o manejo da contratransferência no contexto clínico
TRANSCRIPT
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 1/25
1
O MANEJO DA CONTRATRANSFERÊNCIA NO CONTEXTO CLÍNICO1
Vanessa Coelho da Silva2
Vanessa Beckenkamp Lopez3
RESUMO
O tema contratransferência mostra-se bastante relevante e de grande importânciapara a atuação de psicólogos clínicos, devido às transformações na forma deperceber a relação entre terapeuta e paciente, hoje mais voltada para umainteração. Este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo identificar comoocorre o manejo da contratransferência com psicólogos de orientação analítica noVale do Paranhana. Para obtenção dos dados, utilizou-se uma entrevista
semiestruturada e o conteúdo foi analisado mediante a análise de conteúdo deBardin (1977). Os resultados mostraram a íntima ligação entre a utilização dacontratransferência enquanto instrumento clínico e o processo de análise pessoal doterapeuta. Além disso, identificou-se a complexidade do manejo terapêutico dacontratransferência, em relação à abstração do conceito e também pela dificuldadede pôr em palavras essa realidade. Os entrevistados expressaram a forma como asparticularidades do paciente vão interferir neste manejo e como a utilização desteinstrumento constrói e fortalece a relação terapêutica, sendo um significativo suportepsicológico para o paciente. Aspectos relacionados ao processo de formação doterapeuta também foram mencionados pelos participantes da pesquisa, compondo otripé clássico da formação psicanalítica e mantendo o processo de constanteaprendizagem e crescimento na prática clínica.
Palavras-chave: Contratransferência. Manejo terapêutico. Relação terapêutica.Análise pessoal.
ABSTRACT
The countertransference theme appears enough relevant and of great importance toactuation of clinical psychologists, due to changes in the form to perceive the relationbetween physician and patient, now more focused to a interaction. This study, of
qualitative nature, had as aim to identify how occur the countertransferencemanagement, with psychologists of analytic orientation in Paranhana Valley. In ordertto obtain data, was utilized a semistructured interview and the content was analysedby means of content analysis of Bardin (1977). The results showed the intimateconnection between the utilization of countertransference while clinical instrumentand the personal process of analysis of the physician. Over and above that, wasidentified the complexity of the therapeutic management of countertransference inrelation to the abstraction concept and also by the difficulty to put in words this reality.The interviewed expressed the manner how the patient's particularity will interfere in
1 Artigo de pesquisa apresentado ao Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara,
como requisito parcial para aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão II.2 Acadêmica do Curso de Psicologia da FACCAT, ênfase em Psicologia da Saúde. E-mail:[email protected]
3 Psicóloga, Docente do Curso de Psicologia da FACCAT e Orientador do Trabalho de Conclusão.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 2/25
2
this handling and how the utilization of this instrument builds and strengthens thetherapeutic relationship, being a significant psychologic support to the patient.Aspects connected to the formation process of the physician were also mentioned byresearch participants, composing the classic tripod of the psychoanalytic formation
and maintaining the process of constant learning and growth in clinical practice.
Keywords: Countertransference. Therapeutic management. Therapeutics relation.Personal analysis.
INTRODUÇÃO
Muitos avanços técnicos e teóricos têm sido conquistados na psicanálise,
através das constantes discussões acerca da influência que a pessoa do analista
exerce na situação analítica.
Devido a este movimento e às atuais reflexões, o tema “contratransferência”
mostra-se bastante relevante e de grande importância para a atuação de psicólogos
clínicos, devido às transformações na forma de perceber a relação entre terapeuta e
paciente, hoje mais voltada para uma “interação”.
Desenvolver as potencialidades técnicas dentro da atuação clínica, de forma
que a contratransferência possa ser uma maneira eficaz de intervenção, amplia e
promove o crescimento da dupla terapeuta/paciente, gerando maior possibilidade de
alívio ao paciente em sofrimento e mais autonomia ao terapeuta em lidar com suas
questões pessoais no processo analítico, já que “hoje sabemos que exatamente o
acontecimento transferencial também induz o analista a produzir uma resposta
emocional frente ao seu paciente” (PALHARES, 2008, p. 3).
Nacif (2010) pôde apontar que Paula Heimann, entre 1949 a 1950, foi quem
estabeleceu um marco significativo em relação à utilização da contratransferência,
devido à sua preocupação em que esse fenômeno fosse utilizado de forma favorável
ao processo analítico. A autora identificou que o terapeuta iniciante poder vir a terdificuldades de manejar as próprias reações emocionais diante de projeções mais
hostis do paciente e as chamou de contratransferências patológicas. O objetivo de
Heimann foi de promover a contratransferência à um instrumento da análise, onde
as reações pudessem ser devolvidas ao paciente de forma a estimular sua evolução
no tratamento.
As preocupações de Winnicott (1983) contribuem grandemente com este tema,
já que para ele, o terapeuta não precisa ter a pretensão de salvador do pacientenem mesmo de impor seus moralismos. O essencial neste caso é o terapeuta
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 3/25
3
buscar, através de sua análise pessoal, fortalecer constantemente seu ego,
possibilitando seu envolvimento de forma profissional e sem esforço exagerado ou
sofrimento. Este autor ainda amplia esta idéia relatando as grandes dificuldades que
os terapeutas podem enfrentar com pacientes seriamente comprometidos, devido a
uma forte pressão exercida sobre esse profissional e o surgimento de ansiedades
psicóticas, como o ódio, por exemplo, justificando a necessidade do terapeuta ter a
consciência desses sentimentos, a fim de evitar que a terapia seja mais adaptada ao
terapeuta do que às necessidades do paciente (WINNICOTT, 1978).
Portanto, é notável a necessidade de entendimento acerca da forma como os
terapeutas atuam no campo transferencial e lidam com a sua subjetividade através
da contratransferência, principalmente devido aos constantes desafios que a clínicaatual impõe aos profissionais diante das patologias atuais. Conforme Marucco e
Marucco (2004, p. 3) pode-se definir tais patologias como “aquelas que estariam nas
margens da psicopatologia e talvez também nos limites da psicanálise, já que não se
moldariam às explicações clássicas de neurose e psicose”.
Desta forma, essa pesquisa buscou investigar de forma qualitativa, como
psicólogos de orientação analítica no Vale do Paranhana estão conciliando esses
aspectos e de que forma isso é revertido em resultados terapêuticos ao paciente.Além disso, houve a intenção de aprofundar o entendimento sobre a forma como
esses terapeutas lidam com as suas questões emocionais através do manejo
terapêutico, identificar o papel da análise pessoal como possibilidade de modificação
e/ou qualificação do trabalho clínico e as possíveis influências na relação
terapêutica.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Contratransferência
A contratransferência foi identificada por Freud (1969) como um fenômeno
existente na relação entre analista e paciente, porém para ele este fenômeno foi
percebido como algo que atrapalhava o processo da análise, um tipo marcante de
resistência.
Para Freud (1969, p. 157) “o médico deve ser opaco para seus pacientes e,
como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado”. O autor
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 4/25
4
incluiu nesta visão a idéia do inconsciente do analista como entidade receptora do
inconsciente transmissor do paciente, através de uma técnica que chamou de
“atenção uniformemente suspensa” onde o analista estaria em posição de escuta de
seu paciente, cujo conteúdo só teria significado posteriormente (FREUD, 1969, p.
157).
Apesar da criação da técnica de atenção flutuante, onde era dada ênfase na
utilização do inconsciente do analista, inicialmente a contratransferência realmente
foi vista como um tipo de resistência do analista ao seu paciente, como explica
Greenson (1981), devido aos conflitos que eram despertados por características
desse paciente e suas atitudes.
A recusa e demora por parte dos analistas aceitarem a contratransferência,sendo um fenômeno essencial, não “é por acaso”. O tema parece colocar o analista
diante de sua subjetividade, seus conflitos mais secretos e extingue a tranquilizadora
sensação de superioridade em relação aos seus pacientes, demonstrando desde a
sua descoberta causar incômodo por deixar o analista frente aos seus limites
(FIGUEIRA, 1996).
Em seu estudo sobre contratransferência, Greenson (1981) novamente
contribui, quando relata que foi Heimann, entre 1950 a 1960, quem trouxe a primeiraafirmação positiva da contratransferência. O fenômeno em questão foi considerado
por ela como os diversos sentimentos que o analista experimenta em relação ao seu
paciente, devendo ser capaz de tolerar essas reações, tendo a atenção e cuidado
com a possibilidade de descarga das mesmas, que é o comportamento que o
paciente experimenta na situação analítica, e ainda utilizar esses sentimentos no
processo analítico, como uma espécie de espelho para o paciente. Conforme esta
autora, o inconsciente do analista consegue entender o inconsciente do paciente,sendo um processo e um relacionamento em um nível bastante profundo, que chega
à consciência como respostas emocionais que o analista percebe sobre seu
paciente, e a utilização da contratransferência será o uso correto dessas respostas
emocionais como chave para o entendimento e compreensão do paciente.
A nova proposta de utilização da contratransferência desencadeou um maior
enfoque na postura do analista dentro do processo analítico, assim como uma
transformação de percepção em relação ao impacto que essa presença causa no
paciente.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 5/25
5
Machado (2009), explica que o analista precisa ter a capacidade de ser um
depositário do movimento transferencial do paciente e ter uma flexibilidade suficiente
para não se contaminar com os afetos, hostilidades que lhe são direcionados, sendo
isso um risco para o sucesso da análise. Essa mesma autora ainda remete a
relevância da contratransferência na clínica da contemporaneidade devido a grande
incidência de patologias do vazio e quadros psicossomáticos, demonstrando que a
utilização da mesma se torna essencial para atingir níveis mais primitivos do
psiquismo do paciente. Justamente pela complexidade da clínica atual, se faz
necessário um amplo conhecimento por parte do analista de seus próprios pontos
cegos, desejos e conflitos, caso contrário existe o risco de se comprometer o
processo analítico.Winnicott (1978, p. 342) utilizou o termo “contratransferência com reações
objetivas” definindo que o analista “deve conseguir ter uma consciência tão completa
da contratransferência que seja capaz de isolar e estudar suas reações objetivas”,
ou seja, no contexto clínico esse fenômeno é compreendido como um conjunto de
reações emocionais despertadas no analista de forma justificada por uma situação
clínica específica que se apresenta pelas características e traços de personalidade
que mais se destacam no paciente, geralmente mais patológicos. O autor afirma quesomente através da identificação desse impacto emocional que determinado
paciente desperta no analista, é que se torna possível a condução do processo
analítico. Ainda faz uma interessante ressalva sobre a importância da análise
pessoal do analista nesse processo.
A reflexão acerca da importância da contratransferência e sua utilização no
contexto clínico com o paciente, imediatamente desperta outros questionamentos,
como por exemplo, a forma de conduzir essas reações e como esta precisa sertratada dentro do processo analítico, por meio do manejo terapêutico.
1.2 Contratransferência e manejo terapêutico
O conceito de manejo terapêutico está diretamente ligado ao de prática clínica.
Segundo Palhares (2008, p. 2), o manejo pode ser definido como “ação terapêutica”,
o que nos remete à ação do terapeuta e sua técnica em relação às demandas do
paciente. Essa autora aprofunda a idéia, referindo clínica como um espaço
específico, com tempo próprio, denominado de tempo analítico, onde se trabalhará a
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 6/25
6
atualização das vivências passadas, num tipo de fusão com esse tempo, criando-se
um espaço da intimidade.
Em um estudo, Romaro (2002, p. 5) salienta e dá ênfase a questões
pertinentes às dificuldades no manejo terapêutico:
Um dos problemas no manejo terapêutico é a intensa agressão que seexpressa na relação transferencial e que exige que o terapeuta possaconter, tolerar e compreender essas reações, sem agir de forma retaliatóriae sem sentir sua identidade ameaçada, uma vez que a fragmentação dasmanifestações transferenciais mobiliza reações contratransferenciaisintensas.
Kernberg (1995) descreveu o difícil manejo que os terapeutas enfrentam ao
tratar pacientes com transtornos graves de personalidade, como a personalidade
borderline, por exemplo. Ele alertou para a existência de transferências
extremamente primitivas desses pacientes, que são desenvolvidas em psicoterapia
psicanalítica, ligadas às características de suas relações objetais iniciais
internalizadas. Esse ponto de vista ilustra de forma muito clara a complexidade da
prática clínica, devido aos possíveis impasses terapêuticos ao atender pacientes
com graves transtornos de personalidade, em especial nos casos em que os
terapeutas não lançam mão da utilização da contratransferência como instrumento
clínico e/ou estejam com questões pessoais ou conflitos inconscientes permeando o
campo transferencial.
Ao se referir à utilização das técnicas analíticas, Zimerman (1999) define a
interpretação como um produto final entre comunicação transferencial, emitida pelo
paciente e a reação contratransferencial despertada no analista. Para ele, o manejo
da interpretação precisa ocorrer através da “acolhida, seguida de transformações em
sua mente e finalmente a devolução, sob a forma de formulações verbais”(ZIMERMAN, 1999, p. 379).
Em seu estudo sobre o amor e o ódio na contratransferência Antonelli (2006),
ressalta que Heimann (1950) alertou à possibilidade da interpretação dentro da
tarefa analítica tornar-se empobrecida, caso o analista não fizer uma consulta aos
próprios sentimentos, sendo fundamental subordinar essas reações ao tratamento.
Freud (1969, p. 177) salientou a importância da interpretação como manejo
dentro do processo terapêutico e destacou que o maior desafio incide nainterpretação da transferência:
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 7/25
7
Todo principiante em psicanálise provavelmente se sente alarmado, deinício, pelas dificuldades que lhe estão reservadas quando vier a interpretaras associações do paciente e lidar com a reprodução do reprimido. Quandochega a ocasião, contudo, logo aprende a encarar estas dificuldades comoinsignificantes e, ao invés, fica convencido que as únicas dificuldades sérias
que tem de enfrentar residem no manejo da transferência.
Não se pode tratar do tema da contratransferência e seu manejo, sem ocupar-
se da importância da relação entre analista e paciente e a qualidade do vínculo que
será estabelecido. Sousa (2009) esclarece e oferece uma distinção entre relação e
vínculo. Para ela, o vínculo é marcado pelo reconhecimento do outro, já a relação
seria um estado de indiferenciação eu-outro. Sendo assim, entre analista e paciente,
existe o vínculo possibilitando que ambos se façam presentes com imprevisibilidade,
e uma relação, onde há a previsibilidade de repetição, sendo imprescindível nesse
caso o uso da interpretação.
Portanto, para que o terapeuta possa utilizar técnicas de manejo terapêutico,
incluindo da contratransferência, é fundamental que a relação terapêutica esteja
estabelecida, e desta forma, o profissional poderá trabalhar em cima das prováveis
repetições que farão parte das demandas do paciente e que servirão como material
de análise dentro do processo terapêutico.
1.3 Relação Terapêutica
O psicoterapeuta (analista ou psicólogo analista) deve permanecervulnerável e ainda assim reter seu papel profissional durante suas horas detrabalho. Acho que o analista profissional que mantém comportamentocorreto está mais à vontade do que o analista que (ainda que comcomportamento correto) retém a vulnerabilidade que faz parte de umaorganização defensiva flexível (WINNICOTT, 1983).
Winnicott (1983) demonstra com clareza o valor que atribui ao analista manter
a sua vulnerabilidade diante do impacto que será causado pelo seu paciente, sendo
obviamente, necessário conciliar a isso a postura profissional, desde que livre de
estruturas defensivas que certamente impedirão de manter a situação analítica.
A conduta do terapeuta será crucial para que o paciente possa experenciar e
vivenciar a sua totalidade psíquica, de forma que ocorra um afastamento da posição
limitadora da psicopatologia. A pessoa do terapeuta através de uma presença
profissional plena irá oferecer uma sustentação dentro do processo, através do
“holding” (MENCARELLI; VAISBERG, 2007).
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 8/25
8
Para que ocorra o processo psicanalítico, Zimerman (1999) afirma que é
necessária a construção de um espaço chamado setting . Winnicott (1978), ao se
referir ao setting analítico, explica que este precisa “possibilitar ao paciente viver
pela primeira vez aquilo que já foi vivido”, ou seja, os movimentos de repetição do
paciente estão em busca de integração do self , o que gera a necessidade de alguém
que acolha esta demanda, proporcionando ao paciente o holding , ou seja,
sustentação emocional.
Atribuindo a mesma significância ao setting , em outras palavras, Andrea (2006)
explica que este precisa ter um caráter de segurança, onde será possível
experimentar e modificar experiências passadas que não estão bem resolvidas.
Um outro fator é lembrado por Sandler, Dare e Holder (1986), comofundamental para o estabelecimento da relação terapêutica, a aliança terapêutica.
Estes autores explicam a importância da existência de uma aliança entre paciente e
analista, porém, salientam o imenso valor dessa aliança terapêutica, principalmente
nos momentos em que o paciente sozinho não irá dispor de recursos emocionais
para suportar o peso do tratamento. Os autores definem esta aliança como sendo
uma aceitação por parte do paciente, de nível consciente ou inconsciente, da ajuda
do terapeuta em suas limitações emocionais e apesar das resistências, internas eexternas, um desejo de contribuir na tarefa analítica para a necessidade de
enfrentamento dos problemas existentes.
Todos esse fatores da técnica e prática analítica são muito coerentes quando a
intenção é estabelecer uma situação favorável para que o paciente possa se
beneficiar do tratamento. Além disso, cabe ao terapeuta, ter a preocupação de
desenvolver o seu autoconhecimento, de forma paralela e constante ao trabalho na
clínica, para que suas questões pessoais não venham a ser um impedimento noprocesso analítico, sendo bastante saudável a revisão e tratamento de conflitos em
um processo de análise pessoal.
1.4 Análise pessoal
O terapeuta seguidamente torna-se alvo de reações contratransferenciais
intensas devido aos casos clínicos e demandas com que se depara na atuação
clínica. Pode-se dar o exemplo do terapeuta que atende pacientes que foram vítimas
de trauma. Essa situação pode desencadear no profissional sofrimento psíquico,
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 9/25
9
sendo uma evidência da impotência e da fragilidade dos terapeutas como pessoas
reais e com limitações (EIZIRIK et al ., 2006).
É desta forma que o tema da análise pessoal do terapeuta mostra-se
importante e necessário, pois adquire um significado valioso, a partir do momento
que o terapeuta começa a entender o psiquismo de seus pacientes após conhecer e
compreender o seu próprio mundo interno. Ter consciência das próprias limitações
parece ser uma atitude madura e essencial para que um bom trabalho seja
desenvolvido na clínica psicanalítica. A análise pessoal nesse caso, certamente será
uma forma de transformar essas possíveis limitações ou conflitos em possibilidades
de entendimento e maior conexão com as questões inconscientes do paciente.
A questão de formação do analista implicou a necessária distinção entreanálise terapêutica e análise didática. A primeira seria destinada para um paciente
portador de sofrimento psíquico ou psicopatologia. Já a segunda seria específica
para a formação do analista, onde o foco seria o acompanhamento de um
analisando aproximadamente normal (HERRMANN, 2008), com a intenção de
adquirir o título de analista.
Menezes (2008) relembra o tripé clássico existente na formação do analista:
análise, supervisão e estudo teórico. Porém, ressalta a delicada e polêmica situaçãodo ambiente e relações institucionais que estão implicadas na análise, já que os
candidatos ao título de analista passam pelo processo de análise por colegas da
própria instituição e alerta ao risco dessa relação analista-analisando facilitar a
alienação dentro de grupos de afinidade, ao invés de proporcionar uma afirmação
singular e profissional dentro da instituição.
Independente da natureza da análise, Thormann (2009, p. 1) lembra que “toda
a análise necessita de um ambiente especial para se processar, tanto no que serefere ao ambiente físico, quanto ao clima emocional apropriado para experenciar
algo único e raro”. A formação do analista, incluindo seu processo de análise
pessoal, ou seja, sua experiência como analisando, refletem questões de sua prática
e a forma como enfrentará seus desafios na clínica.
Em um outro estudo, Menezes (2009, p. 1) reflete sobre o maior desafio do
desempenho da função analítica: “poder aceitar ser a pessoa a quem o analisando
se dirige e, em algum momento, poder também tomar alguma distância e responder
a ele desde um outro lugar”.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 10/25
10
Outro grande desafio clínico refere-se ao fato de que atualmente, o
inconsciente do analista vem ganhando muito espaço na situação analítica, gerando
uma necessidade de repensar sobre a influência que as características da pessoa
do analista podem exercer neste processo, agregando mérito ao profissional que
puder utilizar e não negligenciar tal presença, de forma que seja mais um
instrumento no exercício da função analítica (MACHADO, 2009).
2 MÉTODO
2.1 Delineamento
A presente pesquisa se caracterizou por um estudo de natureza qualitativa.Richardson (2007) recomenda que a pesquisa qualitativa é o método de
investigação mais adequado em situações que o pesquisador deseja analisar fatores
de ordem psicológica, motivacional e expectativas. “No paradigma qualitativo, o foco
é sobre o subjetivo; perspectiva de dentro para fora, os dados são reais, ricos e
profundos, não é generalizado [...]” (REICHARDT apud SCARPARO, 2000, p. 56).
2.2 ParticipantesOs participantes deste estudo foram quatro terapeutas de orientação analítica
que atuam no contexto clínico no Vale do Paranhana, com especialização na área
clínica com enfoque psicanalítico e com pelo menos cinco anos de atuação na área
clínica. O número de participantes respeitou a saturação de dados e os mesmos
foram escolhidos por conveniência.
2.3 Instrumento para coleta de dadosO instrumento utilizado para obtenção dos dados sobre o manejo da
contratransferência no contexto clínico, foi uma entrevista semiestruturada (como
consta no apêndice A do artigo). Para Cunha (1993), a entrevista pode ser definida
como um ato criativo e “a espinha dorsal de todas as profissões que lidam com a
saúde mental” (p. 29). Este autor ainda divide a entrevista em focos (transferência e
contratransferência) e objetivos (diagnóstico, prognóstico e tratamento). Para que
ocorra um manejo do entrevistador de todas as possibilidades e imprevisibilidades
que podem surgir na singularidade de cada entrevista, é necessário que este possa
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 11/25
11
apoiar-se em embasamento teórico e prático e ainda em recursos experenciados e
introjetados em seu self (SACARPARO, 2000).
2.4 Procedimentos para coleta de dados
Primeiramente foi encaminhado o projeto de pesquisa ao comitê de ética do
curso de Psicologia da FACCAT para aprovação. Após a aprovação, foi feito contato
telefônico com a finalidade de agendamento da data, horário e local para a
realização da entrevista com os psicólogos selecionados. A realização da coleta de
dados através da entrevista ocorreu no próprio consultório do psicólogo ou outro
local de trabalho do profissional (local de atuação clínica, além de sua atuação em
consultório). “É relevante o contato telefônico que antecede a entrevista com fins deobter informações para formular previamente hipóteses diagnósticas e estratégias de
trabalho” (SCARPARO, 2000, p. 105). Posteriormente, foi lido e assinado o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo a entrevista gravada e posteriormente
transcrita. As participações dos terapeutas ocorreram de forma voluntária e não
trouxe nenhum privilégio, seja ele de caráter financeiro ou de qualquer natureza. Foi
preservado o sigilo e a privacidade da identidade dos mesmos, tendo reservado o
direito de omissão de dados.
2.5 Procedimentos para análise dos dados
Após a coleta dos dados através das entrevistas, as informações obtidas na
observação e na entrevista foram transcritas, repassadas aos entrevistados para
aprovação da transcrição, sendo analisadas através do método de análise de
conteúdo de Bardin (1977). Esta análise consiste em técnicas que tratarão das
comunicações existentes na pesquisa e é composta por três fases: pré-análise,inferência e interpretação (BARDIN, 1977). Segundo Bardin (1977) a análise de
conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a dados, a
fim de torná-los passíveis de análise e tratamento científico. No final através deste
método, pretende-se obter uma síntese de acordo com o referencial teórico já
escolhido. A metodologia qualitativa, análise de conteúdo, foi escolhida para que o
tema contratransferência, assim como seus sentimentos subjetivos, possam ser
entendidos com maior profundidade (EIZIRIK et. al ., 2007).
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 12/25
12
3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1 Categoria A – A Relação Entre Análise Pessoal e Contratransferência
A análise pessoal é apontada pelos entrevistados como um aspecto bastante
significativo tanto para o entendimento da contratransferência, como para a sua
utilização em termos de técnica, demonstrando que o uso adequado passará pelas
questões subjetivas do terapeuta. Devido à predominância do tema, essa categoria
é trabalhada inicialmente.
3.1.1 Categoria A1 – A análise pessoal: a subjetividade do terapeuta na utilização da
contratransferênciaEsta sub-categoria revela a influência que a análise pessoal do terapeuta
exerce na utilização da técnica psicanalítica, através da verificação de sua
contratransferência. Os entrevistados demonstraram total consenso em relação à
íntima ligação destes dois aspectos e a grande relevância dentro da prática clínica:
O comentário a seguir, do 2º entrevistado, comprova a vulnerabilidade
emocional que o terapeuta pode apresentar em relação às questões do seu paciente
e a forma como algumas situações podem ocasionar mobilização, lembrando anecessidade de rever esses sentimentos em análise pessoal: “[...] Porque não
adianta, o paciente te traz coisas, pode entender que aquilo é dele, mas tem
momentos que tem que ir lá (análise), pra alguém te ajudar a compreender porque
aquilo mexeu tanto contigo, ou até se não tem vontade de atender alguém [...]”
(INFORMAÇÃO VERBAL)4.
A fala do entrevistado converge com a visão de Nacif (2010), quando salienta
que a pessoa do analista será a principal ferramenta do terapeuta psicanalítico, justificando a necessidade da análise pessoal. Este autor menciona que alguns
elementos primitivos e inconscientes podem agir no processo de escuta do paciente.
Outra importante atribuição à análise pessoal do terapeuta é dada por Sampaio
(2010), quando explica que o insight precisa ser um instrumento para o terapeuta,
que somente será possível através da manifestação de seus aspectos inconscientes
primitivos já elaborados e que serão identificados no paciente. Esse processo é
possível mediante o trabalho do terapeuta em sua análise pessoal.
4 Todas as informações contidas neste capítulo foram obtidas oralmente com os participantes dapesquisa.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 13/25
13
O entrevistado 4 afirma de forma incisiva, a impossibilidade de atuação dentro
da esfera psicanalítica sem ter vivenciado um processo de análise pessoal. Tal
afirmação evidencia a importância do terapeuta trabalhar em si suas questões
pessoais para sua atuação profissional: “[...] Eu não consigo imaginar um
terapeuta... podendo até compreender a questão, e podendo utilizar a
contratransferência no processo, na relação com o paciente, eu não consigo
imaginar, alguém podendo ter essa noção de transferência e contratransferência,
sem ter vivido isso (análise)... então assim, pra mim... é básico [...]”.
O participante procura demonstrar em sua fala, que a complexidade da prática
exige do terapeuta um trabalho com as suas questões pessoais. Ao se referir às
características de um terapeuta psicanalítico, as autoras Souza e Teixeira (2004) explicam que este precisa ter certos atributos, e estar em constante
aperfeiçoamento, já que a atuação profissional exige tamanha responsabilidade.
Dentre alguns atributos os autores referem a consciência deste terapeuta da
importância da análise pessoal.
3.1.2 Categoria A2 – O manejo terapêutico da contratransferência: técnica
psicanalíticaO manejo terapêutico está associado à aplicação e vivência da teoria
psicanalítica em seu conjunto de técnicas. Os relatos dos entrevistados explicitaram
a complexidade da prática clínica dentro desses moldes, demonstrando certa
dificuldade de abstrair o conceito de contratransferência, apresentando uma
tendência nos entrevistados de responder às questões dentro de aspectos gerais da
técnica psicanalítica. Outro dado interessante e predominante entre os participantes
da pesquisa acerca do manejo, é de como isso ocorre de forma particular com cadapaciente:
O entrevistado 3 aborda a questão das características individuais do paciente
como algo que irá influenciar na forma de manejo terapêutico: “[...] O manejo da
contratransferência, com cada paciente... Acho que vai depender um tanto das
questões individuais do paciente, como ta aquele atendimento, porque todos os
atendimentos são diferentes [...]”.
Complementando a fala do entrevistado, Isolan (2005) afirma que as questões
individuais tanto do paciente quanto do terapeuta, serão determinantes nos
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 14/25
14
movimentos transferenciais-contratransferenciais. Ele salienta que o gênero e o
momento em que cada membro desse par se encontra em termos de
desenvolvimento e etapa do ciclo vital também serão grandes influências em tais
movimentos. Sobre esse manejo diferenciado em relação às características
individuais do paciente, Romaro (2002) explica que deve ser analisado às possíveis
dificuldades e os potenciais de cada paciente, a fim de agregar à relação
transferencial os possíveis avanços.
A seguinte fala revela a importância do terapeuta estar atento ao manejo da
contratransferência com cada paciente em específico, assim como o entrevistado
acima, sendo que o terapeuta precisa ter a sensibilidade e empatia para revelar ou
não os sentimentos contratransferenciais, levando em conta as necessidades dopaciente: “[...] Se for benéfico pro tratamento do paciente, então... pode influenciar,
sim, de alguma forma nesse sentido, de ser exposto... ou de se falar sobre isso com
o paciente, mesmo que não for dito, eu acho que é importante a gente poder pensar
sobre esses sentimentos que aparecem [...]”.
Ao tratar sobre o manejo da contratransferência, Zusman (2006), refere o
cuidado que o analista deve ter no conteúdo a ser revelado ao paciente sobre o que
está sendo experimentado pela via contratransferencial, pois cabe ao analistapermitir ao paciente trilhar esse novo caminho e não ser substituído por um que o
terapeuta queira propor.
O 3º entrevistado novamente contribui e deixa evidente em sua fala, a
complexidade da prática clínica, assim como a dificuldade de pôr em palavras essa
experiência: “[...] Toda a questão da vivência... como passar por essas questões... a
teoria é diferente da prática... não é que é diferente, mas a teoria não consegue
explicar a prática numa forma assim tão clara, por mais que se tente [...]”.Palhares (2008, p. 4) demonstra a veracidade da fala do entrevistado acima
quando explica que “a vivência clínica aponta para algo que não é possível objetivar
numa escrita, ou numa apresentação, exatamente pela ruptura, em alguns casos
radical, da lógica temporal e espacial”. O mesmo autor refere “manejo” como a
articulação entre transferência e contratransferência, assim como a “vivacidade”
dessa experiência, sendo isso traduzido em prática psicanalítica.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 15/25
15
3.1.3 Categoria A3 – Análise pessoal e supervisão/formação: Base para a prática
clínica e conseqüentemente para se utilizar e abstrair a contratransferência
A questão da relação entre análise pessoal e vivência de supervisão/formação,
é vista nesta sub-categoria, através dos relatos dos participantes da pesquisa, como
algo importante dentro do processo analítico e trabalho na clínica em geral, sendo
valioso apoio em momentos de possíveis impasses terapêuticos, ou simplesmente
para trabalhar e compreender melhor as manifestações contratransferenciais e
questões pessoais do terapeuta para o fortalecimento profissional. Além disso, é
possível identificar uma importante atribuição por parte dos terapeutas ao tripé:
Conhecimento teórico, supervisão e análise pessoal como fatores essenciais para se
utilizar e abstrair a contratransferência:O entrevistado 2 descreve em um mesmo relato, a dificuldade de poder abstrair
alguns conceitos, dentre eles a própria contratransferência e ainda comenta a
importância do processo de supervisão dentro da clínica: “[...] Então, conceitos, que
o próprio conceito é difícil, daí discriminar no trabalho... É difícil da gente
discriminar... É complexo... Daí na supervisão relata... Porque às vezes a gente ta
relatando e já ta pensando, se dando conta [...]”.
Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003, p. 5) complementam a idéia do entrevistado,esclarecendo que a supervisão é um mecanismo pelo qual o supervisionando
poderá aprimorar as suas competências e ainda elaborar meios para perceber as
suas limitações frente à complexidade de um determinado paciente. Os autores
destacam que a supervisão é uma maneira eficiente do terapeuta desenvolver
“habilidades terapêuticas”.
O entrevistado 2 revela a importância do tripé da formação psicanalítica para a
atuação clínica e a forma como o tempo de atuação e a experiência vão fortalecendoa prática. Já o 3º participante, deixa claro a importância que a supervisão e a análise
desempenham no sucesso terapêutico e a forma como vão auxiliar o terapeuta na
compreensão da contratransferência: “[...] É fundamental. Eu acho que é uma
construção que foi se dando ao longo... enfim, da minha atuação clínica [...] E isso
eu tenho pra mim muito claro que foi uma construção, também das minhas de
leituras, do meu estudo [...] De aproveitar o que tu lembra [...]”. Afirma, ainda, “[...]
Depois ou pra além do tratamento do paciente tem toda a questão da supervisão, da
análise pessoal, porque a gente também tem que trabalhar a questão da
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 16/25
16
contratransferência [...] tem que entender o que é contratransferencial em outros
espaços... como a supervisão e a análise [...]”.
A essência do trabalho psicanalítico é descrita por Zaslavsky, Nunes e Eizirik
(2003, p. 2) através dos “três pilares básicos: a análise didática, os seminários
teóricos e a supervisão clínica de análises”. Para esses autores, esse modelo
reforça a busca constante de aperfeiçoamento para a atuação clínica e atribuem à
supervisão uma importante fonte de aprendizagem sobre fenômenos
contratransferenciais.
3.2 Categoria B – A contratransferência na relação terapêutica
O relacionamento que ocorre entre terapeuta e paciente se mostra como baseessencial para o desenvolvimento de um trabalho terapêutico, sendo a mola
propulsora para que o processo analítico possa acontecer, na busca da melhora
desse paciente. A própria utilização das ferramentas técnicas, incluindo a
contratransferência, será possível se o vínculo entre a dupla analítica estiver
estabelecido. Pôde-se constatar pelo relato dos entrevistados essa realidade dentro
da prática clínica nas seguintes sub-categorias:
3.2.1 Categoria B1 – A contratransferência na formação da aliança terapêutica
Esta sub-categoria demonstra de que forma ocorre a formação do vínculo entre
paciente e terapeuta na situação analítica, principalmente através do uso da
contratransferência, estruturando a relação entre ambos:
O entrevistado 1 demonstra a possibilidade da contratransferência ser utilizada
como forma de elo entre o terapeuta e paciente, estreitando e aproximando a dupla:
“[...] Porque se tu identifica a contratransferência, o que tu ta sentindo e de certaforma verbaliza ou coloca isso à tona pro paciente, ele sente que tu ta
compreendendo ele [...]”.
Ao refletir sobre a importância da transferência e contratransferência como
material de análise, Andrea (2006, p. 1) explica que:
[...] para que esses conceitos se convertam em material [...] é necessárioque o terapeuta possa ouvir o que é dito, tentando compreender osignificado daquela fala dentro da relação que ambos estão vivendonaquele momento específico.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 17/25
17
Desta forma, o terapeuta mantém sua atenção na subjetividade do paciente e
possíveis manifestações contratransferenciais como forma de desenvolver a relação
entre ambos.
Através da afirmação de Gomes, Ceitlin, Hauck e Terra (2008, p. 2), podemos
descrever a aliança terapêutica como “uma relação positiva e estável entre terapeuta
e paciente, que permite levar a cabo uma psicoterapia de orientação analítica”. Os
autores ainda salientam a necessidade da atenção do terapeuta em relação às
intervenções terapêuticas, que precisam ser consideradas para o fortalecimento
constante da aliança terapêutica.
Portanto, é possível associar a fala do entrevistado em relação à utilização da
contratransferência, como intervenção terapêutica promotora da aliança entreterapeuta e paciente. Sandler, Dare e Holder (1986, p. 29) lembram que o
psicanalista jamais pode se eximir de uma importante tarefa: “favorecer o
desenvolvimento de uma aliança terapêutica”, que certamente ocorrerá durante todo
o processo de tratamento do paciente.
3.2.2 Categoria B.2 – Contratransferência: Veículo de manutenção da relação
terapêutica e processo analíticoQuando a relação terapêutica foi estabelecida com qualidade, pode-se dizer
que o processo analítico está realmente ocorrendo, de forma que a utilização da
contratransferência proporcione a manutenção desse processo e a evolução do
paciente:
O 1º entrevistado propõe as manifestações contratransferenciais como reações
inevitáveis no terapeuta, principalmente em relação à situações traumáticas e
difíceis para o paciente. A forma como o terapeuta vai lidar com essas reações edevolver ao paciente, são cruciais para a melhora do mesmo e para a manutenção
da relação terapêutica: “[...] Por exemplo, sei lá, ele ta te contando uma coisa, ele ta
com muita raiva, ele ta contando aquilo e aquilo tu também fica com raiva, o jeito que
ele fala é agressivo e tu também fica com raiva, aquele sentimento vem [...] e tu
poder nomear isso: ‘acho que tu ficou muito brabo, ficou muito chateado’, ele se
sente entendido [...]”.
Através dessa situação clínica relatada pelo entrevistado, se percebe que o
terapeuta pode compartilhar de reações emocionais de sofrimento em situações
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 18/25
18
traumáticas trazidas pelo paciente, sendo importante desenvolver capacidades para
lidar e proteger seu psiquismo desses sentimentos contratransferenciais. Como
afirmam Eizirik et. al. (2006, p. 6):
“... Essas capacidades são fundamentais para o bom desenvolvimento darelação terapêutica, que, por sua vez, é uma das principais ferramentaspara a restituição da confiança e segurança interna dos pacientestraumatizados”.
O entrevistado contribui com uma importante situação existente na clínica,
onde o movimento contratransferencial contribui para a constante manutenção da
relação entre terapeuta e paciente, gerando concomitantemente o alívio do
sofrimento do paciente.
O 4º entrevistado salienta a maneira como a contratransferência vai contribuir
para a evolução do paciente e como a preocupação do terapeuta em fortalecer a
relação de ambos para buscar a melhora desse paciente é decisiva no resultado
terapêutico: “[...] No momento em que eu, lanço mão dessa ferramenta, pra poder
compreender os sentimentos do paciente através dos meus sentimentos, eu to
contribuindo para evolução do processo de terapia dele [...] pensando no bem-estar
desse paciente, eu começo a compreender como é que esse paciente funciona [...]”.Zimerman (2004) utiliza o termo “atitude psicanalítica interna do analista” para
demonstrar a forma como recursos psíquicos desse profissional serão fundamentais
no setting como forma de suprir as demandas do paciente até que o mesmo possa
desenvolvê-las. O autor afirma que essa atitude somada a uma postura mais ativa
no processo de análise, através da subjetividade do terapeuta, inclusive em relação
às interpretações, serão decisivas na evolução do tratamento.
Fica evidente que a contratransferência está associada à evolução do processoanalítico e também com a qualidade da relação que será experenciada no processo,
de forma que essa relação já é um importante suporte psicológico para o paciente.
Ao se referir à qualidade afetiva existente no campo analítico, Sampaio (2010)
lembra que a relação da dupla se dá em diferentes níveis: “ambiente, objeto e
sujeito”. Essa experiência será possível a partir do oferecimento que o terapeuta faz
de si próprio ao paciente, para que este possa utilizá-lo nesses diferentes níveis.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 19/25
19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou uma identificação mais minuciosa acerca da maneira
como os psicólogos clínicos que representam o Vale do Paranhana utilizam a
contratransferência e de que forma ocorre este manejo. A tarefa mostrou-se
complexa pelo fato do próprio conceito ser de difícil abstração, porém não menos
significativa, já que o conteúdo dos relatos dos participantes contribuiu com uma
maior visualização do tema e seus desdobramentos na prática.
Os dados coletados com os psicólogos de orientação analítica do Vale do
Paranhana mostraram que a análise pessoal é o aspecto mais lembrado e associado
ao tema contratransferência. Os resultados apontam para esse aspecto como um
tipo de “pilar” que vai possibilitar ao terapeuta entrar na situação analítica manejandoa contratransferência, e conseqüentemente obtendo êxito através do alívio do
sofrimento dos pacientes.
Essa grande predominância do aspecto da análise pessoal parece justificar a
expressão “pessoa do analista”, bastante difundida e utilizada atualmente,
demonstrando que o terapeuta é uma pessoa real no tratamento, que sofre o
impacto emocional causado pelo paciente. Sendo assim, não há como negar essa
realidade no contexto clínico, sendo fundamental e não apenas aconselhável, que omesmo trabalhe a sua subjetividade em processo de análise.
Foi identificada uma tendência dos psicólogos de tratarem o manejo da
contratransferência dentro de um conjunto mais amplo de técnicas psicanalíticas,
sugerindo uma difícil abstração da contratransferência e ao mesmo tempo, a
complexidade de pôr em palavras as características do manejo na prática. Outro
fator que esteve associado ao manejo foram as características individuais do
paciente e da influência que esse fator exerce no momento de fazer o manejoterapêutico da contratransferência.
Esses achados demonstram a complexidade da prática clínica, pois desta
forma não podemos contar com uma “fórmula”, já que cada nova dupla formada,
paciente-terapeuta, vai proporcionar um determinado campo transferencial e
conseqüentemente formas particulares de reações contratransferenciais. O
diferencial neste caso, segundo as contribuições dos entrevistados, mostrou ser a
seriedade como cada profissional conduz a sua formação, valorizando aspectos
relacionados à supervisão e novamente à análise pessoal, compondo o tripé
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 20/25
20
clássico da formação de um terapeuta psicanalítico. Os entrevistados comprovaram
que este modelo além de fortalecer a atuação clínica, também valoriza a prática
como um processo de constante aprendizagem, construção e crescimento.
O conteúdo analisado também possibilitou a contribuição acerca da maneira
como a contratransferência estrutura, fortalece e mantém a relação entre terapeuta e
paciente. Além de reforçar o vínculo e a aliança terapêutica, a utilização da
contratransferência mostrou-se como fonte de um importante suporte psicológico
para o paciente, mantendo vivo o compromisso terapêutico.
Além dos resultados acima mencionados, conclui-se que este estudo pôde
contribuir com a exploração de um tema bastante rico para os psicólogos que atuam
e que pretendem atuar na área clínica. Além disso, houve o objetivo de instigar nomeio acadêmico e em psicólogos principiantes, a relevância que as reações
contratransferenciais terão no trabalho clínico psicanalítico, já que o paciente
manterá em qualquer espaço terapêutico a sua complexidade enquanto ser humano.
O estudo demonstra a importância e necessidade dessa realidade ser trabalhada já
no momento da formação acadêmica.
Sugere-se a continuidade dos estudos da contratransferência com psicólogos
clínicos em espaços específicos de clínica e com tempos de atuação clínicadiferenciados, a fim de se identificar como ocorrem essas reações com pacientes em
situações diferenciadas e de que forma o tempo de atuação impacta no manejo da
contratransferência.
REFERÊNCIASANDREA, M. A. Transferência e contratransferência: o sentir como instrumento de
trabalho no processo grupal. Revista da SPAGESP, Ribeirão Preto, vol. 7, n. 2, dez.
2006.
ANTONELLI, E. O amor e o ódio na contratransferência: Considerações sobre o
lugar do analista em casos de difícil acesso. São Paulo: PUCSP. Dissertação
(Mestrado em Psicologia). Programa de estudos de pós-graduação, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2006.
BARDIN, L. Análise de conteúdo . Lisboa/Portugal: Ed. 70, 1977.
Reverso, Belo Horizonte, vol. 26, n.51, dez. 2004.
CUNHA, J. A. (e Cols.). Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 21/25
21
EIZIRIK, M. et. al . Contratransferência e trauma psíquico. Revista de Psiquiatria do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol.28, n.3, set.-dez. 2006.
______. Contratransferência no atendimento inicial de vítimas de violência sexual e
urbana: uma pesquisa qualitativa/quantitativa. Revista de Psiquiatria do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 29, n. 2, maio-ago. 2007.
FIGUEIRA, S.A. Contratransferência: De Freud aos contemporâneos. 1. ed. Porto
Alegre: Casa do psicólogo, 1996.
FREUD, S. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos.
Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.
Vol. XII. Trad Jaime Salomão. (Trabalho original publicado em 1911 – 1913). Rio de
Janeiro: Imago,1969.GREENSON, R. A técnica e a prática da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago,
1981.
GOMES, F. G. et. al . A relação entre os mecanismos de defesa e a qualidade da
aliança terapêutica em psicoterapia de orientação analítica. Revista de Psiquiatria
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 30, n. 2, mai.-ago. 2008.
HERRMANN, F. Análise didática: uma história feita de críticas. Jornal de
Psicanálise, São Paulo, vol. 41, n. 74, jun. 2008.ISOLAN, L. R. Transferência erótica : uma breve revisão. Revista de Psiquiatria do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol.27, n. 2, maio-ago. 2005.
KERNBERG, O.F. Transtornos graves de personalidade: Estratégias
terapêuticas. Porto Alegre: Artes médicas, 1995.
MACHADO, A. P. T. Articulação entre pessoa e função analítica. Jornada Científica
do CEP de PA – 2008. Revista do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto
Alegre, Porto Alegre, vol. 15, 2009.MARUCCO, N. C.; MARUCCO, A. V. A prática analítica atual e a problemática do
poder. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 26, n. 3,
set-dez. 2004.
MENCARELLI, V. L.; VAISBERG, T. M. J. A. Contratransferência e compaixão:
encontro clínico com um rapaz com HIV +. Psicologia Clínica, vol. 19, n. 1, 2007.
MENEZES, L. C. A análise didática: uma análise interminável? Jornal de
Psicanálise, São Paulo, vol. 41, n. 74, jun. 2008.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 22/25
22
______. Articulação entre pessoa e função analítica. Jornada Científica do CEP de
PA – 2008. Revista do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre, Porto
Alegre, vol. 15, 2009.
NACIF, T. A. Considerações sobre a contratransferência. Organiza Federación
Psicoanalítica de América Latina, Bogotá, vol. 25, set. 2010.
PALHARES, M. do C. A. Transferência e contratransferência: a clínica viva. Revista
Brasileira de Psicanálise, São Paulo, vol. 42, n. 1, mar. 2008.
RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: Métodos e técnicas. 3. ed. Porto Alegre:
Atlas, 2007.
ROMARO, R. A. O sentimento de exclusão social em personalidade borderline e o
manejo da contratransferência. Revista Mudanças, vol. 10, n. 1, 2002.SAMPAIO, L.B.P. Contratransferência: uma das perspectivas do campo.
Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro – SPCRJ. Disponível em:
<http://www.spcrj.org.br> Acesso em: 20 set. de 2010.
SANDLER, J.; DARE, C.;HOLDER, A. O paciente e o analista: fundamentos do
processo psicanalítico. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986.
SCARPARO, H. Psicologia e pesquisa: perspectivas metodológicas. Porto Alegre:
Sulina, 2000.SOUSA, D. M. Da persona a pessoa real do analista. Jornada Científica do CEP de
PA – 2008. Revista do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre, Porto
Alegre, vol. 15, 2009.
SOUZA, M. M.; TEIXEIRA, R. P. O que é ser um bom psicoterapeuta? Aletheia,
Canoas, n. 20, jul-dez, 2004.
THORMANN, L. L. O setting-incubadora: ressonâncias do pensamento de Winnicott
na clínica psicanalítica. Jornada Científica do CEP de PA – 2008. Revista do Centrode Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre, Porto Alegre, vol. 15, 2009.
WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Sindicato Nacional
dos Editores de Livros, 1978.
______. O ambiente e os processos de maturação: Estudos sobre a teoria do
desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
ZASLAVSKY, J.; NUNES, M.L.T.;EIZIRIK, C.L. A supervisão psicanalítica: revisão e
uma proposta de sistematização. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, vol. 25, n. 2, ago. 2003.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 23/25
23
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1999.
______. Manual de Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ZUSMAN, J.A. O analista trabalhando: reflexões sobre a teoria da técnica, 2006.
Disponível em: <http://www.abp.org.br> Acesso em: 15 maio de 2010.
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 24/25
24
APÊNDICE
7/23/2019 o Manejo Da Contratransferência No Contexto Clínico
http://slidepdf.com/reader/full/o-manejo-da-contratransferencia-no-contexto-clinico 25/25
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semiestruturada
1) Qual a relevância que você dá para a contratransferência em sua prática
clínica?
2) E para o manejo da contratransferência, qual a importância, em sua opinião?
3) Ainda de acordo com a sua prática profissional no âmbito e contexto clínico,
qual o papel da análise pessoal para a sua atuação?
4) Como você vê a questão da análise pessoal e o manejo da
contratransferência?
5) Como você vê a questão da contratransferência e a relação terapêutica?