o fenÔmeno da concordÂncia nominal em redaÇÕes
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
O FENÔMENO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL EM REDAÇÕES
ESCOLARES
Mara Pereira Mariano
2013
O FENÔMENO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL EM REDAÇÕES ESCOLARES
Mara Pereira Mariano
Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de Pós- graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como forma de avaliação
para a obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
Orientadora: Profª. Doutora Eliete
Figueira Batista da Silveira
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
O FENÔMENO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL EM REDAÇÕES ESCOLARES
Mara Pereira Mariano
Orientadora: Profª. Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós- graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte das
exigências necessárias à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas – Língua
Portuguesa.
Examinada por:
______________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira – UFRJ (orientadora)
______________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ
______________________________________________________________________
Professora Doutora Danielle Kely Gomes - UFF
______________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ, Suplente
______________________________________________________________________
Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
MARIANO, Mara Pereira.
O fenômeno da concordância nominal em redações escolares.
/Mara Pereira Mariano. - - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013.
XV, 92 f.: il. ; 31 cm.
Orientadora: Eliete Figueira Batista da Silveira
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de
Pós - graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2013.
Bibliografia: f. 103-107.
1. Concordância nominal 2. Sociolinguística - Dissertação. I.
Batista da Silveira, Eliete Figueira. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas. II. O fenômeno da concordância nominal em
redações. Escolares.
Ao meu pai, Jorge,
À minha mãe, Maria de Lourdes,
À minha orientadora, Eliete,
que tornaram possível a concretização
de mais um objetivo profissional.
AGRADECIMENTO
Ao meu amigo Deus, por me conceder saúde e sabedoria, permitindo, assim, que
eu conquiste mais uma realização pessoal. Agradeço por sua fidelidade, seu amor e sua
proteção.
À minha família. Aos meus pais que mesmo não conhecendo o mundo
acadêmico souberam reconhecer minha dedicação e valorizaram o meu esforço.
Também suportaram e abriram mão de muitas coisas para que eu concretizasse os meus
sonhos. Aos meus irmãos e irmãs que me ajudaram, não só financeiramente, mas
também com palavras de encorajamento quando tudo parecia difícil. Aos meus
cunhados e cunhadas que, assim como meus irmãos, me apoiaram antes mesmo de eu
entrar na universidade.
À minha excelente orientadora, Eliete, que além de me orientar, soube me
acalmar, me ouvir e me aconselhar. Agradeço por sua ajuda e dedicação acima do
possível. Com certeza, sem você eu não conseguiria, pois foi o seu empenho que me
deu forças.
Às minhas amigas, Monique, Nathalia, Carol, Cyntia e Cristina que me
incentivaram, mostrando que era possível e que eu conseguiria. Obrigada por fazerem
parte da minha vida e por acreditarem em mim. Também não posso deixar de agradecer
as broncas recebidas quando me viam desesperada sem nem mesmo ter motivos. Não
posso me esquecer também do Bruno que juntamente com a Nathalia fizeram o mapa
que foi utilizado nessa pesquisa.
Ao meu companheiro, meu protetor e grande amigo, Danilo, que ouviu todas as
minhas queixas e aflições e, com palavras precisas, conseguiu me tranquilizar.
Agradeço por admirar todo o meu trabalho e por torcer pelo meu sucesso.
Às instituições de ensino Colégio e curso Esplendor, Colégio Zero Hum, Escola
Municipal Oswaldo Teixeira e Escola Municipal Fernando de Azevedo que, de maneira
solicita, me cederam redações para a construção do meu corpus de estudo. Em especial,
agradeço à Eliaine que com muita boa vontade e persistência me ajudou a
complementar esse corpus.
A todos os professores da UFRJ que contribuíram positivamente para o meu
crescimento intelectual, ministrando aulas de excelente qualidade e sanando minhas
dúvidas. Obrigada pela dedicação, graças a vocês me apaixonei ainda mais pela Língua
Portuguesa.
Finalmente, agradeço à instituição CNPq pelo apoio financeiro que permitiu a
ampliação do meu conhecimento através da aquisição de livros, participação em
congressos e da compra de materiais essenciais à minha formação.
SINOPSE
Estudo do fenômeno da concordância de número
no SN a partir do aporte teórico-metodológico da
Sociolinguística Variacionista. Observação do
fenômeno em textos escritos produzidos por
alunos do ensino Fundamental II de quatro
diferentes instâncias educacionais. Relação entre
as variantes ausência e presença da marca formal
de número e fatores de ordem linguística e social.
Descrição do comportamento desse fenômeno
com base nesses fatores condicionantes.
RESUMO
O FENÔMENO DA CONCORDÂNCIA NOMINAL EM REDAÇÕES ESCOLARES
Mara Pereira Mariano
Orientadora: Profª. Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
das exigências necessárias à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas –
Língua Portuguesa.
Esta dissertação tem como tema a concordância nominal em redações escolares
do Ensino Fundamental II (6º, 7º, 8º e 9º anos). Verifica-se i) o possível aumento da
marca de concordância em direção às regras previstas na norma padrão, ii) se o aumento
dessa marca de concordância pode estar relacionado à modalidade escrita ou à natureza
da escola (pública x privada) assim como a sua localização, iii) a relação entre maior ou
menor presença da marca e anos de escolarização e iv) os fatores sociais e linguísticos
condicionadores atuantes para o cancelamento da marca. O corpus constitui-se de
redações de alunos do ensino público e privado das localidades Ilha do Governador,
Vila da Penha, Quintino e Santa Cruz. Utiliza-se o escopo teórico-metodológico da
Sociolinguística laboviana. Submeteram-se os dados ao programa variacionista
GoldVarbX. Encontraram-se 2.659 ocorrências e apenas 150 não apresentaram a marca
formal de número (5,5%). A variante prestigiada foi a mais utilizada na produção
textual dos alunos (94,5%). Os resultados evidenciaram que princípios funcionalistas
como o da Economia Linguística, da Distintividade e o Paralelismo Formal atuam no
fenômeno da concordância. Os contextos ausência de marca no elemento precedente e
o numeral favorecem a concordância, e os contextos termo semanticamente plural,
ausência de marca no elemento precedente e presença de marca morfológica no
elemento precedente a desfavorecem. O traço [+ humano] é o mais importante para que
a marca morfológica de plural seja concretizada. As escolas localizadas em Quintino e
Santa Cruz, bem como as séries iniciais (6º e 7º anos) desfavorecem a regra. Por fim, a
Posição linear e relativa do constituinte no SN mostrou que os termos localizados mais
à esquerda do SN favorecem a presença da variante prestigiada -s e os termos mais à
direita do SN desfavorecem a regra padrão.
Palavras-chave: concordância nominal; Sociolinguística; modalidade escrita.
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
ABSTRACT
Mara Pereira Mariano
Orientadora: Profª. Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós- graduação
em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
das exigências necessárias à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas –
Língua Portuguesa.
This dissertation is addressing the nominal agreement in essays of Elementary
School II (6th, 7th, 8th and 9th grades) in order to verify i) the possible increase of the
match mark toward the rules laid down in the standard pattern, ii) the increase in this
match mark may be related to the written or the nature of school (public x private) as
well as its location iii) the relationship between greater or lesser brand presence and
years of schooling and iv) social factors and linguistic conditioners working for the
cancellation of the mark. The corpus consists of essays of students from public and
private schools in different localities as Ilha do Governador, Vila da Penha, Quintino
and Santa Cruz, with the scope of theoretical and methodological assumptions of
Sociolinguistics Labovian. 2659 events were found and only 150 showed no formal
number mark (5.5%). Therefore, the prestigious variant was the most used in the textual
production of the students (94.5%). The results showed that as the functionalist
principles of Economics Linguistics, the distinctiveness and Formal Parallelism act the
phenomenon of agreement. Contexts: absence of preceding element mark and the
numeral, favoring the agreement, and contexts semantically plural term, no mark on the
preceding element and the presence of morphological marks in the preceding element
disfavor. The feature [+ human] is the most important for the brand morphological
plural is realized. Schools located in Quintino and Santa Cruz, as well as the initial
series (6th and 7th grades) disfavor the rule. Finally, the linear and relative position of
the constituent in the SN showed that the terms left-most of SN favor the presence of
the variant prestigious -s and the terms rightmost of SN disfavor the default rule.
Keywords: nominal agreement; Sociolinguistics; writing modality.
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS..................................................................................................... 14
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................... 15
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 16
2. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................... 21
2.1. Origens do PB ........................................................................................................... 21
2.2. Concordância nominal nas gramáticas normativas .................................................. 24
2.3. Concordância nominal nas pesquisas linguísticas .................................................... 30
2.4. Concordância nominal e o ensino de gramática ....................................................... 39
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 43
3.1. Sociolinguística ........................................................................................................ 43
3.2. Redação como um gênero textual ............................................................................. 48
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS ............................................................................. 53
4.1. Constituição do corpus ............................................................................................. 53
4.1.1. Redações ................................................................................................................ 53
4.1.2. Localização das escolas pesquisadas ..................................................................... 54
4.1.2.1. Particulares ......................................................................................................... 55
4.1.2.1.1. Jardim Guanabara – Ilha do Governador ......................................................... 55
4.1.2.1.2. Vila da Penha ................................................................................................... 55
4.1.2.2. Públicas Municipais ............................................................................................ 56
4.1.2.2.1. Quintino Bocaiuva ........................................................................................... 56
4.1.2.2.2 Santa Cruz......................................................................................................... 56
4.1.3. Dados excluídos ..................................................................................................... 59
4.2. Variáveis .................................................................................................................. 60
4.2.1. Variáveis linguísticas ............................................................................................. 60
4.2.1.1. Saliência Fônica .................................................................................................. 60
4.2.1.2. Tonicidade .......................................................................................................... 61
4.2.1.3. Número de sílabas .............................................................................................. 62
4.2.1.4. Posição linear e relativa do constituinte no SN .................................................. 62
4.2.1.5. Marcas no elemento precedente ......................................................................... 63
4.2.1.6. Animacidade ....................................................................................................... 64
4.2.1.7. Tipologia textual ................................................................................................. 64
4.2.2. Variáveis sociais .................................................................................................... 65
4.2.2.1. Ano de escolaridade............................................................................................ 65
4.2.2.2. Gênero/ Sexo ...................................................................................................... 65
4.2.2.3. Localidade .......................................................................................................... 66
4.2.2.4. Natureza da instituição ....................................................................................... 66
4.2.2.5. Faixa etária ......................................................................................................... 67
5. ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 68
5.1. Resultados gerais ...................................................................................................... 68
5.2. Análise das variáveis selecionadas ........................................................................... 69
5.2.1. Marcas no elemento precedente ............................................................................ 70
5.2.2. Animacidade .......................................................................................................... 78
5.2.3. Localidade ............................................................................................................. 80
5.2.4. Ano de escolaridade............................................................................................... 84
5.2.5. Posição linear e relativa do constituinte no SN ..................................................... 87
5.3. Considerações finais: comparação de resultados relativos às modalidades escrita e
falada. .............................................................................................................................. 96
6. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 103
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Gêneros textuais versus tipologia textual ........................................................ 50
Tabela 2: Quantidade de redações por ano de escolaridade, gênero e instituição ........... 53
Tabela 3: Dados estatísticos sobre os bairros estudados ................................................. 58
Tabela 4: Constituição da variável Saliência Fônica ...................................................... 61
Tabela 5: Constituição da variável Tonicidade ............................................................... 62
Tabela 6: Constituição da variável Número de sílabas ................................................... 62
Tabela 7: Constituição da variável Posição linear e relativa do constituinte no SN ...... 63
Tabela 8: Constituição da variável Marcas no elemento precedente .............................. 63
Tabela 9: Constituição da variável Animacidade ............................................................ 64
Tabela 10: Constituição da variável Tipologia Textual ................................................... 64
Tabela 11: Constituição da variável Ano de Escolaridade .............................................. 65
Tabela 12: Constituição da variável Localidade ............................................................. 66
Tabela 13: Atuação da variável Marcas no elemento precedente ................................... 71
Tabela 14: Atuação da variável Marcas no elemento precedente sem os SNs partitivos e
com termo invariável ....................................................................................................... 76
Tabela 15: Atuação da variável Animacidade ................................................................. 79
Tabela 16: Atuação da variável Localidade .................................................................... 80
Tabela 17: Atuação da variável Localidade sem os SNs partitivos e com termos
invariáveis ........................................................................................................................ 82
Tabela 18: Atuação da variável Posição linear e relativa do constituinte no SN ............ 84
Tabela 19: Hierarquia dos contextos de aplicação da regra de concordância em
Camacho (2013) .............................................................................................................. 87
Tabela 20: Hierarquia dos contextos mais favorecedores a regra padrão aos contextos
desfavorecedores ............................................................................................................. 88
Tabela 21: Atuação da variável Ano de escolaridade ..................................................... 95
Tabela 22: Atuação da variável ano de escolaridade sem os SNs partitivos e os termos
invariáveis – concordância padrão .................................................................................. 95
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Mapa sobre as localidades das escolas estudadas ............................................ 59
Figura 2: Gráfico com o percentual de concordância padrão de acordo com a posição
que os termos ocupam no SN .......................................................................................... 96
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a variação da concordância nominal
(CN) entre os constituintes do sintagma nominal (os docinhos/ todas as bolinha/
porção de pedregulho grosso) na escrita de alunos do ensino fundamental,
observando não só o núcleo, mas também os elementos periféricos às margens
direita e esquerda desse núcleo.
Para a análise, conta-se com corpus coletado em redações escolares
produzidas por alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II, estratificados
segundo gênero e série, bem como perfil sócio-econômico. Para tanto, as redações
foram aplicadas em quatro escolas: duas públicas e duas particulares. Uma das
escolas públicas localiza-se em Quintino e a outra em Santa Cruz. Já as escolas
privadas, em Vila da Penha e a outra na Ilha do Governador, mais especificamente
no Jardim Guanabara. A seção 3.1.2. traz mais detalhes sobre essas escolas e suas
localizações, apresentando características sociais que são relevantes para o
fenômeno estudado.
O corpus foi constituído de redações produzidas nas instituições de ensino,
observando-se não só a influência da escola para a aplicação da marca de
concordância de número dentro do SN mas também se discutiram considerações
sobre este fenômeno nos compêndios gramaticais, nas pesquisas linguísticas e no
ensino escolar. Além disso, a pesquisa visa a observar a ação normativa da escola e
as possíveis diferenças entre as instituições públicas e privadas, assim como aquelas
advindas da localização de maior ou menor afastamento dessas escolas em relação
ao centro cultural da cidade do Rio de Janeiro.
Desse modo, para este estudo, adota-se a linha teórica e metodológica da
Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV, HERZOG, [1968] 2006),
por se entender que a ausência versus presença da marca de número constitui regra
variável motivada por fatores linguísticos e sociais (extralinguísticos), ou seja, que a
variação é altamente estruturada e regular, quebrando-se a dicotomia “certo” versus
“errado” e instaurando a máxima de que as diferentes concretizações linguísticas são
legítimas e legitimadas pelo sistema da língua; sobretudo, destaca-se a relevante e
estreita correlação entre língua e sociedade. Desse modo, as representações
superficiais da língua estão sujeitadas também ao seu uso no contexto social e
17
podem constituir evidências da origem social do falante. Segundo Marta Scherre
(1994, p.2):
(...) a variação na concordância de número no português falado do Brasil,
longe de ser restrito a uma região ou classe social específica, é
característico de toda a comunidade de fala brasileira, apresentando
diferenças mais de grau do que de princípio, ou seja, as diferenças são mais
relativas à quantidade de marcas de plural e não aos contextos linguísticos
nos quais a variação ocorre.
Assim, a concordância nominal é um fenômeno variável de realização versus
não realização da regra e, ainda de acordo com a autora, é uma variação inerente ao
sistema linguístico do falante, já que ocorre em contextos linguísticos e sociais
semelhantes.
Apesar de ser um processo natural, nem toda variante é bem aceita por todos
os membros de uma comunidade de fala, arraigados a uma visão distorcida da língua
e de sua própria norma de uso, uma vez que acreditam deter e usar apenas uma
variedade (a prestigiosa) e esta ser regular e sistemática. Assim, a realização da
variante plural [s] é considerada de prestígio, enquanto a variante zero [0] é
estigmatizada e julgada como “erro” e sinal de não saber falar e escrever o
português. Outra justificativa para a utilização de uma variante em detrimento de
outra é a ideia de pertencimento a um grupo. Sabe-se que os falantes de uma mesma
comunidade compartilham do mesmo juízo de valor sobre determinados traços
linguísticos. Por isso, é comum muitos indivíduos manterem, principalmente na fala,
a variante típica de seu grupo social para não serem “excluídos” e preservarem sua
identificação com este grupo, mesmo que esta variante seja aquela considerada não
padrão.
A despeito de se considerar a existência da variação, sabe-se que todas as
variantes possuem igual valor e não há variante inferior a outra. São os falantes das
camadas mais altas, aqueles que detêm o poder econômico e político, que escolhem e
classificam uma das normas como a padrão, a “correta”. Obviamente que essa escolha
se encontra mais de acordo com a norma utilizada por estes. Dessa forma, foi o grande
preconceito e o estigma pelo uso da variante zero que provocaram o interesse por tal
tema. E devido a esse interesse, buscaram-se estudos recentes sobre o fenômeno da
concordância que apontaram maior uso da marca morfológica de plural entre os
18
falantes, como o trabalho de Scherre e Naro (2006). Os autores comparam três amostras
Censo: 1980 C – amostra aleatória de 64 falantes da comunidade do Rio de Janeiro
gravados no início da década de 80; Amostra 2000-C (amostra aleatória de 32 falantes
da comunidade do Rio de Janeiro gravados no final da década de 2000, e Amostra
2000-I (grupo não aleatório de 16 falantes da amostra de 1980, recontactados no final de
1999 e início de 2000. Há, ainda, o trabalho de Vieira e Brandão (2012) sobre a
concordância nominal e verbal em três variedades do português (PB, PE E PST),
revelando também uma preferência pela concordância. Contudo, ao contrário dos
trabalhos citados, esta pesquisa tratou de averiguar o comportamento do mesmo
fenômeno – concordância nominal –, mas na modalidade escrita da língua e não na
modalidade oral.
Assim, esta pesquisa tentou responder a alguns questionamentos, tais como:
i) a análise da modalidade escrita da língua, mesmo em usuários de pouca
escolaridade, indica que o fenômeno caminha em direção à aplicação da marca de
concordância? ii) que fatores linguísticos e extralinguísticos motivam o
cancelamento da marca de plural? São os mesmos condicionadores da ausência da
marca na fala? E em que medida é possível estabelecer um contínuo que revele a
relação entre a posição dos elementos no sintagma nominal e a maior ou menor
marcação da concordância? iii) qual é o papel da escola quanto ao uso ou ao
cancelamento da marca formal de número? iv) há influência da natureza da escola
(pública ou particular) ou mesmo de sua localização geográfica (Ilha do Governador,
Vila da Penha, Quintino e Santa Cruz) v) é possível estabelecer uma relação entre
presença de marca e comunidades a que as escolas servem?
Diante dessas perguntas, foram criadas algumas hipóteses que ao longo da
pesquisa foram confirmadas ou negadas. Portanto, estão listadas a seguir as hipóteses
iniciais.
Primeiramente, parte-se da hipótese de que a presença da marca de concordância
será majoritária, tendo em vista tratar-se de modalidade escrita da língua e, ainda, que
maior será a concordância quanto maior o ano escolar em que se encontra o aluno. O
aumento do índice de concordância pode estar relacionado à ação normativa da escola,
que é a grande mantenedora da norma padrão.
No que tange aos fatores condicionadores da concordância, cabe discutir e
descrever se são os mesmos que atuam na modalidade falada da língua, apresentando
19
diferenças quantitativas relativas aos diferentes anos de escolarização considerados.
Assim sendo, a concordância nas redações escolares ratificaria a hipótese de que se
trata de fenômeno em variação inerente.
Outro pressuposto a ser investigado relaciona-se ao fato de que a coleta de
dados considerar escolas localizadas em diferentes regiões dos municípios do Rio de
Janeiro, que apresentam características sociais distintas, bem como se trata de
instituições públicas e particulares. Acredita-se que haverá comportamento
diferenciado tanto no que se refere à produtividade de construções de SNs quanto no
que se refere à concretização da marca morfológica.
Por fim, intenta-se comprovar que a marcação da concordância no sintagma
nominal se concretiza nos elementos mais à esquerda do núcleo, hipótese já
confirmada em diferentes estudos em que se considera a modalidade falada da língua.
Para conseguir todos esses objetivos e responder a todas as questões aqui
colocadas, a pesquisa teve o suporte teórico-metodológico da Sociolinguística
Laboviana, que conta com o programa estatístico-probabilístico Goldvarb- X, cuja
função é calcular os pesos relativos e, consequentemente, as probabilidades, referentes
a cada variável elencada e, assim, estabelecer aquelas que se mostram mais influentes
para o fenômeno em questão. Os dados analisados foram coletados de redações
produzidas por alunos, do 6º ao 9º ano, da Escola Municipal Oswaldo Teixeira
(Quintino Bocaiuva), da Escola Municipal Fernando de Azevedo (Santa Cruz), dos
colégios Esplendor (Vila da Penha) e Zero Hum (Jardim Guanabara/Ilha do
Governador).
O trabalho se organiza da seguinte maneira, a partir da introdução: no capítulo
dois, há uma revisão da literatura sobre as origens do português do Brasil (PB), sobre
o fenômeno da concordância nominal nas gramáticas normativas e nas pesquisas
linguísticas e, a seguir, uma breve discussão sobre a concordância nominal no ensino
de gramática.
No terceiro capítulo é apresentada, sucintamente, a fundamentação teórica da
Sociolinguistica Variacionista e também a defesa da redação como um gênero híbrido.
No quarto capítulo, descreve-se a constituição do corpus, mostrando a
quantidade de redações coletadas, as características sociais das localidades das escolas
em estudo e os dados que foram excluídos do trabalho, assim como as variáveis
estruturais e sociais que foram utilizadas.
20
Já no quinto capítulo, há a análise dos dados, exibindo os resultados gerais e os
resultados de cada variável selecionada como significativa para o fenômeno em pauta.
Há, ainda, uma consideração final sobre o continuum fala e escrita.
O último capítulo traz as considerações finais da pesquisa, recapitulando, de
maneira sucinta, os resultados encontrados e respondendo, quando possível, aos
objetivos e hipóteses iniciais.
Por fim, cabe destacar as contribuições desta pesquisa, uma vez que focaliza a
concordância nominal em dados da modalidade escrita produzidos por alunos de
séries iniciais em diferentes realidades sociais. Além disso, os resultados podem
indicar caminhos para uma produção textual mais adequada aos padrões de escrita
culta.
21
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Origens do PB
Muito se discute sobre as origens do Português Brasileiro (PB), defendendo-se
ora que este tem origens em uma língua geral de base portuguesa (Baxter e Lucchesi,
1997; Lucchesi, 2003; Baxter, Lucchesi, Ribeiro, 2009), num processo de transmissão
linguística irregular, ora que o PB tem suas origens num processo de deriva natural da
língua (NARO, SCHERRE, 1993; 2006; 2007), tendo o suposto pidgin contribuído
muito pouco para o fenômeno variável em questão. Dessa forma, ainda persiste a
discussão sobre o fato de que a ausência de marca flexional de número é uma influência
crioula, devido ao contato do PB com línguas africanas, ou essa ausência consiste em
um fenômeno natural da língua, influenciado por diferentes fatores como a
escolarização, pois não há como provar a existência de uma língua pidgin de base
portuguesa em nenhum documento antigo (NARO E SCHERRE, 2003).
Dante Lucchesi (2003) é o grande defensor da primeira hipótese: Transmissão
Linguística Irregular. Segundo ele, a língua portuguesa aqui no Brasil passou por muitas
mudanças devido ao contato com línguas africanas. Em decorrência desse contato,
surgiu uma língua pidgin, ou seja, uma língua de intercurso que tem como resultado
uma simplificação das estruturas, facilitando a comunicação entre falantes de línguas
diferentes, tanto em uma relação de sujeição quanto para fins comerciais. Porém, a
transmissão dessa língua ocorre de maneira irregular, como acontece no aprendizado de
uma L2; por isso, é comum a redução ou simplificação das estruturas gramaticais dessa
segunda língua adquirida forçadamente, a língua alvo. Entretanto, na aprendizagem de
uma L2, há uma norma alvo consciente, diferente do que ocorre no processo de
pidginização.
Ainda de acordo com Lucchesi (2003), a Transmissão Linguística Irregular
apresenta níveis diferenciados de intensidade. Desse modo, quanto menor for o contato
com a língua alvo, maior é a chance de se formar uma língua tipicamente crioula.
Há algumas características fundamentais que ocorrem no processo de
transmissão linguística irregular como:
I. a perda da morfologia flexional das palavras;
22
II. alteração dos valores dos parâmetros sintáticos em função de valores não
marcados;
III. gramaticalização de itens lexicais para preencher as lacunas na estrutura
linguística.
Todas essas características têm como resultado simplificar a comunicação que
pode ser necessária em diferentes contextos. De acordo com Baxter e Lucchesi (2006),
as variedades populares do português do Brasil sofreram um processo de Transmissão
Linguística Irregular mais fraco, mas, ainda segundo os autores, o PB conserva alguns
traços comuns a uma língua pidgin nos dialetos rurais e populares do país. Alguns
desses traços são i) a ausência de morfologia flexional, ii) a tendência para a ordem
SVO, iii) a redução do sistema pronominal e do uso de preposições, entre outros.
Assim, os autores afirmam que, num processo de transmissão linguística
irregular decorrente do contato entre línguas, sempre ocorre perda da morfologia
flexional. Por isso, acredita-se que a ausência de concordância presente no PB é de
influência crioula.
Contudo, Baxter e Lucchesi (1993; 1997; 2009) afirmam que a variante zero no
fenômeno da concordância aparece tanto em comunidades afro-brasileiras isoladas
quanto pode ser encontrada em regiões rurais do Brasil, mesmo que elas não tenham
recebido contingente significativo de escravos. Essa afirmação dos autores parece
contradizer a hipótese da Transmissão Linguística Irregular, já que, até mesmo em
regiões sem contato com línguas africanas, a variante zero está presente nos falares dos
indivíduos.
Os gerativistas também explicam a hipótese da transmissão linguística irregular.
De acordo com o gerativismo, as crianças aprendem com seus pais uma fala
degenerada. Esse aprendizado corrompido seria suprimido pelas crianças através de
estruturas linguísticas universais presentes na faculdade da linguagem delas. Dessa
maneira, as novas gerações teriam gramáticas diferentes das gerações anteriores, o que
resulta numa mudança linguística entre as duas gerações (NARO e SCHERRE, 2003).
Todavia, estudos comprovam que a fala dos pais pode ser irrelevante para a
aquisição da linguagem pelas crianças. Estas aprendem com outras crianças num
processo de socialização. Ademais, a fala do dia-a-dia não é caótica; estudos mostram
que a taxa de desvio de gramaticalidade na fala não ultrapassa 10% a 15%.
23
Já para Naro e Scherre (2003), a nativização – termo usado no lugar de
transmissão linguística irregular – não é um fator decisivo para a evolução na língua.
Segundo eles, há um jogo de forças que atuam sobre o sistema, fazendo com que haja
variação, e o meio social favorece ou não o surgimento de novas estruturas na língua
transmitida.
Além disso, os autores acham improvável a existência de uma língua pidgin de
base lexical portuguesa, pois já existia no Brasil uma língua geral de base lexical tupi.
Essa língua geral é atestada em documentos históricos diferente da hipótese de língua
pidgin de base portuguesa em que não há nenhum documento que comprove sua
existência.
Porém, Scherre e Naro julgam provável ter ocorrido uma simplificação do
português aqui no Brasil devido ao contato com africanos e árabes. Isso porque até o
século XVI a norma codificada não estava estabelecida plenamente em Portugal.
Também a partir das variações linguísticas atuais dá para se entender o que ocorria no
passado, já que, conforme Labov (1994), os mesmos condicionadores que influenciaram
a mudança no passado continuam atuando até os dias de hoje.
Outros argumentos foram considerados pelos linguistas para mostrar que a
nativização não é suficiente para explicar o enfraquecimento flexional no PB. De acordo
com Naro e Scherre, todas as estruturas consideradas tipicamente brasileiras foram
encontradas em falares rurais e não-padrão do PE. Isso mostraria que a nativização não
provocou variação e mudança, apenas ampliou fenômenos já existentes. Dessa forma,
foi a falta de uma norma estabelecida e aceita que desencadeou uma variação em larga
escala. Portanto, a história sociolinguística do Brasil explica a propagação de
fenômenos variáveis, mas não explica sua origem.
Por todos esses argumentos, os autores acreditam que a variação no PB é um
processo natural da língua. Para eles, o PB é uma continuação do português arcaico com
algumas variações, visto que não há nenhuma característica do PB que não tenha um
registro no português de Portugal.
Apesar de todos os argumentos apresentados anteriormente, Naro e Scherre
(2007) assumem que há uma confluência de motivos que explicam a origem do PB.
Assim, há um conjunto de forças de diversas origens que influencia na ausência de
marca flexional de número no português do Brasil. Segundo Naro, são três motivos que
contribuem para a falta de concordância no PB:
24
I. desenvolvimento interno natural da língua;
II. comportamento pidginizante da parte do europeu;
III. aprendizagem imperfeita pelos falantes de diversas bagagens linguísticas.
Logo, os autores acreditam em uma língua pidginizante, mas por parte do
europeu. Desse modo, a confluência de motivos reafirma a teoria da deriva natural da
língua no PB.
2.2. Concordância nominal nas gramáticas normativas
As gramáticas tradicionais (GT) costumam apresentar um capítulo referente à
concordância nominal e verbal. Nessas gramáticas, também já é possível notar a
variação presente no fenômeno da concordância, apesar de não utilizarem o termo
variação.
Na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (2007), não há um capítulo à
parte para o tema da concordância nominal. Apesar disso, a concordância de nome
aparece em duas seções da gramática: uma destinada aos adjetivos e outra aos pronomes
possessivos (pp. 284 e 333, respectivamente).
Na seção referente aos adjetivos, os autores mostram a regra geral de
concordância nominal “o adjetivo, dissemos, varia em gênero e número de acordo com
o gênero e o número do substantivo ao qual se refere” (pp.284). A partir desta
definição, Cunha e Cintra apresentam alguns exemplos que comprovam a relação de
concordância existente entre o substantivo e o adjetivo, mesmo que estejam distantes na
oração.
Após os exemplos, os autores descrevem o comportamento do adjetivo a partir
da quantidade de substantivo presente no SN ao qual ele se refere. Desse modo, quando
só há um substantivo, a gramática prevê que o adjetivo concorde em gênero e número
com o único substantivo a que ele se refere (regra geral). Entretanto, quando o adjetivo
se refere a mais de um substantivo, os autores afirmam ser necessário observar (i) o
gênero do substantivo, (ii) a função do adjetivo e (ii) a posição do adjetivo.
Primeiramente, Cunha e Cintra (op. cit.) apresentam o adjetivo na função de
adjunto adnominal anteposto ao substantivo. Nessa posição, segundo os autores, o
adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo (ex.: Vivia em
tranquilos bosques e montanhas/ Vivia em tranquilas montanhas e bosques). Porém,
25
quando os substantivos forem nomes próprios ou de parentesco, o adjetivo vai para o
plural (ex.: Conheci ontem as gentis irmã e cunhada de Laura.)
Por outro lado, há os adjetivos com função de adjunto adnominal que vêm
pospostos ao substantivo. Nessa parte, os autores mostram que a concordância vai
ocorrer a depender do gênero e do número dos substantivos. Além disso, há em todos os
exemplos, casos mais comuns e casos mais raros de concordância, como se pode ver nas
orações a seguir retiradas do item 1 (pp. 285):
1. Se os substantivos são do mesmo gênero e do singular, o adjetivo toma o
gênero (masculino ou feminino) dos substantivos e, quanto ao número, vai:
a) Para o singular (concordância mais comum):
Ex.: A professora estava com um vestido e um chapéu escuro.
b) Para o plural (concordância mais rara):
Ex.: A professora estava com um vestido e um chapéu escuros.
Nos itens subsequentes, os autores continuam sua análise, observando, no item
2, os substantivos de gêneros diferentes e do singular (Ex.: A professora estava com
uma saia e um chapéu escuro.). No item 3, os substantivos são do mesmo gênero, mas
de números diversos (Ex.: Ela comprou dois vestidos e um chapéu escuro). Já no item
4, os gêneros são diferentes e estão no plural (Ex.: Ela comprou saias e chapéus
escuros); e, por último, há o item 5, que apresenta gêneros e números diferentes (Ex.:
Ela comprou saias e chapéu escuros).
Observe-se que, para um melhor entendimento, foi apresentado, aqui, apenas um
exemplo dos casos mais comuns. Contudo, em cada item, havia dois exemplos
referentes à concordância mais comum e exemplos referentes à concordância mais rara.
Logo, pode-se inferir que os autores têm conhecimento da variação que existe no
fenômeno da concordância, pois apresentaram os casos mais ou menos usuais,
evidenciando a variabilidade da regra formal de número.
Por fim, os autores mostram a regra de concordância quando o adjetivo exerce a
função de predicativo do sujeito composto. Conforme Cunha e Cintra (op. cit.), a regra
para o adjetivo com função predicativa não é muito diferente da regra que funciona para
o adjetivo como adjunto adnominal. Desse modo, os autores só apresentam casos
preferenciais, mas mostram também outras possibilidades existentes. Este fato
26
comprova mais uma vez a variação no fenômeno em pauta e a consciência dessa
variação pelos autores.
Já na seção voltada para os pronomes, os autores apenas afirmam que “o
pronome possessivo concorda em gênero e número com o substantivo que designa o
objeto possuído; e, em pessoa, com o possuidor do objeto em causa (pp. 333).” Além
disso, os possessivos podem concordar com o elemento mais próximo quando se
referirem a mais de um substantivo (ex.: “E o meu corpo, minh’alma e coração/Tudo
em risos poisei em tua mão...” (F. ESPANCA, S, 177.) – pp. 334).
Em outra gramática normativa, a de Rocha Lima (1999) - Gramática Normativa
da Língua Portuguesa -, também não há um capítulo destinado à concordância nominal.
É nos capítulos referentes às funções do substantivo e no do emprego do adjetivo que se
pode encontrar uma sessão destinada à concordância dentro do SN.
No capítulo Funções do substantivo, há uma sessão denominada singular e
plural em que se pode observar o fenômeno da concordância nominal. O autor afirma,
nessa sessão, que o substantivo, quando acompanha certos pronomes indefinidos, com
sentido de quantidade ou algumas expressões, costuma vir no singular. Por exemplo,
(“... quanta vez, rodando aos ventos maus, / O primeiro pegão, como a baixeis,
quebrava!” - Olavo Bilac (pp.291).
É interessante destacar que o autor utiliza a palavra costuma, pois ele não nega a
possibilidade de se flexionar tanto o pronome indefinido como o substantivo. Esta
afirmação pode ser constatada na própria gramática, em que o autor diz ser facultativa a
concordância citada anteriormente e mostra que o próprio Olavo Bilac em outro poema
aplicou a outra regra de concordância:
“Quantas vezes Fernão, do cabeço de um monte,
Via lenta a subir do fundo do horizonte
A clara procissão dessas bandeiras de ouro!” (pp. 292)
Além desse tipo de concordância, o autor mostra que, ao se referir a uma coisa
que pertence singularmente a cada um de vários indivíduos, o substantivo
obrigatoriamente vem no singular (ex.: Eles puseram o chapéu na cabeça e não os
chapéus nas cabeças. pp. 292)
No item 3 e 4, o autor mostra casos em que o substantivo deve ficar no plural. O
primeiro caso refere-se aos substantivos que indicam horas, datas e páginas de livros.
27
Segundo Rocha Lima, tais construções têm origem no uso dos cardinais em vez dos
ordinais (ex.: a ou aos 10 dias de setembro = no décimo dia de setembro).
No item 4, o substantivo vai para o plural, pois está modificando vários adjetivos
que expressam diversas espécies contidas no gênero geral indicado pelo substantivo
(ex.: As línguas portuguesa, espanhola e francesa.). Sobre este item, o autor apresenta
uma nota de rodapé mostrando que também é aceitável usar um artigo antes do
substantivo que se refere a diversos adjetivos. Dessa forma, o substantivo pode ser
omitido e o artigo aparecerá também antes dos outros adjetivos. Veja como fica a
mesma frase agora com este outro tipo de concordância: A língua portuguesa, a
espanhola e a francesa.
Como já foi dito antes, há outra sessão da gramática de Rocha Lima que também
trata do tema concordância nominal. É no capítulo sobre o emprego do adjetivo que se
pode encontrar uma sessão chamada Concordância do adjetivo com o substantivo.
Nessa sessão, o autor mostra que o adjetivo concorda com o substantivo de
acordo com três preceitos gerais. Primeiro, o adjetivo que concorda com apenas um
substantivo deve tomar o gênero e o número desse substantivo: homem alto, mulher
alta, homens altos, mulheres altas (pp.305).
O segundo preceito refere-se à concordância do adjetivo com vários substantivos
de gêneros diferentes e do singular. Neste caso, o adjetivo pode ficar no masculino
plural ou concordar com o substantivo mais próximo: O pai e a mãe extremosos ou
extremosa. (pp.305). Ainda de acordo com o autor, a escolha de uma ou outra
concordância fica sujeita a eufonia e a clareza, conforme a intenção do escritor. Em
outras palavras, pode-se constatar uma variação no que concerne à concordância do
adjetivo com vários substantivos. Contudo, quando o adjetivo está precedendo os
substantivos, obrigatoriamente deve concordar com o primeiro substantivo: Boa hora e
local escolheste! (pp.305).
O último preceito refere-se à concordância do adjetivo com mais de um
substantivo que possuem gêneros e números variados. Segundo o autor, as mesmas
condições do item anterior serão seguidas. Desse modo, há mais de uma possibilidade
de concordância. Veja os exemplos abaixo listados por Rocha Lima (pp.306).
Agastamentos e ameaças fingidos ou fingidas
Prantos, lamentações e magoas dolorosos ou dolorosas
Propósitos e tentativas malogradas
28
Após os exemplos acima, o autor faz uma observação na qual afirma que a regra
lógica é a concordância do adjetivo com todos os substantivos, tendo o masculino plural
a preferência. Entretanto, a eufonia e a clareza podem impor a concordância com o
elemento mais próximo. Mais uma vez, fica claro que o fenômeno da concordância é
variável e está sujeito a influências externas.
Na gramática de cunho pedagógico analisada, a Gramática ilustrada (1982), de
Hildebrando André, há um capítulo referente à concordância nominal. Entretanto, não
há uma definição sobre o que é concordância, e o capítulo já se inicia mostrando a regra
geral em que o adjetivo deve concordar com o substantivo.
Logo após, o autor apresenta os casos especiais. Nessa parte, é apresentada,
primeiramente, a concordância do adjetivo em função de adjunto adnominal, que pode
vir posposto ou anteposto a dois ou mais substantivos. O autor mostra que o adjetivo
posposto pode concordar com o elemento mais próximo ou ir para o masculino plural,
concordando com todos os substantivos. André (1982) apresenta inúmeros exemplos e
faz uma observação mostrando usos mais frequentes em que o adjetivo concorda com o
elemento mais próximo.
Para os adjetivos antepostos aos substantivos, afirma que a concordância é
geralmente feita com o elemento mais próximo e apresenta uma observação de um uso
em que o adjetivo deve ir para o masculino plural mesmo antecedendo um substantivo.
É o caso de adjetivos que se referem a nomes próprios de pessoas ou títulos (ex.: “Como
nos ensinam os grandes Machado de Assis e José de Alencar” – pp.274).
Ainda sobre os adjetivos na função de adjunto adnominal, o autor mostra que é
possível que dois ou mais adjetivos fiquem no singular quando um substantivo está no
plural. Porém, admite construções paralelas (ex.: “os poderes temporal e espiritual”, “o
poder temporal e o espiritual”, “o poder temporal e espiritual” – pp. 274).
A mesma linha de apresentação ocorre com os adjetivos com função de
predicativo. Primeiramente, o autor mostra a regra geral, em que o predicativo concorda
em gênero e número com o substantivo a que se refere, mas se este se referir a dois ou
mais substantivos do mesmo gênero deve ir para o plural, mantendo o gênero dos
substantivos ou indo para o masculino no caso de substantivos de gêneros diferentes
(ex.: “Sócrates e Zico voltaram cabisbaixos da sala do diretor.” / “O namorado e a
namorada passeavam enciumados.” – pp. 274). Contudo, a seguir, ele faz algumas
observações em que o predicativo pode concordar com o elemento mais próximo (ex.:
29
“Estava deserta a vila, a casa, o templo” – pp. 275). Após essas observações, o autor
lista uma sequência de palavras e expressões que podem ser variáveis ou invariáveis no
português, como só, salvo, meio, anexo, etc.
Como se pôde notar mais uma vez, mesmo não mencionando a palavra variação,
o autor não deixou de apresentar exemplos em que é possível perceber a variação
presente no fenômeno da concordância de número. Em todos os casos, há sempre uma
regra, mas que vem seguida de construções que também são aceitas, construções que
diferem daquelas que a regra geral prescreve.
Também Celso Pedro Luft (1989), em sua Gramática Resumida, apresenta uma
sessão sobre o tema concordância, que compõe a terceira parte de sua gramática,
destinando-se especificamente ao estudo da sintaxe do português.
Apesar de uma sessão à parte para o estudo da concordância, essa sessão é bem
resumida e trata tanto do fenômeno da concordância nominal como também da
concordância verbal. Primeiramente, o autor define o que é concordância, afirmando ser
um princípio em que termos determinantes se adaptam às categorias gramaticais dos
termos determinados. A seguir, Luft (op. cit.) mostra que há dois tipos de concordância
no português: (i) a do adjetivo, artigo, numeral e particípio com o substantivo a que se
referem e (ii) a do verbo com o seu sujeito. Após esta explicação, o autor apresenta
alguns exemplos, mostrando como os elementos concordam um com os outros dentro de
um SN ou de uma oração (ex.: “flores belas”, “estas mãos”, “as plantas”, etc. – pp.
126).
Para finalizar este capítulo sobre concordância, o autor traz um comentário sobre
a NGB, afirmando que esta não se refere às concordâncias anômalas e estilísticas, mas
diz que o professor pode abordar esses casos especiais em suas aulas e encaminha o
leitor para a sessão sobre Figuras de sintaxe, mais adiante em sua gramática. Nessa
parte destinada às figuras de sintaxe, o que se pode observar são os casos de silepse em
que, segundo o autor, a concordância se faz pelo sentido e não pela forma, ou seja, a
concordância é feita com um elemento que está implícito e expõe exemplos de silepse
de gênero, número, pessoa e gênero e número (ex.: “Vossa senhoria é generoso.” / “Se
essa gente que busca ouro Hemisfério/Não queres que padeçam vitupério” (Os Lus., I,
38, 3 e 5) / “Os brasileiros somos bons improvisadores.” / “O Amazonas é caudaloso.”
– pp. 162).
30
Ainda sobre a gramática resumida de Luft, há outras sessões que fazem
referência ao termo concordância, especificamente a nominal. No capítulo sobre
adjetivo e artigo, o autor, na parte da flexão desses elementos, afirma que essas classes
manifestam ou recebem as categorias gramaticais de gênero e número do substantivo a
que se relacionam. Já no capítulo sobre numeral, o autor só apresenta aqueles numerais
que são variáveis e os que são invariáveis. Semelhantemente, ocorre com os pronomes.
Já sobre o particípio, o autor comenta que, quando este funciona como um adjetivo,
concorda com o substantivo (ex. “pessoas estimadas” – pp. 99). Desse modo, Luft (op.
cit.) não mostra como o fenômeno da concordância é variável e nem apresenta aqueles
exemplos clássicos da gramática tradicional em que se percebe nitidamente a variação
de número existente no português.
Luft (1996) elabora uma nova gramática, que, segundo ele, seria uma nova
edição da sua última Gramática Resumida, mas, em função dos avanços da linguística
moderna, alterou bastante o texto anterior, transformando-o em outro livro e, por isso,
não seria mais uma reedição daquela gramática precedente.
Apesar da afirmação de Luft sobre a influência de novas teorias gramaticais
sobre seu trabalho, em relação ao fenômeno da concordância, não há nenhuma
novidade. As mesmas informações trazidas pela Gramática Resumida (1989)
permanecem. Assim, para o tema da concordância, o autor não trouxe nada relevante
que pudesse interessar àqueles que estudam o fenômeno em questão.
2.3. Concordância nominal nas pesquisas linguísticas
Diferente das gramáticas citadas no item anterior, a gramática descritiva de
Ataliba de Castilho apresenta uma visão diferente sobre o fenômeno da concordância.
Nessa gramática, é possível notar o conhecimento do linguista sobre os fenômenos
variáveis da língua e não traz uma lista de classificações, mas sim apresenta resultados
de pesquisas sobre variados fenômenos do PB, mostrando o que há por trás destas
classificações presentes em muitas gramáticas normativas. Essa gramática é a Nova
gramática do português brasileiro (2010), de Ataliba T. de Castilho.
Sobre o fenômeno da concordância, pode-se afirmar que há duas sessões
destinadas ao tema. No capítulo seis de sua gramática, o autor apresenta algumas
propriedades e princípios referentes à sentença. Na sessão que trata do Princípio de
31
Projeção e a Concordância (pp. 272), Ataliba apresenta uma definição de Trask (2004)
sobre o que é concordância e as três maneiras de fazê-la: (i) um termo pode concordar
com outro (concordância gramatical – ex.: “A totalidade dos entrevistados deixou de
comparecer.”), (ii) um termo pode concordar com o sentido do outro (concordância
semântica – ex.: “A multidão, depois do cerco da polícia, foram saindo de fininho.”) e
(iii) um termo do enunciado pode concordar com um participante da enunciação
(concordância discursiva – ex.: “Eu fiquei encantada com tudo aquilo.”). Após esta
explicação, o linguista apresenta uma definição sobre o que é concordância nominal,
mostrando os contextos em que ela pode ocorrer.
O adjetivo em posição predicativa concorda com o sujeito em gênero e
número; o adjetivo em posição atributiva, bem como os determinantes e
quantificadores, concordam em gênero com o núcleo nominal da construção
que pertencem” (Xavier; Mira Mateus, (orgs.), 1990–1992 apud CASTILHO,
2010: pp. 273).
Já o décimo primeiro capítulo trata do sintagma nominal, apresentando sua
estrutura e colocação, além de expor a concordância entre seus constituintes. Nessa
sessão, o autor cita os trabalhos de Scherre (1988, 1996), exibindo resultados, que
afirmam serem sofisticadas as regras de concordância na modalidade popular do PB.
Ainda apresenta alguns resultados de Scherre (1988, 1996), que concluiu que, no
português do Brasil, as classes morfológicas se distinguem em sua marcação de plural,
pois aquelas que funcionam como especificadores são mais marcadas assim como as
palavras em que a distinção entre a forma singular e plural é mais acentuada. Por outro
lado, os substantivos e adjetivos no diminutivo são menos marcados, exceto se
estiverem na segunda posição.
Ainda sobre Scherre (1988, 1996), o elemento pré-nuclear é aquele mais
marcado, destacando Castilho (2010) que a descoberta mais interessante é a de que
“marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”. Os estudos sobre a concordância de
Scherre contrariam outros resultados que mostravam que a concordância do português
do Brasil tendia a uma simplificação ou até a um desaparecimento, pois o que se pode
ver é uma variação condicionada a contextos que ora favorecem a marca formal de
número, ora a desfavorecem.
Castilho (op. cit.), assim como Scherre (op. cit.), questiona o Princípio da
Economia, já que parece que os falantes não estão economizando nada. Scherre diz que
32
as marcas de número são distribuídas de acordo com um mecanismo de gatilho, em que
a presença de um {-s} no primeiro elemento leva a presença de outros {-s}, e sua
ausência influencia na ausência de {-s} nos termos seguintes (ex.: “Milhares de coisas”
/ “Porçãoᴓ de coisaᴓ”. – pp. 461).
Como foi possível perceber, essa gramática difere das demais por seu caráter
descritivo, pois não mostra listas de exemplos comuns e raros do português e muito
menos traz regras de concordância. Aqui é possível perceber a variação do fenômeno
estudado e também que elementos influenciam a concordância nominal.
Há também muitos trabalhos sobre o fenômeno da concordância e, a partir dos
resultados alcançados, pôde-se perceber o quanto esse fenômeno no português do Brasil
é complexo, mostrando-se ora como um sistema que caminha em direção à perda da
marca morfológica de número e ora como um sistema que representa uma variação
estável. Essa diferença é perceptível, principalmente, quando se observam falantes de
diferentes níveis de escolaridade.
Em estudo mais recente, Naro e Scherre (2004) afirmam que o fenômeno da
concordância pode ser interpretado como uma “mudança sem mudança”, já que a
mudança que ocorre é quantitativa e não qualitativa:
no sentido de que é uma variação que não reflete mudança clara para todos os
falantes nem reflete apenas uma linha de mudança, embora estejamos
capturando aumento de concordância em função de maior exposição ao
ambiente escolar, seja em termos de grupo ou de indivíduo, e também
aumento de concordância em faixas etárias mais jovens, com um vislumbre
de mudança geracional (NARO e SCHERRE, 2006).
Desse modo, percebe-se que a variação que existe no fenômeno em pauta não se
manifesta igualmente entre todos os falantes. Além disso, não há uma única linha de
mudança, pois, apesar de muitas amostras revelarem um aumento dos índices da
variante padrão -s, sem as fortes amarras sociais de prestígios, poderia haver uma
reversão nesse fenômeno em direção à diminuição da marca morfológica de número.
Entretanto, na amostra analisada, os autores mostraram um aumento de concordância
devido à influência da escola. (pp. 120).
Por isso, Naro e Scherre (2004) afirmam que o melhor modelo para explicar o
fenômeno da concordância de número no PB é o modelo do fluxo e contrafluxos, que
representa uma mudança superficial, em que falantes ou grupos de falantes apresentam
maior ou menor índice de concordância em termos de percentuais globais, devido ao
33
movimento desses indivíduos por diferentes ambientes sociais. Isso revela que os
falantes brasileiros, independentes do nível de escolaridade, podem fazer mais ou menos
concordância, a depender do seu interlocutor e da formalidade de uma conversa, de
maneira inconsciente.
Scherre (1988), em sua tese de doutorado, já mostrou como há no PB duas
situações distintas em relação à concordância nominal. Segundo a autora, nos falantes
de concordância alta, percebe-se uma variação estável com uma gradação etária; já nos
falantes com baixa concordância, o que se nota é uma mudança em direção a um
sistema de perda da concordância (pp. 509). Além disso, Scherre (1988) afirma que as
diferenças entre os falantes do PB são mais quantitativas do que qualitativas, já que os
mesmos condicionadores influenciam tanto os falantes mais escolarizados quanto os
menos escolarizados. A autora também mostrou que a variação é inerente ao falante,
pois grupos de indivíduos apresentaram comportamento uniforme em relação às
variáveis linguísticas importantes como saliência fônica e posição linear. Scherre
(1988) também negou a influência de processos descrioulizantes1, mas confirmou o
forte papel da escola como responsável pela manutenção da variante de prestígio.
Outro trabalho interessante sobre concordância, tanto nominal quanto verbal, é o
trabalho de Scherre e Naro (1998), que mostrou como a variação de número no PB
apresenta um sistema perfeito em que é possível prever em quais contextos os falantes
são mais propensos a não realizar ou a realizar a regra de número, já que a variação não
é aleatória. Nesse trabalho, os autores concluíram que a variação da concordância está
internalizada na mente do falante do português do Brasil. Além disso, é um fenômeno
altamente estruturado tanto por fatores linguísticos quanto por fatores sociais.
Além de Naro e Scherre, há outros linguistas que também estudaram o fenômeno
da concordância. Brandão (2011) observou a concordância nominal em duas variedades
do português: a brasileira e a de São Tomé e Príncipe (PST). Comparando essas duas
variedades, a autora notou que a variante padrão e a estigmatizada (ausência de
concordância) estão presentes tanto no PB quanto no PST e que, em ambas as
1 O processo descrioulizante é um ato de descrioulizar, de reestruturar uma língua crioula, conforme as
regras e influências de uma língua padrão. Isso ocorre devido à falta de prestígio que é atribuída à língua
crioula. Desse modo, essa língua desprestigiada sofre interferências de uma língua de prestígio e aos
poucos vai desaparecendo.
34
variedades, há condicionamentos de ordem estrutural e social que influenciam no
cancelamento ou não da marca de plural.
Os resultados provaram também que houve pouco cancelamento da marca
formal de número nas duas variedades estudadas e que em ambas há uma tendência dos
elementos pré-nucleares receberem mais marcas de número. Além disso, a variável
posição linear e relativa dos constituintes do SN apresentou o mesmo padrão estrutural
nas duas amostras.
Contudo, a autora apresenta algumas diferenças entre o PB e o PST. Uma delas é
que a variável nível de escolaridade se mostrou mais relevante no PST, em que há uma
ordem gradativa de cancelamento da marca desde o indivíduo de nível fundamental até
o de nível superior. Já no PB, há uma oposição entre os indivíduos de nível superior e os
de nível fundamental e médio. Outra diferença foi percebida na variável processo
morfofonológico de formação de plural, que se tornou importante apenas no português
do Brasil, enquanto as variáveis gênero e contexto fonológico foram significativas
somente no português de São Tomé e Príncipe. Diante desses resultados, a autora chega
à conclusão de que as duas modalidades apresentam divergências, mas também
convergem em diversos pontos.
Em outro trabalho, Brandão e Vieira (2012) compararam o comportamento da
concordância nominal e verbal no PB, PE e PST e concluíram que, nas três variedades
do português, há preferência pela variante padrão, embora no PE, este fenômeno seja
considerado como uma regra categórica, enquanto no PB e no PST é uma regra variável.
Ademais, as autoras mostraram que a preferência pela concordância decorre do acesso à
escola por parte dos indivíduos e que há variáveis estruturais nos níveis sintáticos e
semânticos que atuam igualmente no PB e no PE.
Mais um trabalho importante sobre concordância é o de Monguilhott (2011)
sobre a concordância verbal de 3ª pessoa do plural em redes sociais2, no intuito de
investigar as diferentes práticas sociais em que os informantes estavam envolvidos. Para
2 Entende-se por rede social do indivíduo o total de relacionamentos em que este se envolve, nas ligações
sociais estabelecidas por ele (familiar, de vizinhança, numa entidade representativa). Nessas redes, há
laços sociais em comum a que estariam vinculados laços linguísticos, o que implicaria que “as pessoas
envolvidas em redes sociais mais fortes poderiam afetar o comportamento e as atitudes umas das outras,
incluindo as normas linguísticas”, tendendo a manter o uso de dialetos locais. Já os indivíduos envolvidos
em redes sociais mais fracas resistiriam menos às influências externas e, consequentemente, seriam mais
susceptíveis a variações e mudanças tanto linguísticas quanto comportamentais (VALIN, 2009).
35
isso, considerou duas variedades do português: PB e PE, contrapondo zona rural e
urbana.
Nesse artigo, tanto no PB quanto no PE, as comunidades não urbanas
apresentaram-se como mais densas, ou seja, as comunidades se relacionavam mais
intensamente, eram mais solidárias entre si. Por isso, em ambas as variedades do
português, essas comunidades rurais apresentaram mais a variante não padrão, enquanto
as zonas urbanas, menos densas e com relações menos estreitas, usaram mais a variante
de prestígio.
É interessante notar que, nesse artigo, a autora mostrou resultados que revelam
uma diferença entre rural e urbano. Tal diferença permite considerar a concordância do
PE, observando-se apenas as frequências, como uma regra variável, pois alguns grupos
de falantes, aqueles menos integrados com sua comunidade, chegaram a apresentar 88%
da variante padrão. Além disso, indivíduos com pouca mobilidade também marcaram
menos (90%). Assim, nota-se que o fenômeno operou com frequência entre 5 – 95%,
podendo ser classificado com um fenômeno de regra variável3, conforme aponta Labov
(2003). No português do Brasil, os percentuais foram ainda menores e, como já se sabe,
esse fenômeno no PB apresenta uma regra variável.
Outro trabalho que observa a procedência geográfica – rural e urbano – dos
informantes é o artigo feito por Lemos (2010). Nesse trabalho, cujo título é A
concordância nominal na fala dos estudantes da rede pública de ensino de Santo
Antônio de Jesus – BA, a autora analisa a fala de dez alunos da rede pública,
provenientes da antiga 5ª série (atualmente, 6º ano).
Os resultados dessa pesquisa mostraram uma tendência à não marcação de
número (60%), e a autora afirma que esses falantes ainda se encontram em processo de
variação em curso, pois não apresentaram “altos níveis de ausência da marca de plural
em algum dos itens flexionáveis” (pp. 13). Porém, a própria autora mostra as limitações
do projeto, que só analisou estudantes de uma série. Sobre a variável procedência
geográfica, a autora não encontrou nenhuma diferença significativa, já que o peso
relativo para a não aplicação da regra nos falantes da zona rural estava bem próximo do
peso relativo dos falantes urbanos (.50 e .49, respectivamente). Já a variável gênero
revelou que os estudantes do sexo feminino marcaram mais que os do sexo masculino.
3 Sobre isso, ver item 3.1.
36
A autora também ratifica a afirmação de Scherre (1994) sobre a inerência do fenômeno
da concordância nominal no português falado do Brasil, visto que os contextos
linguísticos e sociais, no que concerne ao fenômeno da variação de número, são os
mesmos.
Há, ainda, um trabalho de Silva (2008), que faz um estudo comparativo das
décadas de 70 e 90. Nesse trabalho, o autor desejava (i) verificar se havia uma tendência
em direção a não marcação de número no PB e (ii) comparar o fenômeno da
concordância nos anos de 70 e 90, atestando ou não se houve uma mudança de
parâmetro na concordância do português do Brasil.
Esse trabalho observou entrevistas do tipo DID (documentador – informante –
documentador) do projeto VARPORT. Eram seis entrevistas dos anos 70 e sete dos
anos 90 e foram analisados 401 dados: 184, na década de 70 e 217, na década de 90. Os
resultados desse trabalho confirmam resultados de Scherre (1988), que afirma não ser a
primeira posição do SN que determina o índice de marcas plurais, mas sim a relação da
classe não-nuclear com o núcleo. Desse modo, a classe anteposta ao núcleo é mais
marcada do que a classe nuclear e a não nuclear posposta ao núcleo.
Além da variável posição do elemento no SN, a variável tonicidade também se
mostrou condicionadora do fenômeno da concordância. Dessa forma, os monossílabos
tônicos e os proparoxítonos foram categoricamente marcados. Entretanto, vale ressaltar
que os monossílabos são os elementos que aparecem em posição pré-nuclear e, por isso,
foram tão marcados.
Sobre a variável década, foi possível notar que, na década de 70, a concordância
se mostrava levemente mais marcada, visto que apresentou apenas 2% de não
concordância, ao passo que a década de 90 apresentou 15% de não concordância do
total de ocorrências. Apesar dos resultados, tal fato deve se justificar pela natureza dos
dados que precisariam ser melhores analisados.
Vale citar, ainda, o trabalho de Capellari e Zilles (2002), intitulado A marcação
de plural na linguagem infantil – estudo longitudinal. Nesse trabalho, as autoras
observam a fala de uma criança de classe média de 4 a 8 anos de um projeto
denominado DELICRI (Desenvolvimento da Linguagem da Criança em Fase de
Letramento) do Rio Grande do Sul, durante os anos de 1992 a 1996, em uma escola
particular de Porto Alegre. O corpus foi constituído de dezoito entrevistas, de duração
em torno de dez minutos.
37
Nesse trabalho, não estava sendo observada a emergência da marcação de plural
na fala da criança, mas sim em que medida a fala da criança é compatível com a fala de
um adulto. Além disso, as autoras também se interessam pela fase de alfabetização, pois
é o momento em que a criança é exposta a língua padrão.
O primeiro ponto destacado pelas autoras é o baixo número de SNs plurais por
cada faixa etária. No total, havia 126 SNs e, dentre esses, 50 eram de SNs padrão e 76
não padrão. Esses dados foram divididos em relato pessoal e contando historinha, pois
as autoras estavam observando a influência do texto escrito na fala da criança. Com
isso, elas perceberam que havia mais SNs do tipo padrão, quando as crianças contavam
alguma historinha, influência do texto escrito que pode ter sido memorizado por ela.
Outro dado interessante apresentado pelas autoras é o fato de a marcação de
plural aparecer somente no possessivo em SNs como a minhas prima. Segundo elas,
isso ocorre devido a um processo assimilatório entre o artigo e o possessivo em que a
marca de número continuaria no primeiro elemento do SN “aminhas prima”.
As autoras concluem em seu trabalho que há algumas semelhanças entre a fala
infantil e a fala adulta, como o desfavorecimento da regra de marcação de número nos
itens diminutivos, assim como em SNs que apresentam uma preposição entre
constituintes sintáticos (Milhares de borracha). Elas também questionaram a variável
posição nuclear e não-nuclear, porque perceberam que alguns elementos não fazem
parte da estrutura do SN como o operador todos. Com base em outros estudos, as
autoras mostram que esse quantificador tem algumas peculiaridades que o deixam fora
de um SN. Assim, o operador todos é o único que pode preceder pronomes e, além
disso, pode se movimentar para depois do SN, depois do verbo e até para o fim da
oração (apud PONTES 1996). Já Perini (1998 apud CAPELLARI e ZILLES, 2002)
considera esse operador como um predeterminante devido ao seu movimento (Todos os
meninos saíram ou Os meninos todos saíram).
Por fim, as autoras afirmam que a influência da escola não pôde ser vista
claramente nesse trabalho, mas foi possível ver que a criança põe em prática duas
gramáticas, a depender do contexto discursivo em que esteja inserida. Assim,
comprovou-se a influência de textos escritos, estimulando o uso dos plurais do tipo
padrão na fala da criança, quando estas contavam historinhas. As autoras concluem
dizendo que cabe à escola incentivar a leitura desde a infância, pois assim os alunos
38
terão mais chance de assimilar as regras formais de marcação de número do que ensinar
exercícios mecânicos de não “comer” os -s.
Cabe, enfim, apresentar algumas considerações acerca da variação de número na
modalidade escrita. Christino e Silva (2012), em texto intitulado Concordância verbal e
nominal na escrita em Português-Kaingang, apresentam interessantes observações
sobre a escrita do português por falantes bilíngues indígenas. Sobre a concordância no
sintagma nominal, os resultados revelaram que cerca de 40% das ocorrências
apresentam marca de número somente no elemento mais à esquerda (“eu sempre ficava
com dúvida nas aulaᴓ de Antropologia”; “e as apresentaçãoᴓ dos trabalhoᴓ na frente”),
fato considerado natural, visto que essa é a estratégia também empregada pelo
português popular com que os indígenas têm contato. Houve, ainda, um pequeno índice
(9%) de marcação nos primeiros elementos do SN (“eu vi, e ouvi muitas coisas
interessante”). No entanto, chama a atenção a ausência de marcação de número no
determinante mais à esquerda do núcleo do SN (“limpar o cemitérios”; “e que cada
aluno valorize este cursos, para sua vida profissional e trabalhar em sua
comunidades”; a funções dos pein era de cuidar do bem estar do rezadores e marcar
as sepulturas do mortos recentes”), estratégia recorrente em 41,3% dos produtores de
texto (57 autores). As autoras sugerem que tal fato se deve à influência da língua
materna dos professores indígenas (Kaingang), cuja prevalência é ser uma língua de
cabeça à direita, ou seja, a marcação das categorias morfossintáticas se dá na porção
direita do SN, diferentemente do que ocorre com o português popular. No corpus
analisado, encontraram-se algumas estruturas semelhantes às dos indígenas:
<a> olimpíadas é um evento que deixa todos esperançosos, ansiosos e confiantes (aluna do 8º ano – do colégio ZeroHum – Ilha do Governador)
Chapeuzinho pegotou para que <esse > olhos tão grande (aluna do 6º ano – da Escola
Municipal Oswaldo Teixeira - Quintino)
As características psicológicas dele era normal, não tinha nenhum problema mental e
<a> características físicas de e, pequeno e magro (aluno do 9º ano – da Escola Municipal Oswaldo Teixeira - Quintino)
Que e muito extrovertida, brincalhona e adora fazer muitas, muitas perguntas <do >
adultos (aluna do 9º ano – da Escola Municipal Fernando Azevedo – Santa Cruz)
39
tenque aprender <a > varias matéria tipo: química, ciência, mais com formula, outras
matérias etc... (aluno do 6º ano – do colégio particular Esplendor – Vila da Penha)
O melhor, é comer <bastante > frutas, de preferência no horário do lanche (aluna do 7º ano – do colégio particular ZeroHum – Ilha do Governador).
2.4. Concordância nominal e o ensino de gramática
É comum o tema de a concordância nominal aparecer nos livros didáticos apenas
como conteúdo programático, no ensino fundamental II, para o 9º ano. Entretanto, nos
anos anteriores, já se apresenta a concordância quando se ensina substantivo e adjetivo e
as funções sintáticas, como sujeito, predicativo, adjuntos etc. Contudo, sabe-se que esse
assunto é abordado de maneira tradicional, ensinando as regras para uma concordância
conforme a prescrição normativa. E esse tem sido um dos principais problemas do
ensino de gramática no Brasil: ensinam-se regras, sem considerar e respeitar o falar, a
norma linguística do aluno.
De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), o comportamento linguístico de um
falante está relacionado à sua estratificação social. Desse modo, é possível diferenciar
grupos sociais a partir da língua que usam. Porém, mesmo sabendo que o Brasil é um
país de muitas diferenças sociais e, consequentemente, muitas diferenças linguísticas,
essas diferenças não são respeitadas e levadas a sério, pois o ensino de língua continua
valorizando a cultura dominante.
Ainda para a autora, há dois grandes problemas no ensino de língua padrão no
Brasil para os falantes que têm como língua materna as variedades populares. O
primeiro é que não se respeitam os antecedentes linguísticos do educando e, o segundo
problema é que não se ensina de forma eficiente a norma padrão4. Para Bortoni-Ricardo,
o saber do aluno deve ser respeitado na escola, e aprender a norma culta deve ser uma
possibilidade de ampliação de sua competência linguística e comunicativa. O aluno
também deve ficar ciente de quando se deve usar cada variedade e cabe ao professor
ensinar isso, mostrando que há formas alternativas para se dizer a mesma coisa, mas que
4 Bortoni (2005) utiliza o termo norma-padrão como sinônimo de norma culta, ou seja, sinônimo para os
falares efetivamente produzidos por indivíduos com ensino superior, que representam, muitas das vezes, a
classe dominante.
40
essas formas cumprem papéis comunicativos distintos e são avaliadas também de
maneira diferente pela sociedade. É fundamental que o aluno saiba que há formas
avaliadas negativamente e outras positivamente e que entenda que ter acesso às
variantes prestigiadas é importante para a sua ascensão social.
No caso do fenômeno da concordância nominal, é visível o estigma que a
variante zero recebe por parte dos falantes. Até os falantes que a utilizam, avaliam-na
negativamente. Segundo Bortoni-Ricardo (2005), isso ocorre devido à ação prescritiva
da escola e a valorização da norma culta. Sendo assim, é papel do educador mostrar ao
aluno que há uma variante de prestígio [s] e outra estigmatizada [0] e que o uso da
primeira em detrimento da segunda, em determinados contextos, pode lhe permitir
ascensão social.
Para Mattos e Silva (2001), o acesso à norma idealizada tem sido uma “violência
simbólica” para muitos falantes. Uma violência que vem sendo praticada há séculos,
desde que o latim era a língua da escola e já existia o latim vulgar. Na atualidade, essa
violência ainda é praticada no ensino quando as classes menos favorecidas se defrontam
como uma língua desconhecida e acabam fracassando na escola por não conseguirem
dominá-la. De acordo com a autora, mesmo com o surgimento da linguística moderna, a
escola continua reproduzindo a norma da sociedade dominante, não respeitando as
diferenças linguísticas que existem. Para ela, o papel da escola é mais político do que
puramente linguístico, quando o assunto é a norma.
Portanto, Mattos e Silva (2001) mostra que, no Brasil, houve uma falsa
democratização do ensino, porque aumentou o número de estudantes em sala de aula,
mas não houve uma preocupação com a qualidade desse ensino. Assim, a autora afirma
que a escola que era para o povo tornou-se contra o povo, já que o fracasso escolar está
relacionado à classe social.
Com o objetivo de mostrar alguns fenômenos variáveis do português, Mattos e
Silva (2001) comenta o trabalho de Naro e Scherre (1991) sobre a concordância
nominal. Nesse trabalho, os autores afirmam que existem duas realidades distintas no
PB: (i) alguns falantes caminham em direção a um sistema sem regra de concordância e
(ii) outros caminham em direção à aquisição da regra da concordância padrão. Dessa
maneira, Naro e Scherre (1991 apud MATTOS e SILVA, 2001) enfatizam o papel da
escola como a mantenedora da norma padrão, conseguindo até mesmo trazer para a fala,
variantes restritas à escrita formal.
41
Outro trabalho que questiona o papel da escola em relação ao ensino de
gramática é o de Moura Neves (2009). Nesse livro, a autora discute o conceito de
gramática, mostrando que não há apenas uma, mas diversos tipos de gramática. Além
disso, a autora sugere que a escola parta do uso da linguagem para o padrão, ou seja,
parta do uso para a norma e não o contrário. Cabe à escola, segundo a autora, observar a
produção linguística em operação. Para isso, a escola não pode desconsiderar a
gramática que todo aluno chega à sala de aula e deve entender que, a depender do grupo
socioeconomicocultural do aluno, sua gramática pode estar mais ou menos próxima do
padrão culto da língua.
Ainda nesse trabalho, a autora mostra que a escrita era considerada uma
modalidade em que o “bom uso” estava presente, enquanto a fala abrigava
“transgressões” e “erros”. Desse modo, a escola acabou criando um abismo entre fala e
escrita.
Nessa pesquisa, é a escrita que será observada, entendendo que ela não é
estanque, mas varia assim como a fala. Sabe-se que a força da escola tenta colocar a
escrita numa moldura, numa forma, porém sem muito sucesso, pois se verificou, em
trabalhos sobre a escrita, como a variação também está presente nela.
Por fim, vale citar outro trabalho de Bortoni-Ricardo (2004) sobre o ensino de
língua materna em que a autora mostra três contínuos para se entender a variação do PB.
O primeiro continuum é o de urbanização, como se vê a seguir:
Continuum de urbanização
Variedades rurais área rurbana variedades urbanas
isoladas padronizadas
Segunda a autora, esse continuum não apresenta pólos rígidos, mas pode haver
sobreposição entre esses tipos de falares. Ainda conforme Bortoni-Ricardo (2004), há
alguns traços dos falares rurais que não aparecem nos falares urbanos. Quando isso
ocorre, tem-se uma distribuição descontínua. Já outros traços são comuns às áreas rurais
e urbanas, são os chamados traços graduais. Assim, pode-se dizer que o fenômeno da
concordância nominal é um traço gradual, pois está presente tanto nas áreas rurais como
nas áreas urbanas. De acordo com a autora, o professor deve ficar atento a esse
fenômeno, já que muitos alunos usam a variante zero [0], mas precisam conhecer a
variante prestigiada [s] para a utilizarem em contextos mais monitorados.
42
O segundo continuum mostrado pela autora é o continuum de oralidade e letramento,
como se vê adiante:
Continuum de oralidade e letramento
eventos de eventos de
oralidade letramento
Assim como o primeiro continuum, esse também não apresenta barreiras rígidas,
é possível a sobreposição de falares. Vale lembrar que o evento de letramento, conforme
a autora, tem como base um texto escrito que pode estar presente no momento de
interação ou ter sido estudado previamente.
O último continuum é o de monitoração estilística, que pode ser observado
abaixo:
Continuum de monitoração estilística
- monitoração + monitoração
De acordo com Bortoni-Ricardo, três fatores levam à monitoração do estilo: o
ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa.
Portanto, esses três contínuos permitem entender a variação do PB que está tão
presente no ensino de língua materna, pois até na fala do professor é possível notar ora
um alto grau de monitoramento, ora usos mais coloquiais. O que é fundamental no
ensino de gramática é o respeito às variedades linguísticas, entendendo que a variação é
inerente a qualquer comunidade linguística, em menor ou maior grau. Segundo Moura
Neves (2009), valorizar a língua padrão não é um problema, mas negar o acesso a essa
língua é um ato discriminatório. E a escola, como um lugar democrático, deve
apresentar a língua de prestígio porque é essa língua que poderá permitir ascensão
social; contudo, não pode desvalorizar a língua trazida pelo aluno.
43
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1. Sociolinguística
A presente pesquisa será embasada pela teoria Sociolinguística Variacionista
que observa a língua no contexto social. Nessa teoria, a relação entre língua e
sociedade é indispensável. Assim, a Sociolinguística correlaciona variações
linguísticas às diferenças sociais, entendendo que a diversidade é uma característica
funcional e inerente aos sistemas linguísticos, e o papel da Sociolinguística é observar
esta diversidade em suas determinações linguísticas e não-linguísticas.
De acordo com Labov (1994), a linguagem é um instrumento de comunicação
que une forma e conteúdo (significante e significado). Por ser um instrumento
comunicativo, é natural que as línguas não sejam homogêneas; pelo contrário, elas são
heterogêneas e variam constantemente. Toda comunidade de fala possui
heterogeneidade e essa heterogeneidade está na competência do falante.
Todavia, a variação não ocorre por acaso ou pelo livre arbítrio do falante. Há
motivações do sistema linguístico que o falante segue, sem escolha. Essas motivações
podem ser de natureza extralinguística e linguística. Os condicionamentos do primeiro
tipo podem ser exemplificados com as variáveis classe social, idade, gênero e origem
do falante; já os do segundo tipo dizem respeito a fatores internos à língua, como no
caso da CN, a presença ou ausência de segmento formal de número, níveis de
saliência fônica dos nomes passíveis de marcação de plural, tonicidade da sílaba em
que figura a marca de número, entre outros.
Dessa forma, o axioma da heterogeneidade ordenada postulada por Weinreich,
Labov e Herzog (1968) considera a língua como um elemento inerentemente variável
e ordenado. Logo, a variação não é aleatória, mas é resultado de um uso sistemático e
regular. Por isso, é possível o estudo de dados linguísticos variáveis. Afinal, existem
regras que podem ser sistematizadas para descrever e explicar determinados
fenômenos do português do Brasil.
Labov (1994), citando Meillet, concorda que há uma relação entre estrutura
linguística e estrutura social, como se pode notar no fragmento abaixo:
44
A única variável a que podemos recorrer para explicar a mudança linguística
é a mudança social, da qual as variações linguísticas são apenas
consequências. Temos que determinar que estrutura social corresponde a uma
estrutura linguística dada e como, de modo geral, as mudanças na estrutura
social se traduzem em mudanças na estrutura linguística5.
A partir dessa relação entre língua e sociedade, é possível notar a existência de
um valor social sobre uma variante. Esse valor está associado ao grupo que a
introduziu e com as relações econômicas e culturais que este grupo detém. Desse
modo, o falante reconhece a força da norma de prestígio através da mídia, da escola e
de pessoas amplamente conhecidas, sendo as variantes estigmatizadas relacionadas à
origem social de menor prestígio, enquanto as variantes não-estigmatizadas estão
relacionadas às classes dominantes, que traçam uma avaliação impressionista acerca
das variedades de fogem ao padrão, desconhecendo a variação decorrente das
situações de uso, bem como a legitimidade das diferentes variedades como sistemas
comunicativos e de expressão do pensamento.
Essa noção de prestígio ou desprestígio sobre uma variante remete a um dos
problemas da mudança proposto por Labov (2006). Esse problema seria o da
avaliação, em que é possível verificar em que medida a avaliação subjetiva de um
indivíduo frente às variantes pode interferir no processo de mudança.
Talvez, no caso da concordância nominal no português do Brasil, o problema
da avaliação esteja interferindo no processo de mudança em direção a um sistema de
perda das marcas morfológicas de número e, obviamente, influenciando a presença da
marca formal, já que a ausência da marca [s] de plural é associada a não saber falar
“certo”, sendo, pois, a variante zero considerada desprestigiosa. Já a marcação
morfológica da concordância de número está relacionada ao “bem falar” e é a norma
de prestígio social.
É interessante notar que algumas variantes podem ser representativas de
determinados grupos sociais. É o que ocorre com a variante zero usada por muitos
falantes como um meio de inserção na sua comunidade. Às vezes, esses falantes até
conhecem a variante padrão; entretanto, seu uso não é comum em sua comunidade e
5 la única variable a la que podemos acudir para explicar el cambio linguístico es el cambio social, del
cual las variaciones linguísticas son sólo consecuencias. Tenemos que determinar qué estructura social
corresponde a uma estructura linguística dada y cómo, de modo general, los câmbios em la estructura
social se traducen em câmbios em la estructura linguística. (1994, pág. 65)
45
usá-la pode ser interpretado como pedantismo; por isso, eles acabam
inconscientemente preferindo usar a variante estigmatizada para não se sentirem
excluídos socialmente.
Há ainda outros quatro problemas sugeridos por Labov para o estudo da
mudança. Um deles é a questão das restrições ou condicionamentos que tenta
responder quais são as condições que favorecem ou restringem as mudanças. Neste
trabalho, será possível verificar em quais ambientes (contextos) há maior ou menor
chance de aparecer a marca morfológica de número.
Outro problema é o da transição, que deseja observar o percurso através do
qual cada mudança se realiza. É comum em trabalhos de caráter histórico olhar e
descrever esse percurso, mostrando como uma mudança foi implementada no sistema.
Assim, há também o problema da implementação, que, de certa maneira, se
relaciona com o problema da transição, já que analisa os motivos pelos quais uma
mudança ocorre em um determinado momento e lugar e não em outro.
Por último, há o problema do encaixamento que tenta responder como uma
mudança pode estar encaixada na estrutura linguística e social de outros fenômenos.
Essa questão é bem interessante, pois alguns fenômenos da língua estão intimamente
ligados a outros, como, por exemplo, o caso das construções de tópico marcado,
especialmente os casos de deslocamento à esquerda de sujeito e topicalização de
objeto que têm relação com a tendência do PB em preencher o sujeito e apagar o
objeto, respectivamente.
Além dos problemas propostos por Labov, é interessante notar que o mesmo
autor (LABOV, 2003) também propõe três tipos de regras linguísticas. As regras do
tipo III incluem os fenômenos em variação. Tais regras fazem parte da competência
linguística do falante, ou seja, não são ensinadas, normalmente não são percebidas
pelo falante e são condicionadas por fatores estruturais e não estruturais e, portanto,
não ocorrem a partir de uma variação livre. Nesse tipo de regra, há a coexistência de
formas alternativas (variantes) de um fenômeno que podem se concretizar com
frequência entre 5% a 95%.
O fenômeno da concordância nominal no PB tem sido considerado um
fenômeno variável, ou seja, apresenta a regra linguística do tipo III. Apesar de
inúmeros trabalhos mostrarem uma preferência do português brasileiro pela variante
padrão (s), há ainda na variedade brasileira formas em variação (s e ᴓ) e que atuam
46
entre 5% a 95% de aplicação. Esse percentual varia de acordo com determinados
condicionamentos linguísticos e extralinguísticos, sendo a escolaridade um dos
principais motivadores para a ausência/presença da concordância padrão.
O segundo tipo de regra linguística é do tipo II; são as regras semi-categóricas.
Nesse caso, uma das variantes apresenta frequência elevada de uso (95% a 99% de
aplicação). A utilização da variante de menor frequência pode causar, inclusive,
estranheza entre os falantes da língua. Esse tipo de regra representa, normalmente, o
início ou o final de um processo da mudança em progresso.
A última regra é do tipo I; são regras categóricas. Estas regras fazem parte da
gramática internalizada do falante. Elas não são reconhecidas conscientemente e
também não são violadas, por isso sua regra apresenta 100% de aplicação. Um
exemplo desta regra é o uso obrigatório do artigo antes do substantivo (O menino, e
não *Menino O), em que a infração a esta ordem implicaria violação do sistema.
Como se sabe, toda mudança implica variação, mas nem toda variação acarreta
uma mudança linguística (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006: 126). Enquanto
uma língua está em processo de mudança, uma variante pode ser adotada por um
grupo social e gradualmente se espalhar para os outros grupos. A concordância
nominal de número é um fenômeno que varia, mas não parece que conduzirá a uma
mudança, pois as variantes [s] e zero coexistem e não há a supressão de uma variante
pela outra. Ambas são realizadas por falantes de maior ou menor escolarização,
dependendo de diferentes motivações.
Ainda no campo da Sociolinguística, há um estudo mais recente de Freitag,
Martins e Tavares (2012) que apresenta uma nova concepção para se pensar os
estudos linguísticos de acordo com Eckert (2012). Os autores discutem as três ondas
dos estudos sociolinguísticos que, segundo ela, são maneiras de pensar a variação
como uma prática e uma metodologia.
A primeira onda estabelece uma relação entre as variáveis linguísticas e as
categorias sociais como sexo, idade e escolaridade. Essa onda é bem conhecida entre
os linguistas brasileiros, pois é o tipo de pesquisa mais comum dentro da
Sociolinguística Variacionista, uma vez que estabelece correlações entre variáveis
linguísticas e sociais (classe social, gênero, idade, escolaridade etc.).
Já a segunda onda apresenta uma abordagem etnográfica e seu objetivo é
mostrar como o vernáculo recebe uma identificação com determinada comunidade de
47
fala. Nesses estudos, é possível notar o valor social que as variantes em estudo
recebem por parte dos falantes de um determinado local, sendo o foco os conceitos de
comunidades de fala e de identidade de grupo. Em relação à concordância no sintagma
nominal, é preciso ressaltar que a ausência da marca morfológica é estigmatizada
socialmente e sua aquisição coloca o falante em posição de prestígio, ainda que a
abordagem se baseie em categorias sociais amplas como gênero, faixa etária e
escolaridade.
Por último, a autora descreve a terceira onda para os estudos linguísticos. Essa
terceira onda combina os postulados das duas primeiras; entretanto seu foco não está
na comunidade de fala e sim na comunidade de prática. Entende-se por comunidade
de prática o conjunto de indivíduos que possuem perspectivas, valores e conhecimento
em comum e esses indivíduos interagem entre si. Dessa forma, nessa terceira onda, o
foco está na variação como uma maneira de identificação social. Conforme Eckert
(2012), toda variação pode receber um valor social independentemente de essa
avaliação ser conscientemente controlada ou socialmente significativa. Esse
agrupamento de indivíduos (comunidade) domina perspectivas, valores e
conhecimento, interagindo entre si para, na prática, aperfeiçoar esses valores e
conhecimentos.
Essa terceira onda surge com o objetivo de criar análises mais confiáveis e que
represente melhor um determinado grupo social, uma região ou até mesmo a
variedade do português brasileiro. Para os autores, as pesquisas que observam a
comunidade de prática podem construir um corpus que realmente seja representativo
para uma comunidade.
Ainda nesse estudo, os autores apresentam alguns corpora que estão sendo
formados a partir dos postulados dessa terceira onda (Banco de fala culta de
Itabaiana/SE, Banco de falares sergipanos e Banco de dados FALA-Natal). Portanto,
para a constituição desse material, os pesquisadores precisam conhecer mais
detalhadamente o perfil de seus informantes, conhecendo algumas particularidades da
sua vida pessoal, como o que gostam de fazer nas horas livres, se pertencem a algum
grupo (igreja, clube, esporte) e até sua rotina diária. Somente dessa forma, de acordo
com os autores, é possível formar um corpus que seja realmente representativo de
certa comunidade.
48
Este trabalho se preocupará em descrever o processo da concordância de
número no português do Brasil e analisar as motivações para a presença ou ausência
da marca [s] de plural, com a finalidade de comprovar se há, realmente, um aumento
na realização da regra da concordância, relacionando este aumento ao fator nível de
escolaridade. Não será uma pesquisa tipicamente nos moldes da terceira onda, pois
não será possível o conhecimento detalhado de cada informante – no caso, de cada
aluno. Mas o perfil das localidades em que as escolas se encontram já contribui para o
conhecimento do perfil socioeconômico dos alunos pertencentes a essas instituições
de ensino que compõem o nosso corpus.
3.2. Redação como gênero textual
Esta pesquisa tem como corpus redações escolares; por isso, faz-se necessária
uma breve explicação sobre esse gênero, pois há uma discussão sobre esse tipo de
produção, já que se tem dúvida sobre a redação ser ou não um gênero textual. Há muitos
trabalhos que discutem esse tema, como Pilar (2002), Zanutto e Oliveira (2004), ambos
voltados para a redação de vestibular. Nesses trabalhos, a redação é considerada um
gênero textual, um gênero que é tipologicamente heterogêneo.
Entretanto, também tem sido comum a confusão entre gêneros e tipologia
textual. Muitos professores acreditam que tais palavras são sinônimas, acreditam que
gênero e tipo de texto são iguais, mas, de acordo com muitos linguistas, há uma
diferença nítida entre eles.
Sabe-se que a palavra gênero não é nova entre nós. Desde a época dos gregos já
se ouvia falar em gêneros, relacionados, em sua maioria, ao ambiente literário, como o
gênero lírico, narrativo, dramático. Porém, agora essa palavra tem sido usada com um
sentido mais amplo, referindo-se a diversas manifestações textuais, como a carta, a
reportagem e a crônica.
Foi Bakhtin (1992) o primeiro a levar a discussão sobre gêneros para além da
literatura. Segundo ele, os textos que se produzem em diferentes situações de
comunicação possuem particularidades e são essas particularidades que os definem e os
distinguem um do outro.
De acordo com Bakhtin (op.cit.), os gêneros do discurso são repertórios que as
pessoas utilizam para interagirem umas com as outras e, por isso, são tipos
49
relativamente estáveis. Isso não quer dizer que os gêneros textuais são estáticos; pelo
contrário, eles podem sofrer alterações de acordo com as mudanças sociais de um povo.
Nessa visão, a noção de gênero textual está relacionada ao funcionamento da linguagem
na sociedade e, além disso, os gêneros são estáveis, podendo permanecer nessa e em
outras gerações futuras, assim como podem ser bases para o surgimento de novos
gêneros. Ainda segundo o autor, os gêneros são caracterizados por três elementos
essenciais: tema, organização estrutural e estilo. Esses três elementos se fundem para
formar um enunciado.
Para Bronckart (1999), os gêneros também são estáveis e servem como
instrumento para a realização de determinadas funções da linguagem. Assim, os gêneros
são moldados de acordo com a situação em que os interlocutores estejam inseridos.
Como os gêneros estão ligados às atividades humanas, eles são numerosos.
Já para Swales (1990), os gêneros são mais de que um conjunto fechado de
objetos textuais parecidos, semelhantes, eles constituem eventos codificados dentro de
processos comunicativos. Além disso, os gêneros podem exibir tendências universais ou
específicas de uma cultura, podem variar conforme a sociedade e, por isso, cada
comunidade desenvolve seus próprios gêneros.
Tanto para Marcuschi (2002) como para Bazerman (2009 apud VIGNOLI,
2011), o gênero surge a partir das relações sociais. Assim, os gêneros estão relacionados
com a maneira como as pessoas caracterizam suas atividades sociais e,
consequentemente, estabelecem fatos sociais que devem ser considerados verdadeiros
para que existam.
Marcuschi (2002) afirma que o gênero não apresenta apenas um papel
linguístico, mas também cumpre um papel cultural e social em uma comunidade. Dessa
forma, é a situação comunicativa e a sua funcionalidade que o definem. Para o autor, os
gêneros são maleáveis, dinâmicos e tipologicamente heterogêneos, pois podem conter
diferentes tipologias. Surgem a partir da necessidade sociocultural de um lugar assim
como também a partir das tecnologias. Logo, os gêneros podem surgir e desaparecer de
uma sociedade já que são situados no tempo. Conforme Marcuschi, os gêneros são mais
caracterizados pelas suas funções cognitivas, comunicativas e sociais do que por
aspectos puramente linguísticos e estruturais. Mas, é claro que a forma não é algo
descartável para a identificação de um gênero, só não é um fator que pode particularizá-
lo.
50
Apesar de definições diferentes, é possível notar que os autores citados
relacionam a definição de gênero com aspectos sociais. Para eles, o gênero está ligado a
uma sociedade, cumprindo papel cultural dentro dela e sendo um elemento essencial
para a interação entre as pessoas. Os gêneros podem servir como meios para atingir fins,
como, por exemplo, conhecer a cultura de uma comunidade. Dessa forma, os gêneros
textuais são heterogêneos, múltiplos e marcam situações sociais específicas.
Já a tipologia textual é uma construção teórica definida por aspectos linguísticos
como tempos verbais, aspectos lexicais e sintáticos. Essa definição de Marcuschi para
tipo de texto é defendida por diversos estudiosos como J. Michel Adam (1990) e Jean
Paul Bronckart (1999). Segundo Adam (1992), as tipologias são mais homogêneas e sua
estabilidade permite sua determinação mais facilmente, diferentemente dos gêneros, que
são inúmeros. Assim, os gêneros são componentes da interação social, enquanto as
tipologias são elementos linguísticos que se organizam formando um gênero. Portanto,
as tipologias se realizam dentro de um gênero.
No quadro abaixo, há uma síntese sobre as diferenças entre gênero e tipologia.
Esse quadro foi extraído de Marcuschi (2002):
Gêneros Textuais Tipos Textuais
1. realizações linguísticas concretas definidas por
propriedades sócio-comunicativas;
1. constructos teóricos definidos por
propriedades linguísticas intrínsecas;
2. constituem textos empiricamente realizados
cumprindo funções em situações comunicativas;
2. constituem sequências linguísticas ou
sequências de enunciados no interior dos
gêneros e não são textos empíricos;
3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e
praticamente ilimitado de designações concretas
determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e
função;
3. sua nomeação abrange um conjunto
limitado de categorias teóricas determinadas
por aspectos lexicais, sintáticos, relações
lógicas, tempo verbal;
4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta
comercial, carta pessoal, aula expositiva, romance,
reunião de condomínio, lista de compras, conversa
espontânea, cardápio, receita culinária, inquérito
policial.
4. designações teóricas dos tipos: narração,
argumentação, descrição, injunção e
exposição;
Tabela 1: Gêneros textuais x Tipologias textuais (Marcuschi, 2002).
Desse modo, é possível perceber novamente a noção de interação social para a
definição de gênero, além de seu aspecto funcional. Já as tipologias são caracterizadas
por seu aspecto puramente linguístico e, sozinhas, não constituem um texto, formam
apenas sequências através de um conjunto de traços. Ademais, os tipos textuais fazem
parte de um conjunto fechado e limitado, diferente do gênero; por isso, as tipologias
51
podem ser determinadas e são apenas cinco, conforme Marcuschi (2002): narração,
descrição, argumentação, exposição e injunção.
Essa classificação usada por Marcuschi (2002) não é compartilhada por todos os
autores, mas é a mais conhecida entre estudantes e professores. Em livros didáticos, são
essas categorizações que aparecem como conteúdo para a disciplina redação.
Mesmo com a diferença entre gênero e tipologia, as redações apresentam
dúvidas quanto a sua classificação. Alguns autores defendem que a redação é um gênero
textual, um gênero que apresenta vários tipos (heterogeneidade tipológica). Outros
acreditam que ela seja apenas um tipo de texto que, dependendo do comando proposto
ao aluno, pode ser uma tipologia dissertativa, narrativa ou descritiva.
Como foi visto anteriormente, os gêneros são considerados fatos sociais e
apresentam uma funcionalidade. A redação também é um fato realizado que apresenta
uma função bem específica; por isso, acredita-se que ela é um gênero textual. Assim,
segundo Pilar (2002 apud PAVANI, KÖCHE e BOFF, 2006), as redações de vestibular,
por exemplo, possuem uma função bem determinada: servem como um método para o
ingresso numa faculdade pública. Logo, é um fato social, pois, a partir da redação, o
vestibulando é avaliado e pode ser ou não classificado para concorrer a uma vaga na
Universidade. Flores (2003 apud PAVANI, KÖCHE e BOFF, 2006) também considera
a redação como um gênero. Seria um gênero híbrido, pois há nele diferentes sequências
que formam uma unidade significativa. Ainda conforme Pilar (2002), a redação é um
gênero porque cumpre uma função específica, tem uma organização típica e ocorre em
situações exclusivas de produção.
Pilar apresenta três variáveis que, segundo ela, podem identificar uma redação
num contexto escolar. Essas variáveis são perguntas acerca do texto e, segundo Gouveia
(2012), são padrões linguísticos presentes no próprio texto. Assim, qualquer produção
escrita poderia ser feita, partindo-se desses aspectos. Observe:
1. Campo => responde a questão “que?” e seria a abordagem do tema, o
conhecimento assumido.
2. Teor => responde a pergunta “quem?” e se refere aos envolvidos no
processo de produção.
3. Modo => responde a pergunta “como?” e está associado à estrutura do
texto e aos traços contextuais.
52
Outro fato que comprova que a redação é, sim, um gênero textual é a sua função
interativa. De certa forma, ao escrever uma redação, o aluno ou vestibulando interage
com o professor (banca), pois ele escreve um texto para ser avaliado. Sendo assim, com
bases em todos esses argumentos, é possível classificar a redação como um gênero
textual. Um gênero que pode abarcar vários tipos de textos e pode também possuir
subgêneros como, por exemplo, uma redação de vestibular que exija do candidato uma
carta argumentativa. Nesse caso, a carta é um gênero e está dentro de outro gênero
maior que seria a redação; entretanto, a tipologia a ser usada é a argumentação.
De acordo com Bakhtin (2003), há três pontos que definem um gênero: conteúdo
temático, organização estrutural e estilo. Pensando na redação como um gênero e
fazendo uma relação com esse “tripé” bakhtiniano, pode-se dizer que as redações não
possuem um tema específico; elas podem abordar diferentes assuntos, desde moda,
esporte até política. O tema depende da proposta da redação.
Sobre a forma, a redação apresentará uma organização estrutural, a depender
também da proposta sugerida. É comum, em um processo de vestibular, se pedir textos
argumentativos; mas, em algumas faculdades, há possibilidade de escolha, podendo o
vestibulando optar por um texto argumentativo, narrativo ou fazer uma carta
argumentativa. No entanto, no ensino escolar, é possível que o aluno se depare com
mais tipos e gêneros textuais. Nas séries iniciais, é comum a narrativa, encontrada em
contos, crônicas, por exemplo. Com o passar dos anos, os alunos vão se deparar com
outros tipos de textos encontrados em outros gêneros, como a notícia, o anúncio
publicitário, o poema, a receita, entre muitos, em que diferentes tipologias aparecerão.
Assim, considerar a redação como um gênero, segundo Pilar (2002), é uma forte
ferramenta para o professor, pois permitirá que mostre aos alunos como o gênero pode
ser um instrumento de ação social e um meio de interação entre as pessoas, além de
ampliar a visão do aluno limitado às tipologias tão consagradas no ensino, como a
narração, descrição e dissertação.
Nessa pesquisa, a redação é considerada um gênero que pode apresentar
diferentes tipologias textuais. Desse modo, o trabalho apresenta uma variável que
codifica a tipologia em que se encontram os dados analisados e não o gênero, já que a
redação escolar é o gênero que serviu de corpus para o estudo do fenômeno da
concordância nominal.
53
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS
4.1. Constituição do corpus
4.1.1. Redações
Como já foi mencionado na introdução, o corpus do trabalho é composto por
redações escolares de alunos do ensino Fundamental II, de quatro escolas diferentes.
Duas dessas escolas são públicas e duas são particulares e se encontram em localidades
distintas uma das outras.
Para a constituição desse corpus, desejava-se conseguir vinte redações por ano
de escolaridade, divididas em gênero – dez femininas e dez masculinas – em todas as
instituições escolares. Contudo, isso não foi possível, pois em algumas séries/anos não
havia essa quantidade de alunos ou não havia a quantidade de meninos ou meninas que
se desejava. Assim, o quadro abaixo mostra detalhadamente como esse corpus foi
constituído, a partir das limitações encontradas, sabendo que isso não atrapalharia o
resultado da pesquisa, já que o programa estatístico utilizado – GoldVarb-X – pondera
essas assimetrias.
Ano de escolaridade / Gênero
Instituição
6º ano 7º ano 8º ano 9º ano
F M F M F M F M
Colégio e curso Esplendor 10 10 7 8 10 10 10 7
Colégio ZeroHum 6 4 10 10 10 10 10 8
E. M. Oswaldo Teixeira 10 10 10 10 10 10 10 10
E. M. Fernando Azevedo 7 10 10 10 10 10 10 10 Tabela 2: quantidade de redações por ano de escolaridade, gênero e instituição.
Dessa forma, foram analisadas, ao total, 297 redações. Do Colégio e Curso
Esplendor havia 72 redações, já do colégio ZeroHum havia 68. Nas escolas municipais,
foi mais fácil conseguir o número de redações desejáveis, devido ao maior número de
turmas. Assim, da Escola Municipal Oswaldo Teixeira, foram coletadas 80 redações; já
da Escola Municipal Fernando Azevedo, foram coletadas 77 redações.
Em relação ao ano de escolaridade, no 6º ano coletaram-se 67 redações, no 7º
ano 75, no 8º ano analisaram-se 80 redações e no 9º ano foram também 75 redações. O
54
número de redações foi menor no 6º ano, pois algumas turmas eram pequenas, com
poucos alunos.
4.1.2. Localização das escolas pesquisadas
As informações abaixo foram coletadas com base no Censo de 2000 (Cavallieri;
Lopes, 2008), realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Trata-se de
indicadores que expressam o Índice de Desenvolvimento Social (IDS), bem como o
ranqueamento das localidades analisadas quanto ao seu Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH).
O IDS é uma avaliação do atendimento às necessidades básicas do cidadão e é
calculado a partir da observação dos quesitos i) acesso ao saneamento básico, ii)
qualidade habitacional, iii) grau de escolaridade e iv) disponibilidade de renda, cujos
resultados são comparados aos de outras cidades em diferentes situações econômicas.
Trata-se, pois, de um medidor da qualidade de vida dos habitantes das localidades
consideradas.
Já o IDH teve por objetivo “desviar o foco do desenvolvimento da economia e
da contabilidade de renda nacional para políticas centradas em pessoas” (HAQ, 1995
apud CAVALLIERI; LOPES, 2008), medindo o bem estar humano a partir do nível de
educação da população. A taxa de analfabetismo se mede pelo número de pessoas com
quinze anos ou mais que não concluiu o primeiro ciclo de estudos (Ensino
Fundamental). Outro indicador é a taxa de escolarização, que se relaciona à soma das
pessoas matriculadas no ensino fundamental, médio, superior, supletivo e pós-
graduação, dividida pelo total de pessoas entre 7 e 22 anos da localidade. Considera-se
ainda a longevidade, a expectativa de vida ao nascer e a quantidade de anos que uma
pessoa pode viver. Tal medida reflete as condições de saúde e de salubridade da
localidade, considerando o número de mortes precoces. Além desses fatores, a renda per
capita da população – outro comparativo – é calculada a partir do poder de compra. O
IDH mede, enfim, o desenvolvimento das localidades, estando ambos os índices (IDH e
IDS) intimamente relacionados.
55
4.1.2.1. Particulares
4.1.2.1.1. Jardim Guanabara – Ilha do Governador
Das quatro localidades pesquisadas, Jardim Guanabara, pertencente à 20ª.
Região Administrativa (R.A. Ilha do Governador), é a que apresenta melhor Índice de
Desenvolvimento Social e Índice de Desenvolvimento Humano. Embora não figure na
Zona Sul do Rio de Janeiro, seu Índice de Desenvolvimento Social é de 0,0745,
ocupando a 15ª posição entre os bairros da cidade do Rio de Janeiro, de acordo com
dados de 2008 (CAVALLIERI; LOPES, 2008), e apresenta o 3º. melhor IDH do
município (.963).
Jardim Guanabara é um bairro valorizado na Zona Norte da cidade do Rio de
Janeiro e surgiu do loteamento do terreno da Fábrica de Produtos Cerâmicos Santa
Cruz. Tem como caracterísitca ser bastante residencial e, no entorno, cercado de
restaurantes, bares, áreas de lazer e praias (da Bica e do Engenho Velho) que, apesar de
não ser banhável por encontrar-se nos fundos da Baía de Guanabara, é ponto de
encontro de moradores pertencentes à classe alta e média-alta. Outra característica é que
não está próximo a comunidades carentes, e a existência de um clube (Iate Clube Jardim
Guanabara – 1953) e do Parque Municipal Marcello de Ipanema (1995), com uma
preservada área verde.
4.1.2.1.2. Vila da Penha
O bairro de Vila da Penha, pertencente à 14ª. Região Administrativa (R.A. -
Irajá), ocupa o 21º. lugar, no que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano
(0,909), e o 36º. lugar em relação ao índice de Desenvolvimento Social, em comparação
às demais cidades, e o 6º. lugar, em relação aos demais bairros da Zona Norte
(CAVALLIERI; LOPES, 2008). Trata-se de um bairro residencial de classe média e tem
sido alvo da expansão imobiliária nos últimos anos. Suas origens remontam a época dos
engenhos de açúcar e aguardente da região, que, com a falência, foram desmembrados
por seus proprietários em vários terrenos.
A Vila da Penha faz limites com os bairros de Vista Alegre, Brás de Pina e Vila
Kosmos, apresentando variadas opções de lazer, tais como: espaço para caminhada e
56
prática de esportes (Largo do Bicão), bares, restaurantes e redes de fast foods, casas de
espetáculo (Olimpo), clube (Mello Tênis Clube e casa do Viseu), além de um grande
shopping e da lona cultural João Bosco, uma espécie de anfiteatro herdado da ECO-92,
em que são oferecidos desde shows a diversos cursos gratuitos ou de baixo custo. O
bairro conta, ainda, com infraestrutura de comércio e uma biblioteca em construção
(Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Meneses), cujo projeto arquitetônico é de
Oscar Niemeyer.
4.1.2. 2. Públicas Municipais
4.1.2.2.1. Quintino Bocaiúva
O bairro de Quintino, pentencente à 15ª Região Administrativa (Méier), localiza-se
na Zona Norte da cidade e apresenta Índice de Desenvolvimento Humano de 0, 850,
equivalendo ao 55º lugar. Seu Índice de Desenvolvimento Social é 0,603, o 63º lugar, entre as
cidades do Rio de Janeiro. Trata-se de um bairro residencial, com uma população de cerca de
40.000 habitantes.
Em Quintino, funciona o complexo Centro de Educação Técnica e Profissionalizante,
onde estão a Escola Técnica Estadual República, o Instituto Superior de Tecnologia em Ciências
da Computação do Rio de Janeiro, além de instituições que oferecem cursos de idiomas,
técnicos e profissionalizantes, contando com as escolas municipais Osvaldo Teixeira, Quintino
Bocaiúva e Haiti, e particulares João Lyra Filho e Guarany.
Nos anos 1960 e 1970, Quintino apresentava vida social movimentada,
com associações sociais e recreativas com torneios de futebol, ranchos carnavalescos
(Decididos de Quintino, Aliados de Quintino e Aliança), que atraíam visitantes de
vários lugares. Mas, a partir de 1980, a decadência dos ranchos, que tentaram
transformar-se em escolas de samba, desencadeou também a decadência da vida social
do bairro e consequente aumento da violência. Isso distanciou os vizinhos dos bairros
limítrofes Cascadura, Cavalcante, Piedade, Freguesia, Tanque e Praça Seca.
4.1.2.2.2. Santa Cruz
Santa Cruz, pertencente à 19ª. região administrativa, é um extenso bairro
populoso de classe média, média-baixa e baixa, também da Zona Oeste da cidade,
57
cortado pela malha ferroviária urbana e localizando-se bastante distante do centro do
Rio de Janeiro. Possui paisagem diversificada, com áreas comerciais, residenciais e
industriais, sendo sede da XIX Região Administrativa. Seu Índice de Desenvolvimento
Humano é de 0, 742, sendo o 119º colocado na cidade do Rio de Janeiro, e Índice de
Desenvolvimento Social 0,476, 147º lugar, o mais baixo dentre as localidades
pesquisadas. Faz limites com os municípios de Itaguaí a oeste e Seropédica a norte, e os
bairros de Sepetiba ao sul, Paciência e Cosmos a leste e Guaratiba a sudoeste.
É região em franco desenvolvimento, em função da instalação do Porto de
Itaguaí; no entanto, por ser uma região muito ampla, apresenta contrastes como o fato
de ser um dos bairros mais populosos e, ao mesmo tempo, conter grandes áreas
despovoadas e inexploradas.
Santa Cruz foi área em que se localizava a Fazenda de Santa Cruz, grande
engenho de açúcar que, com a chegada da família Real, foi transformada em local de
veraneio, sendo o antigo convento adaptado às funções de paço real - Palácio Real de
Santa Cruz. A fazenda chegou a produzir excelente chá, cuja produção era totalmente
comercialidada, além de ter sido palco de grandes eventos históricos, como a assinatura
da lei de alforria dos escravos do governo imperial pela princesa Isabel; foi uma das
primeiras localidades a se beneficiar com o sistema de entrega em domicílio de cartas
pelo correio, tendo sede ali a primeira agência dos Correios (1842), bem como teve
instalado o primeiro telefone, comunicando-se com o Paço de São Cristóvão e a estação
de trem (1878). Em função de sua importância, Santa Cruz deu sede a vários palacetes,
como o Palacete Princesa Isabel, o Marco Onze, a Fonte Wallace, e teve até o Hangar
do Zeppelin. No entanto, depois da Proclamação da República, Santa Cruz perdeu seu
prestígio, embora muitos imigrantes estrangeiros tenham desenvolvido o comércio
(árabes) e a agricultura local (japoneses), na década de 1930, e transformado o bairro
em grande produtora de alimentos para todo o Rio de Janeiro.
Já na década de 1970, o bairro passou a importante distrito industrial, sediando
grandes indústrias, e hoje se encontra em crescimento, com comércio desenvolvido e
um sistema educacional público e privado que supre adequadamente a demanda por
educação básica. No entanto, há carência no ensino médio tanto de rede pública quanto
privada. Para atender a demanda por mão-de-obra qualificada, há o CETEP e o o
SESI/SENAI, que oferecem vários cursos profissionalizantes. O bairro ainda sedia o
Batalhão Escola de Engenharia e a Base Aérea de Santa Cruz. Apesar disso, a
58
localidade enfrenta diversos problemas relacionados ao sistema de transporte,
saneamento básico, meio ambiente, tráfico de drogas, além da ação de milícias nas
comunidades carentes.
Quanto à saúde pública, Santa Cruz é servido pelo Hospital Municipal D. Pedro
II e postos de saúde, com destaque ao Hospital Dom Pedro II, além da Policlínica
Lincoln de Freitas e vários hospitais privados. Porém, a maior parte dos moradores
(70%) depende do sistema público de saúde e sofre com a falta de médicos e leitos da
rede de hospitais.
Segue abaixo uma tabela comparativa dos quatro municípios considerados:
Bairro Esp. de vida ao nascer (em
anos)
Freq. Alfab.
de adultos
(%)
Freq. escolar
(%)
Renda per
capita (2000)
IDH longevidad
e
IDH educação
ÍDH renda
IDH ÍDS (2008)
3º Jd.
Guanabara
80,47 98,92 111,15 1316,86
0,924 0,993 0,972 0,963 0.745 (15º.)
21º. Vila da
Penha
77,64 98,79 103,71 669,34 0,877 0,992 0,859 0,909 0,663 (36º.)
55º. Quintino
Bocaiúva
73,91 96,80 91,97 424,67 0,815 0,952 0,783 0,850 0,605 (63º.)
119º. Santa Cruz 65,52 93,19 79,82 206,23 0,675 0,887 0,662 0,742 0,476 (147º.)
Tabela 3: dados estatísticos sobre os bairros estudados.
Como se vê, é possível construir um continuum referente a todas as informações
do quadro, mostrando que o bairro de Jardim Guanabara apresenta os melhores índices
no que tange à qualidade de vida, tendo o 3º melhor IDH do município, e o bairro de
Santa Cruz, na outra ponta do continuum, apresenta os índices mais baixos em todos os
quesitos do quadro. Já os bairros de Vila da Penha e Quintino ficam no meio do
continuum, pois apresentam resultados superiores ao de Santa Cruz, mas inferiores ao
bairro do Jardim Guanabara. Dessa forma, pode-se dizer que há uma gradação, de
acordo com suas características socioeconômicas.
Continuum referentes às condições de vida.
+ -
Jd. Guanabara Vila da Penha Quintino Bocaiúva Santa Cruz
59
Segue abaixo o mapa do Estado do Rio de Janeiro, com destaque à localização
dos bairros considerados na pesquisa, com fins à visualização da distribuição espacial
de cada um deles em relação ao centro sócio-cultural (Centro).
4.1.3. Dados excluídos
A amostra foi constituída por qualquer tipo de SN que apresentasse pelo menos
uma marca formal de número em um de seus elementos. Entretanto, alguns desses SNs
tiveram que ser excluídos por diferentes motivações que serão explicitados nessa seção.
Os nomes próprios de estados ou países foram excluídos (Estados Unidos, Minas
Gerais, Buenos Aires), pois são SNs cristalizados e, assim, merecem um estudo à parte.
Do mesmo modo, foram excluídos, também, os casos de pluralia tantum – são aqueles
plurais que expressam amplitude e apresentam um correspondente no singular muito
60
pouco usual ou cuja marca de número perdeu sua funcionalidade. Assim, SNs que
possuíam vocábulos como férias, óculos e costas foram retirados da análise.
Há, ainda, SNs do tipo “um mundo cheio de fantasias” ou “um enredo cheio de
peripécias” em que não há uma obrigatoriedade da marca formal de número no núcleo
do SN, até porque a presença do artigo um indetermina esse núcleo. Por isso, esses
casos foram eliminados da análise.
Por fim, houve um caso de inversão na ordem do sujeito em uma sentença e, por
isso, o predicativo e o sujeito ficaram juntos, mas não formavam um SN. Desse modo,
esse dado foi excluído, já que a concordância entre sujeito e predicado não constitui
objeto de estudo nessa pesquisa (“Ficaram todos felizes.”).
4.2. Variáveis
Sabe-se que há alguns fatores de caráter linguístico e social que atuam no
fenômeno da concordância nominal, ora favorecendo a marca formal de número <s> ora
desfavorecendo-a.
Assim, para esse fenômeno, existem duas variantes dependentes: a presença de
marca morfológica de concordância e a ausência dessa marca (“seus irmãos” / “os
inseto ᴓ”). Essas variantes são consideradas dependentes, pois a presença de uma ou
outra variante depende de fatores de ordem estrutural e social que influenciam na sua
ocorrência.
4.2.1. Variáveis linguísticas
4.2.1.1. Saliência fônica
A variável saliência fônica observa o processo morfofonológico de formação do
plural de cada item que compõe o SN analisado. Essa variável apresenta seis variantes
que podem representar um continuum de mais concordância a menos concordância,
partindo do plural mais saliente para o menos saliente, respectivamente, conforme a
tabela abaixo.
61
1ª vocábulos com plural duplo ou metafônico olho - olhos
2ª vocábulos terminados em –l animal - animais
3ª vocábulos terminados em –ão e no grau aumentativo situação - situações
casarão - casarões
4ª vocábulos terminados em -r flor - flores
5ª vocábulos terminados em –s freguês - fregueses
6ª vocábulos terminados em vogal ou vogal + nasal ou no
diminutivo (plural regular)
feia - feias
personagem -
personagens
menininho -
menininhos Tabela 4: constituição da variável saliência fônica.
Vale dizer que essa escala não é invariável. Scherre (1988) mostrou que os
falantes do primeiro e do antigo ginasial apresentaram resultados diferentes para as
variantes -ão e -l. Já o trabalho de Silva (2008), que fez um estudo comparativo das
décadas de 70 e 90, mostrou outro continuum para a escala saliência como se pode ver a
seguir:
Plural duplo > singular em ão > singular em /R/ > singular em /S/ > singular em /l/ > regular
Além disso, é interessante notar que essa variável tem se mostrado relevante
para o fenômeno da concordância, pois em muitos trabalhos tem sido selecionada como
muito significante para a presença ou ausência da marca formal de número. A hipótese
inicial para essa variável é a de que os elementos mais salientes, como o plural duplo e
os vocábulos terminados em -l e –ão, favorecerão a variante <s>, enquanto os plurais
menos salientes favorecerão a variante estigmatizada <0>.
4.2.1.2. Tonicidade
Essa variável analisa a tonicidade dos elementos que constituem o SN estudado,
com o objetivo de verificar se os monossílabos e os oxítonos favorecem a regra, ao
passo que os vocábulos proparoxítonos a desfavorecem, como já foi atestado em outros
trabalhos (SCHERRE, 1988).
Desse modo, nessa variável, há três variantes:
62
1ª monossílabos tônicos e palavras oxítonas pés/alguns
2ª monossílabos átonos e palavras paroxítonas as/ cabelos
3ª palavras proparoxítonas fotógrafos
Tabela 5: constituição da variável tonicidade.
4.2.1.3. Número de sílabas
A variável número de sílabas averigua se os termos com maior número de
sílabas tendem a ser mais marcados, enquanto aqueles com menor número de sílabas
tendem a ser menos marcados, já que apresentam pouco material fônico e, assim, seriam
menos perceptíveis.
Essa variável também apresenta quatro variantes, de acordo com a quantidade de
sílabas de cada palavra presente no SN analisado.
1ª vocábulos monossílabos os
2ª vocábulos dissílabos for - tes
3ª vocábulos trissílabos co - mi - das
4ª vocábulos polissílabos per- so - na - gens Tabela 6: constituição da variável número de sílabas.
4.2.1.4. Posição linear e relativa do constituinte no SN
Essa variável também tem sido bastante relevante para o fenômeno da
concordância nominal e, em alguns trabalhos, chega a ser a variável com maior
relevância, como no trabalho de Silva (2008) e de Brandão e Vieira (2012) para a
variedade do português do Brasil.
A hipótese é a de que os elementos pré-nucleares sejam mais marcados e os
elementos pós-nucleares receberiam menos marca de número. Além disso, nessa
variável também se observa o comportamento do núcleo do SN, dependendo da posição
que ele ocupe no sintagma.
Assim, essa variável apresenta dez variantes. São elas:
63
1ª Núcleo na 1ª posição listras marrons
2ª Núcleo na 2ª posição alguns parentes
3ª Núcleo na 3ª posição muitos outros lugares
4ª Núcleo na 4ª posição em diante as nossas típicas comidas
5ª Pré-nuclear na 1ª posição algumas instruções
6ª Pré-nuclear na 2ª posição todos os dias
7ª Pré-nuclear na 3ª posição em diante com os meus pais
8ª Pós-nuclear na 1ª posição exercícios anaeróbicos
9ª Pós-nuclear na 2ª posição as sobrinha mais velha
10ª Pós-nuclear na 3ª posição em diante jogos olímpicos muito importantes
Tabela7: constituição da variável Posição linear e relativa do constituinte no SN.
4.2.1.5. Marcas no elemento precedente
A variável marcas no elemento precedente observa os elementos que antecedem
os termos a serem analisados dentro do SN. Desse modo, averigua-se a influência dos
elementos precedentes para a realização ou não da regra formal de número. Essa
variável deseja comprovar se “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”
(SCHERRE, 1988). Assim, as variáveis posição linear e relativa do constituinte no SN
e marcas no elemento precedente não são antagônicas e nem se sobrepõem, pois
enquanto a primeira variável verifica se há relevância para o fenômeno da concordância
a posição em que um termo se encontra dentro de um sintagma, a segunda analisa a
possível interferência do elemento antecedente para a presença ou ausência da marca -s
de plural no termo subsequente.
Portanto, essa variável apresenta nove variantes, como se pode ver na tabela a
seguir. O termo em negrito é o termo que se analisa.
1ª ausência de elemento precedente ᴓ nas cidades
2ª ausência de marca morfológica no
elemento precedente
aᴓ olimpíadas
os olhoᴓ preto
porção de pedregulhoᴓ grosso
3ª presença da marca morfológica [s] no
elemento ou elementos precedentes
todos esperançosos
dos seus familiares
4ª termo semanticamente plural com presença
de marca de número
porções de pedregulho grosso
5ª termo semanticamente plural sem presença
de marca de números
farda [farta] de alimentos
6ª elemento imediatamente precedente é um
numeral
dois bancários
duas agências bancárias
7ª presença de um elemento precedente
invariável
exercícios muito pesados
Tabela 8: constituição da variável Marcas no elemento precedente.
64
4.2.1.6. Animacidade
A variável animacidade deseja observar o traço +/- humano, +/- animado e +/-
coletivo dos termos que constituem o SN, verificando se algum desses traços é relevante
para o fenômeno da concordância de número no português.
Segundo Scherre (1988), o traço + humano é significativo para a presença da
marca formal de plural, pois os termos com esse traço são mais salientes. Dessa forma,
tem-se como hipótese para esta pesquisa, que os termos + humanos favoreceriam a
variante prestigiada [s], enquanto os - humanos favoreceriam a variante zero.
Sendo assim, essa variável apresenta quatro variantes:
1ª [- humano] e [- animado] os ovos de ouro
2ª [- humano] e [+ animado] os seus amigos ratos
3ª [+ humano] e [- coletivo] dos garotos
4ª [+ humano] e [+ coletivo] as equipes
Tabela 9: Constituição da variável animacidade.
4.2.1.7. Tipologia textual
Essa primeira variável social analisa o tipo de texto em que se encontra o SN em
estudo, com o objetivo de verificar se a tipologia textual influencia na presença ou
ausência do morfema flexional de número. Desse modo, seguindo Marcuschi (2002), há
cinco tipologias textuais e estas cinco são as variantes presentes na pesquisa.
1ª Narração “Nunca sexta-feira, os garotos jogavam bolinhas de gude, num conto
da rua.”
2ª Descrição “Ele tem pintas embaixo dois olhos...”
3ª Argumentação “Eu acho esses jogos muito importantes porque mostra que pessoas
sem braços e sem pernas têm força de vontade e força para vencer, que
não é só as pessoas que não são deficientes podem participar.”
4ª Injunção “Comece a fazer exercícios físicos muitos de preferência natação...”
5ª Exposição “O Brasil nas olimpíada conseguiu 3 medalhas de ouro e nas
paraolimpíadas sabe quantas medalhas de ouro o Brasil teve?” Tabela 10: constituição da variável tipologia textual.
65
4.2.2. Variáveis sociais
4.2.2.1. Ano de escolaridade
A variável ano de escolaridade verifica a ação da escola para aquisição da
regra de concordância. Dessa maneira, coletaram-se dados de informantes do 6º ao 9º
ano, a partir de suas produções textuais, observando se há um crescimento no índice
da variante padrão sobre a variante estigmatizada, já que se sabe o quão grande é a
força normativa da escola no que tange ao fenômeno da concordância.
A hipótese inicial é de que haja um continuum crescente de marcação da
concordância, que vai dos alunos do 6º ano até os do 9º - passando pelos alunos do 7º e
8º anos, respectivamente. Isso se deve ao forte estigma social que tal variante recebe e à
ação normativa da escola, pois o conteúdo concordância nominal é, normalmente,
ensinado nas séries finais do ensino fundamental II (8º ou 9º ano). Portanto, essa
variável apresenta quatro variantes:
6º ano
7º ano
8º ano
9º ano
Tabela 11: constituição da variável
ano de escolaridade.
4.2.2.2. Gênero/ Sexo
Nessa variável, verifica-se se a regra de cancelamento ou realização da marca
morfológica de número é maior entre falantes do gênero/sexo masculino ou feminino.
Conforme Scherre (1996), o gênero/sexo feminino possui uma tendência maior à
realização das regras de prestígios. Essa constatação de Scherre é comum na literatura
variacionista, pois se acredita que as mulheres são mais sensíveis que os homens para
perceber qual variante recebe maior prestígio social e, desse modo, elas utilizam em
menor percentual a variante estigmatizada.
66
Assim, nessa variável haverá apenas duas variantes: gêneros masculino e
feminino.
4.2.2.3. Localidade
A partir dessa variável, pretende-se estabelecer uma relação entre localização
da escola e classe social, pesquisando em que medida uma regra será mais ou menos
aplicada em uma comunidade linguística. Como já foi exposta na seção referente à
constituição do corpus, a pesquisa coletou redações de quatro lugares distintos,
tentando estabelecer um continuum que parte de um lugar que atende a um público
menos favorecido (Santa Cruz e Quintino Bocaiuva), perpassa por um bairro mais
ascendente com um público misto (Vila da Penha) e finaliza em um bairro de classe
média alta (Ilha do Governador – Jardim Guanabara).
Desse modo, acredita-se que os estudantes da escola que se encontra em Santa
Cruz e Quintino apresentarão maior tendência ao uso da variante <0> do que os
falantes do Jardim Guanabara, devido ao contato linguístico que tais estudantes
recebem do meio social em que se encontram, além dos contrastes relativos ao nível
socioeconômico revelados pelos IDH e IDS de cada bairro.
Há quatro variantes para a variável localidade. São elas:
Quintino Bocaiúva
Santa Cruz
Vila da Penha
Jardim Guanabara
Tabela 12: constituição da
variável localidade.
4.2.2.4. Natureza da instituição
A penúltima variável social está relacionada à instituição às quais as escolas são
vinculadas. Muito se tem discutido sobre a educação formal no país, apontando
inúmeras vezes para a supremacia do ensino privado sobre o ensino público. Dessa
maneira, a partir dessa variável, será possível uma discussão sobre as diferenças e
67
semelhanças entre o ensino particular e público, já que a presente pesquisa coletou
dados de duas escolas da rede privada de ensino e duas da rede pública.
4.2.2.5. Faixa etária
Essa última variável extralinguística desejava verificar a aquisição da marca
morfológica de número, considerando que os informantes mais jovens são menos
pressionados pela norma escolar do que os de maior idade, além de partir do
pressuposto de que a estabilidade linguística se dá em torno de quinze anos. Essa
análise, então, leva em conta a possibilidade de que informantes mais jovens tendam a
marcar menos a concordância.
Uma observação a ser feita acerca dessa variável é que se verificou não haver
uma correspondência entre ano escolar e idade, havendo, assim, uma mistura de faixa
etária em cada ano de escolaridade. Logo, apesar de se controlar a idade, esse corpus é
constituído por informantes que ainda estão adquirindo estabilidade linguística.
Portanto, essa variável é composta por sete variantes que abrangem alunos de
dez a dezessete anos.
68
5. ANÁLISE DOS DADOS
5.1. Resultados gerais
Com as 297 redações analisadas, foram coletados 2.659 elementos que
constituíam os SNs plurais observados. Dentre esses elementos, 2.507 apresentaram a
marca morfológica de número e apenas 150 exibiram a variante ᴓ. Esse resultado
corresponde a 94,5% de concordância contra 5,5% de não concordância entre os termos
do SN.
Portanto, pelo resultado obtido, é coerente dizer que o fenômeno da
concordância nominal se enquadra na regra laboviana do tipo III – regra variável –, já
que apresenta percentuais entre 5% a 95%, porém esse percentual está bem próximo de
uma regra semi-categórica (95% a 99%). Dessa maneira, vale ressaltar que se trata de
escrita em que há a influência da escola, pois todas as produções textuais foram feitas
no ambiente escolar.
Outro fator relevante é que as redações foram produzidas como forma de
avaliação e, por isso, havia, ainda, uma pressão maior sobre a escrita desses alunos. Nas
escolas municipais, a prova de produção textual era uma avaliação da Secretaria
Municipal de Educação, que observa, a partir de uma série de provas, o desempenho dos
alunos do ensino público, assim como o desempenho dessas escolas e dos professores
que ali trabalham.
Assim, a partir desse resultado, pode-se afirmar que a hipótese sobre o aumento
da concordância no PB foi comprovada, pois nesse corpus houve um número bem
maior de concordância padrão na escrita. Na fala, Scherre (1988) e Vieira e Brandão
(2012) já mostravam que havia uma preferência pela concordância padrão tanto no
português do Brasil como em outras variedades do português. Com isso, percebe-se que
a escola vem cumprindo seu papel de manter a norma padrão, principalmente na escrita,
mas também tem trazido para a fala, variantes até então restritas à escrita formal.
Na seção seguinte, apresentam-se, minuciosamente, os resultados dessa
pesquisa, mostrando os fatores que condicionaram a presença da marca formal de
número nesses 2.659 dados. Os elementos em análise estão em negrito, para uma
melhor visualização.
69
5.2. Análise das variáveis selecionadas
Antes de mostrar os resultados das variáveis selecionadas, é importante dizer
que a variável natureza da instituição – pública ou privada – foi excluída da análise,
pois estava se sobrepondo a variável localidade, já que cada escola pertence a um dos
bairros analisados. Ainda assim, na seção 4.2.3 haverá comentários sobre a influência da
natureza da instituição, que está intimamente ligada à localidade onde essas escolas se
encontram.
Para a pesquisa, foi usada como fator de aplicação a variante prestigiada [s],
ainda que também tenham sido analisados os fatores que cancelam a marca de
concordância padrão na escrita. O input geral foi de 0.944, e o input da melhor rodada
selecionada foi de 0.962 e o nível de significância, 0.013.6
Cabe esclarecer os resultados dos percentuais e pesos relativos das tabelas.
Nestas, embora os percentuais de concordância sejam elevados, os pesos relativos
mostram-se desfavoráveis à aplicação da marca morfológica de concordância, em
alguns contextos. Como esclarecem Guy e Zilles (2007: p. 211-213), o GoldvarbX
fornece “uma representação abstrata dos efeitos de contexto independentemente dos
níveis gerais de uso de um processo”. Os pesos são relativos a um ponto neutro (.50).
Assim, os resultados abaixo deste ponto neutro indicam que esses contextos são
desfavoráveis à concordância nominal, ainda que os percentuais não revelem isso. A
análise multivariada faz essa ponderação, sendo confiável a análise do peso relativo: “os
valores dos pesos darão uma indicação superior dos efeitos do contexto” (p. 213).
Dessa forma, o programa selecionou seis variáveis, na seguinte ordem de
significância: marcas no elemento precedente, animacidade, localidade, ano de
escolaridade e posição linear relativa do constituinte no SN. Observa-se, pois, a co-
atuação de variáveis linguísticas e sociais.
Na variável posição linear e relativa do constituinte no SN, houve um fator que
apresentou comportamento categórico, ou seja, não houve variação nesse contexto.
6 O input consiste no ponto de referência para aplicação da regra, “o nível geral de uso de determinado
valor da variável dependente” (GUY, ZILLES, 2007: 238). O nível de significância corresponde à medida
que define o grau de confiança dos resultados obtidos; são estatisticamente significativos os índices iguais
ou inferiores a .005, e o peso relativo é o resultado da análise probabilística da correlação entre as
variáveis em estudo, “indica o efeito deste fator sobre o uso da variante investigada neste conjunto (...) o
peso é „relativo‟ ao nível geral de ocorrência da variante, indicada pelo input”: quanto mais próximo de 1
(um), mais o fator favorece a aplicação da regra (op. cit., p. 239).
70
Assim, na variável posição linear e relativa do constituinte no SN, a variante pré-
nuclear na 3ª posição (“... e depois ele fez todos os seus trabalho.”) apresentou 100%
de concordância padrão e foi amalgamada à variante pré-nuclear de 2ª posição para
manter uma coerência metodológica, já que as variantes núcleo na 3ª e na 4ª posições e
pós-núcleo na 2ª e na 3ª posições também foram unificadas
Os resultados detalhados de cada variável selecionada serão explicitados nas
seções a seguir.
5.2.1. Marcas no elemento precedente
A primeira variável selecionada é marcas no elemento precedente que observou
a influência do elemento anterior para a ausência ou presença de concordância no
elemento imediatamente posposto, com o objetivo de verificar se “marcas levam a
marcas e zeros levam a zeros”, como já foi atestado em outros trabalhos (SCHERRE,
1988).
Assim, nessa variável, foram feitas algumas junções de acordo com o
comportamento semelhante das variantes. Dessa forma, amalgamaram-se as variantes
ausência de marca morfológica no elemento precedente (“ᴓ muitos apelidos”) e
presença de um elemento precedente invariável (“essas orelhas tão grande”), pois em
ambas as variáveis há a ausência de uma marca morfológica de número. Uniram-se,
ainda, as variantes em que o elemento precedente era um termo semanticamente plural
com presença de marca de nº (“as porções de pedregulho groso”), termo
semanticamente plural sem presença de marca de nº (“a maioria dos jovens”) e
numeral (“dois litros”). Essa junção foi feita, já que todos esses elementos precedentes
possuíam uma carga semântica de plural. A tabela 5 adiante mostra o resultado dessa
variável para o fenômeno da concordância nominal.
71
Marcas no elemento precedente Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.013
Aplic./total % PR
Ausência de elemento precedente 1.081/ 1.113 97% .58
Termo preced. semantica// plural (numeral) 144/158 94% .46
Presença de marca no elemento precedente 1.229/1.302 94% .46
Aus. de marca no elem. precedente (+ pal.
invariáveis)
55/ 86 64% .13
Tabela 13: atuação da variável marcas no elemento precedente – concordância padrão.
Pela tabela, é possível notar que apenas a variante ausência de elemento
precedente favoreceu a concordância de número, com peso relativo de .58 e 97%
(1.046/1.063) de concordância padrão. Esse resultado é coerente, já que essa variante
corresponde à primeira posição do SN. Logo, se não há nenhum elemento
imediatamente anterior, este, obrigatoriamente, precisa apresentar a marca de número
para que a noção de plural seja estabelecida.
- ausência de elemento precedente:
“ela ganhou ᴓ [muitos apelidos]” (aluna do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo
Teixeira)
“e o mais importante lavar ᴓ [as mão]...” (aluno do 7º ano – Colégio ZeroHum)
“Mas, qual será a melhor? a tecnologia ou ᴓ [as brincadeira antigas]?” (aluno do 6º
ano – Colégio Esplendor)
“ela ficou ᴓ [alguns dia] sem falar com sua amiga” (aluna do 8º ano – Escola
Municipal Fernando Azevedo)
Em Scherre (1988), também se obteve o mesmo resultado: ausência de elemento
precedente favorece a marca no elemento da 1ª posição. Esse resultado, segundo a
autora, pode ser explicado pela teoria funcionalista kiparskiana: Condições de
distintividade (KIPARSKY, 1972 apud SCHERRE, 1988). Segundo essa teoria, há uma
tendência de se preservar na estrutura superficial de uma palavra aquelas informações
72
que são semanticamente relevantes. Dessa forma, quando o -s é fundamental para dar
ideia de plural, ele, necessariamente, aparece.
Camacho (2013) também considerou essa variável para a análise da
concordância nominal e também encontrou um percentual alto (98%) de concordância
padrão quando não havia nenhum elemento precedente, ou seja, quando o termo
ocupava a 1ª posição do SN sem nenhum elemento anteposto a ele. Entretanto, nesse
trabalho, essa variável apresentou um peso relativo de .51, revelando um
comportamento de neutralidade para a ausência ou presença da marca [s] de número,
diferentemente do resultado aqui encontrado.
Sobre a variante termo precedente semanticamente plural/ numeral, nota-se que
há um desfavorecimento para a regra de número, pois apresentou peso relativo de .46,
apesar de apresentar 94% (144/158) de marca morfológica de concordância.
- termo precedente semanticamente plural/ numeral:
“um monte de coisas” (aluna do 9ª ano – Colégio Esplendor)
“uma porção de pedregulho grosso” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
“milhares de carros” (aluna do 8ª ano – Colégio Esplendor)
“dois relógio” (aluna do 8ª ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“Três histórias e três mulheres de diferentes gerações” (aluna do 8º ano – Escola
Municipal Fernando Azevedo)
Tanto em Camacho (2013) quanto em Scherre (1988), constatou-se que o termo
semanticamente plural com marca de número favorece a regra (“milhões de coisas”) e o
termo semanticamente plural no singular (“uma porção de carro”) a desfavorece. O
numeral, nos dois trabalhos, também favorece a regra de número, porém apresentou um
peso relativo próximo à neutralidade (.53 em Camacho, 2013). Já no estudo de Scherre
(1988), o peso relativo se mostra desfavorecedor, no que tange à fala de crianças (.49), à
semelhança do que ocorre nesta pesquisa, que considera a fala infanto-juvenil. No
entanto, na fala de adultos, essa variante mostrou-se favorecedora da concordância
(.59), revelando que possivelmente tal resultado pode estar correlacionado com o fator
escolaridade.
73
Todavia, Scherre (1988) também juntou, em sua análise, os termos
semanticamente plurais com e sem marca de número (porções de/porção de) e também
chegou a um resultado de desfavorecimento da marca de número com peso relativo de
.16 – na fala de crianças – e .45 – na fala adulta.
A conclusão a que se chega é que os SNs partitivos desfavorecem a morfologia
de número (Princípio Funcionalista da Economia Linguística), pois, como já carregam
em si a noção de plural, a presença da marca formal –s seria uma redundância. Além
disso, sabe-se que a preposição bloqueia a ocorrência de variante -s nos substantivos
subsequentes, como ocorre nos casos de plural de palavras e locuções como pés-de-
moleque, doces de leite, maçãs do amor, mesmo nas locuções verbais (Ele andou a
falar/Eles andaram a falar).
Outra variante que também desfavoreceu a regra de concordância é presença de
marca morfológica no elemento precedente que exibiu um peso relativo de .46 com
94% (1.229/1.302) da variante prestigiada -s. Parece que, nesse contexto, o Princípio da
Economia Linguística influencia o fenômeno da concordância, já que o -s na 2ª posição
se torna irrelevante e, por isso, pode ser apagado, uma vez que a marca de número
apareceu no elemento anterior. Assim, há uma tendência a eliminar redundâncias.
- presença de marca morfológica no elemento precedente:
“todas as bolinha” (aluna do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“as criança” (aluna do 7º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“as sobrinha mais velha” (aluna do 7º ano – Escola Municipal Fernando
Azevedo)
“Esses preconceito” (aluno do 9º ano – Colégio Espendor)
Entretanto, em Scherre (1988), a marca na 1ª posição favorece a marca na 2ª
posição. De acordo com a autora, esse resultado contraria a hipótese funcionalista da
economia, em que a marca -s só apareceria quando necessária/distintiva. Portanto, nesse
contexto, há outro princípio atuando, um princípio formal em que “marcas levariam a
marcas e zeros levariam a zeros” (paralelismo formal). Além disso, para Scherre (1988),
quanto mais marcas formais aparecerem nos elementos precedentes, maior é o
favorecimento da regra (“as maiores privações” / “as partidas todas iguais”).
74
Camacho (2013) também confirma a hipótese de paralelismo formal nesse contexto e
também diz que quanto mais marcas formais precedentes, maior é o favorecimento para
a inserção de marca de plural no elemento seguinte – .50 (“os meus companheiros”),
porém quando há mistura de marca, a chance de marcação de número diminui – .20
(“pro meus filho”). Todavia, vale dizer que .50 representa um comportamento neutro e
não um favorecimento, como afirmou Camacho (2013, p. 187).
Desse modo, em relação à variável presença de marca no elemento precedente,
os dados da escrita de alunos do Ensino Fundamental II revelam comportamento
diferenciado, atuando o Princípio da Economia Linguística pela marcação dos
elementos mais à esquerda do SN.
A última variante a ser analisada é ausência de marca morfológica no elemento
precedente/termo precedente invariável, em que se considera também a presença de um
termo invariável como elemento precedente (preposições – “plantaram pés de cocos” -
e advérbios – “seres menos dignos”/”os cara mais rápido”). Esse foi o contexto que
apresentou o menor peso relativo (.13) e o menor percentual de presença da marca
morfológica de número (64% - 55/86). Dessa forma, esse contexto parece ser o mais
desfavorecedor da regra de número.
- ausência de marca morfológica no elemento precedente/ termo precedente invariável:
“porções de areia ᴓ fina” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
“os cara mais rápido” (aluno do 8ª ano – Colégio ZeroHum)
“esses olhos tão grande” (aluno do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo
Teixeira)
“esse ᴓ olhos tão grande” (aluna do 6º ano - Escola Municipal Oswaldo
Teixeira)
Para Scherre (1988) e Camacho (2013), quando não há marca morfológica de
número no primeiro elemento precedente do SN, categoricamente aparece um -s na
posição seguinte (dOᴓ meus pais). Mais uma vez, Scherre defende a teoria kiparskiana
de distintividade, em que a marca morfológica de número se concretiza apenas quando
há necessidade, isto é, quando ela é fundamental para atribuir noção de número. À
semelhança dos resultados de Scherre (1988), foram encontradas ocorrências dessa
75
natureza (“E também as crianças não pode jogar aᴓ suas vida fora...”) que também
apresentaram comportamento categórico. No entanto, nesta pesquisa, tais dados foram
codificados juntamente com aqueles, cujo SN apresentava elemento precedente sem
marca morfológica, não figurando na primeira posição (“os olhoᴓ preto”; “porções de
areiaᴓ fina”).
Vale dizer que dentre os 86 dados presentes nessa variante – ausência de marca
morfológica no elemento precedente/termo precedente invariável –, 39 apresentam um
termo invariável (advérbios e preposição). Desses, apenas 8 casos não continham a
marcação de número no termo seguinte:
- SNs com termo precedente invariável:
“Chapeuzinho pegotou para que [esse olhos tão grande]” (aluna do 6º ano – Escola
Municipal Oswaldo Teixeira)
“Quando ela bateu na porta ele perguntou, para que [esses olhos tão grande].” (aluno
do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“ela falou que [olhos tão grede] você tem vovozinha” (aluna do 6º ano – Escola
Municipal Fernando de Azevedo)
“vovó pra que [essas orelhas tão grande]?” (aluna do 6º ano – Escola Municipal
Fernando de Azevedo)
“vovó pra que [esses olhos tão grande]?” (aluna do 6º ano – Escola Municipal
Fernando de Azevedo)
“ao redor dela, havia parentes, amigos,[as sobrinha mais velha]” (aluna do 7º ano –
Escola Municipal Fernando de Azevedo)
“eu tenho que fazer [mais muito deveres], provas etc..”. (aluno do 6º ano – Colégio
Esplendor)
“um exemplo disso foi um corredor paraolímpico que com as pernas “mecanicas”
correu nas olimpíadas e chegou entre os primeiros correndo com Bolt e [os cara mais
rápido do mundo]...” (aluno do 8º ano – Colégio ZeroHum)
Com o objetivo de conferir se ocorre a atuação do Princípio do Paralelismo
Formal ou da Economia Linguística na variável marcas no elemento precedente, fez-se
76
uma rodada, retirando-se os SNs partitivos7 e aqueles que apresentavam um termo
invariável (preposição e advérbios), ficando apenas os numerais (“dois dias”) e as
ocorrências de ausência de marca no elemento precedente do tipo “nas coisa sujas”.
Ficaram, portanto, apenas os SNs simples. Os resultados seguem na tabela abaixo:
Marcas no elemento precedente Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2401/2498 = 96,1%
Input inicial 0.961
de seleção 0.976
Significância 0.038
Aplic./total % PR
Ausência de elemento precedente 1.046/ 1.063 98% .65
Numeral 125/130 96% .54
Presença de marca no elemento precedente 1.207/1.278 94% .36
Ausência de marca no elemento precedente 23/ 27 85% .20 Tabela 14: atuação da variável marcas no elemento precedente sem os SNs partitivos e com
termo invariável – concordância padrão.
Como se pode observar, a variante ausência de elemento precedente continua
favorecendo a concordância padrão no elemento seguinte com peso relativo de .65 e
98% (1.046/1.063) de presença da variante -s (“ os dentes com a ponta fina”).
Outra variante que favoreceu a regra de concordância é numeral que exibe um
peso relativo de .54 e 96% (125/130) de frequência (“três histórias” “dois relógio”). A
hipótese é de que há uma tendência de marcas semelhantes se agruparem, mesmo que
essa marca seja apenas semântica, mesma conclusão a que chega Scherre (1988).
Há, ainda, a variante presença de marca no elemento precedente que continuou
desfavorecendo a regra de número com peso relativo de .36 e 94% (1.207/1.278) de
concordância nominal padrão. Nesse contexto, pode-se dizer que o Princípio da
Economia Linguística continua atuando, pela tendência em eliminar informações
redundantes.
7 Nesta pesquisa, procedeu-se a uma análise somente sem os termos partitivos com o objetivo de
averiguar um possível enviesamento dos resultados. Entretanto, essa nova rodada selecionou as mesmas
variáveis, na mesma ordem de relevância, eliminando, apenas, a variável Posição linear e relativa do
constituinte no SN. Portanto, conclui-se que esse tipo de SN não “prejudicou” a análise como um todo,
mas somente algumas variáveis, já que esses SNs se encontravam, majoritariamente, em um corpus
especifico – 9º ano do Colégio ZeroHum, Ilha do Governador. Além disso, decidiu-se permanecer com os
partitivos na análise em consonância com outros trabalhos, como Scherre (1988) e Camacho (2012).
77
Por fim, há a variante ausência de marca no elemento precedente, considerando
apenas casos de SNs simples do tipo “os docinhos” “as criança”, excluindo-se as
ocorrências de SNs partitivos (“porções de pedregulho fino”) e os SNs com termo
invariável (“os demais personagens”), com o intuito de averiguar qual princípio rege o
fenômeno da concordância nesse contexto. Assim, como se vê pela tabela, o peso
relativo dessa variante é de .20 e o percentual é de 85% (23/27). Logo, é possível
afirmar que esse contexto continua sendo o mais desfavorecedor para a aplicação da
regra de número. Ao que tudo indica, a ausência de marca no termo precedente leva à
não-marcação no termo seguinte; em outras palavras, é o Princípio do Paralelismo
Formal que está presente, mostrando que “zeros levam a zeros”.
De outro lado, é possível considerar, numa análise refinada dos pesos relativos,
que atua o Princípio do Paralelismo Formal. Observando novamente a tabela 14,
Marcas no elemento precedente Concordância
padrão
PR
Ausência de elemento precedente .65
Numeral .54
Presença de marca no elemento precedente .36
Ausência de marca no elemento precedente .20 Tabela 14: atuação da variável marcas no elemento precedente sem os SNs
partitivos e os termos invariáveis – concordância padrão
nota-se que se não há nenhuma elemento antecedendo o termo sob análise, a marca
morfológica obrigatoriamente tem de aparecer para garantir a noção de plural (.65) Atua
aí o Princípio da Distintividade Funcional, ou seja, retém-se a informação
semanticamente relevante.
“muitas coisas” (aluno do 9º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“uns biscoitos” (aluna do 6º ano – Escola Municipal Fernando de Azevedo)
No caso de o elemento em análise ser antecedido por um numeral, já se nota a
atuação do Princípio do Paralelismo Formal, tendo em vista que a noção semântica de
plural implica a marca morfológica –s no termo subsequente, ainda que indique
neutralidade (.54).
78
“um dos livros” (aluno do 7º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“dez mil crianças” (aluno do 8º ano – Colégio Esplendor)
O mesmo se pode dizer a respeito da variável presença de marca morfológica no
elemento precedente. Ainda que o peso relativo indique ser um contexto desfavorecedor
(.36), verifica-se uma maior tendência à presença da variante -s do que naquele contexto
em que o elemento precedente se apresenta sem marca morfológica (.20). Nesse sentido,
“marcas levam a marcas e zeros levam a zeros” (SCHERRE, 1988).
“nossas florestas” (aluna do 8º ano – Colégio Esplendor)
“vários seres humanos” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
Portanto, parece que, nos dados da modalidade escrita dessa pesquisa, há dois
princípios regendo o fenômeno da concordância: o Princípio da Distintividade
Funcional, nos contextos em que a marca -s é fundamental para estabelecer a ideia de
plural (ausência de elemento precedente), e o Princípio do Paralelismo Formal, nos
contextos em que há a tendência de formas semelhantes aparecerem juntas: numeral
(semanticamente plural) e presença de marca no elemento precedente levam à marca no
elemento subsequente, e ausência de marca no elemento precedente leva a ausência de
marca no elemento subsequente.
5.2.2. Animacidade
A segunda variável selecionada é animacidade. Esta variável observa o traço +/-
humano, +/- animado e +/- coletivo dos elementos do sintagma analisado. A tabela
abaixo mostra o resultado para essa variável. Vale informar que não houve dados do
tipo [+ humano] e [+ coletivo] no corpus.
79
Animacidade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.013
Aplic./total % PR
[+ humano] e [- coletivo] 365/375 97% .72
[- humano] e [- animado] 2.117/ 2.248 94% .46
[- humano] e [+ animado] 27/36 75% .22 Tabela 15: atuação da variável animacidade – concordância padrão.
Uma análise global permite afirmar que há uma oposição entre núcleos [+
humanos] e [- humanos], já que a variante [+humano] e [- coletivo] apresenta peso
relativo .72 (97% dos dados), ao passo que tanto os de traço [- humano - animado]
quanto os de traço [- humano + animado], ou seja, objetos e animais, apresentam pesos
relativos desfavorecedores da marca formal de concordância (.46, 94% dos dados; .22,
75% dos dados, respectivamente).
- [+ humano] e [- coletivo]:
“os jogadores” (aluna do 8º ano – Colégio ZeroHum)
“os professores” (aluna do 7ª ano – Colégio Esplendor)
“os turistas” (aluna do 8º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
- [- humano] e [- animado]:
“os outros capítulo” (aluna do 8ª ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“as cores do guarda-chuva” (aluna do 8º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
- [- humano] e [+ animado]:
“as formiga” (aluno do 7º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“os seus amigos rato” (aluna do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
Também Scherre (1988) afirma que o traço humano é o mais significativo para o
fenômeno, por ser mais saliente. A autora mostrou que as variantes [+ humano] e [-
80
coletivo] e [+ humano] e [+ coletivo] favoreceram a concordância de número (.59, 61%;
.65, 66%, respectivamente). Já as variantes [-humano] e [- animado] e [- humano] e [+
animado] desfavoreceram a marca explícita de plural (peso relativo de .44, 52% e .33,
36%, respectivamente).
Também no trabalho de Vieira e Brandão (2012), as autoras confrontaram o
português do Brasil e o português de São Tomé e Príncipe e, em ambas as variedades do
português, a variável animacidade foi selecionada como um fator relevante, mostrando
que os núcleos [+ humanos] exibem mais marcas de plural que os núcleos [- humanos].
Com os resultados encontrados nesta pesquisa, pode-se inferir que o traço [+
humano] é uma motivação importante para o não cancelamento da marca morfológica
de número, fato comprovado também em outras pesquisas.
5.2.3. Localidade
A terceira variável relevante para o fenômeno da concordância nominal é a
localidade. Essa variável observa o lugar em que se encontram as escolas, verificando a
importância do contexto social para o fenômeno em estudo. Assim, a próxima tabela
mostra esse resultado:
Localidade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.013
Aplic./total % PR
Vila da Penha 826/856 96% .61
Santa Cruz 513/543 95% .51
Ilha do Governador 723/766 94% .48
Quintino 446/494 90% .32 Tabela 16: atuação da variável localidade – concordância padrão.
Como se nota, os informantes da escola Municipal localizada em Quintino
apresentaram maior tendência ao cancelamento da marca -s de plural (.32, 90% -
446/494), enquanto os do colégio na Vila da Penha favorecem a variante prestigiada
(.61, 96% - 826/856). Já aqueles da Escola Municipal em Santa Cruz e na Ilha do
81
Governador apresentaram um peso relativo que revela neutralidade (.51, 95% - 513/543;
.48, 94% - 723/766, respectivamente), no que tange ao uso da variante de prestígio, com
um leve favorecimento para a escola em Santa Cruz e desfavorecimento para a escola
que fica no Jardim Guanabara – Ilha do Governador. Desse modo, os resultados da
variável localidade podem ser representados por este continuum:
- concordância + concordância
Quintino Ilha do Governador Santa cruz Vila da Penha
Esse resultado não confirma as hipóteses iniciais desta pesquisa. Acreditava-se
que o colégio na Ilha do Governador fosse aquele que apresentaria maior tendência à
concordância, devido a fatores sócio-econômicos já comentados na seção 4.1.2.1, como
o maior índice de educação (0,993), a maior taxa de frequência escolar e de
alfabetização de adultos (111,15 e 98,92, respectivamente), além de ser o lugar que
ocupa a 3ª posição no ranking de melhor IDH do município (.963).
Também se postulava que a Escola Municipal em Santa Cruz fosse aquela com a
menor tendência à concordância, em função dos baixos índices socioeconômicos, como
o menor percentual de alfabetização de adultos (93,19) em relação às demais
localidades, o menor índice de frequência escolar (79,82) e o menor índice de
desenvolvimento social em 2008 (0,476), este muito abaixo dos outros bairros
considerados.
Talvez o resultado de quase neutralidade para o colégio da Ilha do Governador
tenha alguma relação com o tipo de dado presente no corpus produzido pelos falantes
dessa instituição, já que a maior parte são do tipo uma porção de, um monte de, uma
camada de (partitivos) estava nas redações desses alunos. Como foi mencionado, tanto
o pré-núcleo como o núcleo desses elementos partitivos apareceram, em sua maioria,
sem marca de número. Em alguns casos, até os termos posteriores não recebem a marca
de -s plural:
“uma porção de pedregulho fino” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum – Ilha
do Governador)
“um monte de doentes” (aluna do 8º ano – Colégio ZeroHum – Ilha do
Governador)
82
“pela camada de pedregulhos finos” (aluna do 9º ano – Colégio ZeroHum – Ilha
do Governador)
Ao se proceder à análise retirando os SNs do tipo uma porção de, a maioria de,
um monte de e os SNs que apresentavam termo precedente invariável, a hipótese inicial
pôde ser comprovada: Santa Cruz e Quintino (onde se localizam as escolas municipais)
desfavorecem a aplicação da regra de número (.38 e .24, respectivamente). Já os bairros
Vila da Penha e Jardim Guanabara/Ilha de Governador (onde se localizam as escolas
particulares) a favorecem (.64 e .60, respectivamente), confirmando-se agora o
favorecimento da concordância na Ilha e não mais a neutralidade. Observe a tabela e o
novo continuum para a variável localidade:
Localidade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2401/2498 = 96,1%
Input inicial 0.961
de seleção 0.976
Significância 0.038
Aplic./total % PR
Ilha do Governador 715/734 98% .64
Vila da Penha 698/708 97% .60
Santa Cruz 492/512 96% .38
Quintino 436/479 91% .24 Tabela 17: atuação da variável localidade sem os SNs partitivos e os
termos invariáveis – concordância padrão.
- concordância + concordância
Quintino Santa cruz Vila da Penha Ilha do Governador
Com base nesta variável e no fato de que cada localidade corresponde à natureza
da instituição pesquisada (pública ou privada), podem-se comparar os seus
desempenhos. Assim, as escolas privadas (Vila da Penha e Ilha) tenderam ao
favorecimento da regra padrão, ao passo que as públicas (Santa Cruz e Quintino)
tenderam a um desfavorecimento. Tal resultado pode refletir a qualidade do ensino, o
que corrobora os índices apresentados na tabela 17, do item 5.2.3, no que se refere aos
adultos alfabetizados (93,19 e 96,80, respectivamente), frequência escolar (79,82 e
83
91,97, respectivamente) e educação (0,887 e 0,783, respectivamente), todos mais baixos
do que os encontrados para Vila da Penha e Jardim Guanabara/Ilha do Governador.
É relevante, ainda, mostrar algumas observações sobre essas instituições, para
que se possa ver a diferença entre elas. Primeiramente, é importante saber que as escolas
municipais – Quintino e Santa Cruz – foram aquelas que apresentaram um corpus mais
completo, com maior número de redações, porém apresentaram menor número de dados
(498 e 542, respectivamente). Isso porque, apesar de haver número maior de produções
textuais, essas redações eram bem pequenas, muitas não passavam de dois parágrafos.
Além disso, essas redações apresentavam um modelo de construção, ou seja, a
maioria delas seguia um padrão de escrita, talvez ensinado durante as aulas, para que os
alunos conseguissem produzir bom texto na prova da Secretaria Municipal de Educação.
Por isso, algumas redações começavam da mesma maneira, como uma receita (“Dos
livros que li nesse bimestre” ou “Dos livros lidos esse bimestre” – muitos alunos do 7ª
ano da Escola Municipal Fernando Azevedo).
Esse fato é relevante, já que os professores e as escolas não querem ser avaliadas
negativamente, pois, em função disso, podem perder benefícios que o município
distribui àquelas escolas que tiverem um desempenho satisfatório. Desse modo, talvez o
percentual de concordância padrão (90% - Quintino e 95% Santa Cruz) não reflita
exatamente o que é produzido por essas comunidades, como demonstra o valor dos
pesos relativos (.32 e .51, respectivamente).
Uma observação importante a se fazer se refere à produtividade de cada
instituição. As escolas particulares exibiram redações maiores e, por isso, obtiveram-se
mais dados. Foram mais de 200 dados de diferença entre as escolas públicas e as
privadas. Aparentemente, esse é um fato irrelevante, já que o programa faz essa
ponderação. No entanto, essa diferença mostra uma realidade diferente entre essas
instituições, pois foi possível inferir que os alunos das escolas particulares escrevem
mais, estão mais acostumados com a prática da escrita e, talvez, tenham até mais
facilidade, ainda que não se tenha encontrado redação considerada como um modelo de
escrita. Os alunos dos colégios da Ilha e da Vila da Penha produziram redações menos
presas a receitas, mais criativas e de diferentes tipologias, a depender do ano escolar do
aluno, enquanto as escolas municipais produziram em massa a narração, em todos os
anos de escolaridade.
84
Contudo, não se pode afirmar, categoricamente, que essas diferenças advenham
da natureza da instituição (pública x privada), já que não foi possível controlar a ação
dessa variável. Dessa maneira, o resultado aqui encontrado é uma questão relacionada
aos bairros estudados, com suas especificidades sociais, econômicas e culturais.
5.2.4. Ano de escolaridade
A última variável selecionada pelo programa é ano de escolaridade. Essa
variável observou a influência da série/ano escolar sobre o fenômeno da concordância.
Seguem os resultados expostos na tabela a seguir:
Ano de escolaridade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.013
Aplic./total % PR
6º ano 440/468 94% .46
7º ano 508/545 93% .42
8º ano 896/928 97% .61
9º ano 665/718 93% .42 Tabela 18: atuação da variável ano de escolaridade – concordância padrão.
Pela tabela, percebe-se que a única variante que favorece a concordância é 8º
ano que apresenta um peso relativo de .61 e um percentual de 97% (896/928) para a
variante -s. A fim de averiguar o comportamento dessa variante, fizeram-se alguns
cruzamentos com o objetivo de analisar fatores que pudessem favorecer a concordância
no 8º ano. Assim, o cruzamento entre ano de escolaridade e tipologia textual mostrou
um resultado interessante, pois foi possível notar que nesse ano escolar havia o maior
número de textos argumentativos. Dos 507 trechos argumentativos presentes no corpus
como um todo, 377 (74%) estavam nas produções do 8º ano e apenas 9 deles (2%) não
exibiram a variante padrão. Já os outros anos de escolaridade apresentavam, em grande
número, fragmentos narrativos, enquanto o 8º ano apresentava apenas 23% de narração.
Nas narrações presentes nos textos dos alunos, havia o uso de diálogos entre os
personagens, escrita em 1ª pessoa, de modo subjetivo e, por isso, pode apresentar traços
85
mais informais. Tal informalidade pode estar se revelando na menor preocupação com a
escrita.
“Chapeuzinho pegotou para que esse olhos tão grande” (aluna do 6º ano – Escola
Municipal Oswaldo Teixeira)
“Mais uma crianças não gostava e então o velho falo – o que vocês quer e as criança
falou...” (aluna do 7º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“Veno a historia as joaninha aseto a oferta e derrotarão os gavanhoto e as
formiga agradesero muito as juaninha e assim que terminão a historia.” (aluno do 7º
ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
Por outro lado, a argumentação é um tipo de texto em que se exige a
impessoalidade, a objetividade, não há diálogo, mas sim uma tese que deve ser
defendida com argumentos. Desse modo, na escola, o uso dessa tipologia exige mais
formalidade, pois requer maior monitoramento por parte daquele que o produz.
“Por exemplo tsunames causados pelo aumento do nível do mar, pois as calotas
polares estão se derretendo porque o calor esta aumentando.” (aluna do 8ª ano –
Colégio Esplendor)
“As paralimpiadas são tão importantes quanto as olimpíadas porque todos têm
direito de ser um atleta mesmo tendo uma deficiência.” (aluna do 8º ano – Colégio
ZeroHum)
“Para mim, as Parolimpiadas são tão importante quanto as olimpiedas porque
são pessoas com problemas físicos mostrando que um problema físico não é motivo de
você deichar de ir atraz do seu sonho.” (aluno do 8º ano – Colégio ZeroHum)
Portanto, acredita-se que a argumentação, por exigir maior formalidade, tenha
favorecido a presença da variante prestigiada -s na produção do 8º ano, assim como a
narração desfavoreceu a regra padrão por apresentar um menor monitoramento e uma
maior liberdade expressiva.
Já a variante 6º ano exibiu um peso relativo de .46 e 94% (440/468) de
concordância padrão. Pelo peso relativo, pode-se dizer que essa variante revelou um
86
comportamento quase neutro para o fenômeno em questão, com um pequeno
desfavorecimento da regra.
Por outro lado, as variantes 7º ano e 9º ano apresentaram um comportamento
desfavorecedor para a regra de número. Tanto a variante 7º ano como a variante 9º ano
apresentaram peso relativo de .42 e 93% (508/545; 665/718, respectivamente) de
variante prestigiada -s.
O resultado da variante 9º ano pode ser justificado pelos dados presentes no
corpus referentes a esse ano, já que nela se encontra a maior parte dos SNs partitivos.
Como já foi mencionado anteriormente, esses SNs apresentam, em grande parte, o pré-
núcleo e o núcleo sem marca de número. Em alguns casos, até mesmo o SN todo não
apresentava marca formal de plural.
“uma porção de turistais” (aluno do 9º ano – Escola Municipal Oswaldo
Teixeira)
“uma porção de areia fina” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
“uma porção de pedregulho grosso” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
“um monte de coisas” (aluna do 9º ano – Colégio Esplendor)
“a maioria dos negros” (aluna do 9º ano – Colégio Esplendor)
“pela camada de pedregulhos finos” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
A fim de comprovar a interferência desses dados no resultado, procedeu-se a
uma rodada sem os SNs partitivos e os SNs com termo invariável. Durante a análise
multivariada, a variável ano de escolaridade não foi selecionada e, por isso, foi
necessário buscar os resultados no nível 1 da interação computacional, nível em que se
considera cada variável singularmente:
87
Ano de escolaridade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.118
Aplic./total % PR
6º ano 420/439 96% .46
7º ano 498/527 94% .40
8º ano 855/881 97% .56
9º ano 628/651 96% .51 Tabela 19: atuação da variável ano de escolaridade sem os SNs partitivos
e os termos invariáveis – concordância padrão – nível 1 da interação.
A tabela mostra que, mais uma vez, essas ocorrências influenciaram os
resultados das análises das variáveis selecionadas, desta vez na variável ano de
escolaridade.
Dessa forma, nessa nova análise, a variante 9º ano exibiu um peso relativo de
.51 e um percentual de concordância padrão de 96% (628/651). Esse resultado
comprova que os SNs partitivos estavam interferindo no resultado desse ano escolar e,
ainda, confirma, em parte, a hipótese de que há influência da escolaridade na aquisição
da regra de concordância, ainda que o peso relativo não indique um franco
favorecimento da presença da marca morfológica -s, mas um comportamento neutro
(.51).
Portanto, as séries iniciais (6º e 7º anos) apresentaram pesos relativos
desfavorecedores para a regra padrão de número, enquanto o 8º e o 9º anos
favoreceram, discretamente, a presença da variante -s. Todavia, mostrou-se a influência
de outra variável sobre esse resultado, como a tipologia textual argumentação e também
o efeito dos SNs complexos nos dados do 9º ano.
5.2.5. Posição linear e relativa do constituinte no SN
A Posição linear e relativa do constituinte no SN foi a quarta variável
selecionada pelo programa e observou se a posição em que um termo se encontra no SN
influencia na presença ou ausência da marca de número. Além disso, deseja-se
confirmar a hipótese de que os elementos mais à esquerda do SN tendem a favorecer a
88
regra de número, enquanto os termos mais à direita desfavorecem a regra padrão de
concordância.
Fizeram-se algumas junções, de acordo com o percentual e o peso relativo (PR)
que as variantes possuíam. Essas junções foram feitas devido à pequena quantidade de
dados que as variantes apresentavam e pelo comportamento aproximado que revelaram.
Portanto, juntaram-se os elementos pré-nucleares de 2ª e 3ª posição (“pelos
outros animais” / “todos os seus trabalho”) assim como os elementos pós-nucleares de
2ª e 3ª posição (“brincadeiras mais curtas” / “Os aumentos dos filtros solares”) e
também os núcleos de 3ª e 4ª posição (“muitas outras coisas” / “um dos dois filhos”).
Feitas essas observações, o resultado dessa variável pode ser visto na tabela a
seguir:
Ano de escolaridade Concordância padrão
(variante -s)
APL/T 2509/2659 = 94,5%
Input inicial 0.944
de seleção 0.962
Significância 0.013
Aplic./total % PR
Pré-nuclear na 1ª posição 999/ 1.029 97% .58
Pré-nuclear na 2ª/3ª posição em diante 114/ 120 95% .55
Pós-nuclear na 1ª posição 200/ 211 95% .55
Núcleo na 1ª posição 98/ 101 97% .52
Núcleo na 2ª posição 916/ 977 94% .45
Núcleo na 3ª/4ª posição em diante 128/ 143 89% .37
Pós-nuclear na 2ª/3ª posição em diante 54/ 78 69% .20 Tabela 20: atuação da variável Posição linear e relativa do constituinte no SN – concordância
padrão.
A variante pré-nuclear na 1ª posição é a que apresentou o maior peso relativo
(.58) e um percentual de concordância padrão de 97% (999/1.029). Esse resultado
comprova a hipótese de que o termo mais à esquerda do SN favorece a presença da
variante padrão. Além disso, esse contexto equivale a 1ª posição do SN que, como já foi
exposto anteriormente, é um ambiente favorecedor para a concordância de número.
- Pré-nuclear na 1ª posição:
“os acontecimentos de antigamente” (aluno do 7º ano – Colégio Esplendor)
“seus cabelos loiros” (aluna do 6ª ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“do adultos” (aluna do 9ª ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
89
Em muitos trabalhos sobre o tema, essa posição tem se mostrado favorecedora
da concordância. Em Scherre (1988), por exemplo, a autora afirma que se marca
preferivelmente a 1ª posição, independente da classe gramatical do termo, e as outras
posições se tornam desnecessárias.
Camacho (2013), em sua discussão sobre a concordância na fala de indivíduos
de Iboruna, região noroeste do interior de São Paulo, tem por resultado que os
elementos pré-nucleares favorecem a marca explícita (.75, 98%, na 1ª posição e .76,
96%, na 2ª posição do SN).
É interessante notar que o corpus apresentou 30 casos de não concordância nessa
posição (pré-nuclear 1ª. posição). Ao observar esses dados, notou-se que havia SNs do
tipo uma porção de, um punhado, um monte de, em que nem o determinante e nem o
núcleo apresentavam a marca formal de plural (12/30 dados, 40 %), e casos em que o
SN não apresentava marca no pré-núcleo, mas o núcleo recebia marcação: “esse olhos”
(18/30 dados, 60%).
Nesses partitivos, entende-se que a ausência de marca formal no pré-núcleo se
deva ao fato de que o núcleo (a maioria, a maior parte de, uma porção de) carrega o
traço semântico plural, mas não é morfologicamente marcado.
“um grupo de garotas” (aluna do 8ª ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“um punhado de medos” (aluna do 9ª ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“uma porção de pedregulho grosso” (aluno do 9º ano – Colégio ZeroHum)
Ainda entre as ocorrências de pré-núcleo na 1ª posição, há interessantes casos de
não marcação morfológica, conforme se observa nos dezoito exemplos listados abaixo:
“Chapeuzinho pegotou para que <esse ᴓ> olhos tão grande” (aluna do 6º ano – Escola
Municipal Oswaldo Teixeira)
“tenque aprender <a ᴓ > varias matéria tipo: química, ciência, mais com formula,
outras matérias etc...” (aluno do 6º ano – do colégio particular Esplendor)
“mais <muito ᴓ> deveres, provas etc...” (aluno do 6º ano – Colégio Esplendor)
“existe <muito ᴓ> tipos de esporte exemplo: futebol, volei...” (aluna do 7º ano –
Colégio Esplendor)
90
“muitas pessoas começam muito cedo no esporte, sonho de <muita ᴓ> dessas pessoas
é participar da Olimpíada.” (aluno do 7º ano – Colégio Esplendor)
“O melhor, é comer <bastante ᴓ> frutas, de preferência no horário do lanche” (aluna
do 7º ano – do colégio particular ZeroHum).
“Faça <bastante ᴓ> exercícios físicos.” (aluna do 7ª ano – Colégio ZerroHum)
“Mais <uma ᴓ > crianças não gostava de então o velho falo – o que vocês quer e as
criança falou...” (aluna do 7º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“<a ᴓ> olimpíadas é um evento que deixa todos esperançosos, ansiosos e
confiantes” (aluna do 8º ano – do colégio ZeroHum)
“Com isso <a ᴓ> paralimpiedas também ajudou a reduzir o preconceito pois
ganharam muito mais medalhas quanto os atletas das olimpiedas.” (aluno do 8º ano –
Colégio ZeroHum)
“E tambem as crianças não pode jogar <a ᴓ> suas vida fora por causa de um dinheiro
que não vale apenas curti a suas vida e não ficar com sede de dinheiro.” (aluna do 8ª
ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“Quando chegaram perto viram dois grandes e <ferois ᴓ> leões que estava jaula e
ficou desafiando os leões que não saíram de dentro da jaula.” (aluna do 8ª ano – Escola
Municipal Oswaldo Teixeira)
“porque muitas vezes a pessoa que esta desputando <a ᴓ> paralompiadas treinou
tanto quanto a pessoa que vai desputar a olimpíadas.” (aluno do 8º ano – Colégio
ZeroHum)
“já os participantes deficientes precisam mostrar que conseguem fazer esse esporte,
eles necessitam pois <a ᴓ> pessoas que são deficientes não fazem nada.” (aluno do 8º
ano – Colégio ZeroHum)
“Viajar para os outros países como Paris, Roma, Dubais, Disney e <outro ᴓ> países.”
(aluno do 8º ano – Colégio Esplendor)
“As características psicológicas dele era normal, não tinha nenhum problema mental e
<a ᴓ> características físicas de e, pequeno e magro” (aluno do 9º ano – da Escola
Municipal Oswaldo Teixeira)
“ela era dona do Batacra, mundi Falção e <um ᴓ> homens.” (aluno do 9º ano
– Escola Municipal Fernando Azevedo)
“Que e muito extrovertida, brincalhona e adora fazer muitas, muitas perguntas <do ᴓ>
adultos” (aluna do 9º ano – da Escola Municipal Fernando Azevedo)
91
Nota-se que, mesmo em se tratando de determinantes do tipo artigo definido ou
indefinido (um, uma) demonstrativos (esse) e possessivos (meu, minha), a marca
morfológica de número se concretiza, às vezes, apenas no núcleo do SN.
Scherre (1988) também encontrou dados dessa natureza; entretanto, em seu
trabalho, os dados eram da mesma estrutura sintagmática: artigo ou demonstrativo mais
possessivo e um substantivo (no teus filhos / o meus colega). Segundo ela, os falantes
podem estar considerando a contração de no como uma categoria que não se flexiona e,
por isso, não recebem marca formal de plural. Essa interpretação poderia estar se
estendendo também aos artigos diante de possessivos.
Outro trabalho que apresenta dados desse tipo é o de Christino e Silva (2012),
sobre a escrita em Português-Kaingang, em que o primeiro elemento do SN não
apresenta marca formal de número, mas o segundo elemento sim (“a funções” / “o
costumes”). Segundo as autoras, esses casos ocorrem devido a um processo de
Transmissão Linguística Irregular, pois os falantes adultos que produziram esses dados
têm o português como L2 e a língua indígena como L1. Dessa forma, teria havido a
mistura de gramáticas por parte desses falantes decorrente do contato entre o português
e a língua indígena. Além disso, de acordo com Baxter e Lucchesi (2006), é comum
num processo de Transmissão Linguística Irregular a perda da morfologia flexional,
nesse caso, ocorrendo no elemento nuclear, em função de a língua materna dos
indígenas (Kaingang) ser uma língua predominantemente de cabeça à direita, ou seja, a
marcação das categorias morfossintáticas se dá na porção direita do SN.
Entretanto, como esses dados também foram encontrados no corpus da presente
pesquisa na escrita de crianças não indígenas, não é possível ser categórico quanto à
hipótese de Transmissão Linguística Irregular. Parece indicar tratar-se de um processo
natural do sistema linguístico do português, já que está presente em diferentes lugares
em que se fala a língua portuguesa como L1 ou não.
Outro argumento contra a hipótese de Transmissão Linguística Irregular é o
trabalho de Capellari e Zilles (2002), no qual estudaram a marcação de plural na fala
infantil de crianças de uma escola particular de Porto Alegre. Nesse estudo, as autoras
encontraram dados do tipo a minhas prima, em que a marca de número não está
presente no primeiro elemento do SN. Conforme as autoras, nesses casos há um
processo de assimilação entre o artigo e o possessivo e, deste modo, a marcação de
número continuaria no primeiro elemento “aminhas prima”.
92
Apesar de muitas justificativas para o apagamento da marca de número no
elemento pré-nuclear de 1ª posição, um fato não se pode negar: esses dados estão
presentes no português como um todo, em falantes de várias idades e localidades
distintas, com ou sem contato com uma L2.
Outra variante que favoreceu a regra formal de número é a pré-nuclear na 2ª/ 3ª
posição em diante. O peso relativo para esse ambiente foi de .55, com um percentual de
95% (114/120) de concordância padrão. Esse resultado, assim como o da variante pré-
nuclear na 1ª posição, confirma a hipótese de que os elementos pré-nucleares
favorecem a presença da variante -s.
- Pré-nuclear na 2ª/ 3ª posição:
“todas as pessoas” (aluna do 6º ano – Colégio Esplendor)
“Um dos maiores problemas das pessoas” (aluno do 7º ano – Colégio ZeroHum)
“as piores roupas” (aluna do 8º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“Dos meus primeiros dias de aula” (aluna do 9º ano – Colégio Esplendor)
Há, ainda, o fator pós-núcleo na 1ª posição que também apresentou um resultado
ligeiramente favorecedor da regra de número, com peso relativo .55 e 95% (200/211) de
concordância padrão (“os seres humanos”). De acordo com outros trabalhos, os
elementos pós-nucleares desfavorecem a regra de concordância por estarem mais à
direita do SN. A hipótese para tal resultado é a de que possivelmente o pós-núcleo em 1ª
posição estivesse mais marcado morfologicamente pela influência de marca no
elemento precedente (núcleo). Para tanto, procedeu-se a um cruzamento das variáveis
posição linear e relativa do constituinte no SN e marcas no elemento precedente, que
resultou na confirmação da hipótese, já que, das 203 ocorrências de pós-núcleo na
primeira posição, 193 (95%) estão precedidas de núcleo morfologicamente marcado.
- Pós-nuclear na 1ª posição:
“as madrugadas frias” (aluno do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“nuvens baixas” (aluna do 8º ano – Colégio Esplendor)
93
Já o núcleo de 1ª posição apresentou um comportamento próximo da
neutralidade, com um leve favorecimento da regra de número, exibindo um peso
relativo .52 e 97% (98/101) de concordância padrão (“raios ultravioletas”). Em
Camacho (2013), o núcleo de 1ª posição também favoreceu a concordância (peso
relativo de .62 e percentual de 73%). Em Scherre (1988), a autora afirma que a 1ª
posição do SN é a mais marcada independente da classe gramatical. Esse resultado é
esperado, pois se não existe nenhum elemento precedente ao núcleo, este
obrigatoriamente necessita receber a marca de número para que a ideia de plural seja
estabelecida (Princípio da Distintividade Funcional).
- Núcleo na 1ª posição:
“pessoas mais altas” (aluno do 7ºano – Colégio Esplendor)
“substâncias benéficas” (aluno do 7º ano – Colégio ZeroHum)
“cabelos molhados” (aluna do 8º ano- Escola Municipal Fernando Azevedo)
Resta comentar que apenas três dados de núcleo de 1ª posição aparecem não
marcados, em uma enumeração com antecedentes que apresentavam determinantes
(uma garrafa plástica, uma rolha furada, um tubo de vidro ou de borracha):
“para fazer essa experiencia é necessário uma garrafa plástica de dois litros,
uma rolha furada, um tubo de vidro ou de borracha, porção de pedregulho grosso,
porção de pedregulho fino, porção de areia fina...” (aluno do 9º ano – Colégio
ZeroHum)
Assim, a retirada desses dados implicaria um comportamento categórico de
núcleo de 1ª posição.
O núcleo na 2ª posição, contudo, mostrou-se desfavorecedor da marca
morfológica -s de plural, com um peso relativo de .45 e 94% (916/977) para a variante
prestigiada -s. Camacho (2013) também encontrou esse mesmo resultado. Conforme o
autor relata, o núcleo na 2ª posição apresentou um peso relativo de .28 e a frequência da
variante padrão foi de 73%. A hipótese de quanto mais à direita do SN, menor é a
94
chance de concordância parece se concretizar, pois se nota uma gradação entre as
posições mais à esquerda até aquelas mais à direita.
- Núcleo na 2ª posição:
“os personagens” (aluno do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“as criança” (aluna do 7º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“as olimpíadas” (aluna do 8º ano – Colégio ZeroHum)
Outra variante que também desfavoreceu a presença da marca morfológica de
número foi núcleo na 3ª/ 4ª posição, que apresenta 89% (128/143) de concordância e
peso relativo .37, ou seja, não importa se o termo é núcleo, mas sim sua distribuição no
sintagma: quanto mais à direita, menor é a probabilidade de ser marcado
morfologicamente, como revela o peso relativo.
Segundo o trabalho de Camacho (2013), há uma hierarquia de desfavorecimento
entre o núcleo de 1ª posição e as demais posições (.62, 73% núcleo na 1ª posição; .28,
71% núcleo na 2ª posição e .37, 83% nos núcleos nas demais posições do SN). Essa
pesquisa obteve o mesmo resultado, houve um favorecimento da marca de número
quando o núcleo estava na 1ª posição e um desfavorecimento quando o núcleo se
encontrava nas demais posições.
- Núcleo na 3ª/ 4ª posição:
“as piores noticias de catastrofe” (aluno do 8º ano – Colégio Esplendor)
“dos seus direito” (aluna do 9º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
“um dos dois filhos” (aluna do 9º ano – Escola Municipal Fernando Azevedo)
Por último, há a variante pós-nuclear na 2ª/3ª posição que apresentou o menor
peso relativo (.20) e também o menor percentual de concordância padrão (69% - 54/78).
Dessa forma, esse parece ser o contexto de maior desfavorecimento da regra.
95
- Pós-nuclear na 2ª/ 3ª posição:
“esse olhos tão grande” (aluna do 6º ano – Escola Municipal Oswaldo Teixeira)
“dois adolescentes não populares” (aluna do 8º ano – Escola Municipal Fernando
Azevedo)
“porções de pedregulho grosso” (aluna do 9º ano Colégio ZeroHum)
Ainda em Camacho (2013), o autor afirma que os elementos pós-nucleares
tendem a desfavorecer a marca explícita de número (.47, 80%). Os resultados dessa
pesquisa mostraram que o elemento pós-nuclear na 1ª posição favorece a marca de
número, mas os pós-nucleares de 2ª/3ª posição foram os que mais desfavoreceram a
concordância padrão.
Na presente pesquisa, os resultados encontrados para essas duas últimas
variantes (núcleo na 3ª/ 4ª posição e pós-núcleo na 2ª/ 3ª posição) analisadas
comprovam a hipótese de que, quanto mais à direita do sintagma, menor a chance de
receber a marca formal de plural. Como se vê, os elementos mais à esquerda
favoreceram a regra e os mais à direita desfavoreceram-na.
Cumpre destacar que Camacho (2013) apresenta em seu trabalho uma
hierarquia, mostrando um continuum de + concordância à – concordância. Veja:
determinantes antepostos na 1ª posição > determinantes antepostos na 2ª posição >
núcleo na 1ª posição > determinantes pospostos > núcleos na 2ª e na 3ª posição.
Tabela 21: hierarquia dos contextos de aplicação da regra de concordância. (Cf. CAMACHO, 2013,
p.189.)
Contudo, nesta pesquisa, pode-se encontrar a seguinte hierarquia:
Tabela 22: hierarquia dos contextos de aplicação da regra de concordância.
Ainda, para uma melhor visualização, observa-se no gráfico a seguir a
distribuição dos dados em relação ao maior ou menor favorecimento da regra padrão de
acordo com a posição que ocupam no SN.
pré-núcleo na 1ª posição > pré-núcleo na 2ª/ 3ª posição > pós-núcleo na 1ª posição >
núcleo na 1ª posição > núcleo na 2ª posição > núcleo na 3ª/4ª posição > pós-núcleo na
2ª/3ª posição
96
Gráfico 1: percentual de concordância padrão de acordo com a posição que os termos ocupam no
SN. (SNs simples e complexos)
Nota-se que os elementos mais à esquerda favorecem a regra enquanto os mais à
direita a desfavorecem. A variante pós-nuclear na 1ª posição foi retirada do gráfico, já
que seu comportamento estava sendo influenciado pela variante presença de marca no
elemento precedente, como já foi explicado anteriormente a partir do cruzamento entre
as variáveis marcas no elemento precedente e posição linear e relativa do constituinte
no SN.
5.3. Considerações finais: comparação de resultados relativos às modalidades
escrita e falada
O fenômeno da concordância nominal é um tema bastante estudado nas
pesquisas linguísticas. Entretanto, a maior parte desses trabalhos observa a modalidade
oral da língua e não a escrita. Parece, contudo, que há algumas semelhanças e diferenças
entre essas modalidades no que concerne à concordância de número do PB. Dessa
forma, essa seção mostrará, de maneira sucinta, uma comparação entre os resultados de
pesquisas sobre o fenômeno na concordância na oralidade, com os resultados aqui
encontrados na escrita.
97
Primeiramente, deve-se destacar que trabalhos como Scherre (1988), Camacho
(2013) e Brandão e Viera (2012) sobre a fala mostram que a concordância nominal é um
fenômeno que se enquadra na regra laboviana do tipo III – regra variável – pois opera
com frequência entre 5 a 95%. Além disso, nessas pesquisas, os autores mostram que a
concordância nominal no PB tem apresentado percentuais altos para a variante
prestigiada [s] (72% na fala adulta e 66% na fala infantil, em Scherre8; 83% em
Camacho; e 91,1%, em Brandão e Vieira).
Nessa pesquisa sobre a escrita de alunos do Ensino Fundamental II (6º ao 9º
ano), também se encontrou um resultado que mostra a preferência pela variante padrão,
exibindo um percentual de 94,5% de marca formal de número, podendo, assim, ser
caracterizado como um fenômeno variável. Todavia, vale ressaltar que esse resultado se
aproxima de uma regra do tipo II – semi-categórica (95-99%).
Ainda sobre esses trabalhos que tratam da oralidade no PB, foi possível notar
que há algumas variáveis selecionadas em comum nessas pesquisas. Logo, acredita-se
que esses contextos sejam importantes para a presença ou ausência da marcação de
plural nos elementos que constituem um sintagma nominal.
Desse modo, tanto em Scherre (1988), Camacho (2013) e Brandão e Vieira
(2012), as variáveis linguísticas posição linear e relativa do constituinte no SN e
saliência fônica foram consideradas como relevantes para o fenômeno da concordância.
Isso revela que tais fatores são importantes para que um falante produza ou não a
variante -s. Ainda em Camacho (2013) e Scherre (1988), outra variável em comum
também foi selecionada: marcas no elemento precedente.
Sobre a variável posição linear e relativa do constituinte no SN, as pesquisas
sobre a fala mostram que os elementos que ocupam a 1ª posição (núcleo ou pré-núcleo)
tendem a ser mais marcados e que há um desfavorecimento da regra quando esses
elementos se afastam da posição mais à esquerda do SN. Essa variável também foi
selecionada neste trabalho, que observa a modalidade escrita. Esse mesmo resultado foi
encontrado: os elementos mais à esquerda tendem a receber mais marcas que os
8 Esse resultado de Scherre (1988) é sobre sua análise atomística – análise que observa o comportamento
de cada elemento do SN separadamente, e não o SN como um todo. Essa pesquisa também fez uma
análise atomística, já que estudou individualmente cada elemento que compõem um SN.
98
elementos mais à direita do SN. Sendo assim, ao que tudo indica, esse contexto é
relevante para o fenômeno da concordância nas duas modalidades da língua.
Outra variável comum a trabalhos linguísticos sobre a modalidade oral é marcas
no elemento precedente. Em Camacho (2013); foi selecionada em primeiro lugar; em
Scherre, foi a terceira. Esse contexto observa a influência do elemento anterior para a
ausência ou presença da variante -s no termo subsequente. Nesta pesquisa, essa variável
foi selecionada também em primeiro lugar. Com isso, pode-se dizer que esse é mais um
contexto que influencia tanto a fala como a escrita do PB.
Já a variável saliência fônica9, que observa o processo morfofonológico de
formação do plural, tem se mostrado relevante para as pesquisas sobre a fala, revelando
que os elementos mais salientes, como o plural duplo (olho – olhos), favorecem a
aplicação da regra padrão mais que os elementos menos salientes (plural regular / mesa
– mesas). Porém, essa variável não foi selecionada nesta pesquisa. Portanto, parece que
a diferença morfofonológica entre o singular e o plural não é tão relevante quando se
trata de escrita. Isso porque na modalidade oral a sonoridade pode influenciar bastante
na escolha de determinadas variantes, enquanto que a escrita é mais visual e, por isso,
essa variável tão sonora não foi selecionada neste trabalho.
Uma outra variável não presente em todos os trabalhos sobre a fala, mas que
também merece um destaque é a animacidade. Apesar de não selecionada em Camacho
(2013), ela mostrou-se importante em Scherre (1988) e Brandão e Vieira (2012).
Segundo Scherre, o traço [+ humano] é mais saliente e, por isso, favorece mais a regra
de número. Já Brandão e Vieira mostraram que o traço [+ animado] recebe mais marcas
que o [- animado]. Neste trabalho, a animacidade também foi selecionada e mostrou,
assim como em Scherre, que o traço [+ humano] é o mais importante para a presença da
variante -s.
Além dessas variáveis linguísticas, há uma variável social que também tem sido
fundamental para o estudo da concordância no PB: escolaridade. Nas pesquisas sobre a
modalidade oral, os autores mostram que há um continuum de - concordância à +
concordância, proporcional ao aumento do nível de escolaridade.
9 Nessa variável foi possível notar que a variante plural regular apareceu majoritariamente no corpus. Dos
2.659 dados, 2.410 eram de plural regular e apenas 134 não apresentaram a marca formal de número. Os
outros termos com plural saliente (termos terminados em -s, -l, -r, -ao e plural duplo) representam 249
dados, com somente 16 dados sem a marca -s de plural.
99
Contudo, nesta pesquisa não foi possível mostrar uma gradação entre os níveis
de escolaridade (fundamental – médio – superior), pois o corpus é constituído apenas
por alunos do Fundamental II, mas foi possível ver o comportamento desfavorecedor
das séries iniciais (6º e 7º ano) e o comportamento favorecedor à regra nas séries finais
8º e 9º ano). De qualquer forma, o importante é que a variável ano de escolaridade
tenha sido selecionada, mostrando mais uma vez o quanto é relevante a escolaridade
para o fenômeno da concordância. Por isso, pode-se afirmar que a aquisição da regra
padrão está relacionada com ao acréscimo da educação formal.
Assim, parece que há alguns contextos que influenciam tanto a modalidade oral
como a escrita; já outros contextos são mais específicos de uma das duas modalidades,
como é o caso da saliência.
100
6. CONCLUSÃO
Esta pesquisa sobre o fenômeno da concordância nominal em SNs simples e
complexos conseguiu responder aos questionamentos aqui levantados e comprovou,
também, algumas hipóteses já consagradas na literatura sobre a concordância no
português.
Primeiramente, pôde-se verificar que houve um aumento em direção à aplicação
da marca de concordância na escrita de alunos do 6º ao 9º anos de diferentes instituições
e localidades em relação a trabalhos antigos sobre o mesmo fenômeno, já que a variante
prestigiada -s se manifestou em 94,5% dos dados analisados. Esse resultado confirma a
hipótese do aumento da concordância padrão no português brasileiro. Além disso, a
presença majoritária da variante de prestígio parece estar relacionada à modalidade
escrita, que é mais monitorada, assim como ao tipo de texto produzido, como mostrou a
variável ano de escolaridade. Também não se pode esquecer da influência da escola
como a grande mantenedora da variante padrão, pois as redações analisadas foram
produzidas no ambiente escolar.
Foi possível, também, observar que atuam sobre o fenômeno da concordância
nominal fatores linguísticos e sociais. Assim, as variáveis linguísticas consideradas
condicionadoras para a concordância foram: marcas no elemento precedente,
animacidade, e posição linear e relativa do constituinte no SN. Já as variáveis sociais
relevantes para o fenômeno da concordância foram localidade e ano de escolaridade.
A primeira variável selecionada – marcas no elemento precedente – mostrou que
princípios funcionalistas atuam no fenômeno da concordância nominal. Assim, quando
um termo ocupa a 1ª posição do SN sem nenhum termo precedente, este, quase
obrigatoriamente, deve receber a marca de número para que a noção de plural seja
estabelecida (Princípio da Distintividade). Por outro lado, quando o termo analisado
apresenta um termo semanticamente plural do tipo porção de, há um desfavorecimento
da regra de concordância padrão. Esse resultado revela um Princípio da Economia
Linguística, já que a marca -s é mais produtiva quando necessária. Portanto, SNs
semanticamente plurais já carregam a noção de número, não sendo, assim, fundamental
a presença da marca morfológica -s. Outro contexto em que esse princípio atua é na
variável presença de marca no elemento precedente. Esse contexto mostrou-se
desfavorecedor à regra, revelando, mais uma vez, o Princípio da Economia Linguística,
101
em que a marca -s só aparece quando é fundamental. Como esse contexto já apresenta
um -s, não é obrigatória a presença de mais marca para que a ideia de plural seja
estabelecida. Já os numerais apresentaram um comportamento favorecedor à regra
padrão. Assim, outro princípio parece atuar nesse contexto, o Princípio do Paralelismo
Formal em que “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”, mesmo que essa marca
seja semântica, como é o caso dos numerais. O mesmo princípio atua quando há um
elemento sem marca no elemento precedente. Esse contexto desfavorece a presença da
variante -s, mostrando que “zeros levam a zeros”.
A segunda variável relevante nesta pesquisa foi animacidade, em que foi
possível constatar, conforme Scherre (1988), que o traço [+ humano] é o mais
favorecedor da presença da variante padrão.
Já a terceira variável selecionada é de caráter social: localidade. Essa variável
mostrou que as escolas públicas que ficam em Quintino e Santa Cruz desfavoreceram a
regra padrão, enquanto as particulares da Vila da Penha e do Jardim Guanabara – Ilha
do Governador – favoreceram a variante de prestígio. Além disso, foi possível discutir
nessa seção, as peculiaridades entre as escolas públicas e as privadas, mostrando que
estas apresentaram maior produtividade de concordância.
A última variável linguística é posição linear e relativa do constituinte no SN.
Essa variável apresentou um continuum que revela maior concordância nos termos que
se encontram mais à esquerda do núcleo e menor concordância nos elementos mais à
direita. O mesmo ocorreu com os núcleos: quando estes estão mais à esquerda, tendem a
receber marcas e quando estão mais à direita do sintagma, menor é a chance da marca
de número se concretizar.
Por último, há a variável ano de escolaridade que mostrou o comportamento das
séries escolares para o fenômeno. Dessa maneira, foi possível perceber que o 6º e o 7º
anos desfavorecem a regra, enquanto o 8º ano favorece, acredita-se, por apresentar
redações mais argumentativas e, consequentemente, mais formais, como já foi dito. Já o
9º ano apresentou um comportamento neutro, com um discreto desfavorecimento da
regra de concordância padrão.
Outro ponto importante que se pôde constatar é o fato de que as variáveis
selecionadas não são necessariamente as mesmas que influenciam a fala. A variável
saliência fônica tem se mostrado relevante em muitos trabalhos, como Scherre (1988) e
Brandão e Vieira (2012) sobre a oralidade do PB, porém não foi selecionada nesta
102
pesquisa. Ao que tudo indica, a diferença fônica entre o singular e o plural é importante
na fala em que essa diferença é bem mais perceptível, pois a escrita é mais visual e não
auditiva.
Por outro lado, as variáveis marcas no elemento precedente e posição linear e
relativa do constituinte no SN são comuns às duas modalidades do português brasileiro
(oral e escrita), mudando-se apenas a ordem de relevância. Isso revela que, para a
realização da marca formal de plural, é importante o termo antecedente e a posição que
cada elemento ocupa no SN.
Assim, pelos resultados obtidos, pode-se afirmar que a escola tem cumprido seu
papel na disseminação da norma de prestígio, já que o corpus foi constituído por
redações produzidas em sala de aula. Logo, a ação da escola também parece ser um dos
fatores que contribui para o aumento da variante -s em detrimento da variante
estigmatizada zero. Além disso, pode-se notar que a variação da concordância é
realmente um fenômeno inerente aos falantes, já que está presente em indivíduos de
diferentes localidades, gênero e ano escolar.
Portanto, acredita-se que esta pesquisa pôde contribuir com uma descrição e
explicação do fenômeno da concordância nominal na modalidade escrita, mostrando em
que contextos há uma tendência à produção da variante zero e, assim, traz informações
importantes para o ensino do português. Com isso, o professor de língua poderá prever
em que ambientes há uma tendência de seus alunos não realizarem a variante -s, na
escrita, e esses contextos poderão servir como ponto de partida para o ensino da variante
padrão, permitindo a eles o acesso à “norma culta”.
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