o homem sem memórias

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Já imaginou se você esquecesse tudo que fez durante toda a sua vida? Da primeira vez que viu o mar ou das vezes que caminhou sozinho pra acalmar os nervos? Ou de quando a caixa do supermercado lhe deu adeus automaticamente, e você pegou a sacola de compras e se dirigiu ao carro? Eu sou o padeiro que me cumprimentou nesse fim de tarde, a vizinha que insistiu em cantar todas as manhãs de domingo, sou cada pessoa que cruzou o meu caminho, assim como eu sou eles, eles me são, pois quando se esquecerem de mim e eu deles, então nunca teremos existido. Essa era minha situação.

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O HOMEM SEM MEMÓRIAS

Lucas Ramilo

São Paulo, 2014

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

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2014IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar – CJ 1111CEP 06455-000 – Barueri – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Copyright © 2014 by Lucas Ramilo

Texto adequado às normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Coordenação Editorial

Diagramação

Capa

Preparação

Revisão

Letícia Teófilo

Luís Pereira

Renato Klisman

Ana Lúcia Neiva

Rita Costa

Ramilo, LucasO homem sem memórias / Lucas Ramilo. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. -- (Talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

14-12354 CDD-869.93

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Ao papai e à mamãe.

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AgrAdecimentos

Quero agradecer nestas singelas linhas às pessoas que tornaram possível a publicação deste livro: Pedro Paulo, por ser o meu primeiro – e mais importante – mentor e instrutor na vida. Foi ele quem estimulou a minha paixão pela leitura e pela História.

Suzete, por ter me ensinado a persistir e também por sua cumplicidade. Foi ela quem me carregou por nove meses em sua barriga e, por isso, serei eternamente grato.

Fabiana, por ter me ensinado a acreditar e pela paciência. Foi você quem me incentivou a ser um escritor, mesmo pare-cendo completamente impossível.

Marilene, por ter me ensinado desde o que é um artigo até o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta;

João Gilberto, por ter me apresentado os maiores pensa-dores que já existiram e por me guiar por sobre suas teorias.

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Geração vai e geração vem, mas a terra permanece para sempre.

Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo.

O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se e revolve-se na sua carreira e retorna aos seus circuitos.

Todos os rios correm para o mar, mas o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.

Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ou-vidos de ouvir.

O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol.

Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós.

Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coi-sas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas.

(Eclesiastes 1:4-11)

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Se você me perguntasse o meu nome, eu não diria nada. Se me perguntasse de onde venho, faria a mesma coi-sa. Se me perguntasse quem foi meu antigo amigo ou

minha primeira namorada, continuaria sem falar. Porque o silêncio é a minha única resposta.

Não vou mentir, eu me lembro sim de um baque muito forte. De como meu corpo pareceu, em dois segundos, ser debatido um milhão de vezes e da agonia que senti quando um peso enorme caiu sobre mim. Mas só isso.

Já imaginou se você esquecesse tudo o que fez durante toda a sua vida? Da primeira vez que viu o mar, ou das vezes que caminhou sozinho para acalmar os nervos? Ou de quan-do a caixa do supermercado lhe deu adeus automaticamente, você pegou a sacola de compras e se dirigiu ao carro? Essa era minha situação.

Eu conseguia falar tranquilamente, sabia que se colocas-se a mão no fogo ia queimá-la. Eu sabia das coisas básicas da vida, o problema é que não sabia como as havia aprendido.

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Os momentos são resultados. O que lhes dá valia e esti-ma são os fatos que levam até eles. É a caminhada que leva até o mirante para ver uma paisagem. O treino e a competição são as ações que nos levam ao pódio. Do que adianta saber disso, se eu não me lembro do porquê?

Então prometa para mim… Oh, prometa mesmo que vai prestar atenção nas coisas, por mim. É a única coisa que po-demos fazer no mundo, e eu falo sério.

Mesmo que planeje tudo, mesmo que tente ter tudo so-bre controle, um dia você está em um carro na rodovia, vol-tando de algum lugar. E de repente um som forte de batida, um erro milimétrico, o faz ficar em coma. Você acorda, mas se não se lembra de nada da sua vida. Então, responda-me: Do que vale qualquer outra coisa?

– Ele vai ficar bem – disse o médico a alguém daquele quar-to claro. – Ele parece estar com sérias dificuldades em armazenar memória, acordou três vezes e em cada uma delas parecia ser a primeira vez. Não sabe para que time torce, qual é a cor preferi-da, qual é o nome de seu pai ou qualquer outra informação.

Uma senhora chorava baixo, como se estivesse con-tendo o choro. Eu a olhei e me arrumei na cama. Viram que eu tinha acordado e logo toda a atenção se voltou para mim. Meus olhos, desacostumados, sentiram-se ferir quando a luz refletiu neles.

Vários aparelhos estavam ao meu redor, como nos filmes quando alguém está mal mesmo. Olhei aquele aparelho do coração, que projetava em uma tela verde os meus batimen-tos cardíacos, fazendo um “bipe” inconstante.

– Ó, graças a Deus! – disse a senhora que chorava. – Eu achei que tinha perdido o meu menino.

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Ela me abraçou com toda a sua força e as dores no meu corpo se intensificaram. E, mesmo que ela parecesse feliz, eu não retribuí àquela senhora o abraço. Ela, então, me olhou com uma tristeza permanente. E o médico a obrigou a se afastar de mim.

– Não sabe quem eu sou? – questionou entre soluços.– Não.Ela voltou a chorar e foi acudida por um homem um

pouco mais novo do que eu, que lhe deu um grande abraço. Os dois ficaram assim, abraçados, por um bom tempo. E o médico me olhou de maneira desapontada.

– Qual é o seu nome? – ele me perguntou.– Juro que não sei – respondi depois de pensar.Tudo era uma bruma. E eu realmente queria dizer o meu

nome. Mas a única coisa que me vinha à cabeça era um ba-que. E só. Não podia mentir para ninguém.

– Conheço um lugar onde eles cuidam desse tipo de coisa, vou encaminhá-lo para lá. Não se preocupe, ele vai ficar bem.

Ele vai ficar bem. Essa frase me assustava, pois queria di-zer que realmente havia algo de errado comigo. Mas, tirando a minha dor de cabeça, tudo parecia normal com meu corpo. Às vezes, sentia algumas dores aqui e ali.

– Enfermeira – falou outro médico, apontando para o meu braço –, termine o procedimento e então venha até o quarto cinco. Obrigada a todos por terem vindo. Ele real-mente vai precisar do apoio da família nessas horas.

A enfermeira chegou perto de mim e me deu um sorri-so automático, como o “obrigado” dos comerciantes depois de termos comprado algo. Odeio esse tipo de coisa. Ela era bonita

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e parecia ser triste também. Senti uma picada no meu braço e logo tudo foi ficando turvo. Desfocado. Escuro. E eu apaguei.

Acordei e estava em uma caixa de areia. Uma criança brincava do meu lado e atirou um punhado de areia em ou-tra menininha que estava ali. Ela começou a chorar. Corri os meus olhos pelo lugar e vi algumas palmeiras sendo acaricia-das pelo vento morno daquele dia tão bonito.

Os pássaros cantavam alegremente e mudavam de po-sição conforme a própria vontade. Eu me distraí muito com eles. Parecia que eu estava num lugar tão seguro e tranquilo que preocupação nenhuma me abatera.

Comecei a fazer um castelo naquela areia seca, mas não obtive muito sucesso com as formas, já que toda vez que ti-rava o balde, com as minhas mãos diminutas, o que era para ficar uma torre bem definida se tornava um monte qualquer de areia. Eu não sabia por que continuava ali, mesmo queren-do ir caminhar. Ou querendo ir para casa. Eu simplesmente estava lá.

O garoto do meu lado pareceu muito irritado e me atirou um punhado de areia. Eu não revidei, só fiquei quieto e parei de olhar para ele. Então ele virou-se para a menina que cho-rava e voltou a atormentá-la.

Pelo jardim verdejante, canteiros de flores eram facil-mente adornadas à vontade do vento, que agora ganhava mais intensidade. Os muros que cercavam aquele jardim eram pe-quenos, porém suas grades azuis levantavam-se três metros acima. Depois de um tempo percebi: eu era uma criança.

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Alguém gritava da porta da escola, que mais parecia uma aquarela de cores e formas. Eu me levantei, sentei nos tijolos que mantinham a areia na caixa e calcei minhas sandálias pe-quenas em meus pés pequenos. Não sabia por que eu estava fazendo aquilo, só fiz.

Acho que por isso estava tudo tão seguro para mim, o porquê nada poderia me abater. Eu estava na infância. E isso me remetia a tudo de melhor na vida. Enquanto eu caminha-va pela estradinha estreita de cascalho que levava até a porta, comecei a me lembrar de alguns tombos. Apresentações para os pais e coisas assim. Lembranças vagas… infantis.

A mulher que nos esperava na porta estava um tanto quanto séria, temendo alguma coisa. Éramos as últimas três crianças restantes ali. As outras já tinham sido recolhidas pelos seus pais. E, quando a mulher tão carinhosa me pegou no colo, fui o único a ganhar uma atenção redobrada. Não sei por quê.

De pouco em pouco as outras crianças foram indo em-bora, e eu fiquei sentado no sofá tomando chocolate quente e assistindo a alguma coisa muito sem graça. Era estranho sen-tar e não poder tocar com os pés no chão, então os balancei, mesmo sem motivo.

A mulher que tinha nos chamado me deu total atenção e fazia todas as minhas vontades, até que alguém bateu na porta do jardim de infância. Era a mesma mulher que tinha estado comigo no hospital momentos antes, quando eu acor-dei sem me lembrar de nada. Ela estava muito mais jovem, mas continuava chorando. Acho que ela ama chorar.

O peso da idade não lhe fazia cócegas, todavia eu sentia que alguma coisa pesava em seu silêncio. Depois que me co-locou no carro, fomos para casa e ela só dizia que tudo ia ficar

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bem. Isso significava que existia alguma coisa de errado. Eu a chamei de mãe. Então acho que ela era mesmo a minha mãe.

Algumas viaturas da polícia estavam na frente da minha casa. Eu não sei como sabia que era a minha residência. Eu só sabia. E, quando o carro adentrou os portões pobres e os pneus seguiram a trilha até a garagem, o motor do carro pa-rou e; então, senti um aperto no peito.

Um homem fardado veio perto de nós quando tínhamos saído do carro. Ele bagunçou o meu cabelo e sorriu para mim de maneira pesarosa. Fiquei muito irritado por ele ter mexido no meu cabelo. Então ele se virou para mamãe e lhe pediu que entrássemos em casa. Fez questão de ir ao meu lado até lá.

Eu não sei como, mas, se eu abrisse o balcão, saberia que o café ficava no último compartimento, porque sempre vi meu pai fazendo isso. Ou quando ele arrumava a comida no prato e eu tentava imitá-lo, porque ele parecia ser o homem mais forte do mundo para mim. Como se tudo pudesse ser resolvido com a sua presença.

Sinto falta da infância, de como tudo parecia tão grande, das histórias de Natal que pareciam tão reais. De sair com o meu pai e olhar o Papai Noel nas vitrines; de meu pai me dizendo que ele viria pela chaminé e deixaria o presente de-baixo do pinheirinho, que era três vezes maior do que eu; de receber um boa-noite de meus pais, de esperar que eles dor-missem e ir até a sala para ver as luzes do pinheirinho que se projetavam pela sala, ao lado da tevê.

Diga-me para aonde foi aquela magia, e eu pegarei o pri-meiro trem que me leve até lá.

– Não achamos o corpo de seu marido – dizia o poli-cial. – Apenas encontramos seus documentos e um corpo,

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que parece ser de outro homem, incendiado. Os homens que o mataram foram identificados, e já começamos as buscas…

Depois que o policial foi embora, mamãe pediu para que eu entrasse no meu quarto. Algumas pessoas vieram até a mi-nha casa, e uma amiga da minha mãe ficou cuidando de mim. Se não me engano era novembro, então decidi fazer a minha carta para o Papai Noel. A moça me disse que o meu pai não viria mais para casa. Eu não conseguia entender o motivo.

Peguei a folha e escrevi com dificuldade. Parecia que não conseguia definir direito a linha das letras, que ficavam todas irregulares. Pedi na carta que Papai Noel trouxesse papai de novo, porque eu sentia falta de quando ele me pegava no colo e me levantava o mais alto possível, ou de quando ele me co-locava em suas costas fazendo de conta que era um gigante; e eu acreditava muito nisso.

Lembro-me de uma noite na qual eu e ele estávamos ven-do um filme em que o garoto havia perdido seu pai. Eu achei aquilo triste e então chorei muito. Papai me abraçou e disse que era só um filme. Que sempre estaria do meu lado até eu arranjar uma família, até que tudo estivesse bem pra mim. Ele garantiu que estaria comigo no dia de meu casamento para ter certeza de que eu diria “sim” à minha futura esposa e faria dela a mulher mais feliz do mundo todo.

Bem, papai, os dias foram solitários sem você depois disso. E eu nunca me esqueci de sua promessa. No Natal eu fiquei acordado à noite toda debaixo do pinheirinho, espe-rando o momento em que você iria entrar pela chaminé com o Papai Noel. Mas, naquela manhã, ainda escondido, vi que mamãe havia colocado um presente por ali.

Já lhe contaram, papai, que o Papai Noel é de mentira?

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Eu ganhei uma bola de futebol. Do que me vale isso se não tinha mais com quem jogar? Mamãe foi atenciosa comigo e sempre fez o maior esforço do mundo para preencher esse vazio. Por isso eu me escondo dela para chorar todo Natal.

No começo sempre tinha alguém para fazer as refeições com a gente; era uma amiga da mamãe. Porém depois de um tempo, na mesa só se colocavam dois pratos, mas eu ainda imito o jeito com que você organizava a comida. De vez em quando eu o imito e me sinto muito parecido com você; ape-sar de não ouvir tanto assim o Frank Sinatra.

Espero ser metade do homem que você foi um dia. Apesar de me lembrar muito pouco desse tempo. Uma vez eu disse à mamãe que não lembrava mais do seu rosto, e então ela me deu uma foto sua de quando vocês namo-ravam. Você estava fazendo uma careta muito engraçada, acho que fazia a mamãe muito feliz. Espero um dia encon-trar aqueles garotos que o mataram por míseros 50 reais e dizer a eles que teria dado mil vezes mais se fosse para vê-lo voltar para casa.

Meu pai não precisava de nada para ter o meu amor: nem dinheiro nem beleza. São duas coisas que o tempo leva de nós. Ele precisava simplesmente dizer para mim que estaria ali no dia seguinte para me fazer sentir seguro. Mesmo não estando, pai, eu ainda amo você.

Você não cumpriu a promessa, pai. Mas eu o perdoo.

Acordei preguiçosamente e vi que tudo não tinha pas-sado de um sonho. Um sonho real. Depois soube que era a minha memória voltando aos poucos. Acreditei nisso porque

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não era como os sonhos que eu logo me esquecia. Eu perma-neci com aquilo na cabeça. O quarto era muito mais amigável agora. Apesar de fracamente mobiliado.

Uma mulher muito bonita estava sentada em um banco meio antigo e olhava para mim como se estivesse achando engraçado alguma coisa. Ela tinha lábios grandes e isso fazia de seu sorriso muito bonito. Seus cabelos longos derrama-vam-se pelo seu colo.

– Se eu o visse assim há uns dois meses você ficaria his-térico… – riu-se.

– Visse assim? – perguntei.– É, todo desarrumado, com o cabelo bagunçado e com

olheiras… – Ela levantou e veio se aproximando da cama. – Digamos que você é uma pessoa meio vaidosa.

Ela parou ao lado da cama e sua mão livre se apoiou em uma mesinha que ficava próxima. Tinha uma flor muito bo-nita em cima dela, que, pela sua vivacidade, eu concluí ter sido colocada ali muito recentemente.

– Desculpe perguntar… – disse, meio sem jeito –, mas eu não me lembro de você.

– Lana – ela pareceu muito desapontada.– E o que você é minha? – Eu me considerava a sua melhor amiga, não que fosse

mesmo, mas você me disse isso umas duas vezes…Ajeitei-me na cama e ela foi até a porta fazendo sinal para

alguém. Logo uma mulher vestida de branco me trouxe uma mesinha de café. Olhei para fora e vi o dia bonito. A janela era branca, e atrás de seus vidros algumas árvores eram sal-picadas pelo brilho intenso do sol. O vento estava forte, e elas eram dobradas à sua vontade.

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