o martirio dos suicidas - almerindo martins de castro

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  • 7/25/2019 O Martirio Dos Suicidas - Almerindo Martins de Castro

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    DADOS DE COPYRIGHT

    obre a obra:

    presente obra disponibilizada pela equipeLe Livrose seus diversos parceiros, com o objetie oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simpleste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro e

    poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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    O Martrio dos Suicidas

    (Seus sofrimentos inenarrveis)

    FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL

    Rua Souza Valente, 17 - CEP-20941Avenida Passos, 30 - CEP-20051 Rio, RJ - Brasil

    Fatos e narrativas coligidos porAlmerindo Martins de Castro

    7 EdioDo 46. ao 55. milheiro

    Capa de Cecconi86-AA; 002.01-O; 4/1980

    RTD - 1 = 6.457/H 15

    Formatao e Converso ePub: Reliquia

    Copyright 1940 by

    Federao Esprita Brasileira(Casa-Mter do Espiritismo)

    AV. PASSOS, 3020051 - Rio, RJ - Brasil

    Composio, fotolitos e impresso offset das Oficinas Grficas do Depto. Editorial da FE

    Rua Souza Valente, 17 20941 - Rio, RJ - Brasil.C.G.C. n. 33.644.857/0002-84

    I.E. n. 81.600.503Impresso no Brasil

    Presita en Brazilo

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    PREFCIO"Os motivos de suicdio so de ordem passageira e humana; as razes de viver so de ord

    erna e sobre-humana."(Lon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, cap. X, 9? edio da FEB.)E sta uma nova edio de "O M artrio dos Suicidas". O nosso sempre dinmico e jo

    ompanheiro, Almerindo M artins de C astro, apesar de seus noventa e poucos anfetuou algumas modificaes e acrscimos no texto, sem dilatar-lhe excessivamenteontedo.

    P odero alguns perguntar por que razo continua esta obra na linha editorial da C asasmael, quando possumos hoje, na vasta literatura esprita, especialmente medininmeros e substanciosos tratados que virtualmente esgotam o assunto. Temos os livros

    ndr L uiz, psicografados por Francisco C ndido Xavier e Waldo V ieira, diversos datando de problemas de suicidas nos dois planos da vida; possumos os da mediunida

    e Y vonne A . P ereira, dos quais sobreleva o monumental "M emrias de um Suiciitado por C amilo, que revela com detalhes todas as peripcias da histria do suicidaispomos, finalmente, de obras de D ivaldo P . Franco, como "N os B astidores da Obsesitada por Manoel Philomeno de Miranda, e de outros mdiuns e pesquisadores.A resposta simples. Este pequeno livro destinado a exercer misso socorrista

    rgncia, a ser compulsado por aqueles que esto em aflio e desespero, atormentados esiludidos, vencidos e desorientados, vtimas do negativismo e da rebeldia, e que, por is

    mesmo, reclamam ou imploram cabal esclarecimento s dvidas e aos problemas que onvulsionam, mas em poucas linhas, em poucas palavras, ainda a tempo de serebertados da ideia de autodestruio.Singrando os mares do mundo, temos os mais belos e perfeitos transatlntic

    onstrudos conforme a tcnica mais refinada e providos dos mais requintadnstrumentos; todavia, neles tambm encontramos os minsculos barcos que as ondas pezes ocultam, mas que, nas horas de perigo, so os que executam a tarefa de salvamen

    opsculo do Almerindo um desses barcos, que vem recolhendo nufragos extenuao longo de duas geraes humanas.Quantas vidas ele j salvou, quantos desastres terrveis, quanta viuvez e orfanda

    uanto sofrimento ele conseguiu sustar? Deus o sabe.Enquanto o suicdio campeia, e em certas reas lamentavelmente recrudesce, qu

    nspirado por dores e dificuldades, quer motivado pelo tdio, no caso dos que upersatisfazem com os bens da materialidade mundana, distanciados da f raciocinadaa confiana em Deus, este pequeno manual de esclarecimento dever continu

    rculando entre a misria moral e espiritual do orbe, em Portugus e Esperanto

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    speremos, em outros idiomas, cumprindo sua misso salvacionista e clarificadora onscincias.

    Os enigmas do Ser, do Destino, da V ida e da M orte esto satisfatoriamente solucionaelo E spiritismo. M as os que ainda no o aceitam so igualmente irmos que, nas sificuldades, precisam do nosso apoio e do nosso esclarecimento, em nome do C risto eus. N o captulo da predisposio ao suicdio, no vacilemos: faamos chegar ao hom

    spiritualmente exausto o remdio, o alimento e o abrigo, atravs deste pequeno livroemelhana do que fez ao homem ferido na estrada aquele prestimoso viajante que dese Jerusalm para Jerico e que a histria evanglica eternizou como "o bom samaritano".Rio de Janeiro-RJ, 24 de agosto de 1978.A Editora

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    Uma das mais funestas iluses da criatura humana supor que a morte do corpo aniquconscincia da personalidade.J ulgando que a funo intelectual exclusiva da massa enceflica, e que a Alma

    sprito no pode existir separadamente do corpo, muitos concluem que cortar o fio ida material implica em extinguir para sempre a criatura, em dissolver na decomposiumular todos os sentimentos e ideias que caracterizavam uma personalidade qualquer.

    Esse o triste e terrvel engano do suicida.N ascendo na Terra para desempenho de determinada tarefa, muitas vezes de rud

    utas, a criatura sente no raro faltar-lhe coragem para arrostar certas amarguras, e deseela porta falsa do suicdio, verdadeiro alapo que precipita a vtima num trevoso abisme maiores dores e completo isolamento.A vida uma grande realizao de solidariedade humana. semelhana do que ocorre no reino vegetal, onde a cada planta corresponde um

    nalidade, assim toda criatura traz a sua tarefa de labor a executar, valendo pelo fruto q

    rvore deve produzir.Atirada ao solo, a semente germina e d o seu contingente para a vida comum. Se falreabsorvida (na qumica insondvel e subterrnea), para que de novo constitua elemenerador dos frutos que no deu.Assim, o Esprito, lanado na vida dos mundos, tem de germinar em atos e sentimen

    ue valham por um labor progressivo, labor que o aprimora e eleva cada vez mais na esca ascese moral. Se fracassa, atrado e enrodilhado pelos sentimentos e pelas a

    nferiores, tem de renascer para realizar esse progresso, que o fim supremo da Cria

    Nessa lei incoercvel, de renascimento e de reparao dos erros das existncias anterioreside para muitos o mistrio da V ida, mistrio que uns julgam desvendado pelas hiptea Cincia, e outros supem resolvido pelos ritos e ensinamentos das religies dogmticasM as, uns e outros, quando se encontram nas garras do sofrimento, esgotados todos

    ecursos da sapincia humana, muitas vezes apelam para o suicdio, na esperana iluse que, morto o corpo, cessam as torturas da enfermidade e do pensamento revoltaontra o acicate da dor.

    To logo, porm, o incauto sofredor desfecha o golpe contra a prpria existncia, eis qusprito ou Alma, liberto dos liames restritos da carcaa humana, mostra ao infeliz deserue a vida de cada ser reside, no na carne do corpo perecvel, mas num princpio

    ndefinvel na linguagem da Terra imortal, eterno, subordinado a leis que lhe impeeveres iniludveis, obrigaes que tem de cumprir atravs de vidas sucessivas, tanuantas sejam necessrias para chegar ao ponto do destino espiritual.O Esprito no se separa do corpo, porque a ruptura do lao que prende um ao outro s

    pera normalmente quando o desprendimento se faz sem a arbitrria violncia do a

    uicida.P or muito que os sbios o neguem e os outros crentes o duvidem, a verdade que ca

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    m traz o seu tempo de existncia terrena prefixado, e nenhum poder humano poter-lo, para mais ou para menos.O suicdio detm a trajetria do Esprito, fazendo-o parar violentamente no ru

    retraado, at que possa retomar a marcha normal na sua trilha.N um paralelo material, pode-se comparar tal situao com a de um veculo que, c

    rvio destino, subitamente precipitado numa ribanceira, tendo quebradas as rodntes que seja reparado e reconduzido ao caminho de onde foi despenhado, no pod

    eencetar a viagem e chegar ao trmino do seu trajeto. o que nos certificam os Espritos dos suicidas. o que nos diz, em tristonhas express

    ma comunicao medinica do Esprito H ermes Fontes, o aureolado vate sergipano (11930) que, aos 26 de dezembro, cortou o fio da vida neste mundo, na factcia certeza

    ue o tmulo seria o eplogo das suas desiluses de homem e de poeta:Tragou-me a voragem do Desconhecido...I solei-me demasiadamente da vida, e ao meu recolhimento profundo, fatal, s a Dor

    companhou.Eu no soube integrar-me nela. E, tomando vulto os espectros interiores dos mrprios pesadelos, das minhas ntimas dvidas, para escapar-me aos seus tentcutrozes, sonhei e arquitetei a volpia do aniquilamento.A vida impe o intercmbio das emoes: o interior e exterior devem casar-se, sem que

    ultos funestos do desnimo e da morte se apossem da nossa individualidade. na integrao do homem na vida que reside a Felicidade.Quem se isola do mundo, e procura s no interior desempenhar a vida, sofre a asfixia d

    eus sonhos e das suas esperanas.A morte tem, para os desiludidos, a aparncia fulgurante de uma Cana.O ltimo sonho dos derrotados a Morte...Mas, almas desiludidas, volvei para outros horizontes o olhar das vossas esperanas!No h morte! Ningum pode eliminar de si prprio a vida, que imortal!Romper o equilbrio orgnico da matria somente provocar um estado de vida em q

    s erros so mais ntidos ao Esprito, e as dores doem muito mais!

    No vos seduza, desiludidos, a miragem da morte!E la no a C ana dos vossos sonhos; no a tranquilidade que ambicionais; no niquilamento que vos seduz, como me seduziu a mim...

    , apenas, a porta tumular que conduz conscincia da nossa prpria dor!Se quereis o remdio para a vossa desiluso, para a vossa mgoa, para a vossa dor

    mai-as.O nico meio de vencer os espectros do aniquilamento, os vultos fatais da Sombra

    ceit-los e am-los.

    So estgios precisos evoluo da nossa vida! N o h morte! O suicdio agravcentua a vida!"

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    E no disse somente na comum expresso de toda a gente, mas tambm dentificadoras rimas, formosas e perfeitas, bem nos moldes das que fizeram a sua glterria entre os homens:"Um dia eu me senti como se foraO infeliz A asvero legendrioE andei no mundo triste e solitrio,Sentindo frio n'alma sofredora.Sonhei na morte a estrada salvadoraAo meu grande martrio imaginrio,E sem notar o meu trgico desvrio,Afundei-me na treva aterradora.Tantas vezes a Minh alma enferma e aflita

    Sonhou a paz nirvnica, infinita,E apenas tenho a dor que me devora. Senhor, abrandai as minhas penas,Eu sou inda, entre as lgrimas terrenas,Uma lama mortal que sofre e chora.Antes a nossa vida terminasse

    No turbilho de p da sepultura,Antes a morte fosse a noite escuraOnde o ser nunca mais se despertasse.Ah! Se a nossa existncia se acabasse,Cessaria de certo a desventura!Contudo a vida o bem que se procura,

    Morrer ver a vida face a face.Todavia, se sofro, Deus clemente, que sou criminoso, o delinquente,E o enfermo sem paz e sem sade.Perdoai a Minh alma se blasfemo,Ponde em meu corao o dom supremo

    Da humildade que aurola da virtude."

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    O verdadeiro sofrimento comea no momento do suicdio. Todas as narrativas timas de tal desvario so unnimes na descrio das dores ligadas ao gnero de moscolhido.

    Se um veneno corrosivo, o ardor insuportvel da queimadura, destruindo todo o esfaestmago, os intestinos, na sensao mxima de intensidade; se um projtil de arma

    ogo, a dor do ferimento, permanente, tirnica, impedindo todo o raciocnio que no gm torno desse sofrimento; se a asfixia, por mergulho ou enforcamento, a absoluta falta r, a nsia desesperada de respirar, nas contores desordenadas de quem luta com erradeiras foras para no morrer; se por incndio das vestes, a inenarrvel angstia estruio das prprias carnes, tortura que palavras no descrevem e arrancam da vtimerdadeiros urros de dor, cruciantes e comovedores ao mximo da sensibilidade.E assim veem as Almas suicidas escoar-se o tempo, sem mais noo dele, at completarque lhes estava marcado no relgio da vida terrena, quando reencarnaram.E o suplcio toma vulto maior no pensamento e no sentir, porque o Esprito, no

    nsulamento de dor, perde a noo do tempo e tem a impresso de que vai softernamente.Metido num crculo de treva, formado pela prpria vtima que se isola de tudo para

    ensar na sua agrura o Esprito cria a sensao de estar num deserto escuro, onde os seritos e gemidos tm ressonncias ttricas, e a sua voz jamais escutada por algum.Se percorre stios ligados causa do suicdio, o Esprito sofre em todos, sentindo

    rrastado num torvelinho, que no lhe permite raciocinar com acerto sobre nenhum droblemas do prprio "eu", pois tudo gira em torno da ideia central que o levou ao crime

    uto homicdio.E ntrecortadamente, chora, blasfema, suplica, num meio-delrio comovedor, m

    remedivel.A carne, rasgada pelo gume de um punhal, necessita de imperioso perodo p

    catrizao; a alma, atingida pelo golpe esfacelador do suicdio, precisa de irrecorrvel lape sofrimento para balsamizar a leso moral. So inmeros e uniformes os testemunhos.Qualquer que seja a condio social ou a crena religiosa, o ru desse crime contra a

    maior da vida sofre, quase sempre revoltado, a presso da incoercvel fora que o prenum novo sofrimento, quando o motivo do suicdio foi precisamente o desejo de fugiror, a amarguras intolerveis de suportar. E, s vezes, a crena se torna um aumentatas aflies, porque o indivduo a despreza e rejeita verificando-a impotente patenuar o abatimento moral do que se acha no patamar do despenhadeiro, por onde esvala para mergulhar na morte. M as, consumado o ato criminoso, a realidade mosfinal que o erro est em que as criaturas no se amoldam aos imperativos do destino, e sretendem que a vida se plasme aos seus gozos e interesses de toda ordem.

    do Alm que nos chegam os testemunhos dessas verdades nos depoimentos das almru ciadas e arrependidas, chorosas e penitentes, prevenindo os calcetas das dores terren

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    ue as amarguras daqui so resgate bendito de faltas praticadas em vidas anteriornquanto que o auto homicdio um novo e pesado crime gerador de maioresremediveis sofrimentos.N o importa que pensamentos enganadores mascarem esse atentado com as formas

    m pretenso altrusmo ou com as factcias aparncias de um amor que apenas egosmisfarado.C om grande tristeza, comovente e resignada, veio a um idneo cenculo esprita

    epoimento de uma jovem, que fora na Terra bonssima criatura, filha dedicadxtremamente religiosa, catlica praticante, pertencente ao grmio das Filhas de M ariagreja que frequentava.

    Trabalhando num emprego relativamente bem remunerado, consagrava-se a cuidar ua velha me, da qual se tornara arrimo, pois no tinham outros parentes, vivos. Morque fosse de timos sentimentos e irrepreensvel proceder, a jovem era alvo de muiogios pelo beatrio da sacristia, e isso bastante a impressionava agradavelmente, gerand

    he qui um fundo de desculpvel vaidade.Certa vez, ao passar por um grupo de beatas, ouviu dizer: Esta menina, se morresse hoje, ia direitinho para o Cu!E percebeu que a frase era apoiada e repetida por todas, que se voltaram para olh-la.Tais palavras penetraram no mais recndito do seu esprito e foram aprofundando a s

    nfluncia, criando na sua imaginao de crente acostumada s promessas de bemventuranas e perdes a granel um quadro mirfico de venturas celestiais. Ir para o Cu! foi a moa repetindo, caminho de casa, deslumbrada com a viso q

    sua fantasia forjou no pensamento.E , cada vez mais empolgada pela ideia de ir para junto da V irgem M aria, chegou ao

    oi para um aposento, e suicidou-se.Narra o Esprito da jovem:M inha desventura, agora, no feita de dores (que o meu corpo no teve), nem

    emorsos, porque jamais pratiquei mal contra o prximo; mas da contemplao dofrimentos de minha infeliz me.

    Fugindo da vida, eu lhe causei a maior dor de toda a sua existncia, e por mim ela chorodas as lgrimas dos seus olhos. C ada soluo, cada lamento dos seus lbios feriam-mma, qual se fossem punhais de fogo. Depois, quando pude ver, aos meus olhares surgirs quadros da misria, da fome e do frio que minha pobre mezinha tem curtido depue lhe faltou o sustento que eu lhe proporcionava com o fruto do meu trabalho.Rolando, em casa de estranhos, por esmola, comendo do que sobra, mesmo contra o s

    aladar; vestindo restos de roupas, s vezes insuficientes para atenuar o frio; olhada condiferena por todos, ningum lhe faz um carinho, nem lhe diz palavras de conso

    ingum lhe zela pela sade, e muitas vezes ela se tem sentido morrer, sem o socorro ualquer medicao.

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    Tal a minha tortura de todos os instantes: o quadro dos sofrimentos de minha me ne afasta de diante de mim. Dir-se-ia que em todo horizonte da minha viso no exiutra perspectiva. O meu suplcio espiritual lembra o da gota de gua, caindo sobreabea do condenado at perfur-la fora de bater ininterruptamente.

    C oisa terrvel o suicdio! H orrvel mentira, a promessa do C u aos pobres pecadondignos at do olhar de Jesus!

    instrutivo atentar-se em que o suicdio para alcanar o convvio dos deuses pare

    ma herana assimilada dos velhos credos, pois era praticado desde h muito na ndiarande fonte de sabedoria onde, alm da filosofia, os juristas das eras cesarianas beberam ementos do seu pretenso Direito Romano.Essa horrvel e enganosa prtica, que o domnio ingls coibiu nos territrios en

    omados, era largamente exercida em Allahabad, margem direita do Ganges, onfluncia do Juna com esse rio.

    Eis, em rpidas linhas, notcia que se encontra no livro "Pela ndia", autoria de Adriae S, ilustrado engenheiro militar do Exrcito Portugus:"N o areal que medeia entre a cidade e os rios, celebra-se anualmente uma feira (M e

    oncorrida por mais de um milho de pessoas, que vm banhar-se neste lugspecialmente sagrado e que acampam ao longo dos rios, enchendo as suas margens nimao, de bulcio, de pitoresco e de imundcie.N este local, dez vezes santo, estacionam habitualmente, rodeados de um sem-nm

    e discpulos (cheia) ou de simples crentes (astan), muitas centenas de faquires, cheios

    evoo e cobertos de cinza, ocre e de piolhos, com longos cabelos empastados de lamediondos, repelentes.Ali se conservam extticos, imveis por largo tempo, uns de joelhos, outros de braos

    r, deitados outros sobre "leitos" cujos "colches" so agudas pontas de pregos, sofrenodos, sem um queixume, os mais dolorosos tormentos. Todo um estendal de martrio, xtase de devoo doentia...

    O Governo ingls obstou a continuao de uma prtica religiosa, antiqussima, que a

    ostumava ter lugar. M uitos devotos se suicidaram, afogando-se na confluncia dos dos, na ingnua crena de que iam direitinhos para o C u. E ra bastante original a maneesse suicdio, e no lhes faltava a religio com o seu conforto, naquele momento extremoO "paciente" ia, com um ou mais sacerdotes bramnicos, em barco, para o meio do rhegados ali, os padres "depunham" o homem na gua, tendo-lhe atado a uma das m

    rande panela de barro e dando-lhe para a outra mo uma colher, ou uma "chare

    pedao amainado) de coco. {1}

    Enquanto a panela se conservava vazia, o desgraado flutuava; mas, animado de ferv

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    eligioso, ia com a "chareta" enchendo gradualmente de gua a panela, que, pouco a poumergulhava, at afundar de todo, panela e devoto, desaparecendo nas sacras guas agrado rio, a caminho do cu hindu..."

    Ainda ligando-se ao mesmo assunto, o erudito autor, referindo-se visita feita ao monagrado de Chamendi, no Misore (marajado de cinco milhes de habitantes), narra:

    "P ude examinar de perto um enorme carro, pesadssima bisarma (coisa disforme) madeira, opulentamente ornamentada e sobrecarregada de esculturas dos numeros

    euses da mitologia bramnica, que costuma figurar nas procisses.Estes carros, que servem para transportar a imagem do deus que se festeja, chegam a

    ezesseis rodas, de mais de dois metros de dimetro.So puxados pelos fiis, que disputam, lutando violentamente, esta grande honra, e n

    oucos tm sido os que, nestas pugnas, ficaram esmagados debaixo dos monstruosos carrescomunais. Resta-Ihes a consolao de que vo diretamente ao paraso bramnico...

    H mesmo devotos fanticos que, nas grandes procisses, se atiram voluntariamente s rodas dos carros, a fim de por elas serem esmigalhados e alcanarem, de tal formau hindu.

    Quando isso sucede, toda a enorme multido de fiis desata em louvores aos seus deustroando os ares com gritos e uivos que nada tm de humanos.

    Onde se d maior nmero desses sacrifcios (suicdios) voluntrios em Puri, na regio rissa, durante a procisso que sai do grande templo de J agarnat, nome sob o qual

    dorado o deus V ixnu, cujo enorme carro, de dezesseis rodas, tem catorze metros de altu

    arrastado, dizem, por quatro mil e duzentos devotos!"Apesar, porm, da ilusria crena fantica desses infelizes, quando podem dar notcia

    eu estado, subsequente ao suicdio, as suas palavras acusam sempre desolao, agrurrependimento, convencidos j da necessidade de reparar o crime praticadeencarnando para completar o interrompido estgio terreal.

    que, passado o perodo de perturbao constitudo de inenarrveis agruras sprito constata a impossibilidade de alterar impunemente o ritmo da N atureza, em to

    s setores da vida csmica.Tudo quanto est traado nas finalidades de cada coisa ou de cada ser deve ir at o finem que a criatura humana lhe possa impunemente modificar o rumo, a duraostrutura substancial, o destino, em suma.

    E sempre que a pretensa liberdade dos vermes humanos se aventura a perturbararmonias naturais das coisas ou dos seres, tem a imediata reao, as doloroonsequncias, que custam lgrimas e padecimentos bem terrveis de suportar, acarretannda reparaes que s a seu tempo podem ser iniciadas, como que a atestar

    nsignificncia da criatura e a superioridade das leis no escritas na Terra qovernam os mundos e os destinos do Esprito imortal.

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    Essa a lio eloquente que nos vem nos ensinamentos do Alm-Tmulo, embor

    H umanidade continue entronizando deuses e teorias de sua criao, engodo para as almesprevenidas, pretendendo unificar o poder das castas sacerdotais.E a esto os testemunhos, unnimes na condenao do suicdio, embora variando

    ntensidade e forma especfica do sofrimento, segundo a mentalidade e a sensibilidade tima, e ainda conforme o mvel que influiu no nimo da criatura, arrastando-a uicdio.

    De outra fonte feminina, mas de mentalidade diametralmente diversa, vem edificannsinamento que sintetiza um vergonhoso ultraje e muito humilhante sofrimento paraensibilidade de mulher:

    "J ovem caprichosa, contrariada em meus impulsos afetivos, acariciei a ideia da fumenoscabando todos os favores que a Providncia Divina me concedera estra

    rimaveril.

    Acalentei a ideia do suicdio com volpia e, com isso, atravs dela, fortaleci as ligaeplorveis com os desafetos de meu passado, que falava mais alto no presente.Esqueci-me dos generosos progenitores, a quem devia ternura; dos familiares, junto d

    uais me empenhara em abenoadas dvidas de servio; olvidei meus amigos, cuja simpaoderia tomar por valioso escudo em minha justa defesa, e desviei-me do campo agradas obrigaes, ignorando deliberadamente que elas representavam os instrumene minha restaurao espiritual.Refletia no suicdio com a expectao de quem se encaminhava para uma po

    bertadora, tentando, inutilmente, fugir de mim mesma.E, nesse passo desacertado, todas as cadeias do meu pretrito se reconstitura

    eligando-me s trevas interiores, at que numa noite de supremo infortnio empunheaa fatdica que me liquidaria a existncia na carne.

    I mensa repugnncia pela desero, de sbito, iluminou-me a alma; entretanto, enumbra do quarto, rostos sinistros se materializaram de leve e braos hirsutos modearam.

    Vozes inesquecveis e cavernosas infundiram-me estranho pavor, exclamando: reciso beber."A bno do socorro celeste fora como que abafada por todas as correntes de treva q

    u mesma nutrira.Debalde minha mo trmula ansiou desfazer-se do lquido fatal.Esvaram-se-me as foras.Senti-me desequilibrada e, embora sustentasse a conscincia do meu gesto, sorvi, qu

    em querer, a poo com que meu corpo se rendeu ao sepulcro.

    Em razo disso, padeci, depois do tmulo, todas as humilhaes que podem rebaixamulher indefesa.

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    (VOZES DO GRANDE ALM, cap. 39, edio da Federao Esprita Brasileira.)Eis mais algumas narrativas autnticas, colhidas em fontes idneas, e que detalham

    ofrimentos e as impresses de alguns desesperados colhidos nas malhas traioeiras morte voluntria:

    "Um dia, em seleta reunio de psiquistas, apareceu um Esprito, que, comunicandoelo mdium, revelava a mais extraordinria dor. Gritava aflitivamente, como se estiveendo martirizado. A custo foi acalmado um pouco; e a custo, entrecortadamente pemidos e gritos, contou a causa do seu sofrer.Disse o nome. M ulher. Fora quitandeira em uma das ruas de Alcntara, L isboa. C as

    ivera filhos. O marido era mau, mandrio, jogador e brio. N o trabalhava e obrigava-ustent-lo e a prover s necessidades da famlia com os mesquinhos ganhos da sua pouendosa indstria. Para t-la sob o seu jugo explorador, dava-lhe maus-tratos. I nsultavagredia-a. Quando isso no bastava, agredia os filhos, para faz-la sofrer.

    Arrastou assim uma vida de angstias durante anos. Cansou. A pacincia esgotou-se-lh

    omeou a pensar em fugir ao martrio, suicidando-se. Acreditava que um instante esoluo, uma dor rpida, poria termo quele longo arrastar de dores, quele infernuplcio de todas as horas. P ensava porm nos filhos... Que seria deles? E ram os filhos o lue a aguentava presa ao potro do sofrimento.Surgiu a ocasio em que o lao quebrou. N o pde mais. A fome e as dvidas vinh

    minando o lar. As facilidades, para que o seu carrasco pudesse levar vida sem trabalhiminuam, e os maus-tratos aumentavam em proporo oposta dessa diminuio.

    lhos estavam doentes e ela alquebrada, sem foras para trabalhar. Para tratar dos filho podia agenciar a vida; para agenciar a vida, ficariam as criancinhas ao desamparo, easa. No podia mais. Decididamente, era melhor morrer.Em seguida a uma das habituais altercaes, acompanhada do espancamen

    martirizante, a pobre, louca de desespero, correu linha de trem de C ascais, quanassava, veloz, junto ao cais d'AI-cntara, e precipitou-se debaixo dele.Ia acabar tudo, pensava.

    N esse instante supremo, lembrou-se dos filhos, mas j no podia recuar: o coredendo ao impulso, tombara sobre os "rails". N o mesmo instante, sentiu as rodas passarobre o corpo; ouviu ranger os ossos na triturao; suas carnes, dilaceradas, sacudiam-alpitantes; fragmentos dos membros rolaram com o impulso do choque que os deceparaoisa horrvel, sentia que no morria. V ia--se desfeita, esmagada, informe; ouvia o crepios ossos; parecia que uma dor a torturava, composta de muitas dores desiguais, localizaada uma em um dos membros espalhados no solo, jorrando sangue e palpitando eontraes...

    V iu acudir gente, gritando. N otou que examinavam, compungidos, os seus restos. Vhegarem as autoridades e, em seguida, um homem ajuntar todos os pedaos do seu cor

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    spostejado, e met-los em um caixote de madeira.Queria afastar-se do stio, mas no podia. Gritava, mas ningum lhe dava atengarrou-se a um polcia, pedindo-lhe que a levasse para casa, mas o polcia no a atendarecia at que no a sentia, nem ouvia. N o fez dela o mais ligeiro caso. Deixou-garrou-se a outras pessoas. Sucedeu o mesmo. N ingum lhe respondia; ningummportava com ela.

    Entretanto, ouvia sempre o rodar do trem, sentia-o passar, esmagando, cortandorrastando-lhe o corpo e ouvia o rudo do esmagar dos ossos. Era horrvel!

    As autoridades afastaram-se. Dois homens levaram-lhe o corpo esmigalhado agmentos.N o compreendia como se via morta e em pedaos, ao mesmo tempo que lhe pare

    star viva e a sentir dores, muitas dores em todo o corpo.I maginou que dormisse e fosse vtima de um pesadelo. M as, rapidamente, via toda a

    ida, at ao momento de arrojar-se para debaixo do trem, em procura do descanso

    morte. Lembrava-se dos filhos. E, coisa espantosa! parecia-lhe que s podia v-los, e em, ao seu corpo despedaado, ao caixote com o seu cadver em bocados, escorrenangue, que ia estendendo dois fios vermelhos pela rua fora... No via mais nada.

    A princpio, ainda ouvia os comentrios das pessoas que tinham presenciado a cena uicdio e as conjeturas que faziam sobre quem ela seria. N o meio dos seus gritos, dizia-lhuem era e onde morava; mas ningum a atendia, todos a desprezavam. Nem a olhavamPouco a pouco, foi deixando de ver e ouvir essa gente. S lhe ficou o rodar do trem e

    stalidos dos ossos.

    Algum tempo depois, comeou a notar ao redor pessoas que no conhecorrendamente feias, que riam dela, a empurravam, e lhe diziam graas e sarcasmos por uerido fugir s dores da vida, matando-se.Pareciam-lhe demnios, e apavorou-se, com o medo de que a viessem buscar para

    nferno. Suplicou-lhes que a deixassem... Redobravam de risadas e de empurres. O riso e endoidecer... E no deixava de sentir a triturao do seu corpo, de ouvir o rodar em, a fratura dos ossos, o esmagar da carne!...

    N o parava mais. Aqueles demnios, que tinham tomado conta dela, nunca maieixaram. I am uns e vinham outros... Riam s gargalhadas, gemiam, berravam. D iziam-ue eram seus eternos companheiros e, iguais a ela, perdidos, porque, tambm, se tinha

    matado por suas prprias mos... Sofriam tal qual ela, mas cada um de seu feitio. H amomentos em que pareciam todos doidos furiosos. C ada um berrava sua maneira. Ouv

    s, sentia-os, mas no os via. S uma vez lhe parecera t-los visto. Eram todos de negroaziam caretas de sofrimento. Parecia-lhe que alguns deles estavam esmagados, como vir

    eu corpo; outros com a cara inchada; outros com fios de sangue a escorrer dos ouvidos!...E ra coisa do inferno e no quisera ver mais... M as, quer fechasse os olhos, quer no, via

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    o mesmo modo. Para ela, era tudo noite escura; mas noite escura atravs da qual vialhos, como os deixara, doentes e famintos; o trem a correr por cima dela, o seu corpoartir-se pelo cortar das rodas... E o trem a passar sempre por cima das suas carnes... Ncabava nunca; no cessava mais o rudo, nem deixava de sentir dores, nem de ouvijjjjj-rijjjjjdos ossos e da carne sendo esmagados.s vezes, sentia-se arrastada pelos companheiros, como se fosse arrebatada por u

    uraco, e assim ia ver os filhos a sofrerem, o marido mergulhado numa vida de abjeo...E l seguia depois, no redemoinho, crendo-se perdida para sempre.A pobre contara estas coisas a pedaos, sufocada em gemidos, e revelando-as c

    xclamaes de dor.M ostrava-se desconfiada e receosa. Quando o dirigente da reunio procurava confor, encaminhando-a para a resignao e para o arrependimento, chorava m

    flitivamente, e exclamava que no sabia resignar-se, nem arrepender-se.Pedia que a deixassem ficar onde estava, isto , no corpo do mdium. Dizia que,

    menos, ali no sofria tantas dores, no aturava os demnios, nem se sentia com o corpo eocados.Quando no houve meio de prolongar mais a situao, que estava sendo pesada

    enosssima para todos, a pobre retirou-se, no sem ter deixado, numa exclamao fineveladora de tanto penar, de tanta tristeza, a mais dolorosa impresso que a comunicaom Espritos pode dar, em tais circunstncias.

    A exclamao foi: E isto a morte, meu Deus!

    Sim! Era aquilo a morte, em que ela havia procurado descanso! Aquele infenconcebvel!"

    Em outra oportunidade, e logo de comeo, o mdium, ao cair em transe, revelou enormofrimento. O rosto congestionou-se-lhe repentinamente. Arroxeou; inchou; os olbriram-se desmesuradamente como se fossem rebentar; a lngua saiu para fora da boca unco centmetros. Ao mesmo tempo, a respirao sibilava lhe estertorosamente.Os assistentes aterraram-se. Recomendada calma, confiana e muita piedade para aqu

    nfeliz que assim se manifestava, e depois de ligeiros passes magnticos, o mdium faloom grande esforo, comeou, com palavras a cada passo cortadas por estertorosos rugidTinha sido um pequeno comerciante, brioso e honesto, porm infeliz nos negci

    entara vrios meios de vida. O ltimo fora pequena mercearia em uma das tortuoielas do bairro de Alfama.Famlia grande, filhos doentes, negcios maus, falta de freguesia, tudo concorrera pa

    ue arrastasse vida quase miservel.

    Vivendo mal, chegou um dia o desastre. Os credores tomaram-lhe conta da casa. Forauem, no podendo solver seus compromissos, a entregara.

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    Aquilo tinha de ser dizia ele, referindo-se ideia de pr termo vida, como meio ugir aos tormentos que o torturavam.

    Pensou na famlia, na mulher, nos filhos; mas, conclura como remate a esensamentos: N ingum morre de fome. E u que no posso mais... E les c se arranjaro... Ss, toro d deles... Eu que no posso mais...Nesta altura, o diretor da reunio lembrou-lhe: E por que no tentou outro modo de vida? Qual? Qualquer. Todos so bons quando se ganha o po honradamente... J tinha tentado tantos.. . Tentasse mais. N o dissera que ningum morre de fome? Quando no houvesse m

    meio de trabalhar, pediria esmola. N o pensou que era fraqueza fugir, e egosmo deixarlhos ao abandono, na misria, para, por esse preo, ganhar o descanso?

    Sim. M as eu no podia mais. P rosseguindo, contou que, ao entregar a casa redores, lanara um ltimo olhar para o estabelecimento onde tanto sofrer, e, seespedir-se da famlia, caminhara sem rumo pelas ruas da cidade, cogitando nos meios

    matar-se. Todos temia, receando no morrer deles. Resolveu, finalmente, enforcarrranjara um cordo roxo e forte, e dirigira-se ao bairro E stefnia. I a aparvalhado. Nmbrava seno de que ia ver-se livre da vida que tanto o martirizava.Algum tempo mais, e estaria descansando para sempre. A morte era o sono amigo, er

    ono eterno.

    Escolheu uma oliveira, que tinha ramada saliente. Parecia convid-lo. A custo subtou o cordo, depois de ter feito a laada corredia. Experimentou se estava bem slidstava. M eteu a cabea na laada, olhou para a cidade que se estendia para o horizont

    orriu pensando: Vou ver-me livre de ti, e do inferno da vida... Deixou-se cair. Sentiu que o sangue

    ubiu vertiginosamente cabea; os ouvidos zuniram-lhe furiosamente; parecia-lhe entro o eco de um trovo; a lngua rompeu pela boca fora, faltou-lhe o ar, sacudiu-

    ebateu-se, perneou, procurando um apoio com os ps e com as mos, e perdeu entidos.Ao voltar a si, viu-se no cho, mas sentindo tudo que pouco antes tivera. Parecia-

    star mais leve.Olhou em redor, e viu o corpo dependurado na rvore. P areceu-lhe o seu prprio cor

    ue balouava ainda levemente... Recordou-se, ento, de que quisera matar-sHorrorizou-se de pensar que no houvesse morrido e que teria de recomear...

    N otou que sentia as aflies da morte. D eitou a correr; e de ento at hora em que n

    alava, no mais tivera descanso, nem mais deixara de sofrer a sensao do enforcamentoAgora sabia que tinha morrido para o mundo: passava martrios, pensando nos filhos, q

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    o mais tinha visto, e maldizia-se porque, supondo buscar o sossego eterno, se tinerdido para sempre, adquirindo um sofrimento, do qual, uma hora s, era mais horrvue o total de todos os outros de que quisera fugir.Tempos passados, soube-se que sofria j muito menos, e, por um arrependimento sinceem caminho de regenerao.Tal regenerao, porm, no faz desaparecer o sofrimento. O que pode desaparecer m

    apidamente a sensao das dores fsicas inerentes ao ato do suicdio.Ficam ainda as consequncias morais, que pungem o infeliz na intensida

    orrespondente ao seu atraso espiritual e aos motivos por que se matou.Ainda em outra oportunidade, em uma reunio de sinceros e idneos investigado

    spiritualistas, na qual havia excelente mdium, manifestou-se o Esprito, identificado, erta mulher, revelando extraordinrio sofrimento.

    Depois de esforos feitos para averiguar quem era e por que sofria, foi poss

    econstituir o seu caso trgico:"E ra natural de uma povoao suburbana do P orto. C asada, tinha dois filhos, sendo e colo e o outro de trs anos. V iviam na misria. O marido era mandrio, vicioxplorador e carrasco da esposa.

    A vida era para ela verdadeiro suplcio. C anseira, fome, pancada; sem um momentoegria, sem uma clareira de paz no desespero do seu viver.Um dia, resolveu pr termo dolorosa situao. N o queria, porm, deixar os fil

    ntregues a tal pai, pois seria o mesmo que deix-los ao abandono, ou pior. Ao abandono,

    utoridades tomariam conta deles; ficando com o pai, seriam futuros desgraados uturos criminosos.

    Deliberou que morressem com ela. Assim acabaria tudo, e no iria para o outro munom o remorso de os deixar ao desamparo. E, depois, eram dois anjinhos quecompanhariam e pediriam a Deus por ela, pensava.N a ocasio escolhida, tomou o pequenino, que dormia no bero, pegou no outro p

    mo, e dirigiu-se com eles, a chorar, em direo linha do trem de ferro, esperando o q

    evia passar para o Porto.Esperou, e, quando o comboio passava na sua vertigem, atirou, num safano, o pequeue levava, para cima da linha, e, sem querer ver mais, nem olhar onde ele ficava, atirou-mbm com o que levava ao colo.Ouviu o trem chegar, e um repentino ranger e esmagar de corpos.Perdeu os sentidos.Quando voltou a si, pareceu-lhe tudo um pesadelo. Lembrou-se rapidamente do que

    nha passado, e imaginou que sonhava, porque ouvia ainda o rudo do trem a passar, e

    udo dos corpos a desfazerem-se debaixo das rodas.Figurava-se-lhe estar a ver a cena. N o ouvia, nem via nada. Sentia o corpo nu

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    spcie de formigueiro, de dormncia, que ia desaparecendo gradualmenansformando-se em sensao de dor.C rente de que sonhava, fazia esforos para acordar; esforos que serviam s para

    esfazendo o torpor, a dormncia em que jazia, e aumentarem as dores que sentia por tocorpo.De repente, deparou com o filho menor, partido, ao meio da linha, e jorrando sangue d

    ortes. Deu um grito horrvel: recordou-se de tudo. P rocurou, ento, o outro filho. N iu, e sim ao seu prprio corpo feito em pedaos, e estes espalhados pela linha foarecia-lhe que endoidecia. Quis levantar os dois pedaos do filho menor, porm, nde.As suas mos tocaram-nos, mas no tinham fora para os mover.De sbito, pensou que o corpo que estava retalhado pelo cho no fosse o seu.N o podia ser, porque ela estava ali viva a sofrer. De quem seria? Arrastou-se para v

    abea, um pouco distante, misturada a farrapos de vestes.

    Ao mesmo tempo, aterrou-se: notou que estava ouvindo o trem chegar com todaelocidade. Ouvia o rudo das rodas, e o silvo da mquina. Olhou, e, alongando a vista oda a linha, no viu nada.

    Olhando sempre, para que, se o trem chegasse, no a apanhasse, dirigiu-se ao local onstava a cabea. Quis apanh-la, mas no pde. Procurou ver-lhe a fisionomia, e viu a srpria, em contraes, fazendo caretas horrveis. Estava cheia de sangue, com pedaosele arrancados.Gritou, gritou que a acudissem, mas ningum a ouviu.

    H avia, porm, uma coisa que mais a horrorizava ainda: no saber do filho mais velhoer o pequenino cortado ao meio, em parte esmagado, intestinos de fora, palpitantes.Se fechava os olhos, via-o do mesmo modo; se desviava o olhar para o lado, afigurava-

    he que os pedaos do corpinho seguiam a mesma direo. Esfregava os olhos porque larecia ter a figura do filho estampada neles. Esse sofrimento, e o de no ver o outro filhem saber dele, faziam-lhe esquecer as dores que sentia.Persistia em querer morrer. Deitou-se na linha espera que outro trem passasse

    matasse.N o sabe quanto tempo esteve assim. N o se lembra de a fazerem sair de l, de pasmais trens, nem se retiraram ou no os pedaos dos corpos que estavam espalhados

    cal.S se recordava de que, ouvindo sempre o trem, de vez em quando parecia-lhe ouvir

    lhos chorarem, o marido berrar e insult-la.Parecia-lhe, nesses momentos, continuar na vida de misria e de martrio a que quis

    ugir.

    Ento chorava, gritava, pedia a morte a Deus.No tinha a noo do tempo.

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    N o havia dias para ela. Era sempre noite. N a escurido, no via outra coisa almlho esfacelado na linha frrea.Passado no sabe quanto tempo, resolveu ir procurar o outro filho.N o sabia aonde, nem por onde ia. Queria fugir dali. Se pensava na sua casa, parecia-

    ue estava nela. Ouvia o marido, ouvia o filho mais velho; mas, vendo tudo na casa, noia a eles.Parecia-lhe, sem saber por que, que ambos pai e filho sofriam muito.Supunha ter a impresso de que estavam doentes cheios de fome. E ento, esquecend

    eu prprio sofrimento, pensava em ir trabalhar para eles, como antigamente.Sentia grande dor ao lembrar-se de que morreriam mngua, por culpa dela.M as, repentinamente, entrava a chorar, por sentir que estava cega e, por isso, no m

    odia trabalhar.Deixava a casa, aflita. Iria para a rua pedir esmola, pensava.N a rua, de vez em quando, ouvia vozes; ouvia que passava gente; estendia a m

    edindo esmola, que ningum lhe dava. Parecia-lhe que no a queriam ver, nem socorrerOuvia os vizinhos. Berrava por eles, e nenhum lhe respondia.Ento, acusava-se, remordia-lhe a conscincia.Reconhecia que tinham razo em a desprezarem, por ela ter matado os filhos, um d

    uais continuava a ver na sua eterna cegueira.E arrepelava-se, e chorava.As dores do corpo eram nada, comparadas s dores que sentia na conscincia.Ter morto os filhos da sua alma, que adorava, e no se ter morto a ela, era coisa que n

    he passaria nunca. "Quando morresse" iria para o inferno, sem remisso. E antes fosse loo inferno padeceria talvez menos do que estava sofrendo.Lembrava-se de rezar; mas, esqueciam-lhe as oraes. Queria pedir perdo a Deus; m

    e o tentava fazer, a cabea perdia-se-lhe numa grande confuso.P arecia-lhe, s vezes, que ao barulho constante do rodar do trem e do estalar de ossos

    untava o rudo de risos escarninhos, vindos de muito longe, misturados com ditos a eferentes.

    Acusavam-na da morte dos filhos, e ameaavam-na.Receava ser presa. Pensava esconder-se, j que no podia matar-se; mas, a cegueira noeixava enxergar o local. Deixava-se andar ventura, sem destino.C omeou ento a reparar que o seu corpo se tornava, de vez em quando, mais leve, e

    ores mais tolerveis. E acalmava um pouco.N essas ocasies, tinha a impresso de que, em vez de risos e acusaes, chegavam at eco sumido de palavras de d e de bondade, os murmrios de preces dirigidas a Deus,

    eu favor.

    Ouvia choros e soluos, de mistura com o seu nome, que ora lhe pareciam prximos, ofastados, mal se distinguindo. Imaginava sonhar.

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    N esses momentos, o rudo do trem ia-se sumindo, sumindo, at quase desaparecer; e, ua alucinao, parecia-lhe que o corpinho dilacerado do filhinho se movia, tomava vidaolhava, sorrindo.E, ao longe, muito ao longe, algum rezava por ela. . . Sentia um bem-estar rode-la, qu

    azia mais feliz, que lhe elevava o corpo.E, nesse estado, notava que podia pensar em Deus, pedir-lhe perdo, e rezar.Ento, animava-a a esperana de que no se perderia para sempre.M as, esses momentos de paz e de sonhos passavam depressa. V inha logo o estado

    ostume. No ouvia mais choros amigos, nem rezas piedosas.E l seguia, sem destino, sem ver para onde, sem ver mais que o corpo retalhado do fil

    aa novamente no desespero.Deixou de querer ir a casa, porque, quando ia l, sofria muito mais, pelo remorso de nr continuado a olhar pelos filhos e pelo marido que Deus lhe dera. Era a sua obrigaora me m e tambm mulher m. M atara os filhos e abandonara o esposo. Se ele era m

    evia desculp-lo. Era seu marido. Era o seu dever. Ele no ganhava para os filhanhassse ela, pois tanta obrigao tinha um quanto outro, porque eram filhos de ambos.E se, quando pensava nisto, no queria ir, era quando se sentia forada a ir, como se fo

    rrastada ...N o sabia quanto tempo andou assim. S se lembrava de que os momentos de sonhom amiudando. I a sentindo cada vez menos vivo o remorso do que tinha feito. L embra

    e, j sem grande aflio, de que fora o seu amor pelos filhos, e o desespero de v-los coome e frio, que a levara a fazer o que fizera.

    C erto dia, num desses instantes de paz, pareceu-lhe ouvir dizer-lhe algum, uma vozriana, que breve acabaria o seu maior sofrimento. Receou estar louca, pois teve a iluso ue era o prprio filho morto quem lhe falava.Passou-se mais tempo. As suas dores j no lhe doam tanto. S lhe doam a morte

    ois filhos e a sorte do marido. O barulho do trem j pouco o ouvia. N o sabiaesaparecia, ou se se ia habituando.Davam-se j largos espaos de tempo que no via o filho esquartejado.

    Amiudavam-se os momentos felizes, em que lhe parecia ouvir rezar por ela. Seerdade? Haveria quem se lembrasse daquela desgraada?Fosse ou no verdade, o certo era que sentia nesses instantes um grande bem-estar. A s

    abea desanuviava-se, e podia orar e pedir perdo a Deus, sem grande dificuldade.Chegou um dia aquele em que se encontrava em que sentiu pequena mo pegar

    ua, e conduzi-la, ao mesmo tempo em que a voz, ouvida j e que supusera do prplho, lhe dizia: "Vem". O seu corpo enroscou-se, misturou-se com aquele corpo onde falavomo se ambos fossem de fumaa que se juntasse. E ali estava. Dissera tudo. Queria ag

    aber o que nos levara a perguntar-lhe tanto, e por que viera at ns. primeira pergunta respondeu-lhe o diretor da reunio: o nosso interesse e a nos

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    iedade; segunda: no sabamos.Foi feito ento o caridoso trabalho de demonstrar quela infeliz todo o seu erro. Ou

    ontrita, compungida. Arrependeu-se com todas as mostras da mais ntima sinceridahorou dilacerantemente.

    Acabava, assim, de limpar do Esprito as mculas negras que a sua fraqueza e m aele imprimiram, e que to horrvel martrio lhe acarretaram, natural e justa punio pua tentativa de fugir ao pagamento de dvidas anteriormente contradas perante a ue regula a evoluo espiritual dos seres na Terra.I gualmente, tudo foi empregado para que a pobre recuperasse todos os seus sentidos, i obscurecidos e obliterados pelo ato condenvel. Essa merc, conquistada pelo prp

    sforo dela, pela resignao com que sofreu, pela justia que reconhecia no seu penar, pntenso arrependimento que a dominava, foi-lhe concedida; e a infeliz, num transporte ndizvel gozo e de indescritvel felicidade, pde ver o Esprito do filho, que ela levara

    morte, e que a perdoava; e ver tambm o filho maior, que no mais enxergara, e esta

    nda vivo na sua aldeia. Havia escapado da morte.N a preparao do meio espiritual, onde podiam brotar o arrependimento e a resignaa desvairada me, trabalharam eficazmente a piedade e a prece daqueles que mbravam dela, na Terra e no Espao.A orao e a piedade, conduzidas at ela pela f e pelo pensamento, rodeavam-na

    ma doce atmosfera espiritual, que a confortava e, ao mesmo tempo, permitia qurgissem nela e dela irradiassem os sentimentos de bondade, de contrio e de splica, qmos em nossa alma.

    A bondade dos outros a envolvia qual uma carcia, e a tornava boa; e assim macilmente pde galgar a ladeira do sofrimento, e atingir a luz da redeno.

    Era aquele estado de bem-estar que ela encontrava no seu martrio.H oje se vota carinhosamente aos filhos e ao marido, e, talvez mais do que a eles

    rocurar insuflar pensamentos e sugestes de coragem, de f e resignao nos infelizes q neste mundo em desespero, e a pensarem em despenhar-se no abismo pavoroso uicdio, em que ela tambm caiu."

    Fora e acima dos dramas prosaicos que as dificuldades pecunirias das classes pobcem diariamente, h outras tragdias que se desenrolam no crebro de homens cultobastados, a quem falta coragem para suportar as desiluses do amor ou de seus sonhombies, na poltica ou na alta finana, bolsista ou cambial.

    Defrontando-se com as situaes difceis de resolver ou suportar, muitos suicidas clebeixaram posteridade frutuosa lio sobre a fragilidade moral da criatura humana, fe empolgar-se de entusiasmo, porm falvel no momento de dar testemunho do senodo, da sua varonilidade moral, do seu esprito de sacrifcio em holocausto de um

    deia, de uma causa grandiosa.Falta-lhes a coragem sublimada que heroifica a personalidade, quer se trate da gl

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    blica, que os povos sagram, quer da benemerncia com que a tradio oral nas famlerpetua a lembrana dos seus antepassados.Desde bem remotos tempos, a crnica dos povos registrou eloquentes exemplos.Demstenes, o grande e celebrado orador grego, cuja glria foi to trabalhosamen

    onquistada, terminou pelo suicdio.H eri de muitas campanhas tribuncias, lutador impvido contra as tiranias que

    xerceram sobre a sua Ptria, tendo sofrido injustias dos seus patrcios, prisxperimentado as agruras do exlio, nada prenunciava que se acorvadasse no momento ar a vida em sacrifcio e protesto contra o domnio estrangeiro na Grcia.Quando morreu Alexandre, o Grande, Demstenes, que estivera exilado, veio percor

    iunfalmente, o Pas, pregando a guerra contra a opresso macednica que pesava sobrrcia.I nflamados pela eloquncia do tribuno, os atenienses cumularam-no de homenagen

    rregimentaram-se para dar combate s tropas de Antipater, j em marcha para castiga

    ebelio.Vencidos, na inesquecvel batalha de C ranon, D emstenes marchou de novo parxlio, na ilha de Calauria, onde o foi buscar um destacamento de soldados.

    A, sem a coragem do martrio pela liberdade da Ptria, sem aquele nimo dos primeiristos que alicerou o testemunho da verdade evanglica, Demstenes suicidou-om um estilete envenenado.

    N o menos eloquente e instrutivo o exemplo de P tolomeu, rei de C hipre, que viveultimo sculo anterior era crist.

    I rmo do monarca do E gito vivia em perfeita paz com o ento poderosssimo poomano, do qual se mostrava mui fiel aliado.

    Imensamente rico, to rico quanto avarento, seus tesouros foram causa de runa.O tribuno romano, C lodius, famoso pela turbulncia, pela maldade e falta de escrpu

    perseguidor de C cero e de C ato), tendo cado em poder de piratas, que exigiram resgaediu a P tolomeu que pagasse por ele a soma exigida; mas o rei, na sua imensurvarcia, s lhe enviou dois talentos de prata (cerca de cinco mil cruzeiros), quantia mu

    nferior ao preo estipulado pelos salteadores.C lodius, por vingana, props a deposio de P tolomeu, convertendo-se o seu reino rovncia romana. C cero combateu vivamente o projeto, mas a lei nesse sentido provada, e a Cato, que se achava no Oriente, foi incumbido execut-la.C ato, consciente da injustia que se praticava e desejoso de evitar violncia, prop

    tolomeu a renncia do trono, assegurando-lhe, em compensao, o posto de gr-sacerdoe Vnus, na cidade de Pafos, dignidade que era a imediata do rei, tal a importncia mplo e culto deusa, e de pingues rendimentos.

    Ptolomeu recusou; mas, no podendo conformar-se com a perda do poder, nem estanm condies de declarar guerra aos romanos, resolveu suicidar-se, destruindo, ao mesm

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    mpo, os tesouros que haviam acendido a cobia e motivado a torpe vingana do perverlodius.Equipou um navio, e para ele fez transportar coisas e dinheiro, em montan

    ncalculvel, fazendo-se ao mar, no intuito de afundar a embarcao, sepultando-se sobguas, com as suas imensas riquezas.

    M as, nos insondveis arcanos dos sentimentos do avarento, uma luta bem divemudou completamente os sombrios desgnios do rei, comprovando a velha mxima de

    ochefoucauld: N osso orgulho cresce muitas vezes custa do que cortamos nos outefeitos.Em Ptolomeu no foi o orgulho, mas a avareza que aumentou, com o cerceamento

    aidade, do orgulho, da revolta, da vingana.Esse homem, que tivera a coragem de morrer, e concertara um plano de execuo pl, fraqueou ante a ideia de perder os seus amados tesouros, as suas adoradas riquezas qu

    mesmo no fundo do oceano, ele no poderia conduzir para alm das fronteiras da ou

    ida.E, ento, voltou ao palcio, de novo restituiu todos os valores aos seus anteriosconderijos, e, recolocados esses "deuses" nos "altares" do seu templo da Avareza, o pobei envenenou-se, e morreu.

    Alis, a preocupao de prender-se s coisas e s criaturas da Terra, tem levado muincautos ao suicdio, convencidos de que, desertando da vida com o propsito de reuniralgum no Espao, podem, a seu arbtrio, encontrar o Esprito predileto.A desiluso tremenda, e no menor o desespero, e ainda mais terrvel o sofrimento.

    O suicida um prisioneiro temporrio do martrio espiritual.E m vo tentar mascarar o seu criminoso egosmo, sua disfarada revolta com os factc

    oloridos do Amor, da Saudade; a situao verdadeira o crime contra a lei rovaes surgir aos olhos do suicida, fechando-o num crculo de treva e de amarguue s ser desfeito pela luz da misericrdia divina, no momento preciso em que ompletar o tempo da vida interrompido pelo ru do auto-homicdio.Bem conhecidas so as pginas autnticas vindas do Alm, traadas por Espritos

    ndiscutvel valor intelectual, e que, inscientes das verdades e leis da vida espirituesertaram da Terra na iluso de que o arbtrio humano tenha algum valor ante as formensurveis do Cosmo e do Esprito.

    o caso e lio de Jlio Csar Machado, o brilhante e fino escritor lusitano.T inha ele um filho, o J ulinho, que se tornou sua obsesso. P ara onde fosse, levava-o p

    mo, enlevado, a impingi-lo, catando elogios, num exagero de sentimentalidade digno eparo.

    Alberto Pimentel narra este ligeiro incidente, muito expressivo:

    "C erto dia, num jantar em casa de Batista P ode est, o pequeno Jlio levantou-se

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    mesa, e foi engalfinhar-se nas costas de um amigo do pai, que o recebeu amavelmente. Dmomentos, o pequeno correu a trepar pela cadeira de outro amigo de J lio Csar, sen

    epreendido. N o tardou que o pai, com as lgrimas nos olhos, sasse com o filho, depoisaver apertado a mo, muito expressivamente, ao amigo que t inha afagado o Julito

    nterrompendo desde essa hora as suas relaes com o outro amigo, que o repreendera.Este imenso amor pelo filho estremecido foi que o alucinou e perdeu. O filho que

    dorava at ao fanatismo sucumbira a uma alucinao de momento, e desde esse dia todalicidade de J lio C sar principiou a desmoronar-se, qual um talude do qual, em

    espegando um punhado de terra, nada fica de p dentro de poucas horas."O suicdio foi o caminho escolhido para encontrar de novo o filho idolatrado.Eis o comentrio da manifestao do Esprito do iludido suicida, quando, depois

    morto, verificou o erro que cometera e sofreu a dolorosa consequncia do seu ato esespero, comentrio alis muito divulgado:"J lio C sar M achado, jornalista portugus, foi um dos mais finos e graciosos espritos

    ltimas geraes literrias lusitanas. C intilante de "verve", de estilo leve, sutil qual uenda de seda, ele fazia dos seus folhetins monumentos de graas, talhados com o cinzue a sua morte levou. A sua obra literria era um fino e espiritual sorriso.Esse homem tinha um filho que adorava que era "o enlevo da sua alma, a alegria da segria, a musa do seu sorrir, a causa do seu viver", tal qual o triste o disse em um

    omunicao medinica.A morte levou esse f ilho."Subitamente na minha vida se fez o vcuo diz ele. A minha ironia quebrou-se q

    orda seca de um violino. O meu corao dava estalidos roucos de dor. Veio a tentao. o riria mais, eu no viveria mais sem o meu filho. Era necessrio que eu lhe fosse ncalo.

    Eu acreditava na vida eterna, e sabia que meu filho havia marchado para essa vida.

    ndispensvel que eu o seguisse e recuperasse para os meus carinhos. N o podia viver se. Era indispensvel que me fosse, rpido, em sua procura. Em seu seguimento eu i

    onquista da minha alegria, da minha felicidade, da minha vida, que no poderiam exisem ele. Assim pensava eu, assim pensava a me."E assim o sentiro os coraes de muitos pais, pode-se dizer.Resolveram ambos partir para a regio ignorada, onde a morte lhes escondera o fi

    mado. Embarcaram pelo suicdio, na "casquinha de noz encantadora que, atravs do mas suas lgrimas, os levaria ao reino da Felicidade a reconquistar a alegria perdida!"A me no morreu; mas ele, o pai, "seguiu"."A morte, ao ver-me cado na armadilha, envolveu-me no seu sendal negro, e arrasto

    me" acrescenta.Senti ento que, em vez da sonhada felicidade, eu era levado em um torvelinho, ou, p

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    nda, em um turbilho, onde me debatia inutilmente, desesperadamente, sem poder sele, preso, por misteriosa e invencvel atrao, ao seu futuro temeroso, ora levado a regi

    medonhas, ora demorando nos stios terrenos de onde queria fugir, e onde tudo mmbrava impiedosamente a minha irremedivel desgraa, no conseguindo nunca a mgeira indicao sobre meu filho.E nem tinha esperana de que a libertao me viesse pela morte, como parece

    vezinha presa na gaiola, porque para mim a morte no existia mais.E, de ento at hoje, ainda no sa dessa angustiosa situao, presa de uma ansieda

    ue no conheo igual.Debato-me, corro, precipito-me, a gritar, a gritar sempre pelo meu filho adorado, pegria da minha vida, pela luz dos meus olhos, e o meu filho no chega nunca.Eu, que me matei porque no podia viver sem ele, tenho de viver sem ele porque

    matei!No o verei mais? Horror! Horror! Mil vezes horror!"

    E segue o infeliz, numa desorientao lancinantssima:"H aver justia nesta condenao? Quem me condenou? Quem esse juiz brb

    orrendamente brbaro, que no viu que no v, que no quer ver, que se eu buscava mlho na morte, que o levara, era porque a minha vida sem ele no era vida?E ra crime am-lo tanto? M as se o amor a meu filho crime, por que nos deu D eu

    mor?P erdoai-me, S enhor, que blasfemo! M as, Deus de piedade, P ai de M isericrdia

    ue s pai, Tu que s bom, Tu que s a J ustia e o Amor, por que no me perdoas? P oiso vs, Senhor, que foi o amor que me cegou? N o vs que a Tentao me armou o braaioeiramente, na despreocupao da minha vida feliz?M as se eu no hei de ver mais meu filho, por que modeste, Senhor? Se eu havia

    erder para sempre a felicidade, para que mal mostraste? Para que mal fizeste conhecer?Que eu viva em tormento eterno, que eu sofra esta ansiedade sem-fim, que o pavor

    uem no tem nimo para suportar a a dor; que o meu ser se revolva, instante a instan

    as lacerantes agonias dos rprobos, dos criminosos contra as tuas leis, Deus de Piedamas deixa-me ver o meu filho!Deixa que eu, desta regio inconcebvel, onde me debato sem descanso, onde

    epultada para sempre a luz do meu dia, a paz da minha vida, a alegria do meu amossa ver o meu filho, o meu filho, Senhor, o meu filho!Que o veja uma vez s, num instante fugidio, e eu Te bendirei sempre; e eu gozarei nes

    nstante centuplicada toda a felicidade que perdi no momento louco em que me deixencer pela tentao de matar-me, na fagueira e ilusria esperana de ir juntar-me a ele

    E, depois, em lamentaes onde as lgrimas e os soluos ressaltam, dirigindo-se a Deus:"Que desdita a minha! Eu que me matei para ir viver com ele, para me aproximar d

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    mais rapidamente, dele me afastei para sempre!Deus, meu Deus! Ouve, atende minha splica! Tu que s pai, v a minha dor!N o sofro pelo que sofro. Sofro porque no vejo o meu filho. Aumenta S enhor, o m

    enar, se lei da Tua justia necessrio exemplo e obedincia; mas, em troca, deixa qu tenha a consolao de ver o meu filho! Olha para a minha alma. V Senhor, se algentimento condenvel ou revoltoso me conduziu morte. Vers, Senhor, que foi saqueza de no poder viver sem a vida que meu filho me dava."Que pungente exemplo surge desta comunicao!Foi s para ver o filho, para continuar a viver com ele, que o desolado pai se matou. M

    orque no soube esperar, porque no soube resistir prova a que o seu corao ubmetido, no o pde ver mais.

    E o mais doloroso, o mais tragicamente aflitivo, no no o ter visto, nem no o ver pmpo necessrio para que o arrependimento redima a sua falta contra a lei que regula

    xistncia humana. a sensao aterradora da desesperana, que o amargura, com a idee que NUNCA mais o ver!H de reav-lo, h de, mas quando?Quando a dor houver apagado do seu perspirito a mancha negra de ter desobedecideus, suicidando-se.Alis, a extrema preocupao pelos filhos determina, nos Espritos menos prepara

    ara as contrariedades naturais da vida, estados de alma perigosos.E m dezembro de 1928, nesta C apital, ocorreu um desses dolorosos desfechos

    xistncia, com o secretrio da E scola Quinze de N ovembro, homem culto, jornalirofessor, estimadssimo dos seus subordinados e nos meios sociais.A "Gazeta de N otcias", de 30 daquele ms, deu nos seguintes perodos uma con

    arrativa do lamentado caso:"Esprito culto, inteligente, tornara-se, desde que iniciou a nova carreira como educad

    uerido pelos companheiros e discpulos, aos quais dedicava um amor verdadeiramenaternal.

    Foi, pois, essa notvel figura, que deu cabo da existncia na madrugada de ontem.Em seu domiclio, aps uma grande contrariedade, ferido no seu corao de mantssimo, desfechou um tiro no ouvido direito, falecendo instantes aps.Solicitados os socorros da Assistncia do M ier, esta acorreu com presteza no intuito

    alv-lo, porm, nada mais pde fazer, pois foi encontr-lo j sem vida.O Dr. Pinheiro contava 54 anos de idade e, nos ltimos tempos, vinha sendo atacado

    ertinaz neurastenia. P essoas da famlia do ilustre morto dizem que ele se sentira muontrariado ao ter conhecimento que um de seus filhos, aluno do 3 ano da E scola M ili

    ira-se reprovado em uma das matrias, aps ter sido aprovado em todas as outras.Dirigindo-se E scola M ilitar, a fim de saber o resultado dos exames de seu fi

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    ncontrou-o profundamente desgostado e contrariadssimo.V oltando para a residncia, pouco mais de 9 horas da noite, demonstrou enor

    gitao, assim permanecendo at 3 horas da madrugada.Agitado dessa forma lembrava, s pessoas da famlia, a dor que sentiria ao ver seu fil

    nterromper a carreira por ser desligado da Escola, principalmente tendo assistido aos sexames e julgar ter ele merecido ser aprovado.

    Em horrvel tenso nervosa, aproveitando-se da ocasio em que todos dormiam, prmo existncia de forma to impressionante."Farta, eloquente e autntica a documentao que os Espritos tm trazido aos da Terentificando-os dos horrores que os esperam, se cometerem o crime do auto-homicdio.Fora de preocupaes e ambientes seitistas, tm surgido manifestaes insuspeitveis

    spritos, que se identificam de maneira convincente, unnimes nas narrativas dos atrozofrimentos reservados aos suicidas, quaisquer que hajam sido os mveis propulsores de tesesperado e ilgico procedimento.

    M as, apesar disso, ningum cogita das consequncias de tal ato, dominado que cada ueja pelo medo ou pela revolta impotente ante uma determinada situao difcil resumivelmente irremedivel.M uitas so as causas dessa desero, porm, a que maior contingente oferece a falta

    oragem para sofrer.J os velhos dicionrios de Teologia assim definiam o suicdio:"Ao de matar-se a si mesmo, para livrar-se de um mal que no se tem coragem

    uportar."

    (Bergier, IV, pg. 415, vocab. Suicide.)Grande foi outrora a controvrsia em torno do assunto, pois incrdulos apontavam n

    mrtires cristos genunos suicidas, enquanto que os doutores da I greja sustentavamusncia da ideia suicida nesses crentes puros, de vez que no fugiam ao sofrimen

    mas, ao contrrio, buscavam todos os martrios, para sofrer em testemunho da f, inclusiperda da vida do corpo, para que o Esprito fosse ao encontro do Mestre.No existia, nesse caso, a revolta ou o medo do desertor em face das agruras.

    O suicdio sempre foi considerado, mesmo na antiga teologia paga, uma demonstrao ebeldia contra a Providncia Divina.A prpria Bblia, a vetusta fonte por excelncia, no individua no seu livro inicial e

    riminoso atentado contra um dos mais sagrados preceitos da lei moisaica, mas mencionaune expressamente o homicdio forma de destruio da vida corporal, que someneus pode conceder ou eliminar, nas relaes de causa e efeito a que esto subordinados

    eres espirituais nos mundos e no Espao. a lio em Gnesis, cap. I X, v. 6, que diz: "Se algum derramar o sangue do hom

    elo homem ser derramado o seu sangue; porque o homem foi feito imagem de Deus."A ausncia do vocbulo suicdio provm de haver sido tal palavra composta (de su

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    oedes, si e morte), no sculo XV I I I , pelo padre jesuta Guyot Desfontaines (1685-1utor de um "Dicionrio N eolgico", escritor de muita erudio, mas de pouco invejiografia.A despeito, porm, do acatamento que devera inspirar o cnon religioso, o atormenta

    rente deserta da vida, sem ligar mesmo importncia ausncia de sufrgios pela alma, qhe sero negados dentro das leis eclesisticas.

    Tal foi o caso do Dr. Raul M artins, juiz ntegro, cidado probo, inteligncia culta, catrvoroso, que desertou da vida a 21 de novembro de 1920.Vtima de um desses terrveis eventos que a maldade tece, ele deixou escritas es

    esalentadas palavras:"Confesso-me vencido e sem mais foras para lutar contra a perfdia humana."Segundo consta dos jornais da poca, uma comisso de oficiais de justia promoveu, entro E sprita "Antnio de P dua", rua Senador Pompeu, 162, uma sesso de prece

    rol do Esprito do digno magistrado, que era estimadssimo entre os seus subordinados.

    P elo mdium respectivo vieram palavras do sufragado, que, em resumo, diziam: "S ofrecessito das vossas preces; mas, no censureis aqueles que foram causa da minha quedrai tambm por eles."Igual sufrgio de preces foi feito na Loja Teosfica "Pitgoras"."O Jornal", de 2 de dezembro, assim detalhou a tocante cerimnia:"O Sr. Juvenal M eireles de M esquita, presidente dessa agremiao, antes de d

    alavra ao C apito do Exrcito Eugnio N icoll, que ia fazer como fez, uma conferncerca da interpretao dos planos da N atureza, realizou um ato devocional em inten

    a alma desse magistrado, a quem a Religio C atlica, de que ele fora fervoroso crente, ombra da qual viveu e educou seus filhos, negou o conforto espiritual, justamente

    momento em que dele mais carecia.Fez o Sr. J uvenal uma ligeira exortao aos presentes, sob o justo fundamento de

    odas as almas so filhas do mesmo Pai, sendo, portanto, a mais clamorosa das injustiegar-lhe o que nenhuma religio nega aos seus proslitos, e lamentou que o C atolicismue podemos considerar uma grande seita do C ristianismo primitivo, religio que assenta

    uas bases na doutrina do amor e da fraternidade, pratique semelhantes iniquidades.eosofia, entretanto, que a todos considera como irmos, prestar quele saudoso juizonforto espiritual a que todas as almas tm direito."

    T rinta e trs meses depois, o E sprito Raul M artins dava esta comunicao, largameivulgada desde ento:"Nada poder suceder de mais funesto ao homem do que o suicdio.Dessa desgraa inominvel j houve verdadeiras epidemias nos tempos ominosos

    materialismo romano.

    N as modernas sociedades, mltiplos so os seus fatores. Sob diversos aspectos e formauicdio contribui com enorme porcentagem para o obiturio em geral, ora determina

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    elas obsesses dolorosas, ora pelas dificuldades e desalentos da vida terrena.- O suicdio supe sempre a iluso, de que se acha o candidato possudo, de se libertar

    nsuportvel carga de dores e tristezas que o acabrunham e lhe envenenam a vida.Todavia, que funesta iluso!Fala-vos quem, sob as torturas de uma dolorosssima opresso moral, tambm cedeu

    trao do abismo e sups libertar-se da conta que, de muito, lhe estava assinadnterrompendo o curso da existncia.

    Enganei-me, meus caros irmos.Longe de extinguir o sofrimento, este recrudesceu e se tornou mais ntimo e profun

    qui no Espao, onde no h noite, nem sono, e parece eterna a provao da alma.Cedi vaidade mundana da honra e do prestgio.E, no entanto, vejo agora, no meu mal sem remdio, que bem melhor fora abstrair des

    utilidades para cuidar do que eterno e imorredouro: a existncia do ser e seu progrestravs das etapas do Universo.

    C ontam-se por milhes os desgraados que, como eu, se debatem na treva depois rem sido pasto da ignorncia e do orgulho.Se eu tivesse podido saber que todos os ouropis da vida terrena no valem uma s d

    erdades que aqui constatais diariamente, teria certamente evitado, por um ato oragem e resignao, esta horrvel geena em que agora me debato.O suicdio a maior desgraa que pode suceder ao Esprito.Ato de rebeldia insensata contra os desgnios da Providncia, encarna o desespero do r

    ue se quer libertar, por fraqueza, do compromisso anterior que assumiu por seus erros.

    uma afronta Divindade, intil e covarde.I ntil, porque jamais poder o ser aniquilar-se, visto que ele eterno qual o prprio P

    enhor de quem emana.Vede agora a triste situao em que se encontra o suicida ao desprender-se do corp

    mais vivo do que nunca, sobrevm ao pungente padecer a surpresa alucinante de se vndestrutvel, incapaz de modificar de um s detalhe o destino que lhe foi traado.

    Sofre no Espao as consequncias do seu orgulho, com a obrigao de voltar mat

    ara terminar a misso que to loucamente interrompera!Sede fortes, vs que me ledes, quando vos assaltar o sofrimento.Afugentai, com todas as foras da vossa alma, a negra viso do suicdio, porq

    esventurados, se nele cairdes, se cederdes s suas tenebrosas sugestes, ento se abrara vs o verdadeiro inferno, aquele em que, sem metfora, mas real e dolorosamente, horo e ranger de dentes.

    N o suicdio se nivelam todas as dores, porque ele determina o maior e mais desesperae todos os sofrimentos.

    A dor, a negra, a profunda dor, dentro da tremenda impresso de que no havmisericrdia, nem remisso para o rprobo, o covarde, o trnsfuga, que jogou face

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    ustia do Divino Pai o saldo da sua conta.Pensai nisto e jamais admiti, nas vossas amarguras, a ideia desse terrvel tentador

    uicdio."N o isolado em nosso meio social esse caso, de um homem culto e prestigioso, catl

    militante, recorrer ao auto-homicdio para fugir ao sofrimento.Em maio de 1932, um dos mais ilustres expoentes do Supremo Tribunal Fede

    nteligncia primorosa, erudita cultura jurdica, carter ntegro, fazia pelo submarino uicdio a derradeira viagem para a treva da erraticidade.

    Sentindo-se atingido por grave enfermidade, incurvel a despeito dos "grandrogressos da cirurgia contempornea", caiu em profundo abatimento moral.De "A N oite", de 16 daquele ms e ano, so os perodos que concisamente do ideia

    uanto deve ter sofrido o ilustre magistrado, na sua perturbao de esprito:"O ministro vinha sofrendo h muito de profunda neurastenia, que muito se agrav

    om forte acesso de gripe de que fora acometido.

    Assistido pelo mdico da famlia, e, embora melhor do acesso gripal, passou a sentir doiolentas nos intestinos e no estmago. O facultativo medicara-o ento, atendendo a t

    ncmodos, e o ministro teria descoberto que a medicao indicada era a que se d aortadores de lceras. Tratava-se de uma medicao tpica da grave molstia.N ingum mais pde fazer o ministro disfarar os seus receios. O prprio md

    rocurou, inutilmente, roub-lo dvida que o atormentava, afirmando-lhe que no equele o seu mal e que a medicao tinha tambm outras aplicaes. O ministro passou

    car taciturno, apreensivo, at que, ontem, declarando aos seus ntimos que sabia morrentro em breve, manifestou desejo de confessar-se. Que chamassem o C ardealebastio Leme, uma vez que o seu estado de sade o privara de comparecer Pscoa ntelectuais, ontem realizada, e na grande cerimnia religiosa receber as graas de Deus.

    N o demorou o cardeal, amigo da famlia, a atender o pedido do ministro. Sabendoua vontade, fez-se acompanhar do Padre Franca, que o confessou.

    Ao cardeal contou o ministro os seus receios, a dvida tremenda que o consumia,

    aber possvel estar sofrendo de lcera no estmago, no escondendo o desejo que tinha matar-se, que lhe parecia maior que o poder da sua vontade, superior s foras que levia emprestar a f profunda em Deus, que sempre animou a sua alma, colocandocima dessas fraquezas humanas.Quando o cardeal saiu do palacete da rua B arata Ribeiro n

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    N ingum atendia. Foi ento arrombada a porta e constatada a brutal realidade de tustava morto o ilustre jurista, no interior da banheira, mas, vestido ainda no seu pijam

    H avia cortado os vasos do pescoo, com um profundo golpe, usando para isso a navaom que se barbeara, tendo o cuidado de colocar-se assim, para evitar, provavelmente, qsangue, na grande hemorragia que o matou, se espalhasse pelo cho do aposento."A religio no influi, no tem fora para deter a insnia momentnea do sofred

    uando o Esprito fraqueja e se deixa dominar pelas influncias exteriores de outspritos, que agem conluiados, conforme as circunstncias, as afinidades de interesses e sentimentos.N esse caso, eloquentssimo, quanta argumentao, poderosa e rica de fundamen

    ristos, deve ter sido empregada pelo ilustrado sacerdote confessor, secundado pnsinuante palavra do seu superior eclesistico!

    N o intuitivo que, emocionados pela iminncia do desmoronamento daquele rvorosamente catlico, os eminentes representantes da I greja C atlica fossem assistido

    nspirados na doutrinao daquela alma empolgada por um Esprito da Treva a querrast-la para o hediondo crime do suicdio?N o entanto, cessada a influncia da palavra que parecia t-lo convencido e conforta

    vtima tomou de novo o curso da sua perturbao e afundou no erro.A ideia do suicdio uma obsesso que deve ser extirpada pelo prprio Esprito, e conqual nenhuma palavra tem poder decisivo. A prova est nos suicdios de sacerdo

    atlicos e de freiras de tirocnio claustral.A documentao, nesta assertiva, poderia ser copiosa; mas, para documentao q

    xclua a suspeita de vaga afirmativa, bastaro dois casos tpicos.O primeiro, noticiado pelo "O Globo", de 9-8-946, refere o suicdio da freira O

    Merosova, praticado em Jerusalm, na Igreja do Santo Sepulcro.O outro, mencionado pelo "Dirio de N otcias", em sua edio de 13-2-949, apont

    uicdio do padre Andra Blanchi, que, com um tiro de revlver no estmago, se elimina Igreja, na casa de hspedes de "Santa Marta", no Vaticano.

    Eloquente tambm o eplogo do drama que foi a vida do grande escritor portuguamilo Castelo Branco.Obsidiado, pessimista, mdium que jamais deu valor ou prestou ateno s su

    aculdades medinicas, nem mesmo aos notveis fenmenos ocorridos na sua desregraxistncia, ele prprio preparou o seu triste fim.

    Dispondo de grande cultura, um tanto habituado aos trambolhes da vida que unca soube bem viver, velho heptico e no menos antigo dispptico, foi atingido por u

    mal de olhos que o levou gradativamente s fronteiras da cegueira completa.

    Sempre esperanado de melhoras ou cura, foi Passando o tempo, at consegonsultar-se com abalizado especialista, que o foi examinar na prpria residncia e de que

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    sperava a ltima palavra decisiva sobre o mal. Isso em junho de 1890.N o tendo obtido arrancar do mdico o diagnstico, ou antes, o prognstico

    nfermidade, C amilo C astelo B ranco, andando sutil, veio ficar escuta, enquanto pesa famlia acompanhava o oculista sada.Somente a o esculpio deu sua opinio sobre a molstia do grande escritor: tratava-se

    m caso perdido, de irremedivel cegueira.Ouvindo a terrvel revelao, que lhe pretendiam ocultar, Camilo C astelo B ranco, q

    esde um lustro antes pensava no suicdio, deu um tiro na cabea.Da torturante cogitao que durante tal interregno trabalhou esse Esprito,

    xaustivamente verrumado pelas necessidades da vida material, diz com eloqunciaarta que escrevera:

    Em 26 de novembro de 1886.

    10 horas da noite.Os inenarrveis padecimentos que se vo complicando todos os dias levam-me

    uicdio nico remdio que lhes posso dar. Rodeado de infelicidades de espcie morendo a primeira insnia de meu filho J orge, e a segunda os desatinos de meu filho N uada tenho a que me ampare nas consolaes da famlia. A me desses dois desgraado promete longa vida; e se eu pudesse arrastar a minha existncia at ver Ana Plc

    morta, infalivelmente me suicidaria. N o deixarei cair sobre mim essa enorme desventu

    a maior, a incompreensvel minha grande compreenso da desgraa. Esta deliberae me suicidar vem de longe, como um pressentimento.Previ, desde os trinta anos, este fim. Receio que, chegando o supremo momento, nnha firmeza de esprito para traar estas linhas. Antecipo-me hora final. Quem pur a intuio das minhas dores, no me lastime. A minha vida foi to extraordinariamen

    nfeliz que no podia acabar como a da maioria dos desgraados. Quando se ler este papu estarei gozando a primeira hora de repouso.

    No deixo nada. Deixo um exemplo. Este abismo a que me atirei o "terminus" da vereiciosa por onde as fatalidades me encaminharam.Seja bom e virtuoso quem o puder ser.Camilo Castelo BrancoSo Miguel de Seide.

    M ergulhado por esse trevoso salto no insondvel abismo do suicdio, o incautorgulhoso literato defrontou-se com as terrveis e irrecorrveis realidades do Alm-Tmu

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    nde o Esprito se choca com a muralha inderrogvel das leis eternas que regemerdadeira vida.Longe de encontrar o repouso que filauciosamente a si prprio anunciara e prometera

    obre escritor encontrou sofrimento, remorso, dores, crcere de vises aterradoras, uenrio de expiaes dolorosssimas ante o qual o seu pessimismo iconoclasta mpotente para minorar o mais leve de todos os padecimentos.

    E assim, preso ao ergstulo das punies espirituais, ficou, acorrentado poca prprecisa, em que sairia da perturbao sofredora para comunicar-se com o mundo qriminosamente abandonara antes do trmino inelutvel.

    M uito tempo depois, mais de quatro lustros decorridos, solicitado a dizer sobre o suicds o que seu Esprito transmitiu a um mdium seu patrcio:Equivale a pedirem-me sinistra sinfonia para a pera do Horrvel.N o sei dizer quanto preciso; e tudo que disser no ser, por assaz deficiente, a som

    a verdade necessria. M as no recuso o meu contingente, nem quero perder a ocasi

    ue me oferecem, de mais uma vez bradar aos incautos que se defendam de cair no abismm que me precipitei, em aziaga hora.Supe-se a que o suicdio a morte.Alguns creem que na devoluo das carnes verminadas podrido, est a extino

    ida e do sofrimento.P ara esses a libertao, a quebra da grilheta chumbada ao artelho de forado

    martrio; como para outros s remdio pronto a embaraos inextricveis de momento.H quem o creia cmodo fecho a uma vida de angstias; como h quem nele veja f

    apo por onde se pode fugir s chicotadas do Destino.Para uns cura radical de dores; para outros astuciosa maneira de fugir sorte adversaAlguns o tm como remate forado e benemrito de desiluses; outros o buscam co

    ortaria franca para a regio da Esperana.Aos descrentes finalizao lgica para dificuldades e desgostos; aos infelizes recu

    ltimo do desespero acovardado.Uns creem conquistar com ele a eterna paz do N ada: o sono tranquilo de que no

    corda mais; outros imaginam-no alavanca irresistvel para forar a porta do EsquecimenQuerem uns, com ele, esmagar remorsos de justiceiro pungir; querem outros, com escalar mais rapidamente o Cu.

    E a todos enganam as tredas e alucinadoras miragens da Tentao.No morte; no d libertao; no constitui remdio.

    N o extingue angstias, nem abre caminho fuga redentora das aoitadas do destingador.

    No sara dores, nem acaudilha deseres.N o pe fim s desiluses da alma, nem encaminha visionrios s sonhadas bandas

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    sperana.N o d, para os descrentes, razo sua estultcia; nem aos infelizes consola

    ermeadora do seu desespero pusilnime.N o conduz o msero suprema paz do N ada, nem o acalenta no eterno so

    nacordvel.N o abre aos tristes a letrgica regio do Olvido; no d aos remorseados mordaa p

    alar a grita da conscincia; nem ajuda os crentes a tomar de assalto o Cu.Para todos o suicdio o desengano.Simulando defender do infortnio, impele violentamente ao salto-mortal para o HorroNo sei de nada que lhe seja comparvel.N em a blasfmia, que eu suponho a suprema ofensa Razo; nem o fratricdio, que

    credito a suprema ofensa H umanidade; nem o matricdio, que eu presumo a suprefensa Natureza.O suicdio a suprema ofensa a Deus.

    N ele, as dores redobram de intensidade; a alma impregna-se de desesperos, que parecnfindveis no tempo e na angstia.C onstitui a cristalizao da Dor; a aflio da ansiedade que nada satisfaz; a denta

    iturante e perene do Remorso.Eu fui suicida. Querendo fugir cegueira dos olhos, fui mergulhar-me na cegueira ma.Pensando furtar-me negrura que cobria o meu viver, fui viver na treva onde

    uicidas curtem raivas, sem repouso; e blasfemam quando suplicam.

    Fui viver na pvida regio onde os rprobos se mordem e agatanham; onde gargalhae olhares em fogo e rangendo os dentes, os furiosos com juzo.Aonde o suicdio arroja os seus mrtires, num repelo brutal de louco, no penetra a L

    e Deus, nem a carcia da Esperana.L, ruge-se, geme-se, chora-se, solua-se, ulula-se, blasfema-se, pragueja-se e maldiz-

    No existe paz; no se sabe, nem se pode orar.- a caverna do Sofrimento, de que Dante s vislumbrou o portal.

    Sei que rbicas convulses l me sacudiram; que lgrimas ferventes queimaram melhos cegos; mas no adrega diz-las.As dores descomunais no se descrevem. Sentem-se, no seu ecleo titnico, mas no

    efinem. Entram pelo infinito; so o inenarrvel; so o incompreensvel.Quando o suicida supe trancar, com a morte, a porta da Agonia, abre a do ciclo infer

    o Desespero.M atando-se, no aniquila a vida; destri, s num ato de inepta rebeldia, o meio efica

    rovidencial do seu progresso; e recua, voluntariamente, a hora desejada da sua felicidad

    A vida, alm do suicdio, pertence fase humana que os homens da Terra nonhecem, para que no tm ideias apropriadas, e a que a necessidade no criou ain

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    alavras representativas. De umas e outras, todas as que a mais dolorida, mais trgicamais sugestivamente pintem o aspecto do H orrvel, no do a impresso esfumada dormentos que o suicida entra a curtir, quando, por ingnua ou velhaca presuno, suponquistar, por uma violncia da sua vontade, o termo do seu sofrer.Isto assim. bom? mau? assim. como , e, como , temos de aceit-lo. possvel que por a haja quem fizesse coisa mais de perfeio; mas Deus esqueceu-mentavelmente, de os consultar antes de completar a sua obra.Foi uma falta grave; mas j vem tarde a grita indignada dos mestres desse mundo, p

    emedi-la.Ponham de lado prospias de emendar o que est feito.Guardem as sabedorias, que podem melhor servir para adubar manhas e pouc

    ergonhas nos conclaves palreiros da asnice em que a pontificam.Conjuro os que me lerem a que me creiam sem experimentar.O desastre ser irremedivel, se no o fizerem.

    Aceitem, aceitem o fato tal ele .Aceitem a vida como a puderem fazer. C orrijam-na, corrigindo-se. Amoldem-setuaes, ainda as mais desesperadoras.A tudo mais Deus prove de remdio; mas Ele que o juiz da oportunidade de aplic-Aceitem as dores, a cegueira, as deformaes, as aberraes, o desespero, as perseguidesgraa, a fome, a desonra, a degradao, a ignomnia, a lama, tudo, tudo que de mae injusto, ou de rastejante em desprezo a Terra lhes possa dar, que so ainda coisxcelentes em desiludida comparao ao que de melhor possam chegar, pelo caminho

    uicdio."I gualmente emocionante e bela a mensagem que ao nosso C hico Xavier transm

    amilo Castelo Branco, em 1936 Aos que sofrem:"Ainda uma vez, ao escrever para o mundo, fao-o dirigindo-me de preferncia

    ofredores e aos torturados. Quem, como eu, amargo fel experimentou nas lies molorosas, durante muito tempo sentir o travo rude, oriundo dos arrependimentos tarddos remorsos acerbos. O suicdio no o sono acariciado pelos covardes e desvalidos q

    e debatem na imensa noite dos condenados; a mar traioeira que arroja os nufragos escrena e do Tormento nas escarpas pontiagudas do P avor. N o o silncio apetecue expulsa mgoas, que sana dores, que cura feridas, que enxuga lgrimas, que deiormitar o Esprito atribulado em imperturbvel quietao. o padecimento nico nislumbrado, que duplica a ansiedade e o amargor do pranto dos acovardados.Um suicida no mais do que tudo um rprobo. E quase um rprobo de Deus, se D

    o fosse o amor ilimitado e a piedade infinita.

    Os infelizes conservam o pessimismo como alegria mrbida e quase sempre esse fantasrrificante se apodera dos fracos e dos descrentes, apaga-lhes a derradeira centelha da f

  • 7/25/2019 O Martirio Dos Suicidas - Almerindo Martins de Castro

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    a esperana que lhes resta, e a noite impenetrvel se faz sentir nesses corapavorados pela tortura; abismos tenebrosos abremse-lhes sob os ps e as vtimas egueira, desamparadas e trmulas, so absorvidas nas trevas fatais. Porque necessisar que a cegueira dos olhos pouco representa em face da cegueira do corao; esiludidos se aproveitam das sombras para efetivarem a sua criminosa evaso e, mvisados pela estultcie, engasopados pela solrcia da Tentao, repelem as dores, fecunde luminosidades desconhecidas, para ingressar, surpreendidos, no detestvel pas ondeesesperanados rugem de dor, estertorando-se sob as tenazes da amargura.N umerosos trnsfugas miserveis supuseram encontrar, pela escusa sada do suicdrmo aos seus dissabores, remdio s suas aflies, sedativo s suas lceras, tranquilida

    os dias negros da fome e da misria; as mais cruis desiluses os aguardam, porm, nortas do tmulo.A inviolvel quietude da morte apenas uma figura mitolgica que a realida

    smagadora faz rolar impiedosamente do pedestal que a ignorncia lhe oferece.

    Devolver carnes apodrecidas terra no conquistar o descanso desejado, porqueorpo morre todos os dias; para que se efetue o seu desenvolvimento, mister qesapaream e nasam novas clulas conservadoras da en