o evangelho secreto da virgem maria

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o Evangelho Secreto Da Virgem Maria

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O EVANGELHO SECRETO DA VRGEM MARIASANTIAGO MARTINTraduoYolanda e Hilton AmaralMERCURYO PAU LUSTtulo original: EI Evangelio Secreto de la Virgen Mara Santiago Martn, 1996Copyright Editorial Planeta S.A., 1998Publicado mediante contrato firmado comEditorial Planeta, Barcelona, EspanhaTodos os direitos reservados. ISBN 85-7272-116-9 Reviso: Antonio Carlos Olivieri Editora Mercuryo Henrique Silveira Neves Capa: Virgem Glikocilusa, arte bizantina russa, Moscou Diagramao: Sidney Guerra Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Martn Rodrguez, Santiago Jos.O Evangelho secreto da Virgem Maria / Santiago Martn ; traduoYolanda e Hilton Amaral. - So Paulo : Mercuryo : Paulus, 1999.Ttulo original: EI Evangelio secreto de la Virgen Mara.ISBN 85-7272-116-91. Evangelho apcrifo da Virgem Maria 2. Maria, Virgem, Santa I.Ttulo.99-0228 CDD-229.8 ndice para catlogo sistemtico:1. Evangelho apcrifo da Virgem Maria : Bblia 229.8 2001 Todos os direitos reservados Av. dos Guaramomis, 1267, Moema, So Paulo, SP Brasil CEP 04076-012, Fone, (011 ) 5531 .8222 / Fax: (011 ) 5093.3265 E-mail: [email protected],//www.mercuryo.com,brNDICE Tinha quinze anos 13 O dia seguinte 23 Jos, um noivo surpreso 39 A exaltao da escrava 49 De volta para casa 59 Os caminhos tortuosos 67 O verbo se fez carne 77 O grito de Raquel 91 Educar a Deus 101 Trinta anos de glria 115 O amor se fez pblico 131 Da retaguarda 147 De p, junto cruz 169 A hora de meus filhos 209 Eplogo 221 Nota final 223 OrelhaSantiago Martn sacerdote catlico.Nasceu em Madri, em 1954.Formado em Biologia, Teo-logia Moral e Jornalismo, o Diretorda Seo de Religio do Dirio ABCe Diretor do Programa da TVE"Testemunho". Autor de uma dezenade livros de espiritualidade, tambm fundador de uma associaocatlica - os Franciscanos de Maria- dedicada ao trabalho voluntrio egratuito com todo o tipo de excludose que j est presente em seis naes.Outros livros publicados pela Mercuryo nalinha histrico-religiosa:Apcrifos I, II e IIIMaria Helena TriccaO Santo SudrioJulio Marvizn PreneyHeresiaJoan O'GradyO Jovem de NazarethMarjorie HolmesRio Profundo - GangesShusaku EndoOs Manuscritos do Mar MortoGeza vermesO MessiasMarjorie HolmesA Odissia dos EssniosHugh SchonfieldPaulo e a Luz de DamascoJess Torbado Fim da orelhaEm 1884, um especialista em manuscritos antigossurpreendeu o mundo ao descobrir uma valiosssima pea dearqueologia. No se tratava de um jarro antiqussimo nem de umaescultura grega. Tratava-se de um manuscrito. J. F Gamurriniencontrou, na biblioteca de Santa Maria de Arezzo (Itlia), umdocumento que continha um relato quase completo de uma viagem ptria de Jesus - O Itinerarium. Tratava-se do registro dasimpresses vivenciadas por uma monja que, no final do sculo IV,decidiu desafiar todos os perigos, embarcando na aventura de visitara Terra Santa. Aquela mulher, nascida na Espanha ainda sob odomnio romano, escreveu tudo aquilo que viu e sentiu, com ainteno de, como ela mesma relata, no privar suas irms decomunidade - as que denomina "venerveis senhoras" e "amigasda alma" - das reconfortantes ddivas espirituais que recebeu durantesua visita aos locais santos.O Itinerarium descoberto por Gamurrini naAbadia deArezzoera uma cpia elaborada na Abadia de Montecassino, centro domundo beneditino e fonte do saber e da produo intelectual vigentena Idade Mdia. Os monges beneditinos copiaram esse livro comoo fizeram com tantos outros, porque isto fazia parte de seu trabalhocotidiano. "Exportavam" para catedrais e palcios em Montecassinocomo em outras abadias beneditinas, os livros eram copiados emsrie nos Scriptorium, enquanto um monge lia em voz alta o original. Santiago MartnUma dessas cpias chegou a Arezzo, onde foi descoberta porGamurrini.O Itinerarium, da monja espanhola Egeria (ou Eteria, ouEcheria, como outros a conhecem), na forma descoberta em 1884,estava incompleto. Faltavam o incio e a ltima parte. Alm disso, emseu interior, notava-se a falta de algumas pginas, provavelmenteperdidas, embora estas lacunas tenham sido preenchidas pelosespecialistas com dados sobre a situao de Israel na poca,recorrendo a outras fontes de informao, principalmente o Liber delocis sanctis, de Pedro Dicono, escrito no sculo XI. evidente que a cpia que saiu de Montecassino estavacompleta, bem como a cpia extrada do original naquela importanteabadia. Os azares da histria, as pilhagens e os saques sofridos pelosmonastrios, promovidos por gente ambiciosa e sem escrpulos,destruram uma infinidade de obras de arte ligadas em sua origem f. O que ocorreu com o Itinerarium foi um caso a mais. De fato,teria desaparecido para sempre se em Santa Maria de Arezzo notivesse sido salvo, quase milagrosamente, um dos muitosexemplares que circulavam pelo Ocidente na Idade Mdia.Porm, no foi Montecassino o nico local que conservou odocumento legado pela monja Egeria. Ela morava num monastriosituado na Galcia espanhola, que tinha por capital, nessa poca (finaldo sculo IV), a Bracara Augusta, porm contava com um nmeroaprecivel de cidades importantes, herdeiras de passados brilhantes(as atuais Astorga, Len, Lugo e Oviedo, para citar somentealgumas). Na poca da viagem de Egeria a Israel, reinava uma certapaz no conjunto imperial. Teodsio, espanhol como Egeria, acabavade morrer (395) e deixara seu territrio praticamente pacificado,dividido entre seus dois filhos. A Honrio coube o territrio doOcidente, e a seu irmo Arcadio, o do Oriente, includa a Palestina.As peregrinaes, interrompidas havia muitos anos pelas contnuaslutas e pela represso aos cristos praticada pelo imperador apstataJuliano, floresceram. Numa delas embarcou Egeria.Embora o Itinerarium tivesse sido perdido, o nome de Egeriano desapareceu, devido ao fato de que sua obra chamou a atenoquase em seguida. Dela fala o monje galego Valrio, em meados dosculo VII, em uma carta - Ad frates Bergidensis - dirigida a ummonastrio, hoje tambm desaparecido, situado em El Bierzo. Tantoa linguagem utilizada por Egeria, seus modismos ao escrever emlatim, quanto o texto de Valrio confirmam a origem espanhola dessasingular monja. Esses dados confirmam tambm sua elevada posiosocial e econmica, razes que possibilitaram sua viagem, pois issono era barato nem seguro, a no ser que se contasse com dinheirosuficiente e com influncias para receber proteo nas numerosasescalas que um peregrino do sculo IV se via forado a fazer paraviajar do noroeste da Espanha at o outro extremo do Mediterrneo.Pois bem, Egeria partiu e regressou. Foi anotando tudo duranteseu trajeto como um moderno turista e, ao concluir seu priplo, redigiusuas impresses, confiando-as s suas irms de comunidade, bem comoa seus superiores e aos que proporcionaram e tornaram possvel suaexperincia atravs de donativos. O Itinerarium comeou a circular eteria obtido um enorme xito "editorial" no fosse por umacircunstncia infeliz. No ano de 407, pouco depois de Egeria chegar sua ptria, com somente algumas cpias do manuscrito originalcirculando pelo mundo, a Espanha sofreu invases de vndalos, que aarrasaram. Enquanto os visigodos se fixavam na Itlia, na qualidade dealiados e protetores do imperador, outras tribos godas promoviamsaques, contando com o auxilio de mercenrios.Neste contexto de instabilidade, foi destrudo o monastriode Egeria. Nada se sabe de seu destino final, nem do de suascompanheiras de comunidade. Os invasores se estabeleceram naantiga provncia galega e conservaram a atual cidade portuguesa deBraga como sua capital. Os vndalos, por sua vez, deixaram apennsula - haviam se fixado em toda a Andaluzia - e passaram ainvadir a frica (429) destruindo, entre outras, a cidade de Hipona,onde, na poca, Santo Agostinho era bispo. A lacuna deixada pelosvndalos na Espanha foi ocupada imediatamente pelos visogodos,que se encontravam estabelecidos no sul da Frana e possuam umaprspera capital em Toulouse.Com tantas idas e vindas, no s foi destrudo o monastriode Egeria, mas tambm foram arrasadas diversas vilas rurais,prsperos povoados e algumas cidades. A obra de Egeriadesapareceu, salvando-se milagrosamente algumas das poucascpias que foram elaboradas, uma das quais por fim permaneceuem Montecassino.Tudo teria acabado assim no fosse pelo recente achadoque deu origem a este livro.No conjunto de desastres e guerras que sofreu a Espanha,registra-se a poltica anticlerical de algumas de suas autoridades.Uma delas, Juan lvarez Mendizbal, ordenou, para maior glriadas hostes reais, "desamortizar" o capital "investido", segundo ele,pelo povo durante sculos nos conventos e monastrios. Adesamortizao (1835 e 1836) no passou de uma maneira delicadade justificar um roubo gigantesco, um latrocnio monumental quesequer alcanaria seus objetivos, pois foram os ricos que adquiriram,a preo baixo, o material leiloado procedente dos monastrios, sendoque os pobres, em sua maior parte, no obtiveram nem migalhas.Como tudo foi posto venda de uma s vez, a liquidao foi a preode saldo, de maneira que nem o Tesouro Real conseguiu resolverseus problemas. O que ocorreu, em contrapartida, foi que opatrimnio cultural veio abaixo e hoje se vem centenas de runaspor toda a Espanha, testemunhas mudas daquilo que antes foramflorescentes monastrios, centros de espiritualidade, de cultura, bemcomo centros de apoio economia rural.Em um desses esplios desapareceu um antigo centroarquitetnico beneditino, o de Obona, encravado no distrito asturianode Tineo. Nesse frtil e elevado vale tinham se estabelecido osmonges beneditinos, que, durante o sculo XI evangelizaram a regioe auxiliaram seus agrestes moradores a melhorar o nvel de vida. Osdois monastrios geminados de Ibona e Brcena foram chaves naoperao. Ambos caram vtimas da rapina intil de Mendizbal.Ambos os templos passaram a pertencer arquidiocese de Oviedo,exceto as terras e parte de seus tesouros culturais e artsticos.A maior parte das posses de Obona foi adquirida por umarica famlia asturiana que havia constitudo sua primeira fortuna coma importao de caf procedente de Cuba e com a instalao deuma fbrica para a torrefao do produto. A biblioteca do monastriotornou-se apetitosa para aquele indiano, que a transladou quase todapara seu casaro em Oviedo, sem saber exatamente o que levava,como se comprasse livros a quilo ou a metro e no por seu contedo.Tais obras passaram anos na obscuridade das estantes, emboratodos na famlia soubessem que encerravam grandes tesouros ediscutissem a necessidade de repartir a herana de bens toincalculveis e valiosos, que ningum sabia precisar Por fim, em umadessas ocasies, um fragmento do tesouro inicial, cortado e repartidoao longo do tempo, como se fossem peas de tecido ou nmero decontas correntes, chegou s mos de um amigo meu, ilustre sacerdoteda arquidiocese de Oviedo, cuja dedicao leitura e ao p dosmanuscritos quase igualava-se sua fidelidade ao papa e aos aspectoslegtimos da liturgia romana.Um dia, faz alguns meses, recebi um telefonema seu. J mehavia falado, em incontveis ocasies, do legado que havia recebidopor herana de um tio, descendente direto da famlia que sebeneficiara com as tropelias de Mendizbal. A ele, como sacerdote,foram confiados alguns livros procedentes do monastrio de Obona.Folheava-os, pouco a pouco, e doava alguns ao acervo daarquidiocese, porm retinha para si aqueles que traziam maisiluminuras, entre eles uma cpia dos antigos beatos escritaoriginalmente nas proximidades do vale de Libana.Meu amigo, ao qual chamaremos de dom Igncio, estavanervoso quando me contatou. Sabia de meu interesse pela histriaantiga e medieval e de meus contatos profissionais com editoras.Embora Oviedo no esteja a um passo de Madri, ele reclamavaurgentemente minha presena na capital asturiana. Ele poderia ir aMadri, porm no desejava transladar o "tesouro" que, segundo medisse, acabara de descobrir.Aquilo que mostrou no me decepcionou. certo que Oviedoguarda tesouros ainda maiores - so cada vez mais consistentes osdados que identificam o sudrio custodiado na santa cmara de suaCatedral com o tecido que serviu como mortalha para o rosto deCristo -, mas aquilo que dom Igncio possua podia ser consideradoum descobrimento comparvel aos famosos manuscritos de Qumran,os rolos dos antigos essnios que viviam junto ao mar Morto, ou,quem sabe, ainda mais importante do que esses.Era, como o leitorj pode imaginar, uma cpia do Itinerariumda monja Egeria. Uma cpia muito antiga, talvez dos primeiros anosdo sculo VII. Possivelmente a quarta ou quinta gerao dasprimeiras que foram feitas e levadas a algum monastrio da Galciahispano-romana, passando depois, junto com outros livros preciosos,por vicissitudes e perigos, at que, aps a reconquista empreendidapelo mtico dom Pelgio, algum exemplar tenha ficado depositadonos monastrios beneditinos que floresceram no novo reino cristo,e dali, por volta do sculo X, tenha passado a Obona, sempre emterras asturianas.Dom Igncio estava a par tanto da aventura da monja Egeria,quanto de seu Itinerarium. Entendia que o antigo livro que possuaera um tesouro extraordinrio. Comparava-o com o de Arezzo,porque sabia que neste ltimo faltavam alguns captulos, e o seuestava completo. Entrei em contato com a embaixada italiana naEspanha e com a delegao espanhola no pas vizinho. Graas aseus bons prstimos, pudemos obter, no a baixo custo, uma cpiamicrofilmada do texto encontrado na Itlia, que cotejamos com otexto procedente de Obona. As diferenas eram mnimas, naturaisdas sucessivas cpias, com os habituais erros de transcrio doscopistas medievais. E foi ento que decidimos traduzir os doiscaptulos que foram conservados no texto asturiano mas destrudosno de Arezzo.Como no sei latim e dom Igncio estava deslumbrado coma importncia do empreendimento, ainda em segredo e sem dar aconhecer o descobrimento a ningum, demos o trabalho relativo aoprimeiro captulo a alguns peritos da Biblioteca Nacional de Madri;e o do ltimo, a especialistas do Museu Nacional de Arqueologia.No os colocamos em contato nem dissemos de onde procedia omaterial cuja traduo estvamos solicitando. No primeiro caso, tudotranscorreu conforme o esperado. Era uma introduo devotada emque Egeria explicava os motivos de sua viagem e agradecia a ajudarecebida de seus patronos e protetores. Havia somente um trechoque nos deixou confusos, porque a monja fazia uma aluso, quasecomo uma desculpa, incluso que faria no ltimo captulo, pois elamesma no estava segura de que se tratava de algo correto, de umaobra ortodoxa e no de um texto procedente de um desvio hertico.Nada mais dizia e deixou que o leitor e as autoridades da Igrejajulgassem por si mesmos, reiterando suas desculpas para o caso deno ter agido corretamente ao incluir aquele texto, que no era seu,no conjunto da obra.Quando nos chegou o relatrio dos peritos do Museu deArqueologia, meu amigo e eu pensamos que iramos sofrer umenfarte. A emoo de um crente se mesclava com os nervos dedois aficionados pelos documentos antigos que possuam em mos,uma obra no s majestosa como tambm at ento desconhecida.O prprio ttulo j nos deixava estupefatos. Tratava-se do EvangelhoApcrifo da Virgem Maria. Um texto ao qual se referiram alguns dosprimitivos padres da Igreja, que, no entanto, no tinham certeza deter existido. Naturalmente que Egeria, quando o recebeu, j traduzidopara o latim, das mos de um monge grego companheiro de SoJernimo (que vivia em Belm, na poca em que Egeria ali estivera,e havia residido na cidade natal de Jesus entre os anos 387 e 420),sentiu-se emocionada, porm teve receio -de tratar-se de um textohertico, devido confuso que envolvia o santo dlmata, em plenaluta contra a heresia pelagiana, que tivera de fugir de Roma aps amorte do papa Dmaso, acusado por Rufino de fidelidade heresiaorigenista.Egeria explica seus temores na introduo que faz aoapcrifo mariano. Diz com clareza que no aposta em suaautenticidade e que, embora o monge que lhe fornecera a cpiagarantisse se tratar de um texto autntico e ortodoxo, ela no poderiaafirmar isso com convico. Em todo o caso, a monja espanhola nohesita em assegurar que sua leitura revelara-se piedosa e de grandeproveito espiritual, motivo pelo qual, aps muito vacilar, atrevia-se ainclu-la como um apndice de seu Itinerarium. possvel que esta dvida de Egeria tivesse contagiado osmonges de Santa Maria de Arezzo. possvel que a falta dos doiscaptulos no texto que se conservava em sua biblioteca no fossecasual. possvel que algum zeloso defensor da ortodoxia chegassea pensar que as recordaes da Virgem Maria pudessem diminuir adivindade de Cristo, pois nelas se mostra o lado humano de seuFilho. Poderia algum ter receio que, na poca mais dura daInquisio, a incluso de um apcrifo naquela biblioteca pudessedespertar suspeitas de conivncia com as odiadas heresias. possvel at que algum severo inquisidor tenha ordenado separar equeimar os dois captulos que faltavam cpia italiana do Itinerarium.Em todo o caso, na Espanha se conserva agora o texto integral e omelhor que se pode fazer ler e interpretar o que durante sculospermaneceu oculto.Este , segundo uma piedosa tradio, O Evangelho Secretoda virgem Maria, suas memrias, narradas a Joo Evangelista emmuitas daquelas tardes em que ambos descansavam de suasrespectivas tarefas, nas cercanias da cidade grega de feso. Quejulgue o leitor o valor espiritual do texto e que deixe penetrar em sia ternura com que uma velha me fala de si mesma, de seu filho eda aventura que Deus, em um dia de primavera, havia posto emandamento.TINHA QUINZE ANOSTive uma vez quinze anos!Fazia alguns meses que me tornara mulher!Lembro, apesar de haver passado tanto tempo e tantas coisas,a ternura de minha me, Ana, e a suave firmeza de meu pai, Joaquim.Aquele dia era sbado. Meu pai tinha ido sinagoga paraouvir, como sempre, a leitura de um texto da Tor e a explicaoque dava o rabino. Minha me e eu tambm amos e ficvamosbem juntas, respeitando o costume que separava os homens dasmulheres. Nesse dia no pudemos comparecer e aguardamos avolta de Joaquim, para que nos dissesse o que havia ocorrido.O sol j se recolhia e o sbado terminava quando meu painos transmitiu o texto que fora lido na sinagoga. Era do profetaIsaas, um de meus favoritos. Com voz solene e mais cantando doque recitando, Joaquim disse:"Que belos so sobre os montes os ps do mensageiroque anuncia a paz, que traz boas novas, que anuncia a salvao,que diz a Sion: 'J reina teu Deus! Uma voz! Teus vigias elevama voz, emitem gritos de jbilo, porque com seus prprios olhosvem o retorno de Yaveh a Sion. Prorrompei em unssono emgritos de jbilo, solitrios de Jerusalm, porque Yaveh consolouseu povo e resgatou Jerusalm'."Independente disto, meu pai nos explicou o que havia ditoo rabino de nosso povoado, Asaf, filho de Cor. Tratava-se de umhomem amvel, idoso, porm sempre carinhoso com todos,especialmente com as crianas, por isso sempre o ouvi comdedicao, interrompendo as brincadeiras de meus primos quandoele passava, pois todos queriam beijar a orla de seu manto.Joaquim disse a mim e minha me que naquela manhAsaf estava preocupado. As notcias que chegavam das cidades queabrigavam destacamentos romanos no eram boas. Falava-se detumultos entre alguns dos nossos e, inclusive, se comentava que nalongnqua Jerusalm havia muita inquietao e que alguns rabinoshaviam dito que a chegada do Messias poderia estar prxima,segundo se podia deduzir de certa profecia que fazia referncia aseu nascimento em Belm, a cidade de Davi. Asaf, tranqilo comoera, no desejava alarmar seus ouvintes, entre outras coisas, porque,como ele mesmo lembrou naquela manh, notcias semelhantes seproduziam desde que os romanos ocuparam Israel e mesmo antes,sob a dominao dos srios de Antoco. Sem dvida, comentou meupai , naquela ocasio a voz de nosso rabino parecia menos tranqilaque de costume e suas recomendaes sobre calma eram menosconvincentes.Algo se preparava e pessoas como Asaf, como meu pai oucomo minha me, intuam isso sem saber exatamente do que setratava. Por isso o rabino escolhera o texto de Isaas; para transmitiruma mensagem de paz e esperana aos habitantes de nossa aldeia.Se o Messias estava por vir, como alguns diziam, deveramos mantera calma, porque sua chegada seria a do prncipe da paz. Qualqueroutra atitude seria, no fundo, uma falta de confiana no Todo-Poderoso,em cujas mos esto sempre nossas vidas. Estas coisas sempreentusiasmavam minha me Ana e a mim. Ouvamos Joaquim,apertadas uma contra a outra junto ao fogo de nosso lar, em umanoite de Nisan, bela e suavemente fresca. Ns duas acreditvamosfirmemente no que a Tor e os outros livros sagrados ensinavam, eAna tinha muito cuidado ao ensinar me o significado da f em Yaveh,o amor e o respeito que lhe devamos, e a necessidade de observarfielmente a aliana que ele havia pactuado com nosso povo. Por issono nos surpreendia nada do que pudesse ocorrer, pois estvamosconvencidas de que, a um s gesto de Deus, nem as poderosas legiesromanas poderiam enfrentar o Messias quando este surgisse nomundo. Aguardvamos sua chegada e rezvamos todos os dias paraque isto ocorresse o mais cedo possvel, mas nunca antes do tempoindicado, do momento em que a vontade do Todo-Poderoso previra.Eu, mais do que a minha me, por causa dos meus quinzeanos recm-completados, gostava de sonhar com o Messias.Tambm o faziam minhas companheiras e falvamos muito delenos nossos encontros, principalmente na fonte do povoado, quandoamos lavar nossas roupas no arroio. Porm, eu desejavaardentemente que esse Messias fosse um mensageiro da paz e doamor de Deus, dois sentimentos que meus pais sempre meinculcaram, embora quase todas as minhas amigas se deliciassemem falar de palcios e de grandes festas. Situao pior era com meusprimos, os quais tive que enfrentar em mais de uma ocasio, poispara eles o Messias que tanto se aguardava no era outra coisa senoum lder militar. Quando eu lhes falava das qualidades espirituaisque adornariam sua alma, eles zombavam de mim dizendo que euera uma menina incapaz de entender o que convinha ao povo deIsrael, acreditando que um Messias bondoso fosse capaz de expulsaros romanos de nossa ptria.Enfim, naquela noite de um sbado de primavera, minhame e eu ouvamos atentamente Joaquim, que nos estava contandoa prdica do rabino Asaf. Tudo ia bem e se desenrolava conformegostavam meu venerado rabino e meus pais, at que Joaquim dissealgo que nos surpreendeu. Disse que, chegando a um certomomento de sua exortao, Asaf pareceu emudecer. Lia pargrafopor pargrafo o texto de Isaas, explicando-os em seguida at que,de repente, ao ler o que estava escrito empalideceu, fechou o livro,sentou-se e se ps a chorar.Vrios homens do povoado, entre eles meu primo Jos, comquem meus pais me haviam comprometido em matrimnio, e meuprprio pai, se acercaram de Asaf, porm no conseguiram extrairdele palavra alguma. A assemblia se dissolveu e no se parou defalar sobre o assunto, todos intrigados com o que tinha lido Asaf.Como ningum possua o livro de Isaas, no se podia consultar otexto que tanto havia impressionado o nosso bom rabino, e assimdecidiram recorrer a um homem de Can, que morava em nossopovoado e que no fora aquela manh sinagoga porque estava decama com febre. Era um mestre no conhecimento das SagradasEscrituras e recitava de memria passagens inteiras, alm de seramigo de minha famlia.Meu pai, conscente do aspecto intrigante que estavamostrando em seu relato, fez uma pausa e nos olhou atentamente.Ns duas estvamos boquiabertas, no assustadas, porque Ana,minha me, tem tanta f em Deus que duvido que algo consiga abalarseu nimo. Mas estava muito interessada. Joaquim, depois de ummomento de silncio que aumentou a expectativa, disse-nos quechegando casa de Adonias, o cananeu, e a ele foi tudo explicado.Quando lhe disseram qual era o texto que Asaf havia lido, Adoniasfechou os olhos e comeou a murmurar em voz baixa, at que chegouao ponto do texto onde o rabino o interrompera. A partir da, j emvoz alta, acrescentou:"Quem deu crdito nossa notcia? E o brao de Yaveh aquem se revelou? Cresceu como um novo broto diante dele, comoraiz em terra rida. No possua aparncia nem presena. Vimo-lo eno tinha imagem que pudssemos estimar Desprezvel e refugodos homens, varo de dores e conhecedor de doenas, como algumdiante de quem se oculta o rosto, desprezvel, e no o percebemos.E contudo era as nossas doenas que carregava e as nossas doresque suportava! Ns o deixamos ser aoitado, ferido por Deus ehumilhado. Ele foi ferido por nossas rebeldias, punido por nossasculpas. Ele suportou o castigo para nos trazer a paz e com suascontuses fomos curados. Todos ns erramos como ovelhas, cadaum seguiu seu caminho, e Yaveh descarregou sobre ele toda a nossaculpa. Foi oprimido, se humilhou, e no abriu a boca. Como umcordeiro levado degola e como uma ovelha que frente aos que atosquiam fica emudecida, ele tambm no abriu a boca."Naturalmente que meu pai pudera lembrar para ns todoaquele longo pargrafo porque o havia escutado e meditado sobreele muitas vezes, e bastou Adonas niciar sua declamao para queo acompanhasse em viva voz.Joaquim tambm nos disse que alguns dos que foramconsultar Adonias no quiseram dar crdito ao que dizia, porqueisto poderia significar que o Messias anunciado pelo profeta Isaasno era um Messias rei, um Messias libertador do jugo romano, eat poderia dar a entender que ele fora trado pelo prpro povo, oque era absurdo e impossvel.Desse modo, divididos e confusos, saram todos da casa docananeu, mais preocupados ainda do que quando haviam entrado.Meu pai e Jos, meu querido primo e quase meu marido,voltaram juntos, subindo a encosta at nossa casa, onde Jos deixoumeu pai, no sem antes pedir-lhe que me saudasse em seu nome, oque sempre me fazia corar. O problema que os dois estavam deacordo em reconhecer que Adonias no se equivocara de texto eque, possivelmente, o Senhor Todo-Poderoso enviara algum sinal aonosso rabino Asaf, que o surpreendeu a ponto de faz-lo emudecer"Estamos em tempos sublimes, tempos de Deus. Nodevemos temer, porque o Senhor nunca abandona seu povo, pormdevemos orar intensamente para que a cada instante se faa Suadivina vontade."Assim disse meu pai, dando por terminado o relato eindicando-nos em seguida o horrio tardio, prprio para se deitar.Obedec mediatamente e fui ajudar minha me nas ltimas lidas dacasa, e logo me encaminhei ao meu quarto.No podia dormir. L fora cantavam os grilos. A lua eralindssima e sua luz se filtrava pela tela de tecido que encobria ajanela de meu quarto. No havia vento e eu estava tranqila,estranhamente tranqila, pois apesar do que meu pai nos haviacontado, no me sentia inquieta. No entanto, no podia dormirAssim, comecei a rezar Algo dentro de mim me dizia que oSenhor estava esperando uma palavra minha. Eu a pronunciei emseguida e lhe disse que se ele queria enviar um Messias diferentedaquele que todos esperavam, para mim era igual. Eu no queriaque sua vontade se adaptasse a meus desejos e sim o contrrio.Disse-lhe tambm que me dava muita pena o fato de que o Messiasa ser entregue em sacrifcio por nossos pecados, como um daquelescordeiros que so mortos na noite de Pscoa, quando se comemorao gesto que marcou a origem de nosso povo, a ao de Deus contraos primognitos dos egpcios.Eu no entendia como podia vir um Messias que fracassasseno final. Os argumentos de minhas amigas, de meus primos e demeus antepassados, exceo de meus pais, pareciam-me cheiosde razo. Achava lgico que Deus interviesse a nosso favor, como jhavia feito no passado, na poca dos juzes ou dos Reis, quandoproduziu um chefe poderoso que devolveu a liberdade e a grandezade nossa ptria. Porm, como a meus pais, no me dava prazeralgum imaginar cenas de guerra e violncia, de sangue e desolaoque forosamente acompanhariam essa liberdade, por mais gloriosaque fosse. Alm disso, e agora a coisa j se complicava, parecia meestranho e mais incomum ainda, que o Messias tivesse que padecerem nome de todos, sendo ele inocente e ns culpados.Sentia fortemente que, naquela noite, o Senhor esperavaalgo de mim. Minha resposta foi positiva. Disse-lhe que, por mim,as coisas se fariam de acordo com a sua vontade e no segundomeus clculos ou previses. Portanto, se Ele, Yaveh, resolvera queas coisas iriam se desenvolver a seu modo, eu aceitava e, como emocasies anteriores, ofereci-me para ajudar no que fosse possvel,sabedora, de antemo, que tudo o que eu fizesse seria pouco, jovemcomo era e a ponto de casar-me brevemente.Foi quando tudo ocorreu.No havia pronunciado meu ltimo sim, quando meupequeno quarto se encheu de luz. Estava ajoelhada, com minharoupa modesta presa acima dos joelhos para no gast-la, quandoele apareceu.Confesso que no me assustei. Bem, me assustei sim, masse tratava de um medo que no era medo.O fato que ali estava ele. Belo e luzidio, doce e cheio depaz. Nunca me ocorreu que fosse um enviado do Maligno, pois apaz que dele emanava era representativa apenas de Deus. Alis,este fruto eu j saboreara antes, quando rezava e passava as longashoras livres das tardes de sexta feira entre as oliveiras ou em meuquarto. Essa mesma paz, a de Deus, encontrava profundo eco emmim. Sua paz e minha paz se entrelaavam, como se em meu interiornunca tivesse existido outra coisa seno a harmonia divina, uma pazsemelhante a que esse mensageiro do Senhor emanava.Estou me referindo ao anjo Gabriel.No s era belo e cheio de paz, mas tambm falava. Se tivessepermanecido calado, talvez eu tivesse brincado com ele, pois eragrande minha sintonia entre sua alma e minha tranqilidade. Porm,quando comeou a falar assustei-me um pouco. No porque sua vozfosse feia, mas o que me disse me deixou perplexa."Alegra-te, cheia de graa, o Senhor est contigo", foramsuas primeiras palavras.Naturalmente era de provocar espanto. O que significava "cheiade graa"? No estvamos todos sob o efeito do pecado original, comonos ensinavam na sinagoga? No seria, pois, um convite soberba?No me havia deixado enganar com sua aparente espiritualidade?Ele se deu conta em seguida e tentou tranqilizar-me: "Notemas, Maria, porque encontraste graa diante de Deus. Irsconceber em teu ventre e dars luz um filho, a quem dars o nomede Jesus. Ele ser grande e ser chamado 'Filho do Altssimo'. OSenhor lhe dar o trono de Davi, seu pai. Reinar sobre a casa deJac pelos sculos e seu reino no ter fim".Na verdade no eram palavras muito tranqilizantes. Dizia-me "no temas", mas o que vinha em seguida era mais srio epreocupante ainda.Sem dvida, acostumada a responder com um "sim" a tudoo que Deus me pedia e j com a certeza ntima de que aquele eraum mensageiro seu, nem pensei no problema em que me metia,nem nas conseqncias que poderiam resultar do fato de eu j estar,de uma maneira ou de outra, casada, ou pelo menos comprometidacom Jos. J lhe ia dizer que sim quando o sexto sentido que possuemas mulheres me levou a fazer uma pergunta, uma espcie de provapara certificar me de que, em verdade, o Senhor Todo-Poderoso eraquem enviava aquele mensageiro. Perguntei-lhe: "Como ocorrerisso, se eu no conheo varo?".No se tratava de algo sem importncia. Para mim isto erafundamental. De fato, ou se resolvia esse ponto, deixando claro queeu no me veria forada a fazer nada que no estivesse de acordo comos preceitos de uma jovem honesta, ou no poderia estar segura deque o que me oferecia vinha diretamente de Deus. Deus no poderiacontradizer Deus. Deus no poderia ter semeado em minha alma,durante toda a minha vida, uma necessidade de pureza e deconsagrao para depois conduzir me por caminhos contrrios. E comoaquilo que eu recebera sem dvida era coisa sua, o que ocorria agora,se tambm vinha de suas mos, forosamente deveria estar emperfeita sintonia com o anterior.O anjo Gabriel soube dissipar todas as minhas dvidas: "OEsprito Santo descer sobre ti", afirmou, "e o poder do Altssimo tecobrir com sua sombra. Por isso aquele que nascer ser santo e serchamado Filho de Deus". Estas ltimas palavras colocaram tudo emseu devido lugar Eu continuaria mantendo minha virgindade e minhapureza de alma e de corpo, sem ter que passar por situaes quecausavam repugnncia no s a mim como a toda e qualquer moahonrada. que meus pais haviam dito muitas vezes que eu nuncadevia aceitar isso de que os fins justificam os meios, por mais quefosse um lema muito usado, principalmente na hora de realizarnegcios lucrativos ou quando se queria justificar a violncia contraos romanos.O fim era neste caso o melhor, ou ao menos assim seapresentava: deixar que nascesse ningum menos do que o Messias.Porm eu queria assegurar-me de que tambm os meios e a formacomo aconteceriam os fatos seriam corretos. Basicamente, se assimno ocorresse, eu saberia de imediato que por trs disso no seencontravam os desgnios de Deus. O Senhor no se contradiz -no diz hoje "sim" e amanh "no". Ele sempre um "sim" grande,nobre e permanente. Alm do mais, a situao no era to diferentedo assunto sobre o qual eu estava meditando antes que o enviado deDeus enchesse com sua luz meu pequeno quarto. O povo de Israel,meu povo, queria um libertador a todo custo. A meus pais e a mimprpria parecia que neste "a todo o custo" havia algo que no seencaixava muito bem com a bondade divina. Ns tambmdesejvamos que viesse o Messias para nos libertar do jugoestrangeiro, porm no a qualquer preo, no ao preo do dio, daguerra, da violncia.Ainda estava tecendo estas conjecturas quando o anjo voltoua falar. Quem sabe pensava que eu ainda tinha dvidas. O fato queacrescentou: "Olha, tambm Isabel, tua parente, concebeu um filhoem sua velhice e este j o sexto ms daquela que chamam estril,porque nada impossvel a Deus".No havia necessidade deste argumento, porque eu j estavadecidida. De modo que, para evitar que suspeitasse de minhavontade de aceitar o que Deus me pedia, precipitei-me a dizer lhe oque gritava meu corao desde o primeiro momento, uma espciede consentimento matrimonial, um "sim, quero", que saa de mimcom tanta fora que me assustou, porque eu no estava acostumadaa mpetos semelhantes. "Eis aqui a Escrava do Senhor", disse-lhe,"faa-se em mim segundo sua palavra."Ento Gabriel foi embora. Sorriu-me e se foi. Senti algo comoum beijo em minhas mos, como o roar das asas de um pssarosuave e doce. Porm, o melhor foi o seu sorriso. Durante todo otempo que durou nosso encontro, pareceu como se ele estivessenervoso, mais ainda do que eu. Sua atitude era de expectativa dealgum que teme que possam duvidar de seu pedido e se joga todonele. Depois compreendi que no s ele mas tambm a criao inteiradependia de minhas palavras naquela noite de primavera. Todosaguardando que uma insignificncia como eu, uma menina de quinzeanos que apenas comeara a ser mulher, desse permisso ao Todo-Poderoso para inaugurar uma nova criao, uma nova aliana, umahistria de amor definitiva e eterna com um povo na qual cabiamtodos os homens.O fato que eu disse "sim". Disse ao mensageiro para levaro recado ao Senhor. No pensei demais nas palavras exatas. Foramas que me saram da alma naquele momento. Sabe como so estascoisas: se te dessem tempo, comporias uma bela orao ou, atmesmo, a encomendarias a um rabino ou a um homem versado emletras. Mas assim de repente, a uma pobre adolescente de aldeia socorreu usar a linguagem simples e vulgar a que estava acostumada,sem adornos nem sofisticao. Por isso falei em "escrava". Eu noera escrava. Meus pais eram livres e tnhamos a dignidade e desejosde liberdade que sempre caracterizaram nosso povo, indmito entreos indmitos e muito zeloso de suas tradies. Eu era e sempre fuicontra a escravido, por mais que algumas pessoas do povoadotivessem escravos em suas casas e que outros dissessem que sema existncia dos escravos nada funcionaria sob o ponto de vistaeconmico. Em minha casa, isto de usar maus meios para bons finsnunca nos agradou, como nunca nos chegou a convencer o "malmenor" de que falavam alguns, geralmente para justificar algoinjustificvel.Contudo, na hora de expressar meu consentimento, faleiaquilo de escrava. Pode parecer uma bobagem, um contra-sensoinclusive, uma vez que eu era contra a escravido. Porm, tampoucome arrependo, apesar de terem se passado tantos anos e de eu termeditado muito sobre isso. No s respondi prontamente, sempensar, como tambm, se agora tivesse que repetir tudo de novo,eu diria o mesmo.Quero ser escrava do Senhor. Somente do Senhor, isto sim.Porm, com todas as minhas foras. Ser sua escrava no significano possuir dignidade nem carecer de liberdade, mas sim colocarminha liberdade a seu servio e confiar minha dignidade aos seuscuidados. Ele sabe cuidar de mim muito mais do que eu mesma.No fosse assim, a esto tantos que se dizem livres e no entantoso escravos do vinho ou de vcios muito piores. Eu vivo por Ele epara Ele. Fui eu que escolhi, ningum imps nada, quando me foipedida a permisso para que pudesse nascer o Messias. Porm,devido liberdade que tenho, digo-lhe: aqui me tens, sou tua escrava,podes fazer de mim o que quiseres, me abandono em ti, utiliza-mepara teus fins e s peo que sejas tu a cuidar de mim. Sou obra detuas mos e no desejo outra coisa que ser um espelho que reflitatua glria e teu prestgio.Sou a escrava do Senhor. Sou sua esposa. Sou a Me de seuFilho. Porm, esta outra histria, querido Joo, que te contareiamanh.O DIA SEGUINTEComo compreenders, Joo, mal pude dormir naquela noite.E eu no estava nervosa, pois sabia o que ocorreria mesmo que notivesse conscincia de tudo. Meu corpo e minha alma estavamsempre espera daquele momento e desse inquilino. Eu no sabia,eles sim. Por isso tudo era normal. E porque era to normal, mesurpreendia e me preocupava.Passei a noite, quase at a madrugada, deitada e rezando.Minha orao era silenciosa, repleta de sensaes, de perguntas,de consentimentos.Fisicamente nada notei, chegando a supor que tudo tinha sidoum sonho, uma apario fantstica que eu mesma havia criado. Mas,logo descartei essa idia. No notava nada, porm algo estava dentrode mim e eu o sabia, sem a menor dvida. Era algo novo, vivo,maravilhoso. Porm, o que era? Ou melhor, quem era? De quem setratava? Que tipo de Messias era aquele que nasceria numa aldeiaperdida da Galilia, em vez da capital, Jerusalm? Quem, em seu juzoperfeito, teria escolhido por me uma pobre moa, filha de um arteso,em vez de buscar a proteo de uma famlia poderosa? No foi o prprioMoiss que, nascendo pobre, foi criado e educado no palcio do fara?Aconteceria comigo o mesmo? Arrebatar me-iam esse filho para levlo casa de alguma pessoa importante e educ lo? Seria eu somenteme temporal, apenas natural, em vez de desfrutar da companhia dessacriatura, a qual eu j amava apaixonadamente?Assim passei a noite, querido Joo. Tinha muitas perguntasa fazer ao pai do meu filho. Estive consciente desde o primeiromomento de que j estava em vias de me tornar me, sabendo queo pai dessa criana no tinha sido um varo. E, como ocorreu eu nosei, nem entendo ainda hoje. Bastou-me ouvir o que todos ns,crentes, aceitamos: "Para Deus no h nada impossvel". Por issono foi difcil aceitar que Deus tenha semeado em mim o Messiassem a interveno de um varo. E tudo isso transformava o Todo-Poderoso no pai de meu filho, o que, de alguma maneira, fazia demim sua esposa. Alm do mais, o filho que eu carregava em minhasentranhas, o que ele significava na razo de Deus? Poder se-ia dizerque era seu filho? No entanto, como poderia um ser humano serfilho de Deus? Como o povo de Israel, que no consentia que sefizessem pinturas ou esculturas para representar Deus, iria aceitarum Messias considerado Filho do Altssimo? Se esse mar de dvidasfosse pequeno, existiam centenas de outras coisas mais. Porexemplo: seria meu filho um guerreiro ou um construtor da paz?Mancharia suas mos com sangue ao empunhar espadas vitoriosas,ou seria um homem santo que conduziria o povo por caminhos derenovao interior, de converso, de misericrdia?Bem, tenho que reconhecer que desta ltima pergunta euimediatamente conheci a resposta. Mal ela surgiu em mim, noteiuma reao procedente daquela minscula vida que j se agitavaem minhas entranhas. Ele no seria um Messias guerreiro. Aviolncia nunca influenciaria suas aes. Nem com a melhor dasintenes nem com a mais nobre das causas levaria destruio aoshomens e aos povos.Porm esta certeza, que muito me alegrou, produziu-metambm medo. Que diriam meus primos, meus conterrneos, opovo inteiro de Israel, que, com algumas excees, como meuspais e alguns poucos mais, aguardavam um lider vitorioso, um chefemilitar? Aquilo que aconteceu naquela noite, proveniente da leiturade um trecho de Isaas por Asaf, e seu significativo silncio emreao maioria das palavras do profeta existentes na continuao,no seria o anncio do que aconteceria a meu filho se tentasseimplantar a paz e no a guerra? Poderia ocorrer o caso de o Messiasser rechaado pelo povo se no trouxesse a mensagem que aquelagente estava desejando ouvir? E o pior, como alguns sugeriram,poderia o Messias ser desprestigiado e at mesmo assassinado,como o cordeiro manso levado ao matadouro, no s pelos pagoscomo tambm pelo povo eleito?Compreende-me, Joo. Acreditei estar louca. Era tudocomplicado demais para mim, que tinha somente quinze anos e malhavia sado de minha aldeia para visitar algumas populaes vizinhas.Como no entendia nada, limitei-me a deixar que meu corao, minhaintuio, proporcionassem alguma claridade no meio de tantaconfuso em que me vi envolta depois da partida do anjo.Isto porque sofria influncias de meu prprio problemapessoal. Sabes, querido amigo, como so rgidas as leis de nossopovo, principalmente se comparadas s leis destas terras gregas.Cerca de oito anos antes, umajovem de Nazar havia sido apedrejadaat morrer. Estava comprometida com Tobias, um sapateiro da aldeia,mas havia se enamorado de outro jovem do povoado, um tal deJac, filho de Yair. O problema que fizeram o que no deviam terfeito e ela ficou grvida. A notcia provocou um terrvel escndalo eem Nazar no se falava de outra coisa. O futuro marido se sentiuultrajado e exigiu uma reparao. Os pais da jovem, que se chamavaMikal como a filha de Saul, ofereceram todo o seu dinheiro a Tobias.Bastava ele confessar que mantivera relaes com Mikal, o que noera totalmente lcito, mas no incidia em castigo algum. Porm osapateiro se negou, mesmo que a oferta fosse muito tentadora. oassunto se tornara pblico, por causa de uma bebedeira da turma deJac, o que fez Tobias no aceitar Mikal publicamente. Assim elarecebeu o castigo das adlteras e morreu apedrejada. Levaram todasas moas da aldeia, inclusive os rapazes, para assistir a esse terrvelespetculo. Todos, menos eu, no porque fosse uma menina e simporque meu pai se ops, j que era contra este tipo de medida, aindaque viesse recomendado pelas leis e fosse avalizado pela utilidade queproporcionam os recursos violentos.Portanto, eu sabia bem o que podia acontecer comigo. Meucaso no tinha nada a ver com o da pobre Mikal, mas quemacreditaria? Quando o anjo foi embora comecei a me dar conta dasconseqncias que poderiam advir. Estas conseqncias eram, nemmais nem menos, uma criana. Um menino que seria visto por todos,aps uma gravidez de nove meses impossvel de ocultar. Que iriapensar toda a gente? Que iria pensar Jos, como reagiria? Poderiachegar a repudiar-me, como Tobias a Mikal? E, nesse caso, o queiria ser de mim e de meu filho?Se isto fosse pouco, tambm havia meus pais. Como lhescontaria o caso do anjo? Como diria minha me que estava grvida eque fora Deus, pessoalmente, que havia introduzido aquela vida emmeu ventre? Por mais confiana que meus pais tivessem em mim,como engoliriam semelhante histria? E meu querido pai, a quemeu nunca causara desgosto e que estava to orgulhoso de mim, queiria pensar? Os homens ririam dele ao ver sua filha desonrada, grvidade um estranho cujo nome ningum sabia.Tens que entender isto tudo, Joo, porque do contrrio nuncapoders compreender o que significou a minha aceitao da vontadede Deus. muito fcil dizer "sim" ao Senhor, porm no to fcillev-lo prtica, sobretudo em momentos como este. Depois, quandoas coisas se acertaram, principalmente quando meu filho Jesus faziamilagres e todos o aplaudiam, algumas mulheres invejavam elouvavam a minha sorte por ser me do Messias. verdade quetodas as jovens de Israel sonhavam com ele, porm no daquelemodo, no quele preo. Eu estava consciente de que minha vida ea vida de meu filho estavam correndo risco. Estava consciente deque havia posto nas mos de Deus minha prpria honra, minhareputao, meu futuro e o futuro dos meus. E no sabia como sepoderia encontrar uma sada honrosa para aquele conturbado caso.Eu no sabia, mas veio em auxlio de minha debilidade agraa do Altssimo. Ele mesmo, que me havia coberto com seumanto, acudiu e tranqilizou-me. Senti sua mo doce mas poderosa,acariciando meus cabelos e dizendo-me novamente, repetindo aspalavras do anjo: "No temas, minha amada, confia em mim. Eu souo Todo-Poderoso e para mim nada impossvel. No foi possvel tuengravidares sem perder a virgindade? No te preocupes, portanto,e tem confiana. Olha os lrios do campo e os pssaros cantores.Nem uma s ptala, nem uma s pena cai deles sem que eu oconsinta. No crs que a mim tu importas mais do que todas asflores e pssaros? Crs que coloquei meu Filho em teu ventre paraque morra apedrejado por uma lei que erroneamente me atribuem?Crs que levei milnios aguardando este momento para que unsdesocupados o destruam com pedras e dios? No temas, minhaamada. Ele e tu, tu e ele, estais a meu encargo e o poder do infernono prevalecer" .Assim foi que adormeci. Em seus braos, aconchegada peladoura do Senhor, certa de que estava em suas mos. No recebiluzes que iluminassem minha inteligncia. No vi solues nementendi nada de nada. Apenas sabia que, se Deus estava por trs detudo, tudo iria bem e me restava deixar-me conduzir por ele.Lembrei-me de uma frase de Isaas que meu pai sempre repetiaporque era seu lema favorito: "Na confiana est vossa fora". Naconfiana e no poder de Deus e em seu amor estava minha fora.Coloquei-me em suas mos e dormi. J era quase dia.Foi apenas um pequeno descanso. Minha me entrou emmeu quarto pouco depois. Com seu eterno sorriso sentou-se junto minha cama e me despertou, brincando muito e chamando-me dedorminhoca.Abri os olhos, cruzei os braos e, sem poder evitar, pus-me achorar: Sentia muita necessidade de desabafar Estava tranqila, acreditavaem Deus sem a menor dvida, porm tinha a responsabilidade de contartudo a meus pais e isso no era uma tarefa insignificante.Chorava com muita angstia e ao mesmo tempo com umasurpreendente paz. Minha me beijou meu rosto, me acariciou oscabelos e perguntou se eu tinha tido um pesadelo, se me doa algo,se havia passado, enfim, uma noite ruim.Pensei que ia morrer quando comecei a falar. As palavras senegavam a sair. A boca ficou completamente seca. Tive que tossirvrias vezes e no final disse-lhe, olhando os lenis da cama emlugar de dirigir meu olhar a seus olhos: "Vou ser me". Depois,fiquei em silncio.O silncio durou muito tempo. A mim pareceu umaeternidade. Foram vrios minutos. Minha me estava junto a mim.Continuava segurando minha mo e por isso eu podia saber o quese passava em seu corao, o tamanho do desgosto que eu lhe haviadado, a decepo que sentia, a dor imensa que abalava sua almasanta. E ainda no sabia de nada sobre o pai da criana.Ao fim de alguns momentos, pegou meu queixo e pediu-meque a olhasse de frente. Seus olhos estavam cheios de lgrimascomo os meus. Olhamo-nos longamente e em seguida me abraou:No sei quanto tempo estivemos assim. Chorvamos as duas sempoder evitar Eu por uma perspectiva, ela por outra, porm ambaspelo mesmo motivo.Quando nos acalmamos me perguntou por Jos. No quissaber quando tinha ocorrido o fato, nem como fora. S me perguntouquando iria viver com Jos, porque dava como certo ser ele o pai.Ento lhe contei tudo.O surpreendente foi que acreditou e que respirou aliviada.Realmente eu no tinha por que me surpreender, j que minha meera uma mulher de Deus e, mais do que as palavras e as verdadesque eu dizia, por mais incrvel que parecesse, o Senhor tambmestava trabalhando nela. Ofereci-lhe a oportunidade de provar queno tinha perdido a virgindade, ao que ela se negou veementemente,pois seria como se no acreditasse em minhas palavras."Acredito em ti, filha" disse-me Ana. "Acredito porque ahistria que contas incrvel demais para que, se a tivessesinventado, pudesses conseguir a menor possibilidade de ser aceita.Acredito, tambm, porque jamais tive motivos para duvidar de ti.Tens sido uma filha exemplar. Nunca nos deste um desgosto, nema teu pai nem a mim, e duvidar de ti, por mais difcil que seja aceitartua palavra, seria uma ofensa que tu no mereces. Se eu noacreditasse em ti, estaria rompendo algo puro e limpo, a confianaque tu mereces. O Senhor tambm me contou algumas coisas. Fazmuitos anos. Desde que nasceste, sempre tive a impresso de queeras mais sua do que minha e de teu pai. No estou dizendo quetenha ocorrido algo de estranho em teu nascimento. Foste fruto deum amor autntico entre Joaquim e eu. O que digo que, tanto ateu pai como a mim, e a muitos outros de nosso povoado, semprenos pareceu que por tua frente no passavam as mesmas guasturbulentas que passavam por todas as outras, includos os maissantos de nosso povo. Sempre foste de Deus e de um modo que, semtu notares, chamava a ateno tanto por sua naturalidade como por suaintensidade. Tenho falado muito com Joaquim sobre ti. Tnhamos aimpresso de que o Senhor te queria para si de uma maneira diferenteda que nos chama unio com Ele, porm no sabamos quando nemcomo. Inclusive relutamos em comprometer te com algum, at queoptamos por teu primo Jos, que parece ter sido feito da mesma matriatua, ainda que no chegue altura desse dom estranho que a ti foiconcedido. Mesmo assim em muitas ocasies temos perguntado comoreagirias ante a vida de casada, ante os compromissos que uma mulherdeve cumprir com seu marido. Mesmo assim decidimos ir em frente, espera de que Deus manifestasse de algum modo sua vontade, sediferente daquela que estvamos planejando. E agora isto aconteceu.No tem nada a ver com o que podamos imaginar, porm estou certade que obra de suas mos e, assim, tudo ir bem."E quem dir a papai?", perguntei minha me."Deixa isso para mim. Para ti seria violento demais, contudofica tranqila com respeito a teu pai. Ele nada tem a ver com o quecomumente acontece com os homens e isto de honra manchadano entra em seus esquemas. No teu caso, no s inexiste ofensa,como h privilgio. Filha, no sei se te ds conta, porque imaginoque tudo aconteceu to rpido que deves estar confusa. Sers ame do Messias e essa a maior honra a que pode aspirar umamulher judia."Minha me abraou-me de novo. J no chorvamos. Comsuavidade passou a mo repetidamente pelos meus cabelosenquanto me dizia baixo e com ternura "minha menina, minhamenina". Depois se levantou e foi procurar meu pai.Nossa casa era pequena, como todas as outras do povoado. Eraacolhedora e sobretudo muito limpa. Porm por sua pequenez, demeu quarto pude escutar a conversa entre Joaquim e Ana."Joaquim, querido", comeou dizendo minha me, "o Senhornos escolheu, olhou para nossa humildade, e nos concedeu umextraordinrio dom. Deixa o trabalho por um momento e escuta-me. Estou um pouco nervosa, no queria complicar as coisas maisdo que j esto."Meu pai largou o alforje no qual estava misturando um pouco degro e palha para dar de comer ao nosso pssaro, olhou atentamentepara minha me e, impressionado, deu um profundo suspiro e sentou-se. Teve uma intuio nesse momento, pois puxou um leno de seucinto para secar o suor que, de repente, comeou a aparecer em suafronte. Pediu minha me um pouco de gua fresca e, com a vasilhade barro na mo, esperou que Ana lhe contasse algo muitoextraordinrio que ele no sabia se devia temer ou desejar"Nossa filha est grvida", comeou dizendo minha me, "masfica tranqilo e no te angusties. Ela est bem e, sobretudo, no feznada de mal nem cometeu falta alguma. Por incrvel que possaparecer, nesse ato no h participao de homem algum, nem sequerde Jos. Se duvidas, poderemos demonstrar que continua virgem.Ela me disse, e eu acredito, que ontem noite apareceu-lhe umanjo do Senhor e pediu-lhe que aceitasse ser a me do Messias.Lembra o que dizem as profecias, o que temos falado tantas vezese, inclusive, o que nos contaste ontem noite. O Senhor quer salvara seu povo e fomos ns, indignos e os ltimos servos seus, osafortunados. Portanto, no me venhas agora com ditos sobre honrae desonra porque o que teremos que fazer nos colocarmos a rezarpara dar graas a Deus e tranqilizar nossa filha que est to nervosacomo um mao de papoulas sacudido pelo vento."Enquanto minha me falava, Joaquim levantou-se do banquinho,nervoso e angustiado, voltando a sentar se novamente. Quando Anaacabou, ficou alguns minutos em silncio, primeiro olhando para o chode terra de nossa casa e depois olhando nos olhos de minha me. Porfim, com algumas palavras que quase no lhe saam da boca, disse-lhe:"Querida Ana, se no te conhecesse e no te quisesse tanto, aesta hora estaria farto de ti. Porque supes que vou colocarempecilhos, mulher? Crs que sou igual ao pai daquela jovem, quefoi o primeiro a empurrar sua filha para fora da aldeia lanando-a nam vida que leva agora em Cafarnaum? Acreditas que somente tu,como mulher e como me, amas a nossa filha e a entendes? Ela,nossa menina Maria, a alegria de minha alma, o sonho de minhavida e a esperana para meu futuro. E acima de tudo sei, como osabes tu, que ela no nossa filha - desde seu nascimento pertencea Deus. Isto que me contas, efetivamente, duro de aceitar. Talvezningum do povoado acredite. Porm eu e tu sabemos que verdade.E nem precisamos que seja provado por um anjo do cu. De fato seriauma ofensa para ns se o Senhor pensasse que no iramos acreditarem nossa filha e que necessitaramos de uma prova extraordinria.Eu a conheo de sobra, como a conheces tu, para estar seguro,absolutamente seguro, de que incapaz de dizer uma mentira e deofender a Deus violando o sexto mandamento da lei de Moiss."Meu pai e minha me se abraaram e, juntos, se puseram dejoelhos. " Senhor Todo-Poderoso", entoou meu pai com aqueleseu tom de voz com que gostava de repetir os salmos nas tardes desbado, "a ti levanto meus olhos, tu que habitas o cu - como osolhos do servo para a mo de seus amos. Como os olhos da servapara a mo de sua senhora, assim nossos olhos olham para Yaveh,nosso Deus, at que se apiede de ns". Quando terminou de recitaro velho salmo que escrevera o rei Davi, Joaquim continuou rezando,agora com palavras suas. "Elo, Senhor bendito pelos sculos, fiel atuas promessas, levanto a ti meus olhos para que tu os livres detodas as dvidas e tires deles a menor sombra de perplexidade.Ajuda-me a aceitar teus desgnios, a submeter me a teus planos.Olha a minha fragilidade e d-me foras para estar altura da missoda qual, como pai de minha filha, acabas de me incumbir. D-mesabedoria para discernir o caminho correto. Ajuda a minha pequena,que esteve sempre a teu servio. No coloques em seus ombrosmais peso que o suportvel e, se necessitas de algum que ajude acarregar o fardo, podes me usar e alivi-la. Ns, Senhor, noaspiramos a grandezas que superem nossa capacidade. Embora todosdesejem contar com o Messias entre os membros de sua casa, nsnunca nos atrevemos a pensar nisso. Somente te pedimos uma coisaao longo de nossa vida - poder ser teis a ti, poder servir algo a ti,mesmo que seja no menor e mais humilde lugar. Agora, Elo, tu nosescolheste e estamos em tuas mos. No permitas que o quesemeaste no ventre de minha filha malogre, nem que se modifiquemos teus desgnios salvadores. No nos ds glrias ou honras queno queremos. Ajuda-nos to somente a cumprir tua vontade e ano modificar com nossa torpeza teus projetos."Dito isto, se inclinou e colocou seu peito no solo. Minha me fezo mesmo e assim estiveram os dois longo tempo em silncio. Euolhava surpresa e cheia de gratido, do meu quarto, com a cortinasemi-aberta.Devo ter provocado algum rudo, pois ambos levantaram o rostoe olharam para onde eu me encontrava. No me escondi. Levantaram-se e vieram a mim. Primeiro foi meu pai. Abraou-me e me beijoutrs vezes a face e logo, com um gesto que me deixou comovida,ajoelhou-se e me beijou a mo. Eu o levantei quase indignada. Pormele tapou a minha boca e, com suavidade, cortou minha reprovao.Depois, minha me teve o mesmo procedimento. Finalmente nstrs nos fundimos em um longo abrao e tive a sensao de que omais dificil havia passado e que, efetivamente, o Senhor a tudo domina,inclusive fazendo meus pais entender e aceitar a histria tomaravilhosa que havia iniciado a gestao em meu ventre.Logo, mais calmos, comeamos a estudar qual seria o nossocomportamento em seguida. Minha me lembrou que o anjo mehavia dito que Isabel, minha prima que morava ao sul, em Ain Karem,perto de Jerusalm, estava grvida. Era incrvel e quase to difcilde aceitar como o que em mim havia ocorrido, pois ela era maisidosa do que minha me e nunca pde ter filhos. Portanto, impunhase uma visita a Isabel para ajud-la, j que estava no sexto ms, etambm para pedir-lhe conselhos - era casada com Zacarias, umsacerdote de pequena categoria porm com influncia em altoscrculos do clero - e, at mesmo para colocar um pouco de gua nafervura, para ver como se desenvolveriam as coisas na aldeia. Meuspais se encarregariam de falar com Jos. Nenhum de nsdesconhecia a gravidade da situao. Se Jos reagisse mal e eu ficassena aldeia, minha sorte estaria traada. Tratava-se, pois, de salvar-me de todo o perigo e tambm de salvar o filho que carregava emmeu ventre e que era a esperana de nosso povo.Decidimos, pois, que essa mesma tarde eu sairia de Nazr rumoao sul, para a casa de nossa prima. A viagem era longa e muito dificil,inclusive perigosa. Mas, de Can, com freqncia saam caravanasat Jerusalm e talvez encontrssemos algum parente ou conhecidoque quisesse nos acompanhar at Ain Karem.Meu pai foi visitar Adonias, nosso amigo, vinte e quatro horasaps ter estado em sua casa para consult lo sobre o texto de Isaas.Queria pedir lhe que nos recomendasse um local em Can para mealojar e algum entendido em viagens que respondesse por minhasegurana, j que ele no poderia me acompanhar pelo trajeto todo.No houve dificuldade. Adonias recomendou seu irmo Manasss,que era muito rico apesar de ser mais jovem do que ele. Era mercadore havia se casado com uma mulher de boa familia, portadora de umexcelente dote matrimonial. Eu ficaria na casa de Manasss at quea caravana sasse para Jerusalm com algum de confiana que melevasse at a casa de Isabel.Meu pai me levou at a casa de Manasss, em Can. Essapequena cidade no fica longe de nosso povoado e, por estar maisprxima ao vale, possui maior comunicao. Por ela passa umaestrada que une a costa ao lago de Genesaret Em seus campos secultivam belas parreiras que do fama a seus vinhos, os melhores,dizem, de Israel. Suas colheitas de trigo, de aveia e de cevada sotambm generosas, servindo para a alimentao de numerososrebanhos.Joaquim esteve silencioso durante quase todo o caminho. Eleno era habitualmente extrovertido. Facilmente se abstraa e sepunha a rezar, entoando baixinho os salmos e pargrafos dasSagradas Escrituras ou desafogando no Senhor seu corao inquieto.Comigo, as coisas tinham voltado normalidade como se nadativesse ocorrido. Assim decidiram meus pais de comum acordo.Ambos compreenderam que poderia ser ruim para mim se mepassassem a tratar de repente como a patroa da casa. Eu continuavasendo sua filha, por mais que em minhas entranhas levasse o maiordos tesouros.Meu pai no deixou que eu fizesse o trajeto a p e me obrigou amontar em um burrico. Isto era muito estranho, no s peloscostumes de nosso povo, como tambm porque eu era forte e eleum homem no muito velho, porm j de idade avanada. Assimsupliquei que, para no chamar a ateno, eu montaria o nossojumento apenas quando estivssemos longe de nossa aldeia, edesmontaria quando estivssemos prximos de Can.Pelo caminho, enquanto ele conduzia as rdeas e eu me deixavalevar pela montaria, de vez em quando olhava para mim e me dirigiaalgumas palavras amveis e carinhosas que caracterizavam nossaintimidade de pai e filha. Chamava me, como sempre havia feito, de"pequena". No que eu fosse baixa de estatura, porm chamava meassim desde menina e, no fundo, para ele eu no havia crescido. Assimvoltava se e me dizia, com uma ternura incrvel: "Como est minhapequena, no ests enjoada?". Ou me pedia que lhe contasse coisas deDeus, no sobre fatos que aconteceram naquela noite, mas sim sobrecomo eu via as coisas e como opinaria o Senhor sobre isto ou sobreaquilo.Assim transcorreu o caminho, que no era muito longo, emuma doce intimidade. Foi uma viagem deliciosa e irrepetvel, quaseuma despedida entre pai e filha, uma filha que ia como moa, comnuvens de tormenta sobre sua cabea e que voltaria como mulher,para deixar definitivamente a casa paterna, se que pudesse voltar.Manasss nos acolheu magnificamente. Seu irmo j lhehavia comunicado que chegaramos e ele preparara dois quartos desua bela casa, um na ala de mulheres para mim e outro na ala doshomens para meu pai. Como j era tarde, ofereceu gua para nosbanharmos e logo nos apresentou sua jovem mulher e a seus doisfilhos pequenos. Eu jantei com as mulheres e Joaquim com oshomens e depois nos despedimos at o dia seguinte.Antes de deitar-me, falei com Lia, a esposa de Manasss.Era dez anos mais velha que eu. No tinha pais e havia herdadouma grande fortuna que repartira com seu nico irmo. Seucasamento ia bem, assim como todos os negcios de seu marido,que ela favorecera com a herana que levou ao matrimnio. Comoningum sabia sobre o que acontecera e a visita a Isabel era normal,devido sua gravidez, minha viagem passou desapercebida e osassuntos se desenvolveram com normalidade. Lia foi muito amvelcomigo e depois de um certo tempo levou-me a meu quarto e medeixou s.Naquela noite dormi muito bem. Despertei com a alvorada,como se nada tivesse acontecido. As criadas j estavam cuidando dacasa e aceitei quando me ofereceram leite quente e po para aprimeira refeio do dia. Antes, quando despertei, dei graas a Deuspor sua proteo e por renovar minha disposio de aceitar a todo omomento sua vontade, sempre contando com sua fora para poderlev-la a cabo.Estava tomando a primeira refeio quando apareceu Liacom seu filhinho nos braos. Ele no estava bem e havia passadomal a noite. Tinha o rosto cheio de pintas e chorava sem cessar Ajovem me estava assustada. Falava se de uma epidemia no povoadoe, de fato, trs meninos tinham morrido dias antes, apsapresentarem sintomas iguais ao do filho de Manasss. Eu no sabiao que fazer. Tinham-se portado to bem comigo que desejavacorresponder de alguma maneira, mas no entendia de medicina,nem de velhos remdios base de ervas e emplastros que algumasmulheres aplicavam com xito. Mas sabia rezar. Propus a Lia quenos ajoelhssemos e pedssemos ao Senhor que ajudasse seumenino e que, em todo o caso, fosse feita a sua vontade. A me meolhou surpresa e depois de um momento de dvida, aceitou.Ajoelhou-se junto a mim, com o pequeno que no parava de chorarnos braos e esperou em silncio que eu fizesse algo. De minhaparte, no tinha idia do que dizer. Se meu pai l estivesse recitariaalgum velho salmo ou trecho de algum profeta, porm no me atreviaa faz-lo para no me comprometer. Durante alguns minutospermanecemos em silncio, eu um pouco nervosa e Lia embalandoo menino e esperando. Em seguida levantei a voz e supliquei compalavras simples ao Todo-Poderoso que ajudasse aquela criana, sefosse sua vontade, e que ajudasse seus pais a aceitar em todos osmomentos os seus desgnios. Uma vez concluda a pobre orao,dei um beijo na fronte do pequenino.Ento, aconteceu. O menino, que se chamava Levi, acalinou-se de repente. Sorriu, abriu os olhos, agarrou-se em sua me edepois dormiu. As pintas comearam a desaparecer naquele instante.Lia me olhou e compreendeu que minha orao fora ouvida, pois omenino estava com uma respirao tranqila, como no havia tidodesde que se iniciara a erupo. Colocou o menino, suavementepara no despert-lo, nas mos de uma criada e me deu um forteabrao, cumulando-me de palavras de gratido.Eu estava estupefata. No porque duvidasse de que asoraes servem para algo ou de que Deus me escutara. Em muitasocasies, tinha visto como minhas splicas eram atendidas nomesmo instante, at o ponto em que decidi pedir somente coisasimportantes, porque tinha a impresso de que o Senhor estavasempre espera de que eu pedisse qualquer coisa para me concedere no queria abusar dele. Porm nunca me acontecera nada igual,considerando a seriedade do caso. Contudo, no tive muito tempopara meditar sobre isto. Lia me levava por toda a casa e explicava auns e outros o que ocorrera. Apareceu Manasss, seu marido, elogo Joaquim, meu pai, que se alegraram com a cura do pequeno.Lembro que meu pai me olhou muito srio e tive a impresso deque, se no estivssemos diante de tanta gente, se colocaria denovo de joelhos diante de mim, como fizera no dia anterior. Pormno disse nada. Somente se dirigiu a Manasss para recomendar-lhe uma vez mais que cuidasse de mim e preparou sua volta a Nazar.Eu o vi partir pelo caminho repleto de oliveiras. Tive aimpresso de ter posto sobre seus ombros uma pesada carga, a deter que explicar a todos - inclusive a Jos - que sua filha estavagrvida antes de regularizar definitivamente seu casamento. Foium dos momentos mais difceis daquele ano. Suspirei fundo vendomeu pai partir e pedi ao Todo-Poderoso que o ajudasse. Eu sabiaque se deve ser fiel a Deus at mesmo do que aos homens e, comoensina a Tor, o mandamento de amor faWia o quarto, enquantoo de amor a Deus o primeiro. Mas no podia deixar de sofrerpensando em Joaquim e tambm em Ana pelo que estavamsuportando por mim, e roguei a Deus que fosse benevolente comeles e que os ajudasse a encontrar uma sada honrosa e digna.Uma nova vida comeava para mim naquele momento. Estavas, sem ningum dos meus a meu lado, e era muito jovem. Possuauma fora interna mais poderosa do que um exrcito, a mesma foraque possui uma mulher que sabe que tem uma nova vida em suasentranhas. Tinha que lutar para dar vida a meu filho e sabia que estava,de maneira absoluta, nas mos de Deus, nas melhores mos.Voltei para dentro da casa de Manasss. Lia, com o pequenoLevi nos braos, estava me esperando. Preferira ficar dentro de casapara deixar eu e meu pai sozinhos na despedida. No sabia nada doque se passava, porm intua que eu estava sofrendo. Logo que meviu, o menino estendeu as mos e eu o peguei no colo. Aquelemenino vivia pela graa de Deus, graa que, de alguma maneira, euconseguira para ele. Compreendi que aquilo era um smbolo, osmbolo do que deveria ser minha vida e a de meu filho: renunciar atudo para poder ser de todos e cuidar de todos; renunciar minhavida para distribu-la entre os demais; renunciar inclusive aos meuspara que todos pudessem me considerar como sua. E disse de novoa Deus que sim. Disse atravs de um beijo no pequeno Levi, comum sorriso para sua me e com uma lgrima furtiva que rolou demeus olhos, porque no conseguia deixar de pensar nas costasencurvadas de meu pai.JOS, UM NOIVO SURPRESO O que vou te contar hoje, Joo, eu s soube muito tempodepois. Fazia um ms que me encontrava na casa de Isabel e tudo sedesenvolvia do melhor modo possvel, quando recebi uma mensagemde meu pai. Guardei-a com carinho todos estes anos, entre meusescassos pertences. Toma-a e avalia como tudo foi difcil, embora euno conhecesse os detalhes antes de meu regresso a Nazar que,por certo, aconteceu bem mais tarde do que a minha famlia desejava. "Shalom, querida filha. Que o Senhor continue protegendo-te ete mostre sempre, como at agora, seu rosto. Ns, tua me e eu, estamos bem, desejando a tua volta. Sem tinossa casa est vazia e s a certeza de que tudo o que ocorre queridoporYaveh serve-nos de consolo. Espero que tu tambm estejas bem, comonos fizeste saber quando chegaste casa de Isabel. Peo-te que a sadesde nossa parte agradecendo a hospitalidade com a qual te brinda. Escrevo-te para que saibas que podes voltar quando quiseres.Tudo correu do melhor modo possvel, embora no tenha sido fcil noprincpio. Contay te-ei tudo com detalhes no teu regresso, porm somenteadianto que por um momento estiveste a ponto de ser repudiada. Tiveque pedir a interveno do Senhor e o fiz de tal modo que Jos no sdeixou de colocar dificuldades como te espera de braos abertos e seconsidera um afortunado de acolher a ti e a teu filho em sua casa. vem logo, filha. Tua me e eu necessitamos de ti ao nosso lado.Temos sofrido tanto que s a tua presena pode agora nos confortar.Queremos cuidarde ti e tambm, perdoa que te diga, servir te. Morremosde vontade de ter te novamente em nossos braos. J falei com Manassse logo regressar uma caravana dele que partiu faz duas semanas parajerusalm. Pede a Zacarias que te acompanhe ao cruzamento doscaminhos e no faas a viagem sozinha.Cuida-te, luz de nossos olhos. Que o Senhor te cubra com suapaz. Saudaes de tua me e minhas. JOAQUIM."Meu pai me contou, quando enfim pude voltar para casa,que, efetivamente, ao despedir-se de mim em Can, o mundo lheviera abaixo. Na minha frente se fez forte, colocando uma cara boano mau tempo, para no me preocupar. Porm quando ficou s emal deu-me as costas, ps-se a chorar entristecido.Como ia agora explicar a seus amigos e vizinhos que suafilha, sua pequena, esperava um filho sem ter se casado? Por maisque no fosse a primeira vez que isto ocorria, e mesmo quandoJos aceitou reconhecer a criana como sua, no deixava de serassunto para comentrios de comadres o fato de que Maria nosoubera esperar alguns meses antes de consumar o casamento comseu prometido. A coisa era lcita, certamente, porm era costumeque os esposos no tivessem relaes at que coabitassem, nasegunda e definitiva fase do matrimnio.Para meu pai meu nome era sagrado. Que minha fama e minhahonra pudessem ser postas em dvida pela gente da aldeia era algoque ele no aceitava. Sempre teve orgulho de mim, porque no eracomo as outras moas, no participava das bagunas que s vezesfaziam outras crianas e no coqueteava, como faziam minhas amigas,com os jovens da aldeia. E agora todo aquele orgulho vinha abaixo.Ele ouvia os comentrios cheios de ironia das mulheres deNazar: "Olha, olha, to boa como parecia Maria, to santinha. Olhapara esta mosca morta, grvida, e a est - para que no te fies emguas mansas". Tremia pensando nas perguntas dos homens: "Quetal, Joaquim, como vai tua filha? V como est hoje a juventude.Enquanto te descuidas, te fazem av".De repente, segundo me contou, percebeu algo estranho.O sol estava subindo e estava quase no znite. A primavera semostrava, como nos dias anteriores, em todo o seu esplendor. Pormno foram estes sinais externos de esperana que o animaram. Eraalgo que estava fora dele e s vezes dentro. No se tratava de umaapario, mas de uma presena divina. Uma presena que meu painotou rpido, acostumado como estava intimidade com Deus.Joaquim, como j disse, era um homem religioso. Religiosono melhor sentido da palavra. No pertencia seita dos fariseus,nem a nenhuma outra das seitas ou associaes que tantoproliferavam em nosso povo. Melhor dizendo, era um anawin, umdaqueles que Isaas havia profetizado quando disse que um restoficaria em Israel, do qual nasceria o Messias.O "resto", a pequena poro de autnticos israelitas a quepertencia meu pai, caracterizava-se por buscar o esprito da lei eno se condicionar letra. Sua relao com o Senhor era uma relaodo corao, mais do que de preceitos minuciosos, cumpridos comescrpulo, sem que com isto se possa dizer que os infringia.Simplesmente lhes dava um valor justo, nem mais nem menos.Meu pai no necessitava, pois, de aparies espetaculares.Estava acostumado a tratar com Deus, a falar com Ele com respeitoe tambm com intimidade. Assim, em seguida, Deus utilizou o canalque tinha aberto de maneira permanente com ele e lhe explicou - eeles se explicaram."V a confuso em que te meteste", comeou a dizer Deus a meupai, "querido Joaquim. Sei que ests entristecido e achas que a cargaque depositei sobre teus ombros superior s tuas foras. Pormno verdade. Se no posso pedir isto a ti, a quem pedirei? Acaso nofoste tu que durante tantos anos me disseste que eu podia contarcontigo, inclusive sem pedir permisso? Ou tudo que construmosjuntos este tempo todo no foi mais que um brinquedo, uma aparnciaque valia enquanto no se colocasse tua disponibilidade prova? Almdo mais, Joaquim, deverias sentir te muito, muito feliz, pelo fato deque em tua casa vai nascer o Messias. No esse, por acaso, o sonhode todo bom judeu? No te invejariam todos os teus amigos, cujojuzo agora temes, se soubessem o que de fato ocorreu?""Senhor Todo-Poderoso", respondeu meu pai, "teu nome eterno e tua misericrdia vai de uma poca a outra, de uma geraoa outra. Perdoa este teu servo se sentiste em algum momento minhafraqueza. certo que estou angustiado, porm no creias que mefalta pulso e que vacilo em minhas decises. Fizeste bem em atuarem minha casa sem me pedires permisso, pois minha casa tua,sou um servo e tu meu Senhor A permisso j pediste minha filhae ela, que deveria decidir tudo, j a concedeu. Assim, no tenho maisnada a dizer Ao contrrio, sei que estou sendo objeto de uma grandehonra por teres confiado em minha pequenez e me concedido aimensa fortuna de que seja minha humilde casa a precursora da novaCasa de Israel. Porm, Senhor, no estranhes que eu tenha medo.No o tenho por mim, nem pelo apuro que me espera na hora derelatar os fatos. Tenho por ela, por Maria, e pelo filho que leva emsuas entranhas. Que far Jos? Que ser deles se ele recha-la comosua esposa? bem verdade que, agindo com rapidez, consegui colocla a salvo e dentro em pouco estar muito longe. Porm, se no pudervoltar a Nazar, dever viver sempre longe de seu lar, como umaproscrita, sem recursos, j que somos pobres.""Joaquim, Joaquim", disse o Senhor, " assim que me entendes?Duvidas que eu, que constru o Universo e ante minhas palavras seabriram as guas do mar Vermelho, no seja capaz de resolver umacoisa to simples? Tem confiana em mim e no temas. na confiana,no te esqueas, que reside a ta fora. Deixa fazer a meu modo e ficaatento minha voz para atuar conforme te digo, embora s vezespossa parecer que o abismo se abre ante teus ps."Assim chegou a Nazar. Terminava a manh e logo seria a horade almoo. Meu pai se encaminhou para casa, subindo pela colina,fatigado como estava e procurando no chamar a ateno. Encontrouminha me s, como era de esperar, j que com a minha ausncia afamlia se reduzia aos dois. Ana o abraou e pediu notcias. Joaquimlhe contou tudo, incluindo o milagre que se havia produzido resultantede minhas oraes, assim como a conversa to consoladora quehavia mantido com o Senhor durante a viagem. Ana, por sua vez,disse-lhe que naquela mesma manh Jos passara pela casa eestranhara que Maria tivesse partido to precipitadamente at AinKarem, sem sequer despedir-se dele. Queria saber quanto tempoto enamorado, dizia minha me, que a ela partia o corao pensarno golpe que ele estava prestes a receber.Meu pai engoliu em seco ante essas notcias, porm noabandonou a deciso que havia tomado: confiar em Deus e no duvidarem momento algum de que tudo estava em suas mos e que,portanto, tudo sairia bem. Combinou com Ana que naquela mesmatarde iria ver Jos e que a ele, antes de mais ningum, explicaria ascoisas. Depois comeram e, enquanto minha me arrumava as coisasem casa, Joaquim foi descansar um pouco.O sol se punha quando Joaquim pediu permisso para entrar nacasa de Jos. Era uma casa muito parecida com a nossa e no seencontrava longe dela. Jos morava sozinho, seus pais haviammorrido poucos anos antes e s tinha uma irm, que morava emoutra parte do povoado. Ali, em sua casa, mantinha sua oficina decarpintaria, que, na realidade era um pouco de tudo, pois ele era umarteso que, ao mesmo tempo que construa uma porta, ferrava umcavalo ou reparava um arado se fosse preciso. Jos convidou Joaquima entrar e lhe ofereceu, amavelmente, gua para as mos e a melhorbanqueta para que se sentasse. Logo Jos, compreendeu que algose passava, o que no era dificil de adivinhar vista do semblantepreocupado de meu pai. Este foi diretamente ao assunto."Jos, como sabes, Maria est a caminho de Ain Karem, pertode Jerusalm. Temos ali uma prima, Isabel, que talvez tu conheas,casada com Zacarias. idosa, tem a idade de Ana minha mulher.At agora no teve filhos e todos a consideravam estril e noscompadecamos por to terrvel desgraa. Porm o Senhor seapiedou dela e da casa de seu marido. Est grvida de seis meses eMaria foi acompanh-la at o momento do parto. Porm, no sisso que venho dizer te". Meu pai fez uma pausa, respirou fundo elanou uma confisso aparentemente incrvel e que contava comtodas as condies para terminar mal. "O que quero dizer-te, Jos, que Maria est grvida. Sabemos que no foste tu e podemosgarantir que ela completamente inocente e que te ama muito.No te posso dizer mais nada. A coisa no pblica. Sua gravidez recentssima e agora est em tuas mos a deciso que devemostomar."Conforme contou meu pai, Jos se ps a chorar. Certamenteestava enamorado de mim. E eu dele. Nutramos simpatia mtua e,em nosso caso, o casamento pactuado por nossas famlias fora umacerto pleno. Era um homem bom at o fim. Era religioso, ao estilode meu pai e de minha me, sem alardes nem afetaes. Temerosode Deus e fiel cumpridor de seus preceitos, no para descobrir asbrechas da lei e fazer o mnimo com a conscincia tranqila, e simpara ajustar sua vida vontade do Senhor com normalidade e alegria.Quando se acalmou, sem que meu pai se atrevesse a dizer lhenada ou a colocar a mo em seu ombro, por medo de uma bruscareao, Jos levantou os olhos. Olhou meu pai e lhe pediu explicaes.Que acontecera? Fora uma violao? Estava eu enamorada de algumrapaz da aldeia? E, principalmente, como era possvel que eu, aquelaque ele e todos no povoado consideravam incapaz de cometer umafalta por menor que fosse, pudesse perpetrar semelhante desatino?Meu pai se negou a dar lhe explicaes. Somente reiterou que eu erainocente do que ocorrera, no havia homem algum e tampouco houveviolao. Compreendendo a situao difcil, meu pai no quis levar ascoisas at o extremo, porm insistiu em que eu era uma pessoa dignae que ningum poderia me repreenderJos estava assombrado com o que ouvira. Como no haviahomem algum nessa histria? E ento como poderia ter ocorrido agravidez? Se eu era inocente, quem me violara? Enfim, perguntasdemais que no teriam outra resposta a no ser a verdade, pormmeu pai se recusava a contar, pois essa histria soava a mentira.Joaquim confiava em Deus e decidira deixar em suas mos asexplicaes, pois Ele, Deus, era quem havia desencadeado tudo.Quando Jos se acalmou um pouco, sufocado ainda pelasnotcias, garantiu a meu pai que no ia me denunciar Pediria meurepdio ao rabino, porm em segredo, sem reclamar para mim ocastigo que cai sobre as adlteras e ao qual tinha direito para quesua honra no fosse manchada. Exigia sim, que eu jamais voltasseao povoado e pedia a meu pai que no tornasse pblicos a gravideznem o parto quando ocorresse. Confiava em que as notciaschegariam a Nazar passados alguns meses, quando talvez eletivesse contrado matrimnio com outra moa da aldeia.Meu pai agradeceu sua generosidade. Era muito duro aquiloque contara e Joaquim sabia que Jos se comportara como poucoshomens de Nazar o teriam feito. Acabava de poupar-me a vida.Minha sentena estava j traada: era uma proscrita dos meus, edeveria viver errante, sem marido, com um filho sem pai, ajudadasomente por Joaquim e Ana, enquanto pudessem faz-lo, e depoiscondenada quem sabe a que tipo de escravido. Porm,momentaneamente, respirava mais aliviada.Joaquim no abraou Jos, nem lhe deu os dois beijos depaz com que sempre se saudavam ao se encontrarem e sedespedirem. Sentia ter feito aquele pobre rapaz sofrer e o amavacomo a um filho. Compreendia sua dor e no reprovava sua atitudeembora o tempo todo estivesse esperando um milagre. Porm estemilagre no aconteceu. Saiu da casa com a cabea baixa e com ocorao entre angustiado e aliviado. Dentro deixava um jovemcompletamente confuso e com a vida destroada. J era noite emNazar. Uma noite terrvel para Joaquim, Ana e Jos, por mais quea lua insistisse em pintar de branco as ruas e os telhados da aldeia.Meses mais tarde, quando tudo j estava resolvido, Jos mecontou o que acontecera aps meu pai ter se retirado. Ajoelhara se.Metera a cabea entre as mos e permanecera chorando durantehoras. No podia odiar-me nem me desprezar, mas tambm nopodia deixar de ficar surpreso com o que havia ocorrido. No podiadeixar de pensar em mim nem em modificar o carinho que sentia.Apenas repetia: "Por qu? Por qu? Por qu?". Logo comeou amaldizer se pelo seu esttpido orgulho que o levara a repudiar-me,embora dessa maneira salvasse minha vida. Por que tinha que merechaar? Por que no poderia viver comigo e aceitar como seu ofilho que eu esperava? Que estpidos caprichos o impediam deignorar o que acontecera e a seguir em frente com os planos jtraados? E, contudo, no podia comportar se como se nada tivesseocorrido. Era superior s suas foras. O amor que tinha por mim, ador que o destrua por dentro ao pensar que j no poderamoscompartilhar juntos a vida, no eram suficientemente fortes paraaceitar-me com o filho de um estranho, de algum que, alm domais, nem sabia quem era, pois meu pai no quisera dizer.Passou muito tempo assim. A noitej avanava quando foi dormirComo costuma acontecer quando se chora, conciliou o sono em seguidaLogo despertou. No quarto havia algum. Levantou-se sobressaltado ecom medo. Por um momento pensou que se tratava de um pesadelo, deum sonho mau, fruto, quem sabe, de remorsos. Porm no, ali estavaalgum, com uma luz tnue que clareava todo o quarto."Olhava-me com calma e silncio", explicou Jos quandome contou o ocorrido. "Parecia esperar, cheio de tranqilidade, queeu serenasse. Mais calmo, com a impresso de que esse algumno me ia fazer dano algum, porm mantendo-me afastado o quantopodia, perguntei quem era e o que queria de mim. "Jos, filho deDavi, sou um anjo do Senhor, um mensageiro de boas notcias. Venhode sua parte transmitir te uma ordem sua. No temas em tomarMaria como tua mulher porque o que nela est semeado obra doEsprito Santo."Jos ficou petrificado. Se aquela criatura era um homem,significava que j era conhecido o assunto de Maria, e assim asitao se complicava ainda mais. Porm se era, como dizia, umanjo de Deus, as misteriosas palavras de seu sogro Joaquim ficavamperfeitamente compreensveis. Algo estranho havia por trs dissoe essa situao poderia ser compreendida, em se tratando de umainterveno divina que tomara Maria como seu instrumento demediao. Seu corao comeou a dar pulos de alegria. Poderia tratarse de um engano, porm ele estaria perto da sada de um tneltenebroso em que a revelao de Joaquim o fizera submergir Comolhe parecia mais aceitvel a segunda hiptese, perguntou-lhe:"A que se deve tudo isto? Por que Deus se intromete emnossas vidas e muda os planos das pessoas sem consult-las? Queexiste por trs de uma interveno to estranha, to extraordinria?E, finalmente, como saberei se s um enviado de Deus?"O anjo foi conciso em suas explicaes. Lembrou-lhe algumasprofecias, particularmente as do profeta Isaas: "Eis que a Virgemconceber e dar luz um filho e lhe colocar o nome Emanuel".Falou-lhe, inclusive, da cena que, no sbado anterior, tivera lugar nasinagoga. Chegara a hora do aparecimento do Messias e suaprometida, Maria, fora eleita para que esse nascimento pudesseocorrer. A ela foi pedida a permisso, como cabia. E agora ele tinhaque cumprir a sua parte para que tudo resultasse bem e a obrasalvadora de Deus pudesse ser levada a cabo. "Maria dar luz umfilho", concluiu o anjo, dando por encerradas as explicaes "e tulhe pors o nome de Jesus, porque ele salvar seu povo de seuspecados." Quanto prova de que procedia do Altssimo e de que eraum mensageiro seu, disse com ironia: "Tanto tempo sendo amigode Deus e ainda no sabes distinguir o que vem dele, pela paz quese produz em seu esprito? Se queres, posso deixar alguma provamais contundente, porm seria prefervel no tentar o Todo-Poderosocom tua desconfiana e te limitar a ouvir teu corao". Jos abaixoua cabea, envergonhado, sabendo se tratar efetivamente de ummensageiro divino e reconhecia ter se equivocado ao exigir lhe maisprovas de que a sua certeza lhe dava. Ao v-lo assim, o anjo sorriue, em silncio, como havia acontecido comigo, retirou-se.Jos no teve mais dvidas do que deveria fazer verdadeque tdo poderia ser uma farsa, uma forjao mental, um sonho. Pormtinha certeza de que no era isso. Aquela apario fora verdadeira,to verdadeira como se encontrava agora em p, em seu quarto, dentrode sua casa fechada. No mais, tudo se encaixava. Encaixava-seprincipalmente o que para ele era mais importante: a honra de suaprometida, minha honra, querido Joo. Sentiu uma profunda dor: porum momento duvidara de mim, que jamais lhe dera motivos paraisso. Compreendeu que devia ter aceito a palavra de Joaquim, mesmoque o que contava fosse um meio disparate. Compreendeu que amaior prova da honradez de uma pessoa a palavra dessa pessoa,quando se trata de algum confivel, e que todas as outras provasjuntas podem ser completamente falsas e fabricadas de propsitopara enganar a todos que exigem papis ou mil testemunhas.Vestiu-se rapidamente e saiu rua. Alvorecia, embora assombras atingissem parte das ruelas estreitas de Nazar. Chegou casa de meus pais e bateu suavemente porta para no despertaros vizinhos. Esperava o primeiro canto do galo. Sua surpresa foiainda maior quando a porta se abriu e meu pai o recebeucompletamente vestido e sorridente, fazendo-o entrar. Minha meestava dentro da casa, esperando por ele.O mistrio se dissipou em seguida, dadas as explicaes.Quando sara da casa de Jos, Joaquim sentira uma grande paz.Cumprira sua parte, havia passado por um amargo pedao, e agoraestava seguro de que tudo iria bem, por mais que tivesse deixadopara trs um rapaz desolado. Sabia que Deus atuaria e que o resultadoseria o melhor possvel.Ao chegar ao nosso lar, falou com minha me e se deramconta de que somente poderiam fazer uma coisa: rezar Deus tinhaque atuar depressa e teriam que pedir-lhe que no demorasse.Decidiram passar a noite luz de vela, orando para suplicar ao Senhorque acelerasse a hora e que ajudasse Jos a compreender que Eleestava por trs de toda aquela imensa confuso. Pouco antes deJos bater porta, ambos tiveram a certeza de que suas splicastinham sido ouvidas. Levantaram-se, depois de dar graas a Deus, edecidiram esperar, pois tinham certeza de que Jos no demorariaa aparecer para dar explicaes. Conheciam-no bem, sabiam de suamensa bondade e por isso no duvidavam de que no deixaria passarmuito tempo at tranqiliz-los.Os trs se abraaram e prorromperam em cantos de louvorao Senhor, que se dignara a conceder lhes a tarefa mais preciosa aque poderia aspirar qualquer membro do povo eleito: servir de beropara o nascimento do Messias.Depois traaram planos. Era preciso dar ao povo a notcia dagravidez de Maria, passando pelo apuro de aceitar que Jos era opai, sem fornecer maiores explicaes. Era preciso preparar todo onecessrio para o casamento, a fim de que a criana nascesse j noseio da famlia plenamente constituda. E, principalmente, deveriamme avisar quando poderia voltar. Imediatamente meu pai escreveu-me a carta da qual te falei, Joo. Contudo eles no sabiam que eurecebera outro presente de Deus ao chegar a Ain Karem e que nopodia deixar Isabel sozinha e voltar imediatamente a Nazar, comoera o desejo deles.A EXALTAO DA ESCRAVAEu cheguei a Ain Karem aps uma viagem muito pesada,mas bem tranqila. A cura milagrosa do pequeno Levi, filho deManasss e Lia, no s me havia aberto de par em par o coraodaquele casal, como tambm me havia rodeado de uma aurola demistrio e respeito perante a criadagem. Todos me olhavam de umaforma estranha, como se, ao invs de uma jovem de quinze anos, eufosse algum muito importante. Eu permitia que me atendessem ecuidassem de mim, principalmente porque estava um poucoassustada perante uma viagem to extraordinria para mim, que atpouco tempo praticamente no tinha sado de minha aldeia.No faltando muito at Jerusalm, num cruzamento decaminhos conforme o previsto, esperava-me Zacarias, o maridode Isabel, com dois criados para conduzir-me sua casa.Zacarias no conseguia falar, ficara mudo misteriosamente,coincidindo com a gravidez da esposa. No obstante, me deu aentender que estava surpreso por eu saber do prximonascimento de seu filho, j que tiveram muito cuidado paraque a notcia no fosse divulgada, pois sendo Isabel idosa, noqueriam expor-se a curiosidades antes da hora. No fim, atravsdos criados, inteirei-me de algumas coisas, j que circulava orumor de que a concepo do filho de Isabel havia sidomilagrosa, no como no meu caso, e que a falta de f de Zacariaslhe provocara a mudez como castigo de Deus.Assim, falando com um por sinais e com outros porpalavras, e contemplando a paisagem montanhosa que me pareciaa mais bela do mundo, talvez por estarmos prximos da nossaquerida Jerusalm, chegamos ao vale onde moravam Zacarias eIsabel. Ela no estava em casa no momento. O escurecer, queem nossa terra, como sabes, mais cedo do que nesta orla domar, estava a ponto de comear, e ela tinha ido a um stio quepossuam a curta distncia de sua casa, para ajustar depsitos,trilhas e canteiros. Como eu no estava cansada demais e tinhamuita vontade de ver Isabel, deixei Zacarias em casa e,acompanhada de uma jovem criada, fui ao encontro de Isabel.Custou-me muito subir a encosta, finalmente cheguei. Aliestava, em estado avanado de gestao, mais velha do que eume lembrava, porm to enrgica e decidida como sempre. Nopude conter um grito de saudao: "Isabel," exclamei, "vim!". Elavoltou a cabea. Sabia que eu estava por ch