aos museus existentes no território do Estado;

V – manter cadastro geral atualizado dos museus do Estado;

VI – elaborar programas de divulgação das atividades do Sistema;

VII – elaborar e divulgar padrões e procedimentos técnicos que sirvam de orientação aos responsáveis pelos museus;

VIII – produzir textos e publicações de interesse da área museológica;

IX – promover a realização de cursos de capacitação e aperfeiçoamento técnico de recursos humanos na área museológica;

X – promover a organização de eventos culturais e educativos pertinentes aos museus;

XI – colaborar com o Conselho de Orientação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo no desempenho de suas atribuições, especialmente nos aspectos relacionados à política de aplicação de recursos para a área museológica.

Este último inciso torna-se sem efeito com a vigência da nova reestruturação da

Secretaria da Cultura, pois extingue o Conselho de Orientação do Sistema de Museus.

Após a publicação do Decreto 50.941 de 5 de julho de 2006, somente o Grupo Técnico

foi mantido.

Com a criação do Sistema Estadual de Museus em 1986, está presente pela primeira vez

a indicação de uma política de descentralização da administração dos Museus Históricos

e Pedagógicos. Presente na redação do texto que decretava a criação do Sistema pelo

governo de Franco Montoro, a idéia vem no bojo das políticas de redemocratização do

país, no fim da ditadura militar em 1985, com o trabalho dos primeiros mandatos dos

governadores eleitos pelo voto direto. O tema já havia sido abordado pelas críticas de

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Mário Neme, no início da década de 60, à rede de Museus Históricos e Pedagógicos que

estava sendo implantada pelo Governo do Estado. Defendia Mário Neme que

verdadeiros museus municipais só poderiam ser criados e geridos no âmbito do

município e que empreendimentos como aqueles só fariam retardar o surgimento de

verdadeiros museus locais.

Waldisa Rússio 80 também defendia a idéia da municipalização desses Museus e,

concordante com as posições de Mário Neme, sugeria a estruturação de uma política de

cultura para os museus, embasada na municipalização dos Históricos e Pedagógricos, e

a manutenção nas mãos do governo estadual de outros museus estrategicamente

distribuídos pelo território paulista. Estes teriam por sua vez a incumbência de

assessorar os museus municipais de sua região.

Em seminário realizado em maio de 1974, dentro do programa de Seminários

Permanentes do Museu da Casa Brasileira, Waldisa publicou seu texto “Algumas

Considerações sobre uma Política Cultural para o Estado de São Paulo” em que tece

algumas propostas. Entre elas, propõe: “a revisão do conjunto de museus do Estado; a

criação ou transformação de alguns museus municipais em museus regionais, sob a

tutela e manutenção do estado; a entrega dos Museus Históricos e Pedagógicos aos

municípios que possam sustentá-los e dinamizá-los, para que possam ‘realmente se

tornar museus municipais’, aos quais o Estado deverá prestar efetiva assistência técnica

permanente; a devolução à rede escolar, e, portanto, à Secretaria da Educação dos

museus chamados históricos e pedagógicos que se verifique constituírem museus

escolares, ou seja, de mera complementação pedagógica ao ensino formal: a

sistematização da chamada rede de museus do Estado; a manutenção de programa

intersetoriais com a Secretaria de Educação e com as universidades, com vistas à

formação profissional de técnico de nível médio e universitário para os museus”

(RÚSSIO, 1974: 27)

Efetivamente, com a criação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo em 1986,

inicia-se uma inflexão na política estadual para os Museus Históricos e Pedagógicos.

80 Waldisa Rússio (1935-1990) integrou o Grupo Técnico do Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo entre os anos de 1976 e 1978 e participou de um levantamento técnico sobre a situação dos museus do Estado (Mizan, 2005: 134)

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Será gestada no âmbito da Secretaria de Cultura do Estado a série de decretos do

executivo estadual que, ainda em curso, procura promover a total transferência para o

âmbito municipal da responsabilidade da gestão e da promoção de políticas culturais

para esses museus.

O Estado promoveu um processo de “patrimonialização” dos acervos dos Museus

Históricos e Pedagógicos ancorado no levantamento iniciado a partir de 1982 e que

transferiu para a Fazenda estadual o patrimônio de seus acervos, estimado em 100.000

itens. O Projeto de Revitalização dos Museus do Interior vinculados ao Departamento

de Museus e Arquivos da Secretaria de estado da Cultura de São Paulo, em 1988, serviu

como base para a elaboração do texto do Decreto nº 38.947 de 1994, que propõe pela

primeira vez a transferência para os municípios dos acervos desses Museus (MIZAN,

2005: 144)

Reza o preâmbulo do decreto assinado pelo então Governador de Estado Luís Antônio

Fleury Filho, que justifica a ação de transferência:

Considerando a atual política descentralizadora do Estado visando a efetiva co-participação técnico-administrativa das instituições culturais;

Considerando a relevância da interiorização da cultura e a valorização das manifestações populares que se consolidam, originando verdadeiras tradições locais;

Considerando que a natureza dos acervos dos Museus Históricos e Pedagógicos pertencentes à Secretaria da Cultura traduzem, em sua maior parte, características das culturas religiosas e locais;

Considerando que as comunidades locais, em razão da proximidade e facilidade de acesso, detêm maior interesse em zelar, conservar e ampliar os acervos já existentes nos Museus Históricos e Pedagógicos localizados no interior do Estado;

Considerando que apesar de criados, muitos Museus Históricos e Pedagógicos ainda não foram instalados;

Considerando que os municípios onde se acham situados os museus que ora se pretende municipalizar foram consultados e anuíram expressamente às indagações formuladas;

Considerando os princípios norteadores do Decreto nº 24.634, de 13 de janeiro de 1986, e especialmente as conclusões emanadas pelo Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo, no sentido de uma gradual municipalização dos museus estaduais localizados no interior do Estado,

O decreto, acompanhado de três anexos, estabelece o modelo de convênio entre Estado

e Prefeituras no que tange às futuras responsabilidades de cada um na gestão desses

museus. Os museus municipalizados permaneceriam no Sistema de Museus e obteriam

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do Departamento de Museus e Arquivos do Estado orientação técnica, promoção de

intercâmbios, consultoria em projetos museológicos, formação continuada de pessoal

técnico e demais assessorias que visassem ao perfeito funcionamento dessas casas. Ao

município, caberiam as despesas e as responsabilidades com as instalações e

manutenção do edifício, contratação do pessoal a serviço no museu “preferivelmente de:

um museólogo, um historiador, um pesquisador, um orientador pedagógico, um

escriturário e um monitor”. Os anexos ao decreto traziam a relação de museus com os

quais a Secretaria da Cultura do Estado poderia firmar convênios visando à

transferência patrimonial (anexo II), relação de museus a ser extintos (anexo III) e o

modelo de contrato a ser firmado em Estado e municípios para efetivação da

transferência (anexo I).

O Decreto Nº 39.395 de 19 de outubro de 1994 apenas corrige as listas de museus

apresentadas pelos anexos II e III do Decreto nº 38.947.

Seis anos depois, em 03/03/2000, o governador Mário Covas publica o Decreto nº

44735, que autoriza a doação, a municípios paulistas, dos acervos dos museus

pertencentes à Secretaria da Cultura localizados no interior do Estado. Justifica as

medidas expressas pelo decreto destacando a identidade histórica e artística dos acervos,

a necessidade de maior integração dos equipamentos museológicos com as

comunidades, a integração desses acervos ao patrimônio público municipal para que ali

permaneçam definitivamente e o interesse manifestado pelos municípios. Também

considera os aspectos técnicos e funcionais aferidos pela área museológica da Secretaria

da Cultura e a permanência dos museus municipalizados no Sistema Estadual de

Museus, recebendo orientação técnica necessária do Grupo Técnico.

O decreto não especifica nenhuma contrapartida orçamentária de ajuda para que os

municípios pudessem gerir e, menos ainda, investir na melhoria dos museus. Mesmo

assim, enumera, em Anexo, 41 museus a terem seus acervos doados e municipalizados.

Vinte e um a mais que o decreto de 1994. Com efeito, o Decreto de 2000 procura

contornar os entraves que vinham arrastando o processo de transferência da gestão dos

museus para os municípios, procedimento que se verificou ineficaz, oferecendo os

acervos em doação.

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Novos entraves legais se interpuseram, obrigando o Governo Estadual em 18 de março

de 2008 a enviar à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 172 que estabelece novos

medidas para atender aos ditames do artigo 272 da Constituição do Estado e da Lei nº

9.475, de 30 de dezembro de 1996, que regem os procedimentos de

transferência de bens públicos estaduais. O Projeto de Lei permanece

tramitando na Assembléia Legislativa, alimentando debates e suscitando

emendas como a do deputado Roberto Felício, que propõe o acréscimo de artigo

obrigando a Secretaria da Cultura a repassar a verba prevista no Plano

Plurianual 2008/2011 aos municípios, verba esta destinada à manutenção dos

museus sob a tutela daquela Secretaria.

Na Mensagem do Governador nº 12/08, que apresenta o Projeto de Lei 172,

estão expressas brevemente as razões que explicam o fato desse processo de

municipalização dos museus se arrastar desde 1994, quando saiu o primeiro

decreto com esse intuito. Diz a Mensagem assinada pelo Vice Governador em

Exercício Alberto Goldman:

“(...)o Decreto nº 38.947, de 26 de julho de 1994, autorizou a celebração de convênios para a transferência, aos municípios, da administração dessas instituições. Todavia, como a mera gestão desses equipamentos culturais não se mostrou bastante, e em reconhecimento aos esforços já empreendidos com vistas à sua composição, manutenção e disponibilização ao público, sobreveio o Decreto nº 44.735, de 3 de março de 2000, que dispõe sobre a doação dos acervos e bens móveis dos museus estaduais, na forma e nas condições especificadas.

Trata-se, agora, de consolidar a política de municipalização dos museus paulistas, mediante adoção de providência que permita a integração ao patrimônio dos municípios, em caráter definitivo, dos bens culturais que compõem o acervo das unidades museológicas do Estado instaladas em seus territórios.” 81

Pelo conteúdo e pelo suceder dos decretos estaduais, podemos perceber que a

matéria não é bem quista nem pela burocracia estadual e nem pelos governos

municipais, despreparados para dar continuidade condizente à gestão dos

Museus Históricos e Pedagógicos. Promover seu desenvolvimento no âmbito

municipal passaria obrigatoriamente por amparar financeiramente e

81 Fonte: Site da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/BuscaSPL?vgnextoid=edf5230a03a67110VgnVCM100000590014acRCRD&method=searchExt&UTFEncoded=true&texto=projeto+de+lei+172+2008 Página acessada em 27.10.2008 às 16h30 min.

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tecnicamente as prefeituras, numa proposta de gestão compartilhada, o que não

parece ser a iniciativa dos governos estaduais que se sucederam.

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Capítulo IV

OS MUSEUS EM PEQUENAS CIDADES PAULISTAS

O Estado de São Paulo tem 646 Municípios82, dentre o quais 524 têm menos de 50 mil

habitantes. Somadas, atingem o número de 6.909.100 habitantes o que representa 17,5%

da população total do Estado. Esses pequenos municípios estão bem distribuídos por

todas as regiões do interior, litoral e mesmo presentes na grande região metropolitana

centralizada pela capital, caso dos municípios de Vargem Grande Paulista, Rio Grande

da Serra, Pirapora do Bom Jesus e outros.

Dentre os 524 municípios com menos de 50 mil habitantes, somente uma pequena

parcela deles (19%) têm um ou mais museus, ou seja, 100 municípios possuem120

museus. Estes municípios estão distribuídos pelas regiões do Estado de São Paulo da

seguinte maneira: 21 municípios na região de Ribeirão Preto, 17 municípios da região

de Bauru, 14 municípios da região de Campinas, 9 municípios em cada região de

Sorocaba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente, 8 municípios na região de São

José dos Campos, 7 municípios na região de Registro, 3 municípios na região de

Araçatuba, 2 municípios da Grande São Paulo e um município localizado no litoral.

Uma primeira categorização que se pode depreender, por meio da apreciação mais

imediata de seus acervos, é a distinção entre os museus, cujos acervos foram sendo

reunidos não por um programa pré-determinado, mas senão pela intenção de promover

um espaço de culto da memória, em contraposição aos museus que desde o projeto

inicial visavam à abordagem de um tema específico. Aqui chamaremos os primeiros de

museus históricos, para distingui-los dos museus temáticos.

Dentre os 120 museus pesquisados, 85 deles encaixam-se na categoria de museus

históricos e 35 deles na de museus temáticos. Vale ressalvar que, a rigor, todo museu é

fruto de uma intenção de cultura da memória e, nesse contexto, todo museu é histórico.

Porém, para efeito de análise e compreensão das iniciativas que em pequenos núcleos

urbanos se propõem a construir esses locais de rememoração, designamos museus

82 Fonte: Fundação Sistema de Análise de Dados - SEADE. Levantamento de 2005.

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históricos aqueles espaços destinados ao estímulo sensorial dos objetos do passado a

fim de se apreender aspectos do conhecimento histórico de seu meio social. De

temáticos, chamamos as propostas museológicas cuja especificidade determina o

alcance de seu acervo e até certo ponto restringe seu universo de atuação.

4.1. - MUSEUS HISTÓRICOS E/OU MUSEUS DE ARTE

A moderna configuração de museu histórico e principalmente das formas de exposição

remontam à França do final do século XVIII e início do século XIX, quando surgiram

inovações expositivas, como o ordenamento cronológico dos objetos obedecendo à sua

evolução, coerente com um projeto de museografia. A galleria progressiva organizada

por Alexandre Lenoir é responsável por trazer a cronologia como elemento de

significação à exposição museológica, com a criação do Musée des Monuments

Français em 1795. A outra inovação na exposição museológica, ocorrida 20 anos

depois, surge na época da montagem da sala Chambre de Françoir I no Musée de

Cluny por Alexandre du Sommerard, que fez a ambientação de um antigo aposento do

rei, com todo o mobiliário e todo o luxo dos panejamentos, armas e objetos pessoais,

fazendo parte da exposição sobre um período histórico da França do início do século

XVI . (MENESES, 1994: 15)

O modelo de museu histórico no Brasil descende mais do modelo americano do que do

europeu. Nos Estados Unidos, sob influência dos iluministas europeus, os museus são

parte de uma série de ações que busca a efetivação de um projeto de nação. Para nossos

museus, a existência dos museus de História Natural, onde a Antropologia entra por

estreita afinidade e a História ganha seu papel contribuindo com seu caráter “evocativo

e celebrativo”83, serviu de ponto de partida.

83 O professor Ulpiano aponta a similaridade evolutiva entre os museus brasileiros e os norte-americanos. Estes, descendendo do iluminismo europeu, acrescentam aspectos muito próprios da terra nova em busca da formação de seus cidadãos ao conhecimento e à valorização de seus ideais republicanos. Educação popular, profissionalismo nascente nas ciências e nos museus, a existência de sociedades históricas e arquivos, bem como a tecnologia como um bem em crescente valorização fazem a distinção do modelo americano que almejávamos.

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Somente na década de 20 é que passa a existir mais claramente a distinção do museu

histórico como uma “categoria” de museu e é certo que o acervo desses museus colhido

empiricamente dentro do espaço social a que pertencem é elemento decisivo para essa

categorização. É o objeto colecionado, o semióforo da expressão criada por Krzstof

Pomian (1978: 3-54) que dará o caráter histórico ao museu e não o contrário. Por outro

lado, ressalta-se que essa afirmação não nega a atribuição essencial dos museus em

geral, que é de validar e dar sentido aos objetos.

De qualquer maneira, o conceito ainda vigente é de que museus históricos se ocupam de

“objetos históricos”. E essa determinação, no caso dos museus locais, deve-se em

grande medida aos critérios do colecionador desses objetos e seus conhecimentos,

socialmente reconhecidos, que dão sentido e importância para cada peça. Isso também

contribui para que esses museus sejam museus de objetos (cultura material) menos que

museus de tecnologias, métodos e idéias. Métodos e tecnologias vêm subentendidos e

trabalhados num segundo plano. A visualidade e, mais que isso, a materialidade dos

objetos é que fazem a ancoragem de sua importância histórica e de seu valor como

documento.

O caráter histórico, porém, não pode ficar exclusivamente dependente dos mesmos

critérios e conhecimentos que geraram as coleções. Outros cruzamentos devem fazer

parte da montagem e do desenvolvimento de acervos dos museus históricos. O

cruzamento das informações advindas de diferentes abordagens sobre uma mesma

quantidade de objetos ou, por outro lado, diferentes objetos que confirmem a tese de

uma abordagem, deve fazer parte da dinâmica de constituição do acervo e

principalmente da elaboração de exposições históricas.

Dentre os museus históricos levantados (85), um grande número deles (49) agrega em

seus acervos obras de arte (pintura e escultura) par a par com “objetos históricos”. Essa

licença está mais relacionada a uma cultura da visualidade que à valorização do fazer

artístico e da arte e suas técnicas como conhecimento histórico. Mesmo porque grande

parte das obras de arte integradas a esses museus são reproduções de fotografias

ampliadas na tela e coloridas em diferentes técnicas, segundo critérios quase

exclusivamente subjetivos. São contribuições à visualidade dos fatos e lugares

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históricos, destinados a atrair o interesse do visitante e a sensibilizá-lo, com inegável

perda do rigor para uma abordagem histórica.

Cabe aqui ilustrar a difícil convivência entre objetos históricos e obras de arte no âmbito

de um museu histórico. Num museu de arte, uma obra de arte está inserida num

contexto de história dos temas (iconografia), das técnicas, das formas e das idéias que

nutriram os movimentos artísticos e estéticos sem sejam explorados sistematicamente

esses elementos que denotam o modus vivendi da sociedade onde tais obras foram

criadas. Já num museu histórico, telas e esculturas tendem a ser valorizados como

documentos iconográficos de eventos ou processos históricos, sem a sua valorização

como produto artístico. Foi para preservar sua importância artística que 14 telas de

importantes artistas que integravam o acervo do Museu Paulista foram transferidas para

a então nascente Pinacoteca do Estado (um museu de arte), no início do século XX.

As obras de arte cumprem outras funções que podem ser muito bem exploradas no

museu histórico. Cada obra é um veículo, um documento posto à nossa disposição, que

carrega indícios de como se pensava nos moldes da época em que tais obras foram

produzidas. Exemplo reluzente é a tela “Fundação de São Vicente” de Benedito Calixto,

produzida em 1900, exposta no Museu Paulista, e que nos é muito útil, não pela

composição histórica e visual daquele momento em 1532, mas como “veículo do

imaginário da virada do século XIX, relevante para o conhecimento de conceitos

oitocentistas e representações que se reportam à cidade, território, instituições,

colonização, relações inter-éticas etc”. (MENESES, 1992: 22-25)

4.2. - OBJETOS E UTENSÍLIOS Utensílios domésticos, armas e instrumentos de trabalho e lazer são outras categorias de

objetos muito presentes nos museus levantados e que merecem apreciação detalhada.

Um amplo espectro de significados pode ser a eles associado e que, no entanto, na

grande maioria dos casos, são expostos pura e simplesmente por serem objetos antigos,

desvinculados de um contexto sócio cultural de uso.

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Primeiramente, cabe destacar a necessidade das diferentes abordagens a que o museu

deve se propor. É demasiado limitante que tais objetos sejam submetidos a uma única

linha de exploração que lhes atribua um significado oficial em detrimento da riqueza de

interrelações que possam vir a ter com outros objetos. Um aparelho de rádio, produzido

na década de 40 é um “semióforo” da tecnologia empregada, mas também uma proposta

de design, um ícone da cultura de massa ou um símbolo de status para seus possuidores

na época etc. Esse rádio, portanto, pode muito bem ser aproveitado e integrar diferentes

exposições em que cumpra papéis variados.

A exposição, dessa forma, é o campo fecundo a permitir essa variação de significados

que podem ser atribuídos aos objetos. Um dilema, porém, pode se fazer presente: o

objeto seria auto-suficiente para dizer tudo de si, dentro de uma exposição? Mesmo que

esteja ricamente relacionado com os demais objetos, é questionável que prescinda de

suportes complementares como textos, fotos ou gráficos estatísticos que o auxiliem na

compreensão de seu papel naquele instante e lugar. Do contrário, se poderia cair na

mera fetichização do objeto, estruturado em si mesmo e desarticulado da riqueza de

conhecimento de suas potencialidades. Deve-se tomar cuidado para que os objetos não

sejam “ilustrações” das legendas, ou personagens de longos textos, sendo estes os

verdadeiros protagonistas das exposições. A contemplação reflexiva deveria ser a razão

da existência das exposições e o acervo, a sua base de apoio.

4.3. - CONTEXTUALIZAÇÃO

A contextualização muitas vezes é confundida com reconstituição de época no ambiente

do museu. Tal reconstituição de época só pode ser aceita como uma das muitas

possibilidades de fazê-lo. Desse modo, tornam-se inócuos certos procedimentos

museológicos que visam ao cenário original ou, pior ainda, torna-se falso como conceito

de realidade original. Ao se fazer uma exposição, também se estará fazendo história. O

mundo do museu é necessariamente o mundo do historiador, que “assim como o mundo

do cientista não é uma cópia fotográfica do mundo real, mas antes um modelo funcional

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que lhe possibilita mais ou menos eficazmente compreendê-lo e dominá-lo” (CARR,

1961: 87).

Os frutos das pesquisas não podem representar toda a complexidade da realidade de

qualquer época.. Por isso, trabalhos de restauro, museografia ou a mais bem

contextualizada das exposições jamais conseguirão abolir a distância entre a realidade e

a representação. Como afirma Nestor Canclini, toda e qualquer exposição que se valha

de objetos, será sempre uma exposição que “fala sobre” eles. Não devemos ter a

pretensão de querer que “falem por si”, ou que resguardem toda a complexidade da

realidade em que primordialmente foram inseridos. O museu e qualquer política

patrimonial devem tratar os objetos, os edifícios e os costumes de tal modo que, mais

que exibi-los, torne as relações entre eles inteligíveis, propondo hipóteses sobre o que

significam para aqueles que, hoje, os observam. (CANCLINI, 1989: 189).

4.4. - FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO HISTÓRICO O século XX foi pródigo em produzir imagens. Tudo se tornou acessível aos nossos olhos,

até o que antes era somente imaginável. Foi o momento em que a visão tornou-se o nosso

principal canal de comunicação com a realidade da cultura, nosso sentido mais explorado.

Ver tornou-se nossa mais importante arma de defesa para a sobrevivência na metrópole,

violenta, mergulhada no caos sonoro, rápida e grande demais para as proporções do corpo

humano. A visão nos permitiu sobreviver nas cidades inchadas do século XX por que antevê

com precisão e maior distância o nosso espaço de estar em segurança. Garantiu a

possibilidade de atravessarmos uma avenida na faixa de pedestre ou de dirigir um automóvel

à velocidade de 100 Km/h monitorando os obstáculos que estão até 30 metros a nossa frente.

A visão permitiu que, num deslocamento corriqueiro ao longo de uma grande avenida,

pudéssemos ser bombardeados por uma quantidade tão grande de informações que um

homem na Idade Média não receberia durante toda a sua vida.

Meios de expressão visual mecanizados como a fotografia e o cinema, surgidos no século

XIX, chegaram às mãos do cidadão comum, urbano, no século XX. Os inventos foram

ganhando derivações e aperfeiçoamentos técnicos inimagináveis para seus inventores. Novas

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tecnologias se juntaram de maneira que hoje podemos ver, por meio da tradução em luz

visível, os raios de luz invisíveis provenientes de pontos remotos do universo aonde nunca

chegaremos. Técnicas avançadas na produção de imagens permitiram que pudéssemos

enxergar o invisível. Além disso, podemos ver o feto em gestação, manipular as células para

sua concepção, podemos ver a imagem de vírus, das moléculas e dos átomos e suas

partículas. Conforme os meios de produção de imagens, sons e informação foram sendo

popularizados, ao longo da primeira metade do século XX, ampliou-se enormemente a nossa

capacidade de registro de imagens, idéias e planos tanto por profissionais de diversas áreas

no exercício de seu trabalho, como por indivíduos interessados no registro de um evento,

lugar, pessoa ou obra.

Durante os trabalhos de pesquisa e levantamento, pudemos constatar a existência de uma

quantia enorme de documentos e registros de manifestações artísticas, de interesse histórico

e cultural, em pelo menos 45 museus. Coleções de fotos, filmes, jornais e revistas que

documentaram, profissionalmente ou não, a vida das cidades.

Tanto essas coleções existentes nos museus pesquisados, como os acervos em mãos de

colecionadores particulares podem ser reunidos e acolhidos, receber tratamento voltado ao

interesse social e ser divulgados como produto cultural de um povo. Esse patrimônio ainda

não plenamente levantado ou avaliado pode tornar-se produtiva fonte de pesquisa e

documentação.

O trabalho dos museus deverá criar a interface entre os diversos acervos e coleções de meios

visuais com os públicos interessados, estabelecendo uma relação propícia e incentivadora

para a divulgação do conceito de Memória e sua importância na vida, formação e

transformação de nossas cidades.

A fotografia, como todo registro documental visual, é uma possibilidade de veículo de

sentido. Ao discutir a interpretação iconológica das fotografias, tendo como orientação a

metodologia para análise de imagens desenvolvida por Panofsky84, o Prof. Boris Kossoy

alerta para os perigos de se buscar uma “reconstituição da realidade passada” na medida em

que:

“A fotografia ou conjunto de fotografias não reconstituem os fatos passados. A fotografia ou um conjunto de fotografias apenas congelam, nos limites do plano da imagem, fragmentos desconectados de um instante de vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbana e rural. Cabe ao intérprete

84 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 1979

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compreender a imagem fotográfica enquanto informação descontínua da vida passada, na qual se pretende mergulhar.” (Kossoy, 2001: 114)

Aos museus cabe a promoção da utilização do material por professores, alunos,

pesquisadores, artistas e outros profissionais interessados em trabalhar com a história do

núcleo urbano em que estão inseridos.

4.5. - O MUSEU COMO ESPAÇO DE RECONHECIMENTO

Dos Museus Históricos e Pedagógicos instalados em cidades paulistas com menos de 50 mil

habitantes85 conta-se 21 do total de 79 já criados. Para efeito de estudo desses museus foi

destacado o Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão do município de Itápolis

(38.633 hab.).

A situação atual do Museu de Itápolis parece dar razão às críticas de Mário Neme à

forma como foram implantados os Museus Históricos e Pedagógicos no Estado de São

Paulo 86. Municipalizado em 2001, o museu de Itápolis sofre com a falta de direção e

seu rico acervo estimado em 5.000 peças encontra-se a espera de um trabalho

museológico que lhes dê sentido. O museu não dispõe de quadro de pessoal permanente.

Conta com o trabalho temporário de 4 estagiários, estudantes universitários, que

auxiliam na visitação de estudantes oferecendo um muito limitado serviço de

monitoria.87

Mas, contrariando a argumentação de Mário Neme, o Museu de Itápolis nasceu a partir

de uma solicitação do Prefeito Municipal, como atesta o ofício datado de 19 de junho de

1965 dirigido ao Secretário de Estado dos Negócios da Educação. Nele o prefeito

solicita “a especial gentileza de determinar ao órgão competente dessa Secretaria,

estudos que se fazem necessários para instalação, nesse município, de um Museu

Histórico e Pedagógico, para que a população itapolitana possa receber, em

85 Fonte IBGE. Contagem da população 2007 através do site: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Página visitada em 07.11.2008 às 13:00 hs. 86 Ver NEME, 1964: 13. 87 Visita técnica em 03.05.2007

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conhecimentos, os benefícios que advirão da medida” 88. Fica claro que a Prefeitura

local não se punha em condições de, sozinha, desenvolver o projeto para implantação do

museu e que o consórcio com o governo do estado se revelava necessário.

Nota-se, portanto, que a expansão da Rede de Museus Históricos e Pedagógicos, em

meados da década de 60, não era unicamente o prosseguimento de uma estratégia

unilateral do governo estadual. No mesmo ofício, o prefeito solicitante esclarece que

“para facilidade dos estudos, que esta municipalidade se dispõe a fornecer, sem ônus

para essa Secretaria, as acomodações necessárias para os fins em vista.” 89

Um aspecto bastante pitoresco do trabalho dos Museus Históricos e Pedagógicos estava

na obrigatoriedade do culto ao papel histórico de seus patronos e mesmo na criação de

acervo referente a esses patronos. O patrono, portanto, deveria ter estreita relação com o

município sede do museu, de onde poderia advir objetos em doação, documentos e

outros objetos de cultura material que pudessem testemunhar sua vida e obra. No caso

do Museu de Itápolis chegou-se à escolha de Alexandre de Gusmão por um caminho

bastante tortuoso. O perímetro do município é cortado pela imaginária barreira do

meridiano de Tordesilhas, limite entre as terras americanas de Portugal e Espanha. Essa

fronteira política vigorou até a metade do século XVIII, e foi tão emblemática para os

historiadores da saga dos bandeirantes por terem sido os responsáveis por sua

transposição e anexação da grande extensão que integrava a América espanhola ao

território brasileiro. Coube a Alexandre de Gusmão, nascido em Santos em 1695, o

importante trabalho diplomático prestado à coroa portuguesa que culminou com a

assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Nesse tratado se reconheciam portuguesas as

terras exploradas e habitadas pelos descendentes daqueles desbravadores.

Obviamente distante de qualquer traço material que remetesse à figura histórica de

Alexandre de Gusmão, o Museu de Itápolis teve de contornar essa lacuna com a criação

de um acervo de reproduções da iconografia disponível, retratos e fac-símiles

publicados em fascículos, medalhas comemorativas, cópia de documentos e de trabalhos

historiográficos sobre o patrono. Essa era mesmo uma exigência do Serviço de Museus

88 Ofício do Prefeito Municipal Emílio Mucari ao Secretário Estadual dos Negócios da Educação Ataliba Nogueira. 89 Idem, Ibidem.

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Históricos constantemente cobrada aos dirigentes dos museus. Vigorava ainda uma

orientação de uma historiografia que cultivava o personagem, o vulto heróico, como

protagonista do processo histórico. 90

A direção exercida pelo Serviço de Museus Históricos sobre os Museus Históricos e

Pedagógicos ia além do trabalho restrito do cotidiano do museu. Bastante ilustrativa é a

resposta do museu a uma solicitação do CONDEPHAAT. Dirigido à diretora do

Condephaat Lucia Pisa F. M. Falkenberg e ao membro do Conselho, Vinício Stein. O

ofício nº 22/1969, datado de 10 de setembro, enumera os bens do município

considerados patrimônio histórico e artístico levantados a critério do próprio diretor do

Museu de Itápolis a pedido daquele Conselho. Fazem parte dessa lista de bens históricos

e artísticos a praça Pedro Alves de Oliveira que recebeu o nome do fundador da cidade,

e onde se encontra o obelisco, o belvedere e o marco do meridiano de Tordesilhas

erguido quatro anos antes. Consta ainda a antiga casa paroquial, o confessionário e o

altar-mor da igreja matriz e o Palácio da Cultura, antigo prédio do Fórum e cadeia,

cedido pelo governo estadual para a acomodação do próprio museu.

Fig.10 – Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão em Itápolis. Antigo prédio do Fórum e Cadeia. Foto do autor.

Fig. 11 – Belvedere, obelisco e marco do meridiano de Tordesilhas com o prédio do museu ao fundo. Foto do autor.

90 Em resposta ao ofício 57/73-SMH, datado de 26.02.73, do Serviço de Museus Históricos, José Toledo de Mendonça apresenta um relatório do levantamento de todo o acervo constituído pelo Museu de Itápolis relacionado com o patrono Alexandre de Gusmão. Entre os itens enumerados constam, recortes da revista “Personagens da Nossa História” emoldurados, selo comemorativo, biografia e a medalha Alexandre de Gusmão oferecida ao acervo do Museu pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Arquivo Vinício Stein Campos, volume Itápolis, página 61. Ofício 53/73, datado de 03.03.1973 e assinado.

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Os Museus Históricos e Pedagógicos eram dirigidos por professores da rede estadual

designados para o cargo. O vínculo que o Museu de Itápolis mantinha com o Serviço de

Museus Históricos da Secretaria Estadual da Educação91 era de inteira subordinação

embora o professor aposentado José Toledo de Mendonça não pertencesse mais aos

quadros daquela Secretaria e todos os recursos humanos e materiais que o Museu viesse

necessitar deveriam ser supridos no âmbito municipal. Havia, entretanto, a auxiliá-lo

nos rumos e decisões mais importates, o Conselho Municipal do Museu, formado,

segundo o artigo 9º do Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos do Estado,

por 7 membros, iminentes cidadãos locais92.

O primeiro Conselho do Museu Alexandre de Gusmão foi constituído por Caetano

Gentile, um funcionário público estadual; Roque Lapenta, agente de seguros; Francisco

José Santarelli, professor, dentista e vereador; Tarquínio Belentani, proprietário rural e

vereador; Expedito de Luca, proprietário rural e vereador; Luiz Mário Gentile,

jornalista, historiador e professor aposentado; e José Manoel da Rocha que segundo o

relato de José Toledo de Mendonça “era proprietário de largo círculo de amizades no

município.”93

Em 1967 em prestação de contas anual ao Diretor do Serviço Vinício Stein, José Toledo

de Mendonça salienta que o Museu durante todo aquele ano não havia recebido

qualquer tipo de verba municipal ou estadual.94

Em outro relatório, dessa vez de 1973, seu diretor, estando à frente do Museu desde sua

fundação, procura sensibilizá-lo solicitando-lhe uma ajuda de custos. Diz o relatório:

91 A partir de 1968 os Museus Históricos e Pedagógicos passaram a se subordinar à Secretaria da Cultura criada naquele ano. 92 Conforme o Ato nº 19 da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação , de 30 de Abril de 1957 determina que os Museus em sua organização e administração deveriam ser auxiliados pelos Conselhos Administrativos locais compostos de sete membros dos quais 1 indicado pela Câmara Municipal, 1 pela Prefeitura Municipal e cinco pela Secretaria da Educação. 93 Fonte: Relatório anual para o exercício de 1967 do Diretor do Museu José Toledo de Mendonça dirigida ao diretor do Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo Vinício Stein Campos. Arquivo Vinício Stein Campos da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM - da Secretaria de Estado da Cultura. . 94 Idem.

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“ Em 21 (vinte e um) de janeiro de 1974, o nosso Museu completará 7 anos de existência. Tenho me dedicado a ele, como sempre, com real satisfação, sem nenhum auxílio do Governo do Estado, o qual poderia dar-me uma ajuda pró-labore, pois continuo dando do que é meu para mantê-lo em atividade progressista” 95

O trabalho de José Toledo de Mendonça certamente mereceria mais reconhecimento e

melhor paga. O Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão de Itápolis foi

criado pelo Decreto Estadual nº 46.795 de 22 de setembro de 1966 e instalado

provisoriamente em uma das salas da Prefeitura Municipal em 21 de janeiro de 1967.

Em 17 de novembro de 1966, conforme ato da Secretaria da Educação o professor José

Toledo foi designado para instalá-lo sem ônus para o Estado. Desempenhou a função

com grande proveito e crescimento para aquela Instituição.

O Museu, durante sua gestão chegou a receber em doação mais de 5.000 peças que

foram sendo cuidadosamente organizadas. Já em seu primeiro ano de existência seu

acervo contava com 1.817 objetos distribuídos nas seções “de peças religiosas,

numismática, música, fotografias, documentos, mapas, plantas, jornais, cerâmica,

armas, filatelia, medalhas, objetos de montaria e viaturas, iluminação, objetos de uso

pessoal, discoteca, biblioteca, folclore, utensílios domésticos, instrumentos de trabalho,

materiais de construção, pinacoteca, revolução paulista, pedras e minérios” e outros.

Para sua instalação contou com mobiliário de segunda mão cedido por particulares e por

repartições púbicas estaduais, reformados pelos funcionários da Prefeitura.

Fig.12 – Peças etnográficas em exposição no Museu Alexandre de Gusmão. Foto do autor.

Fig. 13 – Sala dos objetos sacros provenientes da igreja matriz de Itápolis. Foto do autor.

95 Ofício nº 55/73 datado de 18 de agosto de 1973. Volume Itápolis. Arquivo Vinício Stein Campos. Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

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José Toledo também escrevia para o jornal local “O Progresso” e através dele

comandava as campanhas de doação e promoção do trabalho do Museu. Os visitantes

respondiam prontamente. Segundo relato do próprio José Toledo, atestado pelo livro de

visitas, a frequência anual ao pequeno Museu atingiu 8.162 visitas em 1973. Somados

ao número de vistantes dos anos anteriores totalizava 45.181 visitas. Seu horário de

funcionamento era das 8 às 12 horas e das 14 às 16 aos domingos e feriados, quando era

aberto ao público em geral. Durante a semana, abria das 14 às 16 para atendimento aos

estudantes.

Ano Número de objetos doados Número de visitantes

1966 140 (fase preparatória)

1967 1.224 3.645

1968 595 5.406

1969 1210 7.415

1970 911 6.353

1971 427 7.269

1972 139 6.931

1973 395 8.162

TOTAIS

em 7 anos 5.041 45.181

Fonte: Arquivo Vinício Stein Campos – UPPM – Séc. da Cultura (SP)

Em 1972 o Museu iniciou o levantamento da História de Itápolis com cópias de

documentos extraídas dos arquivos do Cartório de Registro Civil, da Prefeitura e da

Igreja Matriz, bem como, com biografias de vultos da terra e de fatos sociais,

datilografados e distribuídos e nove volumes encadernados e destinados ao atendimento

público.

Os vários relatórios emitidos pelo Museu sob a direção de José Toledo de Mendonça e

que se encontram arquivados na Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico

revelam o rigor com que os fatos administrativos eram tratados. Prestações de contas

sobre verbas, gastos, doações, visitações e trabalhos realizados sob a responsabilidade

do museu estão ali minuciosamente documentados. Vê-se através de recortes de jornais

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locais, ilustrando os relatórios, que o Museu gozava de grande prestígio junto à

comunidade e o trabalho de José Toledo era muito respeitado.

Fig.14 – Sala de exposição de mineirais e espécimes zoológicos. Foto do autor.

Fig. 15 Biblioteca e hemeroteca da sala do patrono. Foto do autor.

Dentre as atividades que o museu propunha, a participação das escolas locais era de

importância fundamental. O Museu funcionava como um agente municipal de estímulo

à participação dos estudantes na pesquisa histórica na cidade. Concursos de trabalhos

escolares, celebrativos das datas nacionais e municipais, e principalmente oferecendo o

espaço interno e do entorno do Museu como palco privilegiado para as concentrações

cívicas. O Museu recebia da prefeitura municipal, além das verbas vinculadas ao

orçamento uma distinção como símbolo da ação cultural. Ao declarar, em 1971, que o

Museu era o “salão de visitas de Itápolis”, o prefeito da época não só enaltecia o

trabalho do museu bem como garantia a ele papel importante na liturgia do poder e o

reconhecia como um espaço cívico de culto96. Instituição depositária dos bens de valor

histórico, responsável pela guarda e divulgação desses valores e preparação das

gerações futuras pelo conhecimento de tal patrimônio ganha incontestável aura de altar

96 Relatório das atividades do Museu Alexandre de Gusmão datado de 19.11.1971. Fonte: Arquivo Vinício Stein Campos da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM - da Secretaria de Estado da Cultura.

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cívico onde os atos simbólicos do poder eram firmados. O Museu e o poder público

nutriam-se mutuamente com essa relação próxima.

José Toledo de Mendonça permaneceu longo tempo ativo a frente do Museu de Itápolis.

Afastando-se devido a grave enfermidade que o levou a morte em 6 de julho de 1984.

Gradativamente o museu foi perdendo esse papel de destaque que as sucessivas

administrações não conseguiram restabelecer.

4.6. - A MEMÓRIA COMO OBJETO DA APRENDIZAGEM

Em seu trabalho de 1994, o Professor Ulpiano Bezerra de Menezes situa o trabalho e

essência dos museus entre as funçôes de teatro e de laboratório. Diz em seu texto que se “o

teatro da memória é um espaço de espetáculo que evoca, celebra e encultura, o laboratório da

História é o espaço de trabalho sobre a memória em que ela é tratada não como objetivo, mas

como objeto de conhecimento” (MENEZES, 1994: 41)

É com esse conceito da função de laboratório que aqui se apresenta o caso emblemático do

museu de Rubinéia. Não pelos serviços que tem prestado, mas pelo potencial imenso que se

acha ao seu redor e vai se perdendo pela falta de trato dessa cultura imaterial. Celeiro repleto

e intocado de histórias, protagonismos, versões e dimensões diversas dos fatos ainda

candentes pela vivacidade das memórias ainda frescas. Debates surdos e mudos pois não se

encontram a campo, ganhando corpo e trocando as energias contidas.

Rubinéia é uma pequena cidade de 2.546 habitantes97 situada às margens do rio Paraná

represado pela barragem de Ilha Solteira. Uma cidade tranqüila que tem uma particularidade

muito curiosa: todas as suas ruas são homenagens a grandes escritores brasileiros. Uma

cidade civilizadíssma pois preferiu, dentre outros valores, adotar os mais abstratos e nomeou

suas ruas com nomes como Machado de Assis, Mário de Andrade, Graciliano Ramos,

Carlos Drumond de Andrade, Humberto de Campos e muitos outros já imortalizados ou 97 Estimativa para 2007 pela contagem da população feita pelo IBGE.

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quando ainda eram vivos. A atual Rubinéia manteve os nomes dos logradouros da antiga

Rubinéia de final melancólico tragada lentamente pelas águas represadas do lago artificial de

Ilha Solteira. Foi essa Rubinéia que sensibilizou Carlos Drumond de Andrade que se

importou com tal homenagem e escreveu duas crônicas sobre a cidade. Uma delas em 28 de

outubro de1971, no Jornal do Brasil intitulada Aconteceu em Rubinéia. Drumond comenta a

triste sina da cidade desapropriada para submergir levando consigo os logradouros e as

homenagens cobertos pela elevação das águas da represa. Todos os passos, suas pedras,

construções e lugares foram aplanados pelas águas tensas da hidrelétrica. Noutra crônica-

denúncia, esta de 1973, intitulada Os Submersos, o poeta fala da sina dos poetas afogados

num país sem poesia. O Brasil vivia os tempos mais difíceis do regime militar.

Rubinéia tem seu museu. Em 1983 o professor de história da Escola Estadual Rubens de

Oliveira Camargo, organizou uma gincana reunindo seus alunos para pesquisar a história da

cidade. Seus alunos levantaram os fatos ocorridos com a “Velha Rubinéia”, ouviram relatos

dos moradores que fizeram a mudança e deixaram no tempo e sob as águas a materialidade

de suas próprias histórias. O material recolhido pelos alunos foi sendo catalogado e deu

origem ao acervo do museu. São objetos carregados de significados por trazerem consigo

uma carga simbólica e afetiva relacionada à vida do antigo lugar, à Velha Rubinéia.

A nova Rubinéia está localizada a aproximadamente 1 km de seu antigo sítio. Seus

moradores, muitos deles, estão entre aqueles que sofreram essa etapa crucial da história da

cidade. Ainda estão vivos e são testemunhas fundamentais dos fatos ocorridos, guardam

muitas histórias peculiares misturadas às saudades e expectativas. Guardam o conhecimento

de um processo social que teve importantes repercussões e é riquíssimo de lições e conflitos.

Exemplificam pela diversidade de protagonistas uma pequena mostra daquele todo

complexo que chamamos cultura e que inclui “o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o

direito, os costumes e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem

enquanto membro da sociedade”98 Entretanto, essa imaterialidade bruta e densa está fora,

infelizmente, da representação que o museu de Rubinéia faz de sua cidade e sua gente.

O material recolhido durante as pesquisas foi organizado e deu origem ao Museu que,

além dos qualitativos histórico e cultural recebeu o nome de seu idealizador: Museu

98 Tylor, Edward B., apud KAHN, J. A., El concepto de cultura: textos fundamentales. Barcelona: Anagrama, 1975.

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Histórico e Cultural Prof. Nazareth Reis. Segundo o depoimento de Neuza Garcia

Ribeiro Lodete o museu foi montado em uma das salas da própria escola.

Posteriormente, o museu foi retirado da Escola, e seus objetos, fotos e registros foram

"depositados" em outra sala cedida pela Prefeitura Municipal. Era um Museu sem vida,

sem objetivo. Em 1998, um grupo de pessoas se interessou por ele, limpou e reformou

seus objetos, conseguiu mais fotos e uma nova sala. Sua reativação emocionou o

professor Nazareth dos Reis - o Museu voltou a receber visitas dos alunos e turistas que

por ali passavam. Porém, logo foi transferido para um outro espaço, ao lado da

Biblioteca Municipal Vinicius de Moraes. E mais uma vez o Museu passou a ser um

"depósito". Não recebe visitas, e não está sendo preservado como patrimônio cultural e

histórico do município. Permanece fechado e muitas pessoas desconhecem a sua

existência. 99

Em 1967 começaram as desapropriações da grande área que seria ocupada pelo

reservatório da usina hidrelétrica. São 21 bilhões de metros cúbicos de água e Rubinéia

estava quase totalmente abaixo da cota 329, limite do nível futuro da linha d’água.

Somente duas construções do antigo sítio urbano escaparam dessa linha. Já em 1969

têm início as demolições de casas, bares, hotéis, cinema, a máquina de beneficiamento

de grãos... O preço pago pela CESP – Centrais Elétricas de São Paulo, na época – era

muito bom para as propriedades particulares o que fez com que rapidamente os

proprietários fossem convencidos do negócio e a cidade ficasse pontilhada de

escombros. Para os terrenos e edifícios da municipalidade a situação era bem outra.

Segundo Nelsi Calazans havia por parte da Companhia elétrica um plano oculto que era

o remanejamento da população de Rubinéia para a cidade operária de Ilha Solteira.

Planejada para 25 mil habitantes, com o término da construção, as instalações em ótimo

estado sofreriam um inevitável abandono. Na conta dos planejadores, seria um lugar

perfeito para os desalojados de Rubinéia e a companhia não teria que arcar com mais

custos de desapropriação. (CALAZANS, 1986: 15)

99 Depoimento colhido através do site: http://www.tesourosdobrasil.com.br/index.guia.php?option=detalhe&id=53&nome_img=0450museu.jpg Acessado em 20.09.2006 às 14:30 hs. Confirma os depoimentos obtidos por entrevista de Helena Maria Pelaio de Lima (Diretora do Setor de Educação e Cultura da Prefeitura de Rubinéia), Rosana Aparecida Zanelatto (funcionária do Setor de Cultura) e Alessandra Augusto Rodrigues, professora de Educação Artística e colaboradora nas atividades de recuperação do acervo do Museu. (Dezembro de 2006)

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A água foi subindo lentamente, no velho plano da cidade só restava em pé o prédio da

Prefeitura mantido pela teimosia apaixonada do prefeito e pela força de ações judiciais

que obrigavam a CESP a negociar as benfeitorias construídas com o erário público dos

rubineienses. Três homens da prefeitura perceberam que a complexidade que nutre a

vida de uma cidade não podia ser desfeita de maneira tão completa. Com ações judiciais

impetradas contra a Companhia elétrica, foram protelando o finamento da cidade. Por

conta própria e risco tomaram empréstimos pessoais no banco Bandeirantes de Santa Fé

do Sul e compraram 5 alqueires de terras situadas 2 km acima da antiga localização e

propuseram ali o novo loteamento. (CALAZANS, 1986: 22)

A nova Rubinéia nasceu “contra e apesar da CESP” e por insistência do Prefeito Osmar

Antônio Novaes e do advogado da prefeitura Alcides Silva. O novo loteamento

distribuía gratuitamente os novos lotes com condição contratual que obrigava o

beneficiário a construir sua residência no prazo máximo de 6 meses, caso contrário o

lote retornaria à posse da Prefeitura. Deste modo, passados 3 anos, a nova Rubinéia já

contava “com 7 empórios, um açougue, serviço de correios e telégrafos, um centro de

saúde, um centro comunitário, um grupo escolar, 6 escolas isoladas, um Ginásio

Estadual (que funcionou em prédio da Prefeitura até que o Estado construísse outro)

(...)” (CALAZANS, 1986: 23).

Evidentemente os lotes remanescentes que não foram distribuídos e que completam os 5

alqueires fracionados em lotes urbanos tiveram grande valorização e a represa de Ilha

Solteira causa da transformação radical da cidade agora surge como um fator de

valorização do lugar. Rubinéia, hoje se desenvolve como cidade turística, atraindo

veranistas ocasionais e fixos, proprietários de ranchos, pescadores e mergulhadores que

explorar am o antigo sítio urbano submerso. 100

100 Ver site http://www.brasilmergulho.com/port/artigos/2003/021.shtml onde se publica os projetos de exploração das construções e escombros e ruas da Rubinéia submersa Página visitada em 15.07.2008 às 19:30 hs.

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Fig.16 – Entrada do Museu Histórico Nazareth reis em Rubinéia. Foto do autor.

Fig. 17 – Placa de nomenclatura do arruamento da antiga Rubinéia entre máquinas expostas no Museu. Foto do autor.

Um dos mais ricos episódios dessa etapa crucial da vida de Rubinéia foi protagonizado

por Aparecido Galdino Jacintho, o Aparecidão. Líder messiânico, místico curador

Aparecido Galdino tem uma história pautada por profundas preocupações sociais e

assistenciais. O humilde boiadeiro, nascido em Maracaí (SP), tinha personalidade

incomum. Homem trabalhador e de moral rígida vagou de fazenda em fazenda do norte

do Paraná e oeste de São Paulo até chegar a Rubinéia em 1951, casado e com 4 filhos.

Ali viveu seu apogeu de misticismo e cura arrebanhando uma multidão de seguidores.

Fez fama em toda região praticando um curandeirismo carismático e devotado,

veemente e radical.

Para Nelsi Calazans o “movimento messiânico” liderado por Galdino não representava

mais que um “fenômeno social” em resposta a uma situação limite por que passava a

população em conflito com os interesses e imposições enormes. Galdino tinha a figura

estereotipada dos profetas milenaristas. Segundo a descrição de Nelsi, era uma espécie

de

“(...)messias rústico: cabelos longos, lisos, já nevados, que escorriam ombro abaixo desalinhadamente; os minúsculos olhos, sem brilho, que davam-se misticamente parados no espaço, fitando o vazio sobranceiramente; a barba grisalha, o vasto bigode russo, a voz grave e soturna; trajava uma túnica branca, ornada ao peito com enorme crucifixo. Seu “templo” era um pequeno salão, quadrado, paredes baixas, com estampas de São Jorge guerreiro, de ex-votos e velas. O sermão era longo, sem lógica: religião esdrúxula, sincrética, onde se misturavam rudimentos de um catolicismo doméstico e sugestões de um espiritismo revelado. Aparecidão dizia: “a terra não é propriedade de ninguém, pois foi deixada por Deus”. Não concordava com as demolições das casas de Rubinéia e principalmente com a Igreja, para ser inundada, por que isso não era direito, era contra Deus; a construção da barragem de Ilha Solteira, impedindo todo o percurso do rio, não é certo, sendo também contra Deus; porque o homem não pode descer e subir

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livremente o rio, como os peixes; entendia não dever pagar impostos porque o terreno é propriedade comum, segundo constou o seu interrogatório policial, lavrado sete dias após a sua prisão. (CALAZANS, 1986: 20)

A força moral de Galdino e sua liderança advinham de seu trabalho e disposição voltada

ao atendimento dos mais necessitados. Seus modos estranhos e rigidez de costumes

ajudavam a alicerçar a imagem de místico curador. Pobres e doentes eram seus

protegidos. Sua fama transcendia as fronteiras do município e ele recebia muitos

visitantes de lugares distantes, às vezes gente rica, que procuravam a cura para seus

males. Muitos foram os satisfeitos em suas buscas.101

Aparecido Galdino, suas curas milagrosas, seus seguidores e o grande movimento que

se criou em torno de sua mística e da ação contrária ao projeto da CESP são as grandes

ausências, sem representação no pequeno museu de Rubinéia.102

Fig.18 – Pequena sala de exposição dos objetos doados pelos rubineenses ao Museu.

Fig. 19 – Vista aérea da velha Rubinéia. Foto do acervo do Museu Nazareth Reis.

Aquele episódio vivido pelo povo de Rubinéia ganhou o Brasil nas páginas dos grandes

jornais e revistas. Aparecido Galdino incomodou os aparatos de proteção da “segurança

nacional” e aquele grupo de crentes foi violentamente reprimido pelas forças policiais

incumbidas de resolver o caso. Galdino foi levado para interrogatórios em várias

101 Depoimentos de pessoas curadas por Galdino foram registrados pelo documentário O profeta das águas de Leopoldo Nunes, produção de 2005, que enfoca o conflito dos interesses nacionais e locais durante a construção da usina e o alagamento de Rubinéia no início dos anos 70.

102 Reportagem Especial da Revista Veja em seu número de 4 de dezembro de 1974.

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instâncias do aparelho repressor, ficou preso na Casa de Detenção de São Paulo até ser

levado para o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo onde permaneceu de 27 de

dezembro de 1972 e ser liberado em 6 de junho de 1979.

O Brasil vivia os momentos eufóricos do “milagre econômico” e o regime militar

recrudecia. Havia a necessidade urgente de superar as carências de infra-estrutura que

pudessem refrear o embalo produtivo da indústria nacional. O complexo hidrelétrico de

Urubupungá com as usinas de Jupiá e Ilha Solteira era uma resposta do planejamento

oficial aos reclames do setor produtivo paulista. Os interesses nacionais se impunham

com a truculência que o regime militar disseminou. Do outro lado estava a pequena

cidade de Rubinéia e sua população que deveria pagar um alto preço em nome dos

interesses maiores da nação. Esse embate entre interesses nacionais e locais é a questão

de fundo de todas as ações de que a região foi palco. A CESP, operadora do engenho

técnico e planejamento estratégico do governo do Estado de São Paulo, tencionava

riscar Rubinéia do mapa, transferindo sua população para a planejada cidade de Ilha

Solteira. Do outro lado estava o prefeito inconformado com o desaparecimento da

cidade que ajudara a se emancipar e da qual tinha sido o primeiro prefeito. Ao seu lado,

lutando com outras armas, estava Aparecido Galdino e sua gente.

È um capítulo importante da história onde são caracterizadas as relações conflituosas de

uma época. Com atores de diversas procedências, estratos sociais, e entendimentos da

realidade se posicionando e influenciando seu desfecho. È sem dúvidas um rico material

de estudo e de onde se pode tirar muitos conhecimentos sobre a sociedade que o

produziu. É o grande laboratório da história de Rubinéia que o museu não se pôs apto a

explorar.

4.7. - O MUSEU E O ESPAÇO URBANO

O museu local está intimamente ligado ao conceito de patrimônio histórico e, em muitos

lugares, apresentam-se como solução de ocupação de edifícios que, de alguma forma,

estejam relacionados ao processo de evolução da malha urbana, quer seja pela identificação

às “famílias pioneiras”, “negócios pioneiros”, quer seja pela tipologia arquitetônica ou pela

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função identificada com períodos importantes da formação do núcleo urbano onde está

localizado.

Bariri, município situado a 320 km de São Paulo, com população de 30.995 habitantes103

teve um museu com curtíssima duração, ainda que o local escolhido para sua implantação

tenha sido bastante acertado.

O início dos trabalhos do museu deu-se no último ano do mandato do Prefeito José Cláudio

dos Santos e sua apressada inauguração permitiu que tivesse parcos seis meses de existência.

Com a vitória, na eleição seguinte, do candidato da oposição a proposta de museu não teve

continuidade e perdeu-se todo o trabalho realizado.

Além dos problemas políticos, barreiras administrativas emperram o andamento do trabalho

minucioso da organização dos museus. A transitoriedade dos governos locais e a alternância

de propostas político-partidárias impossibilitam a continuidade dos longos trabalhos que

demandam os estudos, implantação e o exercício de suas funções.

Além disso, outras particularidades típicas das prefeituras de pequenas cidades dificultam o

trabalho dos museus. Segundo Nazaré da Cruz, diretora de Educação e Cultura do município

entre 1997 e 2000, a estrutura das prefeituras não comporta a divisão orçamentária em

secretarias nas cidades desse porte. Isso limita muito a ação dos administradores para a

alocação de recursos. Praticamente todo o trabalho da Diretoria de Educação e Cultura, com

seus poucos funcionários, teve como objetivo, naquele momento, a adaptação da rede escolar

às novas determinações federais trazidas pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB)

e pela municipalização das escolas estaduais que ofereciam as primeiras séries do ensino

fundamental. O museu, portanto, era uma tentativa heróica, de promoção de um agente

aglutinador na área da cultura. 104

Waldenice Sevalho105 chefiava o pequeno grupo de trabalho encarregado da implantação do

museu. Esse grupo fora completado com as duas únicas funcionárias da Diretoria de

Educação e Cultura e mais 3 funcionárias emprestadas temporariamente de outros setores.

103 Conforme contagem populacional de 2007 feita pelo IBGE. Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Página acessada em 22.01.2009 às 11:00 hs. 104 Depoimento colhido em 21.01.2009. 105 Depoimento colhido em 22.01.2009.

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Waldenice participou das aulas oferecidades nas Oficina Cultural Regional Glauco Pinto de

Moraes de Bauru, entidade ligada à Secretaria de Estado da Cultura. Ali obteve orientações

básicas para a implantação do museu e da constituição de acervo, para o qual foram

arregimentados os alunos das escolas do município para o serviço de coleta de doações de

suas próprias famílias e vizinhos. Somando-se os objetos vindos de repartições públicas e de

instituições locais o museu abriu as portas expondo velhos aparelhos de TV e rádio, objetos

antigos de uso doméstico, artesanato e utensílios indígenas, documentos e fardamentos dos

pracinhas da 2ª Guerra Mundial, antigas ferramentas de trabalho rural e utensílios do

cotidiano das antigas fazendas de café. A Exposição contava ainda com coleções de jornais

cedidas pela Biblioteca e a sala de retratos dos Prefeitos Municipais.

O edifício para a instalação do Museu foi adaptado a partir do prédio construído para abrigar

a Câmara Municipal em 1933, e ai funcionou até 1967. Com a construção do Paço

Municipal e a transferência para lá da Câmara, passou a abrigar a Biblioteca Municipal até

1999 quando também foi transferida para endereço próprio. Com a liberação do edifício

houve uma pequena reforma para adaptação dos espaços internos para a qual a Prefeitura

arcou com a mão de obra e o grupo de trabalho conseguiu com o comércio local os materiais

e acessórios.

Vigorava então a idéia de se organizar um Museu incumbido da preservação dos objetos de

cultura material que retratassem os primórdios da formação da cidade. A escolha recaiu

sobre o prédio da Biblioteca de importância histórica inconteste. O Museu, desta forma teria

ao seu lado, compondo o conjunto arquitetônico musealizado, importantes exemplos de

cultura material que atestam esse período inicial da história da cidade. Conjunto este,

formado pelos edifícios, equipamentos urbanos, relações espaciais e particularidades

urbanísticas, que pode ser visto pelas janelas das salas de exposição. Além de seu significado

específico o prédio faz parte de um conjunto de edificações situado no decorrer da Rua 7 de

Setembro que atestam uma tipologia de edificação e espaço público remanescente da “era do

café”. Bariri ainda preserva muitos indícios desse “universo cafeeiro” de que fala Pierre

Monbeig (MONBEIG, 1984),

O deslocamento dos cafezais para a região já era uma realidade a partir de 1857. Esse

avanço dos cafezais rumo ao oeste do Estado já provocava desmembramentos de

algumas vilas devido ao rápido crescimento populacional e econômico. O café como

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fonte de riquezas valorizava as terras e criavam-se povoados que iam crescendo com a

própria marcha dos cafezais. Com a aproximação dos plantadores de café,

incrementavam-se as atividades urbanas e rurais desses povoados que começaram a

partir daí, a reclamar maior autonomia. À medida que essas pequenas povoações eram

promovidas a uma nova categoria, automaticamente iniciava-se um processo de

valorização das terras circunvizinhas e logicamente despertava nos povoados próximos

o mesmo anseio.

Em 1857, vindo de Descalvado, João Leme da Rosa adquire as terras da viúva de José

Antônio de Lima, pioneiro morador, desde 1833, dessas terras que então pertenciam à

grande região capitaneada pela Vila de Araraquara. Um ano depois o mesmo João Leme

e sua esposa assinam a escritura de doação de 30 alqueires dessas terras para a

constituição do patrimônio necessário para a construção de uma capela.

Diz o texto da escritura lavrada em Jaú em 1858:

“Dizemos nós abaixo-assinado, João leme da Rosa e sua mulher Maria Luiza de Jesus, que entre os bens que possuímos livres e desembaraçados de toda e qualquer dívida, e bem assim huma parte de terras de cultura na fazenda denominada “Sapé”, vertente do rio Tietê, distrito deste curato de nossa Senhora do Patrocínio de Jaú, onde estamos residindo, desta damos de nossas livres vontades, um terreno de trinta alqueires à Nossa Senhora das Dores, para patrimônio de sua igreja, que deverá erigir com a invocação de “Nossa Senhora das Dores do Sapé”. Suas divisas são de maneira seguinte: principia em frente a cerca de Manuel Pires, segue dividindo com os doadores pelo meio de água até a ponte de cerca de varão e por esta cerca até onde for canto e de aqui quebra o rumo direito da casa de Quintiliano Bueno de Almeida a sahir na estrada que sai para a vila de Araraquara, de ahi do Curralinho e segue pelo veio de água onde der quinhentas braças desde o mencionado canto da cerca e do lado direito onde principia o rumo que é do ribeirão Sapé de frente à cerca de Manuel Pires sobe o rumo, atravessa a estrada velha, onde tem três pedras grandes, atravessa também a nova e procura a cerca de madeira no novo cemitério e segue em rumo onde der quinhentas braças e quebra à esquerda e feixa o córrigo do Corguinho, onde passar outro rumo das outras quinhentas braças do lado esquerdo, cujo terreno assim divisando é Patrimônio e fica no direito do Procurador vender as datas em benefício da mesma igreja, por preço úteis e razoáveis, contanto que a nenhum proprietário poderá conceder mais de uma data, contendo essas datas, quando muito oito braças de frente com vinte de fundo. Com tempo declaramos que ninguém poderá fazer roças plantar no Patrimônio e nem tirar madeira de lei sem que primeiro se faça à igreja ou se tire a madeira de lei necessária para a igreja e para uma casa que os povos deverão fazer para a residência do padre capelão, ninguém igualmente poderá feixar ou impedir as águas que estiverem na circunferência da dita Capela ou Patrimônio a benefício da servidão pública”106

106 Escritura de doação de terras. Apud. MARTINS, Nelson Silveira (1940). Bariri (um pedaço do céu destacado do arco-íris). São Paulo: Mario Ponzini & Cia.pp 79 e 80

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A intenção de restringir o uso exclusivamente urbano do empreendimento torna-se

flagrante quando o doador estipula as dimensões do lote em 8 braças de frente por 20

braças de fundo (aproximadamente 17,00 m x 44 m), o que só permitiria a construção

de uma habitação e um quintal amplo. Muitas casas podem ser vistas ainda hoje

guardando tais dimensões.

Os trechos do texto da escritura, transcritos a seguir, deixam claro o que o doador

pretendia: “...ninguém poderá fazer roças, plantar no Patrimônio...” e “...a nenhum

proprietário poderá conceder mais de uma data” com área aproximada de 748 m². Com

essas exigências visava a alta concentração das edificações na área do Patrimônio e as

atividades não agrícolas de seus moradores. Ali, portanto, ficavam admitidos os

edifícios residenciais e comerciais, além da capela, o que vale dizer que nos planos de

João Leme os futuros moradores poderiam ser comerciantes, profissionais liberais ou

artesãos, quando muito, proprietários que possuissem terras fora do Patrimônio. Sem

dúvidas, gente da cidade, moradores de zona urbana.

É importante frisar que João Leme doou apenas parte de usas propriedades no Bairro.

Certamente, além da demonstração de devoção à Nossa Senhora das Dores o doador

esperava obter algum lucro com a doação. Já se fazia sentir a crescente procura pelas

terras ainda não cultivadas e bem o sabia, João Leme, morador que era em Belém de

Descalvado, cidade da região de São Carlos, onde o valor da terra já havia crescido

enormemente. As terras que ele comprou da viúva de José Antonio de Lima por 400 mil

réis, excetuados os 30 alqueires doados, foram loteados e vendidos, alcançando um

montante 50 vezes superior ao preço da compra. Isso tudo em poucos anos, pois já em

1864, João Leme faz o seu último negócio de venda de suas terras para o mineiro

Antônio José de Carvalho que naquele ano transferiu-se para o Bairro com a família e

um grande número de escravos.

A formação das cidades paulistas nesse período obedecem, grosso modo, trajetórias

semelhantes, pois as condições climáticas, topográficas e principalmente econômicas

são bastante parecidas. Podem ser citados como casos semelhantes ao de Bariri, cidades

como Itápolis, onde, em 1862 houve a doação de 112 alqueires para constituição do

patrimônio do Divino Espírito Santo; Arealva, cidade em que, em 1870 a família Prestes

doou 10 alqueires ao bispado de Botucatu; Itapuí, onde, em 1859, houve a doação para

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construção de uma capela; e mesmo no município já constituído de Bariri, onde, em

1898 os dois proprietários doaram terras da conhecida Fazenda dos Buenos para

constituição do Patrimônio que deu origem ao município de Itaju desmembrado de

Bariri em 1953. Não menos semelhantes foram os casos de Jau, Ibitinga, Iacanga e

Pederneiras, todas cidades cujo ponto de partida foi a doação de terras.

Esse procedimento além de bom negócio era um importante instrumento, a agilizar a

formação do povoado. Cabe, no entanto, lembrar que todas essa cidades estão

diretamente ligadas ao processo de crescimento da cultura do café como principal

atividade de uma agricultura voltada à exportação, que gerava recursos e criava em

torno de si um mundo próprio, povoado por fazendeiros, pequenos e grandes

comerciantes, especuladores de terras, comerciantes de café, colonos, imigrantes vindos

de todos os continentes e profissionais letrados que vinham montar seus consultórios e

escritórios ou tomar posse de seus cargos na administração dos incipientes municípios.

O século XX veio encontrar a cidade com as ruas descalças, as casas ainda muito

humildes e mal equipadas para abrigar o aparato burocrático de uma sede de município.

Os prédios estavam provisoriamente instalados e na vila começavam a surgir os

primeiros melhoramentos urbanos. Bastante acanhada é a impressão daquela Bariri que

chega ao nosso conhecimento através dos livros, jornais e algumas fotografias. As

avenidas XV de Novembro e Claudionor Barbieri que ladeiam a praça da matriz, são

importantes vias de acesso à cidade e além de estruturar o sistema viário é por elas que

se estendem os edifícios de uso comercial e de serviços (uso misto com residência) a

partir da Praça da Matriz. Porém, é a Rua 7 de Setembro que vai concentrar o maior

número de casas comerciais e bancárias, um grande número delas ainda em bom estado

de conservação. É essa rua que na primeira metade do século XX vai se tornar o

principal corredor a concentrar as atividades comerciais e de serviços do núcleo urbano.

É partindo da rua Sete que várias estradas municipais faziam a ligação da vila às

fazendas que compõem a maior parte do território do município, onde residia grande

parte da população rural e de onde saia a maior parte da produção agrícola que se dirigia

ao comércio da cidade ou à estação da estrada de ferro.

Nos primeiros anos desse século já se poderia ver na cidade muitas casas feitas de

tijolos. Aliás, as construções de então eram totalmente resolvidas com esse material, dos

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alicerces que chegavam a ter mais de um metro de largura nos prédios maiores, até os

arremates da fachada, passando pelos casos em que o arco de tijolos substituía as vigas

de madeira para vencer grandes vãos, sustentar escadas, etc. Foi o tijolo e o saibro

misturado à cal que estruturaram as construções mais significativas desse período: a

Igreja Matriz, O Grupo Escolar, O Teatro Carlos Gomes, a Santa Casa, além das

luxuosas residências dos grandes comerciantes sírios localizadas na rua Sete de

Setembro, as quais ainda podem ser vistas sem grandes alterações, exibindo suas

janelas de vidros decorados, seus vitrais e fachadas imponentes.

Ângelo Marini foi o arquiteto que criou as formas predominantes no espaço urbano da

Bariri das primeiras décadas do século XX. Nascido em Bevilácqua, na Itália, em 1879,

ele não tinha nenhuma formação acadêmica. Era um mestre do seu ofício, como tantos

outros imigrantes que trouxeram para o Brasil seus conhecimentos e que foram

responsáveis pela disseminação de um tipo de arquitetura muito peculiar, característica

desse período no Brasil, notadamente no Estado de São Paulo. Foi licenciado como

arquiteto somente em 16 de outubro de 1934 pelo Conselho Regional de Engenharia,

Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo, um ano depois de ter sido decretada a

obrigatoriedade da licença. Até então já havia construído todas as suas grandes obras em

Bariri. São projetos de Marini: o edifício do Theatro Carlos Gomes (1916), da Santa

Casa de Misericórdia (1924), o palacete de Abrahão Sabbag (1929) e o palacete dos

irmãos Elias Fauze e Alfredo Sabbag (1927).

Fig.20 – Edifício ocupado pela curta duração do Museu de Bariri. Antigo edifício da Prefeitura. Foto do autor.

Fig. 21 – Grande edifício comercial e residencial projetado por Ângelo Marini na Rua Sete de Setembro. Foto do autor.

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Outro exemplo grandiloqüente da arquitetura desse período foi a construção do Theatro

Carlos Gomes. Inaugurado em 1917 foi uma iniciativa de um grupo de baririenses e

imigrantes italianos entusiasmados em prover a cidade de lazer refinado e culto.

O Theatro era um espaço eclético e destinado a espetáculos musicais, teatrais, líricos,

cinema e auditório. No espaço interno os camarotes, as frisas e a platéia estavam

dispostos sobre um soalho em suave declive, colocados em forma de lira. Suas

instalações comportavam mais de 700 pessoas que ali podiam se acomodar

confortavelmente. A boca de cena e demais decorações foram executados pelos pintores

Domingos & Carvalho da vizinha cidade de Bocaina. 107

O “Theatro” sofreu algumas alterações em seu interior no decorrer das décadas de 20 e

início de 30. Foi acrescentado mais uma ordem de camarotes intercalados e um amplo

“foyer”, o salão de danças previsto no projeto inicial transformou-se em vastas galerias

aumentando sua capacidade para 1.000 pessoas, as cadeiras foram substituídas por

poltronas, a iluminação foi reformada e principalmente foram acrescidos aparelhos

modernos de projeção. Com o passar dos anos e com o desenvolvimento das técnicas

cinematográficas, o Theatro foi perdendo cada vez mais suas características de sala de

espetáculos para tornar-se apenas sala de projeção cinematográfica, apesar de nunca ter

perdido totalmente aquela característica. Durante os anos 50 sofreu a última reforma,

sendo totalmente remodelado para abrigar a tela gigante do cinema scope. Perdeu as

frisas e os camarotes, ganhou poderosos projetores e passou a chamar-se Cine Carlos

Gomes. Fechou no início da década de 80. Abriga, hoje, uma loja e uma boate.

Destacar a Rua Sete de Setembro e o “Theatro” Carlos Gomes dentre as demais

construções remanescentes em Bariri é fazer uma proposição de identificação do

conjunto de edificações mais representativo do período de formação do Município. Esse

conjunto revela a importância central do núcleo urbano e da arquitetura produzida no

bojo do movimento de interiorização da cultura do café. Esses edifícios expressam a

vivacidade, cultura e força realizadora que animaram esse universo complexo, povoado

de tipos humanos tão diversos, de culturas advindas de lugares remotos do Brasil e do

mundo e que orientados pela animação econômica se puseram a construir nossas

cidades. 107 Jornal “A Cidade de Bariri” de 28.09.1934. p. 8.

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Fig.22 – Rua Sete de Setembro com o edfício do Museu à direita. Foto do autor.

Fig. 23 – Rua Sete de Setembro em 1935. Os edifícios preservados podiam ser vistos da janela do Museu. Foto Nello.

É nessa rua com pouco mais de um quilômetro que podemos avaliar, como se fosse uma

espécie de exposição museológica a céu aberto, os indícios e a organização de uma

etapa do processo de formação e consolidação do núcleo urbano. Edifícios, espaços,

proporções, formas e cores sobrevivem como testemunhos. Não é por acaso que os

maiores remanescentes arquitetônicos encontram-se localizados na Rua Sete de

Setembro. Ali se concentrava a vida cotidiana da população urbana e ocasionalmente,

mas não menos intensamente era para ali que afluía a população rural a buscar o

abastecimento de víveres, insumos, o crédito e até mesmo o lazer.

Era caminho natural dos comboios de mulas carregando toda a produção de grãos das

lavouras situadas na porção norte do território municipal destinada ao embarque na

Estação do Trem. Ali funcionava o primeiro posto de gasolina onde se abasteciam os

primeiros automóveis, caminhões e maquinário das fazendas. Situava-se ali a Casa da

Lavoura, órgão da Secretaria da Agricultura destinada a dar orientações técnicas aos

agricultores. Ali ficavam também as casa comerciais que vendiam mudas, sementes e

implementos agrícolas. Os hotéis, armazéns de secos e molhados e as lojas que vendiam

de tudo, de agulha à automóveis.

Outra das construções mais imponentes da rua, o Palacete de Abrahão Sabbag, foi erguida às

margens dos ribeirões do Mineiro e dos Godinhos, necessitando de alicerces especiais para

suportar a ação das águas. Mais que apuro técnico o fato demonstra que cada espaço da rua

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estava valorizado e tomado pelas casas comerciais. Por ali estavam estabelecidos muitos

personagens do universo cafeeiro: os capitalistas com suas casas bancárias locais, os

imigrantes sírios, espanhóis e italianos em seus comércios e por onde transitavam os

fazendeiros, os caixeiros e mascates, os lavradores com seus produtos, o café no lombo das

mulas conduzidas pelos empregados das fazendas. Ali também estava localizada, na esquina

da Rua Sete com a Avenida XV de Novembro, a Câmara de Vereadores e Prefeitura,

ocupando o prédio que depois abrigou a Biblioteca Municipal. Com a mudança da

Biblioteca o antigo edifício da Prefeitura foi preparado para receber o museu. O Museu de

Bariri, desta forma teria ao seu lado, compondo o conjunto arquitetônico musealizado,

importantes exemplos de cultura material que atestam esse período inicial da história da

cidade. Conjunto este que poderia ser visto pelas janelas das salas de exposição.

Estão ali preservadas boas construções em alvenaria de tijolos, construídas

principalmente pelas equipes dos mestres-de-obras italianos com a boa técnica que a

cultura do café trouxe para o Brasil. Ali ficou estampada nas belas e imponentes

fachadas, nos vitrais e na nobreza de materiais utilizados, a riqueza acumulada, o

trabalho dos mais diversos agentes sociais, registros de uma época de grande dinamismo

social e econômico. Material farto para orientar a constituição de acervo do museu que

poderia focar a grande diversidade de personagens que fizeram parte desse universo

primordial.

4.8. - MUSEU E COMUNIDADE – Mirassol e Barra Bonita

Assis Chateaubriand já era o grande empresário das comunicações e agitador cultural que

havia fundado o Museu de Arte de São Paulo em 1947. Foi também na condição de senador

da República acompanhando o Governador do Estado de São Paulo Lucas Nogueira Garcez

que estava em Mirassol para a inauguração do museu em 8 de setembro de 1953.

Em “Doçura Ática”, editorial do Diário de São Paulo de 10 de novembro daquele ano,

Chateaubriand comenta o ineditismo do feito alcançado pelos mirassolenses publicando seu

discurso proferido na ocasião:

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“As pequenas cidades devem ser como Mirassol, imperialistas, isto é, pensando em inúmeras coisas, realizando algumas delas, com uma crença cada vez mais enfática na estirpe dos seus homens, talhados para impô-las ao círculo dos outros burgos. Mirassol é um modelo.” “(...) Até quadros, manchas de pintura local e da zona tivestes o dom de reunir para aumentar, na limpidez deste sol de setembro, a atmosfera de doçura ática, que respiramos em Mirassol. Todos os louvores são merecidos ao sr. Jesualdo D’Oliveira, autor desta empresa, o qual demonstrou como um amador da história e da arte pode educar o povo, para preservar, a tempo, as peças e os documentos que os representam.” (apud CORREA, 1960: 158-159)

A coleção de objetos que gerou o museu já vinha sendo organizada desde 1945. Jesualdo

D”Oliveira recebera, como outros, com grande entusiasmo os pracinhas mirassolenses que

tinham servido à FEB nos campos da Itália, depois do término da Segunda Grande Guerra

Mundial. Percebeu o grande interesse que dispertavam as armas, objetos e apetrechos de

guerra trazidos pelos soldados e imaginou a importância de reuni-los para juntos pudessem

testemunhar esse feito histórico. Nascia a idéia do museu.

A 22 de agosto de 1945, data que se convencionou consagrar ao expedicionário de Mirassol

ele fundou o Museu, inicialmente guardando seu acervo em sua própria casa. Partiu depois a

cata de objetos entre seus concidadãos que pudessem ter interesse na incipiente coleção. O

acervo foi crescendo rapidamente tanto que em 1948 conseguiu do recém empossado

prefeito Antônio Novaes Romeu a concessão de salas especiais no segundo pavimento do

edifício da Prefeitura para expor a coleção. Na gestão seguinte, o museu foi oficializado

através do decreto municipal nº 22 de 8 de setembro de 1953, data de sua inauguração

festiva. (CORREA, 1960: 158)

O Governador Jânio Quadros, 1958 visitou as instalações do Museu de Mirassol. Estava em

plena campanha pela disseminação dos Museus Históricos e Pedagógicos pelo Estado de

São Paulo. A visita de certa forma procurava avalizar e dar respaldo aos planos do Governo

do Estado, já afeito a contestações, juntando a iniciativa dos mirassolenses como parte das

justificativas para tal empenho. Em seu discurso durante a visita, Jânio Quadros enaltece os

“magníficos serviços que (o museu) pode prestar à cultura do interior”. E continua mais

adiante: “A simples presença deste museu, nesta cidade, recomenda a gente de Mirassol. Só

os centros desenvolvidos, os centros voltados para os problemas do espírito, é que se

permitem agasalhar instituições como a que visitamos neste instante.” 108

108 Trechos do discurso pronunciado no Museu Municipal de Mirassol em 12 de janeiro de 1958. (apud CORREA, 1960: 160)

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A partir de 1968 o Museu Municipal de Mirassol abriu as portas de sua sede nova,

especialmente construída para tal fim. A empreita foi fruto de uma parceria entre o poder

público municipal e a Sociedade Cultural Mirassolense. No pavimento térreo encontra-se o

salão de exposições com área de 360 m², salas de apoio e administração e no pavimento

superior o salão do arquivo. Seu acervo abrange várias áreas do conhecimento, cerca de 20

mil fotografias e uma grande coleção de jornais impressos na cidade desde 1920. Faz parte

também da estrutura do Museu, a sala anexa de seu auditório de 230 m² com capacidade para

150 cadeiras, palco e camarins. Esse espaço complementa as atividades do Museu recebendo

apresentações artísticas de dança, teatro, música, e atuando como espaço privilegiado e

representativo em atos oficiais que atendam aos interesses culturais da sociedade local. O

espaço do auditório é reversível e freqüentemente utilizado para abrigar exposições

temporárias, solenidades oficiais, comemorativas e outras de interesse para as atividades do

museu. (CORREA, 1983: 166).

Para se compreender essas e outras iniciativas no campo da cultura e dos serviços sociais em

Mirassol é preciso considerar o trabalho das diversas agremiações sócio-culturais em que de

alguma forma percebe-se a presença ou a influência de Cândido Brasil Estrela e

posteriormente a Fundação de mesmo nome criada por ele. Para isso é importante

instrumento a breve biografia publicada em 3 de outubro de 1967 por Jezualdo D’Oliveira

quando era diretor do Museu. Utilizou para tanto os arquivos dos jornais locais e os arquivos

existentes no próprio Museu.

Cândido Brasil Estrela nasceu em 1893 em Santa Maria Madalena, região montanhosa

fluminense, filho do fazendeiro Manoel Pereira da Estrela de origem portuguesa e de Isabel

Freixo Estrela. Aos 14 anos de idade, trazido por seu tio o engenheiro José Teixeira Portugal

Freixo veio morar em Araraquara onde o tio estava estabelecido com um escritório de

agrimensura e tinha grande volume de trabalho com a abertura das terras novas e as divisões

judiciais das terras. Teve uma formação eclética e privilegiada, estudava humanidades no

Colégio Marchetti complementada com lições de matemática e agrimensura por seu tio.109

109 Breve biografia publicada pela Fundação Brasil Estrela em folheto comemorativo de seu Jubileu de Prata em 1977. Autoria de Jezualdo d’Oliveira fundador e diretor do Museu Municipal de Mirassol, em 1967, e de cujo acervo foram retirados os registros e as informações.

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Depois de um breve retorno à sua terra natal, em 1910, mudou-se para Paris, ficando

hospedado durante quatro anos na casa que seu tio mantinha na capital francesa. Lá estudou

no Liceu São Luiz, entrou em contato com a Filosofia Positiva de Auguste Comte e a

Literatura Universal, começando pela grega. Tinha 22 anos quando se mostrava evidente a

conflagração da I Grande Guerra Mundial e o chamado de seu tio fê-lo voltar ao Brasil.

Estabeleceu-se no Rio de Janeiro e iniciou uma intensa atividade literária quando compôs as

primeiras de suas poesias e, apesar da pouca idade, fez amizades com grandes literatos da

época principalmente Olavo Bilac e Coelho Neto.

Mais uma vez seus planos são alterados pelo chamamento de seu tio, agora lhe oferecendo o

encargo de dirigir vastos e numerosos serviços e questões de agrimensura na zona da Alta

Araraquarense, “especialmente na comarca de Rio Preto, serviços esses relativos a questões

judiciais sobre terras, subdivisões e loteamento de grandes glebas, venda e povoamento das

mesmas”. Para esse fim retornou à região de Mirassol, município que tivera sua elevação

decretada em 1910. Esse trabalho permitiu-lhe enriquecer participando de transações de

compra e venda de milhares de alqueires de terras, abrindo inúmeras fazendas e povoações.

Na região subdividiu e negociou grandes glebas como a Fazenda Pitangueiras onde ajudou a

incrementar o crescimento da vila que deu origem ao município de Nova Granada, e do

mesmo modo ajudou a implantar, em 1920, a cidade de Bálsamo na fazenda de mesmo

nome e teve participação na implantação de núcleos urbanos que geraram cidades como

Mira-Estrela e Cosmorama. Seu espírito irrequieto estava atento a todas as boas

oportunidades e modernizações que ampliavam e melhoravam seus negócios.

Casou-se em 1917 com Maria da Glória Medina e teve quatro filhos, ainda em São Paulo, e

foi residir com a família na extensa Fazenda Pentateuco Colombo que fundou em parceria

com seu irmão Basileu. Dedicou-se à agrimensura, pecuária, indústria, comércio e atividades

bancárias. Ali formou um cafezal de mais de 200.000 pés, além dos outros 100.000 da

Fazenda Brasil e 50.000 pés de eucalipto da Fazenda Laranjal. Cultivavam extensos

canaviais, montaram serraria, máquina de beneficiamento de cereais e moderna fábrica de

açúcar e aguardente. Sua moradia na fazenda dispunha de exclusiva linha telefônica que

ligava diretamente com São José do Rio Preto, verdadeira raridade no meio rural.

Em 1918 transferiu-se para São José do Rio Preto onde, sempre em sociedade com seu

irmão Basileu, montou uma casa de secos e molhados e de compra e venda de cereais em

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larga escala perto da estação ferroviária, sem, contudo deixar suas atividades como produtor

rural

A partir de 1924 passou a residir definitivamente em Mirassol, Aí, no mesmo ano, adquiriu

do Sr. Abrahão Heikel o Cine São Pedro. No ano seguinte iniciou a construção do atual

Cine-Teatro São Pedro voltado diretamente para a praça central da cidade. O projeto foi

encomendado ao conceituado escritório de Ramos de Azevedo da capital e foi inaugurado

em 1929, aclamado como um dos mais bonitos do interior, quando a situação econômica

mundial vivia momento muito difícil. Cândido Estrela, então, se referia ao Cine-Teatro que

acabara de inaugurar, como o “Palácio da Arte e da Alegria”. Gastou ali centenas de contos

de réis, uma grande fortuna para a época. Levou adiante seu projeto sustentando o

funcionamento do Cine-Teatro apesar da crise geral, para combater a atmosfera de intenso

desânimo que assolava a todos e estagnava o progresso geral. O Curioso projeto instalava

nos pavimentos superiores do mesmo edifício o Hotel Municipal que era considerado de

excelente nível.

Fig.24 Cine Theatro São Pedro. Reunia no mesmo edifício as funções de cine-teatro e hotel. Acervo da Prefeitura de Mirassol.

Fig. 25 – Platéia do Cine Theatro São Pedro. Foto do autor.

Ajudou a fundar, em 1930, a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Mirassol

integrando a primeira comissão diretora e a partir do ano seguinte foi sucessivamente reeleito

por 33 anos consecutivos através de voto secreto. Como diretor construiu a sede própria da

entidade e ao lado dela o “Nicho Sagrado”, gesto simbólico de respeito à memória da

fundação da cidade, onde está guardado o cruzeiro de aroeira que foi fincado em solo

mirassolense pelos fundadores logo após a abertura da primeira clareira na mata original.

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Entre 1931 e 1946 foi provedor da Santa Casa de Misericórdia de Mirassol a que ajudou a

fundar, construir e instalar. Em 1932 tomou parte ativa na Revolução Constitucionalista

organizando a milícia MMDC em Mirassol e mais ainda se juntando ao último grupo de

voluntários responsáveis pela posição de defesa no porto de Tabuado na divisa com Mato

Grosso, sendo designado comandante intendente da Força. Em 1933 liderou a luta vitoriosa

pela alteração do projeto de extensão dos trilhos da Estrada de Ferro Araraquarense que

desviava de Mirassol. Em 1945 liderou a caravana que em visita ao Intendente do Estado de

São Paulo, Fernando Costa, convenceu-o a oficializar a Escola Normal de Mirassol que ele

ajudara a fundar e estava em funcionamento desde 1928.

Em 3 de outubro de 1952, dia de seu 59º aniversário, cria a Fundação Cândido Brasil Estrela

provendo-a com metade de seus bens. À sua família coube a outra metade. Essa resolução,

feita em vida não foi ratificada oficialmente de imediato. Depois de sua morte em 1964, seus

familiares decidiram ratificar sua decisão. Para constituição do patrimônio da Fundação

foram doadas 2 propriedades rurais no município de Mira-Estrela somando 220 alqueires

com um grande número de cabeças de gado e na zona urbana vários edifícios entregues em

comodato à Prefeitura Municipal para serem usados sem custos ao erário: Edifício da

Prefeitura, Câmara de vereadores, Biblioteca, Centro de Saúde, Delegacia de Polícia, Cadeia,

Correio, três escolas primárias e clube recreativo. Em Mirassol deixou para o patrimônio da

Fundação 11 prédios de aluguel para obtenção de renda para a manutenção do Lar dos

Velhinhos, o próprio Lar dos Velhinhos e a antiga moradia do doador para servir de sede à

Fundação.

Essas iniciativas são esclarecedoras não só para traçar o perfil da personalidade de Cândido

Brasil Estrela, mas também para ressaltar que suas empreitadas deixaram grandes marcas na

forma de organização dos grupos sociais locais. Sua liderança em diferentes movimentos,

mas principalmente suas vitórias como homem de negócios, dão respaldo inconteste para

suas iniciativas no campo da educação e cultura e o apoio fiel dos governos municipais que

se sucederam. Seu poder político extravasava os segmentos partidários e esse poder ele

soube capitalizar nos mais variados intentos e é notável que o tenha feito em campos tão

desprestigiados pelos administradores públicos como saúde pública, educação e fomentos

culturais. Cândido Estrela abriu caminhos em terrenos pedregosos e por isso não se vê

muitos seguidores entre seus iguais. Foi um capitalista romântico que soube enriquecer se

aproveitando de sua grande visão e oportunismo, mas que não perdeu seu inconformismo

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juvenil de retocar o espaço em que vive. Ganhou muitos admiradores e colocou o serviço às

causas sociais e culturais na pauta dos exemplos a serem seguidos. Sua participação em

inúmeras associações contribuiu para que ganhassem eficácia e valorização por parte de uma

sociedade sem tradição na organização associativa.

O Museu Municipal de Mirassol passou a ser administrado pela Sociedade Cultural

Mirassolense a partir de 1954 quando foi criada para manter o Museu e a Corporação

Musical Juvenal Noronha em regime de parceria com o poder público municipal através de

repasses de verbas. Entre suas atribuições está também organizar e vivificar iniciativas no

campo das artes e no fomento à educação, produzir exposições temporárias e eventos

comemorativos. Entre os fundadores da associação em 26 de dezembro de 1954 estava o

próprio Cândido Brasil Estrela dirigindo a assembléia realizada na Prefeitura Municipal,

secretariado por Jezualdo D’Oliveira. (CORREA, 1983: 266)

Fig.26 – Museu Municipal Jezualdo d’Oliveira antes da reforma em 2007. Foto do autor.

Fig. 27 – Museu depois da reforma em 2008. Foto de divulgação da Prefeitura de Mirassol.

Segundo Regina Helena Fosati110, chefe administrativo do Departamento de Cultura da

Prefeitura de Mirassol e Vice-presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Cultural

Mirassolense, o custeio da manutenção do museu é feita através de verba determinada pelo

Secretário da Cultura. O quadro de funcionários está incompleto, havendo sobreposições de

funções. Não existe profissional habilitado em museologia e os serviços específicos de

manutenção do acervo são feitos por técnicos e profissionais liberais de Mirassol e de São

José do Rio Preto. 110 Entrevista concedida ao autor em 13 de julho de 2007 nas dependências do Cine-Teatro São Pedro em Mirassol (SP).

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Fig.28 – Sala de exposição do Museu Municipal Jezualdo d’Oliveira. Foto divulgação da Prefeitura de Mirassol.

Fig. 29 – Diorama com fauna da região de Mirassol. Foto divulgação da Prefeitura de Mirassol.

O Museu passou por ampla reforma de suas instalações que perdurou de junho de 2007 a

abril de 2008. A Prefeitura local em parceria com a Associação de Moradores do Recanto de

Alá, um condomínio residencial de Mirassol, arcaram com os custos da reforma. Seu acervo

encontra-se novamente exposto à visitação. Compõe-se de várias secções temáticas

envolvendo a história da fundação e desenvolvimento do município, arquivos de

documentos antigos da Prefeitura; arquivo de fotografias com mais de 20.000 itens; filmes

de eventos e festas populares; outras secções reúnem objetos da vida cotidiana dos

mirassolenses como instrumentos de trabalho de várias épocas, máquinas e utensílios,

objetos de uso religioso e de caracterização etnográfica como utensílios indígenas e de povos

imigrantes. Também se encontram animais empalhados, embalsamados, achados fósseis,

exemplares mineralógicos, etc. Outras secções são dedicadas aos objetos de uso dos soldados

da Força Expedicionária Brasileira – FEB, dos soldados constitucionalistas da Revolução de

1932, peças de tortura do período escravocrata, e outros.

* * *

Barra Bonita foi elevada à condição de estância turística pela lei estadual nº 2109 de 14 de

setembro de 1979. Grande produtora de tijolos e telhas cerâmicas explorando a argila farta

das margens do rio Tietê, a cidade nasceu e cresceu, no entanto, dentro do grande

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movimento que a exploração da cultura do café propiciou em todo o oeste paulista no início

do século XX. Para sua emancipação política e administrativa recebeu a ajuda eficaz através

da intervenção direta do então ex-presidente da República Campos Salles, que possuía uma

fazenda de café naquele que então era um distrito do município de Jau.

A partir da segunda metade da década de 50 com a construção das usinas hidrelétricas de

Barra Bonita e Bariri que represaram as águas do Tiête, a cidade teve sua relação com o rio

intensificada. Durante os anos 70 pôde desenvolver uma outra atividade econômica – o

turismo – explorando os potenciais de lazer esportivo e contemplativo oferecidos pelas belas

paisagens, o transporte fluvial, as praias artificiais, gastronomia, clubes recreativos e uma

estrutura de hotelaria e campismo montada para receber os turistas.

Essas foram iniciativas do poder público municipal que arcou com as maiores benfeitorias.

Feiras, festas e eventos promocionais da indústria local foram sendo acrescentados ao

calendário turístico da cidade. O museu de Barra Bonita teve sua implantação associada ao

conjunto de incrementos municipais visando o aprimoramento turístico.

Diz a Portaria nº 491 de 29 de agosto de 1985 que institui o grupo de trabalho visando a

criação do Museu Histórico e a elaboração da história de Barra Bonita:

“(...) Considerando que outras cidades turísticas possuem seus museus históricos como ponto de atração; Considerando que a criação do Museu de Barra Bonita e a elaboração de um livro ilustrando a história da cidade terão influência direta no desenvolvimento cultural da nossa gente; Considerando que toda a rede escolar terá também, uma grande fonte de pesquisa e consultas com a existência do Museu; e Considerando que este será o principal meio de preservar um considerável acervo histórico que existe em poder de particulares e órgãos públicos que aos poucos vai se deteriorando, Resolve: Artigo 1º - Instituir um Grupo de Trabalho composto pelos elementos abaixo citados para, numa primeira fase, apresentar um relatório sobre as reais condições da criação de um Museu Histórico e a elaboração de um documento versando sobre a História de Barra Bonita e, em seguida, numa fase executiva, tomar as providências que se fizerem necessárias para a concretização dos mesmos: 1- Luiz Saffi – Presidente; 2- Célia Stangherlin; 3- Renato Adamo Bolla; 4- Irio Color Bombonatti (...)’’

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O museu e o livro deveriam servir ao propósito de reunir fatos e objetos que servissem

como fonte de pesquisa aos estudantes e munícipes, além de oferecer um incremento

turístico. Das quatro pessoas que compunham a comissão, Saffi era um colecionador de

jornais e documentos históricos, Bombonatti e Bolla escreviam sobre a história local

nos jornais da cidade e Célia era notória conhecedora da história oral que animava as

muitas conversas em família. Nenhum deles, porém, tinha a mínima idéia de como se

compunha um museu.

Fig.30 – Museu Histórico Municipal Luis Saffi de Barra Bonita. Foto do autor.

Fig. 31 – Sala de exposição de máquinas e ferramentas de indústrias locais. Foto do autor.

O museu era idéia antiga de Wadih Mucare. Desde sua primeira gestão como prefeito na

década de 70 já enxergava essa necessidade. A convocação oficial do grupo de trabalho

veio em 1985 na sua segunda gestão.

Célia Stanghelin, relata as dificuldades, expectativas e soluções encontradas para levar a

cabo a missão que receberam do prefeito da época Wadih Mucare. Célia conta que todo

começo de ano letivo, por volta de 19 de março, era convidada a dar palestras nas

escolas de Barra Bonita falando sobre a história da cidade. Com o tempo mais alunos

afluíam para a prefeitura em busca de subsídios para seus trabalhos. Era uma

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confirmação da necessidade da criação do museu e da produção de um levantamento

histórico que propiciasse o acesso dos estudantes ao estudo da história local.111

Filhos e netos de imigrantes italianos, perteciam às famílias pioneiras trazidas para o

trabalho nas lavouras de café. Os quatro cresceram ouvindo as histórias desses tempos

de muitos sonhos e muito trabalho. Desde os esforços para a mútua proteção e

assistência à saúde, até as agremiações de preservação cultural, dessas famílias sairam

vários políticos e prefeitos para o município. Eram quatro amadores, presididos por Luis

Saffi, ex-prefeito e ex-vereador, colecionador de jornais e objetos antigos pertencentes à

história da cidade. Em comum tinham grande apreço ao fato de pertencerem à família

de imigrantes italianos pioneiros na região. Com o suporte financeiro da Prefeitura que

arcava com as despesas de material e das viagens de pesquisa, essa comissão pôde

durante um período de 3 anos levantar dados e visitar museus da região: os Museus

Históricos e Pedagógicos Jorge Tibiriçá do município de Jaú e Padre Manoel da

Nóbrega do município de São Manoel. Foi através das orientações e modelos visitados

desses museus e da assessoria da museóloga do museu de Jau que o grupo pode

orientar-se para a definição do modelo que pretendiam. Todo seu acervo foi formado

com doações que vieram em resposta às campanhas veiculadas por rádio e jornais do

município para esse fim. Visitavam também as famílias de potenciais doadores

oferecendo a segurança da guarda e o benefício que tal doação poderia trazer para o

museu e seus visitantes.

Procuravam demonstrar, segundo Célia, que a função do museu era o registro histórico,

o resgate, a memória, o empenho das pessoas na construção da história da cidade. O

museu é um panteão da memória da cidade. É dinâmico e permanece como registro da

vida, da cultura local.

O Museu de Barra Bonita, não se configura pessoa jurídica, mas, apesar de seu quadro

de pessoal incompleto, desenvolve importante trabalho de pesquisa e produz exposições

temporárias com peças de seu acervo, peças emprestadas de colecionadores e de outros

museus. É intensamente visitado por escolares de todos os níveis de ensino, inclusive

desenvolve pesquisa em nível de pós-graduação, auxiliando pesquisadores das

111 Depoimento de Célia Stangherlin colhido em 24.01.2007

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universidades da região. Conta com extensa lista de parceiros entre instituições e

simpatizantes individuais que informalmente contribuem para o desenvolvimento dos

trabalhos do museu.

O Museu não possui reserva técnica, todo o acervo se encontra exposto no edifício que

abrigava a Estação Ferroviária desativada e que hoje ocupa lugar de destaque em meio

aos equipamentos urbanos que compõem o pólo turístico da cidade. Janaína, a

responsável pelo museu, formada em jornalismo e única funcionária fixa, conta com a

ajuda de dois estagiários para desenvolver todas as atividades do museu.112 Apesar

dessa limitação de pessoal e sem provisão orçamentária, Janaína desenvolveu uma rede

de colaboradores do museu de aproximadamente 40 pessoas que a auxilia nas mais

diversas necessidades, desde pequenos reparos no edifício até equipamentos utilizados

em exposições temporárias ou atividades culturais promovidas pelo museu.

O Museu Histórico Luís Saffi, sob a direção informal de Janaína, disponibiliza

freqüentemente material (jornais impressos da hemeroteca, fotografias arquivadas

antigas e atuais, filmes, documentos, etc) para execução dos trabalhos da mídia

impressa, radiofônica e televisiva local e regional; Faz coleta, identificação,

catalogação, descrição, manutenção e preservação do material histórico documental

(fotografias, jornais, revistas, filmes, entre muitos outros objetos expostos e abrigados

no acervo); realiza entrevistas com barra-bonitenses, dos mais variados segmentos

sociais, que se destacaram e se destacam na história da cidade e moradores antigos – os

quais são contribuições das mais importantes para compor a memória oral do

município; realiza levantamentos fotográficos de pontos históricos e/ou turísticos,

monumentos, prédios públicos, praças, casas e personalidades de Barra Bonita para

suprir necessidades atuais e futuras como fonte de pesquisa para atender principalmente

estudantes de arquitetura, história, turismo, engenharia civil e jornalismo; presta

monitoria às visitas escolares e excursões turísticas com discurso voltado para cada

público específico de acordo com faixa etária e grau de escolaridade; mantêm contato

freqüente com museólogos, jornalistas, arquitetos, pedagogos, professores de história e

profissionais de áreas afins, para tirar dúvidas e discutir idéias sobre museologia,

museografia, patrimônio, educação, etc;

112 Depoimentos colhidos em 3 visitas técnicas em 23 e 24 de janeiro de 2007 e 15 de maio de 2007.

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Existe parceria entre o museu e as escolas da Cidade e os alunos elaboram trabalhos de

pesquisa, com frequência utilizando-se do acervo. Há também excepcionalmente,

funcionamento do museu durante a noite para atender as possibilidades de algumas

faculdades; o museu conta com a colaboração de voluntários do curso de turismo e

história que se prontificam a ajudar na organização e divulgação das atividades. Vale

lembrar que muitos desses alunos são ou foram estagiários do museu e elaboraram suas

monografias com o material do acervo.

Janaína ainda está escrevendo um livro sobre os poderes Legislativo e Executivo de

Barra Bonita encomendado pelo advogado e presidente da Câmara Municipal, Antonio

Marcos Gava Junior. No livro devem constar as biografias de todos os prefeitos e

vereadores que já fizeram parte da nossa história política e dos atuais também - período

que compreende de 1913, ano da primeira composição da câmara, até 2008.

A informatização colabora para dinamizar as pesquisas, agilizar a coleta de dados,

minimizar o desgaste dos documentos e jornais originais, armazenar o acervo

fotográfico e impresso com maior segurança, além de reorganizar os acervos

documentais nos suportes textual, gráfico e fotográfico, promovendo atividades de

restauro ou recuperação física, produzindo inventários e outros instrumentos capazes de

garantir o acesso público aos seus registros. Já foram copiadas, restauradas,

identificadas e classificadas mais de 600 fotografias do acervo do museu.

Recentemente um sistema de segurança foi implantado. Com o alarme o acervo está

menos vulnerável a atos de vandalismo e depredação, proporcionando à comunidade

barra-bonitense um estímulo a doações, aumentando o acervo e resgatando a confiança

dos cidadãos - que se encontrava abalada devido aos roubos, falta de segurança e

comprometimento da integridade física dos objetos. Outro beneficio é a credibilidade

que a instituição adquiriu para que sejam promovidos eventos, mostras, exposições com

objetos emprestados de outros museus, assim os intercâmbios serão facilitados e cada

vez mais freqüentes.

O Museu ainda presta importante serviço de assessoria nas pesquisas de muitos

universitários, mestrandos e doutorandos atendidos pelo Museu “Luiz Saffi”

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recentemente: Roberto Massei, professor de história e doutorando que desenvolve

pesquisa sobre as implicações e impactos sociais, ambientais do ciclo oleiro de Barra

Bonita utilizando materiais como: fotos de parques ceramistas, jornais, documentos,

entrevistas, biografias, filmes; Simão Podolsky, engenheiro civil e responsável pelo

Museu Campos Salles - Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, que utiliza

documentos da Fazenda Banharão e fotos e textos do presidente Campos Salles

existentes no acervo; Flávia Tiemi Suguimoto, mestranda do curso de turismo na USP

com a tese “Paisagens do Médio Tietê: formas de uso e apropriação de suas águas para

lazer” onde utiliza fotografias antigas e recentes da orla do rio Tietê, textos, jornais,

livros de escritores de Barra Bonita sobre o tema pesquisado. Outros pesquisadores,

acadêmicos, políticos, professores, artistas, profissionais da imprensa, entre outros

segmentos profissionais realizam pesquisas também.

Para Janaína, os profissionais da educação precisam ser conscientizados da importância

da monitoria como instrumento para agregar conhecimento aos alunos em qualquer

área.

“A maioria dos educadores não possuem experiência de como trabalhar com os recursos do museu.

Não receberam preparo na sua formação acadêmica, no sentido de utilizar-se dos mesmos como

meios educativos e acabam fazendo uso do museu apenas como ilustração e lazer. O museu pode

ensinar um pouco de tudo: de história, de física, de biologia, geografia até matemática”.

Em geral, os museus apresentam objetos, fotografias, textos, vídeos, desenhos, figuras,

formando um discurso. O monitor atua através das linguagens verbal e gestual mais

familiares aos visitantes e, dessa forma, estabelece uma mediação entre a exposição e o

público, facilitando a compreensão das mensagens propostas pela museografia e

possibilitando que o visitante construa suas significações. Janaína conclui:

“A partir dessa ‘ponte’ construída pelo monitor é que podemos falar no potencial educativo de um museu, pois o discurso museográfico permite materializar mensagens, pensamentos e abstrações, mas necessita de alguém para traduzir, junto com o professor, essa linguagem”.

As instituições museológicas podem contribuir muito para o trabalho do professor.

Janaina destaca alguns itens importantes que devem ser levados em conta pelos

professores ao planejarem sua prática didática e sua metodologia antes de visitarem um

museu: definir os objetivos da visita; conhecer a instituição antecipadamente para fazer

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um levantamento do acervo e espaço a ser trabalhado; preparar os alunos para a visita

com exercícios de observação, estudo de conteúdos e conceitos; elaborar maneiras de

dar continuidade na sala de aula aos trabalhos relacionados à visita; avaliar o processo

educativo que envolveu a atividade, a fim de aperfeiçoar o planejamento das novas

visitas.

Os projetos de exposição desenvolvidos no Museu de Barra Bonita têm um interesse

especial pelas abordagens dos diversos valores e elementos sociais. Outros personagens

passam a merecer a atenção do museu como representação de uma sociedade mais

complexa e culturalmente mais rica. O universo do bóia fria, as manifestações artísticas

de rua, as raízes caipiras e culturas populares tradicionais são outros enfoques e leituras

nas exposições temporárias e movimentam outros públicos em direção ao museu. Abre-

se, portanto, novas portas para um museu que nasceu bastante focado numa

historiografia que privilegiava o elemento pioneiro, as famílias e os negócios

precursores, enfim, a cultura branca do homem europeu.

Fig.32 – Grupo de estudantes recebem visita monitorada. Foto acervo do Museu.

Fig. 33 - Índios Terena representam o ritual da dança do bate pau para estudantes de Barra Bonita no páteo do Museu. Foto do acervo do Museu.

Um exemplo dessas exposições abordava a cultura indígena dos remanescentes dos

índios terenas da reserva de Avaí, cidade da região de Bauru, próxima de Barra Bonita.

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O projeto estabeleceu parcerias com as escolas locais que puderam contar com o

agendamento de monitoria e auxílio para a elaboração dos trabalhos escolares dos

estudantes. Ponto central da exposição, um número grande de terenas apresentaram seus

rituais, língua e costumes aos estudantes reunidos na praça defronte ao museu. Lá

dentro, objetos de arte plumária, utilitários, ornamentos, cerâmica, estavam expostos

graças a uma parceria entre o Museu Luís Saffi de Barra Bonita e o Museu Histórico e

Pedagógico Índia Vanuíre da cidade de Tupã. 113. Além das peças indígenas de seu

acervo o museu de Tupã também cedeu uma coleção de 20 trabalhos em aquarela do

artista José Lanzelotti produzidos em 1949 e que retratam diversos povos indígenas.

Fotografias atuais dos terenas de Avaí, expostas na sala principal do museu foram outro

atrativo para o visitante.

Os índios apresentaram a dança típica do bate-pau realizada pelos homens da tribo em

dois momentos: as nove horas da manhã e as três horas da tarde, para que os alunos das

escolas dos dois períodos pudessem assisti-los. Artesanatos produzidos pelas mulheres e

crianças da aldeia ficaram expostos para venda durante toda a semana do dia 16 ao dia

22 de abril. Na ocasião, Edenilson Sebastião, o Chicão - chefe da aldeia Kopenoty e

representante da Funai de Bauru e Cláudio da Silva Felix – vice-diretor da escola da

aldeia em Avaí, fizeram palestras sobre a condição do índio e os meios de preservação

de seu cultura na atualidade.

Janaína explica que o principal objetivo da exposição foi oferecer aos estudantes e

usuários do Museu uma imagem mais próxima do índio como alternativa àquela figura

distante, intocada. O elemento indígena está tão presente no povo brasileiro como o

branco ou o negro. E salienta:

“É importante que uma atividade dessas aconteça no museu porque os museus de um modo geral seguem um estilo europeizado, etnocêntrico. Acham relevante só o que diz respeito aos brancos, imigrantes da Europa, e se esquecem de que para nós brasileiros, que somos multiétnicos, o negro e o índio são tão importantes quanto o europeu.” O museu de Barra Bonita, no entanto, prossegue com suas atividades quase sem

recursos financeiros. Para supri-los, arregimenta-se um pequeno batalhão de

113 O Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre foi criado em 1966 e é um dos seis museus da rede que permanecem sob a administração do Estado, através da Secretaria da Cultura.

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simpatizantes que, sob a orientação de Janaína, vão mantendo vivo um trabalho que aos

poucos vai conquistando o reconhecimento dos barra-bonitenses.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O museu como conceito popularmente construído, remete à idéia de coleção de objetos e

documentos históricos, cristalizações e estratificações dos modos de vida, das heranças e

dos passos percorridos pelos homens do poder. Há ai a mensagem de um distanciamento,

de uma inevitável separação de mundos: do lado de dentro o poder representado nos

objetos do museu enfurnados em redomas e circuitos de segurança e do lado de fora o

observador. Uma expressão mais complexa dessa dualidade simplista é a matéria de

trabalho das propostas contemporâneas dos profissionais de museus. De que objetos e de

que representações a exposição museológica deve se incumbir? Quem é o observador,

esse ente genérico que encerra uma infindável quantidade de interesses e desinteresses?

Há que se lembrar que museu e seus objetos não vivem sem seu complemento

obrigatório: o olhar do visitante, esse elemento fundamental e indefinível por sua

natureza sempre singular e exclusiva. Aqui vale citar o dizer de Hugues de Varine,

honorável ex-diretor do Conselho Internacional de Museus – ICOM/UNESCO para

quem l’exposition et chacan des objects, documents, ensembles, étiquettes qui la

composent n’existent que dans l’ intelligence du public (VARINE, 1994: 52). Esse

conceito presente que assegura à participação do público uma importância maior está

longe de ser totalizante, ou mesmo conferir frações igualitárias dentro de uma

diversificação menos abrangente.

Mais adiante, Varine especifica o papel do visitante da exposição museológica, cujo

olhar dá necessariamente a ela uma multiplicidade de sentidos, interpretações, efeitos

ativadores de lembranças pessoais e mesmo afetividades ativadas pela memória trazendo

a questão dos significados das exposições para uma dimensão individual. Complementa

Varine:

Je prefere d’ailleurs parler ici du visiteur, être unique dans sa connaissance et dans son expérience, dans son affectivité et dans sa capacité de réaction et de traitement de l’information, plutôt que de public, ou même dês publics, expressions qui supposent une uniformité ou dês classifications d’ordre statistique: le visiteur ‘moyen’ n’existe pas. (VARINE, 1994: 52)

A diversidade deve ser o foco a reger as ações dos museus tanto no que diz respeito aos

diferentes componentes sociais representados em seus acervos, como diversas

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expectativas quanto à recepção dos conteúdos das exposições museológicas por parte do

público. Aqui utilizado o termo “público” na forma singular para enfatizar, na verdade, a

impropriedade do seu plural públicos e mais ainda público de museu como idéia de

agrupamentos identitários.

O museu é o espaço de diálogo entre o acervo possível e o observador em busca de

conhecimento, mediados pelo modo como é exposto. O papel dos museus é dar vida a

essa equação essencial. Nela se aplicam as variáveis que vão dar a forma identitária ao

próprio museu e carregam subjacentes, algumas questões. Que interesses estiveram ou

estão envolvidos? Que objetos estão ali e porque não outros? Que conhecimentos podem

ser inferidos ou fomentados por eles? Como e com que meios podem ser expostos?

O conceito de coleção vem sofrendo transformações desde a Antigüidade, momento em

que era nitidamente uma expressão de destaque da individualidade do colecionador

dentro de um grupo. Com o renascimento das culturas grega e romana passam a ser

tesouros que descrevem fenômenos. Como os gabinetes de curiosidades, coleções

patrocinadas pelos nobres europeus do período das monarquias absolutistas que já

associam os objetos com uma intenção científica de conhecimento do mundo e das

artes. As novas classes ascendentes, os burgueses, tomaram emprestada tal expressão de

poder e deram a ela uma dimensão pedagógica reproduzível e disseminadora. No século

XIX, o avanço das sociedades capitalistas e o necessário desenvolvimento dos mercados

fizeram com que o grande capital privado reconhecesse seu papel de agente de fomento

da universalização da educação e dentro desse fenômeno social estava inserido também

o trabalho educativo dos museus.

No Brasil o Museu foi implantado como parte das medidas civilizatórias da coroa

portuguesa a fim de preparar o país como campo de avanço da nação lusitana. As

iniciativas do Príncipe Regente e depois Rei D. João VI procuravam elevar

culturalmente as lideranças das terras de além mar como forma de diminuir as distâncias

que separavam a colônia da corte de Lisboa.. Para tanto lançava mão de incrementos de

toda sorte para criar condições favoráveis à perpetuação da coroa em mãos bragantinas.

O Museu e outras iniciativas no âmbito da produção científica e artística injetaram os

primeiros ares de “civilidade européia” na antiga colônia e certamente teriam papel

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impulsionador da construção de uma mentalidade nacional a ser capitalizada pelo

monarca ou seus descendentes. A Academia Militar, o Museu, o Horto Botânico, a

Escola Real de Belas Artes, as Faculdades de Direito e de Medicina são evidências do

quanto

(...) as iniciativas de D. João , visando a “transformar a grande aldeia do Rio de Janeiro na nova capital do império português”, foram a mola propulsora de um movimento científico e artístico, que, trazendo para dentro da órbita da nossa pátria viajantes, cientistas e artistas estrangeiros sem número, sem precedentes e organizados em missões com objetivos definidos, lançou as bases do desenvolvimento de vários setores da atividade científica no Brasil” (BARRETO: 2001, 131)

O museu, portanto, foi introduzido oficialmente no país dentro de uma perspectiva de

agente divulgador dos valores europeus, para transformar a terra brasileira numa espécie

de extensão avançada da metrópole. O Museu Nacional e a Academia Imperial de Belas

Artes herdaram esse propósito. Seguindo nessa linha é implantado em Belém o Museu

Paraense Emílio Goeldi que inaugura na Amazônia esse importante centro de estudos

das ciências naturais no país e o primeiro grande centro de pesquisa fora da capital Rio

de Janeiro. O Museu Paulista, monumento que comemora a proclamação da

independência, procura transferir para São Paulo parte da simbologia do poder é o nosso

quarto museu do século XIX sendo inaugurado somente em 1895, já no período

republicano. Essa vocação de museu histórico veio ser consolidada para as

comemorações do primeiro centenário da independência em 1922, já com pretensões de

rivalizar com os museus da capital federal.

Foi a partir de um conjunto de idéias fomentadas no bojo do republicanismo que vai

alterando significativamente o papel dos museus e sua abrangência no Brasil. A idéia de

uma construção de nação, de uma pátria cívica; poder decisório emanante do povo,

universalização do conhecimento através da instrução pública são novos conceitos que

vão ganhando força e transformando não somente a ação dos museus, mas de toda a

política educacional. A tão propalada universalização do ensino entrou na pauta dos

discursos políticos das novas correntes ideológicas, do positivismo às novas teorias

pedagógicas. Dentre elas o movimento da Escola Nova que exerceu a mais significativa

influência. Foram as propostas escolanovistas que indicaram a aproximação mais

objetiva entre educação pública e museu, fazendo com que os grandes museus se

preocupassem em desenvolver seus departamentos pedagógicos, seguindo uma

tendência originada principalmente nas políticas educacionais dos museus norte

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americanos, sobretudo os museus de arte e dentre eles o Metropolitan Museum de Nova

York.

Com a modernidade veio o projeto de uma sociedade industrial e científica calcadas nas

utopias de socialização do conhecimento e da organização racional dos espaços urbanos.

Este modelo traz intrinsecamente a idéia de universalização da educação pública como

fator de desenvolvimento social. É o momento em que a linguagem dos museus começa

a ser disseminada pelos quatro cantos do mundo associada às instituições de ensino. No

Brasil começa a ser renovada com a criação do Museu Histórico Nacional, a

remodelação da Escola Nacional de Belas Artes e a redefinição do Museu Paulista como

museu histórico e a criação do Museu Republicano Convenção de Itu a ele subordinado.

Antes, em 1905 em São Paulo, tivemos a implantação da Pinacoteca do Estado

associada ao Liceu de Artes e Ofícios. Nas décadas seguintes tivemos uma profusão de

museus sendo implantados: o Museu de Arte de São Paulo, os Museus de Arte Moderna

de São Paulo e Rio de Janeiro, estes pela iniciativa de colecionadores privados. No

âmbito federal, o governo de Getúlio Vargas intensifica sua política de cultivo aos

valores nacionais com a criação de quatro museus históricos originados com o intuito de

propagar os grandes ciclos históricos a serem reverenciados por todos os brasileiros,

acima dos regionalismos: o Museu das Missões, em 1940, em Santo Ângelo (RS)114 que

cria uma visualidade do período colonial brasileiro retratando o projeto jesuíta e a

aculturação do elemento indígena; o Museu do Ouro em Sabará, em 1945 que enfoca o

ciclo do ouro e a condição de um Brasil colônia; o Museu Imperial de Petrópolis que

representa e divulga a simbologia do Brasil Monárquico; e o Museu da Inconfidência,

em Ouro Preto a reunir a cultura material do projeto de independência gestado em Vila

Rica e cujo papel é a representação da nascente idéia de um Brasil republicano.

(MIZAN, 2005: 88)

O euclidianismo nasceu mergulhado nesse espírito. O culto ao patriota desprendido,

intelectual republicano cuja ação profissional teve palco em distantes regiões brasileiras

reunia intelectuais ligados à educação como foi o caso exemplar de Francisco Venâncio

Filho, um de seus líderes. A Casa Euclidiana de São José do Rio Pardo é uma

construção em que se associam as lideranças intelectuais do movimento euclidiano e os

114 Hoje o museu está circunscrito no município de São Miguel das Missões, desmembrado de Santo Ângelo.

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amigos e admiradores de Euclides, rio-pardenses que foram se juntando desde a

primeira romaria cívica de 1912. A concretização da Casa Museu e todas as

manifestações de culto à personalidade do escritor; seus engajamentos e lutas; e a

condução das atividades culturais que a cercavam, estavam em pleno acordo com a

política do Estado Novo que propunha uma identidade nacional mais forte. O estado

nacional deveria se sobrepor aos regionais, como forma de desestimular os

regionalismos desagregadores.

A Casa Euclidiana, criada em 1946, centro de uma perfeita integração entre a

intelectualidade, o respaldo político e participação popular passa a ser vista como um

modelo a ser reproduzido pelos administradores do Estado. É nessa esteira que nascem

os quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos do Estado de São Paulo, em

Campinas, Batatais, Piracicaba e Guaratinguetá. Quatro museus a reverenciar a

personalidade dos quatro primeiros presidentes da república civis saídos de São Paulo.

Era, portanto, uma ação em sentido contrário, a afirmar o protagonismo do Estado frente

às demais unidades da Federação. Dois deles, o museu de Piracicaba e de

Guaratinguetá, foram residências respectivamente de Prudente de Moraes e de

Rodrigues Alves.

Expandir o número deles a ponto de formar uma rede de museus estaduais abrangendo

todo o Estado era uma medida natural. O baixo custo de implantação e manutenção

desses museus era fator estimulante, uma vez que os recursos para tanto deveriam sair

do âmbito municipal. A direção a cargo da Secretaria de Estado da Educação assegurava

o respaldo técnico. Os administradores municipais poderiam então deixar uma marca

positiva no campo da cultura em suas gestões.

Paralelamente, a iniciativa da criação do Museu de Mirassol em 1945, demonstra que a

instituição museu era um dado cultural bastante incomum nos pequenos municípios.

Nesse contexto ganha relevo a figura de Jezualdo de Oliveira que requisitava os

pertences usados pelos soldados retornados da campanha na Itália, consciente da

importância do momento histórico que vivia, mas sobretudo, das potencialidades

museológicas da coleção desses objetos. A confirmar a conjectura está o fato de que

Jezualdo, três anos depois, já tinha conseguido fazer as primeiras exposições nas salas

adaptadas no prédio da prefeitura. A personalidade cosmopolita de Cândido Brasil

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Estrela somou-se ao pioneirismo de Jezualdo de maneira que o museu ganhou

amplificadora parceria. Em 1953 tem sua inauguração oficial com a presença do

governador do Estado, três anos antes da implantação dos quatro primeiros Museus

Históricos e Pedagógicos. Em 1954 ganha amparo estatutário com a formação da

Sociedade Cultural Mirassolense para custeio e administração do Museu e de outros

bens culturais. Mais recentemente, com término em abril de 2008, o Museu passou por

ampla reforma que o tirou do estado de abandono. Não deixa de ser ainda notável a

parceria que custeou tal reforma: a Prefeitura de Mirassol com a Associação de Amigos

do Recanto de Alá, um condomínio residencial. O fato demonstra que perdura em

Mirassol a capacidade de organização associativa não governamental intervindo nos

projetos culturais da cidade.

O Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão em Itápolis foi criado a partir

do empenho do prefeito municipal da época, Emílio Mucare que se antecipou a firmar a

parceria de sua administração com o Governo Estadual. Beneficiou-se o museu com a

direção consistente de José Toledo de Mendonça. O fim da expansão da rede de Museus

Históricos e Pedagógicos foi seguido de uma inversão na orientação centralizadora e

hierarquizada da direção da rede para um modelo descentralizado e autônomo sugerido

pela municipalização. A falta de acompanhamento e preparo para que esses museus

pudessem ser geridos independentemente do governo estadual ao invés de promover a

autonomia desses museus pelos municípios relegou-os ao descaso.

Belmiro Baio, diretor de Cultura da Prefeitura Municipal reclama do estado de

abandono do Museu por mais de 12 anos em administrações anteriores115. Com o

afastamento de José Toledo de Mendonça na década de 80 e a falta de interesse na

verdadeira municipalização do museu fizeram com que gradativamente fosse perdendo

o papel relevante que tivera. Goteiras, infiltrações, rachaduras, infestação por cupins e

até o sumiço de vários objetos do acervo foram denunciados. Mas foi principalmente a

inoperância do museu o que mais prejudicou a relação com o usuário. Numa tentativa

recente de reaproximação, a Prefeitura através de seu Setor de Cultura firmou parceria

com uma agência bancária que cedeu espaço para exposições temporárias explorando o

115 Depoimento colhido em 03.05.2007

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acervo do Museu, enquanto aguarda medidas mais eficazes para resgatar junto da

população sua antiga importância.

Como proposições para a reativação dos trabalhos após uma reforma, Belmiro entende

que o Museu possui um acervo muito rico e que permitira muitas abordagens a serem

exploradas em exposições temporárias. Para isso seria necessária a reordenação do

acervo e a criação de um acervo técnico. Parcerias com as escolas com participações

dos alunos em trabalhos conjuntos e projetos especiais de resgate de memória com a

população em geral são as estratégias principais com que se espera reaproximar o

Museu da comunidade.

Alguns aspectos positivos demonstram o grande potencial de exploração para um

trabalho sistematizado do patrimônio do museu. Além do rico e diversificado acervo de

objetos que atestam a cultura material desde os tempos de formação do núcleo urbano, o

museu preserva o antigo edifício do Fórum e Cadeia localizado na região central da

cidade.

As pessoas têm interesse em doar peças e contribuir com o acervo, pois há implícita

nessa atitude, um sentimento que dignifica e enobrece. Todo seu acervo foi constituído

por doações dos munícipes, o que contribui, ainda hoje, para uma cultura do museu

como espaço cívico, de preservação da memória local através da contribuição coletiva.

É ainda uma referência importante como fonte de informações históricas. O acervo

conta com importante coleção de jornais e outras publicações locais que oferece

subsídios às pesquisas, além de expor objetos de interesses variados como nas salas de

objetos sacros, sala de etnografia, arqueologia e história natural, sala de objetos

domésticos e profissionais, armas e condecorações, etc. Além dessas, 3 salas se

destacam por abrigar coleções doadas pelos herdeiros dos colecionadores: a Sala José

Fortuna, compositor, ator, cantor e dramaturgo nascido em Itápolis; a sala Valentim

Gentil, político paulista de renome que teve seu escritório e pertences doados ao acervo;

e a sala com as coleções de José Toledo de Mendonça, o grande idealizador e curador

do Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão.

O Museu da cidade de Rubinéia, de dramática história e simbólico ressurgimento,

merece tratamento museológico que explore o grande potencial emblemático de uma

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grande vitória da resistência daquele povo, que faz a Rubinéia antiga ressurgir acima

das águas graças à teimosia heróica de seus cidadãos.

A pequena sala ao lado da Biblioteca Municipal está repleta de referências a essa

primeira Rubinéia. O acervo do pequeno museu é constituído de objetos de uso

doméstico, máquinas e utensílios; fotografias de edifícios e vistas aéreas do antigo

traçado urbano, bem como das primeiras obras e do traçado da nova Rubinéia; placas de

logradouros públicos; máquinas e utensílios de uso profissional, máquinas de escrever, e

ferramentas agrícolas; mapas e documentos da Prefeitura; pinturas e esculturas

retratando a paisagem urbana e alguns tipos humanos; objetos de cerâmica, cestaria

indígena, etc.

Esse acervo foi levantado na década de 80 pelas doações recolhidas pelos alunos do

Professor de História Nazareth Reis quando lecionava na Escola Estadual Rubens de

Oliveira Camargo. Também contou com a participação da comunidade e respaldo da

Prefeitura Municipal. Naquela época Nazareth Reis desenvolvia uma pesquisa sobre o

movimento de trabalhadores rurais, naquela região, que resultou na dissertação de

mestrado "Tensões Sociais no campo - Rubinéia e Santa Clara D'Oeste" - PUC/SP.

Tinha já alguma experiência no ramo por ter sido co-fundador do Museu Histórico de

Santa Fé do Sul ao lado do Professor Honório S. Carneiro. Segundo o próprio Professor

Nazareth a preocupação do grupo “era guardar toda documentação possível, de cunho

histórico, para que se preservasse a memória de uma cidade que "ressurgiu das águas"

em virtude da formação do lago de Ilha Solteira..” 116 Entretanto nenhuma foto, objeto,

farda ou utensílio que remeta à lembrança de Aparecido Galdino e do povo que o seguia

podem ser encontrados no museu. Este é um exemplo de que os museus no seu ofício de

preservar a memória, servem também ao esquecimento.

No caso baririense, importantes coleções particulares deixaram de ter seu potencial

museológico explorado e posto a serviço do conhecimento da história local. Um

exemplo é a coleção da família Borin, herdeiros do fotógrafo e cineasta José Borin.

Composta por milhares de discos, revista, jornais e equipamentos utilizados por Borin, a

coleção incluia o acervo de seus negativos e fotogramas profissionais de interesse

incalculável aos baririenses, além de seus filmes documentários e até um longa

116 Depoimento do professor Nazareth Reis colhido através de e-mail em 03/01/2007 às 10:54 hs.

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metragem de ficção totalmente rodado em Bariri na década de 20 (ZANOTTI, 1986:

151). Somente a um museu organizado poderia ser confiada a coleção que levou

décadas de trabalho cuidadoso e dedicação apaixonada. Lamentavelmente a

instabilidade das ações nesse campo é de fato desastrosa por minar a confiança de

possíveis doadores e dificultar planos futuros de implantação de um novo museu.

Outra coleção de inestimável valor é a do acervo profissional do fotógrafo Anelo Zenni

que registrou durante várias décadas, os costumes, expressões artísticas, eventos

culturais, religiosos e paisagens da cidade. Os modernos equipamentos de reprodução

permitiriam um rápido e barato meio de exposição dessa coleção.

Todo o trabalho do museu poderia utilizar como referência a produção dos bons

historiadores que, desde os primeiros anos da instalação do município, publicavam o

resultado de suas pesquisas nos jornais locais ou, quando os recursos permitiam, em

livros. Não foram poucos os escritores que se ocuparam da história da cidade. Nos

tempos remotos: Himelino Martins e Antonio de Queiroz, depois Nelson Silveira

Martins, Eugênio Gatto e João Baptista de Mello; mais recentemente José Omar

Giacone, Dirceu Mazzotti e outros mais que poderiam, com suas contribuições, fornecer

diretrizes para condução histórica, aquisições do acervo e organização de exposições.

Em Bariri o projeto de implantação de um museu não estava devidamente amadurecido

como instituição de interesse público no âmbito da cultura. Instalá-lo e mais ainda,

abandoná-lo como projeto cultural não teve impacto relevante junto aos baririenses. É

inegável, porém, o papel construtivo que ainda pode ter como agente produtor de

conhecimento, da compreensão dos agentes sociais e as forças que regem as instituições

que animam a cidade.

O Museu Histórico Municipal Luís Saffi de Barra Bonita, em outubro de 2005, reabriu

as portas depois de 7 meses fechado para reformas. Problemas como os de esgoto,

cupim, infiltrações, iluminação, forro e escada apodrecidos, que colocavam em risco a

integridade do acervo e a segurança física dos visitantes foram sanados. Do acréscimo

de 32% na visitação após a reabertura do museu, 75% são alunos das escolas públicas e

privadas do ensino fundamental, médio e superior de Barra Bonita.117 Em conseqüência

da grande procura do público estudantil as visitas monitoradas oferecidas pela

117 Pesquisa realizada pelo Museu Histórico Municipal Luís Saffi durante o ano de 2006.

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instituição também foram mais requisitadas. Não há dúvidas, portanto, que o museu e a

escola sejam parceiros fundamentais.

Já no início do século XX a Lei Municipal nº 19 de 2 de julho de 1917 que regulava as

atribuições do poder legislativo já mencionava o museu como agente de instrução

pública. No capítulo I que trata do regimento interno da Câmara Municipal em seu

artigo 4º, o inciso 11 incumbe-lhe a responsabilidade de:

“Criar escolas de ensino primário e profissional, cursos práticos de agricultura, horticultura e pomologia, hortos botânicos, postos e estações agronômicas, museus e bibliotecas, com métodos e programas que parecem mais convenientes, mandando nomear ou contratar professores e fixando-lhes os vencimentos ou vantagens” 118

Pelo contexto da lei, supõe-se que o museu deveria servir ao desenvolvimento da

produção agrícola e que, portanto deveria ter seu acervo dedicado ao estudo da botânica

e das ciências naturais. De qualquer forma deveria, assim como as escolas e bibliotecas

servir à instrução pública.

Na década de 70 o prefeito Wady Mucare investe, sem efeito, na formação do primeiro

grupo de trabalho que tinha como missão a implantação de um museu. Voltou a carga,

na década de 80, durante sua segunda gestão, quando instituiu o grupo de trabalho que

finalmente levou a cabo esse intento.

O efetivo reconhecimento do papel do museu percorre inevitavelmente um árduo

caminho. Sem a perseverança e uma política de continuidade e avanço o museu não

alcança uma estabilidade sustentável Hoje, o museu de Barra Bonita atravessa um

momento de intenso trabalho graças ao talento e capacidade de ação de uma jovem

universitária, contratada como escriturária, seus amigos e um pequeno grupo de amigos

do museu que vai se formando. Evidentemente é uma situação instável, pois ainda não

recebe da prefeitura, no suceder das gestões municipais o firme compromisso com sua

continuidade.

* * *

118 Transcrição da nota sobre a história do museu local publicada no Jornal da Barra da semana de 16 a 21 de dezembro de 1988. (Museu Histórico Municipal Luís Saffi.)

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Passados Presentes,119 trabalho de Andreas Huyssen, trata da presença cotidiana do

passado nas sociedades contemporâneas. O autor identifica as muitas manifestações de

resgate da memória ressurgindo na cultura globalizada desde as últimas décadas do

século XX. Segundo Huyssen existiria mesmo uma avalanche de abordagens do

passado tão freqüentes nos nossos dias que se poderia falar de uma musealização do

cotidiano e da mercadorização da memória. Dentre os indícios dessa onipresença do

passado apontada pelo autor estão a criação em número cada vez maior de museus nas

cidades contemporâneas, a obsolescência muito perceptível dos objetos que utilizamos,

a restauração historicizante dos centros históricos das nossas cidades, a instituição dos

patrimônios da humanidade, a comercialização da nostalgia, o revisionismo de antigos

traumas sociais e tantos outros.

Esse refúgio do homem contemporâneo nos fatos do passado poderia denunciar, no

entender de Huyssen, uma decorrência de nossa falta de confiança nesse futuro global

por diversos motivos que vão desde os problemas ambientais e de escassez de recursos

naturais até o temor de catástrofes de ordem político-social. Por outro lado, as nossas

práticas de memória nacionais e locais, nossas pesquisas e resgates de memória podem

ser entendidos como uma contestação dos mitos dessa globalização que nega espaço,

tempo e lugar para criar uma sociedade planetária homogeneizante. (HUYSSEN, 2000:

36).

A busca do conhecimento do passado, não pode simplesmente ser creditada ao medo do

futuro, revelado nesse modismo exaustivamente explorado pela indústria cultural. Deve,

entretanto, ser instrumento para o desenvolvimento das relações que nos identifica como

grupo. Mais adiante complementa o autor:

“A memória vivida é ativa, viva, incorporada no social – isto é, em indivíduos, famílias, grupos, nações e regiões. Estas são as memórias para construir futuros locais diferenciados num mundo global.” (HUYSSEN, 2000: 37)

Quando um indivíduo, dentro do museu local, se depara com um objeto e o reconhece

dentro do campo nebuloso da própria memória, se estabelece a partir daí um elo efetivo

e afetivo entre sua experiência vivida e o seu contexto social. Um exemplo comum

119 In: HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. 116 p.

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acontece nas feiras de antiguidades em que o visitante em situação semelhante diz

satisfeito, às vezes emocionado: “minha avó tinha um desses”. No museu local esse

estado emocional pode e deve ser incluído no campo da investigação e da produção de

conhecimento. Aquele objeto reconhecido faz parte do contexto da produção social que

o propiciou, dos usos e costumes, da cultura. É um eficiente testemunho material da

história.

O mesmo ocorre quando, no museu, o visitante observa uma antiga foto que destaca

aquele edifício com o qual se depara diariamente em seu trajeto para o trabalho. Um

velho cinema, por exemplo. Aquele edifício faz parte do seu pedaço e ali no museu,

destacado pela foto exposta faz emergir uma reflexão: o cinema, agora fechado, outrora

freqüentado semanalmente já aparecia numa foto de 1917. A legenda diz que o edifício

foi erguido para abrigar encenações teatrais, onde também eram exibidos filmes mudos

de curta duração, apresentações de canto lírico, conferências e palestras. Para aquele

visitante o edifício é testemunha de pelo menos dois momentos muito distintos da

história do lugar. Estabelece um convite à reflexão sobre a mutabilidade da cultura e da

própria sociedade onde vive. Evidencia o pertencimento daquele indivíduo como parte

de algo vivo, que se transforma e que continuará a transformar-se.

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