o livro das fabulas hermann hesse

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  • 5/21/2018 o Livro Das Fabulas Hermann Hesse

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    O Livro das FbulasHermann Hesse

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    Dentro e Fora

    Era uma vez um homem chamado Friedrich, devotado s coisas do esprito e de vastosconhecimentos. Gostava, porm, de concentrar todo o seu saber num modo particular de pensar emenosprezava todos os demais. inha na mais alta estima a L!"ica, essa t#o ma"n$ica disciplina, eos conhecimentos a %ue dava o nome "eral de &i'ncia.

    ()uas vezes dois s#o %uatro( * costumava ele dizer. *(nisso %ue eu acredito e partindo dessaverdade %ue um homem deve usar o raciocnio(.

    +#o i"norava, claro, %ue eistiam muitas outras maneiras de pensar e interpretar as coisas, masn#o as considerava (ci'ncia( e, portanto, n#o lhes dava import-ncia. &on%uanto $osse um livre*

    pensador, n#o era intolerante no %ue dizia respeito reli"i#o. +isso comportava*se de acordo com aatitude de tcita anu'ncia dos cientistas. H muitos sculos a &i'ncia ocupava*se de tudo o %ueeistia no mundo, e estimulava o deseo de investi"ar e saber, com ece/#o de um 0nico obeto1 aalma humana. )eiava*a a car"o da reli"i#o e n#o tomava a srio as especula/2es %ue ela $aziasobre a alma mas, en$im, tolerava*as por%ue, com o decorrer dos sculos, tinham*se convertido numhbito. 3ssim, no tocante reli"i#o, Friedrich mantinha uma atitude tolerante mas o %ue

    pro$undamente lhe repu"nava e en$urecia era tudo o %ue envolvesse e $osse reconhecido comosupersti/#o. 4omente admitia o pensamento mstico e as eplica/2es m"icas entre povos

    i"norantes e atrasados %uer de uma anti"5idade remota6 %uer da atualidade primitiva e inculta decertas re"i2es e!ticas. )esde %ue eistia uma L!"ica e uma &i'ncia, deiara de $azer sentidorecorrer a esses recursos obsoletos e duvidosos.

    3ssim pensava e assim ar"umentava Friedrich. 7uando ao seu redor se mani$estavam indcios desupersti/#o, irritava*se e era como se tivesse sido tocado por al"o hostil e pernicioso.

    O %ue mais o aborrecia era encontrar tais indcios entre seus i"uais, homens cultos %ue estavam t#o$amiliarizados %uanto ele com os princpios do raciocnio cient$ico. E nada lhe era mais doloroso einsuportvel do %ue ouvir certas idias blas$emas como a %ue escutara, recentemente, de um homemde elevada cultura, %ue a$irmara esta coisa absurda1 * o raciocnio cient$ico n#o , provavelmente, a

    mais elevada, ri"orosa e intemporal $orma de pensamento mas, pelo contrrio, a mais transit!ria,vulnervel e perecvel entre todas as $ormas de pensar8 * Essa irreverente e perniciosa opini#o tinhaseus adeptos, isso n#o podia Friedrich ne"ar, mas era um re$leo da misria "erada pelas "uerras,

    pela subvers#o e pela $ome %ue assolavam o mundo, e sur"ira como uma advert'ncia, uma desculpae um aviso $antasma"!rico escrito sobre a parede branca.

    7uanto mais Friedrich so$ria com a eist'ncia dessa ne$asta idia, mais veementemente hostilizavaos %ue a propa"avam ou a%ueles %ue supunha esposarem*na secretamente. +a verdade, s! al"unsraros homens de erudi/#o tinham $ranca e abertamente con$essado sua concord-ncia com a novacorrente de pensamento %ue, se lo"rasse epandir*se e triun$ar, destruiria provavelmente osalicerces da cultura e provocaria o caos no mundo.

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    Ora, at esse momento, ainda n#o se che"ara a tal ponto e os cientistas %ue tinham de$endidoabertamente a nova idia eram t#o poucos %ue podiam per$eitamente passar por indivduosec'ntricos ou $anticos. 9orm, uma pe%uena "ota do veneno, uma t'nue irradia/#o desse

    pensamento, era perceptvel a%ui e ali. +as camadas do povo e entre as pessoas semicultas senotava o $lorescimento de uma srie de seitas, de escolas, de correntes com seus mestres ediscpulos, pre"ando ensinamentos em %ue a L!"ica e a &i'ncia n#o tinham vez. O mundo

    come/ava de novo se enchendo de supersti/2es, artes ocultas, ma"ia ne"ra, misticismo,necrom-ncia e outras mani$esta/2es %ue o racionalismo %uase etin"uira e %ue era ur"entecombater de novo. :as a &i'ncia, talvez em virtude de um sentimento de ntima $ra%ueza e de malcompreendida toler-ncia, silenciava.

    ;m dia, Friedrich $oi visitar um de seus ami"os, com %uem realizara diversos estudos. H muitotempo %ue n#o se viam e, en%uanto subia as escadas, procurou lembrar*se de %uando estivera pela0ltima vez na casa desse ami"o. Embora pudesse "abar*se, habitualmente, de uma ecelentemem!ria, desta vez n#o conse"uia recordar esse pormenor.

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    Friedrich empalideceu e manteve*se im!vel por instantes. 3 estava8 3 estava o %ue ele tantotemia8 Em outra poca, talvez tolerasse a%uilo, talvez encarasse a%uela $rase com indul"'ncia, comouma ino$ensiva e, em 0ltima anlise, compreensvel mani$esta/#o de sentimentalismo, di"na de serestudada. :as a"ora era di$erente. inha a certeza de %ue a%uelas palavras n#o tinham sido anotadas

    por causa de uma $u"az disposi/#o potica nem por um capricho %ue $izera Er=in retomar, ap!s

    tantos anos, um hbito da uventude. O %ue ali estava escrito, na%uela parede, era uma con$iss#o do%ue ocupava atualmente o esprito do ami"o1 era uma prova de misticismo. Er=in era mais umrene"ado.

    3 passos lentos, diri"iu*se ao ami"o, cuo sorriso resplandecia de novo.

    * Eplica*me a%uilo * intimou Friedrich.

    * +#o conhecias essa senten/a? inda"ou Er=in, amavelmente, er"uendo a cabe/a.

    * 4im, claro %ue conhe/o8 @ uma senten/a mstica, puro "nosticismo8 alvez tenha al"uma poesia,

    n#o discuto. :as o %ue eu deseo %ue me epli%ues por %ue a tens pendurada na parede.

    * &om todo o prazer * replicou Er=in. * Essa senten/a uma espcie de introdu/#o novaepistemolo"ia, a cuo estudo me dedico atualmente e %ual devo al"umas $elizes realiza/2es.

    Friedrich mal podia esconder seu des"osto.

    * )izes %ue ent#o uma nova ci'ncia do conhecimento? E acaso isso eiste? 7ue nome tem?

    * Oh, na verdade, s! nova para mim. )e um ponto de vista hist!rico, uma ci'ncia bem anti"a erespeitvel, embora a conhecessem sob outro nome1 :a"ia.

    3 ne"re"ada palavra8 Eis %ue ela $ora pronunciada8 Friedrich, pro$undamente surpreendido, %uaseassustado, diante de uma con$iss#o t#o clara, via*se $rente a $rente com seu inimi"o supremo, na

    pessoa do ami"o. 4entiu arrepios e permaneceu calado. +#o sabia se estava mais pr!imo da c!leraou se da compai#o e das l"rimas. )e %ual%uer modo, $oi assaltado por uma terrvel sensa/#o de

    perda irremedivel. 3 amar"ura n#o o deiava encontrar palavras. )epois, com uma ironia $or/adana voz, inda"ou1

    * 3bandonaste, ent#o, a carreira de cientista para te tornares um... um $eiticeiro, isso?

    * Eatamente * retor%uiu Er=in sem hesitai..

    * 3prendiz de $eiticeiro, eh?

    * &orreto.

    Friedrich calou*se de novo, literalmente perpleo. Ouvia*se o ti%ue*ta%ue de um rel!"io no %uartovizinho, tal o sil'ncio %ue reinava no "abinete.

    * 4abes %ue, com isso, deiaste de ter %ual%uer coisa em comum com a &i'ncia, %ue essa tuaepistemolo"ia n#o tem nenhuma rela/#o com a verdadeira teoria do conhecimento, en$im, %ue

    nenhuma seriedade pode haver num estudo %ue se baseia em $alsas premissas? E tambm deves

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    saber, sem d0vida, %ue n#o pode haver %ual%uer rela/#o entre n!s dois?

    * Eu esperava %ue sim * respondeu Er=in. * :as se colocas as coisas nesse plano... %ue posso eu$azer?

    * O %ue podes $azer? * interrompeu Friedrich, %uase "ritando. * +#o sabes o %ue podes $azer?

    3cabar com essa brincadeira de mau "osto, com essa triste cren/a em artes sobrenaturais, indi"nade um homem de saber8 Aomper completamente e para sempre com tudo isso8 B tudo o %ue te restaa $azer, se acaso %ueres conservar a minha amizade e o meu respeito.

    Er=in sorria, embora n#o parecesse t#o ovial %uanto antes.

    * Falas assim * disse ele em tom baio, de maneira %ue a voz irritada de Friedrich ainda pareciaressoar no "abinete * $alas assim como se tudo dependesse da minha vontade, como se estivesse emmeu arbtrio escolher um ou outro rumo, Friedrich. :as n#o e assim. +#o me compete optar. +#o$ui eu %ue escolhi a ma"ia. Foi ela %ue me escolheu. Friedrich soltou um pro$undo suspiro.

    * Ent#o passa bem. * E levantou*se, sem estender a m#o ao ami"o.

    * 3ssim n#o8 * eclamou Er=in, a"ora mais a"itado. * +#o, assim n#o %uero %ue me deies.

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    passou a revestir*se de dezenas, centenas de si"ni$icados. E nesse ponto %ue come/a a%uilo %ue tumais temes e detestas1 a :a"ia.

    Friedrich $ranziu o cenho e %uis interromp'*lo mas Er=in olhou*o, tran%uilizador, e prosse"uiu1

    * 9ermiti*me %ue te d' um eemplo. Leva da%ui uma coisa %ue me pertence, al"um obeto e, de vez

    em %uando, observa*o. Deri$icars %ue, ao contempl*lo, o obeto em si, com suas caractersticaspr!prias e limitadas, suscitar no teu

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    &omo esse mostren"o de duas caras, esse peda/o de barro mal*acabado, tinha penetrado em suavida e o atormentava8

    :eses depois, Friedrich re"ressou de uma curta via"em * de vez em %uando, empreendia essasecurs2es como se al"o o impelisse a $az'*lo, movido por uma s0bita intran%5ilidade entrou emcasa, passou pela ante*sala, $oi saudado pela sua "overnanta e leu a correspond'ncia %ue o

    a"uardava. Estava, porm, in%uieto e distrado, como se tivesse es%uecido al"o importante6 nenhumlivro lhe apetecia ler, em nenhuma cadeira se sentia con$ortvel. )ecidiu eaminar seus pr!priossentimentos1 o %ue lhe estava acontecendo, de repente? eria es%uecido al"uma coisa importante?4o$rera al"um contratempo? &omera al"o preudicial? entava lembrar*se. Ae$letia e procuravaconcluir se essa inc>moda sensa/#o o acometera antes de entrar em casa, ou depois, na ante*sala,ou... eve um brusco sobressalto e correu para a ante*sala, procurando instintivamente com o olhara estatueta de porcelana.

    ;ma estranha sensa/#o lhe percorreu o corpo %uando n#o viu em seu lu"ar o dolo de duas caras.&omo poderia ter desaparecido? eria $u"ido em suas pe%uenas pernas de barro? Doado? 3l"umestranho $eiti/o o chamara para as lon"n%uas para"ens donde viera?

    Friedrich rea"iu, sacudindo a cabe/a e repreendendo*se, sorridente, pelo desprop!sito de suaan"0stia. )everia, em primeiro lu"ar, descobrir a estatueta em al"um outro ponto, procurando*acalmamente na casa. alvez, distrado, a tivesse mudado de lu"ar. )epois, n#o a encontrando,chamou a "overnanta. Embara/ada, con$essou %ue a%uela estatueta lhe escorre"ara das m#os,%uando arrumava a ante*sala.

    * E onde est?

    * +#o eiste mais. ive*a vrias vezes na m#o, parecia*me uma coisa t#o $orte e resistente. :as aocair des$ez*se em mil peda/os. Ficou irrecupervel, doutor. o"uei*a no lio.

    Friedrich mandou a "overnanta retirar*se. 4orriu. +#o $icara contrariado. 9or )eus, %ue n#o sentiapena al"uma pela perda do $eio manipanso. Estava livre dele. 3"ora teria sosse"o. Era o %ue deveriater $eito lo"o no primeiro dia1 espati$ado a%uela coisa em mil peda/os8 3"ora se apercebia do %ueso$rera todo esse tempo8 &omo o dolo lhe sorria com sua dupla cara indolente, maliciosa, velhaca,diab!lica8 %ue a estatueta n#o mais eistia, podia con$essar1 sim, ele temia, sinceramente temiaa%uele peda/o de barro cozido. +#o era, a$inal, um smbolo de tudo o %ue para Friedrich era hostil einsuportvel, tudo o %ue ele tinha na conta de pernicioso, de"radante e a ser implacavelmentecombatido supersti/#o, obscurantismo, $or/as inimi"as da clareza de consci'ncia e de esprito? +#orepresentava a%uela brutal $or/a tel0rica, a%uele distante terremoto %ue amea/ava, por vezes,

    destruir a verdadeira cultura sob um caos de trevas? 3%uela msera ima"em n#o lhe roubara o seumelhor ami"o * n#o s! o roubara como o convertera em adversrio? Com, a coisa tinhadesaparecido. 7uebrada. :orta. Era bom assim, muito melhor do %ue se ele pr!prio a tivesse%uebrado.

    Friedrich continuou dedicado a seus estudos e tare$as.

    :as parecia uma maldi/#o. 3"ora, %uando se habituara mais ou menos presen/a da ridculaestatueta e a v'*la no seu lu"ar da ante*sala6 %uando, com o decorrer do tempo, se lhe tornara$amiliar e indi$erente... come/ava a sentir sua $alta8 4im, sentia $alta dela. oda a vez %ue passava

    pela ante*sala e via o lu"ar vazio %ue a estatueta costumava ocupar, uma estranha an"0stia se

    apossava de Friedrich. O vazio ampliava*se em toda a ante*sala, penetrava no seu "abinete de

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    estudo, nos %uartos, um vazio estranho e cruel por toda a casa, como a s0bita aus'ncia $ria de umparente muito %uerido.

    )ias horrveis e piores noites vieram torturar Friedrich. 3 $alta do dolo de duas caras obcecava*o edominava seus pensamentos. n#o era apenas %uando passava pela ante*sala e via o lu"ar vazio,oh n#o, Fiedrich sentia*se impelido a pensar nele a %ual%uer momento, desaloando de seu esprito

    tudo o mais. Era como se a pr!pria estatueta tivesse $isicamente se instalado em sua mente e, demodo implacvel, $osse roendo, devorando. tudo o mais %ue l dentro encontrara, "erando em seuntimo um vazio semelhante ao %ue criara no resto da casa.

    &omo se %uisesse convencer*se do absurdo %ue era lamentar a perda do insi"ni$icante obeto,recordava*o mentalmente em todos os seus pormenores. Aevia*o em toda sua tosca $ealdade, comseu sorriso velhaco e... sim, che"ava mesmo a tentar, com a boca torcida, imitar a%uele sorriso83ssediava*o a per"unta1 as duas caras seriam realmente i"uais? ;ma delas, talvez a causa de uma

    pe%uena rachadura no vidrado, n#o teria uma epress#o li"eiramente di$erente da outra? ;maepress#o al"o interro"ativa? &omo o sorriso da Es$in"e? 3h, e como era pavorosa a cor da pintura8Era verde... n#o, tambm tinha azul. Ou era cinza? inha a certeza de %ue tambm havia um pouco

    de vermelho. Era um vidrado %ue Friedrich encontrava a"ora em muitos outros obetos1 via*o no$aiscar de um raio de sol, batendo na vidra/a de uma anela, nos re$leos da chuva %ue batia nas

    pedras da cal/ada...

    4obre o vidrado da estatueta tambm pensara muito durante a noite. )ava*se conta de %ue (vidrado(era uma palavra es%uisita, desa"radvel, $alsa, petulante. 3nalisava*a, decompunha*a com raiva,soletrava*a $urioso. 4! o diabo saberia dizer a %ue soava, de $ato, essa palavra ruim, cheia de duplossentidos. Finalmente, lembrou*se de ter lido h muitos anos, durante uma via"em, um livro %uesimultaneamente o espantara, torturara e, de modo secreto o $ascinara. &hamava*se A PrincesaVidrada. Era uma verdadeira maldi/#o8 udo o %ue se relacionava com a estatueta - a cor, ovidrado, o sorriso * si"ni$icava hostilidade, veneno, $eiti/o. 3 9rincesa tambm $ora trans$ormada

    por um inimi"o %ue escondera sua maldade sob o arti$cio de um sorriso. E recordou ent#o oestranho sorriso do seu e*ami"o Er=in, %uando lhe entre"ou a estatueta8 #o estranho, t#oveladamente hostil.

    Friedrich lutava coraosa e virilmente contra essa obsess#o %ue lhe torturava o esprito e n#o se podedizer %ue era mal sucedido em sua batalha. 9ressentia nitidamente o peri"o e n#o %ueriaenlou%uecer. 9re$eria mil vezes morrer. 3 lucidez mental era imprescindvel, a vida n#o. E admitiu%ue talvez isso $osse o resultado de uma obra de ma"ia, %ue Er=in, com a auda dessa estatueta, otivesse en$eiti/ado de al"um modo * $azendo com %ue ele, o de$ensor implacvel da inteli"'nciaesclarecida e da ci'ncia, casse em poder dessas $or/as ocultas. :as... se isso $osse verdade, se ele

    era capaz de admitir essa possibilidade... ent#o eistia, sim, ent#o a ma"ia era uma realidade8 +#o,era pre$ervel morrer a admitir semelhante coisa8

    ;m mdico receitou*lhe passeios e ablu/2es. I noite, procurou al"umas vezes distrair*se nastavernas movimentadas. :as pouco adiantava. 3maldi/oou Er=in e amaldi/oou*se a si pr!prio.

    &erta noite, estava ele deitado em sua cama e, como ocorria com $re%5'ncia nessa poca, despertoantes do tempo, sem conse"uir conciliar de novo o sono. 4entia*se indisposto e assustado. 9erdera aanti"a con$ian/a nos poderes absolutos de sua inteli"'ncia. 7ueria raciocinar, procurar con$orto emal"umas $rases l0cidas, tran%5ilizantes, al"o como (dois e dois s#o %uatro(. :as nada lhe acudia mente, $icava balbuciando $rases indistintas e con$usas, articulando palavras sem sentido eato. 9or

    vezes, seus lbios moviam*se instintivamente para pro$erir a%uela $rase %ue vira escrita al"ures, %ue

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    tivera diante dos olhos, n#o sabia bem onde. E balbuciava*a entre dentes, como se %uisessenarcotizar*se, como se tentasse voltar do caminho estreito beira de um abismo insondvel para asdelcias do sono perdido.

    )e s0bito, ao $alar mais alto, as palavras apenas balbuciadas penetraram, de cho$re, em seuconsciente. Friedrich as conhecia a"ora. Ouvira*as nitidamente. 4ua pr!pria voz clamava1 (4im,

    a"ora ests dentro de mim8( &ompreendeu imediatamente o %ue isso si"ni$icava. 4abia %ue essaspalavras se re$eriam estatueta de porcelana e %ue, nessa hora da noite, com um ri"or implacvel, apro$ecia de Er=in estava se cumprindo1 a%uela $i"ura "rotesca %ue ele tivera em suas m#os e olharacom desprezo, n#o estava mais $ora dele, estava dentro8 (9ois o %ue est $ora, est dentro.(

    Levantou*se de um salto, como se "elo e $o"o percorressem seu corpo a um s! tempo. O mundo"irava verti"inosamente sua volta. Friedrich vestiu*se s pressas, saiu de casa e correu, envolto

    pela noite da cidade adormecida, casa de Er=in. Diu luz acesa no conhecido "abinete de estudosdo velho ami"o. O port#o estava aberto. udo parecia indicar %ue era esperado. r'mulo, empurroua porta do "abinete de Er=in e apoiou*se, %uase des$alecido, na escrivaninha. &om o rostoiluminado pela suave luz do abaur, Er=in sorria. Levantou*se de sua poltrona e, a$avelmente, disse1

    * Ent#o vieste. 4im, $oi bom %ue viesses.

    * u... estavas minha espera? * murmurou Friedrich.

    * Espero*te, como sabes, desde o instante em %ue saste de minha casa, levando o meu pe%uenopresente. 3conteceu, por acaso, a%uilo %ue te disse a%uela vez?

    * 3conteceu * sussurrou Friedrich. * O teu dolo est a"ora dentro de mim. +#o o suporto mais.

    * 9osso audar*te? * inda"ou Er=in.

    * +#o sei, n#o sei. Faz o %ue %uiseres. Fala*me de tua ma"ia. Eplica*me como o dolo poder sairnovamente de mim.

    Er=in colocou a m#o no ombro do ami"o. Levou*o at uma poltrona e convidou*o a sentar*se.)epois, diri"iu*se carinhosamente a Friedrich, num tom %uase paternal.

    * O dolo sair novamente de ti. &on$ia em mim. &on$ia sobretudo em ti mesmo. &om eleaprendeste a crer. 3"ora ters de aprender a am*lo. 4im, ele est dentro de ti mas sabes %ue n#omorreu. 9or en%uanto, tampouco al"o com vida. &ircula em ti como um espectro, um $antasma

    sem vida pr!pria. 3corda*o, $ala com ele, inda"a*o, insu$la*lhe vida. Friedrich, ele tu mesmo8 +#oo odeies, n#o o temas, n#o o tortures... como tens torturado a%uele pobre dolo %ue s tu8 :eu pobreami"o, como te amar"uraste a ti pr!prio8

    * B esse o caminho da ma"ia? * per"untou Friedrich, a$undado na poltrona, a epress#o envelhecida.4ua voz era suave.

    * Esse o caminho * respondeu Er=in. * E o passo mais di$cil deste. 9oders ne"ar a tua pr!priaeperi'ncia? 7ue o $ora pode tornar*se dentro? ens vivido alm das $ronteiras dos pares opostos.9areceu*te um in$erno? 9ois acredita, ami"o, %ue o cu. @ o cu %ue te espera. E %ue nome se

    poder dar, se n#o o de ma"ia, a al"o %ue troca o $ora por dentro, n#o por coa/#o, n#o com

    so$rimento, como at a"ora aconteceu conti"o, mas livremente, por uma imposi/#o da nossa pr!pria

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    vontade? 3ssim poders invocar o teu passado e o teu $uturo, pois ambos se encontram dentro de ti.3t hoe, Friedrich, tens sido escravo do teu ntimo. 3prende a ser o seu senhor.