o mistério das catedrais - fulcanelli

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As mensagens contidas na arquitetura das Catedrais Góticas,que somente os iniciados podem reconhecer....Que segredos essa arquitetura guarda?Porque são tão misteriosas?

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As construções das catedrais góticas marcaram a hegemonia do catolicismo nos países europeus na Idade Média, porém, por ser um período em que o Ocultismo era latente, os sinais herméticos ficaram registrados por toda a sua estrutura arquitetônica, desde as altas colunas até os arcos e altares.

Em O Mistério das Catedrais, Fulcanelli interpreta toda a simbologia enigmática que envolve esses verdadeiros templos de adoração por meio da Alquimia, contribuindo para que o leitor entenda toda a ambivalência que circunda essas grandiosas catedrais.

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PREFÁCIOS

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PREFÁCIODAPRIMEIRAEDIÇÃO

É tarefa ingratae incômodaparaumdiscípuloapresentaraobraescritapeloseupróprioMestre.PorissonãomeproponhoanalisaraquiOMistériodasCatedrais,nemsublinharasuabeleza formaleoseu ensinamento profundo. A este respeito, confesso muitohumildemente a minha incapacidade e prefiro deixar aos leitores ocuidadodeoapreciaremnasuavalidadeeaosIrmãosdeHeliópolisoprazerderecolherestasíntese,tãomagistralmenteexpostaporumdosseus.Otempoeaverdadefarãooresto.

Hájámuitotempoqueoautordestelivronãoestáentrenós.Extinguiu-seohomem.Sópersisteasua recordação.Eeusintoumacertadoraoevocaraimagemdomestrelaboriosoesábio,aquemtudodevo, lamentando que tenha desaparecido tão cedo. Os seusnumerosos amigos, irmãos desconhecidos que esperavam dele asoluçãodomisteriosoVerbumdimissum,vãochorá-locomigo.

Podia ele, tendo chegado ao ponto mais alto doConhecimento,negar-seaobedeceràsordensdoDestino?—Ninguémé profeta na sua terra. — Este velho adágio dá-nos, talvez, a razãooculta da perturbação que produz acentelha da Revelação na vidasolitáriaeestudiosadofilósofo.Sobosefeitosdessachamadiurna,ohomemvelhoconsome-seinteiramente.Nome,família,pátria,todasasilusões,todososerros,todasasvaidadessedesfazemempó.E,comoaFênixdospoetas,umapersonalidadenovarenascedascinzas.Assimopretende,pelomenos,aTradiçãofilosófica.

O meuMestre sabia-o. Desapareceu quando soou à horafatídica,quandoseproduziuoSinal.Equemseatreveriaaesquivar-seàLei?—Eupróprio,apesardedilaceradoporumaseparaçãodolorosa,masinevitável,agiriadomesmomodo,semeacontecessehojeofelizsucesso que obrigou oAdepto a renunciar às homenagens destemundo.

Fulcanellijánãoexiste.Noentanto,eissonosconsola,oseupensamentomantém-se,ardenteevivo,encerradoparasemprenestaspáginascomonumsantuário.

Graçasaele,aCatedralgótica revela-nososeusegredo.Eassimnosdamosconta,comsurpresaeemoção,decomofoi talhadapelosnossosantepassadosaprimeirapedradosseusalicerces,gemaresplandecente,maispreciosaqueopróprioouro,sobreaqualJesusedificouasuaIgreja.TodaaVerdade,todaaFilosofia,todaaReligião,

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repousam sobre estaPedraúnica e sagrada. Muitos, cheios depresunção,julgam-secapazesdemodelá-la;e,noentanto,sãotãorarosos eleitos cuja simplicidade, cuja sabedoria, cuja habilidade, lhespermitemalcançá-lo!

Masissopoucoimporta.Basta-nossaberqueasmaravilhasda nossa Idade Média contêm a mesma verdade positiva, o mesmofundo científico que as pirâmides do Egito, os templos da Grécia, ascatacumbasromanas,asbasílicasbizantinas.

EsseéoalcancegeraldolivrodeFulcanelli.Oshermetistas—ou,pelomenos,osquesãodignosdesse

nome — descobrirão nele outra coisa. Costuma dizer-se que é doconflitodasidéiasquenascealuz;elesdescobrirãoque,aqui,égraçasaoconfrontodoLivrocomoEdifícioquesedesprendeoEspíritoemorreaLetra.Fulcanellifezparaelesoprimeiroesforço;aoshermetistascabefazer o último. O caminho que falta percorrer é curto. Mas devemosconhecê-lobemenãocaminharsemsaberparaondevamos.

Quereisquevosdigaalgomais?Sei,nãoportê-lodescobertopormimmesmo,masporqueo

autormoafirmou,hámaisdedezanos,queachavedoarcanomaiorédada, semqualquer fantasia, por uma das figuras que ornamentamapresente obra. E essa chave consiste simplesmente numa cormanifestada ao artesão desde o primeiro trabalho. Nenhum Filósofo,queeusaiba,descobriuaimportânciadestepontoessencial.Aorevelá-lo,cumproasúltimasvontadesdeFulcanelliesigoosditamesdaminhaconsciência.

E agora que me seja permitido, em nome dosIrmãos deHeliópoliseemmeupróprionome,agradecercalorosamenteaoartistaaquemomeumestreconfiouailustraçãodasuaobra.É,efetivamente,aotalentosinceroeminuciosodopintorJulienChampagnequeOMistériodasCatedraisdeveoenvolvimentodoseuesoterismoausteroporumsoberbomantodefigurasoriginais

E.CANSELIETF.C.H

Outubrode1925

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PREFÁCIODASEGUNDAEDIÇÃO

QuandoO Mistério das Catedrais foi redigido, em 1922,Fulcanelli não tinha recebidoODomdeDeusmasencontrava-se tãopertodaIluminaçãosupremaquejulgounecessárioesperareguardaroanonimato,aliásporeleconstantementeobservado,maisainda talvezporinclinaçãodecaráterdoqueporquestãodeobediênciarigorosaàregradosegredo.Porquedevemosdizerqueestehomemdeumaoutraidade, pelo seu comportamento estranho, pelas suas maneirasantiquadas e pelas suas ocupações insólitas, atraía, sem querer, aatençãodosociosos,doscuriososedostolos,muitomenos,noentanto,doqueaquedeviaalimentar,poucomaistarde,odesaparecimentototaldasuapersonalidadecomum.

Assim,desdeareuniãodaprimeirapartedosseusescritos,omestremanifestoua sua vontade—absolutae semapelo—dequeficasse na sombra a sua real entidade, de que desaparecesse o seurótulo social, definitivamente trocado pelo pseudônimo exigido pelaTradição e desde há muito familiar. Esse nome célebre está tãosolidamente implantado nas memórias, até às gerações futuras maislongínquas, que é positivamente impossível substituí-lo por qualquerpatrónimoqueseja,mesmoqueaparentementecerto,omaisbrilhanteouomelhor

Mas,pelomenos,devemosconvencer-nosdequeopai deumaobradetãoaltaqualidadenãoaabandonouassimquefoidadaaconhecersemterrazõespertinentes,senãoimperiosas,profundamenteamadurecidas.Estas,numplanomuitodiferente,levaram-noàrenúncia,amemãopodedeixardeexigiranossaadmiraçãoquandoosautoresmaispuros,entreosmelhores,semostramsempresensíveisàvaidadepuerildaobraimpressa.Deveacrescentar-sequeocasodeFulcanellinãoésemelhanteanenhumoutronoreinodasLetrasdonossotempo,visto que depende de uma disciplina ética infinitamente superior,segundoaqualonovoAdeptoconciliaoseudestinocomodosseusraros antecessores, tal como ele sucessivamente aparecidos na suaépoca determinada, balizando a estrada imensa, como faróis desalvação e misericórdia. Filiação sem mancha, prodigiosamentemantida,afimdeserreafirmadasemcessar,nasuaduplamanifestaçãoespiritualecientífica,aVerdadeeterna,universaleindivisível.Talcomoa maior parte dos antigosAdeptos, deitando às urtigas do fosso osdespojosdohomemvelho,Fulcanellisódeixounocaminhoovestígioonomásticodoseufantasma,cujoaltaneirocartãodevisitaproclamaa

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aristocraciasuprema.

*Paraquempossuialgumconhecimentodoslivrosdealquimia

do passado, impõe-se como aforismo de base que o ensino oral demestreadiscípuloprevalecesobrequalqueroutro.Fulcanellirecebeuainiciaçãodessemodo,comonósprópriosarecolhemosjuntodele,nãosemquedevamosdeclararque,pelanossaparte,Cylianinostinha jáaberto a porta do labirinto, durante a semana em que, em 1915,apareceuoseuopúsculoreimpresso.

Na nossaIntrodução às Douze Clefs de Ia Philosophierepetimos expressamente queBasileValentin foio iniciadordonossomestre, e isso tambémpara quenos fosse dadaocasião demudar oepítetodovocábulo,ouseja,substituir—porrazõesdeexatidão—oadjetivo numeral primeiro pelo qualificativo verdadeiro, que tínhamosutilizadooutroranonossoprefáciodasDemeuresPhilosophales.Nessaépoca, ignorávamos a existência da carta tão comovente quereproduzimos um pouco mais adiante e que extrai toda a suaimpressionantebelezado impulsodeentusiasmo,doacentode fervorque inflamam de repente o autor, tornado anônimo pela assinaturaraspada,omesmoacontecendocomaindicaçãododestinatáriodevidoàfaltadesobrescrito.Essefoi,semdúvida,omestredeFulcanelli,quedeixou entre os seus papéis a epístola reveladora, cruzada por duaslistasbistresnolugardasdobrasporterestadomuitotempoguardadana carteira, onde pelomenos a vinha procurar a poeira impalpável esuja do enorme forno continuamente em atividade. Assim, o autor do“MistériodasCatedrais” conservou como um talismã, durante anos, aprovaescritadotriunfodoseuverdadeiroiniciador,quenadanosproíbedepublicarhoje, sobretudoporquedáuma idéiapoderosae justadodomíniosublimeemquesesituaaGrandeObra.Nãocremosquenoscensuremaextensãodaestranhaepístoladaqual, semdúvida, seriapenaquesesuprimisseumaúnicapalavra:

“Meuvelhoamigo,Destavez,recebestesverdadeiramenteoDomdeDeus;éumagrandeGraçaepelaprimeiravez

compreendo como esse favor é raro. Considero, efetivamente, que no seu abismo insondável desimplicidadeoarcanonãosepodeencontrarapenaspela forçadarazão,porsubtileexercitadaqueelaseja.Enfim,possuisoTesourodosTesouros,demosgraçasàLuzDivinaquevos fez seuparticipante.Aliás, mereceste-o inteiramente pela vossa fé inabalável na Verdade, pela constância no esforço, pelaperseverançanosacrifícioetambém,nãooesqueçamos...pelasvossasboasobras.

Quandominhamulhermeanuncioua boanova, senti-meatordoadopela alegre surpresa e nãoconsegui dominar-me perante tanta felicidade. De tal maneira que dizia a mim próprio: Oxalá nãopaguemos esta hora de entusiasmo com algum terrível despertar. Mas embora sumariamente informadoacerca da questão, julguei compreender, e o que me confirma na certeza é que o fogo só se apagaquando a Obra está terminada e toda a massa tintorial impregna o vidro que, de decantação emdecantação,ficaabsolutamentesaturadoesetornaluminosocomoosol.

Levastes a vossa generosidade a associar-nos a esse alto e oculto conhecimento que vospertence de pleno direito e é inteiramente pessoal.Mais do que ninguém, nós avaliamos o seu preço e

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tambémmelhor do queninguémsomos capazes de vos guardar eterno reconhecimento. Sabeis que asmais belas frases, os mais eloqüentes protestos não valem a simplicidade comovente destas únicaspalavras: sois bom e é por essa grande virtude que Deus colocou na vossa cabeça o diadema daverdadeira realeza. Ele sabe que fareis nobre utilização do cetro e do inestimável apanágio que elecomporta. Nós conhecemo-vos há muito tempo como sendo o manto azul dos nossos amigos nasprovações;omantocaridosoestendeu-sederepente,porqueagoraétodooazuldocéueoseugrandesolquecobremosvossosnobresombros.Quepossaisgozarmuitotempodessagrandeerarafelicidadepara alegria e consolação dos vossos amigos e mesmo dos vossos inimigos, porque a desgraça tudoapagae,apartirdeagora,dispondesdavarinhamágicaquerealizatodososmilagres.

Minha mulher, com essa inexplicável intuição dos seres sensíveis, teve um sonhoverdadeiramenteestranho.Viuumhomemenvolvidoemtodasascoresdoprismaeelevadoatéaosol.Asua explicação não se fez esperar. Que Maravilha! Que bela e vitoriosa resposta à minha carta, noentantocheiadedialéticae—teoricamente—exata;mastãodistanteaindadoVerdadeiro,doReal!Ah!quasepodedizer-sequeaquelequesaudouaestreladamanhãperdeuparasempreousodavistaedarazão porque é fascinado por essa falsa luz e precipitado no abismo...Amenos, comono vosso caso,queumgrandegolpedesortevenhatirá-lobruscamentedabeiradoprecipício.

Ardo em desejos de vos ver, meu velho amigo, de vos ouvir contar-me as últimas horas deangústias e de triunfos. Mas acreditai que nunca saberei traduzir em palavras a grande alegria quesentimosetodaagratidãoquetemosnofundodocoração.Aleluia!

Abraça-vosefelicita-vosovossovelho...Aquelequesabe fazeraObraapenaspelomercúrioencontrouoquehádemaisperfeito—ou

seja,recebeualuzecumpriuoMagistério”.

*Uma passagem terá, talvez, espantado, surpreendido ou

desconcertadooleitoratentoejáfamiliarizadocomosprincipaisdadosdo problema hermético. Precisamente quando o íntimo e sábiocorrespondenteexclama:

“Ah!quasepodedizer-sequeaquelequesaudouaestreladamanhãperdeuparasempreouso

davistaedarazãoporqueéfascinadoporessafalsaluzeprecipitadonoabismo”.

Esta frase não parece estar em contradição com o que

afirmamoshámaisdevinteanosnumestudosobreoTosãodeOuro{1},asaber, que a estrela é o grande sinal daObra, que ela autentica amatéria filosofal, ensina ao alquimista que não encontrou a luz dosloucos mas sim a dos sábios; que consagra a sabedoria; e édenominada estrela da manhã. Notaram que precisamosresumidamente que o astro hermético é primeiramente, admirado noespalho da arte oumercúrio antes de ser descoberto no céu químicoonde alumia de maneira infinitamente mais discreta? Não menospreocupado com o dever de caridade do que com a observância dosegredo, embora passássemos por entusiasta do paradoxo, teríamospodido então insistir sobre o maravilhoso arcano e, com esse fim,recopiaralgumaslinhasescritasnumvelhocaderno,apósumadessasdoutas conversas deFulcanelli, as quais, temperadas com caféaçucaradoe frio, faziamasnossasdelíciasprofundasdeadolescenteassíduoeestudioso,ávidodeinapreciávelsaber:

“Anossaestrelaestásóe,noentanto,édupla.Sabeidistinguirasuamarcarealdasuaimagem

enotareisqueelabrilhacommaisintensidadeàluzdodiadoquenastrevasdanoite”.

Declaração que confirma e completa a deBasile Valentin

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(DouzeClefs),nãomenoscategóricaesolene:

“Duas estrelas foram concedidas ao homem pelos Deuses para o conduzirem à grandeSabedoria; observa-as, ó homem! e segue com persistência a sua claridade porque nela se encontra aSabedoria.”

Serão essas duas estrelas que nos mostra uma das

pequenas pinturas alquímicas doconvento franciscano de Cimiez,acompanhadadalegendalatinaexprimindoavirtudesalvadorainerenteàradiaçãonocturnaeestelar:

“Cumlucesalutem;comaluz,asalvação”.

Emtodoocaso,possuindoalgumsentidofilosóficoedando-

se ao trabalho de meditar sobre estas palavras deAdeptosincontestáveis,ter-se-áachavecomaqualCylianiabreafechaduradotemplo.Massenãosecompreende,queseleiamosFulcanelliequesenão vá procurar noutro lado um ensinamento que nenhum outro livropoderiadarcomtantaexatidão.

Há, portanto, duas estrelas que, apesar de parecerinverossímil, formam realmente uma só. A que brilha sobre aVirgemmística—simultaneamentenossamãeemarhermético,—anunciaaconcepção e é apenas o reflexo da outra que precede a miraculosavinda do Filho. Porque se aVirgem celeste é ainda chamada “stellamatutina”, aestreladamanhã; seé lícito vernelaoesplendordeumsinaldivino;seoreconhecimentodessafontedegraçasdáalegriaaocoraçãodoartista,trata-se,noentanto,apenasdeumasimplesimagemrefletida pelo espelho daSabedoria. Apesar da sua importância e dolugarqueocupaparaosautores,essaestrelavisível,mas inatingível,atesta a realidade da outra, da que coroou o divinoMenino no seunascimento.OsinalqueconduziuosMagosparaacavernadeBelém,ensina-nos S. Crisóstomo, veio, antes de desaparecer, pousar-se nacabeçadoSalvadorerodeá-ladeumaglórialuminosa.

*Insistimosnesteponto,tãocertosestamosdequealgunsnos

agradecerão: trata-se verdadeiramente de um astro noturno cujaclaridadeirradiasemgrandebrilhonopólodocéuhermético.Tambémimporta, semnosdeixarmosenganarpelasaparências, instruirmo-nosacercadessecéuterrestredequefalaVinceslasLaviniusdeMoravieeapropósitodoqualinsistiuJacobusTollius:

“Terás compreendido o que é oCéu pelomeu pequeno comentário que se segue e pelo qual o

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Céuquímicoterásidoaberto.Porque“Estecéuéimensoerevesteoscamposdeluz[purpúrea,Ondesereconhecemosseusastroseoseusol”.

É indispensável ponderar que o céu e a terra, emboraconfundidos noCaos cósmico original, não são diferentes emsubstâncianememessênciamastornam-sediferentesemquantidade,emqualidadeeemvirtude.A terraalquímica, caótica, inerteeestéril,nãocontém,todavia,océufilosófico?Seriaentãoimpossívelaoartista,imitadordaNaturezaedaGrandeObradivina,separarnoseupequenomundo,comaajudado fogosecretoedoespíritouniversal,aspartescristalinas, luminosas e puras, das partes densas, tenebrosas egrosseiras?Oraessaseparaçãodeveserfeita,consistindoemextrairaluzdastrevaseemrealizarotrabalhodoprimeirodosGrandesDiasdeSalomão.ÉatravésdelaquepodemosconheceroqueéaterrafilosofaleoqueosAdeptosdenominaramocéudossábios.

Filaletoque,noseulivroEntradaAbertanoPalácioFechadodoRei, sealargoumaisacercadapráticadaObra, assinala a estrelaherméticaeconcluipelamagiacósmicadasuaaparição:

“Éomilagredomundo,a junçãodasvirtudessuperioresnas inferiores;épor issoqueoTodo-

Poderosoomarcoucomumsinalextraordinário.OsSábiosviram-nonoOriente, ficaramsurpreendidosesouberamlogoqueumReipuríssimotinhanascidonomundo.

Tu,quandotiveresvistoasuaestrela,segue-aatéaoBerço;aíverásobeloMenino”.

OAdeptodesvendaseguidamenteamaneiradeoperar:

“Tomem-se quatro partes do nosso dragão ígneo que esconde no seu ventre o nosso Açomágico,donosso ímannovepartes;misturem-se juntaspormeiodeVulcanoardente,emformadeáguamineral,ondesobrenadaráumaespumaquedeveráserafastada.Rejeite-seacrosta, tome-seonúcleo,purifique-setrêsvezespelofogoepelosal,oqueseráfácilseSaturnoviuasua imagemnoespelhodeMarte”.

Enfim,Filaletoacrescenta:

“EoTodo-PoderosoimprimeoseuselorealnessaObraeornamenta-aparticularmente”.

*Aestrelanãoéverdadeiramenteumsinalespecialdo labor

d aGrande Obra. Podemos encontrá-la numa quantidade decombinações arquímicas, processos particulares e operaçõesespagíricas de menor importância. No entanto, ela oferece sempre omesmo valor indicativo de transformação, parcial ou total, dos corpossobreosquais se fixou.Umexemplo típico é-nos fornecidoporJean-FrédéricHelvétius nesta passagem do seuBezerro de Ouro (VitulusAureus)quetraduzimos:

“Um certo ourives de LaHaye (cui nomen estGrillus), discípulomuito prático na alquimiamas

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homemmuitopobresegundoanaturezadessaciência,háalgunsanos{ }pediaaomeumaioramigo—ou seja, a Jean-GaspardKnôttner, tintureiro de panos—espírito de sal preparado demaneira diferenteda vulgar.A Knôttner, informando-se se esse espírito de sal especial seria ou não utilizado para osmetais, Gril respondeu: para osmetais; seguidamente, deitou esse espírito de sal em cima de chumboque tinha colocado num recipiente de vidro utilizado para os doces ou alimentos. Ora, após duassemanas apareceu, sobrenadando, uma muito curiosa e resplandecente Estrela prateada, comodisposta com um compasso por um artista muito hábil. Daí que Gril, cheio de imensa alegria, nosanunciouterjávistoaestrelavisíveldosFilósofos,acercadaqual,provavelmente,setinhainstruídoemBasile (Valentin). Eu emuitos outros homens honrados olhávamos comextremaadmiração essa estrelaflutuantesobreoespíritodesalenquanto,no fundo,ochumbocontinuavacordecinzae inchadocomoumaesponja.Entretanto,comseteounovediasdeintervalo,essaumidadedoespíritodesal,absorvidapelo grande calor do ar domês de Julho, desaparecia, a estrela atingia o fundo e pousava sobre essechumboesponjosoe terroso.Esse foi um resultadodignodeadmiraçãoenãoapenasparaumpequenonúmerodetestemunhas.Finalmente,Grilcopelousobreumcadinhoapartedessemesmochumbocolhidacomaestrelaaderenteerecolheu,deuma libradessechumbo,dozeonçasdepratadecadinhoe,alémdisso,dessasdozeonças,duasonçasdeouroexcelente”.

EstaéadescriçãodeHelvétius.Damo-laapenasparailustrara presença do sinal estrelado em todas as modificações internas decorpostratadosfilosoficamente.Entretanto,nãoquereríamosseracausadeinfrutíferosedecepcionantestrabalhosempreendidoscertamenteporalgunsleitoresentusiastas,apoiando-senareputaçãodeHelvetius,napropriedade de testemunhas oculares e, talvez, também na nossaconstantepreocupaçãodesinceridade.Épor issoque fazemosnotar,àquelesquedesejariamretomaroprocesso,quefaltamnestanarrativadois dados essenciais: a composição química exata do ácidohidroclóricoeasoperaçõespreviamenteexecutadasnometal.Nenhumquímico nos contradirá se afirmarmos que o chumbo vulgar, qualquerque seja, nunca tomará o aspecto da pedras-pomes submetendo-o, afrio, à ação do ácido muriático. Várias preparações são, portanto,necessárias para provocar a dilatação do metal, separar as suasimpurezasmaisgrosseiraseoselementosmorredoiros,paraoconduzir,enfim,pelafermentaçãorequerida,aoenchimentoqueoobrigaatomarumaestruturaesponjosa,moleemanifestandojáumatendênciamuitomarcadaparaatransformaçãoprofundadaspropriedadesespecíficas.

Blaise de Vigenère eNaxágoras, por exemplo, dissertaramacerca da oportunidade de uma longa cocção prévia. Porque se éverdadeiro que o chumbo comum está morto — visto que sofreu aredução e que uma grande chama, dizBasile Valentin, devora umpequeno fogo — não é menos verdade que o mesmo metal,pacientementealimentadodesubstânciaígnea,sereanimará,retomarápouco a pouco a sua atividade abolida e, de massa química inerte,tornar-se-ácorpofilosóficovivo.

*Poderão admirar-se que tenhamos tratado tão

abundantemente um único ponto daDoutrina, consagrando-Ihe,inclusivamente, a maior parte deste prefácio, com o qual,conseqüentemente, receamos ter ultrapassado o fim designado

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habitualmenteaostextosdomesmogênero.Noentanto,aperceber-se-ãodecomoeralógicoquedesenvolvêssemosestetemaqueintroduz,nomesmonível—diremosnós—otextodeFulcanelli.Desdeoinício,efetivamente, o nosso mestre deteve-se longamente sobre o papelcapitaldaEstrela,sobreaTeofaniamineralqueanuncia,comcerteza,aelucidação tangível do grande segredo encerrado nos edifíciosreligiosos.OMistériodasCatedrais,eis,precisamente,otítulodaobradequedamos—apósatiragemde1926,constituídaapenaspor300exemplares—umasegundaedição,aumentadacomtrêsdesenhosdeJulien Champagne e com notas originais de Fulcanelli, reunidasexatamente, sem o menor acrescento nem a mais pequenamodificação.Estasreferem-seaumaquestãoangustiantequeocupoudurante muito tempo a pena do mestre e de que diremos algumaspalavrasarespeitodasDemeuresPhilosophales.

Deresto,seoméritodoMistériodasCatedraistivessedeserjustificado,bastariaapenasassinalarqueestelivrovoltaráatrazerparaa luz a cabala fonética, cujos princípios e aplicação tinham caído nomaistotalesquecimento.Apósesseensinamentodetalhadoepreciso,apósasbrevesconsideraçõesquefizemosapropósitodocentauro,dohomem-cavalo dePlessis-Bourré, emDeuxLogisAlchimiques,nãosepoderá mais confundir a língua matriz, o idioma enérgico, facilmentecompreendido embora jamais falado e, sempre segundoCyranoBergerac, o instinto ou a voz daNatureza com as transposições, asintervenções, as substituições e os cálculos nãomenos abstrusos doque arbitrários dakabbala judaica. Eis porque importa diferenciar osdoisvocábuloscabalaekabbala,afimdeosutilizarcomconhecimento

decausa:oprimeiroderivandode ou do latimcaballus,cavalo; o segundo, do hebraicokabbalah, que significa tradição.Finalmente,nãosedeveráalegarcomopretextoossentidosfigurados,alargados por analogia, de conventículo, de ardil ou de intriga pararecusar ao substantivo cabala o emprego que só ele é capaz deassegurarequeFulcanellilheconfirmoumagistralmente,recuperandoachaveperdidadaGaiaCiência,daLínguadosDeusesoudosPássaros.Essas mesmas queJonathanSwift, o singularDeão deSaint-Patrick,conhecia a fundo e praticava à sua maneira, com tanta ciência evirtuosidade.

SAVIGNIES,Agostode1957.

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PREFÁCIODATERCEIRAEDIÇÃO

MieuxvaultvivresoubzgrosbureauxPovre,qu'avoiresteseigneurEtpourrirsoubzrichestombeaux!Qu'avoiresteseigneur!Quedys?Seigneur,Ias!etnel'estilmais?Selonlesdavitiquesdiz,Sonlieunecongnoistrasjamais.FrançoisVillon.LeTestament,XXXVIeXXXVII.

Eranecessárioe,sobretudo,domaiselementarcuidadode

salubridadefilosóficaqueOMistériodasCatedraisreaparecesseomaiscedopossível.ParaJean-JacquesPauvertécoisafeitadamaneiraquebemlheconhecemoseque,parafelicidadedospesquisadores,satisfazsempreàduplapreocupaçãodeajustarnomelhorsentidoaperfeiçãoprofissionaleopreçodevendaaoleitor.Duascondiçõesextrínsecasecapitais muito agradáveis à exigenteVerdade que Jean-JacquesPauvert,poracréscimo,quisaproximarbastante,ilustrando,destavez,aprimeira obra do mestre com a fotografia perfeita das esculturasdesenhadasporJulienChampagne.Assima infalibilidadedapelículasensível, na confrontação com o modelo original, vem proclamar aconsciênciaeahabilidadedoexcelenteartistaqueconheceuFulcanelliem 1905, dez anos antes de nós recebermos o mesmo inestimávelprivilégio,pesadonoentantoemuitasvezesinvejado.

*Que é a alquimia para o homem senão, verdadeiramente

provenientes de um certo estado de alma que releva da graça real eeficaz,aprocuraeodespertardaVidasecretamenteentorpecidasoboespessoinvólucrodoserearudecrostadascoisas?Nosdoisplanosuniversais, onde residem conjuntamente a matéria e o espírito, oprocesso é absoluto, consistindo numa permanente purificação até àúltimaperfeição.

Comestefim,nadanosfornecemelhoromododeoperardoqueoapotegmaantigoetãoprecisonasuaimperativabrevidade:Solveetcoagula,dissolveecoagula.Atécnicaésimpleselinear,exigindoasinceridade,aresoluçãoeapaciênciaeapelandoparaaimaginação,aide mim! quase totalmente abolida, na maioria, na nossa época deagressivaeesterilizantesaturação.Rarossãoaquelesqueseaplicamàidéiaviva,àimagemfrutífera,dosímboloquepermaneceinseparáveldetodaaelaboraçãofilosofaloudetodaaaventurapoéticaequeseabrem

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pouco a pouco, em lenta progressão, em direção a maiores luz econhecimento.

Váriosalquimistasdisseram,eaTurbaemparticular,pelavozdeBaleus,que“amãesentepiedadepeloseu filhomasesteémuitoduroparacomela”.Odramafamiliardesenrola-se,demodopositivo,noseio domicrocosmos alquímico-físico, demodo que se pode esperar,para o mundo terrestre e sua humanidade, que a Natureza perdoe,finalmente,aoshomenseseacomodeomelhorpossívelaostormentosqueeleslhefazemperpetuamentesofrer.

*Eis o mais grave: enquanto a Franco-Maçonaria procura

sempre a palavra perdida (verbum dimissum), a Igreja universal(katholikê), que possui esseVerbo, está em vias de o abandonar noecumenismododiabo.Nadafavorecemaisessafaltainexpiáveldoquea receosa obediência do clero, muitas vezes ignorante, ao falaciosoimpulso,pretensamenteprogressivo,recebidodeforçasocultasvisandoapenasàdestruiçãodaobradePedro.Omágicoritualdamissalatina,profundamentealterado,perdeuoseuvaloreagoracaminha,apardochapéumoleedofatocompletoadotadosporcertospadresfelizescomo seu travesti, em prometedora etapa para a abolição do celibatofilosófico...

De acordo com esta política de incessante abandono, afunesta heresia instala-se na raciocinante vaidade e no desprezoprofundodasleismisteriosas.Entreestas,ainevitávelnecessidadedeputrefação fecundade todaamatéria,qualquerqueelaseja,a fimdequeavidaprossigaaí,sobaenganadoraaparênciadonadaedamorte.Diante da fase transitória, tenebrosa e secreta que abre à alquimiaoperativa as suas espantosas possibilidades, não será terrível que aIgrejaconsintaagoranessaatrozcremaçãoqueelarecusavademodoabsoluto?

Que horizonte imenso descobre, no entanto, a parábola dogrãoentregueaosolo,queS.Joãorelata:

“Emverdade,emverdadevosdigoqueseogrãode trigoquecaina terranãomorrer, ficasó;

mas,semorrer,produzmuitosfrutos”(XII,24).

Àsemelhançadodiscípulobem-amado,estaoutrapreciosa

indicaçãodoseuMestre,arespeitodeLázaro,dequeaputrefaçãodocorponãoquereriasignificaraaboliçãototaldavida:

“DisseJesus:—Tiraiapedra.Respondeu-lheMarta,a irmãdodefunto:—Senhor,ele jácheira

malporqueestá láháquatrodias.Disse-lhe Jesus:—Não tedissequese tu creres, verásaglóriadeDeus?”(XI,39e40).

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NoseuesquecimentodaVerdadeherméticaqueasseguroua

sua fundação, aIgreja,anteaquestãoda incineraçãodoscadáveres,toma,semesforço,asuamárazãodaciênciadobemedomal,segundoa qual a decomposição dos corpos, nos cemitérios cada vez maisnumerosos, ameaçaria de infecção e de epidemias os vivos querespiramaindaaatmosferadasproximidades.Argumentotãocapciosoquenosfazpelomenossorrir,sobretudoquandosesabequeelefoijácitado muito a sério, há mais de um século, quando floria o estreitopositivismodosComteedosLittré!Enternecedorasolicitude,enfim,quenão se exerceu no nosso tempo bendito, nas duas hecatombes,grandiosas pela duração e pela multidão dos mortos, em superfíciesquasesemprereduzidas,emqueainumaçãodemorava,muitasvezesbemlongedoprazoedaprofundidaderegulamentares.

Em oposição, é este o lugar de lembrar a observação,macabraesingular,aqueseaplicaramnocomeçodoSegundoImpério,numespíritomuitodiferente,comapaciênciaeadeterminaçãodeumaoutraidade,oscélebresmédicos,tambémtoxicólogos,Mathieu-JosephOrfila e Marie-Guillaume Devergie, sobre a lenta e progressivadecomposição do corpo humano. Eis o resultado da experiênciaconduzidaatéentãonofedorenaintensaproliferaçãodosvibriões:

“Oodordiminuigradualmente;chegaenfimumtempoemquetodasaspartesmolesespalhadas

no chão formam apenas um detrito lamacento, enegrecido e com um cheiro que tem qualquer coisa dearomático”.

Quantoàtransformaçãodofedoremperfume,devenotar-sea

surpreendente semelhança com o que declaram osvelhosMestres, apropósito daGrandeObra física e entre eles, em especial, Morien eRaymond Lulle, precisando que ao odor infecto (odor teter) dadissolução obscura sucede omais suave perfume, porque próprio davidaedocalor(quiaetvitaepropriusestetcaloris).

*Depoisdoqueacabamosdedelinear,quantonãodevemos

recearoque,ànossavolta,enoplanoemquenosencontramos,podemrepresentar o testemunho contestável e a argumentação capciosa?Propensão deplorável que invariavelmente mostram a inveja e amediocridade e de que temos o dever de destruir, hoje, osdesagradáveis e persistentes efeitos. Isso vem a propósito de umaretificação muito objetiva do nosso mestre Fulcanelli, estudando, noMuseudeCluny,aestátuadeMarcelo,bispodeParis,queseerguiaem

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Notre Dame, o vão do pórtico de Santa Ana, antes de os arquitetosViollet-le-Duc e Lassus o terem substituído, cerca de 1850, por umacópiasatisfatória.Assim,oAdeptodoMistériodasCatedraisfoilevadoacorrigiroserroscometidosporLouis-FrançoisCambrielquepodia,noentanto, fornecer pormenores da escultura primitiva que permaneceusempre na catedral desde o princípio do século XIV, e que escreviaentão,noreinadodeCarlosX,asuabreveefantasiosadescrição:

“Este bispo leva um dedo à boca para dizer àqueles que o contemplam e que vêm tomar

conhecimentodoqueele representa...Se reconheceiseadivinhaisoque representoporestehieróglifo,calai-vos!...Não digais nada!ˮ (Cours de philosophie hermétique ou d'Alchimie en dix-neuf leçons,Paris,LacouretMaistrasse,1843).

Estas linhas,naobradeCambriel,sãoacompanhadaspelo

esboçodesajeitadoquelhesdeuorigemouqueelasinspiraram.ComoFulcanelli, imaginamosdificilmentequedoisobservadores, a saber, oescritoreodesenhador, tenhampodidoseparadamenteservitimasdamesmailusão.Naestampa,osantobispo,queaparececombarba,emevidentemetacronismo,temacabeçacobertacomumamitradecoradacomquatropequenascruzeseseguracomamãoesquerdaumcurtobáculonaconcavidadedoseuombro.Imperturbável,levaoindicadoraonível do queixo na expressão mímica do segredo e do silênciorecomendados.

“Averificaçãoéfácil,concluiFulcanelli,vistoquepossuímosaobraoriginaleafraudesaltaaos

olhosàprimeiravista.Onossosantoé,segundoocostumemedieval,completamenteescanhoado;asuamitra,muitosimples,nãomostraqualquerornamento;obáculo,queseguracomamãoesquerda,apóiaasua extremidade inferior sobre a goela do dragão.Quanto ao gesto famoso dos personagens doMutusLiber e de Harpócrates, saiu inteiramente da imaginação excessiva de Cambriel. S. Marcelo érepresentadoabençoando,numaatitudecheiadenobreza,atestainclinada,oante-braçodobrado,amãoàalturadoombro,oindicadoreodedomédiolevantados”.

*Como acabamos de ver, a questão estava nitidamente

resolvida,constituindonapresenteobraotemadetodooparágrafoVIIdocapítuloPARISedequeoleitorpodedesdejátomarconhecimentona sua totalidade. Todo o engano estava então desfeito e a verdadeperfeitamente estabelecida quando Emile-Jules Grillot de Givry, trêsanosmais tarde, no seuMusée desSorciers, escreveu a respeito dopilarmédiodopórticosuldeNotre-Dameestaslinhas:

“A estátua de S. Marcelo que se encontra atualmente no portal de Notre-Dame, é uma

reprodução moderna que não tem valor arqueológico; faz parte da restauração dos arquiteto Lassus eViollet-le-Duc.A verdadeira estátua, do século XIV, encontra-se atualmente relegada para um canto dagrande sala das Termas do Museu de Cluny, onde a fizemos fotografar (fig. 342). Pode ver-se que obáculo do bispo mergulha na goela do dragão, condição essencial para a legibilidade do hieróglifo eindicação de que um raio celeste é necessário para acender o fogo do athanor. Ora, numa época quedevetersidoosmeadosdoséculoXVI,estaestátuaantigatinhasidoretiradadoportalesubstituídaporumaoutranaqualobáculodobispo,paracontrariarosalquimistasearruinara sua tradição, tinhasidofeitodeliberadamentemaiscurtoejánãotocavaagoeladodragão.Podeverseessadiferençananossafigura 344, em que é representada esta antiga estátua, tal como era antes de 1860. Viollet-le-Duc fê-laretiraresubstituiu-aporumacópiabastanteexatadadoMuseudeCluny, restituindoassimaoportalde

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Notre-Dameasoaverdadeirasignificaçãoalquímica”.

Queconfusaembrulhadaesta,paranãodizermais,segundo

aqual,emresumo,umaterceiraestátuaseteria inserido,noséc.XVI,entreabelarelíquiadepositadaemClunyeacópiamoderna,visívelnacatedral da Cite há mais de cem anos! Dessa estátua renascentista,ausente dos arquivos e desconhecida das mais esclarecidas obras,GrillotdeGivry,emapoiodasuaafirmaçãopelomenosmuitogratuita,forneceuumafotografiadequeBemardHussonfixadeliberadamenteadatae fazumdaguerreótipo.Eisa legendaque renova,porbaixodafotografia,asuainsustentáveljustificação:

FIG.344—ESTÁTUADOSÉC.XVISUBSTITUÍDA,CERCA

DE1860,PORUMACÓPIADAEFÍGIEPRIMITIVA.PortaldeN.-D.deParis.(ColeçãodoAutor.)

Infelizmenteparaestaimagem,opressupostoS.MarcelonãopossuiavaraepiscopalquelheatribuiapenadeGrillot,decididamenteperdidoatéaimpossívelsolicitação.Quandomuito,distingue-senamãoesquerdadoprelado trocistaeabundantementebarbadoumaespéciede grande barra desprovida, na sua extremidade superior, da volutaornadaqueteriapodidoconstituirumbáculodebispo.

Importava, evidentemente, que se induzisse do texto e dailustraçãoqueestaesculturadoséculoXVI—oportunamenteinventada—fosseaqueCambriel, “passandoumdiadianteda igrejadeNotre-DamedeParisexaminoucommuitaatenção”,vistoqueoautordeclaranaprópriacapadoseuCursodeFilosofiaque terminoueste livroemJaneiro de 1829. Desta maneira, encontravam-se acreditados adescrição e o desenho devidos ao alquimista de Saint-Paul-de-Fenouillet,quesecompletamnoerro,enquantoesseirritanteFulcanelli,demasiado preocupado com a exatidão e a sinceridade, erareconhecidoculpadode ignorânciaede inconcebíveldesprezo.Oraaconclusão,nestesentido,nãoétãosimples;podemosconstatá-lodesdejánagravuradeFrançoisCambriel,emqueobispoéportadordeumavarapastoralseguramenteencurtadamascompleta,comoseuábacoecomasuaparteemespiral.

*Não nos detenhamos na explicação de Grillot de Givry,

verdadeiramenteengenhosamasumpoucoelementar,doencurtamentoda vara pastoral (virga pastoralis); não deixemos, pelo contrário, de

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denunciar esta bizarria, que evidentemente visava, sem a nomear—inocentemente,precisaráJeanReyor,pretendendoquetivessesidodemaneira fortuita—apertinentecorreçãodoMistériodasCatedrais,daqualéimpossívelqueumespíritotãoavisadoecuriosocomooseunãotivesseconhecimento.Comefeito,esteprimeirolivrodeFulcanellitinhaaparecido em Junho de 1926, quando — datado de Paris, 20 deNovembro de 1928— Le Musée des Sorciers saiu em Fevereiro de1929,umasemanaapósamortesúbitadoseuautor.

Nessa altura, o processo, que não nos pareceuparticularmente honesto, causou-nos tanta surpresa como desgosto edesconcertou-nos profundamente. É certo que nunca teríamos faladodisso se, depois de Marcel Clavelle— aliás Jean Reyor— BernardHussonnãotivessesentidorecentementeainexplicávelnecessidade,atrintaedoisanosdedistância,devoltara tocarnocasoeviremseusocorro.Daremosapenasnestelugarapresunçosaopiniãodoprimeiro— noVoiled'Isis deNovembrode1932—vistoqueo segundo fê-lainteiramente sua, sem refletir nem sentir o menor escrúpulo quegostaríamosque tivesseem relaçãoaoAdepto admirável e aoMestrecomum:

“TodaagentepartilhaavirtuosaindignaçãodeFulcanelli.Masoqueésobretudolamentáveléa

leviandade deste autor nesta circunstância. Vamos ver que não havia motivo para acusar Cambriel de'truque','fraude'e‘desaforo'.

Ponhamosascoisasnosseusdevidos lugares:opilarqueseencontraatualmentenoportaldeNotre-Daineéuma reproduçãomodernaque fazparteda restauraçãodosarquitetosLassuseViollet-le-Duc, efetuada cerca de 1860.O pilar primitivo encontra-se desterrado noMuseu deCluny. No entanto,devemos dizer que o pilar atual reproduz bastante fielmente, no seu conjunto, o do século XIV, comexceçãodealgunsmotivosdopedestal.Emtodoocaso,nemumnemoutrodestespilarescorrespondemàdescrição e à figura dadas porCambriel e inocentemente reproduzidas por um conhecido ocultista.E,noentanto,Cambrielnãotentoudemaneiranenhumaenganarosseusleitores.Descreveuefezdesenharfielmenteo pilar que todososparisiensesde1843podiamcontemplar.Équeexiste um terceiro pilarS.Marcelo, reprodução infieldoprimitivo,eestepilaréque foisubstituído,cercade1860,pelacópiamaishonesta que vemos atualmente. Esta reprodução infiel apresenta todas as características assinaladaspelo bomCambriel que, longe de ser um trapaceiro, foi, pelo contrário, enganado por essa cópia poucoescrupulosa, mas a sua boa-fé está absolutamente fora de causa e é isso que desejaríamosestabelecer”.

*Afimdemelhorfundamentaroquedizia,GrillotdeGivry—o

conhecidoocultistacitadoporJeanReyor—emLeMuséedesSorciers,apresentou, sem referência, como vimos, uma prova fotográfica cujaestereotipagemrevelaaconfecçãorecente.Qualserá,nofundo,ovalorexato deste documento que ele utilizou para reforçar o seu texto erejeitar,comtodaaaparênciadeirrefutabilidade,ojulgamentoimparcialde Fulcanelli a propósito de François Cambriel? Julgamento talvezseveromasseguramentefundamentado,queGrillotdeGivry,sabemo-lotambém,evitouassinalar.Ocultistaemsentidoabsoluto,mostrou-senãomenosdiscretoquantoàproveniênciadasuasensacionalfotografia...

Não será, muito simplesmente, que essa imagem, que

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representariaaestátua retiradanoúltimoséculo,duranteos trabalhosdeViollet-le-Duc,foirealmentelevadadeoutrolugarquenãoaNotre-Dame de Paris, se é que ela não oferece o simulacro de outropersonagemquenãoobispoMarcellusdaantigaLutécia?...

Na iconografia cristã, numerosos santos têm junto deles odragãoagressivoousubmisso,entreosquaispodemosnomear:JoãoEvangelista,TiagoMaior,Filipe,Miguel,JorgeePatrício.Noentanto,S.Marcelo é o único que toca com o báculo a cabeça do monstro, deacordo com o respeito que pintores e escultores do passado tiveramsemprepela sua lenda.Estaé ricaeentreosúltimos feitosdobispoconta-seoseguinte(internovíssimaejusoperahocannumeratur)queérelatado pelo padre Gérard Dubois d'Orléans (Gerardo DuboisAurelianensi)nasuaHistoiredel’ÉglisedeParis (inHistoriaEcclesiaeParisiensis) e que nós resumimos, traduzindo e aproveitando o textolatino:

“Certadama,mais ilustrepelanobrezade raçadoquepeloscostumesepelos rumoresdeboa

reputação, completou o seu destino e então, com pomposos funerais foi colocada conveniente esolenementenotúmulo.Afimdepuni-lapelaviolaçãodasuacova,umahorrívelserpenteavançaparaasepulturadamulherealimenta-sedosseusmembrosedoseucadáver,cujaalma tinhacorrompidocomos seus funestos silvos. No lugar de repouso não a deixou repousar. Mas, prevenidos pelo ruído, osantigos servidores da mulher ficaram extremamente aterrorizados e a multidão da cidade começou aacorreraoespetáculoeaalarmar-secomavisãodoenormeanimal...

“Obem-aventuradoprelado,prevenido,saicomopovoeordenaqueoscidadãossejamapenasespectadores.Elepróprio,semreceio,coloca-sediantedodragão...que,comosesuplicasse,seprostrajunto dos joelhos do santo bispo, parece adulá-lo e pedir-lhe perdão. Então Marcelo, batendo-lhe nacabeçacomoseubáculo, lançasobreeleasuaestola (TumMarcelluscuputejusbaculopercutiens, in

eumorarium{ } injecit);conduzindo-oemcírculoporduasou trêsmilhas,seguidopelopovo,eleextraía(extrahebat) a sua marcha solene diante dos olhos dos cidadãos. Em seguida, apóstrofa o animal eordena-lheque,paraofuturo,semantenhaperpetuamentenosdesertosouqueváprecipitar-tenomar...”

Seja dito de passagem que quase não há necessidade de

sublinharaquiaalegoriaherméticanaqualsedistinguemasduasvias,seca e úmida. Corresponde exatamente ao 50ª emblema de MichelMaiernoseuAtalantaFugiens,noqualodragãoenlaçaumamulhernoapogeu da idade, vestida e jazendo inerte no buraco da sua cova,violadademodosemelhante.

*MasvoltemosàpretensaestátuadeS.Marcelo,discípuloe

sucessor de Prudêncio, queGrillot deGivry pretende que tenha sidocolocada,cercadosmeadosdoséculoXVI,notremodoportalsulemNotre-Dame, ou seja, no lugar do admirável vestígio conservado namargem esquerda, no Museu de Cluny. Acentuemos que a efígiehermética está atualmente guardada na torre setentrional da suaprimeiramorada.

Paracontestarmossolidamenteessaafirmaçãodestituídade

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qualquer fundamento, possuímos o testemunho irrecusável do senhorEsprit Gobineau de Montluisant, gentil-homem de Chartres, na suaExplication três curieuse des Enigmes et Figures hierogliphiques,physiques, qui sont au Grand Portail de l'Église Cathedrale etMetropolitaine de Notre Dame de Paris. A nossa testemunha ocular“considerandoatentamente”asesculturas,fornece-nosaprovadequeoaltorelevotransportadoparaaRueduSommerardporViollet-le-Ducseencontrava no pilarmédio do pórtico da direita “na quarta-feira 20 deMaiode1640,vésperadagloriosaascensãodoNossoSalvadorJesus-Cristo”:

“NopilarqueficaaomeioequeseparaasduasportasdestePortal,existeaindaafiguradeum

BispocravandooseuBáculonagoeladeumdragãoqueestáaseuspésequeparecesairdeumbanhoondulante, em cujas ondas aparece a cabeça de um Rei, com tripla coroa, que parece afogar-se nasondasedepoisemergirdenovo”.

O relato histórico patente e decisivo não perturbou Mareei

Clavelle(cujopseudônimoéJeanReyor)quefoientãoobrigado,afimde se desenvencilhar, a remeter para o reinado de Luís XIV onascimento da estátua, completamente desconhecida até que Grillotbruscamentea inventou,deboaoudemá-fé. Igualmente incomodadopelamesmaevidência,BernardHussonnãoarranjoumelhorsoluçãodoquepropor,semcerimônia,queoséculoXVI,napágina407doMuséedesSorciers,sejaapenasumagralhatipográficafelizmenteretificadanalegendaporséculoXVII,oque,realmente,nãosedescobrelá,comosepôdeverificarmaisatrás.

*E aindamais, com desprezo de toda a exatidão, não será

inconcebível irreflexão admitir que um restaurador do período dosValois, prosseguindo a sua iniciativa simultaneamente culpável esingular, tivesse levado para um museu inexistente na época amagníficaestátuaquesóseencontraaíguardada,semdúvida,háumbomséculo,numasaladasTermasdesenterradasjuntodoencantadorpalácioreconstruídoporJacquesd'Amboise?Comoseriaextravaganteque, seguidamente, esse arquiteto do século XVI tivesse tido, emrelação à figura gótica e imberbe que teria substituído, o zelo deconservação que o cuidadoso Viollet-le-Duc não devia mostrar,trezentosanosmaistarde,pelobispobarbudo,obradoseulongínquoeanônimoconfrade!

QueMareei Clavelle e BernardHusson, um após outro, setenhammostrado tolamentecegospelo intensoprazerdeapanharemerroograndeFulcanelli,aindapassa;masqueGrillotdeGivry, logoà

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partida,não tenhavistoomonumental ilogismodasua inconseqüenterefutação,eisoquesemostradifícildetodaapossíveldigestão.

De resto, temos de convir, sem dúvida, que importava, apropósito desta terceira edição doMistério das Catedrais, que fossenitidamenteestabelecidoofundamentodacensuradeFulcanellidirigidacontra Cambríel e que, conseqüentemente, fosse dissipado de modoradicaloaflitivoequívococriadoporGrillotdeGivry;e,sesequiser,quefosserealmenteresolvidaedefinitivamenteencerradaumacontrovérsiaquesabíamostendenciosaesemverdadeiroobjeto.

Savignies,Julhode1964.EugèneCANSELIET.

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OMISTÉRIODASCATEDRAIS

IA mais forte impressão da nossa primeira juventude —

tínhamos então sete anos —, de que guardamos ainda uma vivarecordação, foi à emoção que provocou na nossa alma de criança avisãodeumacatedralgótica.Sentimo-nosimediatamentetransportado,extasiado,presodeadmiração, incapazdenosfurtarmosàatraçãodomaravilhoso,àmagiadoesplêndido,doimenso,dovertiginosoquesedesprendiadessaobramaisdivinaquehumana.

Desde então, a visão transformou-se mas a impressãopermanece.Eseohábitomodificouocaráter impulsivoepatéticodoprimeiro contacto, nunca nos pudemos defender de uma espécie dearrebatamentoperanteessesbeloslivrosdeimagenserguidossobreosnossos adros e que estendem até ao céu as suas folhas de pedraesculpida.

Comquelinguagem,porquemeiospoderíamosexprimir-lhesanossaadmiração,testemunhar-lhesonossoreconhecimento,todosossentimentosdegratidãodequeonossocoraçãoestácheioportudooque nos ensinaram a apreciar, a reconhecer, a descobrir, até essasobras-primasmudas,essesmestressempalavrasesemvoz?

Sem palavras e sem voz?— que dizemos! Se estes livroslapidares têmassuas letrasesculpidas—frasesembaixos-relevosepensamentosemogivas,—nãofalammenospeloespíritoimorredouroqueseexaladassuaspáginas.Maisclarosdoqueosseusirmãosmaisnovos—manuscritoseimpressos—possuemsobreelesavantagemdetraduzirapenasumsentidoúnico,absoluto,deexpressãosimples,deinterpretaçãoingênuaepitoresca,umsentidopurificadodassubtilezas,dasalusões,dosequívocosliterários.

“A língua de pedras que esta arte nova fala, diz com muita verdade J. F. Colfs{ }, ésimultaneamente clara e sublime. E tanto fala à alma dos mais humildes como dos mais cultos. Quelínguapatética,ogóticodaspedras!Umalínguatãopatética,comefeito,queoscânticosdeumOrlandedeLassusoudeumPalestrina,asobrasparaórgãodeumHaendeloudeumFrescobaldi,aorquestraçãode um Beethoven ou de umCherubini e,maior do que tudo isso, o simples e severo canto gregoriano,talvez o único canto verdadeiro, só por acréscimo dizem algomais do que as emoções causadas pelacatedral em si própria.Ai daqueles que não amam a arquitetura gótica ou, pelo menos, lamentemo-loscomodeserdadosdocoração”.

SantuáriodaTradição,daCiênciaedaArte,acatedralgótica

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nãodeveserolhadacomoumaobraunicamentededicadaàglóriadocristianismo, mas antes como uma vasta condenação de idéias, detendências, de fé populares, um todo perfeito ao qual nos podemosreferir sem receio desde que se trate de penetrar o pensamento dosancestrais,sejaqualforodomínio:religioso,laico,filosóficoousocial.

Asabóbadasousadas,anobrezadasnaves,aamplidãodasproporçõeseabelezadaexecuçãofazemdacatedralumaobraoriginal,de harmonia incomparável, mas que o exercício do culto não parecedeverocuparporinteiro.

Seorecolhimentosoba luzespectralepolicromadosaltosvitrais,seosilêncioconvidamàoração,predispõemparaameditação,emcompensaçãooaparelho,aestrutura,aornamentação,desprendeme refletem,noseuextraordináriopoder, sensaçõesmenosedificantes,um espíritomais laico e, digamos a palavra, quase pagão. Podemaídescobrir-se,alémdainspiraçãoardentenascidadeumaférobusta,asmil preocupações da grande alma popular, a afirmação da suaconsciência, iasuavontadeprópria,a imagemdoseupensamentonoqueelatemdecomplexo,deabstrato,deessencial,desoberano.

Seháquementrenoedifícioparaassistiraosofíciosdivinos,se há quem penetre nele acompanhando cortejos fúnebres ou osalegrescortejosdasfestasanunciadaspelorepicardesinos,tambémháquem se reúna dentro delas noutras circunstâncias. Realizam-seassembléiaspolíticassobapresidênciadobispo;discute-seopreçodotrigooudogado;osmercadoresdepanosfixamaíacotaçãodosseusprodutos;acorre-seaesselugarparapedirreconforto,solicitarconselho,implorarperdão.Enãohácorporaçãoquenão façabenzer láaobra-primadoseunovocompanheiroequenãosereúnaumavezporanosobaproteçãodosantopadroeiro.

Outras cerimônias, especialmente atrativas para o povo, semantiveramaí durante todo o belo períodomedieval. Foi aFesta dosLoucos — ou dosSábios— quermesse hermética processional, quepartia da igreja com o seu papa, os seus dignitários, os seusentusiastas, o seu povo— o povo daIdadeMédia, ruidoso, travesso,chistoso,transbordantedevitalidade,deentusiasmoedeardor—eseespalhava pela cidade... Sátira hilariante de um clero ignorante,submetidoàautoridadedaCiênciadisfarçada,esmagadosobopesodeumaindiscutívelsuperioridade.Ah!AFestadosLoucos,comoseucarrodoTriunfodeBacoconduzidoporumcentauroeumamulher-centauro,nus como o próprio deus, acompanhado pelo grande Pan; carnavalobscenotomandopossedasnavesogivais!Ninfasenáiadessaindodo

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banho;divindadesdoOlimposemnuvensesemenfeites:Juno,Diana,Vênus,Latona,reunindo-senacatedralparaaíouviremmissa!Equemissa! Composta pelo iniciadoPierre deCorbeil, arcebispo deSens,segundo um ritual pagão e em que as paroquianas do ano 1220soltavamogritodealegriadasbacanais:Evohé!Evohé!—Eoshomensdocoro,emdelírio,respondiam:

Haecestclaradiesclararumclaradierum!

Haecestfestadiesfestarumfestadierum{ }!

Foi ainda aFesta do Burro, quase tão faustosa como aprecedente, coma entrada triunfal, sob os arcos sagrados, demestreAliboron,cujoscascospisavamoutroraacalçadajudiadeJerusalém.Onosso glorioso Christophore era aí celebrado num ofício especial emqueseexaltava,apósaepístola,essepoderasininoquevaleuàIgrejaoourodaArábia,oincensoeamirradopaísdeSabá.Paródiagrotescaque o sacerdote, incapaz de compreender, aceitava em silêncio, acabeça curvada sob o ridículo lançado às mãos cheias por essesmistificadoresdopaísdeSabáouCaba,oscabalistasempessoa!Eéoprópriocinzeldosmestresimagistasdotempoquenosconfirmaestescuriosos divertimentos. Com efeito, na nave de Notre-Dame de

Estrasburgo,escreveWitkowski{ }, “obaixo-relevodeumdos capitéisdos grandes pilares reproduz uma procissão satírica em que sedistingue um porco, portador de uma pia de água benta, seguido deburros vestidos com hábitos sacerdotais e de macacos munidos dediversosatributosdareligião,assimcomoumaraposaencerradanumrelicário.ÉaProcissãodaRaposaoudaFestadoBurro”.

Podemosacrescentarqueumacenaidêntica,comiluminuras,figuranofolio40domanuscriton.°5055daBibliotecaNacional.

Foram enfim estes costumes bizarros, em que transpareciaumsentidoherméticoporvezesmuitopuro,queserenovavamemcadaanoetinhamporteatroaigrejagótica,comoaFlagelaçãodaAleluia,naqualosmeninosdecoroexpulsavamagrandesgolpesdechicoteos

seusruidosos“sabots{ }”paraforadasnavesdacatedraldeLangres;oCortejo de Carnaval, aDiabrura de Chaumont; as procissões ebanquetesdaInfantariadeDijon,últimoecodaFestadosLoucos,comasuaMãeLouca,osseusdiplomas rabelaisianos,oseuestandarteemque dois irmãos, pés com cabeça e cabeça com pés, se divertiam adescobrirasnádegas;ocurioso“JogodaPelota”,quesedisputavana

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navedeSaint-Etienne,catedraldeAuxerrequedesapareceucercade1538etc.

IIAcatedraléorefúgiohospitaleirodetodososinfortúnios.Os

doentesquevinhamimploraraDeusoalíviodosseussofrimentosemNotre-Dame de Paris permaneciam nela até a sua cura completa.Destinavam-lhes uma capela situada perto da segunda porta eiluminada por seis lamparinas. Aí passavam as noites. Os médicosdavamassuasconsultasnaprópriaentradadabasílica,àvoltadapiadaáguabenta.FoiaíqueaFaculdadedeMedicina,abandonandonoséculoXIII aUniversidade para viver independente, veio dar as suassessõesese fixouaté1454,épocadasuaúltimareunião,convocadaporJacquesDesparts.

É o asilo inviolável das pessoas perseguidas e o sepulcrodosmortosilustres.Éacidadedentrodacidade,onúcleointelectualemoral do aglomerado, o coração da atividade pública, a apoteose dopensamento,dosaberedaarte.

Pela abundante floração dos seus ornamentos, pelavariedadedos temasedascenasqueaenfeitam,a catedral aparececomo uma enciclopédia muito completa e variada, ora ingênua, oranobre, sempre viva, de todos os conhecimentos medievais. Estasesfingesdepedrasãoassimeducadoras,iniciadoras,emprimeirolugar.Este povo cheio de quimeras, de figuras grotescas, de figurinhas, decarrancas,deameaçadorasgárgulas—dragões,vampirosetarascas—éoguardiãoseculardopatrimônioancestral.Aarteeaciência,outroraconcentradas nos grandesmosteiros, escapam-se da oficina, acorremao edifício, agarram-se aos campanários, aos pináculos, aosarcobotantes, suspendem-se das abóbadas, povoam os nichos,transformam os vitrais em pedras preciosas, o bronze em vibraçõessonoras e desdobram-se pelos portais numa alegre revoada deliberdadeedeexpressão.Nadamais laicodoqueoesoterismodesteensinamento! Nada mais humano do que esta profusão de imagensoriginais, vivas, livres, movimentadas, pitorescas, por vezesdesordenadas,sempreinteressantes;nadamaisimpressionantedoqueestesmúltiplostestemunhosdaexistênciaquotidianadogosto,doideal,dos instintos dos nossos pais; nadamais cativante, sobretudo, que osimbolismo dos velhos alquimistas habilmente traduzido pelos

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modestosestatuáriosmedievais.Aesterespeito,Notre-DamedeParis,igrejafilosofal,ésemdúvidaumdosexemplaresmaisperfeitose.comodisseVictorHugo,“asíntesemaissatisfatóriadaciênciahermética,dequeaigrejadeSaint-Jacques-la-Bou-cherieeraumcompletohieróglifo”.

Os alquimistas do século XIV encontram-se ai,semanalmente,nodiadeSaturno,nograndeportalounoportaldeS.Marcelo, ou ainda na pequenaPorta Vermelha, toda decorada desalamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito se mantinhaaindanoanode1539,"nosdomingosediasdefesta"eNoëlduPaildizque "o grande encontro de tais acadêmicos era em Notre-Dame de

Paris{ }".

Aí, no deslumbramento das ogivas pintadas e douradas{ },dos cordões das voltas das abóbadas, dos tímpanos com figurasmulticores, cada um expunha o resultado dos seus trabalhos,desenvolvia a ordemdas suas pesquisas. Emitiam-se probabilidades,discutiam-sepossibilidades,estudava-senoprópriolocalaalegoriadobelolivroeaexegeseabstrusadosmisteriosossímbolosnãoeraapartemenosanimadadestasreuniões.

ApósGobineaudeMontluisant,Cambrieletuttiquanti,vamosempreenderapiedosaperegrinação,falaràspedraseinterrogá-las.Aidenós!é jábem tarde.OvandalismodeSoufflot destruiuemgrande

parteoque,noséculoXVI,oassoprador{ }podiaadmirar.Eseaartedeve algum reconhecimento aos eminentes arquitetos Toussaint,Geffroy Dechaume, Boeswillwald, Viollet-le-Duc e Lassus, querestauraramabasílica, odiosamenteprofanadapelaEscola, aCiêncianuncareencontraráoqueperdeu.

Seja como for, e apesar destas lamentáveismutilações, osmotivosquesubsistemaindasãobastantenumerososparaquesenãotenha de lamentar o tempo e o trabalho de uma visita. Ficaremos,portanto, mais satisfeitos e largamente pagos pelo nosso esforço sepudermos despertar a curiosidade do leitor, reter a atenção doobservador sagaz e mostrar aos amadores do oculto que não éimpossívelrecuperarosentidodoarcanodissimuladosobaaparênciapetrificadadoprodigiosoengrimanço.

III

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Antes,porém,devemosdizerduaspalavrasacercadotermogóticoaplicadoàartefrancesaqueimpôsassuasdiretrizesatodasasproduçõesdaIdadeMédiaecujairradiaçãoseestendedosséculosXIIaXV.

Alguns pretenderam erradamente que provinha dosGodos,antigopovodaGermânia;outrosjulgaramquesechamavaassimaestaformadearte,cujasoriginalidadeeextremasingularidadeprovocavamescândalo nos séculos XVII e XVIII, por zombaria, atribuindo-lhe osentido de bárbaro: tal é a opinião da Escola clássica, imbuída dosprincípiosdecadentesdoRenascimento.

Averdade,quesaidabocadopovo,noentanto,manteveeconservou a expressãoArtegótica, apesar dos esforços daAcademiaparasubstituí-laporArteogival.Háaíumarazãoobscuraquedeveriaobrigararefletirosnossoslingüistas,sempreàespreitadasetimologias.Qualarazãoporquetãopoucoslexicólogosacertaram?Simplesmenteporqueaexplicaçãodeveserantesprocuradanaorigemcabalísticadapalavra,maisdoquenasuaraizliteral.

Algunsautoresperspicazesemenossuperficiais,espantadospelasemelhançaqueexisteentregóticoegoéticopensaramquedeviahaverumaestreitarelaçãoentreaartegóticaeaartegoéticaoumágica.

Paranós,artegóticaéapenasumadeformaçãoortográficadapalavraargóticacujahomofoniaéperfeita,deacordocomaleifonéticaquerege,emtodasaslínguas,semteremcontaaortografia,acabalatradicional. A catedral é uma obra deart goth ou deargot. Ora, osdicionários definem oargot como sendo “uma linguagem particular atodos os indivíduos que têm interesse em comunicar os seuspensamentossemseremcompreendidospelosqueosrodeiam”.É,pois,uma cabala falada.Osargotiers, osqueutilizamessa linguagem,sãodescendentesherméticosdosargonautas,queviajavamnonavioArgo,falavam a língua argótica— a nossa língua verde— navegando emdireçãoàsmargensafortunadasdeColcosparaconquistaremofamosoTosãodeOuro.Aindahojesedizdeumhomeminteligentemastambémmuito astuto: ele sabe tudo, entende oargot. Todos os Iniciados seexprimiamemargot,tantoosvagabundosdaCortedosMilagres—como poetaVillon à cabeça— como os Frimasons ou franco-maçons daIdade Média, “hospedeiros do bom Deus”, que edificaram as obras-primasargóticas que hoje admiramos. Eles próprios, estes nautasconstrutores,conheciamarotadoJardimdasHespérides...

Ainda nos nossos dias os humildes, os miseráveis, osdesprezados,osinsubmissos,ávidosdeliberdadeedeindependência,

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os proscritos, os errantes e os nômadas falam “argot”, esse dialetomaldito,banidodaaltasociedade,dosnobresqueosãotãopouco,dosburguesessatisfeitosebempensantes,espojadosnoarminhodasuaignorânciaeda suapresunção.O “argot” permanece a linguagem deumaminoria de indivíduos vivendo àmargem das leis estabelecidas,dasconvenções,doshábitos,doprotocolo,aosquaisseaplicaoepítetodevadios(“voyous”),ouseja,devidentes(“voyants”)e,maisexpressivoainda,deFilhosouDescendentesdosol.Aartegóticaé,comefeito,aartgotoucot(Xo),aartedaLuzoudoEspírito.

Pensar-se-á que são apenas simples jogos de palavras. Enósconcordamosdeboavontade.Oessencialéqueguiemanossaféparaumacerteza,paraaverdadepositivaecientífica,chavedomistérioreligioso, e que não amantenham errante no labirinto caprichoso daimaginação.Aqui em baixo não existe acaso, nem coincidência, nemrelação fortuita; tudo está previsto, ordenado, regulado e não nospertence modificar a nosso bel-prazer a vontade imprescutável doDestino. Se o sentido usual das palavras nos não permite qualquerdescoberta capazdenoselevar, denos instruir, denosaproximardoCriador,ovocabuláriotoma-seinútil.Overbo,queasseguraaohomemaincontestávelsuperioridade,asoberaniaqueelepossuisobretudooquevive,perdeasuanobreza,asuagrandeza,asuabelezaenãoémaisdoqueumaaflitivavaidade.Ora,alíngua,instrumentodoespírito,vivepor ela própria, emboranão sejamais doqueo reflexoda Idéiauniversal. Nada inventamos, nada criamos. Tudo existe em tudo. Onossomicrocosmoséapenasumapartículaínfima,animada,pensante,mais ou menos imperfeita, do macrocosmos. O que nós julgamosdescobrir apenas pelo esforço da nossa inteligência existe já emqualquerparte.Éaféquenosfazpressentiroqueexiste;éarevelaçãoque nos dá a prova absoluta. Muitas vezes passamos ao lado dofenômeno, até mesmo do milagre, sem dar por ele, cegos e surdos.Quantas maravilhas, quantas coisas insuspeitadas descobriríamos sesoubéssemos dissecar as palavras, quebrar-lhes a casca e libertar oespírito,divina luzqueelesencerram!Jesusexprimia-sesomenteporparábolas; poderemosnósnegara verdadequeelasensinam?E,naconversação corrente, não serão os equívocos, os pouco mais oumenos,ostrocadilhosouassonânciasquecaracterizamaspessoasdeespírito,felizesporescaparemàtiraniadaletraemostrando-se,àsuamaneira,cabalistassemosaberem?

Acrescentemos, por fim, que o argot é uma das formasderivadasdaLínguadosPássaros,mãeedecanadetodasasoutras,a

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línguadosfilósofosedosdiplomatas.ÉoconhecimentodelaqueJesusrevela aos seus apóstolos, enviando-lhes o seu espírito, oEspíritoSanto.

É ela que ensina o mistério das coisas e desvenda asverdades mais recônditas. Os antigosIncas chamavam-na Língua dacorteporqueera familiaraosdiplomatas,aquem forneciaachavedeuma dupla ciência: a ciência sagrada e a ciência profana. Na IdadeMédia, qualificavam-na deGaia ciência ou Gaio saber, Língua dos

deuses,Deusa-Garrafa{ }. A tradição assegura-nos que os homensfalavam-naantesdaedificaçãodatorredeBabel{2},causadaperversãoe,paraamaioria,doesquecimento totaldesse idiomasagrado.Hoje,fora do argot, encontramos as suas características nalgumas línguaslocaiscomoopicardo,oprovençaletc.enodialetodosciganos.

AmitologiapretendequeocélebreadivinhoTirésias { }tenhapossuídoperfeitoconhecimentodaLínguadosPássaros,queMinervalheteriaensinado,comodeusadaSabedoria.Elepartilhava-a,diz-se,comTalesdeMileto,Melampus

e Apolônio de Tiana{ }, personagens fictícios cujos nomes falameloqüentementenaciênciaquenosocupaebastanteclaramenteparaquetenhamosnecessidadedeosanalisarnestaspáginas.

IV

Comrarasexceções,oplanodasigrejasgóticas—catedrais,abadias ou colegiadas — apresenta a forma de uma cruz latinaestendida no solo. Ora acruzéo hieróglifo alquímico do crisol queoutrora se chamavacruzol, crucible e croiset (na baixa latinidade,cricibulum,crisol,temporraizcrux,crucis,cruz,segundoDucange).

Comefeito,énocrisolqueamatéria-prima,comoopróprioCristo, sofre aPaixão; é no crisol que elamorre, para ressuscitar emseguida,purificada,espiritualizada,játransformada.Nãoexprimealiás,opovo,guardião fieldas tradiçõesorais,aprovaçãohumana terrestreporparábolasreligiosasesemelhançasherméticas—levarasuacruz,subir o seu calvário,passar no crisol da existência, são outras tantaslocuções correntes em que reencontramos o mesmo sentido sob ummesmosimbolismo.

Não esqueçamos que, à volta da cruz luminosa, vista em

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sonhoporConstantino,apareceramessaspalavrasproféticasqueelefezpintarnosemlabarum:“Inhocsignovinces”,vencerásporestesinal.Lembrai-vostambém,alquimistasmeusirmãos,queacruztemamarcadostrêspregosqueserviramparaimolaroCristo-matéria,imagemdastrêspurificaçõespeloferroepelofogo.Meditai igualmentenestaclarapassagemdeSantoAgostinho,noseu“DiálogocomTrifon” (DialoguscumTryphone,40): “Omistério do cordeiro queDeus tinha ordenadoqueseimolassenaPáscoadizele,eraafiguradeCristo,comaqualaquelesquecrêemtingemassuasmoradas,ouseja,elespróprios,pelaféquetêmnele.Ora,estecordeiro,quealeiprescreviaquesefizesseassar inteiro, era osímbolo de cruz que o Cristo devia suportar.Porqueocordeiro,paraserassado,écolocadodemodoafigurarurraztjz:umdosramosatravessa-odeladoalado,daextremidadeinferioratéàcabeça;ooutroatravessa-lheasespáduaseprendem-senelaos

membrosanterioresdocordeiro(emgrego:asmãos, )”.Acruzéumsímbolomuitoantigo,usadoemtodasasépocas,

emtodasas religiões,por todosospovos,eseriaerradoconsiderá-locomosímboloespecialdoCristianismo,comoodemonstrasobejamente

oabadeAnsault{ }.DiremosmesmoqueoplanodosgrandesedifíciosreligiososdaIdadeMédia,pela junçãodeumaábsidesemicircularouelípticaligadaaocoro,adotaaformadosignohieráticoegípciodacruzdeargola,quese lêankedesignaaVidauniversal ocultanascoisas.Pode ver-se um exemplo no museu de Saint-Germain-en-Laye, numsarcófagocristãoprovenientedascriptasarlesianasdeSaint-Honorat.Poroutro lado,oequivalenteherméticodosignoankéoemblemade

Vênusou Cypris (em grego , a impura), o cobre vulgar quealguns,paravelaraindamaisosentido,traduziramporbronzeelatão.“Branqueiaolatãoequeimaosteuslivros»,repetem-nostodososbons

autores. é a mesma palavra que , enxofre, quetemosignificadodeadubo,excremento,estrume, imundície. “O sábioencontraráanossapedraaténoexcremento, escreveoCosmopolita,enquantooignorantenãopoderápensarqueelaestejanoouro”.

E é assim que o plano do edifício cristão nos revela as

qualidades da matéria-prima e a sua preparação através dosinal daCruz;oqueresulta,paraosalquimistas,naobtençãodaPrimeirapedra,pedraangulardaGrandeObrafilosofal.FoisobreestapedraqueJesus

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construiu a suaIgreja; e os franco-maçons medievais seguiramsimbolicamenteoexemplodivino.Masantesdesertalhadaparaservirdebaseàobradeartegótica,talcomoàobradeartefilosófica,atribuía-semuitasvezesàpedrabruta,impura,materialegrosseiraaimagemdodiabo.

Notre-DamedeParispossuíaumhieróglifosemelhante,queseencontravasobopúlpito,noângulodotermodocoro.Eraumafiguradediaboabrindoumabocaenormeenaqualosfiéisvinhamapagaroscírios;detalmodoqueoblocoesculpidoapareciasujodeestearinaedenegrode fumo.Opovochamavaaessa imagemMaistrePierreduCoignet, o que não deixava de embaraçar os arqueólogos. Ora estafigura, destinada a representar amatéria inicial daObra, humanizadasoboaspectodeLúcifer (quetraza luz, —aestreladamanhã)eraosímbolo da nossapedraangular,apedradocanto,apedramestrado

Coignet.“Apedraqueosconstrutoresrejeitaram,escreveAmyraut{ },foitransformada na pedra mestra angular sobre a qual repousa toda aestrutura da construção; mas que é pedra de embaraço e pedra deescândalo,contraaqualelessebatemparasuaruína”.Quantoaotalhedessapedraangular—queremosdizer,asuapreparação—podemosvê-lo representado num bonito baixo-relevo da época, esculpido noexteriordoedifício,numacapelaabsidaldoladodaruadoCloître-Notre-Dame.

V

Enquantosereservavaaotalhadordeimagensadecoraçãodaspartessalientes,atribuía-seaoceramistaaornamentaçãodosolodascatedrais.Esteeranormalmentelajeadoouladrilhadocomplacasde terra cozida, pintadase cobertas comesmalte plumbaginoso.Estaarte tinhaadquiridonaIdadeMédiaperfeiçãobastanteparaasseguraraos temashistoriados suficiente variedade de desenho e de colorido.Utilizavam-se, igualmente, pequenos cubos demármoremulticores, àmaneira dos artistas bizantinos do mosaico. Entre os motivos maisfreqüentementeusadosconvémcitaroslabirintos,traçadosnochão,nopontode intersecçãodanavecomos transeptos.As igrejasdeSens,Reims,Auxerre, Saint-Quentin, Poitiers, Bayeux conservaramos seus

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labirintos. No de Amiens via-se ao centro uma grande laje com umabarra de ouro e um semicírculo do mesmo metal incrustados,representando o nascer do sol acima do horizonte. Mais tarde,substituiu-seosoldeouroporumsoldecobreeestedesapareceuporseu turno, sem nunca ter sido substituído. Quanto ao labirinto deChartres, vulgarmente chamadoIa lieue (porle lieue, o lugar) edesenhado sobre o pavimento da nave, compõe se de uma série decírculos concêntricos que se enroscam uns nos outros com umavariedade infinita.Nocentrodessa figuravia-seoutroraocombatedeTeseu e do Minotauro. É ainda uma prova da infiltração dos temaspagãos na iconografia cristã e, conseqüentemente, a de um sentidomítico-hermético evidente.No entanto, não há razão para estabelecerqualquer relação entre estas imagens e as famosas construções daAntigüidade,oslabirintosdaGréciaedoEgito.

Olabirintodascatedrais,oulabirintodeSalomão,é,diz-nos

Marcellin Berthelot{ }, “uma figura cabalística que se encontra nocomeçodecertosmanuscritosalquímicosequefazpartedastradiçõesmágicas atribuídas ao nome de Salomão. É uma série de círculosconcêntricosinterrompidosemcertospontos,demaneiraaformaremumtrajetobizarroeinextricável”.

A imagem do labirinto oferece-se-nos, então, comoemblemática do trabalho completo da Obra, comas suas duasdificuldadesmaiores:adaviaqueconvémseguirparaatingirocentro—ondese travao rude combatedasduasnaturezas—eaoutra, a docaminhoqueoartistadeveseguirparasair.ÉaquiqueofiodeArianase lhe tornanecessário,senãoquererrarentreosmeandrosdaobrasemchegaradescobrirasaída.

Anossaintençãonãoédeescrever,comofezBatsdorff,umtratado especial para ensinar o que é o fio de Arianaque permitiu aTeseucumpriroseudesígnio.Mas,apoiando-nosnacabala,esperamosforneceraosinvestigadoressagazesalgumasprecisõesacercadovalorsimbólicodofamosomito.

Arianaéumaformadeairagne(emfrancês,araignée:aranha)pormetátesedoi.Emespanhol,ñpronuncia-senh; (araignée,airagne, aranha) pode então ler-searahnê, arahni, aranhe. Não é anossaalmaaaranhaqueteceonossoprópriocorpo?Masestapalavraapela ainda para outras formações. O verbo significatomar,colher,arrastar,atrair;deonde ,oquetoma,colhe,atrai.Então

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éoíman,avirtudeencerradanocorpoqueosSábioschamamasuamagnésia.Prossigamos.Emprovençal,o ferroéchamadoaran eiran, segundo os diferentes dialetos. É oHiram maçônico, o divinoCarneiro,oarquitetodoTemplodeSalomão .Aaranha,entreosfélibres,diz-searanhoeiranho,airanho;empicardo,arègni.Relacionaitudoistocom o grego , ferro e íman. Esta palavra possui os doissentidos.Enãoétudo.Overbo exprimeolevantardeumastroque sai domar; daí (ariano), oastro que sai domar, que selevanta; ouarianeéentãooOriente,porpermutaçãodevogais.E mais, possui também o sentido de atrair; então , étambém oíman. Se agora aproximarmos , que deu o latimsidus, sideris, estrela, reconheceremos o nossoaran, iran, airanprovençal,o grego,osolnascente.

Ariana, a aranhamística, desaparecida de Amiens, apenasdeixounopavimentodocorootraçadodasuateia...

Lembremos,depassagem,queomaiscélebredoslabirintosantigos,odeCnossos,emCreta,quefoidescobertoem1902pelodr.Evans,deOxford,erachamadoAbsolum.Ora,devenotar-sequeestetermo é vizinho deAbsoluto, que é o nome pelo qual os alquimistasantigosdesignavamapedrafilosofal.

VITodasas igrejas têmasuaábsideviradaparasudesteea

suafachadaparanoroeste,enquantoostranseptos,formandoosbraçosdacruz,estãoorientadosdonordesteparaosudoeste.Trata-sedeumaorientação invariável,de talmaneiraque fiéiseprofanos,entrandonotemplopeloOcidente,caminhememdireçãoaosantuário,afacevoltadapara o lado onde o sol se ergue, na direção doOriente, a Palestina,berçodoCristianismo.Saemdastrevasedirigem-separaaluz.

Por causa desta disposição, uma das três rosáceas queornamentamostranseptoseograndeportalnuncaéiluminadapelosol;éarosáceasetentrional,queseabrenafachadadotranseptoesquerdo.Asegundaincendeia-secomosoldomeio-dia;éarosáceameridional,abertanaextremidadedotranseptodireito.Aúltimailumina-secomosraios coloridos do sol-pôr; é a grande rosácea, a do portal, que

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ultrapassaemsuperfícieeembrilhoassuas irmãs laterais.Assimsedesenvolvem no frontão das catedrais góticas as cores da Obra,segundo um processo circular que vai das trevas — figuradas pelaausênciadeluzepelacornegra—àperfeiçãodaluzrubra,passandopela cor branca, considerada como “intermédia entre o negro e overmelho”.

Na IdadeMédia, a rosácea central dos portais chamava-seRota,aroda.Oraarodaéohieróglifoalquímicodotemponecessárioàcocçãodamatéria filosofale,porconseqüência,daprópriacocção.Ofogo constante e igual que o artistamantémdia e noite durante essaoperaçãoéchamado,poressarazão,fogoderoda.Noentanto,alémdocalornecessárioàliquefaçãodapedradosfilósofos,énecessárioaindaumsegundoagente,ditofogosecretooufilosófico.Éesteúltimofogo,excitadopelocalorvulgar,que fazgirara rodaeprovocaosdiversosfenômenosqueoartistaobservanoseuvaso:

“Deirporestecaminho,enãoporoutro,euteautorizo;Notaapenasostraçosdaminharoda,Eparadarportodaapartecalorigual,Demasiadopertodeterraecéunãosubasnembaixes.Porque,subindodemasiado,océuqueimarás.E,descendomuitobaixo,aterradestruirás.Massepelomeiooteucaminhoficar,

Aviagemémaisunidaeaviamaissegura{ }”.A rosa representaentão, sópor si, aaçãodo fogoea sua

duração.Éporissoqueosdecoradoresmedievaisprocuraramtraduzirnas suas rosáceas os movimentos da matéria excitada pelo fogoelementar,talcomosepodevernoportalnortedacatedraldeChartres,nasrosáceasdeToul(SaintGengoult),deSaint-AntoinedeCompiègneetc.NaarquiteturadosséculosXIVeXV,apreponderânciadosímboloígneo,quecaracterizanitidamenteoúltimoperíododaartemedieval,fezdaraoestilodessaépocaonomedegóticoflamejante.

Certas rosas, emblemáticas do composto, têm um sentidoparticular que sublinhamais as propriedades dessasubstância que oCriadorassinou com a sua própria mão. Estesinalmágico revela aoartistaqueseguiuobomcaminhoequeamisturafilosofalfoipreparadacanonicamente. É uma figura radiada com seis pontas (digamma),chamadaEstrela dosMagos, que radia à superfície do composto, ouseja,sobreamanjedouraondeJesus,oMeninoRei,repousa.

Entreosedifíciosquenosoferecemrosáceasestreladasde

seis pétalas — reprodução do tradicional Selo-de-Salomão{ } —citemos a catedral de Saint-Jean e a igreja de Saint-Bonaventure de

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Lyon (rosáceas dos portais); a igreja de Saint-Gengoult, em Toul; asduas rosá ceas de Saint-Vulfran d'Abbeville; o portal da Calenda nacatedraldeRouen;aesplêndidarosaazuldaSainte-Chapelleetc.

Sendoestesignodomaisaltointeresseparaoalquimista—não se trata do astro que o guia e lhe anuncia o nascimento doSalvador?—reunimosaqui,debomgrado,certos textosquerelatam,descrevem,explicamasuaaparição.Deixaremosaoleitorocuidadodeestabelecertodasasaproximaçõesúteis,decoordenarasversões,deisolar a verdade positiva, combinada com a alegoria lendária nestesfragmentosenigmáticos.

VIIVarrão, nas suasAntiquitates rerum humanaram, recorda a

lendadeEnéiassalvandoopaieosseuspenatesdaschamasdeTróia

e chegando, após longas peregrinações, aos campos deLaurente{ },termodasuaviagem.Apresentaasseguintesrazões:

ExquodeTrojaestegressusÆneas,Veneriseumperdiemquotidie stellamvidisse,donecad

agrumLaurentumveniret, in quoeamnon vidit ulterius; qua recognovit terras esse fatoles{ } (Desde asuapartidadeTróiaviu todososdiaseduranteodia,aestreladeVénus,atéquechegouaoscamposLaurentinos,ondedeixoudevê-lapeloqueconheceuqueeramasterrasdesignadaspeloDestino.)

Eisagoraumalendaextraídadeumaobraquetemportítulo

LivrodeSeth{ }equeumautordoséculoVIrelatanestestermos:

“OuvialgumaspessoasfalaremdeumaEscrituraqueemborapoucocertanãoécontráriaàféeé, antes, agradável deouvir.Aí se lê queexistia umpovonoExtremo-Oriente, à beira doOceano, quepossuíaumLivroatribuídoaSeth,oqualfalavadaapariçãofuturadessaestrelaedospresentesquesedevialevaraoMenino,prediçãoqueeraconsideradacomotransmitidapelasgeraçõesdosSábios,depaiparafilho.

Escolheram doze de entre os mais sábios e mais apaixonados peles mistérios dos céus eprepararam-se para esperar essa estrela. Se algum delesmorria, o seu filho ou o parente próximo queparticipavanamesmaexpectativaeraescolhidoparasubstituí-lo.

Chamavam-lhes, na sua língua, Magos, porque eles glorificavam Deus em silêncio e em vozbaixa.

Todos os anos estes homens, após a colheita, subiam a um monte que na sua língua sechamavaMontedaVitória, o qual encerravaumacaverna talhadana rochaeagradável pelos regatosepelas árvores que o rodeavam. Chegados a esse monte, lavavam-se, oravam e louvavam a Deus emsilênciodurante trêsdias; eraoqueelespraticavamdurante cadageração, sempreesperandoque, poracaso, essa estrela de felicidade aparecesse durante a sua geração.Até que, por fim, ela apareceusobreesseMontedaVitóriasobaformadeumacriançaefigurandoumacrus;elafalou-lhes, instruiu-oseordenou-lhesquepartissemparaaJudéia.

A estrela precedeu-os, assim, durante dois anos e nem o pão nem a água faltaram nas suasmarchas.OqueelesfizeramaseguiréresumidamentenarradonoEvangelho”.

Aformadaestrelaseriadiferente,segundoestaoutralenda,

deépocadesconhecida{ }:“Durante a viagem, que durou treze dias, osMagos não repousaram nem tomaram alimento; a

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necessidadenãosefazsentireesteperíodopareceu-lhesnãodurarmaisdoqueumdia.QuantomaisseaproximavamdeBelém,mais a estrela brilhava; tinha a formade umaáguia voando através dos ares eagitandoasasas;porcimaeraumacruz”.

A lenda seguinte, que tem por títuloDas coisas que

aconteceramnaPérsia,aquandodonascimentodeCristo,éatribuídaaJúlioAfricano, cronista do séc. III, embora não se saiba a que época

pertencerealmente{ }:

“A cenapassa-senaPérsia, num templo de Juno ( ), construído porCiro.Umsacerdoteanuncia que Juno concebeu.— Todas as estátuas dos deuses dançam e cantam quando ouvem estanotícia. — Uma estrela desce e anuncia o nascimento de um Menino Princípio e Fim. — Todas asestátuas baixam o rosto para o solo. — Os Magos anunciam que essa Criança nasceu em Belém eaconselham ao rei que envie embaixador.— Então aparece Baco ( ), que prediz que esseMenino expulsará todos os falsos deuses. — Partida dos Magos, guiados pela Estrela. Chegados aJerusalém, anunciam aos sacerdotes o nascimento do Messias. — Em Belém saúdam Maria, fazempintar,porumescravohábil,oseuretratocomoMeninoecolocam-nonoseutemploprincipal,comestainscrição:A JúpiterMitra ( ,— ao deus sol), ao Deus grande, ao Rei Jesus, o império dosPersasfazestadedicatória”.

“A luzdestaestrela,escreveSanto Inácio{ }, ultrapassavaade todasasoutras;o seubrilhoera inefáveleanovidade faziacomqueaquelesqueaolhavam ficassemespantados.Osol,a luaeosoutrosastrosformavamocorodessaestrela”.

Huginus de Barma, naPrática{ }, da sua obra emprega osmesmostermosparaexprimiramatériadaGrandeObra,sobreaqualaestrelaaparece:“Tomai terraverdadeira,dizele,bemimpregnadadosraiosdosol,daluaedosoutrosastros”.

NoséculoIV,ofilósofoCalcidiusque,comodizMullachius,oúltimo dos seus editores, professava que era necessário adorar osdeuses da Grécia, os deuses de Roma e os deuses estrangeiros,conservouamençãodaestreladosMagoseaexplicaçãoqueossábiosdeladavam.Depois de ter faladodeumaestrela chamadaAhc pelosEgípciosequeanunciadesgraças,acrescenta:

“Há uma outra históriamais santa emais venerável que atesta que, pelo nascer de uma certa

estrela foram anunciadas, não doenças emortes, mas a vinda de um Deus venerável para a graça daconversação com o homem e para vantagem das coisas mortais. Os mais sábios dos Caldeus, tendovistoessaestrelaquandoviajavamdenoite,esendohomensperfeitamenteexercitadosnacontemplaçãodas coisas celestes, procuraram, segundo se conta, o nascimento recente de um Deus e, tendoencontrado a majestade desse Menino, renderam--lhe as homenagens que convinham a um tão grande

Deus.Oqueconheceismuitomelhordoqueoutros{ }”.

Diodoro de Tarso { } mostra-se ainda mais positivo quandoafirmaque“essaestrelanãoeraumadessasquepovoamocéu,masuma certa virtude ou força ( ) urano-diurna ( ), quetomoua formadeumastroparaanunciaronascimentodoSenhordetodaagente”.

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EvangelhosegundoS.Lucas, II, v.1a7: “Ora,naquelamesma regiãohaviaunspastoresque

vigiavam e se revezavam entre si nas vigílias da noite para guardarem os seus rebanhos. Eis queapareceu junto deles umAnjo do Senhor e uma luz divina os cercou e sentiram grande temor. O anjo,porém,disse-lhes:

—Não receeis porque vos venho anunciar a BoaNova que trará uma grande alegria a todo opovo.ÉquehojevosnasceunacidadedeDavidumSalvadorqueéoCristo-Senhor;eesteéosinalquevosfaráreconhecê-lo:encontrareisumMeninoenvoltoempanosedeitadonumamanjedoura.

No mesmo instante juntou-se aoAnjo uma multidão da milícia celeste que louvava a Deus edizia:GlóriaaDeusnomaisaltodoscéusepaznaterraaoshomensdeboavontade”.

EvangelhosegundoS.Mateus,II,v.1a11:

“TendopoisnascidoJesusemBelémdeJudá,notempodoreiHerodes,eisquedoOrienteunsmagos vieram a Jerusalém, dizendo: Onde estáAquele que nasceu, rei dos Judeus, pois vimos a suaestrelanoOrienteeviemosadorá-lo?

...EntãoHerodes, tendochamadosecretamenteosMagos, inquiriudeles, com todoocuidado,acercadotempoemqueaestrelalhestinhaaparecidoeenviando-osaBelémdisse-lhes:

— Idee informai-vosbemqueMeninoéesseedepoisqueohouverdesachadovindedizer-moparaqueeupossatambémiradorá-lo.

Eles,tendoouvidoaspalavrasdorei,partiramelogoaestrelaquetinhamvistonoOrientelhesapareceu,indoadiantedeles,atéquechegouasedetevesobreolugarondeestavaoMenino.

Quandoelesviramaestrelafoigrandeasuaalegriae,entrandonacasa,encontraramoMeninocom Maria, sua Mãe e, prostrando-se, adoraram-no; depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-lhepresentes:ouro,incensoemirra”.

A propósito de fatos tão estranhos, e diante da

impossibilidadede lhesatribuiracausaaalgumfenômenoceleste,A.

Bonnetty{ }, admirado com o mistério que envolve estas narrativas,pergunta:

“—QuemsãoestesMagosequedevemospensardessaestrela?Éoqueseperguntam,neste

momento,oscríticosracionalistaseoutros.Édifícil responderaestasquestões,porqueoRacionalismoe oOntologismo antigos emodernos, recolhendo todos os seus conhecimentos em simesmos, fizeramesquecertodososmeiospelosquaisosantigospovosdoOrienteconservavamastradiçõesprimitivas”.

Encontramos a primeira menção da estrela na boca deBalaam.Este,queterianascidonacidadedePethor,noEufrates,vivia,diz-se, cerca do ano 1477 a.C, nomeio do império assírio ainda nosseuscomeços.ProfetaouMagonaMesopotâmia,Balaamexclama:

“— Como poderei maldizer aquele que o seu Deus não maldiz? Então como ameaçarei aquele

queJeovánãoameaça?Escutai!...Vejo-a,masnãoagora;contemplo-a,masnãodeperto...UmaestrelanascedeJacobeocetrosaideIsrael”(Num.,XXIV,47).

Naiconografiasimbólica,aestreladesignatantoaconcepção

comoonascimento.AVirgemémuitasvezesrepresentadanimbadadeestrelas. A de Larmor (Morbihan), que faz parte de um belo tríticointerpretando a morte de Cristo e o sofrimento de Maria, —Materdolorosa—ondesepodenotarnocéudacomposiçãocentralosol,alua,asestrelaseomantodeíris,temnamãodireitaumagrandeestrela—marisstella—epítetodadoàVirgemnumhinocatólico.

G. J.Witkowski{ }descreve-nosumvitralmuitocuriosoquese encontrava perto da sacristia, na antiga igreja de Sain-Jean, emRouen, hoje destruída. Esse vitral representava a “Concepção de S.

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Romano”.“Seupai,Bento, conselheiro deClotário II, e suamãe,Felicidade, estavamdeitados num leito,

inteiramentenus, segundoo costumequedurouatémeadosdo séc.XVI.A concepçãoestava figuradapor uma estrela que brilhava sobre a coberta, em contacto com o ventre da mulher...As cercadurasdessevitral, jásingularpeloseumotivoprincipal,estavamornadasdemedalhõesemquesedistinguiam,nãosemsurpresa,asfigurasdeMarte,Júpiter,Vênusetc.,eparaquenãohouvessedúvidasacercadasuaidentidade,afiguradecadadeidadeestavaacompanhadapeloseunome”.

VIII

Tal como a alma humana possui as suas sinuosidadessecretas,tambémacatedraltemosseuscorredoresescondidos.Oseuconjunto, que se estende sob o solo da igreja, constitui a cripta (dogrego escondido).

Nesse lugar baixo, úmido e frio, o observador tem umasensação rara e que impõe o silêncio: a do poder unido às trevas.Estamos aqui no asilo dos mortos, como na basílica de Saint-Denis,necrópoledos ilustres,comonasCatacumbas romanas,cemitériodoscristãos. Lages de pedra, mausoléus de mármore, sepulcros, ruínashistóricas,fragmentosdopassado.Umsilênciolúgubreepesadoentreosespaçosabobadados.Osmilruídosdoexterior,essesvãosecosdomundo, não chegam até nós. Iremos desembocar nas cavernas dosciclopes?Estamosnolimiardeuminfernodantescoousobasgaleriassubterrâneas,tãoacolhedoras,tãohospitaleiras,dosprimeirosmártires?—Tudoémistério,angústiaetemornesteantroescuro...

À nossa volta, numerosas colunas, enormes, maciças, porvezes emparelhadas, erguidas sobre as suas bases largas echanfradas. Capitéis curtos, pouco salientes, sóbrios, atarracados.Formasrudesesumidasemqueaelegânciaeariquezacedemlugaràsolidez.Músculos fortes, contraídos sob o esforço, que partilham semdesfaleceropesoformidáveldoedifíciointeiro.Vontadenocturna,muda,rígida, tensa numa resistência perpétua ao esmagamento. Forçamaterialqueoconstrutorsoubeordenarerepartir,dandoatodosestesmembros o aspecto arcaico de um rebanho de paquidermes fósseis,soldadosunsaosoutros,arredondandoosdorsosossudos,contraindoosventrespetrificadossobopesodeumacargaexcessiva.Forçareal,masoculta,queseexerceemsegredo,sedesenvolvenasombra,agesem tréguas nas profundezas dos subterrâneos da obra. Tal é aimpressãodominantequesenteovisitanteaopercorrerasgaleriasdascriptasgóticas.

Outrora, as câmaras subterrâneas dos templos serviam de

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moradas às estátuas de Ísis, que se transformaram, quando seintroduziuoCristianismonaGália,nessasVirgensNegrasqueopovodos nossos dias rodeia de uma veneração muito particular. O seusimbolismoé,aliás,idêntico;umaseoutrasmostram,noseupedestal,afamosa inscrição:Virgini pariturae, à Virgem que deve parir . Ch.

Bigarne{ } fala-nosdeváriasestátuasde Ísisdesignadaspelomesmovocábulo.“Já,dizoeruditoPierreDujolsnasuaBibliographiegénéraledel’Occulte,osábioEliasSchadius tinhaassinaladonoseu livroDedictis Germanicis uma inscrição análoga:Isidi, seu Virgini ex qua

filiusproditurusest{ }.Estesíconesnãoteriamentãoosentidocristãoque lhes é atribuído pelo menos exotericamente. Ísis, antes daconcepção, é, diz Bigarne, na teogonia astronômica, o atributo daVirgem que vários monumentos muito anteriores ao CristianismodesignamsobonomedeVirgoparitura,ouseja,aterraantesdasuafecundaçãoequeosraiosdosolhãodeembreveanimar.Étambémamãedosdeuses,comoatestaumapedradeDie:MatriDeummagnaeideae”. Não se pode definir melhor o sentido esotérico das nossasVirgensnegras.Elasrepresentam,nasimbólica,aterraprimitiva,aqueoartistadeveescolherparaobjetodasuagrandeobra.Éamatéria--prima no estado mineral, tal como sai dos jazigos metalíferos,profundamenteenterradasobamassarochosa.

É, dizem-nos os textos, “uma substância negra, pesada,quebradiça, friável, que tem o aspecto de uma pedra e que se podetriturar como uma pedra”. Parece, portanto, natural que o hieróglifohumanizado destemineral possua a sua cor específica e que se lhedestinemcomomoradaoslugaressubterrâneosdostemplos.

Nosnossosdias,asVirgensnegrassãopouconumerosas.Citaremos algumas que gozam de grande celebridade. A catedral deChartreséamaisricanesseaspecto:possuiduas;uma,designadapelovocábuloexpressivodeNotre-Dame-sous-Terre,nacripta,estásentadanum trono, cujo pedestal mostra a inscrição que indicamos:Virginipariturae; a outra, exterior, chamadaNotre-Dame-du-Pilier, ocupa ocentrodeumnichode“ex-votos”comaformadecoraçõesinflamados.Estaúltima,diz-nosWitkowski,éobjetodedevoçãodegrandenúmerodeperegrinos.“Primitivamente,acrescentaesteautor,acolunadepedraquelheservedesuporteestava‘gasta’pelaslínguasepelosdentesdosseusfogososadoradores,comoopédeS.PedroemRomaouojoelhodeHércules,queospagãosadoravamnaSicília;mas,parapreservá-la

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dosbeijosdemasiadoardentesfoicobertacommadeira,em1831”.ComasuaVirgemsubterrânea,Chartrespassaporseromaisantigolugardeperegrinação.Aoprincípio,haviaapenasumaantigaestatuetade Ísis“esculpidaantesdeJesusCristo”,comocontamantigoscronistaslocais.Entretanto,anossaimagematualdataapenasdofinaldoséculoXVIII,tendo a da deusa Ísis sido destruída numa época desconhecida esubstituída por uma estátua de madeira, com o Menino sentado nosjoelhos,aqualfoiqueimadaem1793.

Quanto àVirgem negra de Notre-Dame du Puy — cujosmembros estão escondidos — apresenta a forma de um triângulo,devidoaomantoqueacingenopescoçoesealarga,semumadobra,atéaospés.Otecidoestádecoradodecepasdevinhaedeespigasdetrigo — alegóricas do pão e do vinho eucarísticos — e, à altura doumbigo,apareceacabeçadoMenino,tãosuntuosamentecoroadacomoadesuamãe.

Notre-Dame-de-Confession,célebreVirgemnegradascriptasde Saint-Victor, em Marselha, oferece-nos um belo exemplar deestatuária antiga, esbelta, grande e carnuda. Esta figura, plena denobreza,temumcetronamãodireitaeafrontecingidaporumacoroadetriploflorão(grav.I).

Notre-Dame de Rocamadour, termo de uma famosaperegrinação,jáfreqüentadanoanode1166,éumamadonamiraculosacuja tradição faz remontar a origem ao judeu Zaqueu, chefe dospublicanos de Jerico e que domina o altar da capela da Virgem,construída em 1479. É uma estatueta de madeira, enegrecida pelotempo,envoltanummantodelâminasdeprataqueprotegea imagemcarcomida.“AfamadeRocamadourremontaaolendárioeremita,SantoAmador ou Amadour, que esculpiu uma estatueta da Virgem, demadeira, à qual foram atribuídos numerosos milagres. Conta-se queAmadoreraopseudônimodopublicanoZaqueu,convertidoporJesusCristo;tendovindoparaaGália,teriapropagadoocultodaVirgem,queé muito antigo em Rocamadour; no entanto, a grande voga da

peregrinaçãodatasomentedoséculoXII{ }”.Em Vichy, aVirgem negra da igreja deSaint-Blaise é

venerada desde “a mais remota antigüidade”, como dizia já AntoineGravier,sacerdotecomunalistadoséculoXVII.OsarqueólogosdatamestaesculturadoséculoXIVecomoa igrejadeSaint-Blaise,ondeseencontra,sófoiconstruída,nassuaspartesmaisantigas,noséculoXV,oabadeAllot,quechamaaatençãoparaestaestátua,pensaqueela

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figurava outrora ria capela de Saint-Nicolas, fundada em 1372 porGuillaumedeHames.

A igrejadeGuéodet,chamadaaindaNotre-Dame-de-la-Cité,emQuimper,possuitambémumaVirgemnegra.

CamilleFlammarion{ }fala-nosdeumaestátuaanálogaqueviu nas caves do Observatório, em 24 de Setembro de 1871, doisséculos após a primeira observação termométrica que aí foi feita em1671.

“OcolossaledifíciodeLuísXIV,escreveele,queelevaabalaustradadoseu terraçoavintee

oitometrosacimadosolo,assentaemalicercesque têmamesmaprofundidade:vinteeoitometros.Noângulo de uma das galerias subterrâneas, nota-se uma estatueta da Virgem aí colocada nessemesmoano de 1671 e que versos gravados a seus pés invocam sob o nome deNostre-Dame de dessoubsterre”.EstaVirgemparisiense,poucoconhecida,quepersonificana

capital o misterioso tema de Hermes, parece ser uma réplica da deChartres,abenoisteDamesouterraine.

Um pormenor ainda, útil para o hermetista: no cerimonialprescritoparaasprocissõesdeVirgensnegrassósequeimavamcíriosdecorverde.

Quanto às estatuetas de Ísis — falamos daquelas queescaparamàCristianização—sãoaindamaisrarasdoqueasVirgensnegras. Talvez conviesse procurar a causa na grande antigüidade

dessesícones.Witkowski{ } refereumaqueseencontravanacatedraldeSaint-Etienne,emMetz.

“Esta figuradepedrade Ísis,escreveoautor,medindo0,43mdealturapor0,29mde largura,

provinha do velho claustro. O alto relevo sobressaía 0,18 m do fundo; representava um busto nu demulhermas tãomagro que, para nos servirmos de uma imagem do abade Brantôme, ‘somente se via oarcabouço’;acabeçaestavacobertacomumvéu.DoisseiossecospendiamnoseupeitocomoosdasDianasdeÉfeso.

Apeleestavacoloridade vermelhoeas roupagensdenegro...EstátuasanálogasexistiamemSaint-Germain-des-PréseemSaint-EtiennedeLyon”.

Emtodoocaso,oquenosinteressaéqueocultodeÍsis,a

Ceres egípcia, era muito misterioso. Sabemos apenas que todos osanossefestejavasolenementeadeusanacidadedeBusirisequeselhesacrificavaumboi.

“Após os sacrifícios, diz Heródoto, os homens e as mulheres, em número de vários milhares,

flagelam-se com pancadas. Por que deus se golpeiam, creio que seria uma impiedade da minha partedizê-lo”.

Osgregos,talcomoosegípcios,guardavamsilêncioabsoluto

acerca dos mistérios do culto de Ceres e os historiadores nada nosensinaramquepossasatisfazeranossacuriosidade.A revelaçãoaos

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profanos do segredo dessas práticas era punida com a morte.Considerava-semesmo como crime dar ouvidos à sua divulgação. AentradadotemplodeCeres,aexemplodossantuáriosegípciosdeísis,era rigorosamente interdita a todos os que não tivessem recebido ainiciação.Noentanto,asinformaçõesquenosforamtransmitidasacercadahierarquiadosgrandes sacerdotesautorizam-nosapensar queosmistérios de Ceres deviam ser da mesma ordem que os da CiênciaHermética.Comefeito,sabemosqueosministrosdocultosedividiamem quatro graus: oHierofante, encarregado de instruir os neófitos; oPorta-archote, que representavao Sol; oArauto, que representavaMercúrio; oMinistro do Altar, que representava aLua. Em Roma, asCereálias celebravam-se a 12 de Abril e duravam oito dias. Nasprocissões levava-se umovo, símbolo do mundo, e sacrificavam-seporcos.

DissemosatrásqueumapedradeDie representando Ísisadesignavacomomãedosdeuses.OmesmoepítetoseaplicavaaRea,ouCibele.Asduasdivindadesrevelam-se,assim,parentespróximasenós inclinar-nos-íamos a considerá-las apenas como expressõesdiferentes de um único emesmo princípio. Charles Vincens confirmaestaopiniãopeladescriçãoquedádeumbaixo-relevofigurandoCibele,visto durante séculos no exterior da igreja paroquial de Pennes(Bouches-du-Rhône),comasuainscrição:MatriDeum.

“Esta curiosa peça, diz-nos ele, desapareceu apenas porvoltade1610masexisteumagravuranoRecueildeGrosson(pág.20)”.Singular analogia hermética: Cibele era adorada em Pessinonte, naFrígia,sobaformadeumapedranegraquediziamcaídadocéu.Fídiasrepresenta a deusa sentada num trono, entredois leões, tendo nacabeçaumacoroamuraldaqualdesceumvéu.Porvezesrepresentam-nacomumachave eparecendoafastaroseuvéu. Ísis,Ceres,Cibele,trêscabeçassobomesmovéu.

IX

Terminados estes preliminares, devemos agora começar oestudo hermético da catedral e, para limitar as nossas investigações,tomaremoscomoexemploo templocristãodacapital,Notre-DamedeParis.

Anossatarefaénaverdadedifícil.JánãovivemosnotempodemessireBernardo,condedeTreviso,deZachaireoudePlamel.Os

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séculos deixaram a sua marca profunda na fachada do edifício, asintempériessulcaram-nodegrandesrugas,masosestragosdotempopoucocontamemrelaçãoaosqueosfuroreshumanosaípraticaram.Asrevoluções deixaram ali os seus traços, lamentável testemunho dacóleraplebéia;ovandalismo, inimigodobelo, saciouoseuódiocomhorríveis mutilações e os próprios restauradores, embora com asmelhores intenções, nem sempre souberam respeitar o que osiconoclastastinhampoupado.

Notre-DamedePariselevavaoutroraasuamajestadesobreumaescadariadeonzedegraus.Apenasisolada,porumestreitopátio,das casas demadeira, das empenas pontiagudas e escalonadas emgalerias,ganhavaemousadia,emelegância,oqueperdiaemmassa.Hoje,egraçasaorecuo,parecebastantemaismaciçaporqueestámaisafastada e porque os seus pórticos, pilares e contrafortes assentamdiretamente no chão; a sucessiva acumulação de terra foi cobrindo,poucoapouco,osdegrauseacabouporabsorvê-losatéaoúltimo.

No meio do espaço limitado, de um lado pela imponentebasílicaedeoutropelapitorescaaglomeraçãodospequenosedifíciosguarnecidos de agulhas, botaréus e cataventos, com as suas lojaspintadas,assuastravesesculpidas,osseusletreirosburlescos,comasesquinas escavadas por nichos ornados de madonas ou de santos,flanqueadosdetorrespequenas,detorresdevigia,deseteiras,nomeiodesteespaço,dizíamos,erguia-seumaestátuadepedra,altaeestreita,quesustinhaum livronumadasmãoseumaserpentenaoutra.Estaestátuafaziacorpocomumafontemonumentalondeseliaestedístico:

Quesitis,huctendas:desuntsiforteliquores,Pergredere,aeternasdivaparavitaquas.Tuquetenssede,vemaqui:seporacasoasondasfaltarem,aDeusapreparouprogressivamenteaságuaseternas.

O povo chamava-lhe oraMonsieurLegris, oraVendedor de

Fogo,GrandeJejuadorouJejuadordeNotre-Dame.Muitas interpretações foram apresentadas para estas

estranhas expressões, aplicadas pelo vulgo a uma imagem que osarqueólogosnãopuderamidentificar.Amelhorexplicaçãoéaquenos

fornece Amédée de Ponthieu{ } e parece-nos tanto mais digna deinteressequantooautor,quenãoerahermetista,julgaimparcialmenteesemidéiaspreconcebidas:

“Diante deste templo, diz-nos ele, referindo-se a Notre-Dame, erguia-se ummonólito sagrado

queo tempotinha tornado informe.Osantigoschamavam-lheFebígeno{ }, filhodeApoio;opovo,mais

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tarde,chamou-lheMaitrePierrequerendodizerpedramestra,pedradopoder{ }; chamava-se tambémmessireLegrisnumaépocaemquegrissignificavafogoe,especialmente,feugrisou,fogofátuo...

Segundo uns, estes traços informes lembravam os de Esculápio, ou deMercúrio, ou do deus

Terme{ };segundooutros,osdeArchambaud,prefeitodopaláciodeClóvisII,quetinhadadooterrenosobre o qual o Hôtel-Dieu estava construído; outros viam nele os traços de Guillaume de Paris, que ohavia erigidoaomesmo tempoqueo portal deNotre-Dame; o abadeLeboeuf via nele a figura de JesusCristo;outros,adeSantaGenoveva,padroeiradeParis.

Estapedrafoiretiradaem1748,quandoseaumentouapraçadoParvis-de-Notre-Dame”.

Pelamesmaépoca,ocapítulodeNotre-Damerecebeuordem

desuprimiraestátuadeS.Cristóvão.Ocolosso,pintadodecinzento,estavaadossadoaoprimeiropilardadireita,aoentrar-senanave.Tinhasidoerguidoem1413,porAntoinedesEssarts,camareirodoreiCarlosVI. Quiseram retirá-lo em 1772 mas Christophe de Beaumont, entãoarcebispodeParis,opôs-seformalmente.Sódepoisdasuamorte,em1781,foiarrastadoparaforadametrópoleequebrado.Notre-DamedeAmienspossuiaindaobomgigantecristão,portadordoMeninoJesus,massóescapouàdestruiçãopelofactodefazercorpocomaparede:éumaesculturaembaixorelevo.AcatedraldeSevilhaconservatambémum S. Cristóvão colossal e pintado a fresco. O da igreja de Saint-Jacques-la-BoucheriedesapareceucomoedifícioeabelaestátuadacatedraldeAuxerre,quedatavade1539,foidestruídaporordemoficialem1768,algunsanossomenteantesdadeParis.

É evidente que para motivar tais atos eram necessáriaspoderosasrazões.Emboranospareçaminjustificadas,encontramos,noentanto, a sua causa na expressão simbólica extraída da lenda econdensada—demasiadoclaramente,semdúvida—pelaimagem.S.Cristóvão,cujonomeprimitivo,Offerus,noséreveladoporJacquesdeVoragine,significa,paraamassa,oquetransportaCristo(dogrego

); mas a cabala fonética descobre um outro sentido,adequadoeconformeàdoutrinahermética.Diz-seCristóvãoemvezdeCrisofo, o quetransporta o ouro (gr. ). A partir daí,compreende-semelhoraaltaimportânciadosímbolo,tãoeloqüente,deS. Cristóvão. É o hieróglifo doenxofre solar (Jesus) ou doouronascente, levantado sobre as ondas mercuriais e elevado,seguidamente,pelaenergiaprópriadesseMercúrio,aograudepoderque o Elixir possui. Segundo Aristóteles, o Mercúrio tem como coremblemáticaocinzentoouovioleta,oquebastaparaexplicararazãoporqueasestátuasdeS.Cristóvãoestavamrevestidasdeumacapadamesmacor.CertonúmerodevelhasgravurasconservadasnoGabinetedasEstampasdaBibliotecaNacionalerepresentandoocolossoforamexecutadascomtraçosimplesecomtintabistre.Amaisantigadatade

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1418.EmRocamadour(Lot)vê-seaindaumagigantescaestátuade

S. Cristóvão, elevada sobre o planalto Saint-Michel que precede aigreja.Aolado,nota-seumvelhocofreferradosobreoqualseencontra,cravado na rocha e preso por uma cadeia, um tosco fragmento deespada. A lenda afirma que este fragmento pertenceu à famosaDurandal,aespadaqueopaladinoRolandquebrouaoabrirabrechadeRoncevaux.Sejacomofor,averdadequesedesprendedestesatributosémuitotransparente.Aespadaqueabreorochedo,avaradeMoisésquefazjorraraáguadapedradeHoreb,ocetrodadeusaReacomoqualgolpeiaomonteDyndimus,a lançadeAtalante,sãoumúnicoemesmo hieróglifo dessa matéria escondida dos Filósofos, de que S.Cristóvãoindicaanaturezaeocofreferradooresultado.

Lamentamos não poder dizer mais acerca do magníficoemblema que tinha o primeiro lugar reservado nas basílicas ogivais.Não nos resta descrição precisa e pormenorizada destas grandesfiguras,gruposadmiráveispeloseuensinamentomasqueumaépocasuperficial e decadente fez desaparecer sem ter a desculpa de umaindiscutívelnecessidade.

OséculoXVIII, reinodaaristocracia e dobelo espírito, dosabades da corte, das marquesas empoadas, dos gentis-homens deperuca,tempoabençoadodosmestresdedança,dosmadrigaisedaspastorasdeWatteau,oséculobrilhanteeperverso,frívoloeamaneiradoquedeveria afogar-se em sangue, foi particularmente nefasto para asobrasgóticas.

Arrastados pela grande corrente de decadência que tomou,sobFranciscoI,onomeparadoxaldeRenascimento,incapazesdeumesforço equivalente ao dos seus antepassados, completamenteignorantesdasimbólicamedieval,osartistasaplicaram-seareproduzirobras bastardas, sem gosto, sem caráter, sem pensamento esotérico,mais do que a prosseguir e a aperfeiçoar a admirável e sã criaçãofrancesa.

Arquitetos,pintores,escultores,preferindoasuaprópriaglóriaàdaArte,dedicaram-seaosmodelosantigosimitadosemItália.

OsconstrutoresdaIdadeMédiatinhamcomoapanágioaféeamodéstia.Artesãosanônimosdepurasobras-primas,construíramparaa Verdade, para a afirmação do seu ideal, para a propagação e anobrezadasuaciência.OsdoRenascimento,preocupadossobretudocom a sua personalidade, ciosos do seu valor, construíram para aposteridade do seu nome. A Idade Média deveu o seu esplendor àoriginalidadedassuascriações;oRenascimentodeveuasua famaà

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fidelidadeservildassuascópias.Aqui,umpensamento;ali,umamoda.Deumlado,ogênio;dooutro,o talento.Naobragótica,aconstruçãopermanecesubmetidaàIdéia;naobrarenascentista,domina-aeapaga-a.Uma fala ao coração, ao cérebro, à alma: é o triunfo doespírito; aoutradirige-seaossentidos:éaglorificaçãodamatéria.DoséculoXIIaoséculoXV,pobrezademeiosmasriquezadeexpressão;apartirdoséculo XVI, beleza plástica, mediocridade de invenção. Os mestresmedievais souberam animar o calcário vulgar; os artistas doRenascimentodeixaramomármoreinerteefrio.

É o antagonismo desses dois períodos, nascidos deconceitos opostos, que explica o desprezo doRenascimento e a suaprofundarepugnânciaportudooqueeragótico.

TalestadodeespíritodeviaserfatalàobradaIdadeMédia;eéaeleque,efetivamente,devemosatribuirasinúmerasmutilaçõesquehojedeploramos.

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PARIS

I

A catedral de Paris, tal como a maior parte das basílicasmetropolitanas,estácolocadasobainvocaçãodabenditaVirgemMariaouVirgemMãe.EmFrança,opovochamaaestasigrejasNotre-Dame.Na Sicília, têm um nome ainda mais expressivo, o deMatrices. São,portanto, templos dedicados àMãe (lat.mater,matris) ,à Matrona, nosentidoprimitivodapalavraque,porcorrupção,setornouaMadona(ital.ma donna) minha Senhora e, por extensão, Notre-Dame, NossaSenhora.

Franqueemosagradedopórticoecomecemosoestudodafachadapelograndeportal,chamadopórticocentraloudoJuízo.

Opilarcentral,quedivideemdoisovãodaentrada,ofereceumasériederepresentaçõesalegóricasdasciênciasmedievais.Faceàpraça—eemlugardehonra—aalquimiaaparecefiguradaporumamulher cuja fronte toca as nuvens. Sentada num trono, tem na mãoesquerda um cetro — insígnia de soberania — enquanto à direitasustemdois livros,um fechado (esoterismo)outroaberto (exoterismo).Mantida entre os seus joelhos, e apoiada no seu peito, ergue-se aescada dos nove degraus —scala philosophorum — hieróglifo dapaciência que devem possuir os seus fiéis no decurso das noveoperações sucessivas do labor hermético (grav. II). “A paciência é a

escadadosFilósofos,diz-nosValois{ },eahumildadeéaportadoseujardim;porqueaquemperseverarsemorgulhoeseminveja,Deusfarámisericórdia”.

Esseéo títulodocapítulo filosofal destemutusLiber queotemplogóticoé;ofrontispíciodessaBíbliaocultademaciçasfolhasdepedra; amarca, o sinal daGrandeObra laica na fachada daGrandeObracristã.Nãopodiaestarmelhorsituadodoquenopróprioumbraldaentradaprincipal.

Assim,acatedralaparece-nosfundadanaciênciaalquímica,investigadora das transformações da substância original, daMatériaelementar (lat.materea, raiz mater, mãe). Porque a Virgem Mãe,despojada do seu véu simbólico, é a personificação da substância

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primitiva de que, para realizar os seus intuitos, oPrincípio criador detudooqueexisteseserviu.Taléosentido,aliásmuitoluminoso,dessaepístolasingular,lidanamissadaImaculadaConceiçãodaVirgem,cujotextotranscrevemos:

“O Senhor teve-me consigo no começo das suas obras. Euexistia antes que ele formasse

qualquercriatura.Euexistiadesdetodaaeternidade,antesqueaterrafossecriada.Osabismosaindanãoexistiame jáeutinhasidoconcebida.Asfontesnãotinhamaindabrotadodaterra;apesadamassadasmontanhasaindanãotinhasidoformada;fuiconcebidaantesdascolinas.Elenãotinhacriadonematerra,nemosrios,nemconsolidadoomundonosseuspólos.QuandoelepreparavaosCéusjáeuestavapresente;quandoele limitavaosabismoseprescreviauma lei inviolável;quandoconsolidavaoaracimada terra; quando dava o equilíbrio às águas das fontes; quando encerrava o mar nos seus limites eimpunhauma leiàságuasparaqueelasnãopassassemalémdassuasmarcas;quandoele lançavaosfundamentosdaterra,euestavacomeleeregulavatodasascoisas”.

Trata-se, visivelmente, da própria essência das coisas. E,comefeito,asLitaniasensinam-nosqueaVirgeméoVasoquecontémo Espírito das coisas: Vas spirituale. “Sobre uma mesa, à altura doombrodosMagos,diz-nosEtteilla{3},estavam,deum lado,um livroouumasériedefolhasoulâminasdeouro(olivrodeThot)e,dooutrolado,umvasocheiodeumlicorceleste-astral,compostodeumterçodemelselvagem,umapartedeáguaterrestreeumapartedeáguaceleste...Osegredo,omistérioestavapoisnovaso”.

Esta Virgem singular —Virgo singularis, como a designaexpressamenteaIgreja—é,alémdomais,glorificadacomepítetosquedenotambemasuaorigempositiva.NãoachamamtambémaPalmeiradaPaciência (Palmapatientiae) ;Lírioentreosespinhos{4} (Lilium interspinas); Mel simbólico de Sansão; Tosão de Gedeão; Rosa Mística;PortadoCéu;MansãodeOuroetc.?OsmesmostextoschamamaindaaMar i aSede da Sabedoria, noutros termos, oTema da Ciênciahermética, da sapiência universal. No simbolismo dos metaisplanetários, é aLua que recebe os raios doSol e os conservasecretamentenoseuseio.Éadispensadoradasubstânciapassivaqueoespíritosolarvemanimar.Maria,VirgemeMãe,representaportantoaforma; Elias, o Sol, DeusPai, é o símbolo do espírito vital. Da uniãodessesdoisprincípiosresultaamatériaviva,submetidaàsvicissitudesdas leis da mutação e da progressão. É entãoJesus, o espíritoencarnado, o fogo que toma corpo nas coisas tais como nós asconhecemosnestemundo:

EOVERBOSEFEZCARNEEHABITOUENTRENÓS.PoroutroladoaBíbliaensina-nosqueMaria,mãedeJesus,

eradescendentedeJessé.OraapalavrahebraicaJessignificaofogo,osol, a divindade.Descender de Jessé é então ser da raça do sol, dofogo.Comoamatériatemasuaorigemnofogosolar,comoacabamosdever,opróprionomedeJesusaparece-nosnoseuesplendororiginal

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eceleste:fogo,sol,Deus.Enfim, naAve Regina, a Virgem é chamada propriamente

Raiz (Salve, radix) paramarcar que ela é o princípio e o começo deTudo.“Salve,raiz,pelaqualaLuzbrilhousobreomundo”.

Estas são as reflexões sugeridas pelo expressivo baixo-relevo que acolhe o visitante sob o pórtico da basílica. A Filosofiahermética, a velha Espagíria desejam-lhe as boas-vindas na igrejagótica, o templo alquímico por excelência. Porque toda a catedral éapenas uma glorificação muda mas figurada da antiga ciência deHermes,dequesoube,aliás,conservarumdosantigosartesãos.Notre-DamedeParisconservaefetivamenteoseualquimista.

Se, levadospelacuriosidade,ouparaentreteroóciodeumdia de Verão, subirdes a escada helicoidal que dá acesso às partesaltasdoedifício,percorreidevagarocaminho,escavadocomoumrego,no cimo da segunda galeria. Chegados perto do eixo médio domajestoso edifício, no ângulo reentrante da torre setentrional,encontrareis,nomeiodocortejodequimeras,o impressionanterelevode um grande velho de pedra. É ele, é o alquimista de Notre-Dame(grav.III).

Coberto com um barrete frígio, atributo do Adeptado{5},negligentemente colocado sobre a cabeleira de caracóis espessos, osábio, envergando a leve capa do laboratório, apóia com uma mãosobre a balaustrada, enquanto com a outra acaricia a sua barbaabundanteesedosa.Nãomedita,observa.Osolhosestãofixos,oolhartemurnaestranhaacuidade.TudonaatitudedoFilósoforevelaextremaemoção.Acurvaturadosombros,aprojeçãoparaafrentedacabeçaedobusto traindo, comefeito, amaior surpresa.Na verdade, estamãopetrificadaanima-se.Seráilusão?Dir-se-iaqueavemostremer...

Que esplêndida figura a do velho mestre que perscruta,interroga, ansioso e atento, a evolução da vida mineral, depoiscontempla, enfim, deslumbrado, o prodígio que somente a sua fé lhedeixavaentrever!

Ecomosãopobresasestátuasmodernasdosnossossábios—querfundidasembronze,quertalhadasnomármore—emconfrontocom esta imagem venerável de um realismo tão poderoso na suasimplicidade!

II

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Oestilóbatodafachada,quesedesenvolveeseestendesobos três pórticos, é inteiramente consagrado à nossa ciência; e é umverdadeiro regalo para os decifradores de enigmas herméticos esteconjuntodeimagenstãocuriosascomoinstrutivas.

AlivamosencontraronomelapidardotemadosSábios;aliassistiremosàelaboraçãododissolventesecreto;aliseguiremos,aparepasso,otrabalhodoElixir,desdeasuaprimeiracalcinaçãoatéàsuaúltimacozedura.

Mas, a fim de conservar um método neste estudo,observaremossempreaordemdesucessãodasfiguras,indodoexteriorparaosbatentesdospórticos,talcomofariaumcrentequeentrassenosantuário.

Nas faces laterais dos contrafortes que limitam o grandeportalencontraremos,àalturadosolhos,doispequenosbaixos-relevosembutidoscadaumnumaogiva.Odopilaresquerdoapresenta-nosoalquimistadescobrindoaFontemisteriosa,queoTrevisanodescrevenaParábolafinaldoseulivroacercadaFilosofianaturaldosmetais{6}.

O artista caminhou durante muito tempo: errou pelas viasfalsas e pelos caminhos duvidosos; mas a sua alegria explodefinalmente!Oribeirodeáguavivacorreaseuspés;saiaosborbotõesdovelho carvalho oco{7}. O nosso Adepto atingiu o alvo. E assim,desdenhando o arco e as flechas com que, a exemplo de Cadmo,trespassou o dragão, vê ondular o límpido caudal cuja virtudedissolvente e a essência volátil lhe são confirmadas por um pássaropousadonaárvore(grav.IV).

Mas qual é essa Fonte oculta? De que natureza é essepoderoso dissolvente capaz de penetrar todos os metais —principalmenteoouro—ederealizarcompletamente,comaajudadocorpo dissolvido, a grande obra? São enigmas tão profundos quefizeram desanimar considerável número de pesquisadores; todos, ouquase todos, chocaram contra estemuro impenetrável, elevado pelosFilósofosparaservirdemuralhaàsuacidadela.

A mitologia chama-lheLibéthra{8} e conta-nos que era umafonte deMagnésiaeque tinhapertodelaumaoutra fonte,chamadaaRocha.Asduassaíramdeumagranderochacujaformaimitavaoseiode umamulher; de maneira que aágua parecia correr de dois seioscomose fosse leite.Ora, sabemosqueos autores antigos chamamàmatériadaObranossaMagnésiaequeolicorextraídodessamagnésiarecebeonomedeLeitedaVirgem.Temosaíumaindicação.Quantoàalegoriadamisturaoudacombinaçãodessaáguaprimitiva,proveniente

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d oCaos dos Sábios, com uma segunda água de natureza diferente(embora do mesmo gênero), é bastante clara e suficientementeexpressiva. Dessa combinação resulta uma terceiraágua que nãomolha as mãos e que os Filósofos chamaram querMercúrio, querEnxofre, conforme tinhamem vista a qualidade dessa água ou o seuaspectofísico.

NotratadodoAzoth{9},atribuídoaocélebremongedeErfurth,BasileValentin,equeseriaantesaobradeSêniorZadith,nota-seumafigurademadeirarepresentandoumaninfaousereiacoroada,nadandonomar e fazendo jorrar dos seios roliços dois jactos de leite que semisturamcomasondas.

Nos autores árabes, essa Fonte tem o nome de Holmat;explicam-nosaindaqueassuaságuasderamaimortalidadeaoprofetaElias( ,sol).SituamafamosafontenoModhállam,termocujaraizsignificaMar obscuro e tenebroso, o que mostra bem a confusãoelementarqueosSábiosatribuemaoseuCaosoumatéria-prima.

Encontrava-se na pequena igreja de Brixen (Tirol) umaréplicapintadada fábulaqueacabamosdecitar.Estecuriosoquadro,descritoporMissoneassinaladoporWítkowski{10},pareceseraversãoreligiosadomesmo temaquímico. “Jesus faz jorrar, para umagrandebacia,osanguedasuailharga,abertapelalançadeLongino;aVirgemapertaosseusseioseoleitequedelesjorracainomesmorecipiente.Oquesobraescorreparaumasegundabaciaeperde-senofundodeumabismode chamas, ondeasalmasdoPurgatório, dosdois sexos, depeitodescoberto,seapresentama receberesseprecioso licorqueasconsolaerefresca”.

Porbaixodessavelhapinturalê-seumainscriçãoemlatimdesacristia:

“DumfluiteChristibenedictoVulneresanguis,EtdumVirgineumlacpiavirgopremit,Lacfuitetsanguis,sanguisconjungituretlac,EtsitFonsVitae,FonsetOrigoboni

{11}“.

Das descrições que acompanham asFigures symboliques

d'AbrahamleJuif,cujolivro,diz-se,pertenceuaNicolasFlamel{12}equeeste Adepto tinha expostas na sua oficina de escrivão, revelaremosduas que estão relacionadas com a Fontemisteriosa e com os seuscomponentes.Eisostextosoriginaisdessasduasnotasexplicativas:

“Terceirafigura—Nelaestápintadoerepresentadoumjardimcercadodesebesondehávários

canteiros.Aomeioexisteumvelhocarvalhooco,aopédoqualdeum ladoháumroseiraldefolhas deouroederosasbrancasevermelhasquerodeiaoditocarvalhoatéaoalto,próximodosramos.Ejuntododitocarvalhoocomurmuraumafonte,claracomoprata,quesevaiperdendonaterra;eentreosqueaprocuramháquatrocegosqueacavamequatrooutrosqueabuscamsemcavar,estandoaditafontediantedelesenãopodendoencontrá-la,excetoum,queapesanasuamão”.

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É este último personagem que constitui o tema do motivo

esculpido de Notre-Dame de Paris. A preparação do dissolvente emquestãoérelatadanaexplicaçãoqueacompanhaaimagemseguinte:

“Quarta figura — Representa um campo no qual háum rei coroado,vestido de vermelho, à

judeu,segurandoumaespadanua;doissoldadosmatamosfilhosdeduasmães,queestãosentadasnochão, chorando os seus filhos; e dois outros soldados lançam o sangue numa grande cuba cheia domesmo sangue,onde o sol e a lua, descendo do céu ou das nuvens, sevêm banhar. E são seissoldadosdearmadurabrancaeo reiéosétimoeseteinocentesmortos eduasmães, umavestida deazul,quechora,limpandoorostocomumlençoeaoutra,quetambémchora,vestidadevermelho”.

Assinalemos,ainda,umafiguradolivrodeTrismosin {13}queémaisoumenossemelhanteàterceiradeAbraão.Aísevêumcarvalhocujaraiz,cingidadeumacoroadeouro,dáorigemaoriachoocultoquecorreparaocampo.Nasfolhasdaárvoredivertem-sepássarosbrancos,comexceção de um corvo que parece adormecido e que umhomempobrementevestido,subindoaumaescada,sepreparaparaapanhar.No primeiro plano desta cena rústica, dois sofistas, vestidos comsuntuosostrajes,discutemeargumentamacercadestepontodaciência,semnotaremocarvalhocolocadoatrásdelesnemveremaFontequecorreaseuspés...

Digamos,enfim,queatradiçãoesotéricadaFontedeVidaouFontedeJuventudeseencontramaterializadanosPoçossagradosquena Idade Média a maior parte das igrejas góticas possuíam.Considerava-se freqüentemente que a água que deles se tirava tinhavirtudes curativas e era utilizada no tratamento de certas doenças.Abbon,noseupoemasobreocercodeParispelosNormandos,refereváriosfatosqueatestamasmaravilhosaspropriedadesdaáguadopoçodeSaint-Germain-des-Prés,existenteaofundodosantuáriodacélebreabadia. De igual modo, a água do poço de Saint-Marcel, em Paris,escavado na igreja, perto da pedra tumular do venerável bispo,revelava-se, segundo Grégoire de Tours, um poderoso específico devárias doenças. Existe ainda hoje, no interior da basílica ogival deNotre-DamedeLépine(Marne),umpoçomiraculoso,chamadoPuitsdeIaSainte-ViergeenomeiodocorodeNotre-DamedeLimoux(Aude),umpoçoanálogocujaágua,diz-se,curatodasasdoenças;possuiestainscrição:

Omnisquibibithancaquam,sifidemaddit,salvuserit.Quembeberdestaágua,seofizercomfé,terásaúde.

Teremosbrevementeocasiãodereferir-nosnovamenteaesta

água pontica, a que os Filósofos deram numerosos nomes mais oumenossugestivos.

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Diantedomotivoesculpidoque traduzaspropriedadeseanatureza do agente secreto, vamos assistir, no contraforte oposto, àcocçãodocompostofilosofal.Oartista,destavez,velapeloprodutodoseulabor.Revestidodaarmadura,aspernasprotegidasporgrevaseoescudonobraço,onossocavaleiroencontra-seacampadonoterraçodeuma fortaleza, a julgar pelas ameias que o rodeiam.Nummovimentodefensivo,ameaçacomalançaumaformaimprecisa(umraiodeluz?um feixe de chamas?) que infelizmente é impossível identificar, tãomutilado está o relevo. Atrás do combatente, um pequeno e bizarroedifício, formadoporumenvasamentocircular,ameadoeapoiadoemquatropilares,rematadoporumacúpulasegmentadadechaveesférica.Sob o arco inferior, uma massa aculeiforme e flamejante dá-nos aexplicaçãodoseudestino.Estecuriosotorreão,fortalezaemminiatura,é o instrumento da Grande Obra, oAthanor, o forno oculto das duaschamas—potencial e virtual—que todososdiscípulosconhecemequenumerosasdescriçõesegravurascontribuíramparadivulgar(grav.V).

Imediatamenteacimadestasfigurasestãoreproduzidosdoistemasqueparecemformaroseucomplemento.Mascomooesoterismoseescondeaquisobaparênciassagradasecenasbíblicas,evitaremosfalar deles, para não incorrermos na censura de uma interpretaçãoarbitrária.Grandessábios,entreosmestresantigos,nãotiveramreceiode explicar alquimicamente as parábolas das santas Escrituras, cujosentido tão susceptível é de diversas interpretações. A FilosofiaherméticainvocafreqüentementeotestemunhodoGênesisparaservirdeanalogiaaoprimeirotrabalhodaObra;muitasalegoriasdoVelhoedoNovoTestamentoadquiremumrelevoimprevistoaocontataremcomaalquimia.Taisprecedentesdeveriam,simultaneamente,encorajar-nose servir-nos de desculpa; preferimos, no entanto, limitar-nosexclusivamente aos motivos cujo caráter profano é indiscutível,deixandoaosinvestigadoresbenévolosafaculdadedeexerceremasuasagacidadesobreosrestantes.

III

Ostemasherméticosdoestilóbatodesenvolvem-seemduasfileiras sobrepostas à direita e à esquerda do pórtico. A fila inferiorcomportadozemedalhõeseafilasuperiordozefiguras.Estasúltimasrepresentampersonagenssentadasempedestaisornadosdeestriasde

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perfiloracôncavo,oraangular,ecolocadosnointercolúniodearcadastrilobadas. Todas apresentam discos guarnecidos de emblemasvariados,referindo-seaolaboralquímico.

Se começarmos pela fila superior, do lado esquerdo, oprimeiro baixo-relevo mostra-nos a imagem do corvo, símbolo dacornegra.AmulherqueotemnosjoelhossimbolizaaPutrefação(grav.VI).

Que nos seja permitido determo-nos um instante sobre ohieróglifodoCorvo,porqueeleescondeumpontoimportantedanossaciência. Exprime, efetivamente, na cocção doRebis filosofal, a cornegra, primeira aparência da decomposição consecutiva à misturaperfeitadasmatériasdoOvo.É,nodizerdosFilósofos,amarcacertadofuturo sucesso, o sinal evidente dapreparaçãoexata do composto.OCorvoé,porassimdizer,osinalcanônicodaObra,comoaestrelaéaassinaturadotemainicial.

Masestanegruraqueoartistaaguardacomansiedade,cujaaparição vem satisfazer os seus votos e enchê-lo de alegria, não semanifesta apenas durante a cocção. O pássaro negro aparece emdiversas ocasiões e essa freqüência permite aos autores lançar aconfusãonaordemdasoperações.

Segundo Le Breton{14}, “h áquatro putrefações na Obrafilosófica. A primeira, na primeira separação; a segunda, na primeiraconjunção;a terceira,nasegundaconjunção,quese fazentreaáguapesadaeoseusal;aquarta,finalmente,nafixaçãodoenxofre.Emcadaumadestasputrefaçõesproduz-seanegrura”.

Tornou-se,portanto,fácilaosnossosvelhosmestrescobriroarcanocomumvéuespesso,misturandoasqualidadesespecíficasdasdiversassubstânciasnodecorrerdasquatrooperaçõesquepatenteiamacornegra.Destamaneira,émuito trabalhososepará-lasedistinguirnitidamenteoquepertenceacadaumadelas.

Eisalgumascitaçõesquepoderãoesclareceroinvestigadorepermitir-lhereconheceroseucaminhonestetenebrosolabirinto.

“Na segunda operação, escreve o Cavaleiro Desconhecido

{15} o artista prudente fixa a alma

geraldomundonoourocomumetornapuraaalmaterrestreeimóvel.Nessaditaoperação,aputrefação,que eles chamam aCabeça do Corvo, é muito longa. Esta é seguida de uma terceira multiplicação,juntandoamatériafilosóficaouaalmageraldomundo”.

Háaqui, claramente indicadas,duasoperaçõessucessivas,

cuja primeira termina, começando a segunda após a aparição dacoloraçãonegra,oquenãoéocasodacocção.

Um precioso manuscrito anônimo do século XVIII{16} falaassim dessa primeira putrefação, que não se deve confundir com as

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outras:

“Se a matéria não estiver corrompida e mortificada, diz essa obra, não podereis extrair osnossos elementos e os nossos princípios; e para vos ajudar nessa dificuldade dar-vos-ei sinais para aconhecerdes. Alguns Filósofos também o observaram. Morien diz: é necessário que se notealgumaacidez e que tenha umodor de sepulcro. Filaleto diz que é necessário que ela tenha a aparência deolhosdepeixe,ouseja,depequenasbolhasàsuperfície,equepareçaqueespuma;porqueéumsinaldequeamatéria fermentaeborbulha.Esta fermentaçãoémuito longaeépreciso tergrandepaciência,porquesefazpelonossofogosecreto,queéoúnicoagentequepodeabrir,sublimareputrificar”.Masde todasestasdescriçõesasquese referemaoCorvo

(oucornegra)dacozedurasão,delonge,asmaisnumerosaseasmaisconsultadas porque englobam todos os caracteres das outrasoperações.

Bernardo, o Trevisano {17} exprime-se desta maneira: “Notaientão que quando o nosso composto começa a estar embebido danossa água permanente então todo o composto se converte numaespécie de resina fundida e fica todo enegrecido como carvão. E aochegaraessepontoonosso compostoé chamadoresinanegra,salqueimado, chumbo fundido, latãonãopuro,MagnésiaeMelrodeJoão.Porquenessaalturavê-seumanuvemnegra,flutuandonaregiãomédiadovaso,debelaesuavemaneira,serelevadaacimadovaso:enofundodesteestáamatériafundida,semelhantearesina,queficarátotalmentedissolvida.DessanuvemfalaJacquesdoburgoS.Saturnin,dizendo: ó bendita nuvem que voas pela nossa redoma! Lá está oeclipsedosoldequefalaRaymond{18}.Equandoestamassaestáassimenegrecida é considerada morta e privada da sua forma... Entãomanifesta-se a umidade na cor de azougue negro e fedorento, queprimeiro era seco, branco, agradavelmente perfumado, ardente,depuradodeenxofrepelaprimeiraoperaçãoequeagoraépurificadopormeiodestasegundaoperação.Edestemodoéestecorpoprivadodasuaalma,queperdeu,edoseuresplendoredamaravilhosalucidezque anteriormente possuía e está agora negro e desfigurado... Estamassaassimnegraouenegrecidaéachave{19},ocomeçoeosinaldadescobertaperfeitadamaneiradeoperardosegundoregimedanossapedrapreciosa.PeloquedizHermes,aoverdesanegruraacreditaiquehaveisidoporboasendaeseguidoobomcaminho”.

Batsdorff, pressuposto autor de uma obra clássica{20} queoutrosatribuemaGastondeClaves,ensinaqueaputrefaçãosedeclaraquandoanegruraapareceequeé.esseosinaldeumtrabalhoregulareconforme à natureza. Acrescenta: “Os Filósofos deram-lhe diversosnomesechamaram-noOcidente,Trevas,Eclipse,Lepra,CabeçadeCorvo,Morte,MortificaçãodoMercúrio...Resultapoisqueporessa

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putrefaçãosefazaseparaçãodoqueépuroedoqueéimpuro.Ora,ossinais de uma boa e verdadeira putrefação são umanegrura muitonegraoumuitoprofunda,umodorfétido,maueinfecto,chamadopelosFilósofostoxicumetvenenum, ao qual o olfatonãoésensível,masapenasoentendimento”.

Terminemosaquiestascitações,quepoderíamosmultiplicarsemmaisproveitoparaoestudiosoevoltemosàsfigurasherméticasdeNotre-Dame.

O segundo baixo-relevo oferece-nos a efígie do Mercúriofilosófico:umaserpenteenroladanumavaradeouro.Abraão,oJudeu,tambémconhecidopelonomedeEleázar, utilizou-ono livroqueveioparar àsmãos de Flamel— o que nada tem de surpreendente, poisencontramosestesímbolodurantetodooperíodomedieval(grav.VII).

A serpente indica a natureza incisiva e dissolvente doMercúrio que absorve avidamente o enxofre metálico e retém-no tãofortementequeasuacoesãonãopodeposteriormenteservencida.Édesse“vermevenenosoquetudoinfectacomoseuveneno”quefalaaAncienneGuerredesChevaliers{21}.Este réptiléo tipodoMercúrionoseuprimeiro estado, e a vara de ouro, o enxofre corporal que se lhejunta.Adissoluçãodoenxofreou,noutrostermos,asuaabsorçãopelomercúrio,forneceuopretextoparasímbolosmuitodiversos;masocorporesultante,homogêneoeperfeitamentepreparado,conservaonomedeMercúriofilosóficoeaimagemdocaduceu.Éamatériaouocompostodaprimeiraordem,oovovitrioladoquenecessitaapenasumacozeduragraduada para se transformar, primeiro emenxofre vermelho,seguidamente em Elixir, depois, no terceiro período, emMedicinauniversal. “Na nossa Obra, afirmam os Filósofos, o Mercúrio ésuficiente”.Segue-seumamulherde longoscabelosondulantescomochamas.PersonificandoaCalcinação,apertacontraopeitoodiscodaSalamandra“quevivenofogoesealimentadofogo”(grav.VIII).Oqueeste lagarto fabulosodesignaéosalcentral, incombustívele fixo,queconservaasuanaturezaaténascinzasdosmetaiscalcinadosequeosAntigos chamaramSementemetálica.Na violência daação ígnea, asporções combustíveis do corpo são destruídas; só as partes puras,inalteráveis, resistem e, embora muito fixas, podem extrair-se porlixiviação.

Tal é, pelo menos, aexpressão espagírica da calcinação,semelhança de que os autores se utilizam para servir de exemplo àidéiageralquesedeveteracercadotrabalhohermético.Noentanto,osnossos mestres naArte têmo cuidadode chamaraatençãodo leitor

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para a diferença fundamental existente entre a calcinação vulgar, talcomoserealizanoslaboratóriosquímicos,eaqueoIniciadorealizanogabinete dos filósofos.Esta não se efetua pormeio de qualquer fogovulgar,nãonecessitadoauxíliodo revérberomas requereaajudadeumagenteoculto,deumfogosecreto,oqual,paradarumaidéiadasuaforma,seassemelhamaisaumachama.Estefogoouáguaardenteéacentelha vital comunicada pelo Criador à matéria inerte; é o espíritoencerradonascoisas,oraioígneo,imorredouro,encerradonofundodasubstânciaobscura,informe,frígida.

TocamosaquinomaisaltosegredodaObra;eseriaparanósuma felicidade podermos cortar este nó górdio para benefício dosaspirantes à nossa Ciência — lembrando-nos, ai de nós, que estadificuldade nos deteve durante mais de vinte anos — se nos fossepermitido profanar um mistério cuja revelação depende doPai dasLuzes.Comgrandepenanossa,apenaspodemosassinalaroescolhoeaconselhar, com os mais eminentes Filósofos, a leitura atenta deArtefius{22},dePontanus{23}edapequenaobraintituladaEpístoladeIgnePhilosophorum{24}. Aí se encontrarão preciosas indicações acerca danaturezaedascaracterísticasdessefogoaquosooudessaáguaígnea,ensinamentosquesepoderãocompletarcomosdoistextosseguintes.

O autor anônimo dosPréceptes du Pere Abraham diz: “Énecessário tirar essaágua primitiva e celeste do corpo onde seencontraequeseexprimeporseteletras,segundonós,significandoasemente primitiva de todos os seres, e não especificada nemdeterminadanacasadeÁriesparaengendraroseufilho.Eessaágua,aqueosFilósofosderamtantosnomes,éodissolventeuniversal,avidaeasaúdedetodasascoisas.Osfilósofosdizemqueénessaáguaqueosolealuasebanhamequeasiprópriosseresolvemnaágua,suaorigemprimeira.Époressaresoluçãoquesedizqueelesmorremmasosseusespíritossãolevadossobreaságuasdessemarondeestavamencerrados...Pormuitoquedigam,meufilho,queháoutrasmaneirasderesolver estes corpos na sua matéria-prima, atende ao que te digoporque aprendi pela experiência e segundo o que os nossosantepassadosnostransmitiram”.

LimojondeSaint-Didierescrevetambém:“...OfogosecretodosSábioséumfogoqueoartistapreparasegundoaArteouque,pelomenos,podefazerprepararporaquelesquetêmperfeitoconhecimentoda química. Este fogo não é atualmente quente, mas é umespíritoígneo introduzido num sujeito da mesma natureza que a Pedra; e

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mediocremente excitado pelo fogo exterior,calcina-a, dissolve-a,sublima-aetransforma-aemáguaseca,comodizoCosmopolita”.

Aliás,descobriremosbrevementeoutrasfigurasrelacionadasquer com a fabricação, quer com as qualidades destefogo secretoencerrado numa água que constitui o dissolvente universal. Ora, amatéria que serve para prepará-lo constitui precisamente o tema doquartomotivo:umhomemexpõea imagemdoCordeiroecomamãodireita segura um objeto que hoje, infelizmente, se torna impossívelidentificar(grav.IX).Seráummineral,umfragmentodeumsímbolo,umutensílioou,ainda,algumpedaçodepano?Nãoosabemos.Otempoeovandalismopassaramporali.Dequalquermodo,oCordeiroficoueohomem,hieróglifodoprincípiometálicomasculino,apresenta-nosasuafigura. Isso ajudados a compreender estas palavras de Pernety: “OsAdeptos dizem que tiram o seu aço do ventre de Áries e tambémchamamaesseaçooseuímã”.

Segue-se aEvolução, que mostra a auriflama tripartida,triplicidadedasCoresdaObraqueseencontramdescritasemtodasasobrasclássicas(grav.X).Estascores,emnúmerodetrês,desenvolvem-sesegundoaordeminvariávelquevaidonegroaovermelho,passandopelobranco.Mascomoanatureza,segundoovelhoadágio—Naturanonfacitsaltus—nada fazbrutalmente,hámuitasoutras intermédiasqueaparecementreessastrêsprincipais.Oartistafazpoucocasodelasporquesãosuperficiaisepassageiras.Sãoapenasumtestemunhodecontinuidadeedeprogressãodasmutaçõesinternas.Quantoàscoresessenciais,durammaistempoqueessesmatizestransitórioseafetamprofundamenteaprópriamatéria,marcandoumamudançadeestadonasuaconstituiçãoquímica.Nãosetratadetonsfugazes,maisoumenosbrilhantes,quecintilamnasuperfíciedobanho,massimdecoloraçõesnamassaquesemanifestamexteriormenteeassimilamtodasasoutras.Serábom,cremosnós,precisarestepontoimportante.

Estas fases coloridas, específicas da cocção na prática daGrandeObra,serviramsempredeprotótiposimbólico;atribuiu-seacadaumadelasumasignificaçãoprecisae,muitasvezes,bastanteextensaparaexprimirsoboseuvéucertasverdadesconcretas.Éassimqueemtodos os tempos, existiu umalíngua das cores, intimamente unida àreligião, tal como diz Portal{25}, e que reaparece na IdadeMédia, nosvitraisdascatedraisgóticas.

A cor negra foi atribuída a Saturno, que se tornou, emEspagíria,ohieróglifodochumbo;emAstrologia,umplanetamaléfico;emHermetismo,odragãonegroouChumbodosFilósofos;emMagia,a

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Galinhanegraetc.NostemplosdoEgito,quandoorecipiendárioestavapronto para as provas iniciáticas, um sacerdote aproximava-se dele esegredava-lheaoouvidoestafrasemisteriosa:“Lembra-tequeOsíriséumdeusnegro!”.ÉacorsimbólicadasTrevasedasSombrasinfernais,a de Satã, a quem se ofereciamrosas negras, e também a doCaosprimitivo,emqueassementesdetodasascoisasestãoconfundidasemisturadas; é osable da ciência heráldica e o emblemado elementoterra,danoiteedamorte.

Talcomoodia,noGênesis,sucedeànoite,a luzsucedeàescuridão.Temporsímboloacorbranca.Atingindoestegrau,osSábiosasseguram que a sua matéria está livre de toda a impureza,perfeitamente lavada e completamente purificada. Apresenta-se entãosoboaspectodegranulaçõessólidasoudecorpúsculosbrilhantes,comreflexos adamantinos e de uma brancura resplandecente. O brancotambémfoiaplicadoàpureza,àsimplicidade,àinocência.AcorbrancaéadosIniciadosporqueohomemqueabandonaastrevasparaseguiraluzpassadoestadoprofanoaodeIniciado,depuro.Éespiritualmenterenovado.“EstetermoBranco,dizPierreDujols, tinhasidoescolhidoporrazõesfilosóficasmuitoprofundas.Acorbranca—amaiorpartedaslínguas atestam-no — sempre designou anobreza, a candura, apureza.SegundoocélebreDictionnaire-Manuelhébreuetchaldéen,deGesenius, hur, heur, significa ser branco; hurim, heurim, designa osnobres, os brancos, os puros. Esta transcrição do hebraico, mais oumenos variável, (hur, heur, hurim, heurim ) conduz-nos à palavraheureux (feliz). Os bienheureux (bem-aventurados) — aqueles queforamregeneradose lavadospelosanguedoCordeiro—sãosemprerepresentados com vestes brancas. Ninguém ignora quebem-aventurado é ainda o equivalente, o sinônimo deIniciado, nobre,puro. Ora osIniciados vestiam-se de branco. De igual maneira sevestiam os nobres. No Egito, os Manes vestiam também debranco.Phtah, oRegenerador,cobria-se igualmentedebrancopara indicaronovo nascimento dosPuros ou Brancos. OsCátaros, seita à qualpertenciamosBrancosdeFlorença,eramosPuros(dogrego

). Em latim, em alemão, em inglês, as palavrasWeiss, White,significambranco,feliz,espiritual,sábio.Pelocontrário,emhebraicoschher caracteriza uma cor negra de transição, ou seja, o profanoprocurandoainiciação.“OOsírisnegroqueaparecenocomeçodoritualfunerário,dizPortal,representaesseestadodaalmaquepassadanoiteaodia,damorteàvida”.

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Quantoaovermelho,símbolodofogo,assinalaaexaltação,apredominância do espírito sobre a matéria, a soberania, o poder e oapostolado.Obtidasoba formadecristaloudepóvermelho,volátilefusível, a pedra filosofal torna-se penetrante e idônea para curar osleprosos,ouseja,paratransmutaremouroosmetaisvulgaresqueasuaoxidabilidadetornainferiores,imperfeitos,“doentesouachacados”.

Paracelso, noLivre des Images, fala assim das sucessivascoloraçõesdaObra:

“Embora haja, diz ele, algumas cores elementares — porque a cor azulada pertence mais

especificamente à terra, a verde à água, a amarela ao ar, a vermelha ao fogo— no entanto, as coresbrancaenegra referem-sediretamenteàarteespagírica,naqualseencontram tambémasquatrocoresprimitivas, a saber, onegro,obranco,oamareloeovermelho. Ora onegro é a raiz e a origemdasoutrascores;porquetodaamatérianegrapodeserreverberadaduranteotempoquelhefornecessário,demaneiraqueas trêsoutras coresaparecerãosucessivamentee cadaumadesuavez.A corbrancasucedeànegra,aamarelaàbrancaeavermelhaàamarelaOra todaamatéria, tendoatingidoaquartacornomeiodareverberação,éatinturadascoisasdoseugênero,ouseja,dasuanatureza”.Paradarumaidéiadaextensãoqueadquireasimbólicadas

cores—eespecialmentedastrêsmaioresdaObra—notemosqueaVirgem é sempre representada vestida de azul (correspondente aonegro, comodiremosaseguir),DeusdebrancoeCristodevermelho.São essas as cores nacionais da bandeira francesa, que, aliás, foicriada pelo maçom Louis David. Para ele, oazul escuro ou o negrorepresentavam a burguesia; o branco estava reservado ao povo, aospierrotsoucamponeses,eovermelhoàbaillieourealeza.NaCaldeia,os zigurates, que eram normalmente torres de três andares e a cujacategoria pertencia a famosaTorredeBabel , eram revestidos de trêscores:preto,brancoevermelho-púrpura.

Até aqui falamos teoricamente, como os mestres fizeramantes de nós, a fim de obedecer à doutrina filosófica e à expressãotradicional.Talvezconviesse,agora,escreverparaosFilhosdaCiência,demodomaispráticoemenosespeculativoedescobrir,assim,oquediferenciaaaparênciadarealidade.

Poucos Filósofos ousaram aventurar-se neste terrenomovediço.Etteilla{26},referindo-seaumquadrohermético{27}queterianasuaposse,conservoualgumaslegendasexistentesnapartemaisbaixadaquele;entreelaslê-se,nãosemsurpresa,esteconselhodignodeserseguido:nãovosfieisdemasiadonacor.Quequeristodizer?Teriamosvelhosautoresenganadodeliberadamenteosseusleitores?Eporqueindicação deveriam os discípulos de Hermes substituir as coresdesmaiadasparareconhecereseguirocaminhocerto?

Procurai, irmãos, sem desanimardes, porque aqui, comonoutrospontosobscuros,deveis fazerumgrandeesforço.Semdúvida

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haveis lidoemdiversaspassagensdosvossoslivrosqueosFilósofossó falam claramente quando pretendem afastar os profanos da suaTávolaredonda.Asdescriçõesquefazemdosseusregimes,aosquaisatribuemcoloraçõesemblemáticas,sãodeumaperfeita limpidez.Ora,deveisconcluirqueessasobservaçõestãobemdescritassãofalsasequiméricas. Os vossos livros estão fechados, como o do Apocalipse,com selos cabalísticos.Deveis quebrá-los uma um.A tarefa é difícil,reconhecêmo-lo,mas vencer semperigoé omesmoque triunfar semglória.

Aprendei,então,nãoemqueéqueumacordiferedeoutra,massimemqueéqueumregimesedistinguedoseguinte.E,antesdemais, o que é umregime? Muito simplesmente a maneira defazervegetar,deconservareaumentaravidaqueavossapedrarecebeuànascença.Époisummodusoperandi,quenãosetraduzforçosamenteporumasucessãodecoresdiversas.“AquelequeconheceroRegime,escreveFilaleto,seráhonradopelospríncipesepelosgrandesdaterra”.Eomesmoautoracrescenta:“Nãovosescondemosnada,anãoseroRegime”. Ora, para não atrair sobre a nossa cabeça a maldição dosFilósofos,revelandooqueelesconsideraramdeverdeixarnasombra,contentar-nos-emosemadvertirqueoRegimedapedra,ouseja,asuacocção,contémváriosoutros,ou,poroutraspalavras,trata-sedeváriasrepetiçõesdamesmamaneiradeoperar.Refleti,recorreiàanalogiae,sobretudo, nunca vos afasteis da simplicidade natural. Pensai quedeveis comer todos os dias, paramanter a vossa vitalidade; que orepousovoséindispensávelporque,porumlado,favoreceadigestãoea assimilação do alimento e, por outro, o renovar das célulasenfraquecidas pelo labor quotidiano. E acaso não deveis expulsarfreqüentementecertosprodutosheterogêneos,dejetosouresíduosnãoassimiláveis?

Igualmenteavossapedratemnecessidadedealimentoparaaumentar o seupodereessealimentodeve ser gradual,mudadoemcertomomento. Dai-lhe primeiro leite; seguir-se-á o regime carnívoro,maissubstancial.Enãovosesqueçais,apóscadadigestão,desepararosexcrementosporqueavossapedrapoderiaser infectadaporeles...Segui,portanto,anaturezaeobedecei-lheomaisfielmentequevosfor possível. E compreendereis de que maneira convém efetuar acocção quando tiverdes adquirido perfeito conhecimento do Regime.Assim, apreendereis melhor a apóstrofe que Tollius {28} dirige aosassopradores,escravosdaletra:“Ide-vos,retirai-vos,vósqueprocuraiscomaplicação extremaas diversas cores nos vossos vasos de vidro.

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Vós que me fatigais os ouvidos com o vosso negrocorvo, sois tãoloucos como aquele homem da Antigüidade que tinha por hábitoaplaudir no teatro, embora lá estivesse sozinho, porque imaginavasempreterdiantedesialgumespetáculonovo.Assimsoisvósquando,chorando de alegria, imaginais ver nos vossos vasos a vossa brancapomba,avossaáguiaamarelaeovossofaisãovermelho!Ide-vos,digo-vos eu, e retirai-vos para longe demim, se buscais a pedra filosofalnumacoisafixa;porqueelanãopenetrarámaisoscorposmetálicosdoqueofariaocorpodeumhomemnasmuralhasmaissólidas...

Eis o que tenho a dizer-vos das cores, para que no futurodeixeis os vossos trabalhos inúteis; acrescentarei uma palavra arespeitodoodor.

ATerraénegra,aÁguaébranca;oar,quantomaispróximodo Sol, mais amarelece; o éter é completamente vermelho. A morte,comosediz,éigualmentenegra,avidaécheiadeluz;quantomaispuraéa luzmais seaproximadanaturezaangélicae os anjos sãopurosespíritos de fogo. Ora bem, acaso o cheiro de um morto ou de umcadáver não será fastidioso e desagradável ao olfato? Da mesmamaneiraoodorfétido,paraosFilósofos,denotaafixação;pelocontráriooodoragradávelassinalaavolatibilidade,porqueaproximadavidaedocalor”.

VoltandoàpartemaisbaixadeNotre-Dame,encontraremosem sexto lugar a Filosofia, cujo disco tem gravada uma cruz. É aexpressãodocaráterquaternáriodoselementoseamanifestaçãodosdoisprincípiosmetálicos, sol e lua—estamartelada—ouenxofreemercúrio,parentesdapedra,segundoHermes(grav.XI).

IV

Osmotivosqueornamentamoladodireitosãodeleituramaisingrata;enegrecidosecorroídos,devemsobretudoasuadeterioraçãoàorientaçãodestapartedopórtico.Varridospelosventosdeoeste,seteséculosderajadasdesgastaram-nosaopontodereduziralgunsdelesaoestadodesilhuetasrombasevagas.

Nosétimobaixo-relevodessasérie—oprimeiroàdireita—notamosocortelongitudinaldoAthanoreoaparelhointernodestinadoasuportaroovofilosófico;namãodireita,opersonagemtemumapedra(grav.XII).

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Éumgrifoquevemosinscritonocírculoseguinte.Omonstromitológico,cujospeitoecabeçasãoosdaáguiaequecopiadoleãoorestodocorpo, iniciao investigador nas qualidades contrárias quenecessariamente se devem reunir na matéria filosofal (grav. XIII).Encontramosnessa imagemohieróglifodaprimeiraconjunção,aqualsó seoperaa poucoepouco, àmedidaque sedesenrola este laborpenosoefastidiosoqueosFilósofoschamaramassuaságuias.Asériede operações cujo conjunto conduz à união íntima do enxofre e domercúrio tem também o nome deSublimação. É pela reiteração dasÁguiasouSublimaçõesfilosóficasqueomercúrioexaltadosedespojadassuaspartesgrosseiraseterrestres,dasuaumidadesupérfluaeseapoderadeumaporçãodocorpofixoquedissolve,absorveeassimila.Fazervoaraáguia,segundoaexpressãohermética,éfazersairàluzdotúmulo e trazê-la à superfície, o que é próprio de toda a verdadeirasublimação.ÉoquenosensinaafábuladeTeseuedeAriana.Nestecaso,Teseué - aluzorganizada,manifestada,queseseparadeAriana,aaranhaqueestánocentrodasua teia,ocalhau,acascavazia,ocasulo,osdespojosdaborboleta(Psique).

“Sabei, meu irmão, escreve Filaleto

{29}, que a preparação exata dasÁguias voadoras é o

primeiro grau da perfeição e para conhecê-lo é necessário umgênio industrioso e hábil... Para atingi-lo,muitosuamosetrabalhamos;passamosaténoitessemdormir.Assim,vósquecomeçaisagora,persuadi-vosdequenãotereissucessonaprimeiraoperaçãosemumgrandetrabalho...

Compreendei então, meu irmão, o que dizem os Sábios, ao sublinhar que conduzem as suaságuias para devorarem o leão, e quantomenos se empregam as águiasmais rude é o combate emaisdificuldadesseencontramparaalcançaravitória.MasparaaperfeiçoarmosanossaObranecessitamos,pelomenos, deseteáguias, e deveriamesmo empregar-se até nove. E o nossoMercúrio filosófico é opássarodeHermesaquemsedátambémonomedeGansooudeCisneealgumasvezesodeFaisão”.São estas sublimações que Calímaco descreve no Hino a

Delos(v.250,255)quandodiz,falandodoscisnes:

...

, .“(Os cisnes) rodearam Delos sete

vezes... e não tinham ainda cantado pela oitavavezquandoApolonasceu”.

ÉumavariantedaprocissãoqueJosuéfezandarsetevezes

àvoltadeJerico,cujasmuralhascaíramantesdaoitavavolta(Josué,c.VI,16).

Paraassinalaraviolênciadocombatequeprecedeanossa

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conjunção,osSábiossimbolizaramasduasnaturezaspelaÁguiaepeloLeão,deigualforçamasdecompleiçãocontrária.Oleãotraduzaforçaterrestreefixa,enquantoaáguiaexprimeaforçaaéreaevolátil.Postosempresença,osdoiscampeõesatacam-se, repelem-se,despedaçam-semutuamentecomenergiaatéque,porfim,tendoaáguiaperdidoassuas asas, e o leão a juba, os adversários constituem apenas umsócorpo, de qualidade média e de substância homogênea, oMercúrioanimado.

NotempojálongínquoemqueestudandoasublimeCiência,nos debruçávamos sobre o mistério repleto de pesados enigmas,lembramo-nos de ter visto construir um belo edifício cuja decoração,refletindo as nossas preocupações herméticas, não deixou de nossurpreender.Acimadaportadeentrada,duascrianças,umrapazeumarapariga,enlaçados,afastamelevantamumvéuqueoscobre.Osseusbustosemergemdeumemaranhadodeflores,folhasefrutos.Umbaixo-relevodominaocoroamentoangular,mostrandoocombatesimbólicodaáguiaedoleãodequeacabamosdefalareadivinha-sefacilmentequeoarquitetotevealgumadificuldadeemsituaroembaraçadoremblema,impostoporumavontadeintransigenteesuperior{30}...

Ononotemapermite-nospenetraraindamaisnosegredodefabricação doDissolvente universal. Uma mulher designa —alegoricamente—osmateriaisnecessáriosparaaconstruçãodovasohermético;levantaumapequenapranchademadeira,assemelhando-seumpoucoa umaaduela de tonel, cuja essência nos é reveladapeloramo decarvalho que o escudo ostenta. Encontramos aqui afontemisteriosa, esculpidano contraforte dopórtico,maso gesto donossopersonagem trai a espiritualidade dessa substância, dessefogo danaturezasemoqualnadapodecrescerevegetarnestemundo (grav.XIV).Éesteespírito,espalhadopelasuperfíciedoglobo,queoartistasubtil e engenhoso deve captar àmedida que se vai materializando.Acrescentaremosaindaquehánecessidadedeumcorpoespecialparaservir de receptáculo, de uma terra atrativa onde possa encontrar umprincípiosusceptíveldeoreceberedeo“corporizar”.“Araizdosnossoscorposestánoar,dizemosSábios,eosseusramosnaterra”.ÉesseoímãencerradonoventredeÁries,quesedeve tomarnomomentodoseunascimento,comtantadestrezacomohabilidade.

“Aáguadequenosservimos,escreveoautoranônimodaClefduCabinetHermétique, é uma

águaqueencerratodasasvirtudesdocéuedaterra;éporissoqueelaéoDissolventegeraldetodaaNatureza; é ela queabreasportas donossogabinete herméticoe real; nela estãoencerradoso nossoReieanossaRainha,etambéméoseubanho...ÉaFontedeTrevisanoemqueoReisedespojadoseumantodepúrpuraparavestirumhábitonegro...Éverdadequeessaáguaédifícildeobter;éoque levaoCosmopolitaadizer,noseuEnigma,queerararanailha...Esteautorrefere-se-lhemaisparticularmentecom estas palavras: não é semelhante à água da nuvem mas tem a sua aparência. Noutro lugar

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descreve-a sob o nome de aço e de ímã porque é, verdadeiramente, um ímã que atrai a si todas asinfluênciasdocéu,dosol,daluaedosastros,paraascomunicaràterra.DizqueesseaçoseencontraemÁries, que assinala ainda o começo da Primavera, quando o sol percorre osigno do Carneiro...FlameldáumadescriçãomuitoexataemFiguresd'AbrahamleJuif;eledescreve-nosumvelhocarvalhooco{31}do qual sai uma fonte, com cuja água um jardineiro rega as plantas e as flores de um canto dojardim.O velho carvalho, que é oco, representa o tonel que é feito demadeira de carvalho, no qual sedevecorromperaáguaqueguardapararegarasplantasequeébemmelhordoqueaáguapura...OraéalturadedescobrirumdosgrandessegredosdessaArtequeosFilósofosesconderam,semoqualvasonãopodereis fazer essa putrefaçãoe purificaçãodos nossos elementos, tal comonão se poderia fazervinhosemquetivessefervidonotonel.Ora,comootoneléfeitodemadeiradecarvalho,tambémovasodeveserdemadeiradecarvalhovelho,arredondadopordentro,comoumhemisfério,cujosbordossejammuito espessos e quadrados; na sua falta, um barril e outro parecido para cobri-lo. Quase todos osFilósofos falaramdessevasoabsolutamentenecessárioparaessaoperação.Filaletodescreve-oatravésdafábuladaserpentePítonqueCadmoatravessoudeladoaladocontraumcarvalho.ExisteumafiguranolivrodasDouzeClefs{32}querepresentaessamesmaoperaçãoeovasoondeelaseefetua,deondesaiumagrandefumaradaqueassinalaafermentaçãoeaebuliçãodessaágua;eessefumoterminanumajanela, onde se vê o céu, no qual estão pintados o sol e a lua, quemarcama origemdessa água e asvirtudesqueelacontém.Éonossovinagremercurialquedescedocéuàterraesobedaterraaocéu”.

Transcrevemos este texto porque pode ser útil, com a

condição, no entanto, de que se saiba lê-lo com prudência ecompreendê-locomsabedoria.VemapropósitorepetiraindaamáximaqueridadosAdeptos:oespíritovivificamasaletramata.

Eis-nos agora diante de um símbolomuito complexo, o doLeão.Complexoporquenãopodemos,peranteanudezatualdapedra,contentar-noscomumasimplesexplicação.OsSábiosassociaramaoLeão diversos qualificativos, fosse para exprimir o aspecto dassubstânciasqueelestrabalhavam,fosseparadesignarumaqualidadeespecialepreponderante.NoemblemadoGrifo(oitavomotivo)vemosqueoLeão,reidosanimaisterrestres,representavaapartefixa,básicadeumcomposto,fixidezque,emcontactocomavolatibilidadeadversa,perdiaamelhorpartedelaprópria,aquecaracterizavaaforma,ouseja,em linguagem hieroglífica, a cabeça. Desta vez devemos estudar oanimalsozinhoeignoramosdequecorestavaoriginalmenterevestido.Em geral, o Leão é o signo do ouro, tanto alquímico como natural;traduz,portanto,aspropriedadesfísico-químicasdestescorpos.Masostextos atribuem o mesmo nome à matéria receptiva doEspíritoUniversal, do fogo secreto na elaboração do dissolvente. Trata-se,nestesdoiscasos,deumainterpretaçãodepoder,deincorruptibilidade,de perfeição, como indica bem, aliás, o bravo de espada erguida, ocavaleiro coberto com uma cota de malha que representa o rei dobestiárioalquímico(grav.XV).

O primeiro agente magnético que serve para preparar odissolvente — que alguns denominaramAlkaest — é chamadoLeãoverde, não tanto porque possua coloração verde mas porque nãoadquiriuoscaracteresmineraisquedistinguemquimicamenteoestadoadultodoestadodoquenasce.Éumfrutoverdeeamargo,comparadocomofrutovermelhoemaduro.ÉajuventudemetálicasobreaqualaEvolução não atuou, mas que contém o germe latente de uma real

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energia, chamada mais tarde a desenvolver-se. São o arsênico e ochumbo, em relação à prata e ao ouro.É a imperfeição atual de quesairáamaiorperfeiçãofutura;orudimentodonossoembrião,oembriãodanossapedra,apedradonossoElixir.Certosadeptos,BasileValentinentreeles,chamaram-lheVitríoloverde,paraexpressarasuanaturezacálida, ardente e salina; outros,Esmeralda dos Filósofos, Orvalho deMaio,Ervasaturniana,Pedravegetaletc.“Anossaáguatomaosnomesdas folhasde todasasárvores,dasprópriasárvoresede tudooqueapresentaumacorverde,a fimdeenganaros insensatos”, dizMestreArnauddeVilleneuve.

Quanto aoLeão vermelho, não é, segundo os Filósofos,senãoamesmamatéria,ouLeãoverde,levadaporcertosprocessosaessa qualidade especial que caracteriza o ouro hermético ouLeãovermelho.ÉoquelevouBasileValentinadaresteconselho:

“Dissolve e alimenta o verdadeiro Leão como sanguedo Leão verde, porque o sangue fixo do

Leãovermelhoéfeitodosanguevolátildoverde,poissãoambosdamesmanatureza”.

Destas questões, qual a verdadeira? Eis uma questão que

confessamos não poder resolver. O leão simbólico era, sem dúvida,pintadooudourado.Qualquervestígiodecinábrio,demalaquiteoudemetal viria imediatamente tirar-nos de apuros. Mas nada subsiste,apenas o calcário corroído, pardacento e sumido. O leão de pedraguardaoseusegredo!

A extração do Enxofre vermelho e incombustível érepresentadapelafiguradeummonstro,misturadegaloederaposa.ÉomesmosímbolodequeBasileValentinseutilizounaterceiradassuasDouzeClefs.

“É este soberbo manto com o Sal dos Astros, diz o Adepto, que acompanha este enxofre

celeste,guardadocuidadosamentecommedoquesegaste,eosfazvoarcomoumaave,enquantotivernecessidade,eogalocomeráaraposaeafogar-se-áeasfixiaránaágua,depois, recuperandovidapelofogo,será(paraqueacadaumchegueasuavez)devoradopelaraposa”(grav.XVI).

Àraposa-galosucede-seoTouro(grav.XVII).Encaradocomo

signo zodiacal, é o segundo mês das operações preparatórias daprimeiraobraeoprimeiroregimedofogoelementarnosegundo.Comofiguradecaráterprático,sendootouroeoboiconsagradosaosol,talcomoavacaoéàlua,representaoEnxofre,princípiomasculino,vistoqueosoléchamadometaforicamente,porHermes,oPaidapedra.Otouroeavaca,osolealua,oenxofreeomercúriosãoentãohieróglifosdesentidoidênticoedesignamasnaturezasprimitivascontrárias,antesda sua conjunção, naturezas que a Arte extrai de corpos mistosimperfeitos.

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V

Dos doze medalhões que ornamentam a fila inferior doenvasamento,dezvãoreteranossaatenção;efetivamente,doistemassofreram mutilações demasiado profundas para que seja possívelreconstituir-lhes o sentido. Passaremos portanto, por muito que nospese,diantedosrestosinformesdoquintomedalhão(ladoesquerdo)edodécimoprimeiro(ladodireito).

Perto do contraforte que separa o pórtico central do portalnorte, o primeiro motivo apresenta-nos um cavaleiro desmontado,agarrando-seàscrinasdeumfogosocavalo(grav.XVIII).Estaalegoriarefere-seàextraçãodaspartesestáveis,centraisepuras,pelasvoláteisouetéreasnaDissoluçãofilosófica.Trata-sepropriamentedaretificaçãodoespíritoobtidoedacoobaçãodesseespíritosobreamatériagrave.Ocorcel, símbolo da rapidez e da ligeireza, simboliza a substânciaespiritual; o seu cavaleiro indicaaponderabilidadedo corpometálicogrosseiro.Acadacoobaçãoocavaloderrubaoseucavaleiro,ovolátilabandona o estável; mas o cavaleiro retoma imediatamente os seusdireitos,atéqueoanimal,extenuado,vencidoesubmetido,consintaemtransportaressefardoobstinadoènãopossamaisdesfazer-sedele.Aabsorçãodoestávelpelovolátilefetua-selentamenteecomdificuldade.Paraatingi-laénecessárioempregarmuitapaciênciaeperseverançaerepetirmuitasvezesaaspersãodaáguasobreaterra,doespíritosobreocorpo.Eéapenascomestatécnica—longaefastidiosa,naverdade—queseconsegueextrairosalocultodoLeãovermelhocomoauxíliodo espírito do Leão verde. O corcel deNotre-Dame assemelha-se aoPégaso alado da fábula (raiz ), fonte). Como ele, lança oscavaleirosporterra,quersechamemPerseuouBelorofonte.Éaindaeleque transportaPerseuatravésdosaresatéàsHespéridese faz jorrar,comumgolpedo casco, a fonteHipocrene no monteHelicon, aqual,diz-se,foidescobertaporCadmo.

Nosegundomedalhão,o Iniciadorapresenta-nos,comumadas mãos, um espelho, enquanto com a outra levanta o corno deAmalteia; ao seu ladovemosaÁrvoredaVida (grav.XIX).Oespelhosimbolizaocomeçodaobra,aÁrvoredaVidaassinalaoseu fimeacornucópiaoseuresultado.

Alquimicamente,amatéria-prima,aqueoartistadeveelegerparacomeçaraObra,édenominadaEspelhodeArte.

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“Entre os Filósofos, diz Moras de Respour{33}, é conhecidavulgarmenteporEspelhodaArteporqueéprincipalmenteporelaqueseaprendeacomposiçãodosmetaisnasveiasdaterra...Tambémsedizqueasimplesindicaçãodanaturezapodeinstruir-nos”.ÉigualmenteoqueensinaoCosmopolita{34},quando,falandodoEnxofre,diz:

“Noseureinoháumespelhonoqualsevêtodoomundo.Quemolharporesseespelhopodever

e aprender as três partes da Sapiência de todo o mundo e, dessa maneira, tornar-se-á muito sábionesses reinos, como o foram Aristóteles, Avicena e vários outros, os quais tal como os seuspredecessores,viramnesseespelhocomoomundofoicriado”.BasileValentinnoseuTestamentumescreveigualmente:

“O Corpo inteiro do Vitríolo não deve ser reconhecido senão por um Espelho da Ciênciafilosófica...ÉumEspelhoondesevêbrilhareapareceronossoMercúrio,onossoSoleaLua,porondesepodemostrar,numinstante,eprovaraoincréduloThomasacegueiradasuacrassaignorância”.

Pernety,noseuDictionnaireMytho-Hermétiquenãocitouestetermoouporquenãooconheceuouporqueoomitiuvoluntariamente.Este tema, tão comum e tão desprezado, torna-se seguidamente aÁrvoredeVida,ElixirouPedrafilosofal,obra-primadanaturezaajudadapela indústria humana, à pura e rica jóia alquímica. Síntesemetálicaabsoluta,elaasseguraaofelizpossuidordestetesourootriploapanágiodosaber,dafortunaedasaúde.Éacornucópia,fonteinesgotáveldasfelicidadesmateriaisdonossomundoterrestre.Lembremos,enfim,queoespelhoéosímbolodaVerdade,daPrudênciaedaCiênciaemtodososmitólogosepoetasgregos.

Eisagoraaalegoriadopesonatural:oalquimistaretiraovéuqueenvolviaabalança(grav.XX).

Os Filósofos não foram prolixos acerca do segredo dospesos. Basile Valentin contentou-se em dizer que era necessário“entregar um cisne branco ao duplo homem ígneo”, o quecorresponderiaaoSigillumSapientumdeHuginusdeBarma,emqueoartista segura umabalançanaqual umprato se inclina na proporçãoaparentededoisparaumemrelaçãoaooutro.OCosmopolita,noseuTraitéduSel ,éaindamenosrigoroso:“Opesodaágua,dizele,deveserpluraleoda terracobertade folhasbrancaouvermelhadevesersingular”.OautordosAphorismesBasiliensouCanonsHermétiquesdel’Espritetdel'Ame{35}escrevenocânoneXVI:

“Começamos a nossa obra hermética pela conjunção dos três princípios preparados segundo

uma certa proporção, a qual consiste no peso do corpo, que deve igualar o espírito e a alma quase nasuametade”.

Se Raymond Lulle e Filaleto falaram disto, muitos outros

preferiramcalar-se;algunspretenderamquesóanatureza repartiaas

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quantidades segundo uma harmonia misteriosa que a Arte ignorava.Estascontradiçõesnãoresistemsequeraoexame.Comefeito,sabemosque o mercúrio filosófico resulta da absorção de uma certa parte deenxofre por uma determinada quantidade de mercúrio; é entãoindispensável conhecer exatamente as proporções recíprocas doscomponentes,seseoperapelaantigavia.Nãotemosnecessidadedeacrescentar que estas proporções são envolvidas em semelhanças ecobertas de obscuridade,mesmo para os autoresmais sinceros.Masdeve-senotar,poroutrolado,queépossívelsubstituirporourovulgaroenxofremetálico;nestecaso,podendosempreoexcessodedissolventeserseparadopordestilação,opesoencontra-seremetidoaumasimplesapreciaçãodeconsistência.Abalança,comosevê,constituiumíndicepreciosoparaadeterminaçãodaviaantiga,daqualoouroparecedeverser excluído. Ouvimos falar do ouro vulgar que não sofreu nemexaltação nem transfusão, operações que, modificando as suaspropriedadeseassuascaracterísticas físicas,o tornampróprioparaotrabalho.

Umadissoluçãoparticularepoucoutilizadaé-nosexplicadapor umdos relevosqueestudamos.Éa doazougue vulgar, a fimdeobter omercúrio comum dos Filósofos, que estes chamam o “nosso”mercúrioparaodiferenciardometal fluidodequeprovém.Emborasepossamencontrarfreqüentementedescriçõesbastanteextensasacercadeste assunto, não esconderemos que tal operação nos parecearriscada,senãosofistica.Noespíritodosautoresque falaramdela,omercúrio vulgar, desembaraçado de toda a impureza e perfeitamenteexaltado,tomariaumaqualidadeígneaquenãopossuieseriacapazdese tornar por sua vez dissolvente. Uma rainha sentada no seu tronoderrubacomumpontapéopagemque,detaçanamão,vemoferecer-lhe os seus serviços (grav. XXI). Não se deve, portanto, ver nestatécnica, supondo que possa fornecer o esperado dissolvente, senãoumamodificaçãodaviaantiga,enãoumapráticaespecial,vistoqueoagentepermanecesempreomesmo.Ora,nãovemosquevantagemsepoderia retirar de uma solução de mercúrio obtida com a ajuda dosolventefilosófico,sendoesteoagentemaioresecretoporexcelência.É,noentanto,oquepretendeSabineStuartdeChevalier{36}:

“Para obter o mercúrio filosófico, escreve este autor, énecessáriodissolveromercúriovulgarsemnadadiminuirdoseupesoporquetodaasuasubstânciadeveserconvertidaemáguafilosófica.OsFilósofos conhecem um fogo natural que penetra até ao coração domercúrio e que o apaga interiormente; conhecem também um

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dissolvente que o converte em água argêntea pura e natural; nãocontém nem deve conter qualquer corrosivo. Assim que omercúrio élibertadodosseuslaçosevencidopelocalor,tomaaformadaáguaeessa mesma água é a coisa mais preciosa que existe no mundo. Énecessáriopoucotempoparafazeromercúriovulgartomaressaforma”.Perdoar-nos-ãodenãosermosdamesmaopinião,tendoboasrazões,fundamentadas na experiência, para crer que o mercúrio vulgar,desprovidodeagentepróprio,poderiatornar-seumaáguaútilaObra.Oservus fugitivus de que temos necessidade é uma água mineral emetálica,sólida, quebradiça, com o aspecto de uma pedra e deliquefaçãomuito fácil.Éessaágua coagulada soba formademassapétrea que é o Alkaest e o Dissolvente universal. Se convém ler osFilósofos— segundo o conselho de Filaleto— com um grão de sal,conviriautilizarosaleirointeiroparaestudarStuartdeChevalier.

Umvelho,transidodefrioecurvadosoboarcodomedalhãoseguinte,apóiase,cansadoedesfalecente,sobreumblocodepedra;umaespéciederegaloenvolveasuamãoesquerda(grav.XXII).

É fácil reconhecer aqui a primeira fase da segunda Obra,enquanto oRebis hermético, encerrado no centro doAthanor, sofre adeslocaçãodassuaspartesetendeamodificar-se.Éocomeço,ativoedoce, do fogo de roda simbolizado pelo frio e pelo inverno, períodoembrionárioemqueassementes,encerradasnoseiodaterrafilosofal,sofremainfluênciafermentativadaumidade.ÉoreinodeSaturnoquevaiaparecer,símbolodadissoluçãoradical,dadecomposiçãoedacornegra.“Souvelho,débiledoente,fá-lodizerBasileValentin,porissomevejo encerrado numa fossa... O fogo atormenta-me grandemente e amorte destruí aminha carne e osmeus ossos”. Um certo Demetrius,viajantecitadoporPlutarco—osgregosforammestresemtudo,mesmono exagero— conta com toda a seriedade que numa das ilhas quevisitou,nacostainglesa,Saturnoseencontraaprisionadoemergulhadonumsono profundo.O giganteBriareu (Egeão) é o carcereiro da suaprisão.Eeiscomo,comaajudadefábulasherméticas,autorescélebresescreveramaHistória!

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Figura1:AESFINGEPROTEGEEDOMINAACIÊNCIA

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GravuraI.Notre-DamedeConfession:VirgemnegradascriptasSaint-Victor,emMarselha.

GravuraII.Notre-DamedeParis:AAlquimia

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GravuraIII.Notre-DamedeParis:OAlquimista.

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GravuraIV.Notre-DamedeParis:AFontemisteriosaaopédovelhoCarvalho.

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GravuraV.Notre-DamedeParis:OAlquimistaprotegeoAthanor

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GravuraVI.Notre-DamedeParis:OCorvo—Putrefação.

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GravuraVII.Notre-DamedeParis:OMercúrioFilosófico.

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GravuraVIII.Notre-DamedeParis:ASalamandra—Calcinação.

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GravuraIX.Notre-DamedeParis:PreparaçãodoDissolventeUniversal.

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GravuraX.Notre-DamedeParis:AEvolução—CoreseRegimesdaGrandeObra.

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GravuraXI.Notre-DamedeParis:OsquatroElementoseasduasNaturezas.

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GravuraXII.Notre-DamedeParis:OAthanoreaPedra

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GravuraXIII.Notre-DamedeParis:ContriçãodoEnxofreedo

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Mercúrio.

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GravuraXIV.Notre-DamedeParis:OsMateriaisNecessáriosàElaboraçãodoDissolvente

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GravuraXV.Notre-DamedeParis:OCorpoFixo

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GravuraXVI.Notre-DamedeParis:UniãodoFixoedoVolátil.

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GravuraXVII.Notre-DamedeParis:OEnxofreFilosófico.

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GravuraXVIII.Notre-DamedeParis:ACoobação.

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GravuraXIX.Notre-DamedeParis:OrigemeResultadodaPedra

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GravuraXX.Notre-DamedeParis:OConhecimentodosPesos.

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GravuraXXI.Notre-DamedeParis:ARainhaderrubaoMercúrio.

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GravuraXXII.Notre-DamedeParis.ORegimedeSaturno.

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GravuraXXIII.Notre-DamedeParis.OSujeitodosSábios.

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GravuraXXIV.Notre-DamedeParis.AEntradadoSantuário.

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GravuraXXV.Notre-DamedeParis:ADissolução—CombatedasduasNaturezas.

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GravuraXXVI.Notre-DameDeParis:OsMetaisPlanetários.

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GravuraXXVII.Notre-DamedeParis.OCãoeasPombas.

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GravuraXXVIII.Notre-DamedeParis:SolveetCoagula

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GravuraXXIX.Notre-DamedeParis:OBanhodosAstros—

CondensaçãodoEspíritoUniversal.

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GravuraXXX.Notre-DamedeParis:OMercúrioFilosóficoeaGrandeObra.

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GravuraXXXI.CapelaS.TomásdeAquino.EscudoSimbólico.

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GravuraXXXII.SantaCapeladeParis.OMassacredosInocentes.

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GravuraXXXIII.CatedraldeAmiens.OFogodeRoda.

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GravuraXXXIV.CatedraldeAmiens:ACocçãoFilosófica.

GravuraXXXV.CatedraldeAmiens:OGaloeaRaposa.

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GravuraXXXVI.CatedraldeAmiens:AsMatérias-primas.

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GravuraXXXVII.CatedraldeAmiens:OOrvalhodosFilósofos.

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GravuraXXXVIII.CatedralDeAmiens:OAstrodeSeteRaios.

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GravuraXXXIX.Bourges—PalácioJacquesCoeur:AVieiradeCompostela.

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GravuraXL.Bourges—PalácioJacquesCoeur:GrupodeTristãoeIsolda.

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GravuraXLI.Bourges—MansãoLallemant:OVasodaGrandeObra.

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GravuraXLII.Bourges—MansãoLallemant.LendadeS.Cristóvão.

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GravuraXLIII:Bourges—MansãoLallemant:OTosãodeOuro.

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GravuraXLIV:Bourges—MansãoLallemant:CapiteldoPilar.LadoDireito.

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GravuraXLV.Bourges—MansãoLallemant.TetodaCapela(fragmento)

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GravuraXLVI.BourgesMansãoLallemant:EnigmadaCredencia.

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GravuraXLVII.HENDAIA(BAIXOSPUUNÉUS):CruzCíclica.

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GravuraXLVIII.HENDAIA:CruzCíclica.AsQuatroFacesdoPedestal.

GravuraXLIX.ARLES—IGREJASAINT-TROPHIME:Tímpanudo

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Pórtico(Séc.XII).

O sextomedalhãoéapenasuma repetição fragmentáriadosegundo. “O adepto encontra-se aí de mãos juntas, em atitude deoração,eparecedaraçãodegraçasàNatureza,figuradasobostraçosdeumbusto femininoqueumEspelho reflete.Reconhecemosnele ohieróglifodotemadosSábios,espelhonoqualsevêtodaaNaturezaadescoberto”(grav.XXIII).

Àdireitadopórtico,osétimomedalhãomostra-nosumvelhoprestesafranquearolimiardoPaláciomisterioso.Acabadearrancarotoldoqueescondiaaentradadosolharesprofanos.Éoprimeiropassodadonaprática,adescobertadoagentecapazdeoperarareduçãodocorpo fixo,deoreincruar,segundoaexpressãorecebida,numaformaanálogaàdasuasubstância-prima(grav.XXIV).

Osalquimistasfazemalusãoaessaoperaçãoquandofalamde reanimar as corporificações, ou seja, de tornar vivos os metaismortos.ÉaEntréeauPalaisferméduRoy,deFilaleto,aprimeiraportadeRipleyedeBasileValentin,queénecessáriosaberabrir.Ovelhonão é senão o nossoMercúrio, agente secreto de que vários baixos-relevos nos revelaram a natureza, omodo de ação, osmateriais e otempo de preparação. Quanto ao Palácio, representa o ouro vivo oufilosófico,ourovil,desprezadopeloignoranteeescondidosobandrajosque o furtam aos olhares, embora seja muito precioso para quemconhece o seu valor. Devemos ver neste motivo uma variante daalegoria dos Leões verde e vermelho, do dissolvente e do corpo adissolver.Comefeito,ovelho,queostextosidentificamcomSaturno—o qual, diz-se, devorava os seus filhos— estava outrora pintado deverde, enquanto o interior visível do Palácio oferecia uma coloraçãopúrpura. Diremosmais adiante a que fonte nos podemos referir pararestabelecer, graças ao colorido original, o sentido de todas estasfiguras.Édenotar, igualmente,queohieróglifodeSaturno,encaradocomo dissolvente, é muito antigo. Num sarcófago do Louvre, queconteveamúmiadeumsacerdotehierogramatistadeTebas,chamadoPoeris,podeobservar-se,noladoesquerdo,odeusSoo,sustentandoocéucomoauxíliododeusKnufis(aalmadomundo)enquantoaseuspésestáodeusSer(Saturno),deitado,ecujascarnessãodecorverde.

Ogruposeguintepermite-nosassistiraoencontrodovelhoedoreicoroado,dodissolventeedocorpo,doprincípiovolátiledosal

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metálico fixo, incombustível e puro. A alegoria aproxima-se muito dotextoparabólicodeBernardoTrevisano,emqueo“sacerdoteantigoedevelhaidade”semostramuitobeminstruídoacercadaspropriedadesdafonteoculta,dasuaaçãosobreo“reidopaís”queelaama,atraiedevora.Nestavia,equandoseproduzaanimaçãodomercúrio,oouroou rei é dissolvido pouco a pouco e sem violência; não se passa omesmonasegunda,emque,contrariamenteàamalgamaçãovulgar,omercúrioherméticopareceatacarometalcomumvigorcaracterísticoeque se assemelha bastante às efervescências químicas. Os sábiosdisseram, a este propósito, que naConjunçãose elevaram violentastempestades,grandestormentas,equeasondasdoseumarofereciamo espetáculo de um “áspero combate”. Alguns representaram estareaçãopelalutademortedeanimaisdiferentes:águiaeleão(NicolasFlamel);galoeraposa(BasileValentin)etc.Mas,nonossoentender,amelhordescrição—sobretudoamaisiniciática—éaquenosdeixouogrande filósofo Cyrano Bergerac do espantoso duelo a que seentregaram,diantedosseusolhos,aRémoraeaSalamandra.Outros,esãoosmaisnumerosos,procuraramoselementosdassuasfigurasnagênese primária e tradicional da Criação; esses descreveram aformação do composto filosofal, assimilando-a à do caos terrestre,produtodasagitaçõesedasreaçõesdofogoedaágua,doaredaterra.

Sendomaishumanoemaisfamiliar,oestilodeNotre-Damenãoémenosnobrenemmenosexpressivo.Asduasnaturezassãoaírepresentadas por duas crianças agressivas e quezilentas que,chegandoaviasdefato,nãosepoupamaspancadas.Noaugedaluta,um deles deixacair umpoteeooutroumapedra(grav.XXV).Nãoépossível descrever commais clareza e simplicidade a ação da águaponticasobreamatériagraveeestemedalhãohonraomestrequeoconcebeu.

Nestasériedetemas,comaqualterminaremosadescriçãodas figurasdogranepórtico, vê-senitidamentequea idéia condutoratevecomoprincipalobjetivoareuniãodospontosvariáveisnapráticadaSolução. Só ela basta, com efeito, para identificar a via seguida. Adissolução do ouro alquímico pelo dissolvente Alkaest caracteriza aprimeira via; a do ouro vulgar pelo nossomercúrio indica a segunda.Atravésdestarealiza-seomercúrioanimado.

Uma segunda solução, enfim, a do Enxofre, vermelho oubranco, pela água filosófica, constitui o objeto do décimo-segundo eúltimobaixo-relevo.Umguerreirodeixacairasuaespadaedetém-se,confuso,diantedeumaárvoreaopédaqualsurgeumcordeiro;aárvore

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tem três enormes frutos redondos e vê-se emergir dos seus ramos asilhueta de um pássaro. Encontra-se aqui a árvore solar que oCosmopolita descreve naParábola do Traité de Ia Nature, árvore daqual sedeveextrair a água.Quantoaoguerreiro, representaoartistaque acaba de terminar otrabalho de Hércules que é a nossapreparação. Ocordeiro testemunhaqueele soubeescolheraestaçãofavoráveleasubstânciaprópria;opássarodesignaanaturezavolátildocomposto“maiscelestequeterrestre”.Apartirdeentão,resta-lheimitarSaturno, o qual, diz oCosmopolita, “tomou dez partes dessa água e,seguidamente, colheuo frutodaárvore solar emeteu-onessaágua...OraessaáguaéaÁguadevida,quetemopoderdemelhorarosfrutosdesta árvore, demaneira que, a partir dessa altura, não haverámaisnecessidade de plantar nem de enxertar; porque ela poderá, apenaspeloseuodor,tornartodasasoutrasseisárvoresdamesmanaturezadeque ela é”. Quanto ao mais, esta imagem é uma réplica da famosaexpedição dos Argonautas; vemos aí Jasão junto do cordeiro com otosão de ouro e da árvore dos frutos preciosos do Jardim dasHespérides.

No decorrer deste estudo tivemos ocasião de lamentar asdeterioraçõesdeestúpidosiconoclastaseodesaparecimentocompletodo revestimento policromo que outrora a nossa admirável catedralpossuía. Não nos resta nenhum documento bibliográfico capaz deajudaroinvestigadorederemediar,pelomenosemparte,oultrajedeséculos.Noentanto,nãoénecessáriocompulsarvelhospergaminhosnemfolhearemvãoantigasestampas:Notre-Dameconservaocoloridooriginaldasfigurasdoseugrandepórtico.

Guillaume de Paris, cuja perspicácia devemos abençoar,soube prever o prejuízo considerável que o tempo traria à sua obra.Comomestre avisado, fez reproduzirminuciosamente osmotivos dosmedalhõesnosvitraisdarosacentral.Ovidrovem,assim,completarapedrae,graçasaoauxíliodamatériafrágil,oesoterismoreconquistaasuapurezaprimitiva.

Ali descobrimos a inteligência dos pontos duvidosos daestatuária. O vitral, por exemplo, na alegoria da Coobação (primeiromedalhão) apresenta-nos, não um vulgar cavaleiro, mas um príncipecoroado de ouro, de vestes brancas e meias vermelhas; das duascrianças em luta uma é verde e a outra cinzento-violeta; a rainhaderrubando oMercúrio usa uma coroa branca, camisa verde emantopúrpura.Picaremosmesmosurpreendidosporencontrarcertasimagensdesaparecidasda fachada, como testemunhaesseartesão, sentadoa

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umamesavermelhaequeextraideumsacograndespeçasdeouro;essamulherdecorpeteverdeevestidacomumbrialescarlate,alisandoacabeleiradiantedeumespelho;essesGêmeos,dozodíaco inferior,dosquaisuméderubiseooutrodeesmeraldas,etc.

Na sua harmonia, na sua unidade, que profundo tema demeditação nos oferece a ancestral Idéia hermética! Petrificada nafachada,vitrificadanocírculoenormedarosácea,passadomutismoàrevelação, da gravidade ao entusiasmo, da inércia à expressão viva.Sumida,materiale friasoba luzcruadoexterior, surgedocristalemfeixescoloridosepenetrasobasnaves,vibrante,quente,diáfanaepuracomoaprópriaVerdade.

Eoespíritonãopodeevitar certaperturbaçãoempresençadessaoutraantítese,aindamaisparadoxal: oarchotedopensamentoalquímicoiluminandootemplodopensamentocristão!

VIDeixemos o grande pórtico e vamos ao portal norte ou da

Virgem.No centro do tímpano, na cornijamédia, olhai o sarcófago,

acessóriodeumepisódiodavidadeCristo;vereisaísetecírculos:sãoossímbolosdossetemetaisplanetários(grav.XXVI).

“OSolindicaoouro,oazougueoMercúrio:OqueSaturnoéparaochumbo,é-oVénuspara[obronze;ALuadaprata,JúpiterdoestanhoEMartedoferrosãoaimagem

{37}”.

Ocírculocentralestádecoradodemodoparticular,enquanto

os outros seis se repetem dois a dois— o que nunca acontece nosmotivospuramentedecorativosdaarteogival.Aindamais,estasimetriadesenvolve-se do centro para as extremidades, tal como ensina oCosmopolita.

“Olhaocéueasesferasdosplanetas,dizesteau tor

{38}, verásqueSaturnoéomais alto de

todos,sucedendo-seJúpiteredepoisMarte,oSol,Vênus,MercúrioeenfimaLua.Consideraagoraqueasvirtudesdosplanetasnãosobemmasdescem;atéaexperiêncianosensinaqueMarteseconverteufacilmenteemVênusenãoVênusemMarte,vistoqueaesferaémaisbaixa.Assim,Júpitertransmuta-sefacilmente em Mercúrio, porque Júpiter é mais alto do que Mercúrio; aquele é o segundo depois dofirmamento,esteosegundoacimadaTerra;eSaturnoomaisalto,aLuaamaisbaixa;oSolmistura-secom todosmas nunca émelhorado pelos inferiores. Ora, notarás que há grande correspondência entreSaturnoe a Lua, nomeio dosquais está oSol, como tambémentreMercúrio e Júpiter,Marte eVénus,quetêmtodososolnomeio”.

Aconcordânciademutaçãodosplanetasmetálicosentresié,

portanto,indicadanopórticodeNotre-Damedamaneiramaisformal.O

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motivocentralsimbolizaoSol;asrosáceasdasextremidades indicamSaturno e a Lua; depois, vêm respectivamente Júpiter e Mercúrio;finalmente,decadaladodoSol,MarteeVênus.

Mashámelhor.Seanalisarmosestalinhabizarraquepareceligar as circunferências das rosáceas, vê-la-emos formada por umasucessãodequatrocruzesedetrêsbáculos,dosquaisumdeespiralsimpleseosoutrosdoisdeduplavoluta.Notai,depassagem,queaindaaqui, se se tratasse de uma vontade ornamental, seriam necessáriosseisouoitosímbolos,sempreparaconservarumasimetriaperfeita;masnão é o caso e o que acaba por provar que o sentido simbólico épropositadoéqueumespaço,odaesquerda,permanecelivre.

As quatro cruzes, tal como na notação espagírica,representamosmetaisimperfeitos;osbáculosdeduplaespiral,osdoisperfeitos;eobáculosimples,omercúrio,semi-metalousemi-perfeito.

Masse,deixandootímpano,baixarmosoolharemdireçãoàparteesquerdadoenvasamento,divididoemcinconichos,notaremoscuriosasfigurinhasentreosextradorsosdecadaarcatura.

Indo do exterior para o pé direito, surgemo cão e as duaspombas (grav. XXVII) que encontramos descritos na animação domercúrioexaltado;trata-sedocãodeCorasceno,dequefalamArtefiuseFilaleto, que é preciso saber separar do composto no estado de pónegro,edasPombasdeDiana,outroenigmadesesperante,soboqualseescondemaespiritualizaçãoeasublimaçãodomercúriofilosofal.Ocordeiro,emblemadaedulcoraçãodoprincípioarsenicaldaMatéria;ohomemvirado,quetraduzbemoapotegmaalquímicosolveetcoagula,o qual ensinaa realizar a conversãoelementar, volatilizandoo fixo efixandoovolátil(grav.XXVIII):

“Sesabesdissolverofixo,Eodissolvidofazervoar,Depoisovolátilfixarempó,Tenscomque

teconsolar”.

Énestapartedopórticoqueseencontravaesculpidooutrora

ohieróglifomáximodanossaprática:oCorvo.Principalfiguradobrasãohermético,ocorvodeNotre-Dame

tinhaemtodasasépocasexercidoumaatraçãomuitovivasobreaturbadosassopradores;équeumavelhalendadesignava-ocomoúnicosinalde um depósito sagrado. Conta-se, efetivamente, que Guillaume deParis — “que, diz Victor Hugo, foi sem dúvida condenado por teragregado um frontispício tão infernal ao santo poema que o resto doedifíciocantaeternamente”—teriaescondidoapedrafilosofalnumdospilaresda imensanave.Eopontoexatodessemisteriosoesconderijoencontrava-seprecisamentedeterminadopeloângulovisualdocorvo...

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Assim, segundo a lenda, a ave simbólica fixava outrora doexterior o lugar desconhecido do pilar secreto onde o tesouro estariaencerrado.

Na face externa dos pilares sem imposta que suportam apadieiraeonascimentodosarcosdaabóbadaestãorepresentadosossignosdozodíaco.Encontra-se,emprimeirolugar,edebaixoparacima,Áries, depois Taurus e, por cima, Gemini. São os meses primaverisindicandoocomeçodotrabalhoeotempopropícioàsoperações.

Objetar-se-á, sem dúvida, que o zodíaco pode não ter umsignificado oculto e representar apenas a zona das constelações. Épossível.Masnessecasodeveríamosencontraraordemastronômica,asucessão cósmica das figuras zodiacais que de modo nenhum osnossosantepassadosignoraram.Ora,aGeminisucedeLeo.queusurpaolugardeCâncer,relegadoparaopilaroposto.Oimagistaquisportantoindicar,porestahábil transposição,aconjunçãodofermentofilosófico—ouLeão—comocompostomercurial,uniãoquesedeveproduzirporvoltadofimdoquartomêsdaprimeiraObra.Nota-seainda,sobestepórtico, um pequeno baixo--relevo quadrangular verdadeiramentecurioso.SintetizaeexprimeacondensaçãodoEspíritouniversal,que,quandosematerializa,constituiofamosoBanhodosastros,ondeosolealuaquímicosdevembanhar-se,mudardenaturezaerejuvenescer.Vemos uma criança cair de um crisol, grande comouma jarra, que éseguro por um anjo de pé, nimbado, de asa estendida e que parecebaternoinocente.Todoofundodacomposiçãoéocupadoporumcéunoturno e constelado (grav. XXIX). Reconhecemos neste tema aalegoria muito simplificada, cara a Nicolas Flamel, do Massacre dosInocentes,queveremosbrevementenumvitraldaSainte-Chapelle.

Sementrarpormenorizadamentena técnicaopera-tória—oque nenhum autor se atreveu a fazer— diremos, no entanto, que oEspíritouniversalcorporificadonosmineraissobonomealquímicodeEnxofre, constitui o princípio e o agente eficaz de todas as tinturasmetálicas.MasnãosepodeobteresteEspírito,estesanguevermelhodascrianças,senãodecompondooqueanaturezatinhareunidosnelesprimeiro.Époisnecessárioqueocorpopereça,quesejacrucificadoequemorra,sequiserextrair-seaalma,vidametálicaeorvalhocelesteque tinha encerrado. E essa quinta essência, transfundida para umcorpo puro, fixo, perfeitamente digerido, dará origem a uma novacriatura,maisresplandecentedoquequalquerdaquelasdequeprovém.Os corpos não têm ação uns sobre os outros; só o espírito é ativo eagente.

ÉporissoqueosSábios,sabendoqueosanguemineralde

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quetinhamnecessidadeparaanimarocorpofixoe inertedoouroeraapenas uma condensação do Espírito universal, alma de todas ascoisas;queessacondensaçãosobaformaúmida,capazdepenetraretornarvegetativososmistossublunares,sóseefetuavaànoite,graçasàs trevas,aocéupuroeaoarcalmo;queenfim,aestaçãoduranteaqualsemanifestavacommaisatividadeeabundânciacorrespondiaàPrimavera terrestre, os Sábios, por todas estas razões combinadas,deram-lhe o nomedeOrvalho deMaio. TambémThomasCorneille {39}

não nos surpreende quando assegura que se chamava aos grão-mestresdaRosa-CruzIrmãosdoOrvalhoCozido,significaçãoqueelesprópriosdavamàsiniciaisdasuaOrdem:P.R.C.

GostaríamosdepoderdizermaisacercadesteassuntodeextremaimportânciaemostrarcomooOrvalhodeMaio (MaiaeramãedeHermes)—umidadevivificantedomêsdeMaria,aVirgemMãe—seextraía facilmente de um corpo particular, abjeto e desprezado, cujascaracterísticas já descrevemos, se não houvesse barreirasintransponíveis...TocamosnomaisaltosegredodaObraedesejamosmanter o nosso segredo.É esse oVerbumdimissumdoTrevisano , aPalavra perdida dos franco-maçons medievais, que todas asFraternidadesherméticasesperavamencontrarecujaprocuraconstituíaofimdosseustrabalhosearazãodeserdasuaexistência{40}.

Post tenebras lux.Nãooesqueçamos.A luzsaidas trevas;ela é difusa na obscuridade, no negro, como o dia o é na noite. DoobscuroCaoséquealuzfoiextraídaeassuasradiaçõesreunidasese,nodiadaCriação,oEspíritodivinosemoviasobreaságuasdoAbismo—SpiritusDominiferebatursuperaquas—,antesesseespíritoinvisívelnãopodiaserdistinguidodamassaaquosaeconfundia-secomela.

Lembrai-vos,enfim,queDeus levouseisdiasacompletarasuaGrandeObra;quealuzfoiseparadanoprimeirodiaequeosdiasseguintessedeterminaramcomonosnossos,porintervalosregularesealternadosdeobscuridadeedeluz:

“Àmeianoite,umaVirgemmãeproduzesteastroluminoso;nestemomentomiraculosochamamosaDeusnossoirmão”.

VII

Voltemos atrás e detenhamo-nos no portal sul, chamado

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aindapórtico deSantaAna.Oferece-nos umúnicomotivomaso seuinteresseéconsiderávelporquedescreveapráticamaiscurtadanossaCiênciae,relativamenteaesta,mereceserclassificadonaprimeirafiladosparadigmaslapidares.

“Vê, diz Grillot de Givry

{41}, esculpido no portal direito de Notre-Dame de Paris, o bispo

empoleirado no aludel do alambique onde se sublima, acorrentado nos limbos, o mercúrio filosofal. Eleensina-te deondeprovémo fogo sagrado; e o capítulo, aodeixar, por uma tradição secular, esta portaencerrada todo o ano, indica-te que esta é a via não vulgar, desconhecida damultidão e reservada aopequenonúmerodoseleitosdaSapiência

{42}”.

Poucosalquimistasconsentememadmitirapossibilidadede

duasvias, umacurtae fácil, chamadavia seca, aoutramais longaeingrata, dita via úmida. Isso pode dever-se ao facto de que muitosautores tratam exclusivamente do processo mais longo, seja porqueignoram o outro, seja porque preferem guardar silêncio em vez deensinarosseusprincípios.Pernetyrecusa-seaadmitiressaduplicidadedemeios, enquantoHuginus deBarma afirma, pelo contrário, que osantigos mestres, os Geber, Lulle, Paracelso, tinham cada um o seuprocessopróprio.

Quimicamente,nadaseopõeaqueummétodoqueutilizeaviaúmidanãopossasersubstituídoporoutro,utilizandoreaçõessecasparaobteromesmoresultado.Hermeticamente,oemblemadequenosocupamos é uma prova disso. Encontramos uma segunda prova naEnciclopédiadoséculoXVIII,emqueseasseguraqueaGrandeObrapodefazer-seporduasvias,umaditaviaúmida,maislongamasmaishonrosa,eaoutra,viaseca,muitomenosapreciada.Nestaénecessário“cozer oSal celeste, que é omercúrio dos Filósofos, com um corpometálicoterrestre,numcrisoleafogosimples,durantequatrodias”.

NasegundapartedeumaobraatribuídaaBasileValentim {43},masqueseriaantesdevidaaSêniorZadith,oautorparecereferir-seàvia seca quando escreve que “para chegar a esta Arte não sãorequeridosmuito trabalho nemesforço e os gastos são reduzidos, osinstrumentossãodepoucovalor.Porqueestaartepodeseraprendidaemmenosdedozehorasenoespaçodeoitodiaslevadaàperfeição,quandopossuiemsioseuprincípiopróprio”.

Fílaleto,nocapítuloXIXdoIntroitus,diz,depoisdeterfaladodavia longa,queasseguraser fastidiosaeboaapenasparapessoasricas:

“Masparaanossavianãonecessitamosmaisdoqueumasemana;Deusreservouestaviarara

efácilparaospobresdesprezadoseparaosseussantoscobertosdeabjeção”.

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Ainda por cima, Lenglet-Dufresnoy, nas suasRemarquesacerca deste capítulo, pensa que “esta via realiza-se peloduplomercúrio filosófico. Deste modo, acrescenta, a Obra termina emoitodias, emvezde cercadedezoitomesesnecessáriosparaaprimeiravia”.

EstaviaabreviadamascobertaporespessovéufoichamadapelosSábiosRegimedeSaturno.AaçãodaObra,emvezdenecessitardoempregodeum recipientedevidro, exigeapenasoauxíliodeumsimples crisol. “Revolverei o teu corpo numvaso de terra onde oencerrarei”, escreve um autor célebre{44}, que diz ainda mais adiante:“Fazumfogono teuvaso,ouseja,na terraqueomantémencerrado.Estemétodobreve,acercadoqual te instruímos liberalmente,parece-meamaiscurtaviaeaverdadeirasublimaçãofilosóficaparaalcançaraperfeição deste grave labor”. Assim se poderia explicar esta máximafundamentaldaCiência:umsóvaso,umasómatéria,umsóforno.

Cyliani,noprefáciodoseu livro{45}, relataosdoisprocessosnestestermos:

“Creio que devo prevenir aqui que nunca se deve esquecer que apenas são necessárias duasmatériasdamesmaorigem,umavolátil,aoutrafixa;queháduasvias,aviasecaeaviaúmida.Sigodepreferênciaestaúltima,pordever,emboraaprimeiramesejamuitofamiliar:faz-secomumasómatéria”.

Henri de Lintaut produz igualmente testemunho favorável à

viasecaquandoescreve{46}:

“Estesegredosobrepõe-seatodosossegredosdomundoporque,empoucotempopodeis,semgrandecuidadonemtrabalho,alcançargrandeprojeção,acercadaqualdeveisver IsaacHollandois,quefalamaisamplamenteaesterespeito”.

O nosso autor, infelizmente, não é mais prolixo do que os

seusconfrades.“Quandopenso,escreveHenckel{47},queoartistaElias,citado por Helvétius, pretende que a preparação da pedra filosofalcomeçaeacabaemquatrodias,equeefetivamentemostrouestapedraainda aderente aos cacos do crisol, parece-me que não seria muitoabsurdo supor que aquilo que os alquimistas chamam os grandesmeses fossem apenas outros tanto dias, o que seria um período detempo muito limitado; e que existisse um método pelo qual toda aoperação consistisse apenas em manter durante largo tempo asmatériasnomaiorgraudefluidez,oqueseobteriapormeiodeumfogoviolento, alimentado pela ação dos foles;mas estemétodo não podeexecutar-se em todos os laboratórios e talvez nem todos oconsiderassempraticável”.

OemblemaherméticodeNotre-Dame,quejánoséculoXVII

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tinha chamado a atenção do sagaz de Laborde{48}, ocupa o tremo dopórtico,doestilóbatoàarquitrave,eestáminuciosamenteesculpidonostrês lados do pilar em questão. É uma alta e nobre estátua de S.Marcelo, de mitra na cabeça encimada por um docel com pequenastorresedesprovido,quantoanós,dequalquersignificaçãosecreta.Obispo está de pé num nicho oblongo finamente talhado, ornado dequatrocolunelosedeumadmiráveldragãobizantino,otodosuportadoporumpedestalguarnecidocomumfrisoeunidoaoenvasamentoporumamolduradegolarevirada.Somenteonichoeopedestal têmrealvalorhermético(grav.XXX).

Infelizmente, este pilar, decerto de modo tão magnífico, équase novo: doze lustros apenas nos separam da sua restauração,porquefoireconstruídoe...modificado.

Não queremos discutir aqui a oportunidade de taisreparações e não pretendemos, de modo nenhum, sustentar que sedeva deixar espalhar-se a lepra do tempo num corpo esplêndido; noentanto, e como filósofo, não podemos deixar de lamentar o poucocuidadoqueosrestauradoresmostramemrelaçãoàscriaçõesogivais.Se convinha substituir o bispo enegrecido e refazer a sua basearruinada,erafácil;bastavacopiaromodelo,transcrevê-lofielmente.Secontinhaumsentidooculto,pouco importava:a imitaçãoservil tê-lo-iaconservado.Quis-sefazermelhoraindae,seseconservaramaslinhasdo santo bispo e do belo dragão, em contrapartida ornamentou-se opedestal com folhagens e entrelaçados românicos, em lugar dosbesantesedasfloresqueseviamoutrora.

Esta segunda edição, revista, corrigida e aumentada, écertamentemaisricadoqueaprimeira,masosímboloestátruncado,aciênciamutilada,achaveperdida,oesoterismoextinto.Otempocorrói,gasta,desagrega,esboroaocalcário;anitidezsofre com isso,masosentidopermanece.Surgeo restaurador,ocurandeirodepedras;comalgunsgolpesdecinzelamputa,cerceia,oblitera,transforma,fazdeumaruínaautênticaumarcaísmoartificialebrilhante,fereecura,suprimeefalsifica em nome da Arte, da Forma ou da Simetria, sem a menorpreocupaçãocomaidéiacriadora.Graçasaestaprótesemoderna,asnossasveneráveisdamashãodepermanecereternamentejovens!

Mas, ai de nós! quando tocaram no invólucro deixaramescaparaalma!

DiscípulosdeHermes,ideàcatedralverificarqualolugareadisposição do novo pilar e, seguidamente, tomai o caminho que ooriginalseguiu.AtravessaioSena,entrainoMuseudeClunyetereisasatisfaçãodeencontrá-loaí, juntodaescadadeacessoao frigidarium

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dasTermasdeJuliano.Aífoipararobelofragmento{49}.Esteenigmado trabalhoalquímico,solucionadodemaneira

exata—pelomenosemparte—porFrançoisCambriel,valeu-lhesercitado por Champfleury nos seusExcentriquese por Tcherpakoff nosseusFouslittéraires.Dar-nos-ãoamesmahonra?

Nopedestalcúbicoobservareis,noladodireito,doisbesantesemrelevo,maciçosecirculares;sãoasmatériasounaturezasmetálicas—objetoedissolvente—comasquaissedevecomeçaraObra.Naface principal, estas substâncias, modificadas pelas operaçõespreliminares,jánãosãorepresentadassobaformadediscosmassimcomorosáceasdepétalasunidas.Convém,depassagem,admirarsemreservasahabilidadecomqueoartistasoubetraduziratransformaçãodos produtos ocultos, dos acidentes externos e dos materiaisheterogêneos que os envolviam na mina. No lado esquerdo, osbesantes,transformadosemrosáceas,apresentamdestavezaformadefloresdecorativasdepétalasunidasmasdecálicevisível.Emboramuitocorroídasequaseapagadas,éfácil,noentanto,encontraraíostraçosdodiscocentral.Representasempreosmesmostemas,queadquiremoutras qualidades; o gráfico do cálice indica que as raízesmetálicasforamabertaseestãodispostasamostraroseuprincípioseminal.Taléa tradução esotérica dos pequenosmotivos do pedestal. O nicho vaifornecer-nosaexplicaçãocomplementar.

Asmatérias preparadas e unidas num só composto devemsofrer a sublimação, ou última purificação ígnea. Nesta operação, aspartes que se consomem com o fogo são destruídas, as matériasterrosasperdemasuacoesãoedesagregam-se,enquantoosprincípiospuros,in-combustíveis,seelevamsobaformamuitodiferentedaqueocompostoapresentava.ÉoSaldosFilósofos,oReicoroadodeglória,quenascenofogoedevedivertir-senabodasubseqüente,afimdeque,dizHermes,ascoisasocultassetornemmanifestas.Rexabigneveniet,ac conjugio gaudebit et occulta patebunt. Deste rei, o nicho mostraapenas a cabeça, emergindo das chamas purificadoras. No estadoatual, seria impossível dizer se a faixa esculpida na cabeça humanapertenceaumacoroa;poder-se-iatambémdistinguir,deacordocomovolumeeoaspectodocrânio,umaespéciedebacineteoucapacete.Mas felizmente possuímos o texto deEspritGobineaudeMontluisant,cujo livro foiescrito “naquarta-feira, 20deMaiode1640, vésperadagloriosa Ascensão do Nosso Salvador Jesus Cristo{50}” e quepositivamentenosensinaqueoreiusaumatriplacoroa.

Após a elevação dos princípios puros e coloridos do

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compostofilosóficooresíduoestápronto,desdeentão,afornecerosalmercurial, volátil e fundível, ao qual os velhos autores muitas vezesderamoepítetodeDragãobabilônio.

O artista criador do monstro emblemático produziu umaverdadeira obra-prima e, embora mutilada — a plumagem do ladoesquerdo está quebrada — não deixa de ser uma notável peça deestatuária.Oanimalfabulosoemergedaschamaseasuacaudaparecesair do ser humano cuja cabeça de certo modo rodeia. Depois, nummovimentodetorsãoqueofazencurvarsobavoltadaabóbada,vemestreitaroathanorcomassuaspossantesgarras.

Se examinarmos a ornamentação do nicho, observaremosestrias agrupadas, ligeiramente ocas, curvilíneas na parte superior eplanasnabase.Asdafaceesquerdaestãoacompanhadasporumaflordequatropétalasseparadas,exprimindoamatériauniversal,oconjuntodos quatroelementos primários, segundo a doutrina de AristótelesdivulgadanaIdadeMédia.Diretamenteporbaixo,oduodasnaturezasqueoalquimistatrabalhaecujareuniãoforneceoSaturnodosSábios,denominação anagramática de naturezas (em francês:Saturne eNatures).Nointercolúniofrontal,quatroestriasdecrescentes,seguindoaobliqüidadedoplanoinclinadoemchamas,simbolizamoquartetodoselementos segundos; finalmente, de cada lado do athanor, e sob aspróprias garras do dragão, as cinco unidades daquintessência,compreendendo os três princípios e as duas naturezas, depois a suatotalizaçãosobonúmerodez,“noqualtudofindaeseacaba”.

L.-P. François Cambriel {51} pretende que a multiplicação doEnxofre — branco ou vermelho — não está indicada no hieróglifoestudado; não ousaríamos pronunciar-nos tão categoricamente. Amultiplicação, efec-tiyamente, só se pode realizar com o auxílio domercúrio,quedesempenhaopapeldepacientenaObra,eporcocçõesou fixações sucessivas. É, portanto, sobre o dragão, imagem domercúrio,quedeveríamosprocurarosímbolorepresentativodanutriçãoedaprogressãodoEnxofreoudoElixir.Ora,seoautortivessetomadomais cuidado com o exame das particularidades decorativas, teriacertamentenotado:

1ºUmafaixalongitudinal,partindodacabeçaeseguindoalinhadasvértebrasatéàextremidadedacauda;

2º Duas faixas análogas, colocadas obliquamente, uma em cadaasa;

3º Duas faixas mais largas, transversais, cingindo a cauda dodragão, a primeira ao nível da plumagem, a outra acima da

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cabeçadorei.Todasestasfaixasestãodecoradascomcírculoscheiosquesetocamnumpontodasuacircunferência.

Quantoaoseusignificado,ser-nos-áfornecidopeloscírculos

das faixas da cauda: o centro está nitidamente indicado em cada umdeles.Oraoshermetistassabemqueo reidosmetaisé representadopelosignosolar,ouseja,umacircunferênciacomousempontocentral.Parece-nos, então, verossímil pensar que, se o dragão estáprofusamente coberto com o símbolo áurico — inclusivamente nasgarrasdapatadireita—éporqueécapazdetransmutaremquantidade;mas só pode adquirir este poder por uma série de ulteriores cocçõescomoEnxofreouOurofilosófico,oqueconstituiasmultiplicações.

Esse é, tão claramente exposto quanto possível, o sentidoesotéricoquejulgamosterreconhecidonobelopilardaportadeSantaAna. Outros, mais eruditos ou mais sábios, dar-lhe-ão talvez umainterpretaçãomelhor,porquenãopretendemosimporaninguémateseaquidesenvolvida.Bastar-nos-ádizerqueelaconcordaemgeralcomadeCambriel.Mas, em contrapartida, não partilhamos a opinião desteautor,quequeriaestender,semprovas,osimbolismodonichoàprópriaestátua.

Claroqueésemprepenosoterdecensurarumerroevidentee mais enfadonho ainda ter de sublinhar certas afirmações para asdestruirembloco.Noentanto,devemosfazê-lo,pormuitoquenospese.Aciênciaqueestudamosétãopositiva,tãoreal,tãoexatacomoaótica,ageometriaouamecânica;eosseusresultadostãopalpáveiscomoosdaquímica.Seo.entusiasmo,a fé íntimasãoestimulantes,preciososauxiliares;separticipam,porumlado,naconduçãoenaorientaçãodasnossas pesquisas, devemos, no entanto, evitar os seus desvios,subordiná-los à lógica, ao raciocínio, submetê-los ao critério daexperiência. Lembremo-nos que foram os truques dos assopradoresávidos,aspráticasinsensatasdoscharlatões,asinépciasdeescritoresignorantesesemescrúpulosquelançaramodescréditosobreaverdadehermética. Deve-se ver com justeza e falar com cuidado. Nem umapalavraquenãosejapesada,nemumpensamentoquenãotenhasidopassado no crivo do juízo e da reflexão. A alquimia exige umadepuração;livremo-ladasmáculascomqueosseusprópriospartidáriosporvezesasujaram:ficarámaisrobustaemaissã,semnadaperderdoseuencantooudasuamisteriosaatração.

FrançoisCambriel,natrigésimaterceirapáginadoseulivro,exprime-se assim: “Deste mercúrio resulta a Vida, representada pelobispoqueestáporcimadocitadodragão...Essebispolevaumdedoà

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bocaparadizeràquelesqueovêemequevêmtomarconhecimentodoqueelerepresenta...calai-vos,nãodigaisnada!...”

O textoestáacompanhadodeumagravuradeumdesenhomuito mau — o que tem pouca importância — mas ostensivamentealterado— o que émais grave. S.Marcelo aparece sustentando umbáculocurtocomoumabandeirinhadeguardadepassagemdenível;acabeçaestácobertacomumamitradedecoraçãocruciformee,soberboanacronismo, o aluno dePrudêncio é barbado! Pormenor curioso: nodesenhodefrente,odragãotemabocadeperfilemordeopédopobrebispoqueparece,aliás,importar-sepoucocomisso.Calmoesorridente,limita-seacerraroslábioscomogestodosilêncioporobrigação.

Acomprovaçãoéfácil,vistoquepossuímosaobraoriginalea fraude revela-se logo ao primeiro golpe de vista. O nosso santo é,segundoocostumemedieval,absolutamenteglabro;asuamitra,muitosimples,nãotemqualquerornamentação;obáculo,queseguranamãoesquerda,apóiaasuaextremidadeinferiornagoeladodragão.Quantoao famoso gesto dos personagens doMútus Liber e de Harpócrates,saiu inteiramenteda imaginaçãoexcessivadeCambriel.S.Marceloérepresentadodandoabênção,numaatitudecheiadenobreza,afronteinclinada,oantebraçodobrado,amãoaoníveldoombro,oindicadoreodedomédiolevantados.

Émuitodifícilacreditarquedoisobservadorestenhampodidoservítimasdeumamesmailusão.Teráestafantasia,emanadodoartistaoufoiimpostapelotexto?Adescriçãoeodesenhoapresentam,entresi,talconcordânciaquenospermitirãodarpoucocréditoàsqualidadesdeobservaçãomanifestadasnesteoutroexcertodomesmoautor:

“Passando, um dia, diante da igreja de Notre-Dame de Paris, examinei commuita atenção as

belas esculturas de que as três portas estão ornadas e vi, numa destas três portas, um hieróglifo dosmaisbelos,dequenãome tinhaapercebido,eduranteváriosdiasseguidosfuiconsultá-lo para poderrelatar em pormenor tudo o que ele representava, o que consegui. Pelo que se segue, o leitor poderáconvencer-sedissoemelhoraindasesedeslocarpessoalmenteaesselocal”.

Eis uma atitude a que, na verdade, não falta ousadia nem

desfaçatez.SeoleitordeCambrielaceitaroseuconvite,nãoencontraráno tremo da porta de Santa Ana senão o exoterismo lendário de S.Marcelo. Verá ali o bispo matando o dragão, tocando-o com o seubáculo,talcomocontaatradição.Queelesimbolize,finalmente,avidadamatéria,éumaopiniãopessoalqueoautorélivredeexprimir;masqueelerealizedefatootaceredeZoroastro,issoéfalso,esempreofoi.

Taisdespropósitossãolamentáveiseindignosdeumespíritosincero,proboereto.

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VIII

Edificadas pelosFrimasons medievais para assegurar atransmissãodossímbolosedadoutrinahermética,asnossasgrandescatedrais exerceram, desde a sua aparição, marcada influência emnumerososexemplaresmaismodestosdaarquiteturaciviloureligiosa.

Flamelgostavaderevestirdeemblemasedehieró-glifosasconstruçõesquelevantavaportodososlados.OabadeVillaininforma-nosqueopequenoportaldeSaint-Jacques-la-Boucherie,queoAdeptomandouexecutarem1389,eracobertodefiguras.

“Noumbralocidentaldoportal, vê-seumpequenoanjoesculpidoque temnasmãosumcírculo

depedra;Flamel tinha feitoencravaraíumdiscodemármorenegrocomum filetedeouro finoem formadecruz

{52}...”

Os pobres deviam igualmente à sua generosidade duas

casas que ele fez construir em sua intenção naRue duCimitière-de-Saint-Nicolas-des-Champs,aprimeiraem1407,aoutraem1410.Estesimóveisapresentavam,asseguraSalmon,“grandequantidadedefigurasgravadasnaspedras,comumNeumFgóticosdecadalado”.AcapeladohospitalSaint-Gervais,reconstruídaaexpensassuas,nadatinhaqueinvejar às outras construções. “A fachada e o portal da nova capela,escreveAlbert Poisson{53}, eram cobertas de figuras e de legendas àmaneira usual de Flamel”.O portal de Sainte-Geneviève-des-Ardents,situada na Rue de Ia Tixeranderie, conservou o seu interessantesimbolismo até meados do século XVIII; nessa época, a igreja foitransformadaemcasaeosornamentosdafachadadestruídos.Flamellevantou ainda duas arcadas decorativas no Charnier des Innocents,umaem1389,asegundaem1407.Poissondiz-nosque,naprimeira,seviaentreoutrasplacashieroglíficas,umescudoqueoAdepto“pareceterimitadodeumoutroatribuídoaS.TomásdeAquino”.OcélebreocultistaacrescentaqueelefiguranofinaldaHarmonieChymiquedeLagneau.Eis,aliás,adescriçãoquedelenosoferece:

“O escudo está dividido em quatro por uma cruz; esta tem ao meio uma coroa de espinhos

encerrando, no centro, um coração sangrento de onde se eleva uma cana. Num dos quadrantes vê-seIEVE em caracteres hebraicos, nomeio de uma profusão de raios luminosos, por baixo de uma nuvemnegra; no segundo quadrante, uma coroa; no terceiro, a terra está coberta por uma ampla seara, e oquartoéocupadoporglobosdefogo”.

Estarelação,deacordocomagravuradeLagneau,permite-

nosconcluirqueestefezcopiarasuaimagemdaarcadadoCharnier.Nãohánissonadadeimpossível,vistoque,dequatroplacas,restavam

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três no tempo de Gohorry— ou seja, por volta de 1572— e que aHarmonie chymique foi publicada em 1601 por Claude Morei. Noentanto, teria sido preferível dirigir-se ao escudo original, bastantediferentedodeFlamelemuitomenosobscuro.Existiaaindanaépocada Revolução, num vitral da capela de Saint-Thomas-d'Aquin, noconventodosJacobinos.AigrejadosDominicanos—quehabitavamesetinhamaíinstaladoporvoltadoano1217—deveuasuafundaçãoaLuís IX. Estava situada na Rue de Saint-Jacques e colocada sob ainvocação de Saint-Jacques le Majeur. AsCuriositez de Paris,publicadasem1716porSaugrain l'ainé,acrescentamqueao ladodaigrejaseencontravamasescolasdoDoutorangélico.

O escudo, dito de S. Tomás de Aquino, foi rigorosamentedesenhado e pintado em 1787 e, segundo o próprio vitral, por umhermetista chamado Chaudet. É este desenho que nos permitedescrevê-lo(grav.XXXI).

O escudo francês, esquartelado, tem como remate umsegmentoarredondadoqueodomina.Estapeçasuplementarmostraummatrásdeouroinvertido,rodeadoporumacoroadeespinhosdesinoplesobrecampodesable.Acruzdeouropossuitrêsglobosazuisnaparteinferiorenosbraçosesquerdoedireito,comumcoraçãodegoles(corvermelha)comumramodesinoplenocentro.Lágrimasdeprata,caindodomatrás,reúnem-seefixam-sesobreestecoração.Aocantãosuperiordireito,bipartidonumapartedeourocomtrêsastrosdepúrpuraenoutraazulcomseteraiosdeouro,opõe-se,napontaesquerda,umcampodesable com espigas de ouro sobre campo escuro. No cantão superioresquerdo,umanuvemvioleta sobrecampodepratae três flechasdamesmacorcompenasdeouro,dardejandoemdireçãoaoabismo.Napontadireita,trêsserpentesdepratasobrecampodesinople.

Estebeloemblemaétantomaisimportanteparanósquantorevelaossegredosrelativosàextraçãodomercúrioeàsuaconjunçãocomoenxofre,pontosobscurosdaprática,acercadosquais todososautorespreferiramguardarreligiososilêncio.

A Sainte-Chapelle, obra-prima de Pierre de Montereau,maravilhosorelicáriodepedra,erguidode1245a1248parareceberasrelíquias da Paixão, apresentava, igualmente, um conjunto alquímiconotável. Ainda hoje, se lamentamos profundamente a reparação doportalprimitivo,ondeosparisiensesde1830podiam,comVictorHugo,admirar“doisanjos,dosquaisumtemamãosobreumvasoeooutronumanuvem”,temos,apesardetudo,afelicidadedepossuirintactososvitrais sul do esplêndido edifício. Parece difícil encontrar noutro lugarumacoleçãomaisconsideráveldefórmulasdoesoterismoalquímicodo

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queadaSainte-Chapelle.Empreender,folhaporfolha,adescriçãodeuma tal floresta de vidro, seria tarefa enorme, capaz de fornecerconteúdoparaváriosvolumes.Limitar-nos-emos,portanto,amostrarumexemplar extraído da quinta janela, primeiro pinázio, e que estárelacionadocomoMassacredosInocentes,doqual,maisatrás,demoso significado (grav. XXXII). Não poderíamos deixar de recomendarvivamente aos amadores da nossa velha ciência, assim como aoscuriosos do oculto, o estudo dos vitrais simbólicos da capela alta;encontrarão aí muito que rebuscar, tal como na grande rosácea,incomparávelcriaçãodecoredeharmonia.

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AMIENSAexemplodeParis,Amiensoferece-nosumnotávelconjunto

debaixos-relevosherméticos.Ofactosingular,equeconvémdestacar,équeopórticocentraldeNotre-DamedeAmiens—pórticodoSalvador— é a reproduçãomais oumenos fiel, não apenas dosmotivos queornamentam o portal de Paris, mas ainda da sucessão que elesmostram.Apenas pequenos pormenores os diferenciam; emParis, ospersonagensseguramdiscos,aquisustentamescudos;oemblemadomercúrioéapresentadoporumamulheremAmiens,enquantoemParisoéporumhomem.Nosdoisedifícios,osmesmossímbolos,osmesmosatributos,movimentosecostumessemelhantes.NãotemosdúvidasdequeaobraherméticadeGuillaumeleParisienexerceuumainfluênciarealsobreadecoraçãodograndepórticodeAmiens.

De resto, a obra-prima picarda, magnífica entre todas,continuaaserumdosmaispurosdocumentosqueaIdadeMédianoslegou.Asuaconservação,aliás,permiteaosrestauradoresrespeitaramaiorpartedostemas;destemodooadmiráveltemplo,devidoaogêniodeRobertdeLuzarches,deThomaseRenaultdeCormont,permanecehojenoseuesplendororiginal.

EntreasalegoriasprópriasdoestilodeAmienscitaremos,emprimeiro lugar, a engenhosa tradução do fogo de roda. O filósofo,sentadoecomocotoveloapoiadosobreojoelhodireito,parecemeditarouvigiar(grav.XXXIII).

Estequadrifólio,muitocaracterísticosegundoonossopontode vista, recebeu, no entanto, de alguns autores, uma interpretaçãototalmentediferente.JourdaineDuval,Ruskin(TheBibleofAmiens),oabade Roze e, depois deles, Georges Durand{54} descobriram o seusentido na profecia de Ezequiel, o qual, diz G. Durand, “viu quatroanimaisalados,comomaistardeS.João,eumasrodasmetidasumanaoutra. É a visão das rodas que está aqui representada. Tomandoingenuamente o texto ao pé da letra, o artista reduziu a visão à suaexpressãomaissimples.Oprofetaestásentadonumrochedoepareceadormecidoapoiadosobreojoelhodireito.Diantedeleaparecemduasrodasdecarroeétudo”.

Esta versão contém dois erros. O primeiro demonstra umestudo incompleto da técnica tradicional, das fórmulas que oslatomirespeitavamnaexecuçãodosseussímbolos.Osegundo,maiscrasso,provémdeumaobservaçãodefeituosa.

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Efetivamente,osnossosimagistastinhamporhábitoisolaroupelomenossublinharosseusatributossobrenaturaiscomoauxíliodeumcordãodenuvens.Encontramosumaprovaevidentedissonafacedetrêscontrafortesdopórtico;masnadadesemelhanteexisteaqui.Poroutro lado, o nosso personagem tem os olhos abertos; não está,portanto,adormecidomasparecevigiar,enquantojuntodeleseexercealentaaçãodofogoderoda.Demais,énotórioque,emtodasascenasgóticasfigurandoaparições,oiluminadoésemprerepresentadodiantedo fenômeno; a sua atitude, a sua expressão, testemunhaminvariavelmente a surpresa ou o êxtase, a ansiedade ou a beatitude.Nãoéocasonotemaquenosinteressa.Asduasrodasnãosão,pois,enão podem ser, senão uma imagem de significação obscura para oprofano, utilizada expressamente com a intenção de velar uma coisamuitoconhecida,tantodoiniciadocomodonossopersonagem.Dessemodo,nãoovemosabsorvidoporqualquerpreocupaçãodestegênero.Ele vigia e vela, paciente mas um pouco cansado. Terminados ospenosostrabalhosdeHércules,oseulaborreduz-seaoluduspuerorumdostextos,ouseja,àmanutençãodofogo,oqueumamulher,fiandoaroca,podefacilmenteempreenderelevarabomtermo.

Quantoàdupla imagemdohieróglifo,devemos interpretá-lacomo o signo das suas revoluções que devem agir sucessivamentesobreocompostoparalheassegurarumprimeirograudeperfeição.Amenos que se prefira ver aí a indicação das duas naturezas naconversão, que se cumpre também mediante uma cocção suave eregular.EstaúltimateseéadotadaporPernety.

Na realidade, acocção linear e contínua exige a duplarotaçãodeumamesmaroda,movimentoimpossíveldetraduzirnapedraequejustificouanecessidadedasduasrodasconfundidasdemaneiraa formar apenas uma. A primeira roda corresponde à faseúmida daoperação—denominada“decocção”—emqueocompostopermanecefundido até a formação de uma película ligeira, a qual, aumentandopouco a pouco de espessura, ganha em profundidade. O segundoperíodo,caracterizadopelasecura—ou“cocção”—começaentãoporumasegundavoltadaroda,realiza-seeterminaquandooconteúdodoovo,calcinado,aparecegranulosooupulverulento,emformadecristais,deareiaoudecinza.

O comentador anônimo de uma obra clássica{55} diz, apropósitodestaoperação,queéverdadeiramenteosímbolodaGrandeObra,que“ofilósofofazcozeraumcalorsuaveesolarenumsóvaso,umúnicovaporqueseespessapoucoapouco”.Masqualpodesera

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temperaturadofogoexteriorconvenienteparaestacocção?Segundoosautoresmodernos,ocalordoinícionãodeveriaexcederatemperaturadocorpohumano.AlbertPoissondácomobase50grauscomaumentoprogressivo até 300 graus centígrados. Filaleto, nas suas Règles{56}afirmaque“ograudecalorquepoderáagüentarochumbo(327graus)ouoestanhoemfusão(232graus),emesmoaindamaisforte,ouseja,tal que os vasos o possam agüentar sem se partirem, deve serconsiderado umcalortemperado.Poraí,dizele,começareisovossograudecalorpróprioparaoreinoondeanaturezavosdeixou”.Nasuadécima-quinta regra, Filaleto volta ainda a esta importante questão;depoisdeterfeitonotarqueoartistadeveoperarsobrecorposmineraisenãosobresubstânciasorgânicas,dizoseguinte:

“ÉnecessárioqueaáguadonossolagofervacomascinzasdaárvoredeHermes;exorto-vosa

fazer ferver noite e dia sem cessar, a fim de que nas obras do nosso mar tempestuoso a naturezaceleste possa subir e a terrestre descer. Porque vos asseguro que, se não fazemosferver, nuncapoderemoschamarànossaobraumacocção,massimumadigestão”.Ao ladodofogoderoda,assinalaremosumpequenotema,

esculpidoàdireitadomesmopórticoequeG.DurandpretendequesejaumaréplicadosétimomedalhãodeParis.Eisoquedizoautoraesserespeito(t.I,pág.336):

“JourdaineDuvaltinhamchamadoInconstânciaessevícioopostoàPerseverança;masparece-

nos que a palavraApostasia, proposta pelo abade Roze, convém mais ao tema representado. É umpersonagemdecabeçadescoberta, imberbeetonsurado,clérigooumonge,vestidocomumtrajoquelhechega até metade das pernas, munido de um capuz, e que não difere daquele que vimos vestido peloclérigo do grupo da Cólera senão pelo cinturão que o cinge.Arrojando para um lado os calções e ossapatos,umaespéciedebotins,pareceafastar-sedeumabelaigrejinhadelongaseestreitasjanelas,decampanário cilíndrico e apoiada em falso que se distingue ao longe (grav. XXXIV). Numa chamada,Durand acrescenta: “No grande portal de Notre-Dame de Paris, é na própria igreja que o apóstataabandonaassuasvestes;novitraldamesmaigreja,estánoexteriorefazogestodeumhomemquesepõeemfuga.EmChartres,despojou-seinteiramentedasvestesesóestácobertocomacamisa.RuskinnotaqueoloucoinfielésemprerepresentadodescalçonasminiaturasdosséculosXIIeXIII”.”

Quanto a nós, não encontramos qualquer relação entre o

motivodePariseodeAmiens.EnquantoaquelesimbolizaocomeçodaObra,este,pelocontrário, traduzasuaconclusão.A igrejaémaisumathanor e o seu campanário, elevado em contradição com as regrasmais elementares da arquitetura, o forno secreto que encerra o ovofilosofal.Estefornopossuiaberturaspelasquaisoartesãoobservaasfases do trabalho. Esqueceu-se um pormenor importante e muitocaracterístico:falamosdoarcodaabóbada,entalhadonoenvasamento.Oraédifíciladmitirqueumaigrejapossaserconstruídasobreabóbadasaparentes e pareça, assim, repousar sobre quatro pés. Não émenosarriscadoassimilaraumavesteamassaligeiraqueoartistaapontacomodedo.Estasrazõeslevaram-nosapensarqueomotivodeAmienserafrutodosimbolismoherméticoerepresentavaacocção,assimcomoo

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aparelhoad hoc. O alquimista aponta com a mão direita o saco decarvão e o abandono dos sapatos mostra bem até onde devem serlevadas a prudência e a preocupação de silêncio nesta tarefa oculta.Quanto aos trajos ligeiros que o artista representa no motivo deChartres,justificam-sepelocalorqueselibertadoforno.Noquartograude fogo, operando pela via seca, torna-se necessário manter umatemperatura próxima dos 1200 graus, indispensável também naprojeção.Os operáriosmodernos, na indústriametalúrgica, vestem-sedemodosumário,comooassopradordeChartres.Certamenteseríamosfelizes se pudéssemos conhecer a razão pela qual os apóstatassentiriam necessidade de abandonar as roupas ao afastarem-se dotemplo. É esta razão, precisamente, que nos deve ser dada a fim desustentaratesepropostapelosautorescitados.

Vimos que em Notre-Dame de Paris o athanor tomaigualmentea formadeumapequena torreerguidasobreabóbadas.Éevidentequenãosepodiareproduzi-loesotericamentetalcomoexistianolaboratório.Limitaram-se,portanto,adar-lheumaformaarquitetônicasem,noentanto,abolirassuascaracterísticas,capazesderevelaroseuverdadeiro destino. Encontram-se aí as partes constituintes do fornoalquímico: brasido, torre e cúpula. Aliás, quem consultou estampasantigas—especialmenteasgravurasdemadeiradaPyrotechniequeJeanLiébaut inseriuno seu tratado{57}—não se enganará.Os fornosestãorepresentadoscomosefossemtorreõescomosseustaludes,assuas ameias, as suas seteiras.Certas combinações destes aparelhoschegama tomaroaspectodeedifíciosoudepequenas fortalezas,deonde saem bicos de alambique e gargalos de retortas. Contra o pédireito do grande pórtico encontramos, num quadrifólio incrustado, aalegoria do galo e da raposa, cara a Basile Valentin. O galo estápousado num ramo de carvalho que a raposa tenta alcançar (grav.XXXV). Os profanos descobrem aí o tema de uma fábula popular naIdadeMédia,aqual,segundoJourdaineDuval,seriaoprotótipodadocorvoedaraposa.“Nãosevê,acrescentaG.Durand,oouoscãesquesãocomplementosdafábula”.Estepormenorcaracterísticonãopareceterdespertadoaatençãodosautoressobreosentidoocultodosímbolo.E,noentanto,osnossosantepassados,tradutoresexatosemeticulosos,nãoteriamdeixadoderepresentaressesatoressesetratassedeumaconhecidacenadefábula.

Talvezconvenhaagoradesenvolverosentidodaimagem,embenefíciodosfilhosdaciência,nossosirmãos,umpoucomaisdoquejulgamos dever fazer a propósito do mesmo emblema esculpido nopórticodeParis.Explicaremos,semdúvida,maistardeaestreitarelação

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queexisteentreogaloeocarvalhoequeencontrariaasuaanalogianolaçofamiliar;porqueofilhoestáunidoaopaicomoogaloàsuaárvore.Por agora, diremos apenas que o galo e a raposa são apenas ummesmohieróglifoabrangendodoisestados físicosdistintosdamesmamatéria. O que salta logo à vista é ogalo ou a porção volátil,conseqüentementeviva,ativa,cheiademovimento,extraídadosujeito,oqual temporsímboloocarvalho.Láestáanossafamosafonte,cujaágua límpida corre na base da árvore sagrada, tão venerada pelosdruidas, e que os antigos filósofos chamaramMercúrio, embora nãotenha aparência de azougue vulgar. Porque a água de que temosnecessidadeéseca,nãomolhaasmãosejorradorochedoaotoquedavara de Aarão. Essa é a significação alquímica dogalo, símbolo doMercúrioentreospagãosedaressurreiçãoentreoscristãos.Estegalo,pormuito volátil que seja, pode transformar-se na Fênix. Antes, deveaindatomaroestadodefixidezprovisóriaquecaracterizaosímbolodazorra,anossaraposahermética.Éimportante,antesdepassaràprática,saberqueomercúriocontémemsitudooqueénecessárioaotrabalho.“BenditosejaoAltíssimo,exclamaGeber,quecriouesteMercúrioelhedeuumanaturezaàqualnadaresiste!Porque,semele,pormuitoqueosalquimistasfizessem,todooseulaborseriainútil”.Éaúnicamatériade que temos necessidade. Com efeito, essaágua seca, emboraInteiramente volátil, pode, se se descobrir o meio de mantê-la muitotempo ao fogo, tornar-se suficientemente fixa para resistir ao grau decalorqueteriabastadoparaaevaporarnatotalidade.Elamudaentãodeemblemaeasuaresistênciaaofogo,asuaqualidadedeequilíbriofazem com que se lhe atribua a raposa como insígnia da sua novanatureza. Aágua tornou-se terra e o mercúrio enxofre. Esta terra, noentanto,apesardabelacoloraçãoquetomouemcontactocomofogo,denadaserviriasobasuaformaseca;umvelhoaxiomaensina-nosnosquetodaatinturasecaéinútilnasuasecura;convém,portanto,voltaradissolverestaterraouestesalnamesmaáguaquelhedeuorigemou,oquevemadarnomesmo,noseuprópriosangue,afimdequesetornepelasegundavezvolátilequearaposaretomeacompleição,asasaseacaudadogalo.Porumasegundaoperação,semelhanteàprecedente,ocompostocoagular-se-ádenovo,lutaráaindacontraatiraniadofogomas,destavez,naprópriafusãoenãomaisporcausadasuaqualidadeseca. Assim, nascerá a primeira pedra, não totalmente fixa nemcompletamente volátil, no entanto bastante estável ao fogo, muitopenetrantee fusível,propriedadesquedevereisaumentarpormeiodeumaterceirareiteraçãodamesmatécnica.Então,ogalo,atributodeS.

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Pedro,pedraverdadeiraefluentesobreaqualrepousaoedifíciocristão,ogaloterácantadotrêsvezes.Porqueéele,oprimeiroApóstolo,quedetémasduaschavesentrecruzadasdasoluçãoedacoagulação;eleéosímbolodapedravolátilqueofogotornaestáveledensaaoprecipitá-la.S.Pedro,ninguémoignora,foicrucificadodecabeçaparabaixo...

Nosbelosmotivosdoportal norte, oudeS.Firmino, quaseinteiramente ocupado pelo zodíaco e pelas cenas campestres oudomésticas que lhe correspondem, assinalaremos dois interessantesbaixos-relevos.Oprimeirorepresentaumacidadelacujaporta,maciçaeaferrolhada, é flanqueada por torres guarnecidas de ameias, entre asquais se elevam dois andares de construções; um respiradourogradeadoadornaoenvasamento.

Será o símbolo do esoterismo filosófico, social, moral ereligioso que se revela e se desenvolve ao longo dos outros cento equinzequadrifólios?Oudevemosvernessemotivodoano1225aidéiamestradaFortalezaalquímica,retomadaemodificadaporKhunrath,em1609?SeriaantesoPaláciomisteriosoefechadodoreidanossaArte,de que falam Basile Valentin e Filaleto? Seja como for, cidadela ouhabitação real, oedifício, deaspecto imponentee rebarbativo,produzuma verdadeira impressão de força e inexpugnabilidade. Construídopara conservar algum tesouro ou guardar algum importante segredo,parecequenãosepodepenetrar nele senãopossuindoa chavedaspoderosas fechaduras que o protegem contra todo o arromba-mento.Temqualquercoisadeprisãoedecavernaeaportasugerealgodesinistro,deameaçador,quefazlembraraentradadoTártaro:

”Vósqueaquientraisabandonaitodaaesperança”.

O segundo quadrifólio, colocado imediatamente por baixo

deste, mostra-nos árvores mortas, torcendo e entrelaçando os seusramos nodosos sob um firmamento deteriorado, mas onde se podemaindadistinguirasimagensdoSol,daLuaedealgumasestrelas(grav.XXXVI).

Este tema refere-se às matérias-primas da grande Arte,planetas metálicos cuja morte foi, dizem-nos os Filósofos, provocadapelofogoequeafusãotornouInertes,sempodervegetativo,comoasárvoresduranteoInverno.

Épor issoqueosmestresnos recomendaram tantasvezesque osreincruássemos, fornecendo-lhes, coma forma fluida,oagentepróprioqueelesperderamnareduçãometalúrgica.Masondeencontraresse agente? É o grande mistério que tocamos freqüentemente no

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decorrerdesteestudo,fracionando-oaoacasodosemblemasparaquesó o investigador perspicaz possa conhecer as suas qualidades eidentificar a sua substância. Não quisemos seguir o velho método,medianteoqualse forneciaumaverdade,exprimidaparabolicamente,acompanhada de uma ou de várias alegações especiosas ouadulteradasparadesorientaroleitorincapazdesepararotrigodojoio.Claroquesepodediscutirecriticarestetrabalho,maisingratodoquesepoderia julgar;masnãocremosquenospossamcensurarpor termosescrito uma única mentira. Nem todas as verdades, assegura-se, sedevemdizer;masjulgamos,apesardoprovérbio,queépossívelfazê-lascompreender,utilizandoumacertaqualidadedalinguagem.“AnossaArte,diziaoutroraArtefius,éinteiramentecabalística”;efetivamente,a cabala foi-nos sempre de grande utilidade. Ela permitiu-nos, semadulterar a verdade, sem desnaturar a expressão, sem falsificar aCiêncianemperjurar,dizermuitascoisasquesebuscariamemvãonoslivros dos nossos predecessores. Por vezes, em presença daimpossibilidadeemquenosencontrávamosdeirmaislongesemviolaro nosso juramento, preferimos o silêncio às alusões enganadoras, omutismoaoabusodeconfiança.

Que podemos então dizer aqui, ante oSegredo dosSegredos,diantedesteVerbumdimissumaquejánosreferimosequeJesusconfiouaosseusApóstolos,comotestemunhaS.Paulo{58}:

“Tornei-meministro da Igreja por vontade deDeus, quemeenviou até vós para cumprir aSUA

PALAVRA.Ouseja,oSEGREDOqueesteveescondidoemtodosostemposeemtodasasidades,masqueelerevelaagoraàquelesqueconsideradignos”.

Quepodemosdizersenãoalegarotestemunhodosgrandes

mestres,quetambémtentaramexplicá-lo?“OCaosmetálico,produzidopelamãodaNatureza,contém

em si todos os metais e não é metal. Contém o ouro, a prata e omercúrio;noentanto,nãoénemouro,nemprata,nemmercúrio{59}”.Estetexto é claro; preferema linguagem simbólica?Haymon{60} dá-nos umexemploquandodiz:

“Para obter o primeiro agente é necessário dirigir-se à parte posterior domundo, onde se ouve

ribombarotrovão,soprarovento,cairogranizoeachuva;aíoencontraremos,seoprocurarmos”.

TodasasdescriçõesqueosFilósofosnosdeixaramdoseu

tema,oumatéria-primaquecontémoagente Indispensável,sãomuitoconfusasemisteriosas.Eisalgumas,escolhidasentreasmelhores.

O autor do comentário acerca daLuz saída das Trevasescrevenapág.108:

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“A essência, na qual habita oespírito que procuramos, está incluída e gravada nele, emboracom traçose linhas imperfeitas; omesmonosdizRipleusAngloisno começodas suasDouze Portes eǢgidius de Vadis, no seuDialogue de Ia Nature, mostra claramente, e domo em letras de ouro, queficou nestemundouma porção desseprimeiroCaos, conhecidamas desprezada por alguns e que sevendepublicamente”.

Omesmoautordizainda,napágina263,que“estetemase

encontra em vários lugares e em cada um dos três reinos; mas seconsideramosaspossibilidadesdaNatureza,ecertoquesóanaturezametálicadeveserajudadadanaturezaepelanatureza;époissomenteno reino mineral, onde reside a semente metálica, que devemosprocurarotemaprópriodanossaarte”.

“Éumapedradegrandevirtude,diz,porseuturno,NicolasValois

{61},eéchamadapedraenão

épedra,eémineral,vegetaleanimal,queéencontradaemtodososlugareseemtodosostemposeemtodasaspessoas”.

Flamel{62}escreveigualmente:

"Existeumapedraoculta,escondidaeenterradanomaisfundodeumafonte,queévil,abjetaedemodoalgumapreciada;eestá cobertadeexcrementos;àqual, emboranãosejamaisdoqueuma,atribuemtodaespécie denomes.Porque,dizoSábioMorien,estapedranãopedraéanimada, tendoavirtudedeprocriaredeengendrar.Estapedraémoleedeveoseucomeço,origemeraçaaSaturnoouaMarte,aoSoleaVênus;eseéMarte,SoleVênus...”

“Há,dizLeBreton{63}

,ummineralconhecidodosverdadeirosSábiosqueoescondemnosseusescritossobdiversosnomes,oqualcontémabundantementeoestáveleovolátil”.

“OsFilósofostiveramrazão,escreveumautoranônimo{64}

,emesconderestemistériodosolhosdaqueles que só apreciam as coisas pela utilidade que lhes deram; porque se conhecessem ou se aMatéria,queDeusteveprazeremesconder,selhesrevelasseabertamentenascoisasquelhesparecemúteis, nunca mais as apreciariam”. Eis um pensamento análogo ao daImitation{65}, com o qualterminamosestascitaçõesabstrusas: “Aquelequeapreciaascoisaspeloqueelasvalemenãoas julgasegundooméritoouoapreçodoshomens,possuiaverdadeiraSabedoria”.

VoltemosàfachadadeAmiens.Omestreanônimoqueesculpiuosmedalhõesdopórticoda

VirgemMãeinterpretoumuitocuriosamenteacondensaçãodoespíritouniversal; um Adepto contempla o caudal doorvalho celeste, caindosobreumamassaquenumerososautoresinterpretaramcomosendoumtosão.Sem impugnarestaopinião,é tambémverossímilsuporquesetratadeumcorpodiferente,talcomoomineraldesignadopelonomedeMagnésiaoudeImãfilosófico.Observar-se-áqueestaáguaapenascaisobreosujeitoconsiderado,oqueconfirmaaexpressãodeumavirtudeatrativa oculta neste corpo e que seria importante procurar confirmar(grav.XXXVII).

Éeste,julgamosnós,olugarapropriadopararetificarcertoserroscometidosa respeitodeumvegetalsimbólico,oqual, tomadoàletra por assopradores ignorantes, contribuiu fortemente para lançar odescrédito sobre a alquimia e o ridículo sobre os seus partidários.Referimo-nosaoNostoc.Estacriptogâmica,quetodososcamponesesconhecem,encontra-seportodooladonoscampos,tantoentreaervacomo na terra nua, à beira dos caminhos, na orla dos bosques. Na

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Primavera,demanhãcedo,estãovolumosas,cheiasdeorvalhonoturno.Gelatinosas e trêmulas—daí o seu nome detremelas—sãomuitasvezesesverdeadasedefinham tão rapidamentesobaaçãodos raiossolares que se (orna impossível encontrar os seus traços no própriolugar onde se encontravam algumas horas antes. Todas estascaracterísticas combinadas — aparição súbita, absorção de água edilatação,coloraçãoverde,consistênciamoleepegajosa—permitiramaos Filósofos considerar este fungo como tipo hieroglífico da suamatéria. Ora é certamente uma amálgama deste gênero, símbolo daMagnésia mineral dos Sábios, que no quadrifólio de Amiens se vêabsorveroorvalhoceleste.Passaremosrapidamentesobreosmúltiplosnomes aplicados aoNostoceque,noespíritodosMestres,designamapenasoseuprincípiomineral:Princípiodavidaceleste,SalivadaLua,Manteigada terra,Gorduradeorvalho,Vitríolovegetal,Fioscoeli etc.,conformeoencaravamcomoreceptáculodoEspíritouniversaloucomomatéria terrestre exalada do centro no estado de vapor e depoiscoaguladaporarrefecimentoemcontactocomoar.

Estes termos estranhos, que possuem, no entanto, a suarazãodeser,têmfeitoesquecerosignificadorealeiniciáticodoNostoc.Estapalavravemdogrego , correspondendoao latimnox,noctis,noite.Époisumacoisaquenasceànoite,temnecessidadedanoiteparasedesenvolveresósepodetrabalhardenoite.Destemodo,onossosujeitoficaadmiravelmenteocultodosolhosprofanos,emborapossa ser facilmente distinguido e trabalhado por aqueles que têmconhecimentoexatodasleisnaturais.Mastãopoucos,aidenós!sedãoaotrabalhoderefletirecontinuamsimplesnoseuraciocínio!

Vejamos, dizei-nos, vós que já tanto tendes laborado, quepretendeisfazerjuntodosvossosfornosacesos,dosvossosnumerososutensílios,variados,inúteis?Esperaisrealizarumaverdadeiracriação?Não,certamente,vistoqueafaculdadedecriarpertencesóaDeus,oúnico Criador. É então umageração o quedesejais provocar no seiodos vossos materiais. Mas nesse caso necessitais do auxílio daNaturezaepodeisacreditarqueesseauxíliovosserárecusadose,pordesgraçaouignorância,nãocolocaisaNaturezaemestadodeaplicaras suas leis.Qual é então acondiçãoprimordial, essencial, para quepossamanifestar-seumageraçãoqualquer?Respondemosporvós:aausência total de toda a luz solar, mesmo difusa ou indireta. Olhai àvossa volta, interrogai a vossa própria natureza. Não vedes que noshomensenosanimaisafecundaçãoeageraçãoseoperam,graçasacertadisposiçãodosórgãos,numaobscuridadecompleta,mantidaaté

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aodiadonascimento?Éàsuperfíciedaterra—emplenaluz—ounaprópria terra — na obscuridade — que os grãos vegetais podemgerminarereproduzir-se?Édediaoudenoitequeoorvalhofecundantecai, alimentando-os e vitalizando-os? Olhai os cogumelos: não é denoitequeelesnascem,crescemesedesenvolvem?Evóspróprios,nãoéduranteanoite,nosononoturno,queovossoorganismorecuperaoque perdeu, elimina os seus dejetos, elabora novas células, novostecidosnolugardaquelesquealuzdodiaqueimou,gastouedestruiu?Atémesmo o trabalho de digestão, de assimilação, da transformaçãodos alimentos em sangue e substância orgânica se cumpre naobscuridade.Quereisfazerumaexperiência?Tomaisovosfecundados,fazei-oschocarnumadivisãobemiluminada;nofimdaincubação,todososvossosovosterãoembriõesmortos,maisoumenosdecompostos.Sealgumvier a nascer será cego, raquíticoenão sobreviverá.Éessaainfluência nefasta do sol, não sobre a vitalidade dos indivíduosconstituídosmas sobre ageração. E não julgueis que se limitamaosreinosorgânicososefeitosdeumaleifundamentalnaNaturezacriada.Osminerais,apesardasuareaçãosermenosvisível,sãosubmetidosaela tal como os animais e os vegetais. Sabe-se que a produção daimagemfotográficaébaseadanapropriedadequepossuemossaisdepratadesedecomporemàluz.Estessaisretornamentãooseuestadometálico inerte,enquantotinhamadquirido,no laboratórioescuro,umaqualidade ativa, viva e sensível. Dois gases misturados, o cloro e ohidrogênio, conservam a sua integridade enquanto são mantidos naobscuridade: combinam-se lentamente a luz difusa e com explosãobrutalseosolintervém.Grandenúmerodesaismetálicosemsoluçãotransformam-seouprecipitam-seemmaisoumenostempoaluzdodia.Osulfatoferrosoconverte-se,assim,rapidamente,emsulfatoférricoetc.

Importa, pois, reter a idéia de que o sol é o destruidor porexcelência de todas as substâncias demasiado jovens, demasiadofracaspararesistiremaoseupoder ígneo.E istoétãoverdadeiroquenessaaçãoespecialsebaseouummétodoterapêuticoparaacuradeafecções externas, a cicatrização rápida de chagas e feridas. Foi opodermortaldoastrosobreascélulasmicrobianas,emprimeirolugar,edas células orgânicas em seguida, que permitiu instituir o tratamentofototerápico.

Eagoratrabalhaidediasevosapraz;masnãonosacuseisseosvossosesforçosterminarememfracasso.Quandoanós,sabemosqueadeusaÍsiséamãedetodasascoisas,queastrazatodasnoseuseio, e que só ela é a dispensadora daRevelação e da Iniciação.Profanos que tendes olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, a

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quem dirigireis então as vossas preces? Ignorais que só se chega aJesuspelaintercessãodasuaMãe,santaMariaorapronobis?E,paravossainstrução,aVirgemérepresentadacomospéspousadossobreocrescente lunar, sempre vestida de azul, cor simbólica do astro dasnoites.Poderíamosdizermuitomais,masjáfalamosbastante.

Terminemospoisoestudodostiposherméticosoriginaisdacatedral de Amiens, assinalando, à esquerda do mesmo pórtico daVirgemMãe,umpequenomotivoangular representandoumacenadeiniciação.Omestreapontaatrêsdosseusdiscípulosoastrohermético,acerca do qual já nos alargamos bastante, a estrela tradicional queservedeguiaaosFilósofoselhesindicaonascimentodofilhodoSol(grav. XXXVIII). Recordemos, a propósito deste astro, a divisa deNicolasRollin,chancelerdeFilipeoBom,queem1447foipintadanosazulejos do hospital de Beaune, de que fora o fundador. Esta divisa,

apresentadaàmaneiradeumenigma—Sozinha —representavaaciênciadoseupossuidorpelosignocaracterísticodaObra,aúnica,aestrelasozinha.

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BOURGES

IBourges,velhacidadedoBerry,silenciosa,recolhida,calma

e cinzenta como um claustro monástico, legitimamente orgulhosa deumaadmirávelcatedral,ofereceaindaaosamadoresdopassadooutrosedifíciosigualmentenotáveis.Entreestes,opalácioJacques-CoeureopalaceteLallemantsãoasmaispurasgemasdasuamaravilhosacoroa.

Do primeiro, que foi outrora um verdadeiro museu desímbolos herméticos, diremos pouca coisa. O vandalismo passou porele.Osseusdestinossucessivosarruinaramadecoraçãointeriore,seafachadanãonostivessesidoconservadanoseuestadoprimitivo,ser-nos-ia hoje impossível imaginar, diante das paredes nuas, das salasmaltratadas, das altas galerias abobadadas em forma de quilha, amagnificênciaoriginaldessesuntuosopalácio.

JacquesCoeur,grãotesoureirodeCarlosVII,queomandouconstruirnoséculoXV,gozoudareputaçãodeAdeptoexperimentado.David de Planis-Campy cita-o, efetivamente, como possuindo “oprecioso dom da pedra em branco”, por outras palavras, datransmutaçãodosmetaisvisemprata.Deonde,talvez,oseutítulodeargentier(tesoureiro).Sejacomofor,devemosreconhecerqueJacquesCoeur fez tudoquantopôdepara fazeracreditar,porumaprofusãodesímbolosescolhidos,asuaqualidadeverdadeiraousupostadefilósofopelofogo.

Todos conhecemos o brasão e a divisa deste altopersonagem: três corações formando o centro desta legenda,apresentada como um enigma: Availlans cuers riens impossible.Soberba máxima, transbordante de energia, que adquire, se aestudarmos segundo as regras cabalísticas, um significado bemsingular. Com efeito, se lermos cuer com a ortografia da épocaobteremosaomesmotempo:1)oenunciadodoEspíritouniversal(raiode luz);2)onomevulgardamatériabásica trabalhada(oferro); 3)astrêsreiteraçõesindispensáveisàperfeiçãototaldosdoisMagistérios(ostrêscuers).Estamos,pois,convencidosdequeJacquesCoeurpraticouelepróprioaalquimiaouque,pelomenos,viuelaborarnasuapresençaapedraembrancopeloferro“essencificado”etrêsvezescozido.

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Entreoshieróglifos favoritosdonosso tempo,avieiradeS.Tiagoocupa,comocoração,umlugarpreponderante.Asduasimagensestãosemprejuntasoudispostassimetricamente,talcomosepodevernos motivos centrais dos círculos quadrilobados das janelas, dasbalaustradas, dasalmofadasdasportasedaargoladaportaetc.Há,sem dúvida, nesta dualidade da concha e do coração um enigmaimposto sobre o nome do proprietário ou a sua assinaturaesteganográfica. No entanto, as conchas do gênero vieira (PectenJacoboeusdosnaturalistas)serviramsempredeinsígniaaosperegrinosdeS.Tiago.Traziam-nasnoschapéus(comosepodevernumaestátuadeS.Jaime,naabadiadeWest-minster),àvoltadopescoço,oupresaaopeito,sempreemevidência.AConchadeCompostela(grav.XXXIX)acerca da qual muito haveria dizer, serve na simbólica secreta paradesignar o princípioMercúrio{66}, também chamadoViajante ouPeregrino. É usada misticamente por todos os que empreendem otrabalhoeprocuramobteraestrela(composstella).Portanto,nadatemdesurpreendentequeJacquesCoeurtenhafeitoreproduziràentradadoseupaláciooiconperegrini,tãopopularentreosassopradoresdaIdadeMédia. Acaso não descreve Nicolas Flamel, nas suasFiguresHieroglyphiques,aviagemparabólicaqueempreendeuafim,dizele,depedir ajuda aoSenhor Tiago da Galiza, luz e proteção? Todos osalquimistas,nocomeço,seencontramemigualsituação.Devemfazer,comobordãoporguiaeaconchapor insígnia,este longoeperigosopercurso, de que metade é terrestre e a outra metade é marítima.Primeiroperegrinos,emseguidapilotos.

A capela, restaurada, inteiramente pintada, é poucointeressante. Se excetuarmos o teto, de ogivas cruzadas, onde vinteanjosdemasiadonovostêmoglobonafronteedesenrolamfilactériaseuma Anunciação esculpida no tímpano da porta, nada resta dosimbolismodeoutrora.PassemosentãoàdivisãomaiscuriosaemaisoriginaldoPalácio.

Éumbelogrupo,esculpidosobreumamísula,queornamentaasalachamadadoTesouro.AsseguramquerepresentaoencontrodeTristãoedeIsolda.Nãoocontradizemos,atéporqueotemaemnadaaltera a expressão simbólica que ressalta da imagem.O belo poemamedieval fazpartedociclodos romancesdaTávolaRedonda, lendasherméticas tradicionais copiadas das fábulas gregas. Diz diretamenterespeitoàtransmissãodosconhecimentoscientíficosantigos,sobovéudeengenhosasficçõespopularizadaspelogêniodosnossostrovadorespicardos(grav.XL).

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Nocentrodomotivo,umacaixinhaocaecúbicasobressaiaopédeumaárvorefrondosacujafolhagemdissimulaacabeçacoroadadoreiMarc.DecadaladoaparecemTristãodeLéonoiseIsolda,aquelecomumchapéuderodilha,estacomumacoroaqueseguracomamãodireita. Os nossos personagens estão representados na floresta deMorois, sobre um tapete de ervas e de flores, e fixam os olhos namisteriosapedraocaqueossepara.

O mito de Tristão de Léonois é uma réplica do de Teseu.Tristão combate e mata oMorhout, Teseu oMinotauro. EncontramosaquiohieróglifodafabricaçãodoLeãoverde—daíonomedeLéonoisouLéonnaisusadoporTristão—queéensinadaporBasileValentinsob a forma da luta dos dois campeões, aáguia e o dragão. Estecombate singular dos corpos químicos, cuja combinação produz odissolventesecreto(eovasodocomposto)forneceuotemaparamuitasfábulas profanas e para alegorias sagradas. Cadmo espetando aserpente contra um carvalho; Apoio matando com as suas flechas omonstroPythoneJasãoodragãodaCólquida;éHoruscombatendooTífondomitoosiriano;HérculescortandoascabeçasdaHidraePerseua daGórgona; S.Miguel, S. Jorge, S.Marcelo derrubando oDragão,réplicascristãsdePerseumatandoomonstroguardiãodeAndrômeda,montadonoseucavaloPégaso;éaindaocombatedaraposaedogalo,dequefalamosaodescreverosmedalhõesdeParis;odoalquimistaedoDragão(Cyliani),darêmoraedasalamandra(deCyranoBergerac),daserpentevermelhaedaserpenteverdeetc.

Estedissolventepoucocomumpermitea“reincruação{67}”doouronatural,oseuamolecimentoeoretornoaoseuprimeiroestadosobaformasalina,friávelemuitofundível.Éesterejuvenescimentodoreique todososautoresassinalam,começodeumanova faseevolutiva,personificada, no motivo que nos ocupa, por Tristão, sobrinho do reiMarc.Narealidade,sobrinhoetiosão,quimicamentefalando,amesmacoisa,domesmogêneroedeorigemsemelhante.Oouroperdeasuacoroa—perdendoasuacor—duranteumcertoperíododetempoevê-sesemelaatéquetenhaatingidoograudesuperioridadeaqueaarteea Natureza o podem levar. Então herda uma segunda coroa“infinitamente mais nobre do que a primeira”, tal como nos asseguraLimojon de Saint-Didier. Deste modo, vemos destacarem-se,nitidamente,assilhuetasdeTristãoedarainhaIsolda,enquantoovelhorei permaneceescondidonas folhagensdaárvore central, quesai dapedracomoaárvoredeJessésaidopeitodoPatriarca.Observemosaindaquearainhaé,aomesmotempo,aesposadovelhoedojovem

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herói,afimdemanteratradiçãoherméticaquefazdorei,darainhaedoamante a tríade mineral da Grande Obra. Assinalemos, enfim, umpormenor de certo valor para a análise do símbolo. A Árvore situadaatrás de Tristão está carregada de frutos enormes— peras ou figosgigantes—comtalabundânciaqueafolhagemdesaparecesobasuamassa.Estranhafloresta,naverdade,adoMort-Roi(reimorto)ecomonossentimos tentadosaassimilá-laao fabulosoemiríficoJardimdasHespérides!

II

Mais ainda do que o Palácio Jacques Coeur, o palaceteLallemant reterá a nossa atenção. Habitação burguesa, de modestasdimensõesedeestilomenosantigo,ofereceararavantagemdesenosapresentar num estado de perfeita conservação. Nenhum restauro,nenhuma mutilação a despojaram do belo caráter simbólico que sedesprende de uma decoração abundante de temas delicados eminuciosos.

O corpo do edifício, construído no flanco de um declive,mostraopédasuafachada,daalturadeumandar,maisoumenos,emrelação ao nível do pátio. Esta disposição necessita empregar umaescadaconstruídasobaabóbadaascendente,devoltaperfeita.Sistemaengenhoso,tantoquantooriginal,quepermiteoacessoaopátiointerior,ondeseabreaentradadosaposentos.

Nopatamarabobadado,noprincípiodaescada,oguarda—cujararaafabilidadedevemoslouvar—empurraumaportapequenaànossadireita.“Éaqui,diz-nosele,queéacozinha”.Divisãobastantegrande,escavadanosubsolomasdetetobaixo,queumaúnicajanela,larga e dividida por uma coluna de pedra, ilumina com dificuldade.Chaminéminúsculaesemprofundidade:assiméa“cozinha”.Apoiandoa sua afirmação, o nosso cicerone aponta umamísula que serve deapoio a vários arcos e que representa um clérigo que empunha umpilão.SeráverdadeiramenteaimagemdeummaucozinheirodoséculoXVI?Ficamoscéticos.Onossoolharvaidapequenachaminé—ondeapenassepoderiaassarumperumasqueseriasuficienteparaconteratorre de um athanor — à figurinha ridícula, promovida a cozinheiro;depois,percorre todaacozinha, tão triste, tãosombrianeste luminosodiadeVerão...

Quanto mais refletimos, menos a explicação do guia nos

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pareceverossímil.Estasalabaixa,obscura,afastadadacasadejantarporumaescadaeporumpátiodescoberto,semoutroutensíliosenãoumachaminéestreita,insuficiente,desprovidadechapadeferroforjadoaforrarachaminédafornalhaedesuportedacremalheira,nãopoderia,logicamente, servir para a mais simples função culinária. Emcontrapartida, parece-nos admiravelmente adaptada para o trabalhoalquímico de que a luz solar, inimiga de toda a geração, deve serexcluída.Quantoaomoçodecozinha,conhecemosdemasiadobemaconsciência, o cuidado, o escrúpulo de exatidão que tinham osimagistasdeoutrora na traduçãodo seupensamento, para podermoschamar pilão ao instrumento que ele apresenta ao visitante. Nãopodemoscrerqueoartistatenhadesdenhadorepresentarigualmenteoalmofariz,oseucomplemento indispensável.Aliás,aprópria formadoutensílio é característica; o que a figura em questão sustem é, narealidade,um matrás de gargalo comprido, semelhante aos que osnossos alquimistas empregam e que também chamam balões, porcausadasuabarrigaesférica.Finalmente,aextremidadedocabodestesupostopilão é oca e cortada obliquamente, o que demonstra queestamosempresençadeumutensíliooco,vasooupequenagarrafadevidro(grav.XLI).

Estavasilha, indispensávelemuitosecreta, recebeunomesdiversos,escolhidosdemaneiraaafastarosprofanos,nãoapenasdoseu verdadeiro destino mas ainda da sua composição. Os Iniciadoscompreenderão o que queremos dizer e saberão a que vasilha nosqueremos referir. Geralmente é chamadaovo filosófico eLeão verde.Pelo termoovoosSábiosentendemoseucomposto,dispostonoseuvaso próprio e pronto a sofrer as transformações que a ação do fogoneleprovocará.Nestesentido,épositivamenteumovo,vistoqueoseuinvólucro ou casca encerra orebis filosofal, formado de branco e devermelhonumaproporçãoanálogaàdoovodospássaros.Quantoaosegundoepíteto, a sua interpretação nunca foi fornecida pelos textos.Batsdorff, no seuFiletd'Ariadne,dizqueosFilósofoschamaramLeãoverde ao vaso que serve para a cocção, mas sem fornecer qualquerrazãopara isso.OCosmopolita, insistindosobretudonaqualidadedovaso e na sua necessidade para o trabalho, afirma que naObra “háapenasesteLeãoverdequefechaeabreossetesímbolosindissolúveisdos sete espíritos metálicos e que atormenta os corpos até tê-losaperfeiçoadointeiramente,pormeiodeumagrandeefirmepaciênciadoartista”.OmanuscritodeG.Aurach{68}mostraummatrásdevidro,cheioatémetadecomumlicorverdeeacrescentaquetodaaarteassentana

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obtençãodesteúnicoLeãoverdeequeoseupróprionomeindicaasuacor.EovitríolodeBasileValentin.AterceirafiguradoTosãodeOuroéquase idêntica à imagemdeG. Aurach. Vê-se um filósofo vestido devermelho sobummantopúrpuraedeboné verde, queaponta comamão direita um matrás de vidro contendo um líquido verde. Ripleyaproxima-semaisdaverdadequandodiz:“Umsócorpoimundoentranonossomagistério;todososFilósofoslhechamamLeãoverde.Éomeioparareunirastinturasentreosolealua”.

Destes ensinamentos infere-se que o vaso é duplamenteencaradonasuamatériaenasuaforma,porumladonoestadodevasode natureza,por outro comovaso da arte. As descrições — pouconumerosasepoucolímpidas—queacabamosdetraduzir,referem-seànaturezadovaso;numerosostextosesclarecem-nosacercadaformadoovo. Este pode, conforme o gosto do artista, ser esférico ou ovóide,desde que seja de vidro claro, transparente, sem falhas. As paredesdevemterumacertaespessura,afimderesistiràspressõesinternasealgunsautores recomendamqueseescolhaparaesse fitoo vidrodeLorena{69}. Finalmente, o gargalo é comprido ou curto conforme aintençãodoartistaouasuacomodidade;oessencialéquesepossaadaptarfacilmenteàlâmpadadeesmaltador.Masestespormenoresdaprática são suficientemente conhecidos para nos dispensarem maisamplasexplicações.

Quanto a nós, queremos sobretudo insistir em que olaboratórioeovasodaObra,olugarondetrabalhaoAdeptoeaqueleem que a Natureza age, são as duas certezas que impressionam oiniciadonocomeçodasuavisitae fazemdopalaceteLallemantumadasmaissedutorasemaisrarasmoradasfilosofais.

Precedidospeloguia,eisnosagoranopátio.Algunspassosconduzem-nos à entrada de umaloggia fortemente iluminada por umpórticoformadodetrêsvãosarqueados.Éumagrandesala,comotetosulcado por grossas vigas que aí se encontram.Monólitos, esteIas eoutrosvestígiosantigosdão-lheoaspectodeummuseudearqueologialocal.Paranós,ointeressenãoresidenissomasnaparededofundo,onde se encontra encravado um magnífico baixo-relevo de pedrapintada.RepresentaS.CristóvãodepondoopequenoJesusnamargemrochosa da corrente lendária que acaba de atravessar. No segundoplano,umeremita,de lanternanamão—porqueacenapassa-sedenoite—saidasuacabanaedirige-separaoMenino-Rei(grav.XLII).

Tem-nossidodadaoportunidade,muitasvezes,deencontrarbelas representações antigas de S. Cristóvão; nenhuma, no entanto,

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tocoutãopróximoalendacomoesta.Parece,pois,foradedúvidaqueotema desta obra-prima e o texto de Jacques de Voragine contêm omesmosentidohermético,tendo,alémdomais,umacertaminúciaquenão poderia encontrar-se noutro lado. S. Cristóvão adquire, por essefacto,umaimportânciacapitalsoboaspectodaanalogiaexistenteentreestegigantequetransportaCristoeamatériaquetransportaoouro(

) desempenhandoomesmopapelnaobra.Comoanossaintenção é de sermos úteis ao estudante sincero e de boa fédesenvolveremosbrevementeoseuesoterismo,quetínhamospostodeparte ao falar das estátuas deS.Cristóvão e domonólito erguido noadrodeNotre-Dame,emParis.Masdesejandofazer-noscompreendermelhor transcreveremos primeiro o relato lendário de Amédée dePonthieu{70} segundo Jacques de Voragine. Sublinharemospropositadamente as passagens e os nomes que dizem respeitodiretamenteaotrabalho,àscondiçõeseaosmateriais,paraqueoleitorpossadeter-seneles,refletiretirarproveito.

“Antes de ser cristão, Cristóvão chamava-seOfferus; era uma espécie de gigante, de espírito

muitorude.Quando chegou à idade da razão, começou a viajar, dizendo que queria servir o maior rei da

terra.Enviaram-noàcortedeumpoderosoreiquemuitosealegrouporterumservidortãoforte.Umdia,orei,ouvindoumcantorpronunciaronomedoDiabo,fezosinaldacruzcomterror.“Porquefazeisisso”perguntou logoCristóvão. “Porque tenho receiodoDiabo”, respondeuo rei. “Seo receias, entãonãoéstãopoderosocomoele.Nessecaso,queroserviroDiabo”.EdizendoistoOfferuspartiu.

Após longa marcha à procura deste poderoso monarca, viu aproximar-se um grande grupo decavaleiros vestidos de vermelho; o seu chefe era negro e disse-lhe: “Que procuras?” “Procuro o Diabopara o servir”. “Eu sou o Diabo, segue-me”. E eis Offerus entre os servos de Satã. Um dia, depois demuitocavalgar,ogrupo infernalencontrouumacruzàbeiradocaminho;oDiaboordenouquese fizessemeia-volta.“Porquê?”disseOfferus,semprecurioso.“PorquereceioaimagemdeCristo”.“SetureceiasaimagemdeCristoéporqueésmenospoderosoqueele;nessecaso,queroentraraoserviçodeCristo”.Offerus passou sozinho diante da cruz e continuou o seu caminho. Encontrou um bom eremita eperguntou-lheondepoderia verCristo. “Por todaaparte” respondeuoeremita. “Nãocompreendo”, disseOfferus, “mas se dizeis a verdade, que serviços pode prestar-lhe um rapaz robusto e vivo como eu?”“Servimo-lo,respondeuoeremita,pelaoração,pelosjejunsepelasvigílias”.Offerusfezumacareta.“Nãohaveráoutramaneirade lheseragradável?”perguntou.Osolitáriocompreendeuaclassedehomemquetinhadiantedesie, tomando-opelamão,conduziu-oatéàbeiradeuma impetuosacorrentequedesciadeumaaltamontanhaedisse-lhe:“Aspobresgentesqueatravessaramestaáguaafogaram-se;ficaaquie leva até ao outro lado, sobre os teus fortes ombros, os que to pedirem. Se fizeres isso por amor deCristo ele te reconhecerá como seu servidor”. “Farei isso por amor de Cristo”, respondeu Offerus.Construiuentãoumacabananamargemetransportoudiaenoiteosviajantesquelhepediam.

“Umanoite,mortode fadiga,dormiaprofundamente;pancadasnaportaacordaram-noeouviuavozdeumacriançaqueo chamou três vezespelo seunome! Levantou-se, colocoua criança sobreosseus largosombroseentrounacorrente.Chegadoaomeio, viude repentea corrente tornar-se furiosa,as vagas incharem e precipitarem-se sobre as suas pernas nervosas para o derrubarem. Resistiu omelhorquepôde,masomeninopesavacomoumgrande fardo; foientãoque,no receiodedeixarcairopequeno viajante, desenraízou uma árvore para se apoiar; mas as vagas engrossavam sempre e omenino tornava-se cada vez mais pesado. Offerus, receando afogá-lo, levantou a cabeça para ele edisse-lhe: “Menino,porque te fazes tãopesado?Pareceque transportoomundo”.Omenino respondeu:“Não só transportas omundomas aquele que fez omundo. Eu souCristo, teu Deus e teu senhor. Emrecompensa dos teus bons serviços, batizo-te em nome do meu Pai, em meu próprio nome e no doEspírito Santo; a partir de agora chamar-te-ás Cristóvão”. Desde esse dia, Cristóvão percorreu a terraparaensinarapalavradeCristo”.

Estanarrativaserveparamostrarcomquefidelidadeoartista

observouereproduziuosmaispequenospormenoresdalenda.Masfezmelhor ainda. Sob a inspiração do sábio hermetista que lhe tinhaencomendadoaobra{71},colocouogigantecomospésdentrodeágua,vestindo-ocomumtecidoleveabertonumdosombroseapertadocom

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umlargocintoàalturadoabdômen.ÉestecintoquedáaS.Cristóvãooseuverdadeirocaráteresotérico.Oquevamosdizernãoseensina.

Mas apesar de, paramuitos, a ciência assim revelada nãopermanecermenosenvoltaemtrevas,consideramos,poroutrolado,queumlivroquenadaensinaéinútilevão.Porestarazão,vamosesforçar-nos por despojar o símbolo tanto quanto nos for possível, a fim demostrar aos investigadores do oculto ofatocientíficoescondidosobasuaimagem.

O cinto de Offerus é decorado com linhas entrecruzadassemelhantes às que apresenta a superfície do dissolvente quandocanonicamente preparado. Esse é oSigno, que todos os Filósofosreconhecem,paraindicarexteriormenteavirtude,aperfeição,aextremapurezaintrínsecaàsuasubstânciamercurial.Dissemosjáváriasvezes,e repetimo-loainda,que todoo trabalhodaarte consisteemprocurareste mercúrio até estar revestido do signo indicado. A este signo osvelhos autores chamaramSinal de Hermes, Sal dos Sábios(empregandoSalemvezdeSinal—oquelançaaconfusãonoespíritodos pesquisadores), amarca e impressão do Todo Poderoso , a suaassinatura,eaindaEstreladosMagos,Estrelapolaretc.Estadisposiçãogeométricasubsisteeaparececommaisnitidezquandosepôsoouroadissolvernomercúrioparao fazervoltaraoseuprimeiroestado,odeouro jovem ou rejuvenescido, numa palavra, o de ouro menino. É arazãoporqueomercúrio—lealservidoreSaldaterra—échamadoFonte de Juventude. Os Filósofos falam portanto claramente quandoensinamqueomercúrio,desdeadissoluçãoefetuada,trazomenino,oFilhodoSol,oPequenoRei(Roitelet)comoumaverdadeiramãe,vistoque, efetivamente, oouro renasce no seu seio. “O vento— que é omercúrioaladoevolátil—trouxe-onoseuventre”,diz-nosHermesnasuaTábua de Esmeralda. Ora encontramos a versão secreta destaverdadepositivanoBolo-Rei,queécostumecomeremfamílianodiadaEpifania,festacélebrequelembraarevelaçãodeJesusCristomeninoaos Reis Magos e aos gentios. A Tradição pretende que os MagostenhamsidoguiadosatéaoberçodoSalvadorporumaestrela,aqualfoi para eles osinal anunciador, aBoaNova do seu nascimento. Onosso bolo está assinalado como a própriamatéria e contém na suamassaomeninopopular-mentedesignadocomo“banhista”.ÉoMeninoJesustransportadoporOfferus,oservidorouoviajante;éoouronoseubanho, o banhista; é a fava, o soco, o berço ou a cruz de honra e étambém o peixe “que nada no nosso mar filosófico”, segundo aexpressão do Cosmopolita{72}. Note-se que nas basílicas bizantinas

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CristoeraporvezesrepresentadocomoasSereias,comumacaudadepeixe.Vê-mo-loassimfiguradonumcapiteldaigrejadeSaint-Brice,emSaint-Brisson-sur-Loire (Loiret). Opeixe é o hieróglifo da pedra dosFilósofosnoseuprimeiroestadoporqueapedra,comoopeixe,nascenaáguaevivenaágua.Entreaspinturasdaestufaalquímicaexecutadaem1702porP.-H.Piau {73}vê-seumpescadoràlinharetirandodaáguaumbelopeixe.Outrasalegoriasrecomendampescá-locomoauxíliodeuma rede ou de umamalha, que é uma imagem exata das malhasformadasporfiosentrecruzadosesquematizadasnosnossosbolos{74}daEpifania.Assinalemos,noentanto,umaoutra formaemblemáticamaisraramasnãomenosluminosa.Emcasadeumafamíliaamiga,pelaqualfomosconvidadosapartilharobolo,vimosnacôdea,nãosemalgumasurpresa,umcarvalhoestenderosseusramos,emlugardossinaisemforma de losango que normalmente aparecem. O banhista tinha sidosubstituído por umpeixe de porcelana e essepeixe era umlinguado(latimsol,solis,osol).DaremosbrevementeosignificadoherméticodocarvalhoquandofalarmosdoTosãodeOuro.Acrescentemosaindaqueo famoso peixe do Cosmopolita, que ele chamaEchineis é oouriço(echinus),oursinho,aursamenor,constelaçãonaqualseencontraaestrelapolar.Asconchasfósseisqueseencontramcomabundânciaemtodososterrenosapresentamumafaceradiadaemformadeestrela.ÉporissoqueLimojondeSaint-Didierrecomendaaospesquisadoresqueseorientemnoseucaminho“pelavistadaestreladonorte”.

Este peixemisterioso é opeixereal por excelência; aquelequeodescobrenasuapartedebolotemdireitoaotítulodereiedeserfestejadocomotal.Outrora,dava-seonomedepeixerealaodelfim,aoesturjão, ao salmão e à truta, porque estas espécies estavamreservadas,dizia-se,paraamesareal.Efetivamente,estadenominaçãotinha apenas caráter simbólico, visto que ofilho primogênito dos reis,aquelequedeviacingiracoroa,usavasempreotítulodeDelfim,nomedeumpeixee,melhorainda,deumpeixereal.É,aliás,umdelfimqueos pescadores da barca doMutus Liber procuram captar comrede eanzol. São igualmentedelfins que se vêem em diversos motivosdecorativosdopalaceteLallemant:najanelamédiadatorreangular,nocapiteldeumpilar,assimcomonocoroamentodapequenacredenciana capela. OIctus grego das Catacumbas romanas não tem outraorigem efetivamente, Martigny{75} reproduz uma curiosa pintura dasCatacumbas que representa um peixe nadando nas vagas etransportando no dorso umacestanaqualsevêempãeseumobjetovermelho,deformaalongada,queétalvezumvasocheiodevinho.A

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cesta que o peixe leva é o mesmo hieróglifo do bolo; a sua texturaresulta igualmente de fibras entrecruzadas. Para não alongarmosdemasiadoestasrelacionações,contentemo-nosemchamaraatençãodoscuriososparaacestadeBaco,chamadaCista,queosCistóforoslevavamnas procissões das bacanais e “na qual, diz-nos Fr. Noel{76},estavaencerradooquehaviademaismisterioso”.

Atéamassadoboloobedeceàsleisdasimbólicatradicional.Estamassaéfolhadaeonossopequenobanhistaestánelaincluídoàmaneiradeummarcadordelivro.Háaliumainteressanteconfirmaçãodamatéria representadapelobolo-Rei.Sendivogiusensina-nosqueomercúriopreparadoapresentaoaspectoea formadeumamassadepedra,friávelefolhada.“Seoobservardesbem,dizele,notareisqueelaé inteiramente folhada”. As lâminas cristalinas que compõem a suasubstânciaencontram-se,efetivamente,sobrepostascomoasfolhasdeum livro; por esta razão, recebeu o epíteto de terra folhosa,terra dasfolhas, livro de folhas etc. Também vemos a matéria-prima da Obrarepresentada simbolicamente por um livro ora aberto, ora fechado,conformefoitrabalhadaouapenasextraídadamina.Porvezes,quandoestelivroérepresentadofechado—oqueindicaasubstânciamineralbruta—nãoérarovê-loseladoporsetefaixas;sãoasmarcasdasanteoperações sucessivas quepermitemabri-lo, quebrando cadaumaumdosselosqueomantém fechado.ÉoGrandeLivrodaNatureza, queencerra nas suaspaginasa revelaçãodas ciências profanase a dosmistériossagrados.Édeestilosimples,deleiturafácil,comacondição,noentanto,quesesaibaondeencontrá-lo—oqueémuitodifícil—esobretudoquesepossaabri-lo-oqueéaindamaistrabalhoso.

Visitemos agora o interior do palacete. Ao fundo do pátioabre-se a porta de arco abatido que dá acesso aos aposentos.Encontram-se coisas muito belas e os apreciadores do nossoRenascimento encontrariam com que satisfazer o seu gosto.Atravessemosasaladejantar,cujotetodetabiqueseaaltachaminé,com as armas de Luís XII e de Ana da Bretanha, são autênticasmaravilhas,efranqueemosolimiardacapela.

Verdadeirajóia,cinzeladaelavradacomamorporadmiráveisartistas,estapeça,pequenaemcomprimento,seexcetuarmosajanelade trêsarcosconcebidosnoestiloogival,quasenada temdecapela.Todaaornamentaçãoéprofana,todososmotivosqueadecoramsãoreproduzidos da ciência hermética. Um soberbo baixo-relevo pintado,executadoàsemelhançadoS.Cristóvãodaloggia,temportemaomitopagão doTosão de Ouro . Os caixões do teto servem de quadro a

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numerosasfigurashieroglíficas.Umabelacredenciadoséc.XVIpropõeumenigmaalquímico.Nemumacena religiosa, nemumversículo desalmo, nem uma parábola evangélica, apenas o verbo misterioso daArtesacerdotal...Serápossívelquesetenhaoficiadonestegabinetedeaspectotãopoucoortodoxomas,emcontrapartida,tãopropício,nasuaintimidade mística, às meditações, às leituras, à oração do filósofo?Capela,estúdioouoratório?Fazemosaperguntasemaresolver.

Obaixo-relevodoTosãodeOuro,quesaltaàvistalogoqueentramos, é uma bela paisagem sobre pedra, realçada pela cor,masfracamente iluminada, cheia de curiosos pormenores que o efeito dotempo torna difíceis de estudar. No centro de um círculo de rochascobertasdemusgo,deparedesverticais,umaflorestadequeocarvalhoformaaprincipalessência,ergueosseustroncosrugososeestendeassuas folhagens. Clareiras deixam perceber diversos animais de difícilidentificação—umdromedário,umboiouumavaca,umarãnoaltodeuma rocha — que animam o aspecto selvagem e pouco atrativo dolugar. No chão, coberto de erva, crescem flores e canas do tipofragmitas.Àdireita,osdespojosdocordeiroestãopousadossobreumasaliênciaderochaeguardadosporumdragão,doqualsevêasilhuetaameaçadorarecortadanocéu.Jasãoestavarepresentadoaopédeumcarvalho,masestapartedacomposição,semdúvidapoucoaderente,separou-sedoconjunto(grav.XLIII).

AfábuladoTosãodeOuroéumcompletoenigmadotrabalhohermético que deve levar à obtenção da Pedra Filosofal{77}. NalinguagemdosAdeptos,chama-seTosãodeOuro àmatériapreparadaparaaObra, assimcomoo resultado final.Oqueé totalmenteexato,visto que estas substâncias só se diferenciam em pureza, fixidez ematuridade.PedradosFilósofosePedrafilosofalsãopoisduascoisassemelhantes, quanto à espécie e à origem, mas a primeira é crua,enquantoasegunda,quedeladeriva,éperfeitamentecozidaedigerida.Os poetas gregos contam-nos que “Zeus ficou tão contente com osacrifício feito em sua honra por Frixos que quis que aqueles quepossuíssem esse tosão vivessem na abundância enquanto oconservasseme que, entretanto fosse permitido a toda a gente tentarconquistá-lo”. Pode assegurar-se, sem risco de errar, que são pouconumerosos os que se utilizamdessa autorização.Não é que a tarefaseja impossível nemmesmo extremamente perigosa— porque quemconhece o dragão sabe também como vencê-lo — mas a grandedificuldade reside na interpretação do simbolismo. Como estabeleceruma concordância satisfatória entre tantas imagens diversas e tantos

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textos contraditórios? É, no entanto, o único meio que temos dereconhecerobomcaminhoentretodosestescaminhossemsaída,estesimpasses infranqueáveis que nos são propostos e tentam o neófitoimpacienteporprosseguiramarcha.Porissonãodeixaremosnuncadeexortarosdiscípulosadirigiremosseusesforçosparaasoluçãodestepontoobscuro,emboramaterialetangível,eixoemredordoqualrodamtodasascombinaçõessimbólicasqueestudamos.

Aquiaverdadeapareceveladasobduasimagensdistinta,adocarvalhoeadocordeiro,asquaisnãorepresentam,comoacabamosde dizer, senão amesma coisa sob dois aspectos diferentes.Efetivamente,ocarvalhosempre foiusadopelosautoresantigosparadesignaronomevulgardosujeitoinicial,talcomoseencontranamina.Eépor umaaproximação, cujo equivalente correspondeao carvalho,que os Filósofos nos informam acerca desta matéria. A frase queutilizamos pode parecer equívoca: lamentamo-lo,mas não se poderiadizer mais sem ultrapassar certos limites. Somente os iniciados nalinguagem dos deuses compreenderão sem qualquer dificuldade,porqueelespossuemaschavesqueabremtodasasportas,sejamasdas ciências ou das religiões.Mas entre alguns pretensos cabalistas,judeusoucristãos,maisricosdepretensõesdoquedesaber,quantosTirésias, Tales ou Melampus haverá capazes de compreender estascoisas?Certamentenãoéparaaquelescujasilusóriascombinaçõesanadadepositivonemdecientíficoconduzem,quenósnosdamosaotrabalhodeescrever.DeixemosentãoestesdoutoresemKaballanasuaignorânciaevoltemosaonossoassunto,caracterizadohermeticamentepelocarvalho.

Ninguém ignoraqueocarvalho temmuitasvezesnassuasfolhas pequenas excrescências redondas e rugosas, por vezesatravessadasporumburaco,chamadasbugalhos(latimgalla).Ora,seaproximarmos três palavras latinas da mesma família:galla, Gallia,gallus,obtemosbugalho,Gália,galo.OgaloéoemblemadaGáliaeoatributo deMercúrio, tal como afirma expressamente Jacob Tollius {78};coroa o campanário das igrejas francesas e não é sem razão que aFrança é chamada Filha primogênita da Igreja. O carvalho não sóforneceobugalhomasdátambémoquermes,quenaGaiaCiênciatemo mesmo significado queHermes, sendo as consoantes iniciaispermutáveis.Osdois termospossuemsentido idêntico,odeMercúrio.Todavia,enquantoobugalhotemonomedamatériamercurialbruta,oquermes (em árabegirmiz, quetinge de escarlate) caracteriza asubstânciapreparada.Importanãoconfundirestascoisasparanãonos

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perdermosquandopassarmosaosensaios.Lembrai-vosentãodequeomercúriodosFilósofos,ouseja,asuamatériapreparada,devepossuiravirtude de tingir e que só adquire esta virtude com o auxílio depreparaçõesprévias.

Quanto ao objeto grosseiro da Obra, uns chamam-noMagnesia lunarii; outros, mais sinceros, chamam-noChumbo dosSábios, Saturnia vegetal. Filaleto, Basile Valentin, o Cosmopolita,chamam-noFilho ou Menino de Saturno. Nestas diversasdenominações têm em vista tanto a sua propriedade magnética eatrativadoenxofrecomoasuaqualidadefusível,asuafácilliquefação.Paratodos,éaTerraSanta (Terrasancta );finalmente,estemineraltemporhieróglifocelesteosignoastronômicodoCordeiro(Áries) .GalaemgregosignificaleiteeomercúrioéentãochamadoLeitedeVirgem(lavvirginis).Portanto, irmãos,seprestásteisatençãoaoquedissemosdobolo-Rei e se sabeis por que é que os Egípcios tinham divinizado ogato, não podereis duvidar acerca do objeto que deveis escolher:sabereisfacilmenteoseunomevulgar.PossuireisentãoesseCaosdosSábios no qual todos os segredos escondidos se encontram empotência,comoafirmaFilaleto,osquaisoartistahábilnão tardaráemtornarativos.Abri,ouseja,analisaiestamatéria, trataide isolarasuaporçãopuraouasuaalmametálica,segundoaexpressãoconsagrada,etereisoquermes,oHermes,omercúriotingidorquetememsioouromístico,talcomoS.CristóvãotransportaJesuseocordeirooseuprópriotosão.CompreendereisporqueéqueoTosãodeOuro estásuspensodocarvalho,àmaneiradobugalhoedoquermesepodereisdizer,semofender a verdade, que ovelho carvalho hermético faz de mãe domercúriosecreto.Relacionandolendasesímbolos,far-se-áluznovossoespírito e conhecereis a estreita afinidade que um o carvalho aocordeiro,S.CristóvãoaoMenino-Rei,OBomPastoràovelha, réplicacristãdoHermescrió-foroetc.

Deixaiaentradadacapelaecolocai-vosameiodela;levantaientão os olhos e podereis admirar uma das mais belas coleções deemblemas que se podem encontrar{79}. O teto, composto por caixõesdispostos em três filas longitudinais, é sustentado a meio por doispilares quadrados adoçados às paredes e tendo à frente, entalhadas,quatroestrias.

Odadireita,olhandoaúnicajanelaqueiluminaestepequenocompartimento,tementreassuasvolutasumcrâniohumano,colocadosobreumapeanhade folhasdecarvalhoecomduasasas.Traduçãoexpressivadeumanovageração,saídadessaputrefaçãoconsecutivaà

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mortequeoscorposmistossofremquandoperdemasuaalmavitalevolátil.Amortedocorpoprovocaoaparecimentodeumacoloraçãoazulescuraounegra,própriadoCorvo,hieróglifodocaputmortuumdaObra.Esseéosignoeaprimeiramanifestaçãodadissolução,daseparaçãodoselementosedageraçãofuturadoenxofre,princípiocorantee fixodosmetais.As duasasasestão ali colocadaspara ensinar que, peloabandonodapartevolátileaquosa,seoperaadeslocaçãodaspartes,rompendo-se a coesão. O corpo, mortificado, desfaz-se em cinzasnegras com aspecto de pó de carvão. Depois, sob a ação do fogointrínseco desenvolvido por esta desagregação, a cinza, calcinada,abandona as suas impurezas grosseiras e combustíveis; nasce entãoumsalpuroqueacocçãovaicolorindoapoucoepoucoerevestedopoderocultodofogo(grav.XLIV).

O capitel da esquerda mostra um vaso decorativo cujaembocaduraéflanqueadapordoisdelfins.Umaflor,queparecesairdovaso,abre-sedeformaquelembra a das flores-de-lis da heráldica. Todos estes símbolos dizemrespeito ao dissolvente ou mercúrio comum dos Filósofos, princípiocontráriodoenxofre,doqualvimosaelaboraçãoemblemáticanooutrocapitel.

Nabasedestesdoissuportes,umalargacoroadefolhasdecarvalho, atravessada verticalmente por um feixe decorado com amesma folhagem, reproduz o signo gráfico correspondente na arteespagíricaaonomevulgardoobjeto.Coroaecapitelformamosímbolocompleto da matéria-prima, esse globo que Deus, Jesus e algunsgrandesmonarcasseguramnamãoemalgumasimagens.

Anossaintençãonãoédeanalisarminuciosamentetodasasimagens que decoram os caixões deste teto-modelo do gênero. Oassunto,muitoextenso,necessitariaumestudoespecialeobrigar-nos-iaafreqüentesrepetições.Limitar-nos-emos,portanto,afazerumarápidadescriçãodelesearesumiroqueosmotivosmaisoriginaisexprimem.Entreestesassinalaremos,emprimeirolugar,osímbolodoenxofreeasuaextraçãodamatéria-prima,cujográficoestáfixadoemcadaumdospilares, como acabamos de verificar. É umaesfera armilar, colocadasobreum fogãoacesoequeapresentaKrandesemelhançacomumadas gravuras do tratado do Azoth. Aqui, o braseiro ocupa o lugar deAtlas e esta Imagemda nossa prática,muito instrutiva por simesma,dispensa-nos qualquer comentário. Não longe daqui vemos umacolméia vulgar de palha, rodeada pelas suas abelhas, tema estefreqüentemente reproduzido, particularmente na estufa alquímica deWinterthur. Eis -singular motivo para uma capela! — um menino

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urinando abundantemente para um dos seussocos. Mais adiante, omesmomeninoajoelhadojuntodeumapilhadebarraslisas,seguraumlivroaberto,enquantoaosseuspésjazumaserpentemorta.Devemosdeter-nos ou prosseguir? Hesitamos. Um pormenor situado napenumbradasmoldurasrevelaosentidodopequenobaixorelevo:napeçamaisaltadoconjuntofiguraosinalesteladodoreimagoSalomão.Embaixo,oMercúrio;noalto,oAbsoluto.Processosimplesecompletoqueadmiteapenasumavia,exigeapenasumamatéria,reclamaapenasumaoperação.“AquelequesaberealizaraObraapenaspeloMercúrioencontrou tudoo quehádemais perfeito”. Isto é, pelomenos, o queafirmamosmaiscélebresautores.Éauniãodosdoistriângulosdofogoedaágua,oudoenxofreedomercúrioreunidosnumsócorpo,quedáorigemaoastrodeseispontas,hieróglifodaObraporexcelênciaedaPedraFilosofalrealizada.Aoladodestaimagem,umaoutraapresenta-nosumantebraçoemchamascujamãoagarragrandescastanhas;maisadiante,omesmohieróglifosaindodarochaseguraumatochaacesa;aquiéacornucópiadeAmalteia,transbordantedefloresedefrutos,queserve de poleiro a uma galinha ouperdiz, estandoaaveemquestãopouco caracterizada;mas quer o emblema seja agalinha negra ou aperdiz vermelha, isso nada modifica o significado hermético queexprime.Eisagoraumvasoinvertidoescapado,porseterquebradoolaço, dabocadeum leãodecorativoqueomantinhaemequilíbrio: éumaversãooriginaldosolveetcoaguladeNotre-DamedeParis;segue-se um segundo tema pouco ortodoxo e bastante irreverente: é umacriança tentandoquebrar umrosáriosobreo joelho;maisadianteumagrandeconchamostraumamassafixadasobreelaeligadapormeiodefilatelias espiraladas.O fundodo caixãoque temesta imagem repetequinze vezes o símbolo gráfico, permitindo a identificação exata doconteúdodaconcha.Omesmosigno—substituindoonomedamatéria—aparecealiperto,destavezemtamanhograndeenocentrodeumafornalhaardente.Numaoutra figura,voltaaaparecer-nosomenino—que nos parece desempenhar o papel do artista — com os péspousados na concavidade da famosa concha e lançando para diantedele minúsculas conchas saídas, segundo parece, da grande.Observamos também olivro aberto devorado pelo fogo; apombaaureolada, irradianteeflamejante,emblemadoEspírito;ocorvoígneo,pousado sobre ocrânio, ao qual ele dá bicadas, figuras reunidas damorteedaputrefação;oanjo “que fazgiraromundo” comoumpião,tema retomado e desenvolvido num pequeno livro intituladoTypusMundi{80}, obra de alguns padres jesuítas; a calcinação filosófica,

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simbolizada por umagranadasubmetidaàaçãodo fogonumvasodejoalharia;porcimadocorpocalcinado,distingue-seonúmero3,seguidoda letraR,queindicamaoartistaanecessidadedastrêsrepetiçõesdomesmoprocesso,acercadoqueinsistimosváriasvezes.Finalmente,aimagemseguinterepresentaoluduspuerorumcomentadonoTosãodeOuro de Trismosin e representado de modo idêntico: ummenino fazcaracolear o seu cavalo de pau, com o chicote alçado e ar satisfeito(grav.XLV).

Acabamos a nomenclatura dos principais emblemasherméticosesculpidosnotetodacapela; terminemosesteestudopelaanálisedeumapeçamuitocuriosaeespecialmenterara.

Escavadanaparede,juntodajanela,umapequenacredenciadoséculoXVIatraioolhar,tantopelabelezadasuadecoração,comopelomistériodeumenigmaconsideradocomoindecifrável.Nodizerdonosso cicerone, nunca nenhum visitante conseguiu explicá-la. Estalacuna provém, sem dúvida, de ninguém ter compreendido em quesentidoestavaorientadoosimbolismode todaadecoração,nemqueciênciasedissimulavasobosseusmúltiploshieróglifos.Obelobaixo-relevo doTosão de Ouro , que teria podido servir de guia, não foiconsiderado no seu verdadeiro sentido: permaneceu puni todos umaobramitológicaondea imaginaçãooriental semostradesenfreada.Anossacredencia,noentanto,possuiemsiprópriaamarcaalquímicadequenesta obra descrevemosapenas as particularidades (grav.XLVI).Efetivamente,nospilaresquesustentamaarquitravedeste temploemminiatura,descobrimos,diretamenteabaixodoscapitéis,osemblemasconsagradosaomercúriofilosofal;avieira,conchadeS.Tiagooupiadeágua benta, encimada pelas asas e pelo tridente, atributos do deusmarinhoNetuno.É sempreamesma indicaçãodoprincípioaquosoevolátil. O frontão é constituído por uma grande concha decorativaservindo de apoio a dois delfins simétricos ligados no eixo pelaextremidade. Três granadas em chamas terminam a decoração destacredenciasimbólica.

Oenigmaemsiprópriocontémduaspalavras:RERE,RER,queparecemnãoternenhumsentidoesãoambasrepetidastrêsvezesnofundocôncavodonicho.

Descobrimos já, graças a esta simples disposição, umaindicação preciosa, a dastrês repetições de uma única e mesmatécnica, velada pela misteriosa expressãoRERE, RER. Ora, astrêsgranadas ígneas do frontão confirmam esta tripla ação de um únicoprocessoe,comorepresentamofogocorporificadonessesalvermelho

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que é o Enxofre filosofal, compreendemos facilmente que sejanecessáriorepetirtrêsvezesacalcinaçãodestecorpopararealizarastrêsobrasfilosóficas,segundoadoutrinadeGeber.AprimeiraoperaçãoconduzprimeiroaoEnxofre,oumedicinadaprimeiraordem;asegundaoperação, absolutamente semelhante à primeira, fornece oElixir oumedicina da segunda ordem, que só é diferente doEnxofreemqualidade e não em natureza; finalmente, a terceira operação,executada como as duas primeiras, dá aPedra filosofal,medicina daterceiraordem,quecontémtodasasvirtudes,qualidadeseperfeiçõesdoEnxofreedoElixirmultiplicadasempodereextensão.Deresto,seseperguntaremqueconsisteecomoseexecutaatriplaoperaçãocujosresultadosexpomos, remetemosopesquisadorparaobaixo-relevodotetoondesevêarderumagranadanumcertovaso.

Mas como decifrar o enigma das palavras destituídas desentido? De uma maneira muito simples.RE, ablativo latino deres,significaacoisa,encaradanasuamatéria;vistoqueapalavraREREéareuniãodeRE,umacoisaedeREoutracoisa,traduziremosporduascoisasnuma,ouporumaduplacoisa eREREequivaleria assim aREBIS.Abriumdicionáriohermético,folheaiqualquerobradealquimiaevereisqueapalavraREBISfreqüentementeempreguepelosFilósofoscaracterizaoseucomposto,prontoasofrerassucessivasmetamorfosessob a influência do fogo. Resumindo:RE, uma matéria seca,ourofilosófico;RE,umamatériaúmida,mercúriofilosófico;REREouREBIS,umamatériadupla,simultaneamenteúmidaeseca,amálgamadeouroedemercúriofilosóficos,combinaçãoquerecebeudanaturezaedaarteumaduplapropriedadeocultaexatamenteequilibrada.

GostaríamosdesertambémclarosnaexplicaçãodosegundotermoRER,mas não nos é permitido rasgar o véu demistério que oencobre.Todavia,afimdesatisfazernamedidadopossívelalegítimacuriosidadedosfilhosdaarte,diremosqueestastrêsletrascontêmumsegredodecapital importância,queserelacionacomovasodaObra.RERserveparacozer,unirradicalmenteeindissoluvelmente,provocarastransformaçõesdocompostoRERE.Comodarindicaçõessuficientessemcometerperjúrio?NãovosfieisnoquedizBasileValentinnassuasDouze Clefs e livrai-vos de tomar as suas palavras à letra, quandopretende que “aquele que tem a matéria encontrará sem dúvida umrecipienteparacozê-la”.Afirmamos,pelocontrário—epodemfazerfénanossasinceridade—queseráimpossívelobteromenorsucessonaObrasenãosepossuirumconhecimentoperfeitodoqueéoVasodos

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Filósofos,edequemaneirasedevefabricá-lo.Pontanusconfessaqueantesdeconhecerestevasosecretotinharecomeçadosemsucessoomesmo trabalhomaisdeduzentasvezes,embora trabalhassecomasmatériasprópriaseconvenientesesegundoométodoregular.Oartistadevefazer ele próprio o seu vaso: é uma máxima da arte. Nãocompreendereis coisa nenhuma, portanto, enquanto não tiverdesrecebido toda a luz nessa concha do ovo qualificada desecretumsecretorumpelosmestresdaIdadeMédia.

Que é entãoRER? — Vimos queRE significauma coisa,umamatéria;R, que é ametade deRE, significaráuma metade decoisa,dematéria.RERequivaleentãoaumamatériaaumentadacomametadedeoutraoudasua.Notaiquenãosetrataaquideproporçõesmas de uma combinação química independente das quantidadesrelativas. Para melhor nos fazermos compreender, tomemos umexemploesuponhamosqueamatériarepresentadaporRE érosalgarousulfuretonaturaldearsênico.R,metadedeRE,poderáentãoseroenxofre dorosalgar ou o seuarsênico, que são semelhantes oudiferentesconformeseencaraoenxofreeoarsênicoseparadamenteoucombinados no rosalgar. De tal maneira queRER será obtido pelorosalgar acrescentado com o enxofre, que é considerado comoconstituindo a metade do rosalgar ou do arsênico, encarado como aoutrametadedomesmosulfuretovermelho.

Algunsconselhosainda:procuraiRERprimeiroquetudo,ouseja,ovaso.REREseráemseguidafacilmentereconhecívelparavós.A Sibila, interrogada acerca do que era um Filósofo, respondeu: “Éaquelequesabefazerovaso”.Aplicai-vosafabricá-losegundoanossaarte,semlevarmuitoemcontaosprocessosdefabricaçãodevidro.Aindústria do oleiro ser-vos-ia mais instrutiva; vede as pranchas dePiccolpassi{81}, encontra-reis uma que representa umapomba cujaspatas estão ligadas a uma pedra. Acaso não devereis, segundo oexcelenteconselhodeTollius,procurareencontraromagistérionumacoisavolátil?Mas senãopossuis nenhumvasopara a reter, comoaimpedireisdeseevaporar,desedissiparsemdeixaromenorresíduo?Fazeientãoovossovaso,depoisovossocomposto;selaicomcuidado,de maneira que nenhum espírito se possa exalar; aquecei o todosegundo a arte até à calcinação completa. Tornai a colocar a porçãopura do pó obtido no vosso composto, que selareis nomesmo vaso.Repetipelaterceiravezenãonosagradeçais.ÉaoCriadorapenasquedevemserdirigidasasvossasaçõesdegraças.Paranós,quesomosapenas um marco no grande caminho da Tradição esotérica, nada

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reclamamos,nemrecordaçãonemreconhecimento,apenasquetenhaiscomoutrosomesmotrabalhoquetivemosconvosco.

A nossa visita está concluída. Uma vez mais pensativa emuda, a nossa admiração interroga estes maravilhosos esurpreendentesparadigmas, cujoautor foi tanto tempo ignoradopelosnossos. Existirá algures um livro escrito pela suamão?Nada pareceindicá-lo.Semdúvida,aexemplodosgrandesAdeptosdaIdadeMédia,preferiu confiar à pedra, mais do que ao pergaminho, o testemunhoirrecusáveldeumaciênciaimensa,daqualpossuíatodosossegredos.Époisjusto,éretoqueasuamemóriarevivaentrenós,queoseunomesaia finalmente da obscuridade e brilhe como um astro de primeiragrandezanofirmamentohermético.

JeanLallemant, alquimista e cavaleiro daTávolaRedonda,merecetomarlugaremvoltadosantoGraal,deaícomungarcomGeber(Magistermagistrorum), com Roger Bacon (Doctor admirabilis). Igual,pela extensão do saber, ao poderoso Basile Valentin, ao caritativoFlamel, é-lhes superior pela expressão de duas qualidades,eminentementecientíficasefilosóficas,quelevouaomaisaltograudeperfeição:amodéstiaeasinceridade.

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ACRUZCÍCLICADEHENDAIAPequenacidadefronteiriçadopaísbasco,Hendaiareúneas

suascasitasaopédosprimeiroscontrafortespirenaicos.Enquadram-nao oceano verde, o grande Bidassoa, brilhante e rápido, os montescobertos de ervas. A primeira impressão, ao contactar com este soloásperoerude,émuitoincomoda,quasehostil.Nohorizontemarítimo,apontaquePuenterrabia,ocresobaluzcrua,afundanaságuasglaucasereverberantesdogolfo,rompedificilmenteaausteridadenaturaldeumsítioferoz.Salvoocaráterespanholdassuascasas,otipoeoidiomados seus habitantes, a atração muito especial de uma praia nova,coberta deorgulhosospalácios,Hendaia nada temquepossa reter aatençãodoturista,doarqueólogooudoartista.

Ao sair da estação, um caminho agreste acompanha a viaférreaeconduzàigrejaparoquial,situadanocentrodacidade.Osseusmurosnus,flanqueadosporumatorremaciça,quadrangularetruncada,erguem-sesobreumadrocomalgunsdegrausecircundadodeárvoresde espessa folhagem. Edifício vulgar, pesado, modificado, seminteresse.Pertodotranseptomeridional,noentanto,umahumildecruzdepedra,tãosimplescomocuriosa,dissimula-sesobasmassaverdesdoadro.Elaornamentavaoutroraocemitériocomunalefoiapenasem1842queatransportaramparajuntodaigreja,paraolugarqueocupahoje.Essafoi,pelomenos,ainformaçãoquenosdeuumvelhotebascoque tinha cumprido durante anos as funções de sacristão. Quanto àorigemdestacruz,édesconhecidaefoi-nosimpossívelobteramínimainformação acerca da época da sua ereção. Todavia, tomando comopontos de apoio a forma da base e da coluna, pensamos que nãopoderá ser anterior ao final do século XVII ou ao começo do séculoXVIII. Seja qual for a sua antigüidade, a cruz de Hendaia, peladecoração do seu pedestal, apresenta-se como o mais singularmonumentodoprimitivomilenarismo,amaisraratraduçãosimbólicadoQuiliasmoquejamaisencontramos.Sabe-sequeestadoutrina,primeiroaceite e depois combatida porOrígenes, S. Dinis de Alexandria e S.Jerônimo, embora a Igreja não a tenha condenado, fazia parte dastradiçõesesotéricasdaantigafilosofiadeHermes.

Aingenuidadedosbaixos-relevos,asuaimperfeitaexecuçãofazem-nospensarqueestesemblemas lapidaresnãosãoobradeumprofissional do cinzel e do buril; mas, abstração feita da estética,devemosreconhecerqueoobscuroartesãodestasimagensencarnava

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umaciênciaprofundaereaisconhecimentoscosmográficos.Nobraçotransversaldacruz—umacruzgrega—salienta-se

a inscrição vulgar, bizarramente talhada em relevo em duas linhasparalelas, com as palavras quase soldadas umas às outras e cujadisposiçãorespeitamos:

OCRUXAVESPESUNICA

Claro que a frase é fácil de recompor e o sentido bem

conhecido:Ocruxavespesúnica.Noentanto,setraduzíssemoscomoumnovato,nãocompreenderíamosmuitobememquedevíamos ficar,no pedestal ou na cruz, e tal invocação resultaria surpreendente. Naverdade, deveríamos levar a desenvoltura e a ignorância até aodesprezo das regras elementares da gramática: pes, no nominativomasculino, exige o adjetivounicus que é domesmo gênero, e não ofemininoúnica. Parecia, portanto, que a deformação da palavraspes,esperança, empes, pé, por ablação da consoante inicial, fosse oresultado involuntário de uma falta absoluta de prática do nossoinscultor. Mas a inexperiência justificará realmente semelhanteraridade?Nãopodemosadmiti-lo.

Efetivamente, a comparação dos motivos executados pelamesmamãoedamesmamaneirademonstraaevidentepreocupaçãocomacolocaçãonormal,ocuidadonasuadisposiçãoeequilíbrio.Porque razão a inscrição teria sido tratada com menos escrúpulo? Umexameatentodestapermiteestabelecerqueoscaracteressãonítidos,senãoelegantes,enãotocamunsnosoutros(grav.XLVII).Semdúvidaqueonossoartesãoos traçoupreviamentecomgizoucarvãoeesteesboçoafasta,necessariamente,todaaidéiadeumerrosurgidoduranteo trabalho de talha. Mas como esse erro existe, é necessário,conseqüentemente, que esse erro aparente tenha sido desejado. Aúnica razão que podemos invocar é a de umsinal colocado depropósito, velado sob o aspecto de inexplicável falta e destinado aespicaçaracuriosidadedoobservador.Diremos,portanto,quesegundoanossaopinião,foirefletidaevoluntariamentequeoautordispôsassimaepígrafedasuaperturbadoraobra.

Oestudodopedestaltinha-nosjáesclarecidoesabíamosdequemaneira,comoauxíliodequechave,convinhalerainscriçãocristãdo monumento; mas desejamos mostrar aos investigadores o auxílioque o simples bom senso, a lógica e o raciocínio podem dar na

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resoluçãodascoisasocultas.A letraS, que adota a forma sinuosa da serpente,

corresponde aokhi ( ) da língua grega e adquire o seu significadoesotérico.Éorastohelicoidaldosolquechegouaozênitedasuacurvaatravésdoespaço,naalturadacatástrofecíclica.ÉumaimagemteóricadabestadoApocalipse,dodragãoquevomita,nosdiasdoJulgamento,o fogo e o enxofre sobre a criação macro-cósmica. Graças ao valorsimbólicodaletraS,propositadamentedeslocada,compreendemosquea inscriçãosedeve traduzir em linguagemsecreta, ou seja, nalínguadosdeusesounadasaves,equeénecessáriodescobrir-lheosentidocomoauxíliodasregrasdaDiplomática.Algunsautores,especialmenteGrasset d'Orcet, na análise doSonge de Polyphile, publicado pelaRevue Britannique, expuseram-nos bastante claramente, o que nosdispensa de falar deles. Leremos então em francês, língua dosdiplomatas,olatimtalcomoestáescrito;depois,empregandoasvogaispermutantes,obteremosaassonânciadepalavrasnovas,constituindoumaoutra frasedaqual restabeleceremosaortografiaeaordemdosvocábulos,assimcomoosentidoliterário.Destemodo,recebemosestesingularaviso:IIestécritqueIavieserefugieenunseulespace{82}(estáescritoqueavidaserefugianumsóespaço)eaprendemosqueexisteumaregiãoemqueamortenãoatingiráohomem,naterrívelalturadoduplocataclismo.Quantoàsituaçãogeográficadestaterraprometidadeonde os eleitos assistirão ao retorno da Idade do Ouro, cabe-nosprocurá-la.Porqueoseleitos, filhosdeElias, serão salvos segundoapalavra da Escritura. Porque a sua fé profunda, a sua incansávelperseverança no esforço os farãomerecedores de serem elevados àcategoriadediscípulosdoCristo-Luz.Levarãooseusinalereceberãodele a missão de renovar na humanidade regenerada a cadeia dastradiçõesdahumanidadedesaparecida.

A face anterior da cruz — a que recebeu os três pregoshorríveisquefixaramàmadeiramalditaocorpodolorosodoRedentor—é definida pela inscriçãoINRI, gravada no braço transversal.Correspondeàimagemesquemáticadocicloquevemosnabase(grav.XLVIII). Temosportanto aqui duas cruzes simbólicas, instrumentos domesmosuplício:noalto,acruzdivina,exemplodomeioescolhidoparaa expiação; em baixo, a cruz do globo, determinando o pólo dohemisférioboreal e situando no tempo a época fatal dessa expiação.DeusPai segura namão este globo encimado pelosignoígneo e osquatro grandes séculos — figuras históricas das quatro idades domundo—têmosseussoberanosrepresentadoscomomesmoatributo:

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Alexandre,Augusto,CarlosMagnoeLuísXIV{83}.ÉissooqueensinaaepígrafeINRI, quese traduzesotericamenteporIesusNazarenusRexIudaeorum, mas que deriva da cruz a sua significação secreta:IgneNaturaRenovaturIntegra.Porqueécomaajudadofogoepeloprópriofogoqueonossohemisférioseráembrevepostoàprova.Etalcomoseseparaoourodosmetaisimpuroscomoauxíliodofogo,também,dizaEscritura, os bons serão separados dos maus no grande dia doJulgamento.

Em cada uma das quatro faces do pedestal vemos umsímbolodiferente.UmatemaimagemdoSol,outraadaLua,aterceiramostra uma grande estrela e a última uma figura geométrica que,acabamosdedizê-lo,éapenasoesquemaadotadopelosiniciadosparacaracterizarociclosolar.Éumsimplescírculoquedoisdiâmetros,quesecruzamemânguloreto,dividememquatrosetores.EstestêmumAque os designa como as quatro idades do mundo, neste hieróglifocompletodouniverso,formadopelossignosconvencionaisdocéuedaterra,doespiritualedotemporal,domacro-cosmosedomicrocosmos,onde se encontram associados os emblemas maiores da redenção(cruz)edómundo(círculo).

Na época medieval estas quatro faces do grande períodocíclico,cuja rotaçãocontínuaaAntigüidadeexprimiacomoauxíliodeumcírculodivididopordoisdiâmetrosperpendiculares,eramgeralmenterepresentadaspelosquatroevangelistasoupelasualetrasimbólicaqueera o alfa grego e, mais freqüentemente ainda, pelos quatro animaisevangélicosrodeandoCristo,figurahumanaevivadacruz.Éafórmulatradicional que se encontra muitas vezes nos tímpanos dos pórticosromanos. Jesus aparece sentado, comamão esquerda apoiada numlivro, a direita levantada no gesto da benção, e separado dos quatroanimaisque lheservemdecompanhiapelaelipsechamadaAmêndoamística. Estes grupos, geralmente isolados das outras cenas por umagrinalda de nuvens, apresentam figuras sempre colocadas namesmaordem,talcomosepodeobservarnascatedraisdeChartres(portalreal)edoMans (pórticoocidental), na igrejadosTempláriosdeLuz (AltosPirinéus),nadeCivray(Viena),nopórticodeSaintTrophimed'Arlesetc.(grav.XLIX).

“Haviatambémdiantedotrono,escreveS.João,ummardevidro semelhante ao cristal; e no meio do trono e à volta do tronoestavam quatro animais cheios de olhos à frente e atrás. O primeiroanimal parecia-se com um leão; o segundo parecia um novilho; oterceiro tinha o rosto como o de um homem e o quarto parecia uma

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águiaquevoa{84}”.NarraçãodeacordocomadeEzequiel:“Vientão...umagrandenuvemeumfogoquearodeavaeum

esplendoratodaavolta,enomeiovia-secomoqueummetalquesaido fogo; e nomeio deste fogo via-se uma coisa parecida comquatroanimais...Eassuas facesassemelhavam-seaumrostodehomem;etodosquatrotinhaumrostodeleãoàdireita;etodosquatrotinhamumaface de boi à esquerda e todos quatro tinhamum rosto de águia porcima{85}”.

Namitologiahinduosquatrosectoresiguaisdocírculoqueacruzdivideserviamdebaseaumaconcepçãomísticabastantesingular.Ociclointeirodaevoluçãohumanaencarna-seaísobaformadeumavaca, simbolizandoaVirtude, cujasquatropatas repousamcadaumasobreumdossectoresrepresentandoasquatroidadesdomundo.

Na primeira idade que corresponde à Idade do Ouro dosgregosequesechamaCredayugam,ou idadedainocência,aVirtudemantém-sefirmesobreaterra:avacaapóia-secompletamentesobreasquatropatas.NaTredayugam,ousegundaidade,aqualcorrespondeàIdadedaPrata,enfraqueceeapóia-seapenasemtrêspatas.DuranteaTuvabarayugam,outerceiraidade,queéadoBronze,estáreduzidaaduaspatas.Finalmente,naIdadedoFerro,queéanossa,avacacíclicaouVirtudehumanaatingeosupremograudefraquezaedesenilidade:mantém-sedepécomdificuldade,emequilíbriosobreumaúnicapata.Éaquartaeúltimaidade,aCalyugam,idadedemiséria,deinfortúnioededecrepitude.

AIdadedoFerrotemporsímboloodaMorte.Oseuhieróglifoé o esqueleto provido dos atributos de Saturno: a ampulheta vazia,representaçãodo tempocumprido,ea foice, reproduzidapelonúmerosete,queéonúmerodatransformação,dadestruição,daaniquilação.OEvangelhodestaépocanefastaéoquefoiescritosobainspiraçãodeS.Mateus.Matthaeus,emgrego ,vemde ,,quesignificaciência.Estapalavradeuorigema ,, estudo, conhecimento de , aprender, instruir-se. É oEvangelhosegundoaCiência,oúltimodetodos,masoprimeiroparanós, porque nos ensina que salvo um pequeno número de eleitosdevemos perecer coletivamente. Também o anjo foi atribuído a S.Mateus, porque a ciência, a única capaz de penetrar o mistério dascoisas,odosseresedoseudestino,podedaraohomemasasparaqueeleseeleveatéaoconhecimentodasmaisaltasverdadesechegueatéDeus.

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CONCLUSÃO

Scire.Potere.Audere.Tacere.Zoroastro

A Natureza não abre a todos indistintamente a porta do

santuário.Nestaspáginas,oprofanodescobrirátalvezalgumaprovade

uma ciência verdadeira e positiva. No entanto, não poderíamospersuadir-nos de convertê-lo porque não ignoramos como ospreconceitos são tenazes, como é grande a força das idéiaspreconcebidas.Odiscípulo tirarámais proveito dele, coma condição,todavia, de não desprezar as obras dos velhos Filósofos, de estudaratentamente os textos clássicos, até que tenha adquirido suficienteclarividênciaparadiscernirospontosobscurosdomanualoperatório.

Ninguémpode pretender possuir o grandeSegredo se nãofizer concordar a sua existência com o diapasão das pesquisasempreendidas.

Não basta ser estudioso, ativo e perseverante, se falta oprincípiosólido,debaseconcreta,seoentusiasmo imoderadocegaarazão, se o orgulho tiraniza a capacidade de julgar, se a avidez sedesenvolvesobobrilhodeumastrodeouro.

A Ciência misteriosa exige muita justeza, exatidão,perspicácianaobservaçãodosfatos,espíritosão, lógicoeponderado,umaimaginaçãovivasemexaltação,umcoraçãoardenteepuro.Exige,alémdisso,amaiorsimplicidadeeabsolutaindiferençaemrelaçãoàsteorias, sistemas, hipóteses que, fazendo-se fé nos livros ou nareputação dos autores, se admitem geralmente sem controle. Desejaqueosaspirantesaprendamapensarmaiscomoseucérebroemenoscomodosoutros.

Pede-lhes, enfim, que procurem a verdade dos seusprincípios, o conhecimento da sua doutrina e a prática dos seustrabalhosnaNatureza,nossamãecomum.

Peloexercícioconstantedasfaculdadesdeobservaçãoederaciocínio,pelameditação,oneófitosubiráosdegrausqueconduzemao

SABER.Aimitaçãosimplesdosprocessosnaturais,ahabilidadejunta

aoengenho,asluzesdeumalongaexperiênciaassegurar-lhe-ãoo

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PODER.Realizador,teráaindanecessidadedepaciência,constância,

vontade inquebrantável. Audaz e resoluto, a certeza e a confiançanascidasdeumaférobustapermitir-lhe-ãotudo

OUSAR.Finalmente,quandoosucessotiverconsagradotantosanos

laboriosos, quando os seus desejos se tiverem realizado, o Sábio,desprezandoasvaidadesdomundo,aproximar-se-ádoshumildes,dosdeserdados,de todososque trabalham, sofrem, lutam,desesperamechoramnestemundo.Discípulo anônimoemudodaNaturezaeterna,apóstolodaeternaCaridade,permaneceráfielaoseuvotodesilêncio.

NaCiência,noBem,oAdeptodeveparasempreCALAR-SE.

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{1}Cf.Alchimie,pág.137.J.J.Pauvertéditeur.

{ }Cercade1664,queéoanodaedição“princeps”edesaparecidadoVitulusAureus{ }Orarium,quodvulgostoladicitur.(GlossariumCangii)Orarium,oquevulgarmentesechamaestola.(GlossairedeDuCange.)

{ }J.F.Colfs,LaFiliationgénéalogiquedetouteslesÉcolesgothiques.Paris,Baudry,1884.{ }Estediaécélebreentreosdiascélebres!Estediaédiadefestaentreosdiasdefestal{ }G.J.Witkowski,L’ArtProfaneàL’Église.Etranger.Paris,Schemit,1908,pág.35.

{ }PiãocomperfildeTauouCruz.Emcabala,sabotequivaleacabotouchabot,ochatbotté(gatodebotas)das“históriasdacarochinha”.AbolachadaEpifaniacontém,porvezes,umsabotemvezdeumafava.

{ } Noël du Fail, Propôs rustiques, baliverneries, contes et discours d'Eutrapele (cap.X). Paris,Gosselin,1842.

{ } Nas catedrais tudo era dourado e pintado de cores vivas. Possuímos o texto deMartyrius, bispo eviajantearmêniodoséc.XV,quedissodátestemunho.EsteautordizqueoportaldeNotre-DamedeParisresplandeciacomoaentradadoParaíso.Viam-seaíapúrpura,orosa,oazul,aprataeoouro.Podemaindaperceber-se traços do dourado no cimo do tímpano do grande portal. O da igreja de Saint-Germain-l’Auxerroisconservouassuaspinturas,asuaabóbadaazulada,consteladadeouro.

{ }Souffleur,simplesempírico,contráriodoAdepto,queéoverdadeiroalquimista.(N.doT.){ }LaViedeGargantuaetdePantagruel,porFrançoisRabelais,éumaobraesotérica,umromancedeargot.ObomcuradeMeudonrevela-senelacomoumgrandeiniciado,alémdeumcabalistadeprimeiraordem.{2}Tour,aTournurebaempregueporbel.

{ }Tirésias,diz-se,tinhaperdidoavistaporterdesvendadoaosmortaisossegredosdoOlimpo.Viveu,noentanto,“sete,oitoounoveidadesdehomem”eteriasidosucessivamentehomememulher!

{ }Filósofocujavida,plenadelendas,demilagres,defeitosprodigiosos,parecemuitohipotética.Onomedeste personagem quase fabuloso parece-nos ser apenas uma imagemmítico-hermética do composto, ourebisphilosophal,realizadopelauniãodoirmãoedairmã,deGabritiusedeBeya,deApoioedeDiana.Apartirdaí,asmaravilhascontadasporFilostrato,sendodeordemquímica,nãopoderiamsurpreender-nos.

{ }AbadeAnsault,LacroixavantJésus-Chnst.Paris,V.Rétaux,1894.{ }Amyraut,ParaphrasedeIaPremièreEpitredeSaintPierre(cap.II,v.7).Saumur,JeanLesnier,1646,pág.27.

{ }LaGrandeEncyclopédie.Art.Labyrinthe,t.XXI,pág.703.{ } De Nuysement,Poèmephiosophic de IaVérité de IaPhisiqueMineralle, inTraittez del'HarmonieetConstitutiongeneralleduVraySel.Paris,PérieretBuisard,1620e1621,pág.254.

{ }Aconvaláriapoligonada,vulgarmenteSelo-de-Salomão,deveoseunomeaoseucaulecujaseçãoéestreladacomoosinalmágicoatribuídoaoreidosIsraelitas,filhodeDavid.

{ }Cabalisticamente,l’orenté,oouroenxertado.{ }Varro,emServius,Æneid,t.III,pa'g.386.

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{ }OpusimperfectuminMattheum.Hom.II,juntoàsœuvresdesaintJeanChrysastome.Patr.grecque,t.LVI,pág.637,

{ }Apocryphes,t.II,pág.469.{ }JuliusAfricanus,emPatr.grecque,t.X,págs.97e107.{ }EpístolaaosEfésios,c.XIX.{ }HuginusdeBarma.LeRègnedeSaturnechangéeuSiècled’Or,Paris,Derieu,1780.{ } Calcidius,Comm. inTimaeumPLatonis, c. 125; emFrag. philosophorumgraecorum deDidot,t,II,pág.210.—ÉevidentequeCalcidiussedirigeauminiciado.

{ }DiodorodeTarso,DoDestino,emPhotius,cod.233;Patr.grecque,t.CIII,pág.878.{ }A.Bonnetty,DocumentshistoriquessurIaReligiondesRomains,t.II,pág.564.{ }G.J.Witkowski,Vartprofaneàl’Église.France.Paris,Schemit,1908,pág.382.

{ }Ch.Bigarne,ConsidérationssurleCulted'ÍsischezlesEduens.Beaune,1862.{ }AÍsis,ouàVirgemdequemoFilhonascerá.{ }LaGrandeEncyclopédie,t.XXVIII,pág.761.{ }CamilleFlammarion,L’Atmosphère.Paris,Hachette,1888,pág.362.{ }Cf.L’Artprofaneà,l'Êglise.Etranger.Op.Cit.,pág.26.{ }AmédéedePonthieu,LegendesduVieuxParis.Paris,Bachelin-Deflorenne,1867,pág.91.{ }Engendradopelosoloupeloouro.{ }Éapedraangulardequefalamos.{ }OsTermeserambustosdeHermes(Mercúrio).{ }ŒuvresdeNicolasGrosparmyetNicolasValois.Mss.biblioth.del'Arsenal,n.°2516(166S.A.F.),pág.176.{3}Etteilla,LeDenierduPauvre,emSeptnuancesdel’Œuvrephilosophique,s.1.n.d.(1786),pág.57.{4}Éo títulodecélebresmanuscritosalquímicosdeAgrícolaedeTicinensis.Cf. bitaliot. deRennes(159);deBordeaux(533);deLyon(154);deCambrai(919).{5}Obarretefrígio,queerausadopelos“sans-culottes”econstituíaumaespéciede talismãprotetor no meio das hecatombes revolucionárias, era o sinal distintivo dos Iniciados. NaanálisequefazdeumaobradeLombard(deLangres)intituladaHistoiredesJacobins,depuis1789 jusqu'à ce jour, ouÉtat de l’Europe enNovembre 1820 (Paris, 1820), o sábioPierreDujols escreve que no grau de Epopta (nos Mistérios de Elêusis) “perguntava-se aorecipiendário se sentia a força, a vontade e a abnegação necessárias parametermãos àGRANDEOBRA.Então colocavam-lhe umbarrete vermelho na cabeça, pronunciando estafórmula:'Cobre-tecomestebarrete,elevalemaisdoqueacoroadeumrei'.Estava-selongedesuspeitarqueestaespéciedechapéu, chamadoLibérianasMitríacas,equedistinguiaoutroraosescravos libertos, fosseumsímbolomaçônicoeoatributosupremoda Iniciação.Nãodevemos,portanto,admirar-nosdeencontrá-lorepresentadonasnossasmoedasenosnossosmonumentospúblicos”.

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{6}Cf.J.MangindeRichebourg,BibliothèquedesPhilosophesChimiques.Paris,1741,t.II,tratadoVII.{7}“Reparanestecarvalho”,dizsimplesmenteFlamelnoLivredesFigureshiéroglyphiques.{8}Cf.Noël,DictionnairedeIaFableParis,LeNormant,1801.{9}AzothouMoyendefairel'OrcachêdesPhilosophes,porFreiBasileValentin.Paris,PierreMoet,1659,pág.51.{10}G.J.Witkowski,L’Artprofaneàl’Êglise.Étranger,pág.63.{11}“EnquantoosangueescorredabenditaferidadeCristoeasantaVirgemapertaoseuseiovirginal,oleiteeosanguejorramemisturam-se,etornam-seaFontedaVidaeoManancialdoBem”.{12}RecueildeSeptFigurespeintes.Bibliot.doArsenal,n.°3047(153S.A.F.).{13}Cf.Trismosin,LaToysond'Or.Paris,Ch.Sevestre,1612,pág.52.{14}LeBreton,ClefsdeIaPhilosophieSpagyrique.Paris,Jombert,1722,pág.282.{15}LaNatureàDécouvert,peloChevalierIncónnu.Aix,1669.{16}LaClefduCabinethermétique.Man.doséc.XVIII.Anon.,s.1.n.d.{17}Bernardo,oTrevisano,LaParoedélaissée.Paris,JeanSara.1618,pág.39.{18}Oautor,comestenome,pretendereferir-seaRaymondLulle(DoctorIlluminatus).{19}Dá-seonomedeChaveatodaadissoluçãoalquímicaradical(ouseja,irredutível)e,porvezes,estetermoéextensivoaosmênstruosoudissolventescapazesdeefetuá-la.{20}LeFiletd'Ariadne.Paris,d'Houry,1695,pág.99.{21} Com um comentário de Limojon de Saint-Didier, noTriomphehermétique ouIa Pierrephilosophalevictorieuse.Amsterdam,Weitsten,1699,eDesbordes,1710.

EstaobrararafoireeditadaporAtlantis,incluindoofrontispíciosimbólicoeasuaexplicação,freqüentementeausentesnosexemplaresantigos.

{22}SecretLivred'Artephius,emTroisTraitezdeIaPhüosophienaturelle.Paris,Marette,1612.{23}Pontanus,DeLapidePhilosophico.Francofurti,1614{24}ManuscritodaBibliothèquenationale,1969.{25}FrédéricPortal.DesCoulcursSymboliques.Paris,TreutteletWürtz,1857,pág.2.{26}Cf.oDenierduPauvreouIaPerfectiondesMétaux.Paris(cercade1785),pág.58.{27}Essequadroteriasidopintadonosmeadosdoséc.XVII.{28} J. Tollius,Le Chemin du Ciei Chymique. Trad. deManuductio ad Coelum Chemicum.Amstelaedami,Janss.Waesbergios,1688.{29}Lenglet-Dufresnoy,HistoiredeIaPhilosophieHermétique.—L’EntrèeauPalaisFerméduRoy,t.II,pág.35.Paris.Coustelier,1742.{30}Esteimóvel,construídodepedrastalhadasecomaalturadeseisandares,estásituadonoXVIIdistrito,naesquinadoboulevardPéreirecomaRuedeMonbel.TambémemTousson,pertodeMalesherbes(Seine-et-Oise),umavelhacasadoséc.XVIII,debeloaspecto,temnafachada, gravada em caracteres da época, a seguinte inscrição, de que respeitamos adisposiçãoeaortografia:

ParunLaboureurjefusconstruite.

sansintérêtetd'undonzellé,ilm'anomméePIERREBELLE.

1762PorumLavradorfuiconstruída.

seminteresseecomdomzelosochamou-mePEDRABELA.

1762

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(AalquimiatinhatambémonomedeAgriculturacelesteeosseusAdeptosodeLavradores).

{31}Videsupra,pág.96{32}Cf.asDouzeClefsdeIaPmiosopmedeFreiBasileValentim.Paris,Moet,1659,clef.12.ReeditadasporLesÊditionsdeMinuit(1956).{33}DeRespour,RaresExpériencessurl’Espritmineral.Paris,LangloisetBarbin,1668.{34}NouvelleLumièrechymiaue.TraitéduSoufre,pág.78.Paris,d'Houry,1649.{35}ImpressosnaseqüênciadasŒuvrestantMédicinalesqueChymiques,doR.P.deCastaigne.Paris,deIaNove,1681.{36}SabineStuartdeChevalier,DiscoursphilosophiquessurlesTroisPríncipes,ouIaClefduSanctuairephilosophique.Paris,Quillau,1781.{37}LaCabaleIntellective,manuscritodaBibliotecadoArsenal,S.eA.72,pág.15.{38}NouvelleLumièrechymique.TraitéduMercure,chap.IX,pág.41.Paris,Jeand'Houry,1649.{39}DictionnairedesArtsetdesSciences,art.Rose-Croix.Paris,Coignard,1731.{40} Entre os mais célebres centros de iniciação deste gênero citaremos asOrdens dosIluminados, dos Cavaleiros da Águia Negra, das Duas Águias, do Apocalipse; os IrmãosIniciadosdaÁsia,daPalestina,doZodíaco;asSociedadesdos IrmãosNegros,dosEleitosCoëns,dosMopses,dasSeteEspadas,dosInvisíveis,dosPríncipesdaMorte;osCavaleirosdo Cisne (instituída por Elias), os Cavaleiros do Cão e do Galo, os Cavaleiros da TávolaRedonda,daGineta,doCardo,doBanho,doAnimalMorto,doAmaranteetc.{41}GrillotdeGivry,LeGrandOeuvre.Paris,Chacornac,1907,pág.27.{42} EmS. Pedro deRoma, amesma porta, chamadaPorta Santa ou Jubilar, é dourada eentaipada;oPapaabre-aagolpesdemartelo todososvinteecincoanos,ouseja,quatroanosemcadaséculo.{43}AzothouMoyendefairel'OrcachêdesPhilosophes.Paris,PierreMoet,1659,pág.140.{44}SalomonTrismosin,LaToysond'Or.Paris,Ch.Sevestre,1612.págs.72e110.{45}Cyliani,Hermesdévoilé.Paris,F.Locquin,1832.{46}H.deLintaut,L’Aurore.Manusc.bibliot.doArsenal,S.A.F.169,n.°3020.{47}J.-F.Henckel,TraitédeVAppropriation.Paris,ThomasHérissant,1760,pág.375,§416.{48}DeLaborde,ExplicationsdeL’Enigmetrouvéeàunpilierdel’EgliseNotre-DamedeParis.Paris,1636.{49} O itinerário já não é válido, visto que há seis anos o pilar simbólico, objeto de umaveneraçãobem justificada, voltouaNotre-Dame,não longedo lugarque foioseudurantemaisdequinhentosanos.Comefeito,podereisencontrá-lonumcompartimentodetetoaltoecruzadoporogivasabatidasdatorrenorte—aqual,cedooutarde,seráadaptadaamuseu—epossui,aosul,asuaréplicaexatadooutroladodaplataformadograndeórgão.Provisoriamente,acuriosidade,qualquerquesejaasuanatureza,nãosesatisfaztãofacilmente e incitará o visitante até ao novo refúgio da escultura iniciática.Mas, ai dele, aíespera-o uma surpresa que o entristecerá logo em seguida e que reside na amputação,infinitamente lamentável, de quase todo o corpo do dragão, agora reduzido à sua parteanterior,aindaprovidadasduaspatas.Oanimalmonstruoso,comagraçadeumenormelagarto,estreitavaoAthanor,deixandonaschamasopequenoreitriplamentecoroadoqueéofilhodassuasobrasviolentassobreamorteadúltera.Sóévisívelorostodacriançamineral,quesofreas“lavagensígneas”dequeNicolasFlamel fala.Estáenvolvidoem faixase cordões, segundoamodamedieval, comoaindasepodevernafiguradeporcelanadopequeno“Banhista”queseincluinobolododiadafestadosReis.(Conf.Alchimie,op.cit.,pág.89.){50}ExplicationtrêscurieusedesEnigmesetFigureshiéroglyphiques,Physiques,quisontaugrandportcáldel’ÊgliseCathêdraleetMétropolitainedeNotre-DamedeParis.

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{51}CoursdePhilosaphiehermétiqueoud'Alchimieendix-neufleçons.Paris,LacouretMaistrasse,1843.{52}HistoirecritiquedeNicolasFlamel.Paris,Desprez,1761.{53}Histoiredel'Alchimie.NicolasFlamel.Paris,Chacomac,1893.{54}Monographiedel’Êglisecathédraled'Amiens.Paris,A.Picará,1901.{55}Lalumièresortantparsoy-mesmedesTénèbres.Paris,d’Houry,1687,chap.III,pág.30.{56} Règles du Philalèthe pour se conduire dans l'Oeuvre hermétique, em Histoire de IaPhilosophieHermétique,deLenglet-Dufres-noy.Paris,Coustelier,1742,t.II.{57}QuatreLivresdesSecretsdeMédecineetdeIaPhilosophieChimique.Paris,JacquesduPuys,1579,pág.17ªe19ª.{58}S.Paulo,EpístolaaosColossenses,cap.I,v.25e26.{59}LePsautierd'HermophileemTraitésdeIaTransmutationdesMétaux .Manuscr. anônimodoséc.XVIII,estrofeXXV.{60}EpístoladeLapidibusPhilosophicis,tratado192,t.VIdoTheatrumChemicum.Argentorati,1613.{61}ŒuvresdeN.GrosparmyetNicolasValois,manusc.Citadoatrás,pág140.{62}OriginalduDésirdésiréouThrésordePhilosophie.Paris,Hulpeau,1629,pág.144.{63}LeBreton,ClefsdeIaPhilosophieSpagyrique.Paris,Jombert,1722,pág.240.{64}LaClefduCabinetHermétique,manusc.citadoatrás,pág.10.{65}ImitationdeJésus-Christ,livroII,cap.I,v.6.{66}OMercúrioéaáguabentadosFilósofos.Asgrandesconchasserviamoutroraparaconteráguabenta;aindaseencontramfreqüentementeemmuitasigrejasrurais.{67}Termodatécnicaherméticaquesignificatornarcru,ouseja,remeterparaumestadoanterioraoquecaracterizaamaturidade,retroceder.{68}LeTrè precieux Don de Dieu .Manuscrito de Georges Aurnch, de Estraburgo, escrito epintadopelasuaprópriamão,anodasalvaçãodaHumanidaderedimidade1415.{69} A expressão vidro de Lorena servia outrora para distinguir o vidro moldado do vidrosoprado.Graças àmoldagem, o vidro de Lorena podia ter paredes muito espessas eregulares.{70}LegendesduVieuxParis.Paris,Bachelin-Deflorenne,1867,pág.106.{71}DeacordocomcertosdocumentosconservadosnosarquivosdopalaceteLallemant,sabemosqueJeanLallemantpertenciaàFraternidadealquímicadosCavaleirosdaTávolaRedonda.{72}CosmopoliteouNouvelleLumièrechymique.TraitéduSel,pág.76.Paris,J.D’Houry,1669.{73}ConservadonomuseudeWinterthur(Suíça).{74}Aexpressãopopular“terafava”equivaleaserafortunado.Aquelequetemasortedeencontrarafavanobolonãoteránecessidadedecoisanenhuma;nuncaodinheirolhefaltará.Seráduplamentereinoquerespeitaàciênciaeàfortuna.{75}DictionnairedesAntiquitéschrétiennes,art.Eucharistie,2.aed.pág.291.{76}DictionnairedelaFable.ParisLeNormant,1801.{77}Conf.Alchimie,op.cit.{78}ManuductioadCoelumchemicum.Amstelodami,ap.J.Waesbergios,1688.{79}Doisinestimáveistetoscomtemasiniciáticospodem-se-lhecomparar:umemDampierre-sur-Boutonne, igualmenteesculpido,doséc.XVI (LesDemeuresPhilosophales);ooutronoPlessis-Bourré,compostodepinturas,doséc.XV(DeuxLogisAlchimiques).{80} Tupus Mundi in quo eius Calamitates et Pericula nec non Divini, humanique Amorisantipathia.EmblematiceproponunturaRR.C.S.I.A.Antuérpia,ApudJoan.Cnobbaert,1627.{81}ClaudiusPopelin,LesTroisLivresdel’ArtduPotier,ducavalierCyprianPiccolpassi .Paris,LibrairieInternationale,1861.

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{82}LatimSpatium,comosignificadodelugar,sítio,situação,queTácitolhedá.Correspondeaogrego ,raiz ,pais,região,território.{83}Ostrêsprimeirossãoimperadores;oquartoéapenasrei,oRei-Sol,assinalandoassimodeclíniodoastroeasuaúltimaradiação.P.ocrepúsculoanunciadordagrandenoitecíclica,cheiadehorroredeespanto,“aabominaçãodadesolação”.{84}Apocalipse,cap.IV,v.6e7.{85}Cap.I.v.4,5,10e11.