o império do imediato

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Tese de doutorado em comunicação

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  • MARTIN KUHN

    IMPRIO DO IMEDIATO: A URGNCIA COMO

    ARGUMENTO DE VENDAS NA COMUNICAO

    MERCADOLGICA

    Universidade Metodista de So Paulo

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social

    So Bernardo do Campo - SP, 2011

  • MARTIN KUHN

    IMPRIO DO IMEDIATO: A URGNCIA COMO

    ARGUMENTO DE VENDAS NA COMUNICAO

    MERCADOLGICA

    Tese apresentada em cumprimento parcial

    s exigncias do Programa de Ps-

    Graduao em Comunicao Social, da

    UMESP Universidade Metodista de So Paulo, para obteno do grau de Doutor.

    Orientador: Prof. Dr. Daniel dos Santos

    Galindo

    Universidade Metodista de So Paulo

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social

    So Bernardo do Campo - SP, 2011

  • FICHA CATALOGRFICA

    K955i

    Kuhn, Martin

    Imprio do imediato: a urgncia como argumento de vendas na

    comunicao mercadolgica / Martin Kuhn. 2011.

    209 f.

    Tese (doutorado em Comunicao Social) --Faculdade de

    Comunicao da Universidade Metodista de So Paulo, So Bernardo

    do Campo, 2011.

    Orientao : Daniel dos Santos Galindo

    1. Imediatismo - Comunicao de mercado 2. Sociedade de

    consumo 3. Publicidade 4. Comunicao mercadolgica I. Ttulo.

    CDD 302.2

  • FOLHA DE APROVAO

    A tese de doutorado sob o ttulo Imprio do imediato: a urgncia como argumento de

    vendas na comunicao mercadolgica, elaborada por Martin Kuhn, foi defendida e

    aprovada com louvor em 26 de outubro de 2011, perante banca examinadora composta por

    Daniel dos Santos Galindo (Presidente/UMESP), Ciclia Maria Krohling Peruzzo

    (Titular/UMESP), Wilson da Costa Bueno (Titular/UMESP), Eugnio Rondini Trivinho

    (Titular/PUC-SP), Joo Lus Anzanello Carrascoza (Titular/USP/ESPM).

    __________________________________________

    Prof. Dr. Daniel dos Santos Galindo

    Orientador e Presidente da Banca Examinadora

    __________________________________________

    Prof. Dr. Laan Mendes de Barros

    Coordenador do Programa de Ps-Graduao

    Programa: Ps-Graduao em Comunicao Social

    rea de Concentrao: Processos Comunicacionais

    Linha de Pesquisa: Processos de Comunicao Institucional e Mercadolgica

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, fonte de toda sabedoria e inspirao.

    Ao meu orientador Daniel Galindo, por compartilhar to generosamente seu conhecimento e

    direcionar com maestria os rumos desta pesquisa.

    Ao Centro Universitrio Adventista de So Paulo (Unasp), por valorizar o meu trabalho e

    investir com confiana na minha formao.

    minha esposa Denise, pelo carinho e amor incondicional. Sua companhia me traz paz e

    motivao necessria para superar os desafios de qualquer jornada.

    Ao pastor e amigo Paulo Martini, por ser um lder que me inspira e por apoiar irrestritamente

    minhas iniciativas.

    Aos meus pais Helmo e Ester Kuhn, que sempre acreditaram no valor da educao e por

    serem os meus mais importantes professores.

    Aos meus sogros Claudio e Regina Vital, pela generosidade e pelo exemplo de trabalho e

    interesse no semelhante.

    Ao Tales Tomaz, pelos dilogos e sugestes de leituras que contriburam para ampliar a

    compreenso do tema proposto e tambm pela ajuda na reviso final desta tese.

    Henrianne Barbosa, pelos incentivos e validaes que elevaram a minha confiana e me

    fizeram acreditar ainda mais no valor da minha pesquisa.

    Ao Luis Henrique dos Santos, pela amizade e apoio incondicional nas mais variadas

    situaes e por compartilhar comigo sua lucidez de pensamento.

    Ao meu irmo Wagner Kuhn, que mesmo distncia encontrou caminhos para me motivar.

  • Ao Ivo Suedekum, a quem considero como irmo, por compartilhar comigo sua experincia.

    Seus conselhos aceleraram e ampliaram o meu amadurecimento pessoal e profissional.

    Ao amigo Valdecir Lima, a quem Deus concedeu mente privilegiada e corao disposto.

    Muitas das minhas ideias so frutos dos nossos dilogos.

    Ao Wilton Costa (Tuiu), por levar a pesquisa dimenso do vdeo, oferecendo este trabalho

    acadmico numa outra linguagem.

    Aos professores Wilson da Costa Bueno, Ciclia M. K. Peruzzo, Isaac Epstein, Adolpho

    Queiroz, Antonio Carlos F. Rutolo, pelas contribuies multidisciplinares.

    Ao professor Paulo Bastos Martins, que abriu as primeiras portas para o stricto sensu

    aceitando-me nas suas classes no departamento de Multimeios da Unicamp.

    Ao amigo Adolfo Surez, pelas palavras de nimo e sugestes de leituras.

    Aos colegas de ps-graduao Karla Ehrenberg, Laercio Bento, Marcos Paulo da Silva,

    Claudia Gouveia Franco, pelo convvio fraterno e motivador no ambiente da Umesp.

  • Ttulo:

    IMPRIO DO IMEDIATO: A URGNCIA COMO ARGUMENTO DE VENDAS NA

    COMUNICAO MERCADOLGICA

    Autor:

    Martin Kuhn

    RESUMO

    Esta tese analisa as relaes da comunicao de mercado com a obsesso pelo imediato

    presente na cultura social contempornea. Vive-se hoje numa sociedade marcada pelo

    consumo intenso, em tempo real e no restrito por distncias. Para acelerar a circulao de

    produtos e servios, as empresas tentam estimular o mercado atravs de anncios

    que incorporam em sua linguagem as caractersticas de urgncia e imediatismo observadas e

    extradas da sociedade. Sob uma perspectiva social, esta tese discutiu a presena do elemento

    tempo na vida contempornea e sua apropriao pela comunicao mercadolgica.

    A pesquisa foi desenvolvida sob o mtodo de anlise de contedo em mais de trezentos

    comerciais de televiso e em cerca de duzentos anncios impressos que apresentaram slidas

    evidncias dessa apropriao da cultura de urgncia e imediatismo pela comunicao de

    mercado. A nfase no urgente e no imediato refora e estimula o modelo social vigente. Em

    outras palavras, a soma de um estilo de vida que cultua a velocidade com a presena de tais

    elementos na comunicao de mercado contribui para a promoo de uma ditadura do agora,

    baseada na promessa do prazer instantneo. Esses elementos que caracterizam a sociedade

    contempornea so, do ponto de vista comercial, eficientemente apropriados pela

    comunicao de mercado, uma vez que essa condio social, quando transformada em

    argumento de vendas, contribui para provocar no consumidor um estado de consonncia com

    suas cognies.

    Palavras-chaves:

    Comunicao de mercado, urgncia, sociedade de consumo, imediatismo, publicidade.

  • Titulo:

    IMPERIO DE LO INMEDIATO: LA URGENCIA COMO ARGUMENTO DE VENTAS

    EN LA COMUNICACIN DE MERCADO

    Autor:

    Martin Kuhn

    RESUMEN

    Esta tesis analiza la relacin de la comunicacin de mercado con la obsesin por lo

    inmediato, presente en la cultura social contempornea y manifiesta en los anuncios

    publicitarios. Vivimos en una sociedad marcada por el consumo intenso en tiempo real y no

    limitado por la distancia. Para mantener vivo el ritmo de consumo, las empresas tratan de

    estimular el mercado a travs de anuncios que incorporan en su lenguaje las caractersticas

    de urgencia e inmediatez que se observan y extraen de la sociedad. Desde una perspectiva

    social, esta tesis discuti la presencia del elemento de tiempo en la vida contempornea y su

    apropiacin por parte de la comunicacin mercadolgica. La investigacin se desarroll bajo

    el mtodo de anlisis de contenido en ms de trescientos comerciales de televisin y

    alrededor de doscientos anuncios impresos, que presentaron evidencia slida de la

    apropiacin de la cultura de urgencia e inmediatez por parte de la comunicacin

    mercadolgica. Este nfasis en lo urgente y en lo inmediato refuerza y fomenta el modelo

    social existente. En otras palabras, la suma de un estilo de vida que adora la velocidad con la

    presencia de dichos elementos en la comunicacin de mercado contribuye para la promocin

    de una dictadura del ahora, basndose en la promesa del placer instantneo. Estos elementos

    que caracterizan la sociedad contempornea son, del punto de vista comercial,

    eficientemente adecuados por la comunicacin de mercado, ya que la condicin social

    contempornea, cuando se transforma en punto de venta, contribuye para provocar en el

    consumidor un estado de consonancia con sus cogniciones.

    Palabras clave:

    Comunicacin de mercado, urgencia, sociedad de consumo, inmediatismo, publicidad.

  • Title:

    EMPIRE OF THE IMMEDIATE: THE URGENCY AS A SELLING APPROACH IN THE

    MARKETING COMMUNICATION

    Author:

    Martin Kuhn

    ABSTRACT

    This thesis analyzes the relationship of market communication with the obsession for

    immediacy present in contemporary social culture and manifested in advertising. We live in

    a society marked by intense consumption in real time and not restricted by distances. To

    keep alive this pace of consumption, companies try to stimulate the market through a type of

    advertising that incorporates in its language features of urgency and immediacy observed

    and extracted from society. From a social perspective, this thesis discussed the presence of

    the time element in contemporary life and its appropriation by marketing communication.

    The research developed based on the method of content analysis studied more than three

    hundred television commercials and about two hundred printed advertisements which

    presented solid evidence of this appropriation of the culture of urgency and immediacy by

    market communication. This emphasis on the urgent and on the immediate strengthens and

    stimulates the existing social model. In other words, the sum of a lifestyle that worships

    speed with the presence of such elements in the market communication contributes to the

    promotion of a dictatorship of the now, based on the promise of instant gratification. These

    elements that characterize contemporary society are, from the commercial point of view,

    effectively appropriated by market communication as this contemporary social condition,

    when transformed into selling points, contributes to cause a state of harmony with the

    consumers cognitions.

    Key words:

    Market communication, urgency, consumer society, immediacy, advertising.

  • LISTA DE IMAGENS, GRFICOS E TABELAS

    IMAGENS

    Imagem 1 Anncio Telefnica Speedy .................................................................... 43

    Imagem 2 Anncio Intel ........................................................................................... 46

    Imagem 3 Anncio Intel ........................................................................................... 47

    Imagem 4 Anncio Casas Bahia ............................................................................... 95

    Imagem 5 Anncio Fiat ............................................................................................ 97

    Imagem 6 Anncio leos Salada ........................................................................... 101

    Imagem 7 Anncio Ecosport .................................................................................. 102

    Imagem 8 Anncio Semp Toshiba ......................................................................... 106

    Imagem 9 Anncio Philips ..................................................................................... 107

    Imagem 10 Anncio Renner ................................................................................... 108

    Imagem 11 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 109

    Imagem 12 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 110

    Imagem 13 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 110

    Imagem 14 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 111

    Imagem 15 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 111

    Imagem 16 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 112

    Imagem 17 Anncio Brastemp ............................................................................... 114

    Imagem 18 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 115

    Imagem 19 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 117

    Imagem 20 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 117

    Imagem 21 Anncio Philco-Hitachi ....................................................................... 120

    Imagem 22 Anncio Tok Stok................................................................................ 121

    Imagem 23 Anncio Casas Bahia ........................................................................... 121

    Imagem 24 Anncio Ford ....................................................................................... 131

    Imagem 25 Anncio TIM ....................................................................................... 150

    Imagem 26 Anncio Ford ....................................................................................... 151

    Imagem 27 Compilao de cenas do anncio do Renault Clio .............................. 162

    Imagem 28 Montagem a partir de anncios da campanha Porque a vida agora 180

    Imagem 29 Compilao de cenas dos filmes Brahmeiro ....................................... 183

    Imagem 30 Anncio Tecnomania........................................................................... 186

    Imagem 31 E-mails promocionais inditos e s hoje que se repetem ............. 189

    GRFICOS

    Grfico 1 Convergncia comportamental ................................................................. 56

    Grfico 2 Anncios que enfatizam a relao com o tempo (501) por meses no ano

    de 2010 ........................................................................................................................ 79

    Grfico 3 Total de anncios em proporo aos diferentes anunciantes ................... 80

    Grfico 4 Categorias de anunciantes ........................................................................ 84

  • TABELAS

    Tabela 1 Tempo ou validade da oferta ..................................................................... 85

    Tabela 2 No perder, no desperdiar oportunidade ................................................ 86

    Tabela 3 Ordens de comando para reaes imediatas do consumidor ..................... 87

    Tabela 4 Exclusividade da oferta em um determinado ponto de venda ................... 88

    Tabela 5 Promoes identificadas por nomes de impacto e grandiosidade ............. 90

    Tabela 6 Ordens que tentam evitar a passividade ou indiferena do consumidor .... 91

    Tabela 7 Deslocamento do pagamento no fluxo do tempo ...................................... 92

    Tabela 8 Referncia aos preos baixos, s promoes e descontos especiais .......... 93

    Tabela 9 Referncia a lotao e movimentao no ponto de venda ......................... 94

    Tabela 10 Exemplo da anlise em comercial das Casas Bahia ................................ 96

    Tabela 11 Exemplo da anlise em comercial da Fiat ............................................... 97

    Tabela 12 Amostra de comerciais de televiso no promocionais ........................ 98

    Tabela 13 Meses compostos revista Veja, de 1980 a 2010 ................................. 103

    Tabela 14 Presena de expresses relativas a tempo, urgncia ou imediatismo .... 105

    Tabela 15 Referncia aos preos baixos, s promoes e descontos especiais ...... 112

    Tabela 16 Deslocamento do pagamento no fluxo do tempo .................................. 115

    Tabela 17 Caractersticas dos anunciantes ............................................................. 118

    Tabela 18 Anlise da tentativa de consonncia pela comunicao mercadolgica 149

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................................... 13

    I FUNDAMENTOS EPISTEMOLGICOS DA VELOCIDADE ................................ 22 1. Da liberdade de movimento ditadura da velocidade ............................................. 24

    2. Violncia e guerra na origem do fenmeno da velocidade ...................................... 28

    3. A generalizao social da experincia da velocidade .............................................. 31

    4. Impactos socioculturais da velocidade generalizada: consequncias do tempo como

    presso social ............................................................................................................ 34

    II A VELOCIDADE COMO MARCA SOCIAL CONTEMPORNEA ..................... 42 1. Mudanas na noo de tempo com o advento das mquinas ................................... 48

    2. A aspirao por velocidade na maquinizao .......................................................... 52

    3. Tempo real como pice da velocidade na contemporaneidade ................................ 55

    4. A relao entre tempo real e inovao contnua ....................................................... 62

    5. Produtividade no trabalho e intensidade no tempo livre .......................................... 64

    III METODOLOGIA: A ANLISE DE CONTEDO ................................................. 69 1. A anlise de contedo............................................................................................... 70

    2. Definio do corpus de anlise ................................................................................ 72

    3. O mtodo de anlise ................................................................................................. 73

    IV RESULTADOS DA ANLISE ................................................................................... 77 1. O primeiro olhar sobre o material televisivo ............................................................ 78

    a. Relao de diferentes anunciantes sobre o total capturado ............................... 79

    b. Quantidade de anunciantes diferentes: 83 ......................................................... 81

    c. Total de anncios diferentes na amostra e grupos de anunciantes .................... 81

    2. Anlise dos comerciais televisivos grupo promocional ........................................ 85 a. Tempo ou validade da oferta ............................................................................. 85

    b. No perder ou desperdiar a oportunidade ........................................................ 86

    c. Ordens de comando para reaes imediatas do consumidor ............................. 87

    d. Exclusividade da oferta em um determinado ponto de venda ........................... 88

    e. Promoes identificadas por nomes de impacto e grandiosidade ..................... 89

    f. Ordens que tentam evitar a passividade ou indiferena do consumidor ........... 91

    g. Deslocamento do pagamento no fluxo do tempo .............................................. 92

    h. Referncia aos preos baixos, s promoes e descontos especiais ................. 93

    i. Referncia a lotao e movimentao no ponto de venda ................................ 94

    j. Exemplos dos anncios promocionais coletados no meio televisivo ................ 95

    3. Anlise dos comerciais televisivos grupo no promocional ................................. 98 4. Anlise dos comerciais impressos revista Veja ................................................... 103

    a. Presena de expresses relativas a tempo, urgncia ou imediatismo .............. 105

    b. Referncia aos preos baixos, s promoes e descontos especiais ............... 112

    c. Deslocamento do pagamento no fluxo do tempo ............................................ 115

    d. Caractersticas dos anunciantes ....................................................................... 118

    5. Concluses sobre as amostras analisadas ............................................................... 122

  • V A SOCIEDADE DE CONSUMO TEM PRESSA: SENTIDO DE URGNCIA E DISSONNCIA COGNITIVA .......................................................................................... 125

    1. Impacincia, um subproduto da vida em velocidade ............................................. 127

    2. O consumo em todo o tempo e lugar ...................................................................... 132

    3. Do consumo utilitrio e simblico para o consumo urgente .................................. 137

    4. A comunicao de mercado descobre a venda no imediato para o pagamento no

    futuro ...................................................................................................................... 140

    5. Como o argumento da urgncia atenua possveis dissonncias ............................. 145

    6. A diminuio da dissonncia explica o endividamento ......................................... 152

    VI COMUNICAO MERCADOLGICA E PODER NA SOCIEDADE DE CONSUMO ......................................................................................................................... 158

    1. O incentivo competio na sociedade de consumo ............................................. 160

    2. Consumo: de direito a obrigao ............................................................................ 165

    3. A obrigao do consumo no imediato .................................................................... 169

    VII PERSUASO A QUALQUER PREO ................................................................. 172 1. Incoerncia entre discurso e prtica da comunicao mercadolgica .................... 174

    2. O impacto do trauma ps-censura .......................................................................... 175

    3. A construo de atributos para produtos e servios ............................................... 177

    4. O dito e o no dito na comunicao mercadolgica ............................................... 179

    5. A irrealidade da urgncia promovida pela publicidade .......................................... 186

    CONCLUSO ..................................................................................................................... 192

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 198

    ANEXO TABELA DE ANLISE DOS COMERCIAIS DE TELEVISO...............205

  • 13

    INTRODUO

    O tempo est em tudo; e tudo, a vida toda, tempo. No h um canto do nosso corpo que

    no esteja impregnado dele, um pedao de nossa historia que no se faa nele, e no h

    nada que ainda no exista que no nasa embebido de tempo. O tempo, essa questo

    absolutamente humana, o nosso maior mistrio, e talvez seja nossa principal angstia1.

    Andra Bonfim Perdigo, Sobre o tempo, 2010.

    Sentido de urgncia ou obsesso pelo imediato so conceitos de variados sentidos.

    Nesta tese estas expresses esto ligadas cultura contempornea de existncia em tempo

    real baseada nas tecnologias de alto desempenho e caracterizam o atual modelo de

    comunicao mercadolgica.

    Urgncia e imediatismo implicam consequncias no modo de vida atual. So

    expresses derivadas da presso do tempo, dos acontecimentos que ocorrem no seu fluxo e

    do encantamento que a possibilidade e a promessa de ser mais rpido promovem nos

    indivduos. Esto intimamente relacionadas com o deslumbramento que o sistema de

    produo, distribuio e consumo atual exerce nas pessoas ao oferecer a possibilidade de

    antecipar ou adiar a realizao dos seus sonhos de consumo no fluxo desse tempo que passa

    a ser o condutor e tambm o avaliador das aes. Nesse cenrio, o tempo se transformou

    num valor social.

    O despertar para o tema norteador da pesquisa ocorreu a partir da leitura do livro O

    valor do amanh (2005), de Eduardo Giannetti da Fonseca, que procura mostrar como os

    seres humanos administram a urgncia da realizao dos seus desejos em detrimento das

    consequncias que tais realizaes podem trazer. Para Giannetti da Fonseca, os indivduos

    vivem num conflito entre a espera e a realizao imediata, e preferem os prazeres agora,

    mesmo tendo conscincia dos custos com os quais se depararo no futuro.

    Nesta pesquisa, o valor do amanh se ligou aos discursos presentes na comunicao

    mercadolgica com nfase no agora, no j, no s amanh. Nesse entroncamento de teorias

    se encontraram: a tendncia humana de realizar os desejos no presente em detrimento dos 1 Com a finalidade de padronizar o texto, todas as citaes desta tese foram atualizadas de acordo com as

    normas do Novo Acordo Ortogrfico, a menos que o texto tenha sido publicado em outro pas de lngua

    portuguesa ou cuja ortografia tenha implicaes filolgicas e/ou semnticas que interfeririam no sentido

    original do texto.

  • 14

    custos futuros, teoria defendida por Giannetti da Fonseca (2005); a cultura contempornea

    de velocidade, conforme apresentada por Paul Virilio (1996b, 1999) e Eugnio Trivinho

    (2007a); e a necessidade de ajuste de cognies que estabelecem um estado de consonncia,

    segundo a teoria da dissonncia cognitiva de Leon Festinger (1975). O marco central desse

    entroncamento de teorias a comunicao de mercado e o objetivo deste trabalho foi

    estudar suas interrelaes.

    Constatou-se nesta pesquisa que a presso de tempo evidenciada nos anncios

    separados como corpus se manifesta sob o apelo do urgente, do imediato, da pressa, da

    velocidade. Todas essas expresses so consideradas neste estudo como tradutoras das

    diversas formas com as quais o tempo (e suas manifestaes) influencia a vida

    contempornea. Esta tese procurou desvelar os pontos de contato e a forma como a

    comunicao de mercado se aproxima dessa sociedade impaciente, repleta de indivduos

    pressionados pelo tempo.

    Esta pesquisa partiu da hiptese de que a comunicao de mercado est se

    apropriando da cultura de urgncia, desse imprio do imediato experimentado pela

    sociedade, como argumento de persuaso em suas mensagens. Os fundamentos para

    sustentar a jornada de investigao foram sendo estabelecidos, autores de base foram sendo

    reunidos e a metodologia adequada foi se definindo para entender e desvelar o problema

    central da pesquisa: se existe uma apropriao do fator tempo como elemento de persuaso

    em anncios veiculados nos meios de comunicao, ento como essas caractersticas so

    transportadas para a comunicao de mercado?

    A partir da hiptese inicial e do problema-base que ela levanta, os objetivos da

    pesquisa se concentraram em descobrir as caractersticas que regem a existncia social

    contempornea sob a presso do tempo, essa tendncia de acelerao que resulta no que foi

    denominado como imprio do imediato. O trabalho teve tambm como meta verificar se

    essa presso da cultura de urgncia permeia a comunicao de mercado e constatar que

    apelos relativos a esses elementos a comunicao utiliza para impactar sua audincia.

    Como amostra para esta pesquisa foram analisados mais de trezentos comerciais de

    televiso capturados das TVs Globo, Record e Bandeirantes durante o ano de 2010,

    predominantemente no horrio noturno da programao. Esses anncios foram investigados

    pelo mtodo de anlise de contedo, de Laurence Bardin (2009) e selecionados a partir de

    uma amostra no probabilstica de convenincia, por ser mais acessvel e bem articulada

    com a anlise (BOYD JR. e WESTFAAL, 1979).

  • 15

    A anlise de comerciais de televiso constitui a base para as concluses

    estabelecidas. Contudo, um pequeno contraponto foi estabelecido a fim de lanar um olhar

    para o passado, na tentativa de observar se a hiptese tambm se confirmaria em fases

    pregressas da comunicao mercadolgica, ou se a hiptese valida-se, de fato, apenas nos

    anos recentes, ratificando a novidade. Para isso, acrescentou-se anlise do meio televisivo

    um estudo sobre anncios impressos. Foram analisadas propagandas extradas da revista

    Veja no perodo de 1980 a 2010. Essa parte da pesquisa sobre o meio impresso foi realizada

    com o objetivo de observar a existncia dessa cultura de urgncia ou imprio do imediato

    em dcadas anteriores, bem como acompanhar se existe uma tendncia de crescimento de

    sua presena, a partir de 1980 at meados 2010.

    A partir da definio da hiptese, do problema norteador e dos objetivos centrais, a

    pesquisa transcorreu observando os problemas que a comunicao com o mercado enfrenta

    cada vez mais para diferenciar seus produtos e servios perante um consumidor que dispe

    de um oceano de opes. A imensa oferta de produtos e servios que prometem atender em

    tempo real qualquer necessidade ou desejo do consumidor caracterstica bsica do mundo

    capitalista atual. Praticamente tudo o que uma pessoa venha a necessitar est ao seu alcance

    atravs de um clique, pelos corredores dos shoppings, nos hipermercados ou nas lojas

    quase onipresentes de convenincia. preciso quase que fazer um esforo para evitar as

    compras hoje em dia (UNDERHILL, 1999, p.33).

    Essa caracterstica da sociedade de consumo atual se deve, em muito, Revoluo

    Industrial e eliminao das dificuldades de produo que culminou nos tempos atuais em

    uma comoditizao de produtos e servios. Logo, a dificuldade econmica se moveu da

    produo de produtos e servios para a produo do consumo. Neste ltimo so investidos

    bilhes de dlares em estratgias de marketing e campanhas de comunicao com o mercado

    que apelam para o valor dos produtos e servios, sua utilidade e a carga simblica a eles

    (produtos e servios) emprestada. E uma vez que a comunicao de mercado reconhece

    nessa homogeneizao das caractersticas dos produtos e servios um obstculo para as

    vendas, torna-se necessrio falar algo mais, para alm dos aspectos utilitrios ou simblicos

    dos produtos.

    exatamente nesse ponto que cresce a nfase no imediato, no consumo agora, para

    tentar evitar que o consumidor se sinta perdido no mar de ofertas (SCHWARTZ, 2007) e

    assim se defina por comprar um produto anunciado sob grande presso do tempo. Numa

    poca de similaridades de tecnologia e utilidade entre os concorrentes, o tempo que surge

  • 16

    como argumento de vendas. O consumo deve ser agora. A deciso, imediata. O amanh no

    existe nesse simulacro onde o que impera o imediato.

    A observao dos elementos de urgncia e imediatismo presentes na comunicao de

    mercado, predominantemente em anncios de televiso, justificou a proposio da hiptese

    desta pesquisa. A hiptese surgiu da evidncia de que, para manter o fluxo de vendas em alta

    rotao, necessrio despertar no consumidor mais do que o reconhecimento de suas

    necessidades bsicas. preciso que cada anncio desperte no consumidor o sentimento de

    urgncia, de que a oferta do momento a melhor de todos os tempos e desperdi-la pode

    custar caro. Paradoxalmente em muitos anncios as despesas so tratadas como economia,

    desde que feitas imediatamente. Antes que a insegurana e o temor do desperdcio de boas

    oportunidades se instalem na mente do consumidor, o apelo ao urgente se apresenta para

    fomentar a deciso de consumo.

    Todo anncio procura se diferenciar de alguma maneira dos seus concorrentes. A

    diferenciao um dos princpios bsicos da criao publicitria. Entretanto, embora

    produzidos intencionalmente para serem diferentes, possvel detectar e isolar muitos

    elementos semelhantes e comuns que caracterizam esses comerciais. So essas

    caractersticas semelhantes, ao aproveitarem da presso do tempo evidenciada na

    comunicao de mercado, que sintetizam as razes deste estudo.

    Esta tese tambm se justificou pela necessidade do entendimento das caractersticas

    da comunicao com o mercado e dos recursos que ela articula para atenuar as dissonncias

    cognitivas que inibem as decises de compra, atravs dos argumentos de desperdcio ou, na

    sua via contrria, de urgncia nesse ambiente social que supervaloriza ou depende do

    imediato.

    Nessa relao, o sentido de urgncia e o imperativo do agora agem como propulsores

    do consumo ao proporcionarem consonncia aos dilemas do consumidor diante do apelo ao

    consumo. O consumidor vive entre dilemas: comprar agora ou depois; atender aos apelos da

    publicidade, que estimulam o consumo hoje, ou guardar os recursos para investir em outros

    projetos. O tempo exerce presso sobre as decises de compra e no desperdiar a melhor

    oferta do mundo tende a deixar o consumidor momentaneamente em paz. Essa a busca por

    consonncia a que se refere Leon Festinger (1975).

    Essa sociedade de consumo adquire contornos mais complexos se analisada pela

    transformao social promovida pela cultura do imprio do imediato. O apelo intenso. S

    amanh! Grande liquidao! Preos jamais vistos! Compre agora! A caracterstica de

  • 17

    urgncia intrnseca na comunicao de mercado refora a necessidade de tomadas de

    decises no instante, sem modificar os princpios e valores anteriores que todo consumidor

    carrega. Tais valores so controle de gastos, equilbrio entre receitas e despesas, que so

    inibidores do consumo. Contudo, esses indivduos, mesmo convictos de que no devem

    gastar agora, podem, repentinamente, mudar suas cognies, diante dos apelos persuasivos

    de urgncia apropriados pela comunicao de mercado. Assim alteram momentaneamente

    suas cognies anteriores, permitindo uma pequena brecha para uma deciso de compra no

    instante.

    Ries e Trout (2002, p.25-27) estabelecem algumas eras para a propaganda. A

    primeira era a era do produto, em que os profissionais destacavam as caractersticas dos

    produtos e os benefcios para o cliente. Ao perodo seguinte denominaram era da imagem,

    dando valor reputao ou imagem como superior ao prprio produto no argumento de

    vendas. Por fim, indicaram que o sucesso da propaganda nos anos 80 se daria pelo que

    definiram como era do posicionamento, perodo em que torna-se mais importante a

    definio de um segmento para as marcas ocuparem na mente do consumidor. O que se

    percebe hoje conforme aponta esta tese a existncia de uma era da urgncia, um

    imprio do imediato, conceito que se soma aos estudos de sistematizao das caractersticas

    da comunicao de mercado.

    Nessa era de comoditizao, os argumentos do urgente e do imediatismo so

    excelentes alternativas para o estmulo do consumo. A obsesso pelo imediato cultura e

    tambm persuaso apropriada pela comunicao de mercado.

    A relevncia desta pesquisa se d tambm por sua abordagem peculiar. Pelo menos

    aos olhos limitados deste pesquisador, foram bem poucos os estudos especficos de

    comunicao de mercado que realizaram produes tericas semelhantes, especialmente na

    questo da anlise dessas caractersticas de urgncia e imediatismo presentes nos discursos

    da publicidade. Apenas o artigo A vida no s agora: os slogans de cartes de crdito

    como sintoma hipermoderno, de Marcio Acselrad e Trcia Alcntara de Freitas (2009), tem

    caractersticas e estruturas semelhantes a esta tese, embora com objetos de anlise e

    concluses diferentes.

    A tese foi estruturada em sete captulos. No primeiro captulo foram lanados os

    fundamentos epistemolgicos para o entendimento do tempo como vetor disseminador de

    presso aceleradora, que culminar na cultura de urgncia e imprio do imediato. O resgate

    dos fundamentos epistemolgicos vai alm das anlises originalmente desenvolvidas pelas

  • 18

    cincias exatas ou pela literatura. A partir dos conceitos desenvolvidos por Paul Virilio

    (1996b, 1999) e posteriormente retrabalhados por Eugnio Trivinho (2007a) e Ciro

    Marcondes Filho (2005), entre outros, a velocidade ser analisada como um fenmeno

    social, de impacto direto sobre o modo de vida contemporneo, com forte interdependncia

    com os avanos tecnolgicos e da comunicao de massa. As primeiras anlises

    desenvolvidas por Virilio em Velocidade e poltica (1996) percorrem um caminho reflexivo

    inovador porque substituem o conceito de riqueza pelo de velocidade para explicar os rumos

    das civilizaes. Em sua viso, a lgica que predomina na sociedade contempornea a da

    presso do tempo sob a forma de existncia veloz, e no mais a da riqueza. Nesse captulo,

    ser evidenciado o percurso de sistematizao e teorizao da velocidade, entendida

    primeiramente no movimento das massas pela ocupao dos espaos (nas cidades e na

    guerra), para ser alada, conforme Trivinho e Marcondes Filho, condio de movimento

    ininterrupto e violento gerador de um estado de urgncia e de um imprio do imediato nos

    indivduos e nas massas.

    No segundo captulo so delineados os efeitos desse imprio do imediato que

    culminam por caracterizar a sociedade contempornea como uma sociedade marcada pela

    velocidade. Foram consideradas as caractersticas da sociedade miditica avanada, sua

    obsesso pelo mais rpido e os efeitos da cultura vigente sobre os indivduos no seu

    ambiente de trabalho, na esfera do lazer, sob a influncia das comunicaes em tempo real.

    No se trata de uma crtica infundada sobre benefcios ou prejuzos advindos da evoluo

    tecnolgica e das comunicaes mveis, instantneas e de alta velocidade, mas, sim, a

    definio de um prisma crtico sobre um efeito proporcionado pela acelerao social que no

    se pode negar. Nesse captulo constam estudos sobre a necessidade social contempornea de

    ser mais rpido sempre, a dependncia econmica da velocidade no ritmo de produo e

    distribuio, a cultura do tempo real, os seus efeitos sobre o tempo livre, bem como o

    impacto patolgico desse ambiente social acelerado nos indivduos.

    A partir desse pano de fundo estabelecido nos dois primeiros captulos, apresentam-

    se nos captulos trs e quatro, respectivamente, os fundamentos metodolgicos da pesquisa e

    os resultados das anlises. A metodologia utilizada foi a anlise de contedo, tendo por

    referncia os estudos de Laurence Bardin, extrados da edio de seu livro revista e

    atualizada em 2009. A metodologia escolhida foi fundamental para elevar esta pesquisa para

    alm da sociologia ingnua (BARDIN, 2009). A confiabilidade do mtodo e as inferncias

    que o mesmo permite foram fundamentais para direcionar o trabalho a concluses seguras,

  • 19

    do ponto de vista cientifico, e relevantes para a contribuio social e acadmica deste

    trabalho.

    Os resultados apresentados no captulo quatro so o corao da pesquisa. Foram

    definidas nove categorias de anlise para identificar a presena do argumento da urgncia na

    comunicao de mercado e suas caractersticas. Das nove categorias definidas, quatro se

    destacam por atingir o centro do alvo investigativo levantado na hiptese. A primeira delas

    diz respeito ao uso do tempo ou de uma data de validade de uma oferta ou promoo. Nessa

    categoria foram codificadas as principais argumentaes que sustentam a hiptese de que o

    urgente apropriado pela comunicao de mercado. Essa afirmao pode ser percebida em

    72% dos anncios, que se utilizaram de expresses como s amanh; um dia exclusivo;

    uma semana de ofertas; amanh at o meio dia; agora; vlido at; exclusivo para hoje. A

    segunda categoria mostrou o argumento de ordem direta ao consumidor para no perder ou

    no desperdiar a oportunidade anunciada. Os argumentos codificados foram: aproveitar

    agora; imperdvel; por pouco tempo; est acabando; um dia para aproveitar; aproveite o

    dcimo terceiro salrio; aproveite o IPI zero. O imperativo desse discurso de aproveitar

    agora aparece no ttulo da tese, imprio do imediato, e se harmoniza com a proposta da

    teoria da dissonncia cognitiva. Ele apresenta novas informaes que acomodam as

    dissonncias ao fornecer slidas cognies em harmonia com a tendncia humana pelo

    imediato. A terceira categoria se soma segunda ao apontar estmulos ao imediata.

    Corra; corra agora; corra para as lojas; chegue cedo; chegue primeiro; venha correndo;

    ligue agora; venha antes que acabe. necessrio destacar nesta introduo ainda mais uma

    categoria, que identifica a tentativa de evitar a passividade ou indiferena diante de oferta.

    Os cdigos decifrados indicam uma tentativa de incomodar o consumidor e eliminar uma

    possvel dissonncia. Isso feito atravs de discursos do tipo: o que voc est esperando?;

    no espere nem mais um minuto; no perde tempo; no perca essa oferta; no se arrependa

    depois; at quando voc vai ficar no quase; no vai sobrar nada; voc tem cinco minutos

    para ligar.

    Os resultados das anlises fundamentaram a escrita da parte final desta tese. No

    captulo cinco foram debatidas as prticas da comunicao mercadolgica sob a perspectiva

    dessa sociedade de consumo caracterizada pelo imprio do imediato e sua relao com a

    teoria da dissonncia cognitiva. A velocidade caracterizada como uma nova dimenso das

    relaes mercadolgicas e de consumo, definida por Bertman (1999) como fora persuasiva

    do agora. O tempo passou a ser um aliado do sistema de produo, proporcionando-lhe uma

  • 20

    velocidade inimaginvel. Mas esse ritmo precisou ser incorporado pelo sistema de

    distribuio e consequentemente pelo consumo que o absorve. A comunicao

    mercadolgica contribui para fomentar a cultura do imediato, que garante velocidade em

    todas as esferas que compem esse mercado. Ela tem argumentos estruturados sob o regime

    dromolgico (TRIVINHO, 2007a) para estimular o consumo, sugerindo cognies para

    solucionar as dificuldades naturais de uma deciso de compra. Se o consumidor tem um

    carto de credito comprometido nos prximos trs meses, a comunicao de mercado lhe

    oferece um prazo para comear a pagar aps esse perodo. Se o mesmo consumidor est

    propenso a cuidar do seu futuro de longo prazo, a comunicao de mercado explora a

    seduo pelo prazer imediato, a curtio do momento. Se no existe uma novidade

    tecnolgica revolucionria para lhe oferecer, a comunicao apela para o superdesconto de

    hoje. S hoje.

    No sexto captulo so analisados aspectos comportamentais dos indivduos sob a

    influncia dessa sociedade de consumo que tem sua obsesso no imediato. A carga simblica

    inerente aos discursos mercadolgicos sugeridos pelas marcas impe uma valorizao social

    do indivduo a partir daquilo que ele consome, vindo a possuir, usufruir, ostentar e

    consequentemente adquirindo a desejada aceitao. Dessa carga simblica promovida pela

    comunicao mercadolgica deriva uma sugesto indireta de que o consumo no um

    direito adquirido a partir dos resultados do esforo de cada indivduo em sua jornada, mas,

    sim, uma obrigao a que este se encontra exposto pela necessidade ou desejo de ser e

    pertencer. Com o advento do imprio do imediato, essa presso tende a aumentar, pois esse

    novo argumento se soma aos anteriores, tornando a presso em direo ao consumo no s

    utilitria e simblica, mas urgente.

    O ltimo captulo da tese foi escrito com o objetivo de chamar a ateno para

    possveis deslizes ticos ou para as dificuldades de uma prtica comunicacional que preze

    pela moralidade integral, pressuposta em todas as atividades econmicas e sociais. Vive-se

    hoje uma poca de valorizao de programas e aes empresariais que se preocupam com as

    questes sociais, principalmente no campo da tica e da honestidade, e esse captulo analisou

    as caractersticas da comunicao de mercado descortinadas das entrelinhas dos discursos,

    refletindo sobre o seu discurso e sua prtica, sobre o dito e o no dito. Se um anncio diz que

    uma promoo est ocorrendo apenas durante um perodo de tempo, mas, na realidade, ela se

    estende para alm do perodo, ento caracteriza-se um desvio tico? E, se uma campanha

    assume que oferece algo exclusivo, mas diversos concorrentes oferecem promoes

  • 21

    similares, existe a possibilidade de as palavras no serem verdadeiras, ou no refletirem a

    realidade observada? O objetivo do ltimo captulo foi levantar questes relacionadas

    tica da comunicao de mercado, atravs de uma reflexo sobre o que dito de forma

    explcita nos anncios e tambm sobre aquilo que permanece obscuro, o no dito, e que

    precisa ser lido nas entrelinhas.

    Por fim, a concluso reflete sobre os resultados alcanados por esta tese, demonstra a

    confirmao da hiptese definida no incio da pesquisa e sugere possibilidades de pesquisas

    futuras acerca do objeto deste estudo.

  • 22

    I FUNDAMENTOS EPISTEMOLGICOS DA

    VELOCIDADE

    A velocidade a forma de xtase que a revoluo tcnica concedeu ao homem.

    Milan Kundera, Slowness: a novel, 19951.

    A velocidade, como vetor, no um fenmeno novo. O vento sopra velozmente

    desde os primrdios da histria do planeta Terra. Os rios correm em seus leitos, alguns mais

    rpidos, outros nem tanto. Muitas espcies animais se movimentam de modo absolutamente

    veloz, mesmo em comparao com os veculos modernos. A natureza tem suas formas de

    velocidade, que, em parceria com a interveno humana, criaram meios de transporte

    capazes de se movimentar mais rapidamente e com mais resistncia do que os passos de um

    viajante. o caso das embarcaes vela no passado. Eram rpidas e podiam percorrer

    longas distncias.

    A mecanizao trouxe um novo horizonte para a velocidade. O trem movido a vapor

    representava um avano sobre as embarcaes vela. Enquanto barcos vela eram

    dependentes da fora dos ventos e sujeitos s intempries e aos perigos martimos, os trens

    no se intimidavam com subidas, chuvas ou tempestades. A velocidade proporcionada pelo

    surgimento da mecanizao atuou como vetor de acelerao e alterou radicalmente sculos

    de gesto de tempo e de sensaes de acelerao e velocidade.

    O filsofo e ensasta francs Paul Virilio um pensador heterodoxo, com conceitos

    inovadores no mbito da velocidade e da acelerao da vida humana. Ele pode ser

    considerado um dos primeiros a tocar o tema sob uma tica poltica e social, e no pela via

    literria (SANTOS, 1996, p.9). A revista Famecos o define como um autor comprometido

    com a inovao e engajamento: Para ele, estar na contramo das modas intelectuais uma

    obrigao dos pensadores autnomos e engajados nas lutas por um mundo melhor

    (VIRILIO, 2001, p.7). O autor do prefcio de sua obra Velocidade e poltica, Laymert Garcia

    dos Santos (1996, p.10), afirma que esse livro que pode ser considerado o marco

    revolucionrio da expresso do pensamento de Virilio no to importante pelo que diz,

    como pela questo que levanta. As suas obras que discutem os fenmenos da velocidade se 1 A citao foi extrada da obra Acelerado (2000), de James Gleick.

  • 23

    transformaram em referncias para estudiosos das reas da comunicao e da sociologia, e

    tambm para outros profissionais interessados nos eventos que caracterizam a sociedade

    contempornea. No toa que os roteiristas de Matrix, o maior Cult movie do ano 2000,

    admitiram terem sido profundamente influenciados pelo aspecto sombrio de sua obra

    (RIBEIRO, 2006, on-line).

    Em Velocidade e poltica, Virilio percorre um caminho reflexivo inovador porque

    substitui o conceito de riqueza pelo de velocidade para explicar os rumos das civilizaes.

    Em sua viso, a lgica que predomina na sociedade contempornea a da velocidade, e no

    a do acmulo de riqueza em si.

    Na primeira parte de sua obra so lanados os fundamentos para o entendimento da

    questo inicial da velocidade, partindo dos movimentos das massas. a circulao que as

    caracteriza. Paradoxalmente, o contingente revolucionrio no atinge sua forma ideal nos

    locais de produo, e sim na rua, quando deixa de ser, durante algum tempo, substituto

    tcnico da mquina e torna-se, ele prprio, motor (mquina de assalto), isto , produtor de

    velocidade (VIRILIO, 1996b, p.19). Considerando as pessoas que circulavam pela cidade

    de Paris por ocasio da Revoluo Francesa, ele descreve que, para os diversos bandos

    revolucionrios [...] na hora H ser mais importante conservar a rua do que ocupar este ou

    aquele edifcio (VIRILIO, 1996b, p.10). So configuraes iniciais, para o autor, de uma

    transferncia de poder do objeto concreto para o movimento e/ou sua velocidade. De modo

    impressionante, Virilio se relaciona aqui com McLuhan, pois, se para este o meio a

    mensagem, para Virilio a circulao a revoluo.

    Com seu estilo polemista, de to convicto de sua tese sobre a velocidade, prope uma

    correo celebre frmula de Marshall McLuhan. Para Virilio (1999, p.136), a mensagem

    no o meio, mas somente sua velocidade. Avanando no tempo e na compreenso da

    temtica, Virilio comenta em outra obra, A bomba informtica (1999), que a interao

    homem-computador cria um novo tipo de guerra, baseada na interatividade global, que torna

    mais clara sua verso alternativa ao conceito de McLuhan, porque a interatividade, a

    imediatez, a ubiquidade, eis a verdadeira mensagem da emisso e da recepo em tempo

    real. [...] a informao menos o contedo explcito que a rapidez do seu feedback (1999,

    p.137).

    Virilio chegou a esse conceito partindo da sua viso sobre a guerra, sobre a formao

    das cidades, suas ruas, a circulao que as caracteriza e os movimentos das massas que as

    dominam. Ele expe a maneira como, no incio da era moderna, as classes abastadas se

  • 24

    apropriaram da velocidade das massas para se manterem na elite da sociedade. Elas

    conseguiram esse feito ao recriar o conceito de cidade. Para Virilio, a presena das massas

    no fenmeno urbano no devia ofuscar a percepo de que o que conta, na verdade, no

    tanto a cidade em si, mas a circulao que ali se desenvolve. Ele se refere clssica oposio

    cidade/campo em estado de transformao, sendo substituda pela ideia de

    estao/circulao, mais caracterstica das cidades.

    Apesar das investigaes comprobatrias sobre os traados urbanos, a cidade no foi

    prioritariamente percebida como habitat humano penetrado por uma via de

    comunicao rpida (rio, estrada, litoral, via frrea...). Ao que parece, esqueceu-se

    que a rua to-somente uma estrada atravessando uma aglomerao urbana, ainda

    que, a cada dia, entretanto, a legislao sobre a limitao de velocidade dos veculos nas cidades nos evoque essa continuidade do deslocamento, do movimento,

    que apenas a lei da velocidade pode modular. A cidade apenas uma paragem, um

    ponto sobre a via sinptica de uma trajetria, antigo talude de fortificao militar,

    plataforma de vigilncia, fronteira ou margem, onde se associam instrumentalmente

    o olhar e a velocidade de locomoo dos veculos (VIRILIO, 1996b, p.21).

    As cidades representam a mudana de um paradigma, de que o domnio se daria pela

    imobilizao, quando o que ocorre justamente o contrrio, pois o controle est no

    movimento. Nas cidades, a rua como um novo litoral; o domiclio, um porto do transporte

    de onde se pode medir a importncia do fluxo social, prever seus transbordamentos. As

    portas das cidades, seus postos fiscais e suas alfndegas so barreiras, filtros fluidez das

    massas, ao poder de penetrao das hordas migratrias. Se houve um tempo em que o

    controle do escravo se dava pelo domnio de sua circulao, de velocidade limitada, o que

    impera agora, na viso de Virilio, de modo contrrio, o controle da circulao,

    determinante de riqueza.

    A circulao na cidade, ponto de partida para a compreenso do valor da velocidade,

    sugere que, quanto maior o movimento primeiro das pessoas, depois da informao ,

    maior a riqueza e o controle. Vale a pena retornar verso alternativa ao conceito de

    McLuhan: a mensagem no o meio, mas somente sua velocidade.

    1. Da liberdade de movimento ditadura da velocidade

    A chave para a compreenso do pensamento de Virilio aparece no final do primeiro

    captulo de Velocidade e poltica, justamente no entendimento de que, para ele, a captao

    dos movimentos de uma cidade em prol de sua defesa a transformam numa mquina. Para

  • 25

    Virilio, a principal fortaleza a cidade-mquina (1996b, p.27), que se mantm em constante

    movimento, pois a inrcia significa morrer (1996b, p.28). Se antes das cidades, no perodo

    feudal, imperava uma ditadura da imobilidade, os tempos agora so da ditadura do

    movimento. Na sociedade contempornea, no existe espao para a inrcia, para a no

    comunicao, para o no movimento. Se houve um perodo na histria em que a punio ao

    indivduo se dava por meio da imobilizao, se apresenta no contexto contemporneo uma

    ditadura da mobilidade, e esta em acelerao de tudo e para tudo. Virilio (1996b, p.40-41)

    comenta revolues sociais e movimentos na Frana que apontam exatamente para essa

    tendncia:

    Os eventos de 89 [1789] pretendiam ser uma revolta contra a sujeio, isto , a

    coao imobilidade simbolizada pela antiga servido feudal que ainda subsistia,

    alis, em certas regies como o Jura, revolta contra a restrio moradia e a priso

    arbitrria. Mas o que ningum imaginava que a conquista da liberdade de ir e vir, to cara a Montaigne, poderia se transformar, num passe de mgica, em coao

    mobilidade. O levante de massa de 1793 a instaurao de uma primeira ditadura do movimento substituindo sutilmente a liberdade de movimento dos primeiros dias

    da revoluo. A realidade do poder nesse primeiro Estado moderno aparece, para

    alm da capitalizao da violncia, como capitalizao do movimento.

    Com essas teorias, Virilio lana um olhar para o futuro e, de certa forma, acerta o

    alvo ao analisar a sociedade contempornea caracterizada pelo imprio da velocidade na

    cultura informacional promovida pelas novas tecnologias da comunicao e informao. Se

    antes havia um sonho de liberdade de movimento, hoje parece haver uma coao

    movimentao, e esta em ritmo alucinante. Para entender a comunicao de mercado hoje,

    como esta tese defende, crucial reconhecer a coao movimentao que Virilio aponta,

    como nova forma de relao com o tempo. Essa a razo pela qual o estudo da apropriao

    poltica e social da velocidade, como este que se empreende neste captulo, deve anteceder

    qualquer anlise contempornea sobre a comunicao mercadolgica.

    Mas Virilio avana mais na sua conceituao sobre a velocidade. A percepo de que

    o movimento uma arma de guerra, e a circulao, seu poder blico, apresentada e

    discutida pelo autor na segunda parte de Velocidade e poltica.

    A violncia por intermdio da velocidade e do movimento comeou com as

    estratgias blicas de ocupao dos mares. o direito ao mar o objeto de sua reflexo. O

    direito ao mar rapidamente se torna o imprio dos mares (VIRILIO, 1996b, p.53). A

    lgica desta estratgia era espalhar unidades de guerra (navios, submarinos, etc.) por todo o

    mar e, assim, inibir o inimigo, mesmo sem atac-lo. O reconhecimento, por parte do inimigo,

  • 26

    de que pode ser atacado e destrudo a qualquer momento deve dissuadi-lo de reagir. O

    conceito que d nome a essa estratgia descrita por Virilio (1996b, p.50) fleet in being:

    A fleet in being a logstica realizando plenamente a estratgia como arte do

    movimento dos corpos no vistos [...], a presena permanente de uma frota

    invisvel no mar podendo golpear o adversrio em qualquer lugar e a qualquer

    momento, aniquilando sua vontade de poder com a criao de uma zona de

    insegurana global onde ele nunca estar em condies de decidir com segurana, de querer, isto , de vencer. Trata-se, pois, sobretudo de uma nova ideia da violncia

    que no nasce mais do enfrentamento direto, do derramamento de sangue, mas das

    propriedades desiguais dos corpos, da avaliao da quantidade de movimentos que

    lhes so permitidos num elemento escolhido, da verificao permanente de sua

    eficcia dinmica.

    Esse o modelo de estratgia indireta, em que o desespero pela presena contnua

    s vezes invisvel e prolongada do adversrio pode ser to cruel quanto o prprio combate,

    ao infligir-lhe contnuos sofrimentos morais e materiais que o enfraqueam e destruam [...].

    Como diz o adgio: O medo o mais cruel dos assassinos; ele no mata jamais, mas vos

    impede de viver (VIRILIO, 1996b, p.51). Essa estratgia reproduz os mesmos efeitos do

    estado de stio da fortaleza comunal, o estado de stio permanente (1996b, p.51, 25).

    Nesse estgio, o domnio do outro no se d mais pelo confronto, mas pela ameaa,

    que s se realiza pela posse dos vetores tecnolgicos mais avanados. Assim, a fleet in being

    estabelece outro princpio de guerra, a guerra pela presena constante, no visvel mas

    percebida, suave e tambm estrondosa. Diante do prefixo grego dromo, que denota corrida,

    velocidade, Virilio classifica um regime articulado pela velocidade e pela acelerao como

    dromocrtico.

    A fleet in being cria uma nova ideia dromocrtica; no se trata mais da travessia de

    um continente, de um oceano, de uma cidade a outra, de uma margem a outra. A fleet

    in being inventa a noo de um deslocamento que no teria destino no espao e no

    tempo. Ela impe a ideia primordial do desaparecimento na distncia e no mais nos

    riscos da conflagrao. Ela realiza continuamente uma corrida para mais longe

    (VIRILIO, 1996b, p.52).

    muito importante ressaltar esse deslocamento sem destino no espao e no tempo.

    Pode ser feita uma analogia com a produo tecnolgica e econmica atual, cujo fim

    tambm o do no retorno, da produo ad infinitum liberada de qualquer finalidade, ou

    melhor, que tem por finalidade apenas estabelecer um permanente estado de stio. Aqui se

    nota uma ponte de entendimento sobre a condio da economia no perodo ps-Segunda

    Guerra Mundial.

  • 27

    precisamente no momento em que o esquema do evolucionismo tecnolgico

    ocidental sai do mar que a substncia da riqueza comea a desmoronar [...]. a

    velocidade como natureza do progresso dromolgico que arruna o progresso [...].

    Tal como na origem da fleet in being, a manuteno do monoplio exige que a toda

    nova mquina seja logo contraposta uma mquina mais rpida. Mas com o limiar das

    velocidades se estreitando sem parar, fica cada vez mais difcil de conceber o

    engenho rpido. Ele frequentemente se torna obsoleto antes mesmo de ser

    aproveitado; o produto est literalmente gasto antes de ser usado, ultrapassando

    assim, na velocidade, todo o sistema de lucro da obsolescncia industrial! [...] Quando as riquezas, as capitalizaes, os modos de produo saram de seus antigos

    enclaves, no foi para atender s trocas, ao livre comrcio, e at a sua socializao,

    portanto, mas a seu poderio veicular prprio, ao mximo de sua eficincia dinmica.

    Eis a a futilidade de uma riqueza desaparecida na essncia do progresso dromolgico (VIRILIO, 1996b, p.56-57).

    A violncia da velocidade apontada por Virilio ser objeto de consideraes mais

    concentradas adiante, no prximo item deste captulo. Por enquanto, preciso ressaltar que o

    conceito de Virilio apresenta relaes com o crculo de consumo e velocidade do sistema de

    trocas criticado por Zygmunt Bauman (2008, p.45). Tambm se nota a presena do

    movimento, da rotao e da velocidade que os produtos precisam manifestar em seu ciclo de

    existncia ao serem consumidos, fazendo girar a economia de mercado e o sistema de

    consumo. O ambiente contemporneo de instabilidade e insaciabilidade dos desejos, numa

    velocidade de obsolescncia considervel, estabelece aqui uma interseco terica a ser

    investigada. O estado de novos lanamentos e promessas de produtos revolucionrios

    demonstra evidncias que comprovam, no campo da comunicao com o mercado, as ideias

    de Virilio sobre o uso da velocidade como presena e controle pelos movimentos (do

    mercado) no vistos, mas percebidos pela comunicao.

    Um ambiente lquido-moderno inspito ao planejamento, investimento e

    armazenamento de longo prazo. De fato, ele tira do adiamento da satisfao seu

    antigo sentido de prudncia, circunspeco e, acima de tudo, razoabilidade. A

    maioria dos bens valiosos perde seu brilho e atrao com rapidez, e se houver atraso

    eles podem se tornar adequados apenas para o depsito de lixo, antes mesmo de

    terem sido desfrutados. E quando graus de mobilidade e a capacidade de obter uma

    chance fugaz na corrida se tornam fatores importantes no que se refere posio e ao

    respeito, bens volumosos mais parecem um lastro irritante do que uma carga

    preciosa (BAUMAN, 2007, p.44).

    Esse problema ser estudado um pouco mais detalhadamente em captulo prprio

    desta tese, mas demonstra-se evidente em discusses sobre a cultura do excesso e

    obsolescncia planificada. Schwartz (2007) discute a cultura do excesso como paralisante,

    em que as muitas ofertas e opes de produtos s quais o consumidor exposto se

  • 28

    transformam num veneno paralisante e se assemelham ao estado de permanente vigilncia

    descrito no conceito de fleet in being.

    Virilio conclui essa parte de sua anlise no segundo captulo a partir do raciocnio de

    que a humanidade caminha para a diviso em dois grupos, os povos esperanosos e os

    desesperanosos. Os povos esperanosos tm a permisso de esperar pelo amanh, pelo

    futuro: a velocidade que eles capitalizam lhes d acesso ao possvel, isto , ao projeto,

    deciso, ao infinito a velocidade a esperana do Ocidente (1996b, p.57). Por sua vez, os

    povos denominados por ele como desesperanosos so imobilizados pela inferioridade de

    seus veculos tcnicos, vivendo e subsistindo num mundo finito (1996b, p.57).

    2. Violncia e guerra na origem do fenmeno da velocidade

    O conceito de velocidade nas obras de Virilio caracterizado por comparaes e

    figuras de linguagens. Ele usa o exemplo das cidades-mquinas, dos barcos na fleet in being

    e se utiliza tambm do conceito de prtese. Essa ideia parte da situao dos corpos mutilados

    dos soldados aps as guerras. Para ele, a ditadura do movimento exercida sobre a massa pelo

    poder militar outra forma de comparao e referncia para o conceito de velocidade e

    poltica resulta na promoo de corpos mutilados. Descobrira-se que os desgastes

    causados na mecnica dos corpos sobreviventes pelas mquinas de guerra podiam ser

    compensados por outras mquinas, as prteses (VIRILIO, 1996b, p.67). Esse conceito

    mencionado por Santos (1996) no prefcio do livro e trata dos efeitos que o investimento na

    velocidade tecnolgica provoca nos corpos. a lgica da corrida que inverte sua prioridade.

    Deixando de investir na terra e no mundo, passa a investir progressivamente no vetor

    tecnolgico como forma de manter o corpo em movimento, promovendo um verdadeiro

    assalto natureza do homem.

    Essa prtese corporal especialmente necessria no contexto aps as guerras pode ser

    comparada s prteses modernas, que demarcam avanos tecnolgicos e que levam o

    homem contemporneo, oprimido na e pela guerra atual do ser mais veloz, a alcanar seus

    objetivos no espao e no tempo, transpondo distncias, eras e quaisquer outros obstculos ao

    seu esprito desbravador com o auxlio das prteses tecnolgicas, vetores de sua acelerao.

    Para o autor, essas prteses so necessrias para o domnio das elites dromocrticas, que

    prezam a mobilidade acima de tudo, porque sabem que dominar significa poder-invadir e

  • 29

    ocupar uma posio dominante, o que os leva a buscar prteses cada vez mais sofisticadas

    (1996, p.12).

    Esta a primeira teoria social e poltica sobre a velocidade e sua funo ou papel na

    vida contempornea. O livro de Paul Virilio considerado por muitos como uma descoberta

    fecunda: a supremacia do no lugar sobre o lugar. Essas ideias so as razes que deram

    origem aos seus principais conceitos diretamente relacionados com a comunicao, expostos

    em suas obras posteriores, como A bomba informtica (1999).

    O resultado do processo dromolgico e da mudana de ateno e interesse do

    territrio para o espao, das mquinas para a velocidade, estabelece a velocidade

    desterritorializada como valor supremo (SANTOS, 1996, p.13), e a valorizao e/ou

    dependncia da acelerao tem sua relao muito prxima com o chamado progresso

    humano e social (VIRILIO, 1996b, p.95).

    O estreitamento das distncias transformou-se numa realidade estratgica com

    consequncias econmicas e polticas incalculveis pois equivale a negao do

    espao. A manobra que consistia ontem em ceder terreno para ganhar Tempo perde

    qualquer sentido; atualmente, o ganho de Tempo questo exclusivamente de

    vetores e o territrio perdeu seu significado ante o projtil. De fato, o valor

    estratgico do no lugar da velocidade suplantou definitivamente o do lugar, e a

    questo da posse do Tempo renovou o da posse territorial [...] Com o vetor

    supersnico (avio, foguete, massa de ondas), a penetrao e a destruio se

    confundem, a instantaneidade da ao distncia corresponde derrota do

    adversrio surpreendido mas tambm, e sobretudo, derrota do mundo como campo,

    como distncia, como matria (VIRILIO, 1996b, p.123).

    A questo do no lugar e da ausncia de tempo se v na comunicao de mercado na

    sociedade contempornea. Os smbolos, as gratificaes psicolgicas, as representaes

    imaginrias que o consumo apresenta para o consumidor no respeitam culturas, pocas e

    geografias.

    Os pontos de partida de Virilio so as condies da guerra, das conquistas e da

    organizao da sociedade em torno das cidades, do trabalho e da poltica, no contexto de

    desvalorizao da importncia do territrio diante da supremacia do projtil. Esse novo olhar

    para os fenmenos sociais e tecnolgicos demarca as matrizes desta tese: as distncias no

    tm importncia se o projtil no est submetido s limitaes caractersticas do percurso. O

    lugar no tem importncia na era da velocidade.

    mesmo na sua relao com a guerra ou estado de guerrear que as analogias com a

    velocidade so mais esclarecedoras: velocidade como estado de violncia e de vantagem

    competitiva no combate. A guerra exige o aperfeioamento incessante das proezas dos

  • 30

    engenhos, ou seja, de sua capacidade de reduzir a nada ou quase nada o espao geogrfico

    (VIRILIO, 1996b, p.126). o imperativo da velocidade dos vetores em contraste com a

    potncia. Com efeito, sem a violncia da velocidade, a das armas no seria to temvel

    (1996, p.126). Diversos autores, como se ver no segundo captulo, atestam para a

    necessidade de uma reflexo sobre os efeitos da acelerao e velocidade incorporadas ao

    viver na contemporaneidade. Esses efeitos so provocados pela potncia de reduo do

    espao na sociedade cibercultural. Fenmeno contraditrio, as perspectivas iniciais de que a

    cibercultura provocaria um isolamento do indivduo, quando se percebe justamente o

    contrrio, a no distncia como resultado da circulao de tudo o que existe em tempo real

    ao alcance de um clique.

    Cada perodo da histria tem nas guerras uma rica descrio de sua cultura,

    tecnologia e poder. Para Virilio, a guerra hoje de velocidade, e o desarmamento seria

    questo de desacelerao, pois o conflito moderno desregulou a questo do tempo e dos

    lugares e determinou que a sofisticao dos vetores superasse toda vantagem obtida por

    manobras tticas. A contagem regressiva torna-se o campo de enfrentamento, a ltima

    fronteira (VIRILIO, 1996b, p.127). O que est em jogo hoje no so mais os explosivos,

    mas as suas performances, delineadas pelo poder dos seus vetores de entrega nuclear. Logo,

    Se, h mais de trinta anos, o explosivo nuclear encerrava o ciclo das guerras do

    espao, neste final de sculo, o implosivo (mais do que territrios invadidos poltica

    e economicamente) inaugura a guerra do tempo. Em plena coexistncia pacfica,

    sem declarao de hostilidade e mais seguramente do que por qualquer tipo de

    conflito, a celeridade nos livra deste mundo. Precisamos nos render evidncia:

    hoje, a velocidade a guerra, a ltima guerra (VIRILIO, 1996b, p.127).

    A velocidade to determinante no contexto das guerras que o desenvolvimento

    constante de seus vetores tecnolgicos pode gerar o aviso prvio de guerra para aqum do

    minuto fatdico (1996b, p.128), diminuindo radicalmente a capacidade da interveno

    humana, lembrando as tenses entre os presidentes Nixon (dos Estados Unidos) e Brejnev

    (da antiga URSS). Numa situao em que o espao territorial no tem mais importncia

    frente ao aparato tecnolgico (engenho), a perda do espao material significa governar

    apenas o tempo (1996b, p.129), e, nesse caso, a velocidade na guerra contempornea no

    conhece limitaes de distncia.

    Os meios de comunicao contemporneos do um sentido de valor ao que chega

    antes, ao que bate o recorde, ao que se antecipa aos fenmenos. V-se hoje essa realidade,

    exposta por Virilio originalmente ainda na dcada de 1970. A possibilidade de antecipao

    dos fenmenos proporciona um estado de permanente tenso. A acelerao da informao

  • 31

    antecipa os confrontos, na esfera contempornea, s tomadas de decises, a que esta tese

    chama de estado de urgncia e obsesso pelo imediato. Se algo ser bom, que venha logo. Se

    tal produto tem novidade, preciso dele ontem.

    Para Virilio, ento, a questo do xito e do sucesso nestes tempos no se encerra mais

    nos territrios, mas nos vetores, isto , nos veculos portadores de velocidade. Vetores so o

    projtil, o avio, o foguete, a massa de ondas (que se supe serem ondas eletromagnticas,

    onde os meios eletrnicos de comunicao atuam), meios de transporte e, por fim, o estado-

    mquina (por vezes chamado de vetor-Estado ou aparelho do Estado). Ele prope que a

    velocidade do progresso tecnolgico seja vista como uma mquina de guerra que contm

    um duplo movimento de imploso e exploso (1996b, p.124). Exploso, por causa da

    capacidade de destruir matria, corpos, objetos, planeta, enfim, tudo que composto de

    tomos. Imploso, por causa da capacidade de fazer desaparecer simbolicamente a

    importncia do lugar sempre da perspectiva da oposio lugar x no lugar como locus de

    atuao do homem. A violncia da velocidade tornou-se, simultaneamente, o lugar e a lei, o

    destino e a destinao do mundo. (1996, p.137).

    No Brasil o principal interlocutor com Paul Virilio o professor Eugnio Trivinho,

    da PUC-SP, que se baseou nos fundamentos de Virilio para compreender tais fenmenos e

    aprofundar ainda mais os estudos sobre esse tema, lanando luz para novas vertentes

    hipotticas, especialmente observando a acelerao provocada pela e na cibercultura.

    Para Trivinho (2007a, p.89), de todas as formas de violncia atualmente existentes,

    talvez a mais silenciosa e invisvel e, por isso, a mais implacvel seja a violncia da

    velocidade. No entendimento do tempo real e suas implicaes na vida social ora

    predominante, essa compreenso esclarece a prosperidade do interesse pela comunicao,

    pois esta faz girar um mundo que se acelera sempre mais, a fim de atingir um estado de

    relaes cada vez mais velozes, que atravessam a vida de cada indivduo com acesso a

    informao por mltiplas telas, textos, imagens, comentrios, aparelhos mveis e toda

    forma de reverberao da informao em tempo real.

    3. A generalizao social da experincia da velocidade

    O conhecimento de que a velocidade no mais simples acelerador da economia, de

    vantagem para a conquista de territrios e da produo em escala, necessrio para entender

  • 32

    suas implicaes totais na vida social atual. A velocidade no , portanto, um

    acontecimento. Ela , pelo contrrio, o que caracteriza a prpria presentidade: tempo

    irreversvel de imediatez, inexorvel em sua natureza e em sua tendncia complexizao

    progressiva (TRIVINHO, 2007a, p.91).

    Essa complexizao progressiva ocorre sempre que, existindo um processo

    tecnolgico que proporciona aumento de velocidade provocando acelerao do estado

    existente at ento , se faz necessrio um ajuste, uma adaptao. Esse o ciclo de

    complexizao progressiva: aumento de velocidade, que provoca acelerao, que, por sua

    vez, gera necessidade de adaptao. Sempre em transformao das condies sociais

    vigentes pelo vetor tecnolgico, pelas mquinas. Trivinho (2007a, p.92) associa esse

    fenmeno violncia da tcnica.

    a violncia (to pulverizada quanto contnua) do aparato produtivo e de suas

    exigncias programticas e funcionais; a violncia do dinamismo formal do aparato

    cultural-comunicacional e de seus apelos ldicos sedutores; , enfim, a violncia de

    toda a organizao urbana sobre os corpos e o imaginrio dos viventes (TRIVINHO,

    2007a, p.93).

    A absoro da velocidade na sociedade um processo estrutural naturalizado, que

    no necessita de um discurso de legitimao, pois se autope e se autopromove

    independentemente. A violncia da velocidade o combustvel da civilizao

    contempornea. O que move a tudo e a todos e que a tudo fecunda (TRIVINHO, 2007a,

    p.93-95). James Gleick tambm observa a dominao social da velocidade em vrios

    captulos de sua obra, identificando fatores da vida cotidiana, da poltica, dos esportes e at

    de aspectos ligadas atividade sexual dos indivduos acelerados ou vitimados pela violncia

    da velocidade (2000, p.122, 130, 134, 139). a vida sempre em alta produtividade e

    intensidade. Um forno de microondas pode economizar 4 minutos de tempo todos os dias.

    Uma mulher entre dezoito e cinquenta anos de idade gasta 55 minutos preparando comida

    sem um forno de microondas e 51 minutos se possuir um aparelho em sua cozinha

    (GLEICK, 2000, p.110). So quatro preciosos minutos de economia de tempo. Mas o

    impacto da velocidade pode ser percebido no mesmo pargrafo, onde o autor menciona uma

    tendncia de economia de tempo: uma pessoa pode pegar-se digitando 88 segundos, em vez

    de 90, porque mais rpido pressionar o mesmo dgito duas vezes (GLEICK, 2000, p.110).

    Uma lava-loua pode economizar um minuto de tempo (GLEICK, 2000, p.111). Enfim, a

    velocidade e sua violncia atingiu a tudo e a todos sem que houvesse alguma forma de

    compreenso dos seus efeitos.

  • 33

    A rigor, no objetivo desta tese mapear detalhadamente esses efeitos, como o tempo

    que se perde ou economiza com a tecnologia; seria pretensiosa arrogncia. Sua inteno,

    sim, manifesta na hiptese, verificar se essa velocidade est presente na comunicao com

    o mercado, que estaria se utilizando dos apelos relativos pressa para impactar a audincia.

    Se a vida contempornea ditada pela velocidade cultural e tcnica, isso pode ser

    percebido no cotidiano, no trabalho, nas relaes sociais das mais variadas formas, nas

    manifestaes sociais, que evidenciam a ansiosa busca pela valorizao do tempo. No ritmo

    de produtividade e intensidade, tanto adulto como crianas tomam caf da manh a

    caminho de sua prxima atividade (GLEICK, 2000, p.119), afinal, o trajeto de carro um

    tempo desperdiado que deve ser economizado para outros fins. Nesse compasso, as coisas

    vo se aperfeioando naturalmente a serem mais rpidas, e a intensidade do aproveitamento

    de tempo se transforma num efeito de violncia.

    Enquanto o ritmo bsico de vida na cozinha se acelerou, outros produtos

    alimentcios, que antes poupavam tempo, passaram a desperdi-lo: a limonada

    instantnea em p originalmente era mais rpida que ficar espremendo limes; agora,

    demora mais que abrir garrafas. Fazer um bolo colocando o glac a partir de uma

    mistura pronta mais rpido que faz-lo do zero; porm, mais lento que tir-lo de

    uma lata com uma colher. Misturas prontas para panquecas e waffles s poupavam o

    tempo necessrio para misturar o acar e o bicarbonato de sdio com a farinha, mas

    era suficiente a menos que voc prefira a economia de tempo ainda maior das panquecas e waffles congelados (GLEICK, 2000, p.119).

    Uma cultura que valoriza a acelerao dos processos em todos os nveis da atuao

    dos indivduos parece tomar conta da sociedade na totalidade de formas de existncia que a

    caracterizam. Controlar o tempo uma prtica to enraizada na cultura vigente que difcil

    imaginar como viviam populaes sem relgio ou calendrio. Aos ouvidos do homem

    contemporneo, a cadncia da vida em outros sculos pode at soar como monotonia ou falta

    de produtividade. Mas o sentido de tempo livre no pode ser entendido como a total falta de

    compromissos, como se a existncia do indivduo pudesse ser transformada, em alguns

    momentos, numa agenda absolutamente em branco. Na economia reinante, o tempo livre,

    caracterizado pela sua intensidade, baseia-se na lgica do preenchimento, do consumo do

    lazer em todas as suas formas de cultura, entretenimento, esportes, gastronomia, viagens,

    passeios, encontros familiares, tantas coisas que a fruio do no trabalho acaba se tornando

    mais tensa do que a jornada de trabalho propriamente dita.

  • 34

    4. Impactos socioculturais da velocidade generalizada:

    consequncias do tempo como presso social

    Como visto, a acelerao sempre provoca a adaptao de toda a sociedade, o que

    resulta na generalizao da experincia da velocidade. Mas, se observado pelo olhar crtico

    do ensasta Paul Virilio, o fenmeno da acelerao da vida contempornea traz consigo ainda

    a evidncia de suas tragdias. Ele lembra que os acidentes s surgem depois da inveno do

    objeto. preciso inventar uma jangada para que ela afunde. Para Virilio (2001, p.10), o

    acidente a demonstrao dos limites de uma tcnica.

    O fracasso de certas tcnicas mecnicas pde ser visto pelo naufrgio do Titanic, pela

    queda do Concorde. Cada tcnica tem o seu acidente, reafirma Virilio (2001, p.10). O

    acidente da cibercultura, da vida interligada em todas as esferas, quer no trabalho, lazer,

    poltica ou entretenimento, a acelerao. Essa acelerao da sociedade contempornea,

    resultado da potncia da tecnologia com a obsesso pela interatividade, produz o seu

    acidente. O mximo de interao, numa perspectiva de que em pouco tempo grande parte do

    mundo esteja conectado, pode produzir o que Virilio (2001, p.14 e 15) profetiza como a

    aldeia global da asfixia por falta de espao. [...] Com as novas tecnologias de transmisso

    do rdio internet s se aumentou a velocidade de contato. No pensamento de Gleick,

    empresas e pessoas necessitam de conexo e velocidade. O estado de estar conectado torna-

    os mais eficientes talvez mais geis. O triste que isso tambm faz com que se sintam

    mais ocupados talvez at sobrecarregados (2000, p.71).

    O estado de conexo potencializa os efeitos de um fenmeno. De modo semelhante

    propagao das epidemias, que ocorre atravs da conexo de pessoas em contato, o

    fenmeno da interatividade mundial, glocal, como denominou Trivinho (2007a, p.20 e 414),

    traz consigo esse risco, o de propagar crises os acidentes, nas palavras de Virilio. O

    prprio da ciberntica a unidade de tempo e de espao da interao, de modo que o

    acidente da internet, logo da ciberntica, geral, passvel, potencialmente, de atingir todos e

    tudo ao mesmo tempo, no mesmo instante (VIRILIO, 2001, p.12). Para Virilio, o acidente

    da conexo, da vida contempornea delineada pala cibercultura, a velocidade. Ele a

    classifica como sucessora dos acidentes anteriormente provocados pelos sistemas de

    transportes ou industriais.

    Depois dos naufrgios e dos descarrilamentos da acelerao martima e ferroviria,

    das colises e quedas de carro ou de avio, das impressoras a vapor e rotativas

  • 35

    tradicionais at as rotativas alimentadas pela imagem da iluso flmica, agora sero

    os feixes de ondas que reproduziro, com os sinais de rdio e de vdeo, suas

    catstrofes especficas (VIRILIO, 1996a, p.30).

    De forma contundente, criticada por alguns pelo seu esprito pessimista ou de

    descrena nos benefcios da tecnologia, Virilio cita Ren Char com a frase suprimir a

    distncia mata (1996a, p.30) e emenda seu comentrio ctico a respeito das vantagens de

    tanta interao. Afirma ele:

    Aumentar continuamente a fora de libertao dos meios de comunicao

    aproximar desmedidamente o que estava oculto pela distncia ou pelo secreto,

    distante e naturalmente estranho a cada um de ns; portanto correr o risco de

    reinventar aqui e agora uma barbrie (brbaros, estrangeiros, aquele que no fala a

    mesma lngua...), ou seja, inventar o inimigo (VIRILIO, 1996a, p.30-31).

    O constante contato com as mais variadas formas de contedos e informaes teis

    ou inteis, dependendo da realidade e objetivo de cada indivduo torna a vida conectada,

    em ritmo de intensidade, uma espcie de guerra. a guerra para acompanhar tudo, estar

    informado. A guerra para entender tudo que dito em tantas linguagens, estilos, concepes,

    como diz Virilio, barbries informacionais. De algum modo, nota-se o excesso, que se

    transforma em elementos estranhos, por sua vez estabelecidos como inimigos violentos.

    Quanto mais as pessoas falam e escrevem sobre os fenmenos de massa ocasionais

    que captam a ateno histrica da cultura norte-americana O. J. Simpson, El Nio, Monica Lewinsky, Ano 2000 , mais querem ouvir. Quanto mais os jornalistas ouvem, mais sentem-se capazes at na obrigao de continuar falando e escrevendo (GLEICK, 2000, p.73).

    Assim segue o ritmo da acelerao da vida. Do sempre mais e mais. Seja informao,

    seja consumo, seja entretenimento, a intensidade levada a sua potncia mxima. A pressa

    uma necessidade irrefutvel? As pessoas dizem que esto sempre atrasadas com certo

    orgulho, um senso de que so mais teis. Talvez caiba uma reflexo sobre como a sociedade

    chegou a esse ponto. Para Gleick (2000, p.72), no mundo anterior FedEx, onde a

    remessa definitiva e positivamente no podia estar l no dia seguinte, raramente era

    necessrio que estivesse. Parece que ele est insinuando que o homem criou sua prpria

    demanda por velocidade, ou dependncia, de acordo com o ngulo de observao.

    Isso extremamente plausvel, pois a criao de demandas no uma novidade.

    Steve Jobs segue esse caminho, quando antecipa uma tendncia por completo, ao invs de

    pesquisar o que as pessoas realmente precisam. Seus inventos so exemplos de que o

  • 36

    mercado no sabe exatamente qual sua prxima necessidade de produtos ou servios, at a

    sua inveno.

    Desde o primeiro lanamento do seu Macintosh, em 1984, Steve Jobs e a marca

    Apple so sinnimos de inovao (APPLE..., 2010, on-line). Ele tambm foi descrito

    como revolucionrio da tecnologia (RYDLEWSKI, 2004, p.91). A entrada no mercado de

    tecnologia do modelo iPod foi um sucesso to grande que a manifestao de desejo e apego

    ao produto pelos consumidores foi comparada com objeto de culto, um divisor de estilo de

    vida que coloca de um lado quem tem e de outro quem no tem iPod (RYDLEWSKI, 2004,

    p.91). Junto com o produto, diversos acessrios confirmam a chegada de um novo jeito de

    ser dos seus adeptos, que at o momento no imaginavam que agora no poderiam mais

    viver sem o produto. Roberto Menna Barreto menciona uma entrevista coletiva que Akio

    Morita concedeu a representantes da indstria eletrnica dos Estados Unidos. Um dos

    participantes da coletiva perguntou ao senhor Morita qual o segredo de ele, mesmo no

    gastando nada em pesquisa, em cinco anos conquistar 15% do mercado? A resposta de Akio

    Morita foi:

    no penso que haja nada de errado com as pesquisas de mercado americanas. J tive

    em mos varias dessas pesquisas e pude comprovar que elas so muito acuradas,

    cientficas e competentes em sondar o mercado, em conhec-lo a fundo. Acontece

    apenas que, no nosso caso, ns no pesquisamos o mercado. Ns criamos o mercado

    (BARRETO, 1997, p.37).

    De muitas maneiras, esses exemplos se encaixam na viso de Virilio, Gleick e

    Trivinho de que a acelerao da vida contempornea tornou a sociedade dependente da

    velocidade e sujeita aos seus efeitos, quer sejam eles de natureza positiva ou negativa. Gleick

    faz uma abordagem relevante, nesse mesmo vis de anlise, ao afirmar que

    O correio com entrega no dia seguinte, como muitas das tecnologias do

    apressamento, deu aos primeiros clientes uma vantagem competitiva. Quando todos

    adotaram o servio, a igualdade foi restaurada e s o ritmo universalmente mais

    rpido prevaleceu (GLEICK, 2000, p.72).

    Para os indivduos, empresas ou organizaes que usaram a velocidade de forma a se

    diferenciar do seu ambiente natural, pode-se dizer que houve efetivamente um benefcio. No

    instante em que a velocidade foi oferecida a todos, ento se pode afirmar que ela se

    transformou numa commodity social e que efetivamente s restou a acelerao da vida como

    sua violncia.

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    As empresas que se anteciparam na percepo do valor da velocidade como

    vantagem econmica obtiveram sucesso mundial em seus segmentos. A Federal Express e o

    McDonalds criaram novos segmentos inteiros da economia ao compreender, capitalizar e,

    cada qual a sua maneira, alimentar nossa pressa (GLEICK, 2000, p.17). possvel incluir

    ainda muitas outras empresas que se valeram do uso da velocidade como eixo central de seus

    negcios. Mais do que empresas, criaram-se segmentos inteiros destinados a capitalizar, cada

    um ao seu modo, a velocidade como diferenciao e benefcio. Os segmentos de comida

    rpida, de entrega rpida, de conexo rpida, elevadores rpidos, educao rpida, veculos

    rpidos, entretenimento rpido so confirmaes da demanda social por acelerao, ao

    mesmo tempo em que deixam um rastro de consequncias, aquilo que Gleick afirma ser o

    alimento da nossa pressa.

    Trivinho descreve essas consequncias como dromopatologias (2007a, p.99). Gleick