o gesto na performance instrumental

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Trabalho de Conclusão de curso do curso de Música (Bacharelado em violão erudito) da Universidade Estadual de Maringá.Autor: Belquior Guerrero Santos Marques

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Belquior Guerrero Santos Marques

O gesto na Performance instrumental

Trabalho de Conclusao de Curso UniversidadeEstadual de Maringa - Centro de CienciasHumanas, Letras e Artes - Departamento deMusica

Orientador:

Rael Bertarelli Gimenes Toffolo

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA

Maringa

2011

Page 3: O gesto na performance Instrumental

Resumo

O presente trabalho pretende fazer uma investigacao sobre qual gestual necessario paraa execucao instrumental emerge de determinadas estruturas musicais e quais as contribuicoespossıveis que o gesto corporal do instrumentista pode trazer a significacao musical. Autorescomo Freitas (2005) afirmam que o gesto corporal do performer pode ser considerado como umelemento construtivo de comunicacao e significacao, fator epistemologico e expressivo e quecontribui significativamente para a construcao da significacao musical como um todo. Inicial-mente, investigamos o gesto na retorica aristotelica, visando ilustrar que a consideracao destapratica como uma atitude importante para o discurso nao e recente, apos esta etapa iremosaveriguar quais conceitos lhe sao designados nos dias de hoje e como alguns autores conside-ram que houve uma separacao entre o gesto e a pratica musical. Ao final deste trabalho iremospropor uma aplicacao gestual a peca La espiral eterna do comporsitor Leo Brouwer.

Page 4: O gesto na performance Instrumental

Conteudo

1 Introducao p. 5

2 Aristoteles e a Arte Retorica p. 7

3 Retorica e musica p. 11

3.1 Elocutio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 12

3.2 Actio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13

4 O gesto p. 15

4.1 O gesto em questao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 15

4.2 Uma possıvel dissociacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 18

5 Abordagem Gestual p. 22

5.1 A eterna espiral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 22

5.2 Sobre a tecnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23

5.2.1 arpejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 24

5.2.2 ligados ascendente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 24

5.2.3 ligados descendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 25

5.3 o gesto que emerge . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 25

6 Conclusao p. 31

Apendice A -- Aristoteles e a Arte Retorica p. 32

Apendice B -- Divisao retorica proposta por Quintiliano p. 38

Page 5: O gesto na performance Instrumental

B.1 Inventio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 38

B.2 Dispositio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 38

B.3 Elocutio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 39

B.4 Memoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 39

B.5 Actio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 40

Bibliografia p. 41

Page 6: O gesto na performance Instrumental

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1 Introducao

Nos ultimos anos, tem sido crescente a preocupacao de musicos e pesquisadores acerca

do gesto musical, questoes perceptuais e discurssivas, e tambem a investigacao da importancia

do gesto na pratica artıstica, seja na execucaos de obras ou na composicao, foram levantadas

por autores como Smalley (1986), Zagonel (1992), Wishart e Emmerson (1996) e vem sendo

exploradas por educadores, compositores e musicologos, o que proporcionou uma producao

academica consideravel sobre o assunto nos ultimos anos. Esta recente producao expoe uma

abordagem do gesto musical partindo de varios aspectos, entre eles, suas raızes etimologicas

(SOUZA, 2004) a presenca do gestual em varias instancias do fazer musical (ZAGONEL,

1992), e a importancia da convergencia do gesto e da experiencia musical (FREITAS, 2005).

Contudo, mesmo despertando um interesse maior somente apos a segunda metade do seculo

XX, a preocupacao do gestual como fator contribuinte a significacao discursiva ja esta presente

desde a retorica grega.

Aristoteles ao falar sobre a arte retorica e discorrer sobre as etapas e elementos importantes

para um discurso, defende como e importante para o orador se servir da gestualidade para

tornar o discurso persuasivo; o gesto deve ser usado entao para suscitar no ouvinte paixoes,

conduzindo-o na linguagem e reforcando a significacao desta pelo gesto. O estagio da arte

retorica, em que o orador efetivamente executa o discurso e usufrui do gesto como elemento

intrınseco a ele denomina-se Actio. Filosofos como Quintiliano e Cıcero tambem foram rele-

vantes acerca do pensamento sobre retorica. O dialogo entre a oratoria, o teatro, a musica e as

demais formas de manifestacoes artısticas, possibilitaram a tradicao retorica ser utilizada em

alguns aspectos estruturais e ignorada em outros de forma a transformar a producao artıstica

ocidental.

Os estudos musicologicos tem afirmado que a musica instrumental ate o final da renascenca

era produzida principalmente a partir dos canones composicionais tıpicos da musica vocal e de

suas formas intrınsecas de construcao de significacao a partir dos elementos retoricos textu-

ais. Somente no barroco e que a musica instrumental realmente se efetiva e as preocupacoes

retoricas e significativas tem que ser consideradas em um contexto que agora prescinde do

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6

conteudo semantico textual. Neste sentido, podemos considerar que grande parte da experien-

cia musical que os instrumentistas e compositores tinham em sua bagagem, provinha do canto,

e com este, faziam associacoes de todos os aspectos na execucao instrumental. Associacoes

que, para sustentar uma coerencia prosodica (heranca da musica vocal) ao discurso musical,

usufruıam tambem do gesto como elemento musical, sendo este, fator intrınseco a execucao

instrumental.

Para melhor compreendermos como foi estabelecida a relacao entre musica e retorica, ire-

mos expor a seguir uma breve consideracao sobre os fundamentos desta arte.

Page 8: O gesto na performance Instrumental

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2 Aristoteles e a Arte Retorica

Temos aqui, intencao de verificar como eram utilizados os recursos gestuais visando a

amplificacao do conteudo significativo do discurso gerando enfim a persuasao do ouvinte. Por-

tanto, desenvolvemos este capıtulo de forma sucinta, porem ao leitor que interessar, ou descon-

hecer o uso de alguns termos pertinentes a arte retorica, recomendamos conferir o anexo que se

encontra ao final deste artigo, onde fizemos de forma mais ampla uma abordagem da retorica

aristotelica.

Aristoteles em seu tratado sobre a arte retorica, alega ser funcao desta pratica, reconhecer

quais elementos podem agir num discurso de forma a permitir a este, condicoes de persuadir

o ouvinte: “(. . . ) A retorica e a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser

capaz de gerar persuasao...” (ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap. II. p.1).

O autor diz que a conviccao dos juizes(ouvintes) depende do estado em que conseguimos

coloca-los, ou(e) das disposicoes que eles conferem aos que falam, ou(e) da demonstracao que

lhes foi apresentada. Na sequencia do livro, Aristoteles determina que existem tres questoes

relativas ao discurso, e estas devem ser exploradas a fundo, a primeira e da onde serao forneci-

das as provas, a segunda questao e a definicao do estilo que se deve empregar, e por ultimo,

definir a maneira de dispor as partes do discurso. Denomina estas tres etapas respectivamente

como inventio, elocutio e dispositio. Alem de propor esta divisao da estrutura do discurso

retorico, Aristoteles discorre sobre o actio, que seria a acao oratoria, a efetivacao do discurso,

a maneira de empregar diferentes formas o uso da voz para expressar cada paixao. Aristoteles

alega que o objeto de atencao dos oradores devem ser tres: a forca da voz, a harmonia da fala

e o rıtmo.“Quando a acao e empregada, produz o mesmo efeito que a representacao do ator”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. I. p.6)

O filosofo denomina a classificacao das provas em independentes e dependentes. A primeira

qualidade, implica nas provas que existem mesmo sem o orador aborda-las, e a segunda quali-

dade consiste em provas que surgem da interacao do orador com provas independentes.

As provas dependentes sao divididas em tres especies. A primeira consiste no carater moral

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do orador. Aristoteles insiste que a impressao que o orador transmite de seu carater e ex-

tremamente importante para persuadir os ouvintes. Alega que as pessoas de bem transmitem

confianca, e causar esta impressao e extremamente importante para o orador persuadir melhor

o ouvinte. A segunda especie de prova e a disponibilidade dos ouvintes, sendo que os ouvintes

serao persuadidos quando o discurso os leva a sentir uma paixao. A terceira especie de provas e

o proprio discurso.“(. . . )e pelo discurso que persuadimos, sempre que demonstramos a verdade

ou o que parece ser a verdade(. . . )” (ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap. II. p.6)

Apos discorrer sobre as especies de provas, Aristoteles atenta ao estilo que o orador em-

prega ao discurso. Resumidamente, para Aristoteles, o estilo deve ter clareza para cumprir

seu objetivo de comunicabilidade, assim podendo gerar persuasao: “(. . . )o estilo nao deve ser

rasteiro nem empolado, mas convir ao assunto(. . . )” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. II.

p.1).

Segundo o autor, qualquer elemento que comprometa a objetividade do discurso deve ser

evitado na medida do possıvel. A clareza e uma qualidade indispensavel para o discurso. O

filosofo tambem alega que outro elemento que deve ser evitado no discurso retorico e a frieza

do estilo, que tambem consiste num fenomeno que distancia o discurso de uma compreensao

objetiva.

O autor tambem diz que o estilo tera a conveniencia desejada se exprimir as paixoes e os

caracteres e se estiver intimamente relacionado ao assunto. Esta relacao existe quando nao se

trata de modo rasteiro assuntos importantes, nem enfaticamente assuntos vulgares. O que con-

tribui para persuadir e o estilo proprio do assunto. Assim o animo do ouvinte conclui falsamente

que o orador exprime a verdade, pois nesse caso os ouvintes sao animados de sentimentos que

parecem ser os seus.

(. . . )o ouvinte compartilha dos sentimentos do autor que fala de maneira patetica(movere), mesmo que o discurso careca de fundamento. Por isso muitos oradoresimpressionam o animo dos ouvintes, fazendo simplesmente ruıdo. (ARISTOTELES,2002, liv. III. cap. VIII. p.5).

Arıstoteles diz que nao se deve fazer analogias o tempo todo, por exemplo, se as palavras

sao duras nao se deve empregar esta dureza na voz, no rosto, e nos demais significados que po-

dem harmonizar-se a palavra, pois agindo assim o ouvinte descobre o emprego da arte retorica.

O uso de palavras composta e de epıtetos em demasia deve ser agregado ao estilo patetico, que

e aceitavel quando se exprime a colera.

O estilo exprime as paixoes, se, quando houve ultraje, a expressao e a de umhomem irado; se a acao e ımpia e vergonhosa, se adota o tom de um homem

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cheio de indignacao e de reserva nas palavras. Se a materia e elevada, falar-se-a com admiracao. Se e digna de compaixao, usar-se-ao termos de humildade.E o mesmo nos demais casos.(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. VIII. p.3)

Aristoteles diz que a forma do estilo nao deve ser nem metrica, nem desprovida de ritmo.

Isto porque a metrica e obstaculo a persuasao por dar ao estilo uma aparencia artificial, por

outro lado, a falta de ritmo torna o estilo indeterminado, e o que e indeterminado nao agrada

e nem e inteligıvel segundo Aristoteles. Portanto o estilo deve ser determinado, mas nao pelo

metro e sim pelo ritmo.O estilo pode ser classificado de dois tipo, ou coordenado, ou periodico.

O estilo coordenado e aquele que por si nao tem fim, a nao ser que o assunto tratado chegue ao

termo, que como o proprio autor alega: “(. . . )devido ao seu carater indeterminado, carece de

agrado.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. IX. p.2). Aristoteles define da seguinte forma o

estilo periodico:

Chamo perıodo uma frase que tem por si mesma, comeco, fim e uma extensaofacilmente abarcavel num relance. Esta forma de estilo e agradavel e de com-preensao facil; e agradavel, poque e contraria a forma indeterminada e tambempoque o ouvinte julga sempre reter alguma coisa por causa do carater determi-nado do que lhe e proposto; pelo contrario, e desagradavel nada prever e nadaver chegar ao termo. (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. IX. p.3).

A agradabilidade a qual Aristoteles se refere ocorre por esta forma de estilo ser determinada.

O autor afirma que e naturalmente agradavel a todos aprender sem dificuldades. As palavras tem

significacao e as mais agradaveis sao aquelas que nos fornecem algum tipo de conhecimento,

sendo que as palavras obsoletas nos sao desconhecidas. O estilo e os entimemas sao elegantes

quando nos fornecem um conhecimento rapido das coisas. Nao apreciamos entimemas que

nos saltam a vista, pois sao evidentes a todos e nao requerem um trabalho de pesquisa por

parte dos ouvintes, como tambem nao apreciamos aqueles que depois de enunciados continuam

ininteligıveis: “deliciamo-nos com os entimemas que compreendemos logo que sao formulados

ou com os que a inteligencia apreende com pouco atraso.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap.

X. p.4).

O autor diz que o prazer surge pois tiramos destes entimemas uma especie de aquisicao

intelectual, o que nao acontece quando sao evidentes ou incompreensıveis.

Dando sequencia a Arte Retorica, Aristoteles diz que cada genero oratorio tem seu proprio

estilo “(. . . )o estilo escrito nao e o dos debates; nem o estilo das assembleias e o dos tribunais.”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. XII. p.1). O autor afirma que o estilo escrito e exato

(docere), ja o estilo dos debates e dramatico (movere). Cada estilo deve ser agregado a seu

proprio genero oratorio. Exemplifica que os discursos escritos, se levados a serem pronunciados

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num debate, soam demasiadamente acanhados. Ja os de acao oratoria se forem escritos, nao

geram o mesmo efeito que quando proferidos e na maioria das vezes aparentam ser um tanto

simples. Num discurso escrito as palavras repetidas sao constantemente censuradas, no discurso

falado e viavel recorrer a este processo pois tal atitude e propria da acao oratoria e o orador faz

uso disso de acordo com sua intencao, seja para reforcar uma ideia, ou dar grandeza a ela.

“(. . . )onde se recorre mais a acao, a exatidao e menos necessaria. Ora a acao e necessaria

quando e preciso falar, e sobretudo quando e preciso falar alto.” (ARISTOTELES, 2002, liv.

III. cap. XII. p.5)

A arte da retorica busca um juızo, e por isso e absolutamente necessario nao ter so em vista

os meios de tornar o discurso demonstrativo e persuasivo. O orador deve possuir determinadas

disposicoes para que as inspire ao juiz. Como ja foi dito o orador deve transmitir virtudes para

persuadir. A confianca que os oradores inspiram provem de tres causas, que sao, a virtude, a

prudencia e a benevolencia, o orador deve se esforcar ao maximo para transmitir ou ao menos

parecer ter estas qualidades. Aristoteles diz que as paixoes sao causas que introduzemmudancas

em nosso juızo, e sao seguidas de pena e de prazer. O filosofo alega que para incitar qualquer

uma das paixoes no ouvinte devemos distinguir tres coisas, e toma como exemplo a colera,

entao, devemos primeiro estudar quais disposicoes que nos incitam a colera, em seguida contra

quem nos encolerizamos de ordinario, e por fim quais as causas que a provocam. Tendo o

conhecimento deste tipo de situacao o orador estara apto a incitar a colera no ouvinte.

O autor diz que se uma dessas nocoes nos escapa, ou se nao conhecemos todas, somos

incapazes de suscitar a colera no animo dos ouvintes. Acerca da paixoes Aristoteles diz que as

paixoes que se pode levar o ouvinte a sentir sao, a compaixao, a indignacao, a colera, o odio, a

inveja, a cobica e o espırito de contestacao.

Como podemos constatar, a arte retorica visa reconhecer e explorar as medidas necessarias

para persuadir um ouvinte em determinado discurso, para atingir tal objetivo, Aristoteles con-

sidera varios artifıcios, que vao desde a estruturacao do discurso visando a conducao do ou-

vinte a nosso favor, ate a postura corporal que deve ser adotada pelo orador na execucao do

discurso. Apos esta breve consideracao acerca da retorica aristotelica, iremos direcionar o foco

de pesquisa para a relacao estabelecida entre a arte retorica e a musica ocidental.

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3 Retorica e musica

ParaWilson e Buelow a relacao entre retorica e musica surge da proximidade entre a musica

e as artes faladas (gramatica, retorica e dialetica). A musica vocal que tem como um dos prin-

cipais elementos as palavras, proporcionou que compositores e interpretes utilizassem a arte

retorica como artifıcio musical. Esta tradicao fez com que a musica instrumental acabasse ab-

sorvendo a heranca retorica da musical vocal. Escritos deixados por filosofos gregos e romanos

sobre oratoria e retorica, filosofos como, Aristoteles, Cıcero e Quintiliano, proporcionaram a

divisao da retorica em cinco partes: inventio (achar o argumento), dispositio (ordenar o argu-

mento), elocutio (estilo a ser empregado) memoria e por fim pronuntiatio/actio(demonstracao).

Quintiliano dizia que para um individuo ser um orador completo ele deveriaconhecer os princıpios da musica, que tem o poder para excitar ou atenuar asemocoes do homem.A enfase dos oradores antigos sobre o importante papelda musica na oratoria apoiou uma tradicao contınua de relacoes entre retoricae musica... (WILSON; BUELOW; HOYT, )

Na idade media a relacao entre retorica e musica nao existia efetivamente. Regras retoricas

sobre gramatica e poetica serviam como base para aplicacao da arte retorica no texto musical,

aplicacao que visava uma relacao entre semantica e som. Na renascenca, houve a redescoberta

da pratica e de textos sobre retorica antiga, que foram difundidos gracas ao contexto humanista

da Italia do final do sec XIV e inicio do sec XV. No sec XV, Dufay ja fazia uso de fermatas em

palavras determinadas, explorando os significados semanticos com uma grafia que projetava

estes significados. Porem, os sinais mais efetivos da relacao entre retorica humanista e musica

surgiram na epoca de Josquin (final do sec XV inicio sec XVI) quando foram traduzidos e

publicados os tratados sobre retorica de Cıcero e Quintiliano. Nesta epoca, Gaffurius adaptou

a divisao de Quintiliano, o pronuntiatio, ao canto, escrevendo sobre como o cantor deveria

alcancar resultados sonoros usufruindo de gestos nao so da boca, mas tambem da cabeca e

das maos. A relacao entre retorica e musica foi decisivamente estabelecida por volta de 1525,

quando os conceitos e terminologias da retorica classica foram introduzidos nos escritos sobre

teoria musical.

Harnoncourt, sobre a pratica musical do seculo XVII e XVIII alega:

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Todo instrumentista do seculo XVII e de boa parte do seculo XVIII tinha plenaconsciencia de que devia sempre executar a musica de maneira eloquente. Aretorica era, com toda a sua complexa terminologia, uma disciplina ensinadaem todas as escolas e fazia parte, portanto, tal como a propria musica, da cul-tura geral. A teoria dos afetos foi desde o inıcio parte integrante da musicabarroca - tratava-se de mergulhar a si propria em determinados sentimentos,para poder transmiti-los aos ouvintes -, embora a ligacao musica com oratoriase fizesse por si mesma. Embora a musica fosse uma linguagem internacional,como a pantomima ou a “arte dos gestos”, reconhece-se, claramente, os diver-sos rıtmos de fala das diferentes nacoes que certamente contrubuıram para aformacao dos diversos estilos. (HARNONCOURT, 1988, pag. 154)

Iremos agora investigar etapas retoricas que julgamos ser interessantes a este trabalho

fornecidas pela divisao da retorica, tal qual proposta pelo filosofo Quintiliano.

Acreditamos que todas as etapas do discurso retorico sao importantes para a efetivacao de

tal pratica, porem, devido a nossa intencao de conferir a relacao da atitude corporal empregada

a uma forma de discurso. Julgamos como mais pertinentes ao nosso interesse por agora, dar

foco as etapas do discurso denominadas elocutio e actio, sendo que a primeira e a atitude de

estruturar o discurso inserindo-o elementos que o orador julgar como uteis a persuasao, e a

segunda etapa consiste no proprio ato de executar o discurso.

Assim como o texto sobre a arte retorica o leitor que se interessar pode conferir a divisao

retorica integral proposta por Quintiliano nos anexos deste artigo.

3.1 Elocutio

Segundo Tringali, a elocucao, elocutio em latim, significa o ato de falar, porem na arte

retorica esta palavra tem outro sentido: “praticamente, a elocucao e o ato de compor, de redigir

o discurso... . Na invencao se trata do que se vai dizer, na elocucao, do modo de dizer.”

(TRINGALI, 1988, pag. 87)

Nesta etapa da arte, cabe ao orador usar a linguagem de modo a favorecer o discurso, empre-

gando o estilo adequado ao assunto abordado e aplicando ornamentos e figuras de linguagem

se necessario. Elementos como clareza (virtude contraria a um discurso obscuro), elegancia

(aplicacao de ornatos), correcao (conhecimento gramatical do orador) e adequacao (adequar os

elementos circunstanciais do discurso, como assunto abordado, auditorio, dentre outros.., ao

estilo aplicado), sao qualidades que devem estar presentes no discurso, pois seus oposto com-

prometem a compreensao do texto e a persuasao dos ouvintes. Existem varias virtudes e vıcios

que devem ser aplicadas e evitadas no discurso, porem as quatro citadas e seus respectivos

opostos sao consideradas fundamentais.

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Uma parte importante na etapa da composicao do discurso e a escolha e o emprego do estilo

oratorio. Sao tres os modelos de estilo, o estilo simples (docere), o estilo medio (delectare), e o

estilo sublime (movere). O estilo simples visa que o ouvinte tenha uma compreensao clara do

objeto tratado, e o melhor estilo quando se deseja convencer ou ensinar. O estilo medio deve

ser usado quando o orador visa agradar o ouvinte. E o estilo sublime visa atraves da patetica

comover o ouvinte.

3.2 Actio

Apos a elaboracao do discurso atraves de todas as etapas anteriores, chegamos ao ultimo

estagio da arte retorica, a acao. Tringali alega que somente durante a acao que o discurso existe,

antes dela o discurso so existe em potencia, depois dela como documento: “A essencia do dis-

curso se completa na sua execucao. O discurso se realiza quando vem ao publico.”(TRINGALI,

1988, pag. 98).

De acordo com Tringali a acao se funda e gira entorno da pronunciacao (pronuntiatio),

porem, alem da pronunciacao, que e o uso da linguagem verbal, a acao faz uso de linguagens nao

verbais. Essas linguagens nao verbais, que fazem parte da disciplina chamada paralinguıstica,

auxiliam a comunicacao verbal e enriquecem a significacao do discurso. Sao estas linguagens

nao verbais a prosodia e a gestualidade.

A prosodia e o emprego de expressoes orais no discurso como, o ritmo, a melodia, a inten-

sidade, a pausa, dentre outros...“A voz que se levanta ou se abaixa, que se apressa ou se retarda,

acrescenta novos significados a pronunciacao.” (TRINGALI, 1988, pag. 99).

A gestualidade reforca a comunicacao oral entre orador e publico, expondo funcoes da

linguagem, momentos esteticos, dentre outros..., o orador demonstra momentos expressivos

quando faz gesto que exprimem uma carga dramatica, e referencias quando faz mımica: “Os

gestos equivalem a palavras, a signos e, pois constam de um significante e de um significado”.

(TRINGALI, 1988, pag. 99).

Dentro da gestualidade existe tambem a Proxemica, que e uma area que estuda a significacao

do gesto em relacao ao espaco, sendo assim, busca investigar como a exploracao do espaco ocu-

pado pelo orador serve de reforco a significacao do discurso.

A gestualidade e o comportamento do corpo que abrange gestos (em movi-mento) e aitudes ou posturas (parados). E a linguagem do corpo: “sermocorporis”. o corpo fala atraves de gestos e atitudes que acompanham signi-ficativamente a pronunciacao. (TRINGALI, 1988, pag. 99).

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Para dar sequencia ao nosso trabalho, acreditamos ser necessaria uma especificacao a que

tipo de gesto nos referimos, antes de faze-la, iremos nos focar no conceito de gesto instrumental

para alguns autores.

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4 O gesto

Zagonel (1992), afirma que o gesto musical pode ser concebido de varias maneiras, exis-

tir como diferentes qualidades inerentes ao fenomeno sonoro. Estes diferentes tipos de gesto

musical sao classificados por Zagonel em cinco, o gesto vocal, o gesto reproduzido computa-

cionalmente, o gesto do regente, o gesto do compositor e o gesto do instrumentista, este ultimo

sendo o interesse de nossa pesquisa.

4.1 O gesto em questao

Embasada em Delalande, Zagonel considera a divisao do gesto instrumental em tres nıveis:

o gesto que efetua, o gesto que acompanha e o gesto figurado. Zagonel alega que o gesto que

efetua e aquele responsavel pela realizacao mecanica do som, ou seja, a acao do musico de

extrair objetos sonoros de seu instrumento, este gesto, e tambem responsavel pelas qualidades

(dinamica, timbre, dentre outras) contidas no som produzido. O gesto que acompanha, segundo

Zagonel, e referente a participacao do corpo na producao sonora. A autora alega que o instru-

mentista deve levar em conta nao so o corpo na execucao musical, mas a relacao deste com o

instrumento, como podemos constatar em:

o instrumentista deseja transmitir ao publico as emocoes de sua musica. Deveestar em pleno acordo com seu instrumento, pois este e, nao somente seu meiode producao de sons,mas sobretudo uma continuacao de seu corpo, de seusbracos. O instrumento deve integrar-se a imagem que o interprete tem de seucorpo, no plano fısico e no da expressao. (ZAGONEL, 1992, pag. 25)

A relacao corpo instrumento, a princıpio aparenta ser um fenomeno obvio para a producao

sonora, que dispensaria uma atencao maior, ja que o som esta intrinsecamente relacionado a

acao do instrumentista, portanto, acreditamos que esta ultima afirmacao e o que torna indis-

pensavel considerar a conscientizacao gestual (corpo-instrumento-som) como atividade de im-

portancia para o musico. Acreditamos que nao so o produto(som) deva ser alvo de atencao, e

sim a relacao deste com o que o torna possıvel, o produz.

Page 17: O gesto na performance Instrumental

16

Zagonel direciona seu discurso a relacao corpo/instrumento, considerando a seguinte crıtica

de Delalande: “levam-se os musicos a estudarem exclusivamente seu instrumento sem incita-los

a (re)pensar a relacao organica homem-instrumento”. Aqui e notavel uma mencao a abordagem

separada entre corpo e instrumento por parte dos musicos, nao sendo atribuıdo ao primeiro

elemento um valor respectivo a sua importancia na producao sonora. Os fatores que poderiam

ter distanciado a pratica gestual da execucao musical terao maior atencao no proximo capıtulo

deste trabalho.

Constatamos que Zagonel atribui aos dois primeiros nıveis do gesto instrumental propostos

por Delalande (efetua-acompanha), os mesmos valores encontrados em Freitas(2005). Para a

autora o gesto que efetua e o que acompanha sao responsaveis pela percepcao, aprendizagem

e compreensao do fenomeno sonoro e tambem pela sua expressividade. Para Freitas, o gesto,

de maneira mais geral, e carregado de funcao epistemica e expressiva. Santiago e Meyerewicz

(2009) afirmam que os dois primeiros nıveis do gesto instrumental propostos por Delalande

estao “certamente relacionados a natureza cinestesica1 e sensoriomotora da producao sonora”.

Santiago e Meyerewicz alegam que o gesto difere de movimento, sendo que o primeiro, tem

um objetivo preciso, de produzir ou de simbolizar enquanto o segundo se refere ao deslocamento

ou mudanca de posicao no espaco em funcao do tempo, nao envolvendo um sentido expressivo.

Para Zagonel, gesto figurado e o gesto percebido pelo ouvinte, sejam este percebidos na

execucao ao vivo ou mesmo em uma gravacao, como a autora afirma

O ouvinte de uma gravacao e, por sua vez, capaz de criar todo um bale ima-ginario da execucao, e de fazer ele mesmo umamımica em funcao da percepcaomusical e dos conhecimentos visuais da acao do interprete. (ZAGONEL, 1992,pag. 26)

Para Santiago e Meyerewicz, o gesto instrumental tem natureza psicofısica, eles justificam

esta afirmacao alegando que o ser humano e tambem um ser psicofısico, integrado por diversas

instancias como a emocional, mental, sensorial, cutural, espiritual, entre outras. Os autores de-

fendem que o gesto e influenciado por uma serie de eventos que nao se resume a acao puramente

fısica para extracao sonora, como afirmam:

(. . . ) nao e apenas o corpo que produz o gesto, mas o todo psicofısico de seuser. Portanto, a realizacao gestual de um musico instrumentista torna-se umaacao psicofısica, envolvendo um processo cognitivo complexo e integrado, noqual ocorre uma conexao entre as instancias de vida do ser e os diferentesaspectos que seu gesto pode conter. (SANTIAGO; MEYEREWICZ, , pag. 3)

1Conjunto de sensacoes pelas quais se percebem os movimentos musculares.

Page 18: O gesto na performance Instrumental

17

Como ja foi mencionado, nossa intencao com este trabalho, e propor uma abordagem ges-

tual de uma obra musical, partindo da analise dos fenomenos sonoros contidos numa determi-

nada peca, ou seja, verificar qual acoes gestuais emergem das estruturas musicais codificadas na

partitura, e quais desses gestos reconhecidos sao compatıveis com a proposta do evento sonoro.

Nao temos a pretensao de definir aqui, qual gesto seria mais adequado em detrimento de outro,

mas sim, investigar qual seria uma abordagem gestual coerente (do nosso ponto de vista) com

o gesto necessario para execucao fısica do som que lidamos, e que nao contrarie a intencao

musical do fenomeno sonoro.

Identificamos que nosso objeto de estudo se encontra fundamentado no conceito de instancia

indicial proposto por Santiago e Meyerewicz. Os autores investigam a relacao dos gestos com

seus sentidos e significados emergentes atraves da semiose, para isto, eles relacionam o gesto do

instrumentista as categorias fenomenologicas propostas por Charles Peirce. Os autores propoe

entao, abordar o gesto atraves de tres instancias, a subjetiva a indicial e a simbolica, que derivam

respectivavemnte dos graus fenomenologicos de primeiridade, secundidade e terceiridade de

Charles Peirce.

Nao nos e possıvel neste trabalho tecer um desenvolvimento maior sobre as leis da semiotica

ou sobre a referida pesquisa de Santiago e Meyerewicz, porem resumidamente podemos dizer

que para os autores, a instancia subjetiva, se refere a gestos que sugerem um significado subje-

tivo, variavel de ouvinte para ouvinte. A instancia simbolica, e referente aos gestos que impli-

cam o conhecimento de convencoes para serem compreendidos, e por fim, a classificacao que

nos e de interesse, a instancia indicial, como os proprios autores alegam:

Quando a conexao entre o gesto e seu significado se faz por uma relacao defactualidade, o gesto se da por uma relacao de secundidade. Neste caso, ogesto se liga a aspectos especificamente musicais: gesto e aspectos musicaisse articulam em uma relacao fısica, “de fato”. A gestualidade do interpreterevela aspectos da materialidade da obra musical. Ex.: fraseado, estruturaformal, anacruse, ritmo, etc. (SANTIAGO; MEYEREWICZ, , pag. 5)

Ou seja, sao gestos que se relacionam diretamente com o fenomeno sonoro realizado, nao

apenas o produzindo mas reforcando sua significacao, por este motivo, nos e interessante utilizar

a classificacao de instancia indicial proposta por Santiago e Meyerewicz como fundamento de

nosso trabalho, uma vez que nossa intencao, ja exposta, vai em direcao a este conceito.

Como vimos, o gesto fısico e essencial para a producao sonora em instrumentos tradi-

cionais, pois, obviamente, a musica puramente computacional dispensa a acao fısica do in-

divıduo que a executa para produzir determinado evento sonoro (com excecao do live eletronics,

e de outras tecnicas composicionais em que a interacao do musico e importante para o produto

Page 19: O gesto na performance Instrumental

18

sonoro final). Nos deparamos novamente com a seguinte questao: se o gesto e um fenomeno

intrınseco ao fenomeno sonoro derivado do instrumento, e que dele emerge a possibilidade do

evento musical, por que ha necessidade de estuda-lo e de incentiva-lo como pratica, ja que o

gesto seria uma acao natural, indispensavel e inseparavel da realizacao sonora?

Na sequencia iremos expor como alguns autores acreditam que houve separacao entre o

gesto instrumental e a musica, e quais consequencias esta divisao gerou, e ainda gera.

4.2 Uma possıvel dissociacao

Freitas (2005), baseando-se na obra de Gusdorf, aponta que no seculo XIX pos revolucao

industrial, a concepcao que havia sido concebida para a producao em larga escala, dividindo

as etapas de producao e especializando a mao de obras para setores especıficos, invadiria e in-

fluenciaria o pensamento moderno, afetando, obviamente, a producao cientıfica e artıstica. A

ciencia moderna transformada neste contexto, buscou o conhecimento atraves da fragmentacao

do saber. Sendo assim, o indivıduo, neste caso o cientista, fica carente da compreensao e

percepcao do todo como unidade, fator que e necessario para evitar a alienacao do sujeito.

Isto refletiria na musica da seguinte forma, como heranca do romantismo, perıodo em que in-

strumentista assumira uma posicao de prestıgio ate entao desconhecida na historia da musica

ocidental, o ensino musical pos revolucao industrial seria direcionado a formacao de virtuoses.

Assim, conservatorios se moldariam a uma educacao que privilegiasse a tecnica, tornando a

formacao do musico o mesmo que um curso de profissionalizacao. Essa abordagem tecnica

estritamente mecanicista, fragmentaria o conhecimento musical, fazendo com que os musicos

desenvolvessem a tecnica desvinculada do conteudo e da experiencia musical, separando o de-

senvolvimento sensorio motor do emotivo, cultural e perceptual.

Freitas defende que o gesto tem funcao epistemica e expressiva no processo do conheci-

mento musical e por isso nao deve acontecer essa dissociacao. O autor da dissertacao, em seu

trabalho utiliza varios autores, como Damasio, Piaget, Willems, Reich e Gusdorf para demons-

trar como o corpo e a interacao deste com o objeto de conhecimento junto com as instancias

mental e cultural sao importantes nos processos cognitivos. Desvincular o gesto da execucao

musical, como ainda acontece no processo de formacao de musicos usado em conservatorios ate

os dias de hoje, seria uma atitude antinatural, pois, o musico para conseguir independencias e

especialidades motoras, abre mao do gestual e da percepcao corporal como um todo, isto, desde

o inıcio da sua aprendizagem ao instrumento, sendo os cursos de ensino superior em musica

uma extensao deste processo. Esta formacao que nao tem como fundamento a exploracao,

Page 20: O gesto na performance Instrumental

19

experimentacao e o improviso corporal com o objetivo de proporcionar a manipulacao do mate-

rial sonoro, serve como um adestramento do corpo a posturas e reacoes padroes dos elementos

musicais, tornando a experiencia, a expressividade e a criatividade musical uma pratica externa

a aprendizagem do instrumento.

Freitas tambem alerta que a separacao do conteudo musical da pratica instrumental, com

a abordagem tecnicista, traz varios problemas ao instrumentista, entre eles, a falta de com-

preensao musical, isto porque o ensino voltado a formacao de musicos virtuoses e imposto a

todas as etapas da educacao musical, do aprendizado da crianca, do musico amador, e das etapas

da formacao que se seguem, este metodo, voltado para a associacao partitura/instrumento com

um enfoque tecnico segundo Freitas tem o objetivo de obter resultados rapidos, estes resulta-

dos fundamentados num metodo de ensino linear e gradativo alcancam sim resultados, que por

serem dissociados da abordagem artıstica e musical se tornam superficiais. Isto e facilmente

provado pelo fato de existirem hoje muitos instrumentistas que atingem um nıvel tecnico ele-

vado, porem, carecem de elementos musicais e de uma intimidade com a linguagem sonora,

realizando execucoes que se limitam a habilidade mecanica, “Uma execucao pode nao atingir

seus objetivos nao so por razoes tecnicas, mas tambem pela inaptidao do musico para elevar-se

a altura do estilo e da concepcao do compositor” (FREITAS, 2005, pag. 68)

Outro problema apontado por Freitas, que sao resultados da dissociacao musica e tecnica,

sao os disturbios corporais, lesoes, tendinites, dores, e outros tipos de complicacoes aconte-

ceriam no ato do musico esforcar-se para adestrar o corpo a realizar atitudes tecnicas impostas

na aprendizagem, como, ataque X, apoio Y, posicao de mao obrigatoriamente de tal forma,

distancia dos braco, dentre outras.

O autor afirma que a concretizacao dos movimentos do corpo deveria se dar na exploracao

e pesquisa do gestual necessario para realizar determinada sonoridade. Como o objetivo final

do instrumentista e a musica, e nesta que ele deve buscar a referencia na producao sonora, e

nao em parametros mecanicos. Segundo Freitas, o gesto sonoro se constroi em funcao dos

sons e das relacoes sonoras que constituem a musica, os elementos musicais suscitam seus

correspondentes gestuais. com esta afirmacao, o autor coloca que a construcao do gestual do

instrumentista deve ocorrer em funcao do material sonoro, nao so como reforco, mas sim como

parte elementar do fenomeno musical, desenvolvendo assim uma inteligencia sensorio motora

e uma percepcao corporal necessaria para convergir os valores, afetivos, emotivos, intelectuais

e expressivos aliados aos fenomenos musicais e as intencoes sonoras de forma epistemologica,

valores que sao intrınsecos a musica. O gesto desvencilhado da musica se torna um artifıcio

desnecessario, como viria afirmar adiante, “nao e a posicao mais elegante ou o gesto teatral

Page 21: O gesto na performance Instrumental

20

que vai gerar uma boa execucao, mas o gesto que a propria musica suscita como o mais ade-

quado para sua concretizacao, dentro da unidade de uma concepcao” (FREITAS, 2005, pag.

63). O autor esclarece que esta associacao do gesto com o objeto musical se organiza em

associacoes secundarias, visuais, espacias e tateis, porem o instrumentista deve proteger o gesto

de associacoes extramusicais, sejam estas associacoes de ordem intelectual ou afetiva.

Gostarıamos de esclarecer que Freitas nao e adepto de uma postura que almeja a extincao

do virtuosismo e do estudo tecnico, ate porque, como o proprio autor aponta, ha necessidade da

existencia desses elemento, principalmente quando se aborda o repertorio dos seculos XVIII

e XIX, porem, esses elementos devem ser apenas ferramentas, meios pra se chegar a uma

interpretacao, e o instrumentista nao deve te-los como finalidade.

Acreditamos, que esta fragmentacao do aprendizado levantada por Freitas nao foi uma

causa isolada que distanciaria o gesto da pratica musical. Nao podemos indicar com exatidao

os motivos e as datas em que este elemento da construcao da linguagem musical, o gesto,

perdeu forcas e esteve cada vez menos presente na cultura ocidental, mas, como aponta Iazzetta

(1997), o surgimento da industria fonografica em meados do seculo XX tambem seria um dos

fatores cruciais nesta transformacao. Iazzetta considera que antes do surgimento da industria

fonografica, musicos e ouvintes associavam o gesto de forma inseparavel da pratica musical,

uma vez que a musica, ate entao, so podia ser reproduzida ao vivo. Sendo assim, mesmo no

inıcio da era fonografica toda a referencia de escuta mantinha relacoes com o gesto do instru-

mentista. A musica realizada ao vivo era a referencia para a gravacao, e a presenca do gestual

necessario para determinada execucao musical era sustentado por uma convencao, que era per-

petuada pelos instrumentistas. Este papel de referencia, com o passar do tempo se reverteu, tor-

nando como pratica instrumental ideal, a execucao da obra que mais se aproxima de gravacoes

da mesma. Esta constatacao de Iazzetta pode facilmente ser relacionada a de Freitas, uma vez

que a formacao do musico e o contato dele com a musica, neste caso, a referencia musical

partindo da escuta, se tornam um emaranhado cultural que transforma o pensamento artıstico,

seja do musico em formacao, ou da sociedade, mudando a maneira de produzir e compreender

a musica.

Podemos considerar entao que o distanciamento do gesto na execucao instrumental, foi

um efeito da interacao do mecanicismo tecnico, privilegiado na formacao do musico virtuose,

e de gravacoes, que com o tempo, foram efetuadas pelos proprios musicos “produtos” desta

interacao, se tornando referencia para a proxima geracao. Nao cabe a este trabalho se apro-

fundar nesta retroalimentacao cultural expondo e analisando provas concretas da influencia que

a industria fonografica exerce sobre a geracao seguinte de musicos, mas consideramos que as

Page 22: O gesto na performance Instrumental

21

gravacoes consideradas “consagradas” assumem um papel de execucao ideal, seja de determi-

nada obra ou estilo.

Como foi dito acima, o gestual era suscitado de acordo com a necessidade de executar ele-

mentos sonoros de diferentes naturezas e era perpetuado devido a uma convencao existente que

era comum aos musicos do ocidente, pratica que foi desvencilhada da execucao musical por

fatores que tambem ja foram expostos. Um recente artigo de autoria dos pesquisadores As-

sis e Amorim (2009) tambem aborda o gesto musical, e expoe uma posicao de Adorno sobre

a escrita musical, alegando que o filosofo considera a escrita musical como uma linguagem

sıgnica que indica uma realizacao mimetica, “indicacao expressiva que tem de ser traduzida em

representacao mental e realizada sonoramente” (ASSIS; AMORIM, 2008, pag. 1). Segundo

os autores, esta representacao mental e a realizacao sonora estao diretamente relacionadas ao

gesto, uma vez que a realizacao mimetica e a imitacao do gestual necessario para a execucao e a

partitura existe como o meio de fixar esta pratica. Assis e Amorim constatam que a necessidade

de indicacoes cada vez mais detalhadas na notacao musical surgem devido a um distanciamento

do gestual que era efetuado devido a convencao. Tambem afirmam que no serialismo inte-

gral, onde os compositores indicavam na partitura todas as manifestacoes sonoras de dinamica,

tempo, altura, dentre outras, o interprete fica restrito a realizar estas indicacoes, deixando de

ter uma parcela de contribuicao interpretativa na obra, ou seja, o musico interprete nao mais

contribui na construcao de significacao na obra musical, sendo esta tarefa agora uma particu-

laridade do compositor e o instrumentista assume uma postura de mero meio de transmissao

das ideias musicais do compositor. Por esse motivo o serialismo encontrou no computador uma

forma de realizacao ideal, sendo realizado exatamente da forma como o compositor planejou.

Page 23: O gesto na performance Instrumental

22

5 Abordagem Gestual

Iremos agora, propor uma execucao gestual a peca La espiral eterna de Leo Brouwer. Como

vimos, muito e discutido sobre a emergencia do gesto instrumental em musica, porem, mesmo

sendo esta atitude corporal foco de muitas pesquisas recentes, pouco se fala sobre como, ou

melhor, de qual maneira abordar uma peca para obter dela, possıveis manifestacoes gestuais.

Propomos com este trabalho, que o gestual podera ser melhor utilizado quando este for efe-

tuado de forma coerente com as caracterısticas estruturais do fenomeno sonoro que ele proprio

concebe. Assim, acreditamos que o gesto nao estara apenas proporcionando uma execucao flu-

ente, mas tambem reforcando o conteudo significativo do fenomeno musical, seja de uma frase

ou de uma peca inteira. A execucao fluente a qual nos referimos acontece devido a coerencia

entre a energia fısica utilizada pelo corpo do instrumentista e as propriedades acusticas e estru-

turais do fenomeno musical, que estao intrinsecamente interligadas.

5.1 A eterna espiral

Antes de propormos uma abordagem gestual a peca de Brouwer, iremos tentar compreender

como ela e tecnicamente realizavel.

Na primeira secao da peca, apos submetermos as celulas musicais a um criterio de realizacoes

tecnicas diferentes, classificamos dois modelos de celulas. Partindo disto, indentificamos como

primeiro modelo 5.1, fenomenos sonoros realizados somente por arpejos, ou seja, que nao im-

plicam a repeticao de cordas, notas ou o uso de ligados, portanto, sao grupos de notas executados

Figura 5.1: Primeiro trecho da Espiral Eterna

Page 24: O gesto na performance Instrumental

23

Figura 5.2: Alteracao do arpejo

Figura 5.3: Insercao de ligados

apenas com a alternancia dos dedos em diferentes cordas do instrumento. O primeiro modelo e

realizado com a alternancia de tres notas, com excecao somente de uma celula nesta sessao 5.2,

em que uma das notas do arpejo e alterada na sua repeticao.

No segundo modelo de realizacoes tecnicas, colocamos celulas que necessitam do uso de

ligados para serem executadas 5.3. Neste grupo, tambem ha necessidade de se arpejar as cordas,

porem, alternam-se os arpejos com notas inseridas por uso de ligados ascendentes e descen-

dentes.

Portanto, temos um primeiro modelo de realizacoes tecnicas, com celulas realizadas so-

mente por uso de arpejos, e um segundo modelo com notas realizadas pela combinacao de

arpejos com ligados ascendentes, arpejos com ligados descendentes, e arpejos com ligados as-

cendentes e descendentes intercalados 5.4

5.2 Sobre a tecnica

Apesar de estarmos cientes de como o pensamento pos revolucao industrial influenciou a

musica, principalmente no que se diz em relacao a formacao de musicos instrumentistas (FRE-

Figura 5.4: Uso de ligados mistos e arpejos

Page 25: O gesto na performance Instrumental

24

ITAS, 2005), nao acreditamos que seja possıvel um distanciamento da abordagem tecnicista,

uma vez que a tecnica, independentemente do nıvel do musico ou escola, e a maneira de nos

relacionarmos com o instrumento musical. Por esta razao, antes de propormos uma acao ges-

tual a peca, iremos identificar como o fenomeno sonoro que lidamos e tecnicamente executavel

segundo alguns autores.

Brouwer deixa explicito na bula da peca, que os grupos de notas da primeira secao de La

espiral eterna devem ser executados de maneira rapidıssima. Como todos os grupos de notas sao

em primeira instancia realizados com arpejos constatamos em Carlevaro a abordagem tecnica

que possibilita tal execucao.

5.2.1 arpejos

Para Carlevaro, arpejos que necessitam uma execucao de maneira rapida, devem ser prefe-

rencialmente realizados sem articulacoes determinadas de falange. O autor afirma que para se

obter agilidade na execucao destes arpejos, a acao dos dedos de forma relaxada e sem reduzir

o movimento a uma determinada articulacao, proporciona um movimento livre dos dedos, que

melhor viabiliza a atitude exigida, do contrario de outras possibilidades de toque, quando ha

necessidade de mudanca de timbres, dinamica, dentre outras, e a articulacao das falanges “fixas”

sao convenientes. como o proprio autor afirma:

Para obter uma quantidade consideravel de velocidade, deve se entender que oestado de relaxamento deve fluir juntamente com a atividade muscular, sendoimpossıvel manter uma boa velocidade e o controle sobre ela por um perıodoprolongado se a mao e os dedos estao em estado de contracao permanente(. . . )(CARLEVARO, 1985, pag. 104)

Obviamente, a realizacao de qualquer acao tecnica no instrumento, envolve muito mais

fenomenos e acoes do que os relatados acima, que tratam simplesmente da descricao tecnica de

um arpejo. Porem, nao nos cabe neste trabalho desenvolver mais apuradamente uma investigacao

da atitude corporea perante a esta pratica, sendo assim, consideramos que o conteudo extraıdo

de Carlevaro cumpre com nossa proposta de determinar como se efetua a primeira secao da

peca partindo da atitude tecnica realizada pela mao direita.

5.2.2 ligados ascendente

Como alegamos acima, a realizacao tecnica do segundo modelo identificado, implica a

execucao de ligados ascendentes e descendentes. Para execucao das celulas que contem somente

ligados ascendentes, Carlevaro defende que o instrumentista deva fazer uso do que ele chama

Page 26: O gesto na performance Instrumental

25

de “fijacion”. Segundo o autor, esta atitude, que consiste na transferencia da movimentacao

do dedo para o deslocamento da mao, permite ao instrumentista executar ligados com maior

agilidade e forca.

Scott Tennant, tambem se referindo a ligados ascendentes, alega que estes devem ser exe-

cutados de modo que o musico que os realiza, esteja atento a tensao e o relaxamento do dedo

que efetua o ligado, segundo o autor, e importante que o instrumentista nao continue aplicando

pressao na corda apos efetuar o ligado, pois essa energia se torna desnecessaria. O proprio autor

defende que “(. . . ) antes de executar o ligado o dedo esta vazio(de energia), conforme se exe-

cuta o ligado, ele se enche de energia e com a combinacao de musculos e peso(forca cinetica)

atinge a corda(. . . )” (TENNANT; CO, 1997, pag. 13)

5.2.3 ligados descendentes

Referindo-se aos ligados de natureza descendentes Carlevaro alega que estes devem ser

executados de maneira transversal as cordas do instrumento, assim, a corda ira produzir som

atraves da friccao. O autor tambem afirma que o comportamento do dedo que executa o li-

gado descendente deve ser de restringir a inercia original, contida no impulso do dedo, assim,

diferentemente do ligado ascendente em que o dedo esta completamente relaxado, pelo fato de

transferir o movimente a mao, o ligado descendente deve conter certa rıgidez do dedo sendo

executado de maneira em que o dedo pince a corda, comparavel a atitude da mao direita.

5.3 o gesto que emerge

Como ja afirmamos anteriormente, acreditamos que uma obra musical e um objeto que

pode potencialmente se manifestar de diversas formas, sendo assim, queremos deixar claro que

nossa intencao nao e determinar qual gestual e mais adequado em detrimento de outro, nossa

proposta e indicar caminhos de como identificar quais realizacoes gestuais sao compatıveis com

os processos sonoros presentes numa determinada obra. Por esse motivo vamos partir de uma

analise da obra e constatar o que reconhecemos como fenomenos sonoros pertinentes a serem

reforcados gestualmente ou entao atenuados.

Na primeira secao da peca(A), na qual ja descrevemos os procedimentos puramente tecnicos

para execucao, e desenvolvido um tipo de comportamento sonoro, este, e basicamente a variacao

do cluster re, re� e mi, que deve ser executado “rapidısimo” como o proprio autor indica.

A execucao rapida dos grupos de notas permanece durante quase toda a primeira secao nas

Page 27: O gesto na performance Instrumental

26

Figura 5.5: Dinamicas

dinamicas, ppp, pp e p, chegando a dinamicamf somente nas proximidades do fim desta etapa.

Outro fenomeno constante na primeira secao e a variacao de de dinamicas 5.5. O com-

portamento dinamico desta primeira secao da peca acontece da seguinte forma. A primeira

colecao de notas, e apresentadas na dinamica ppp, na medida em que se sucedem as mudancas

de grupos de notas, sao apresentadas dinamicas mais fortes do que a primeira, que logo em

seguida retornam a dinamicas menores. Em praticamente todo o trecho ha variacao dinamica,

ou seja, durante a primeira secao, todos os grupos devem ser tocados contendo sempre uma

direcionalidade dinamica que so ira se inverter nas proximas colecoes de notas que se seguem.

Nesta primeira sessao da peca nao ha estabilidade dinamica, e todas as colecoes apresentam di-

recionalidade de dinamicas mais fortes para as mais fracas, ou o inverso. Este comportamento

demonstra o carater referencialista da peca, acreditamos que esta atitude tenha como intencao

causar um efeito contınuo do cluster que se transforma durante a secao A, uma dissonancia

constante, acreditamos ser este o comportamento que serve como referencia a uma espiral.

Constatamos que esta direcionalidade dinamica, e acompanhada pela transformacao do

cluster contido no primeiro grupo de notas apresentado. O autor indica que a primeira colecao

deve ser executada em ppp, ao surgirem suas variacoes, desenvolve-se conjuntamente o au-

mento de dinamica, que decresce ate atingir dinamicas menores junto com o reaparecimento das

primeiras tres notas. As cinco primeiras transformacoes do primeiro grupo de notas, consistem

na extensao superior (uma nota acima) e na extensao inferior (uma nota abaixo) desta colecao,

sendo assim, constatamos que neste trecho, as dinamicas, basicamente se comportam acom-

panhando o distanciamento das tres primeiras notas com crescendos, e retornando a colecao

original com diminuendos. Durante a secao A, alegamos que o comportamento acontece de

forma semelhante ao relatado acima, portanto, da mesma maneira que temos uma transformacao

do primeiro grupo de notas acompanhada por um comportamento dinamico, o distanciamento

ocorrido pela descaracterizacao da primeira colecao acompanha um plano dinamico que se com-

portar de maneira mais intensa quando este distanciamento e maior. A movimentacao dinamica

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27

na secao A e constante, sendo intrınseca a correspondencia do direcionamento dinamico as

transformacoes do primeiro grupo de notas. Acreditamos ser o grupo de notas numero 14 e

15, a transicao do eixo central, que ate entao pertencia a nota re, e agora torna-se a nota si.

Esta suposicao nos parece evidente pois o comportamento que ate agora ocorria pelo acompan-

hamento dinamico das diferentes manifestacoes do primeiro grupo de notas derivadas do cluster

de re, passa a ocorrer tendo como eixo a nota si, que sobretudo, encerra a primeira secao.

Passamos agora a considerar o aspecto gestual partindo da relacao entre a tensao gera-

da pelas estruturas musicais e a tensao corporal, isto, almejando criar uma compatibilidade

destes fenomenos simultaneos, o sonoro e o fısico necessario para execucao do primeiro. O

que propomos nao e uma atitude sem precedentes, uma vez constatado que ate compositores

usufruem deste artifıcio. Por exemplo, compositores podem escrever notas ou ate mesmo frases

de maneira que exijam maior ou menor dificuldade tecnica de realizacao no instrumento abor-

dado, almejando uma alteracao de carater. Deste modo, podemos alegar, que alguns composi-

tores consideram a atitude gestual do instrumentista ao conceberem suas pecas. Acreditamos

que o pensamento gestual do compositor, ocorre quando este se preocupa com a manifestacao

corporea necessaria para realizacao do fenomeno sonoro, os fundindo, por exemplo, quando o

compositor escreve uma passagem musical fluıda e alegre de maneira que seja de facil execucao

no instrumento escolhido para a peca, em contraste com um comportamento sonoro pesado e

mais dramatico em uma regiao desconfortavel do mesmo instrumento. Em ambos os casos

temos resultados que aliam o resultado sonoro a execucao instrumental.

Nao temos a pretensao de afirmar se Leo Brouwer, teve ou nao a intencao de fundir o

fenomeno sonoro ao gesto fısico na peca La Espiral Eterna, porem alegamos a possibilidade de

propor tal compatibilidade no trecho analisado aqui.

Atribuımos como portadores de maior tensao sonora neste trecho da peca as colecoes que

mais se distanciam dos dois eixo principais, re e posteriormente si, esta tensao e acompanhada

por aumentos de dinamica, como ja mencionamos anteriormente. O que constatamos, e que

os grupos de notas que identificamos como mais tensos, pelos motivos expostos, exigem uma

complexidade tecnica maior para serem realizados, que de certa forma implica numa maior

dificuldade de execucao, em relacao as notas que alegamos nao portarem tais tensoes.

Acreditamos que este tipo de fenomeno nao e facilmente encontrado no repertorio, inde-

pendentemente do instrumento escrito, porem, o que estamos propondo e uma preocupacao do

interprete em relacao ao comportamento corporal com o som produzido, que inclui o reconheci-

mento das tensoes contidas em determinada peca, seja tal peca portadora de coerencia entre os

elementos fısico e sonoro, como acreditamos ser o caso de La Espiral, ou nao conterem essa

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28

propriedade.

Por um vies tecnicista, possivelmente a primeira coisa que um instrumentista faria ao abor-

dar a peca, seria eliminar todos os vestıgios de dificuldades tecnicas contidas nos grupos de

notas de maior complexidade. Apos moldar todos os trechos em uma execucao aparentemente

facil e uniforme, o instrumentista iria atribuir as dinamicas aos grupos que estas sao determi-

nadas. Desta maneira, o elemento que seria “facilitador” da execucao musical, e quando nos

referimos a execucao musical agregamos a este termo nao so a instancia de realizacao fısica, e

de certa forma comprometido, porque ha a dissociacao da execucao e do potencial significativo,

neste caso possibilitado pela coerencia dos elementos gestuais e sonoro. Acreditamos que a

dificuldade tecnica e um elemento “facilitador” na peca, justamente por ela exigir um esforco

maior em sua execucao, aliando este esforco a tensao da estrutura sonora e assim, reforcando

sua significacao.

Nao estamos aqui defendendo uma execucao que negligencie uma polidez tecnica, porem,

acreditamos que a intencionalidade expressiva que se deseja atribuir a peca pode ser desen-

volvida conjuntamente com suas necessidades motoras, e nao de forma separada.

Apos constatada uma provavel inclinacao da determinada peca aos nossos ideais, propomos

entao uma atitude interpretativa que considere o nıvel gestual discursivo a peca em questao. Na

peca encontramos relacao entre a tensao estrutural, fornecida pelo distanciamento da nota de

eixo, e das intensificacoes de dinamica com a tensao gestual, gerada pela dificuldade tecnica.

Acreditamos, que o reforco de significacao que podemos inserir na peca seria possibilitado

pela exploracao da relacao deste elementos. Tais elementos, na peca em questao, de certa

maneira sao dependentes um do outro para coexistirem, como exemplo, a realizacao de uma

dinamica maior implica numa amplitude gestual maior. Portanto, nossa proposta gestual parte

do princıpio de amplificar os fenomenos mecanicos necessarios na execucao ao maximo, porem,

sem utilizar gesto desnecessarios, que acreditamos interferir negativamente na performance a

tornando-a caricata e ate podendo comprometer a saude fısica do instrumentista.

Como vimos em Carlevaro, sera necessario para execucao desta primeira secao, uma livre

articulacao dos dedos da mao direita, sem falanges fixadas, uma vez que a peca exige velocidade

e resistencia, devido ao arpejo ser realizado ininterruptamente. Mesmo assim, deparamos com

a necessidade de uma movimentacao maior dos dedos, para realizar as dinamicas maiores, que

neste trecho da peca saomp emf. Nossa primeira proposta seria sintonizar o comportamento da

mao direita com o direcionamento das dinamicas. Alegamos que se a manifestacao dinamica

da peca surge da seguinte maneira, pp, mf, p, o movimento da mao e dos dedos, que neste

caso implica numa abertura maior das articulacoes da mao, para extrair um som mais intenso na

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dinamicamf, deve acompanhar estas mudancas de plano dinamico com a abertura e fechamento

dos dedos de forma mais ampla, tornando a atitude mecanica da mao um gesto que aumenta na

medida que a dinamica almeja atingir intensidades maiores, e diminui na situacao contraria.

Acreditamos que este gesto que acopla o sentido dinamico intrınseco a realizacao sonora, torna

mais coerente a execucao.

Acreditamos que para dominar um instrumento em um nıvel profissional de acordo com os

padroes da high performance, o musico desenvolve diversas maneiras perceptuais de se rela-

cionar com o instrumento. A postura fısica diante o violao, no nosso caso, demanda uma

adaptacao corporea e uma experimentacao tecnica, que todo instrumento exige. O que quere-

mos dizer com isso e que nao nos cabe definir especificamente qual atitude corporea o instru-

mentista deve adotar, uma vez que, somente o indivıduo, que deseja se preocupar com a atitude

tecnica pode experimentar e desenvolver seu comportamento corporal a um fenomeno sonoro,

justamente pela singularidade que o sujeito se relaciona com o objeto.

Portanto ao propormos uma atitude, como a relatada acima, apenas nos e possıvel apon-

tar caminhos para fomentar uma preocupacao gestual. Ao alegarmos que o movimento de

maior e menor amplitude dos dedos acompanhando o comportamento dinamico contribui com

o conteudo significativo, cabe ao musico, indentificar quais reacoes corporeas farao parte desta

acao, como o movimento do antebraco, o braco o ombro, o tronco, a cabeca, e ate mesmo as

pernas, irao se comportar no processo de busca do resultado sonoro, e tambem cabe somente ao

musico, reconhecer se o gestual que acompanha a realizacao sonora deve ser amplificado, aten-

uado, ou ate mesmo ignorado na execucao, caso este atrapalhe o sentido que se deseja atribuir

ao fenomeno sonoro.

Acreditamos que o desenvolvimento da atitude corporal com o fenomeno sonoro pode con-

tribuir com a compreensao da peca por parte do musico, e defendemos que esta compreensao

sera um importante elemento na transmissao do material significativo que se deseja expressar.

Assim, o corpo do instrumentista assumiria a postura de transmissor do fenomeno musical de

forma mais completa, e nao so atribuindo a realizacao tecnica a tarefa de produzir o evento

sonoro desejado.

Outra atitude corporal que destacaremos em relacao a La espiral eterna, seria o fato do

musico deixar evidente a dificuldade tecnica implıcita as colecoes de notas que julgamos mais

tensas, portanto investigaremos como esta tensao transmitida pela atitude corporal pode emer-

gir. Como alegamos, nao temos a intencao de agregrar gestos caricatos e desnecessarios a

execucao, portanto teremos que ter cuidado nesta etapa, pois nao queremos que o que admiti-

dos como tensao corporal e evidencia de dificuldade se confunda com errar notas proposital-

Page 31: O gesto na performance Instrumental

30

mente ou forca expressoes corporais e musculares exprimindo a aparencia de uma realizacao

penosa. O que supomos e que esta dificuldade transmitida pelo reconhecimento da tensao cor-

poral seja fruto da concentracao exigida para a propria amplificacao da tensao sonora realizada.

Os ligados ascendentes e descendentes geralemten requerem um curto movimento para serem

realizados na velocidade exigida a peca, porem acreditamos que alargando o gestual para re-

aliza-los estaremos em conjunto com o evento referente aos arpejos de mao direita expondo

uma intensificacao da tensao que ocorre musicalmente. Assim a propria concentracao que o

musica teria que imprimir a estas passagens, tecnicamente contrastantes em relacao a ampli-

tude gestual anterior, seria satisfatoria para alcancar os resultados que almejamos, a coerencia

do comportamento corporal ao evento sonoro.

Neste trabalho, propomos apenas duas atitudes corporeas que poderiam ser reduzidas a

uma, a movimentacao dos dedos em compatibilidade com os planos dinamicos e as tensoes

estruturais. Porem reconhecemos que sao diversas as possibilidades gestuais que podem emergir

partindo da interpretacao de um evento sonoro, e desejando executa-lo de maneira desassociada

corporalmente. Cada repertorio especıfico, ou melhor, cada obra especıfica exigira uma atitude

corporal, tal como propomos, diferente. Porem ao construir o comportamento corporal aliado

ao fenomeno sonoro alegamos mais uma vez, o cuidado que o musico deve ter em evitar gestos

que nao sao gerados do reconhecimento do significado contido no evento musical, e considerar

que o mais importante destas praticas propostas, e o resultado sonoro, o produto, que se nao for

satisfatorio artisticamente deve ser repensado.

Page 32: O gesto na performance Instrumental

31

6 Conclusao

No presente artigo, acreditamos deixar clara nossa preocupacao em relacao pratica gestual

na performace, ou melhor, o foco que almejamos dar a importancia da acao gestual, elemento

intrınseco a execucao instrumental, na performance.

Como constatamos, a atitude corporal simultanea a determinadas formas de discurso, ja

e discutida e considerada como fator pertinente a significacao ha muito, dado como exemplo

do Actio na retorica aristotelica. Apontamos a relacao do comportamento corporal aliado ao

fenomeno sonoro, desde a pratica associada a analogia com a musica vocal, e trouxemos provas

levantadas por autores como Freita (2005) e Iazzeta (1997), sobre a possıvel dissociacao do

gesto a pratica musical.

Para constatar de forma mais ampla nossa proposta, reconhecemos que uma possibilidade

seria aplicar e experimentar a atitude gestual em varios tipos de repertorio, e ate mesmo, exe-

cutar as pecas abordadas por esse vies, a um publico determinado, no intuito de averiguar qual

seria a reacao da plateia perante a performance imersa em nossas propostas.

Pretendemos deixar claro, que mesmo sugerindo uma atitude corporal de certa forma deter-

minada a pratica musical, nossa intencao e despertar o musico instrumentista para a exploracao

das possibilidades gestuais que emergem do objeto sonoro lidado. Acreditamos ser a adocao

desta postura fator que contribui de forma expressiva ao conteudo significativo do evento sonoro

realizado.

Page 33: O gesto na performance Instrumental

32

APENDICE A -- Aristoteles e a Arte Retorica

Aristoteles, em seu tratado sobre a arte retorica, alega a proximidade desta arte com a

dialetica, o autor afirma que a diferenca entre as duas praticas discursivas consiste no fato de

que a primeira visa distinguir o que e realmente capaz de persuadir do que e persuasivo so

na aparencia, e a segunda tem como objetivo distinguir o silogismo verdadeiro do silogismo

aparente.“... A retorica e a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz

de gerar persuasao...” (ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap. II. p.1).

Segundo Silva Garcia, podemos compreender o silogismo como um processo de elaboracao

do pensamento(e do discurso), em que se chega a uma conclusao partindo de duas premis-

sas, que seriam proposicoes iniciais. O silogismo e uma estruturacao do discurso, na qual

concebemos conclusoes acerca da relacao das premissas, realizando assim uma argumentacao

fundada no desenvolvimento logico do proprio discurso. A dialetica usufrui dos silogismos

desenvolvendo-os, comparando-os, refutando-os ao longo do discurso, no intuito de expor ao

ouvinte a razao pela qual determinado argumento foi selecionado em detrimento de outros.

O silogismo tambem esta presente no discurso retorico, porem encontra-se nesta modali-

dade como entimema. Maia (2010) define o entimema da seguinte forma:

O entimema e o tipo de silogismo retorico em que a conclusao nao decorrenecessariamente de sua premissa. A principal caracterıstica do entimema eque a estrutura silogıstica (premissa maior, premissa menor e conclusao) eincompleta, pela qual uma das premissas ou a conclusao esta implıcita no ar-gumento, omitida, sendo verossımel. A premissa no entimema e provavel e elee dedutivo, pois, embora a premissa entimematica esteja sujeita a confirmacaofutura, o argumento nao pode levar, de premissas verdadeiras, a conclusoesfalsas. (MAIA, 2010, pag. 6)

No entimema, diferente do silogismo, uma premissa pressupoe uma segunda premissa, ou

seja, pelo fato de uma das premissas ser obvia, ela e omitida no discurso.

Os meios de persuasao atraves do discurso, objeto de estudo da arte retorica, sao o silogismo

e a inducao segundo Aristoteles. Ambos elementos constituem tambem a arte da dialetica, “... a

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retorica e uma parte da dialetica e com ela tem parecencas...” (ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap.

II. p.7) . Como vimos, no discurso retorico, diferente do dialetico, o silogismo existe na forma

de entimema, ja a inducao, na forma de exemplo. A inducao e a transferencia de um conceito do

particular para o geral, podemos entender essa transferencia como uma generalizacao. Assim o

entimema e a ferramenta que proporciona a deducao e o exemplo a inducao.

Segundo Aristoteles o discurso retorico pode ser classificado em tres generos, que sao o

deliberativo, o judiciario e o demonstrativo. Numa deliberacao aconselha-se e desaconselha-

se seja sobre uma questao de interesse particular ou de interesse publico. O genero judiciario

comporta a acusacao e a defesa. E por ultimo o genero demonstrativo que trata acerca do

elogio e da censura. Agregar os valores de belo ou disforme, de virtude ou de vıcio sao os

fins de quem busca censurar ou elogiar. “...o belo e o que e agradavel pelo fato de ser bom...”

(ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap. IX. p.3)

O autor diz que a conviccao dos juizes(ouvintes) depende do estado em que conseguimos

coloca-los, ou(e) das disposicoes que eles conferem aos que falam, ou(e) da demonstracao

que lhes foi apresentada. Na sequencia do livro Aristoteles determina que existem tres questoes

relativas ao discurso, e estas devem ser exploradas a fundo, a primeira e da onde serao fornecidas

as provas, a segunda questao e a definicao do estilo que se deve empregar, e por ultimo, definir

a maneira de dispor as partes do discurso, o autor denomina estas tres etapas respectivamente

como inventio, elocutio e dispositio. Alem de propor esta divisao da estrutura do discurso

retorico Aristoteles discorre sobre o actio, que seria a acao oratoria, a efetivacao do discurso,

a maneira de empregar diferentes formas o uso da voz para expressar cada paixao. Aristoteles

alega que o objeto de atencao dos oradores devem ser tres, a forca da voz, a harmonia da fala

e o rıtmo.“Quando a acao e empregada, produz o mesmo efeito que a representacao do ator”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. I. p.6)

Aristoteles defende que as qualidades de provas sao independentes e dependentes. Provas

idependentes sao aquelas que preexistem e nao dependem do orador para serem geradas, como

exemplo, os testemunhos, os documentos, etc, provas dependentes sao geradas da ligacao que

o orador faz com as provas independentes, como ele as articula e as desenvolve, seja por

metodologias pre concebidas ou por meios proprios.

As provas dependentes sao divididas em tres especies, a primeira consiste no carater moral

do orador, Aristoteles insiste que a impressao que o orador transmite de seu carater e extrema-

mente importante para persuadir os ouvintes, o autor alega que as pessoas de bem transmitem

confianca, e causar esta impressao e extremamente importante para o orador persuadir melhor

o ouvinte. A segunda especie de prova e a disponibilidade dos ouvintes, sendo que os ouvintes

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serao persuadidos quando o discurso os leva a sentir uma paixao. A terceira especie de provas

e o proprio discurso.“...e pelo discurso que persuadimos, sempre que demonstramos a verdade

ou o que parece ser a verdade...” (ARISTOTELES, 2002, liv. I. cap. II. p.6)

Para Aristoteles, o orador deve ter preocupacao com o estilo que se emprega ao discurso.

O estilo deve ter como objetivo a clareza, pois, se ele nao tornar manifesto o seu objeto, nao

cumpre sua funcao “...o estilo nao deve ser rasteiro nem empolado, mas convir ao assunto...”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. II. p.1). O autor expoe que um do problemas mais

recorrentes no uso do estilo do discurso e a frieza do estilo, esta ocorre devido a quatro causas,

o uso de palavras compostas, o emprego de palavras estranhas e obsoletas, o uso de epıtetos

demasiado longos, e por ultimo o uso excessivo de metaforas, este itens devem ser evitados. O

principio do estilo e falar com pureza e para isso sao necessarias cinco condicoes, a pimeira e

empregar corretamente as conjucoes, nao tornando o discurso confuso, a segunda e empregar

vocabulos proprios sem a necessidade de recorrer a perıfrases, a terceira condicao se baseia em

evitar o uso de expressoes anfibologicas (ambıguas), a nao ser que propositadamente se tome

o partido contrario, a quarta consiste em distinguir o genero dos nomes, e a quinta e ultima e

a de distinguir os numeros definindo se tratam-se de muitos ou poucos. O autor tambem diz

que o estilo tera a conveniencia desejada se exprimir as paixoes e os caracteres e se estiver

intimamente relacionado ao assunto. Esta relacao existe quando nao se trata de modo rasteiro

assuntos importantes, nem enfaticamente assuntos vulgares.O que contribui para persuadir e o

estilo proprio do assunto. Assim o animo do ouvinte conclui falsamente que o orador exprime a

verdade, pois nesse caso os ouvintes sao animados de sentimentos que parecem ser os seus.“...o

ouvinte compartilha dos sentimentos do autor que fala de maneira patetica (movere), mesmo

que o discurso careca de fundamento. Por isso muitos oradores impressionam o animo dos

ouvintes , fazendo simplesmente ruıdo.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. VIII. p.5).

Arıstoteles diz que nao se deve fazer analogias o tempo todo, por exemplo, se as palavras

sao duras nao se deve empregar esta dureza na voz, no rosto, e nos demais significados que po-

dem harmonizar-se a palavra, pois agindo assim o ouvinte descobre o emprego da arte retorica.

O uso de palavras composta e de epitetos em demasia deve ser agregado ao estilo patetico, que

e aceitavel quando se exprime a colera.

“O estilo exprime as paixoes, se, quando houve ultraje, a expressao e a de umhomen irado; se a acao e ımpia e vergonhosa, se adota o tom de um homencheio de indignacao e de reserva nas palavras. Se a materia e elevada, falar-se-a com admiracao. Se e digna de compaixao, usar-se-ao termos de humildade.E o mesmo nos demais casos.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. VIII. p.3)

Aristoteles diz que a forma do estilo nao deve ser nem metrica, nem desprovida de rıtmo.

Page 36: O gesto na performance Instrumental

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Isto porque a metrica e obstaculo a persuasao por dar ao estilo uma aparencia artificial, por

outro lado, a falta de rıtmo torna o estilo indeterminado, e o que e indeterminado nao agrada

e nem e inteligıvel segundo Aristoteles. Portanto o estilo deve ser determinado, mas nao pelo

metro e sim pelo rıtmo.O estilo pode ser classificado de dois tipo, ou coordenado, ou periodico.

O estilo coordenado e aquele que por si nao tem fim, a nao ser que o assunto tratado chegue

ao termo, que como o proprio autor alega: “...devido ao seu carater indeterminado, carece de

agrado.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. IX. p.2). Aristoteles define da seguinte forma o

estilo periodico:

Chamo perıodo uma frase que tem por si mesma, comeco, fim e uma extensaofacilmente abarcavel num relance. Esta forma de estilo e agradavel e de com-preensao facil; e agradavel, poque e contraria a forma indeterminada e tambempoque o ouvinte julga sempre reter alguma coisa por causa do carater determi-nado do que lhe e proposto; pelo contrario, e desagradavel nada prever e nadaver chegar ao termo. (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. IX. p.3).

A agradabilidade a qual Aristoteles se refere ocorre por esta forma de estilo ser determinada.

O autor afirma que e naturalmente agradavel a todos aprender sem dificuldades. As palavras tem

significacao e as mais agradaveis sao aquelas que nos fornecem algum tipo de conhecimento,

sendo que as palavras obsoletas nos sao desconhecidas. O estilo e os entimemas sao elegantes

quando nos fornecem um conhecimento rapido das coisas. Nao apreciamos entimemas que

nos saltam a vista, pois sao evidentes a todos e nao requerem um trabalho de pesquisa por

parte dos ouvintes, como tambem nao apreciamos aqueles que depois de enunciados coninuam

ininteligıveis, “deliciamo-nos com os entimemas que compreendemos logo que sao formulados

ou com os que a inteligencia apreende com pouco atraso.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap.

X. p.4).

O autor diz que o prazer surge pois tiramos destes entimemas uma especie de aquisicao

intelectual, o que nao acontece quando sao evidentes ou incompreensıveis.

Dando sequencia a Arte Retorica, Aristoteles diz que cada genero oratorio tem seu proprio

estilo “...o estilo escrito nao e o dos debates; nem o estilo das assembleias e o dos tribunais.”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. XII. p.1). O autor afirma que o estilo escrito e exato (do-

cere), ja o estilo dos debates e dramatico (movere). Cada estilo deve ser agregado a seu proprio

genero oratorio, um exemplo que Artistoteles da e que os discursos escritos se levados a serem

pronuciados num debate, soam demasiadamente acanhados, ja os de acao oratoria se forem es-

critos, nao geram o mesmo efeito que quando proferidos e na maioria das vezes aparentam ser

um tanto simples. Num discurso escrito as palavras repetidas sao constantemente censuradas,

no discurso falado e viavel recorrer a este processo pois tal atitude e propria da acao oratoria e

o orador faz uso disso de acordo com sua intecao, seja para reforcar uma ideia, ou dar grandeza

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36

a ela, “...onde se recorre mais a acao, a exatidao e menos necessaria. Ora a acao e necessaria

quando e preciso falar, e sobretudo quando e preciso falar alto.” (ARISTOTELES, 2002, liv.

III. cap. XII. p.5)

Arıstoteles diz que o discurso contem duas partes. A primeira consiste na indicacao do

assunto tratado, e a segunda parte e a demonstracao deste assunto, assim temos, exposicao e

prova. O autor contesta alguns teoricos da epoca que queriam agregar ao discurso divisoes

como, narracao, refutacao, recapitulacao, entre outros, isto porque que essas divisoes so sao

propriedades de determinados discursos, sendo assim nao faz sentido agregar esses termos ao

termo geral discurso. Artistoteles diz que a divisao do discurso deve ser a seguinte, exordio,

exposicao, prova, epılogo. Exordio e o inıcio do discurso, nesta etapa deve-se apresentar oque

se deseja dizer, e em seguida expor o plano. “O preludio e semelhante ao exordio no genero

epidıctico, com efeito, os tocadores de flauta, quando conhecem alguma aria, ensaiam-na pre-

ludiando no inıcio da musica que da o tom.” (ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. XIV. p.1).

O autor diz que as provas devem ser demonstrativas, “...quando se constesta que tal fato tenha

acontecido, e sobretudo neste ponto que se deve fazer incidir a demosntracao no tribunal.”

(ARISTOTELES, 2002, liv. III. cap. XVII. p.1). No genero demonstrativo, na maioria das

vezes, a amplificacao consistira em demonstrar que os fatos sao belos e uteis, sendo assim, sera

desnecessario demonstrar os fatos, demonstrando-os somente se estes forem inacreditaveis.

A arte da retorica busca um juizo, e por isso e absolutamente necessario nao ter so em vista

os meios de tornar o discurso demonstrativo e persuasivo. O orador deve possuir determinadas

disposicoes para que as inspire ao juiz. Como ja foi dito o orador deve transmitir virtudes para

persuadir. A confianca que os oradores inspiram provem de tres causas, que sao, a virtude, a

prudencia e a benevolencia, o orador deve se esforcar ao maximo para transmitir ou ao menos

parecer ter estas qualidades. Aristoteles diz que as paixoes sao causas que introduzemmudancas

em nosso juızo, e sao seguidas de pena e de prazer.

Para incitar qualquer uma das paixoes no ouvinte devemos distinguir tres coisas,tomaremos aqui como exemplo a colera, assim, estudaremos primeiro quaisdisposicoes que nos incitam a colera, em seguida contra quem nos encoler-izamos de ordinario, e por fim quais as causas que a provocam.

O autor diz que se uma dessas nocoes nos escapa, ou se nao conhecemos todas, somos

incapazes de suscitar a colera no animo dos ouvintes. Acerca da paixoes Aristoteles diz que as

paixoes que se pode levar o ouvinte a sentir sao, a compaixao, a indignacao, a colera, o odio, a

inveja, a cobica e o espırito de contestacao.

Aristoteles por fim traca consideracoes sobre outro elemento do discurso retorico, a peroracao,

A peroracao e o encerramento do discurso e deve ser composta por quatro partes, que sao: dis-

Page 38: O gesto na performance Instrumental

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por o ouvinte em nosso favor e dispo-lo mal com o adversario, a segunda parte tem como

objetivo atenuar ou amplificar oque se disse, a terceira em excitar as paixoes no ouvinte, e a

ultima consiste em realizar uma recapitulacao.

Como podemos constatar, a arte retorica visa reconhecer e explorar as medidas necessarias

para persuadir um ouvinte em determinado discurso, para atingir tal objetivo, Aristoteles con-

sidera varios artificios, que vao desde a estruturacao do discurso visando a conducao do ouvinte

a nosso favor, ate a postura que deve ser adotada pelo orador na execucao do discurso. Apos esta

breve consideracao acerca da retorica aristotelica, iremos direcionar o foco de pesquisa para a

relacao estabelecida entre a arte retorica e a musica ocidental.

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APENDICE B -- Divisao retorica proposta porQuintiliano

B.1 Inventio

A invencao, primeira etapa da retorica, segundo Tringali(1988), consiste em encontrar as

provas, ou melhor, verificar nas proprias provas oque deve ser util a persuasao. As provas sao

raciocınios reduzidos a silogismo que tem a funcao de persuadir. Tringali afirma que Aristoteles

criou uma disciplina chamada topica que estuda os lugares da onde se devem extrair as provas,

estes lugares fundamentalmente sao tres: lugares logicos (definicao, divisao genero), Lugares

gramaticais (etimologia), lugares metafısicos (casualidade eficiente, material, formal, final).

Tringali alega que alem da deducao (entimema) e da inducao (exemplo), que sao provas

consideradas logicas, existem tambem provas psicologicas, que sao as provas que exploram

a etica (imagen que o orador transmite de seu carater) e a patetica (comocao dos ouvintes

atraves da emocao e do sentimento). Para perduadir os ouvintes, tambem e necessario conhecer

conhecer o contexto social no qual eles se encontram, como o autor afirma, “O orador deve nao

apenas conhecer as paixoes: o amor, o odio..., mas sua variacao atraves das idades e das classes

sociais”. (TRINGALI, 1988, pag. 80)

B.2 Dispositio

A disposicao e simplismente o ato de ordenar as provas de modo que essas possam gerar

a persuasao, “quem fala sobre um assunto deve saber de onde vai partir, qual o caminho a

percorrer e aonde espera chegar”. (TRINGALI, 1988, pag. 81)

Aristoteles diz, como vimos, que o discurso deve ser dividido somente em apenas duas

partes, a indicacao do assunto tratado e a demonstracao deste assunto, e julga desnecessaria

outros tipos de subdivisoes. De acordo com Tringali, outras divisoes foram aplicadas a arte

Page 40: O gesto na performance Instrumental

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retorica ao longo da historia, como: exordio, que e a introducao do discurso, consite no orador

dispor os ouvintes a seu favor; proposicao, que e a exposicao de qual causa o orador ira defender;

particao, aonde o orador expoe aos ouvintes qual caminho vai percorrer; narracao, na narracao

(descricao) conta-se os fatos implicados pelo discurso; argumentacao, aonde se trata das provas,

confirmando-as ou refutando-as; peroracao, que e o encerramento do discurso.

B.3 Elocutio

Segundo Tringali, a elocucao, elocutio em latim, significa o ato de falar, porem na arte

retorica esta palavra tem outro sentido: “praticamente, a elocucao e o ato de compor, de redigir

o discurso... . Na invencao se trata do que se vai dizer, na elocucao, do modo de dizer.”

(TRINGALI, 1988, pag. 87)

Nesta etapa da arte, cabe ao orador usar a linguagem de modo a favorecer o discurso, empre-

gando o estilo adequado ao assunto abordado e aplicando ornamentos e figuras de linguagem

se necessario. Elementos como clareza (virtude contraria a um discurso obscuro), elegancia

(aplicacao de ornatos), correcao (conhecimento gramatical do orador) e adequacao (adequar os

elementos circunstanciais do discurso, como assunto abordado, auditorio, etc.., ao estilo apli-

cado), sao qualidades que devem estar presentes no discurso, pois seus oposto comprometem a

compreensao do texto e a persuasao dos ouvintes. Existem varias virtudes e vıcios que devem

ser aplicadas e evitadas no discurso, porem as quatro citadas e seus respectivos opostos sao

consideradas fundamentais.

Uma parte importante na etapa da composicao do discurso e a escolha e o emprego do estilo

oratorio. Sao tres os modelos de estilo, o estilo simples (docere), o estilo medio (delectare), e o

estilo sublime (movere). O estilo simples visa que o ouvinte tenha uma compreensao clara do

objeto tratado, e o melhor estilo quando se deseja convencer ou ensinar. O estilo medio deve

ser usado quando o orador visa agradar o ouvinte. E o estilo sublime visa atraves da patetica

comover o ouvinte.

B.4 Memoria

A memoria na arte retorica e a etapa em que o orador decora o discurso, atraves de ex-

ercıcios de repeticao e da compreensao das partes do texto em relacao ao todo.

Page 41: O gesto na performance Instrumental

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B.5 Actio

Apos a elaboracao do discurso atraves de todas as etapas anteriores, chegamos ao ultimo

estagio da arte retorica, a acao. Tringali alega que somente durante a acao que o discurso existe,

antes dela o discurso so existe em potencia, depois dela como documento: “A essencia do dis-

curso se completa na sua execucao. O discurso se realiza quando vem ao publico”. (TRINGALI,

1988, pag. 98).

De acordo com Tringali a acao se funda e gira entorno da pronunciacao (pronuntiatio),

porem, alem da pronunciacao, que e o uso da linguagem verbal, a acao faz uso de linguagens nao

verbais. Essas linguagens nao verbais, que fazem parte da disciplina chamada paralinguıstica,

auxiliam a comunicacao verbal e enriquecem a significacao do discurso. Sao estas linguagens

nao verbais a prosodia e a gestualidade.

A prosodia e o emprego de expressoes orais no discurso como, o ritmo, a melodia, a inten-

sidade, a pausa, etc...“A voz que se levanta ou se abaixa, que se apressa ou se retarda, acrescenta

novos significados a pronunciacao.” (TRINGALI, 1988, pag. 99).

A gestualidade reforca a comunicacao oral entre orador e publico, expondo funcoes da lin-

guagem, momentos esteticos, etc..., o orador demonstra momentos expressivos quando faz gesto

que exprimem uma carga dramatica, e referencias quando faz mımica: “Os gestos equivalem a

palavras, a signos e, pois constam de um significante e de um significado”. (TRINGALI, 1988,

pag. 99).

Dentro da gestualidade existe tambem a Proxemica, que e uma area que estuda a significacao

do gesto em relacao ao espaco, sendo assim, busca investigar como a exploracao do espaco ocu-

pado pelo orador serve de reforco a significacao do discurso.

A gestualidade e o comportamento do corpo que abrange gestos (em movi-mento) e aitudes ou posturas (parados). E a linguagem do corpo: “sermocorporis”. o corpo fala atraves de gestos e atitudes que acompanham signi-ficativamente a pronunciacao. (TRINGALI, 1988, pag. 99).

Page 42: O gesto na performance Instrumental

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