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O ECOMUSEU COMO ELEMENTO ESTRATÉGICO PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL-REGIONAL E AGENTE DEFINIDOR DE
GEOESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE DOS TERRITÓRIOS
António Pedrosa Universidade do Porto – Portugal
Tulio Barbosa Universidade Federal de Uberlândia
[email protected] Resumo O presente trabalho tem como centralidade apontamentos importantes para pensarmos o Ecomuseu como modelo de sustentabilidade territorial apoiado na valorização do patrimônio cultural e natural das comunidades rurais tradicionais. O Ecomuseu tem como finalidade a promoção dos aspectos patrimoniais e o desenvolvimento das comunidades rurais tradicionais pelos seus modos de vida, impedindo o avanço sistemático das exigências exógenas da globalização. Palavras-chave: Ecomuseu. Comunidades Rurais Tradicionais. Sustentabilidade. Identidade cultural. Patrimônio cultural e natural. Introdução O Ecomuseu na sua base conceitual deverá constituir-se como: espaço de valorização de
recursos e patrimônio; espaço de representação de identidade territorial e cultural;
espaço de formação, investigação e experimentação; espaço de conservação e
cooperação interinstitucional; espaço de participação e cidadania e um espaço de
inovação e de mobilização de novas atividades. (BABO; GUERRA, 2005)
Deve então ser concebido como um museu de um território pressupondo um forte
envolvimento de populações e instituições locais no processo de valorização dos
diversos patrimônios, dos recursos naturais endógenos e dos valores culturais
identitários da região, devendo assumir-se como um elemento de importância
significativa na estratégia definida para o desenvolvimento territorial.
A ideia de um Ecomuseu para uma determinada região deve resultar da consciência e
importância que a população tem do seu território, mas também da preocupação de
salvaguardar um patrimônio, nas suas múltiplas componentes, natural, cultural e
socioeconômica, tendo como finalidade contribuir para o desenvolvimento das próprias
populações (BABO e GUERRA, 2005). Por isso, o conceito de Ecomuseu ou de Museu
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do Território repousa na valorização dos seus recursos chave: população, patrimônio
natural e construído e valores culturais.
Nenhum território poderá ser sustentável se a população local não conhecer e
reconhecer as potencialidades do local onde reside, assim como, se não souber tirar
dividendos da valorização desses sítios, a que alguns chamam patrimônio enquanto
outros apenas veem “patrimônios” (TEIXEIRA, 2005). Deste modo, entendemos que
esta nova visão terá de ter implicações na melhoria do seu modo de vida da população e
na sua forma de encarar o futuro.
Assim, o conceito de ecomuseu deve procurar manter os níveis de sustentabilidade de
desenvolvimento e alcançar a revitalização do território que abarca. Esta ideia só pode
ser alcançada se a comunidade se sentir envolvida no projeto, que terá de ter também
como prioridade o aproveitamento e valorização do patrimônio e identidade cultural,
também deve incentivar e promover a diversificação de outras atividades no seu espaço,
nomeadamente associadas ao turismo cultural e/ou outras que propiciem uma melhoria
socioeconômica e permitam encontrar novos motivos que levem a que a população se
fixe no território (PEDROSA e PEREIRA, 2012).
O Ecomuseu pode ser entendido como um espaço de memória, mas, ao mesmo tempo,
vocacionado para o desenvolvimento se considerarmos que: situa os objetos no seu
contexto, preserva conhecimentos técnicos e saberes locais, consciencializa e educa
acerca dos valores do património cultural; implica interpretar os diferentes espaços que
compõem uma paisagem; permite desenvolver programas de participação popular e
contribui para o desenvolvimento da comunidade (TEIXEIRA, 2005).
A noção de ecomuseu inspira-se na ideia de um “museu integral”, que nos remete de
imediato para dois aspectos essenciais: o espaço e o tempo. A este propósito Fernando
Pessoa (1992) afirma que o ecomuseu: “é ao mesmo tempo um museu do tempo e do
espaço, congregando a exposição do fio condutor da duração dos séculos com a
presença real do espaço que guarda as marcas do passado".
Deste modo, é nosso objetivo destacar neste trabalho caráter multidimensional que o
Ecomuseu deve possuir, conferindo-lhe uma dialética particular no incremento das
relações entre património e desenvolvimento e sustentabilidade, permitindo-lhe assumir,
assim, um papel agregador e de dinamizador das diferentes componentes da realidade
regional em que se insere, partindo da diversidade de recursos e de atividades que possa
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integrar – recursos naturais, recursos culturais, património edificado e habitat, saberes-
fazer tradicionais, capacidades de inovação, atividades a promover e serviços a prestar.
É, também, nosso objetivo demonstrar que a implementação do Ecomuseu passa
claramente pelo conhecimento e valorização do patrimônio que permite fazer sobressair
à identidade cultural do território. (TEIXEIRA, 2005).
Com este conhecimento que resulta da investigação deve defender um projeto de
desenvolvimento baseado nos fatores endógenos que mobilize as populações locais para
a promoção e divulgação dos recursos existentes através de diversas formas de
marketing territorial. Deve, ainda, ter um papel importante como promotor turístico
através da concepção e promoção de produtos específicos relacionados com o território
em que se inserem resultantes de uma organização seletiva da oferta turística
assegurando uma boa articulação da agenda cultural.
Os valores patrimoniais e a identidade cultural dos territórios como suporte do Ecomuseu. Em tempos de globalização, de fluidez das informações e dos valores a ideia de
identidade territorial precisa ser reorganizada nas próprias comunidades, ou seja, as
imbricações das transversalidades culturais impuseram uma disritmia nas concepções de
muitas comunidades quanto à suas identidades culturais e territoriais. Neste sentido, a
partir de Santos (2008), entendemos que as comunidades e suas tradições foram e são
impactadas por valores e concepções que distanciam os mesmos de suas origens
históricas e geográficas.
Perante esta ideia compreendemos a partir de Santos (1978) que a relação dos valores
patrimoniais e a identidade cultural é ponto essencial para a formulação de políticas
concernentes à sustentabilidade das comunidades centradas em valores tradicionais e
que foram afastadas dos processos de modernização do capitalismo pelo próprio arranjo
e rearranjo produtivo. O distanciamento da “modernização” acarretou o
empobrecimento destas comunidades, que não foi voluntário, uma vez que as
imposições do modo de produção capitalista não selecionaram os territórios destas
comunidades e, como tal, foram negligenciados pelo sistema.
Ao mesmo tempo, este cenário de tensões apresenta questões importantíssimas para a
formulação de críticas ao próprio sistema; assim, a partir de Morais (2012)
compreendemos que essa conjuntura leva à construção de resistências. Deste modo, o
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Ecomuseu surge como organização político-social e econômica voltada, sobretudo, para
a resistência das imposições da modernidade excludente e para a reorganização
comunitária a partir de seus valores e tradições, em outras palavras, o Ecomuseu
proporciona o renovar das comunidades sem impor-lhes condições antagônicas aos seus
modos de viver.
Valores patrimoniais e culturais tem como resultado a construção de uma identidade
territorial, ao pensarmos sobre determinada parte do território não refletimos apenas o
geográfico, já que as pessoas fazem o território. Conforme Coimbra (2010) as
identidades culturais são forjadas no movimento dialético entre as condições materiais
dadas, a geografia e o processo histórico; assim, os patrimônios naturais e/ou culturais
formam o arcabouço cultural e paisagístico os quais resultam numa concepção estética
particularizada e é justamente essa estética geográfico-histórica e cultural que formam
as condições patrimoniais para serem trabalhadas dentro da concepção do Ecomuseu.
São indissociáveis a estética e a cultura comunitária, visto que a partir desta relação à
constituição paisagística atua como patrimônio, ou seja, as condições ímpares de uma
dada comunidade centralizam informações fundamentais para a divulgação das
diferenças estéticas, paisagísticas e culturais as quais promoverão a comunidade e,
posteriormente, ampliará a eficiência dos objetivos do Ecomuseu. Sem esse aparato não
existe Ecomuseu.
A íntima e necessária relação do patrimônio material e imaterial com a cultura de
identidade territorial resulta num modo específico de viver; assim, o Ecomuseu subtrai o
obscurantismo da imposição homogeneizadora da globalização e reforça os modos de
viver específicos da comunidade. Essa especificidade é que garante a identidade cultural
ao mesmo tempo em que garante a eficiência do Ecomuseu, já que o seu princípio
norteador é a garantia do modo de vida destas comunidades e sua inserção no circuito
do turismo, da valorização dos produtos tradicionais, do artesanato, da gastronomia e
outros - elementos que permitem a continuidade de valores culturais (materiais e
imateriais) e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.
A imposição dos valores capitalistas via globalização são impedidos de avançarem nas
comunidades organizadas a partir de um projeto político e econômico comum; assim, o
Ecomuseu é simultaneamente a alternativa e a resistência dos modos de vidas destas
comunidades, já que ao partilharem seus valores culturais e patrimoniais com outras
pessoas (os turistas) estes serão divulgados com suas especificidades vivenciais,
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promovendo ao mesmo tempo a curiosidade quanto ao exotismo e o impacto no
cotidiano dos turistas, pois os mesmos se deparam (ou depararão) com valores e modos
de vida muitos diferentes dos seus cotidianos. Neste sentido, o Ecomuseu é um meio de
promover a sustentabilidade destas comunidades pela resistência a homogeneização dos
modos de vidas impostos pela globalização.
Valorizar o patrimônio e a identidade cultural significa reforçar a resistência contra as
operações impositivas do mercado globalizado promovendo o desenvolvimento das
comunidades na perspectiva da sustentabilidade. Os direcionamentos econômicos,
sociais, políticos e culturais destas comunidades atrelam-se ao circuito da não
globalização e isso possibilita o desenvolvimento de espacialidades específicas às quais
edificam novas lógicas e apresentam aos circuitos tradicionais da economia outros
caminhos operacionalizados pela identidade cultural e pela valorização do patrimônio
material e imaterial. Se as imposições dos circuitos capitalistas forjam as coerções dos
territórios e subtraem toda possibilidade de autonomia, o Ecomuseu promove relativa
autonomia econômica e considerável autonomia política e social, pelo que a valorização
da cultura endógena é uma barreira considerável às coações do sistema produtivo.
Obviamente, compreendemos a impossibilidade de total autonomia quanto às
imposições do sistema capitalista, porém o fortalecimento das relações comunitárias, o
apoio mútuo e a formação de uma identidade cultural são atributos suficientes para
construírem um modelo alternativo (e ao mesmo tempo resistência) ao atual.
A identidade cultural projeta o cotidiano para além do cotidiano, isto é, não se trata de
engessamento do passado no presente, uma vez que os sujeitos pelo caminho da
afirmação existencial e, neste sentido, os cotidianos dos moradores destas comunidades
vão além das imposições de uma tipificação veiculada ao modo de produção capitalista,
pois as resistências dos mesmos pela identidade cultural fornecem outras relações que
garantem a sustentabilidade dos mesmos.
A identidade cultural reflete-se na construção da paisagem através dos seus elementos
materiais e imateriais, constituição dos valores identitários passe pela ação construtiva
dos membros de uma comunidade, poroutras palavras, os sujeitos identificam-se
culturalmente pelas suas ações cotidianas, que exprimem suas experiências de vidas.
Neste sentido, pensar os valores culturais e patrimoniais como fomento para o
desenvolvimento endógeno passa, inegavelmente, pela constituição dos sujeitos
enquanto agentes de suas próprias experiências, portanto, a eficiência da elaboração,
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organização e prática do Ecomuseu depende das relações cotidianas dos sujeitos
vivendo em comunidade; assim, os valores culturais são visualizados a partir da não
interrupção do cotidiano da comunidade que terá a implementação do projeto do
Ecomuseu. De acordo com Teixeira (2005, p. 4): O ecomuseu, muito mais que uma simples instituição museológica, é uma instituição política, cultural e regional. Não se pretende negar ao homem rural os benefícios da tecnologia moderna pois se assim fosse haveria o risco, como afirma Rivière, de colocar uma população numa gaiola e o risco de a manipular. Trata-se sim, de procurar que ela encontre tais benefícios sem alienação da personalidade própria da comunidade a que pertence.
Pensar as comunidades rurais para além da imposição da divisão do trabalho é ponto
fulcral para a construção de uma identidade comunitária eivada de resistências e
capacidade organizativa sem a alienação tipificada do capitalismo. Para Teixeira (2005)
a não alienação da “personalidade” da comunidade insere-se na organização política e
cultural da mesma a partir da proteção à identidade cultural e patrimonial.
Nas últimas cinco décadas foram significativas às transformações no campo brasileiro,
resultado direto da revolução verde empreendida pelo capital internacional o qual
promoveu a sedimentação do conservadorismo no campo tendo como resultado a
fragmentação das comunidades tradicionais e a concentração de terras para
pouquíssimos proprietários. Essas transformações foram-se intensificando década a
década, cujo resultado reflete nos tempos atuais situações nefastas para as comunidades
rurais formadas por pequenos e médios proprietários. A utilização crescente e a
dependências das tecnologias produzidas e comercializadas pelas multinacionais
inseridas nas cadeias produtivas de commodities “excluíram” do setor produtivo
porções do território brasileiro, os quais podem ser compreendidas como locais
empobrecidos, pois os investimentos diretos do capital e do Estado somente se
encontram direcionados para áreas com capacidade de retorno para os investimentos.
Neste sentido, a identidade cultural corre o risco de negada pelos habitantes destas
regiões empobrecidas, pois os mesmos podem não desejar que outros os identifiquem
como sendo pertencentes à dada localidade, já que essa identificação pode levar a
construção de uma ideia errada e promover alguns preconceitos. Essa negação da
identidade cultural e territorial pode tornar-se um obstáculo para os empreendimentos e
ações que procuram supear as condições de pobreza, já que os esforços consorciados
das comunidades podem fragmentar-se.
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O desafio para a construção de um projeto de Ecomuseu está justamente nas condições
materiais da população rural brasileira, já que majoritariamente vivem em condições de
pobreza. Assim, a problemática consiste justamente na construção de um projeto
desalienante que permita a identificação dos valores patrimoniais e a identidade cultural
dos territórios. A negação dos valores patrimoniais e culturais é resultado da alienação
do sujeito perante as suas condições de vida; assim, não apresentamos os moradores das
comunidades rurais pobres como sujeitos incapazes de se organizarem política, social e
economicamente, pois o próprio processo de alienação é parte das estratégias de
sobrevivência, uma vez que as condições de vida no meio rural não suprem as
necessidades básicas dos mesmos.
A identificação com elementos negadores das condições de vida destes, como a vida
urbana, os grandes centros de compras, dentre outros, leva-os a buscarem uma nova
identidade que não mais se justifica pela ruralidade.
Os valores patrimoniais e a identidade cultural somente farão sentidos para esses
sujeitos quando os compreenderem como resistências ao quadro degradante de
imposição cultural nesses tempos de globalização. A identidade pelas condições
materiais e imateriais passa pelas relações sociais e o lugar destes sujeitos no modo de
produção capitalista; assim, as comunidades rurais precisam associar o modo de vida as
resistências necessárias para se imporem ao capitalismo.
A resistência pelos valores patrimoniais e culturais reside justamente na capacidade de
sobreviver e progredir sem abdicar das tradições e dos valores ímpares que compõem
uma comunidade, em outras palavras, sem agressões ao modo que essas pessoas vivem
e pensam, trata-se do respeito pela diversidade e a oposição à homogeneização das
condições de vidas.
O Ecomuseu e o seu contributo para um projeto territorial de desenvolvimento endógeno. As variantes da pobreza influenciam decisivamente as influências exógenas às
comunidades rurais, portanto, pensar a crítica das condições de vida dessas
comunidades somente é possível com a projeção de ações práticas para a superação da
pobreza. Assim, sem-terras assentados, quilombolas, pequenos e médios proprietários,
são direcionados pelo e para o mercado das commodities.
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O resultado deste direcionamento é o limite da atuação destes sujeitos com as cadeias
produtivas. Os limites destas levam à limitação da vida destes sujeitos, pois muitos
abandonaram seus modos de vida e partiram para a construção de elementos conectados
com às necessidades do capitalismo e não com as suas reais necessidades, já que os
elementos culturais constituem o âmago destas comunidades.
As comunidades tradicionais vão além da definição vinculada ao modo de produção não
capitalista ou pré-capitalista, pois entendemos que as comunidades tradicionais foram
construídas pela relação contínua das condições geográficas, históricas e sociais, que
levaram a constituição de comunidades que possuem particularidades e que se
diferenciam pelos seus modos de vida. As condições ímpares para a existência destas
comunidades forjaram tradições diferenciadas das demais.
Essas comunidades possuem em si elementos que vão além da homogeneidade imposta
pelas condições exógenas; assim, a gastronomia, a dança, o vestuário, costumes, “saber-
fazer”, enfim, elementos cotidianos que os diferenciam dos demais e dão sentido de
unidade e de identidade ao mesmo tempo que representam aqueles que não lhe
pertencem como alternativas às imposições dominantes. Assim, pescadores,
quilombolas, faxinalenses, pantaneiros, extrativistas, quebradeiras, ribeirinhos,
indígenas, caiçaras, ciganos, comunidades rurais religiosas, pequenos e médios
proprietários que vivem em comunidades tem como centralidade as diversidades e as
particularidades que vão além da conceituação econômica, pois os atributos culturais e
patrimoniais permitem que os mesmos sejam compreendidos pelos seus modos de vida
e não pela imposição de um modelo. Justamente por não comporem esse modelado
econômico são majoritariamente empobrecidos.
As condições de pobreza provoado pelo endividamento bancário, ou por outros
endividamentos, pela perda do poder de compra , pela quebra da safra, são muitos os
motivos que levaram muitas comunidades rurais tradicionais a abandonarem suas
concepções e modos de vida, substituindo pelas imposições do mercado.
Neste sentido, pensarmos o Ecomuseu como projeto territorial de desenvolvimento
endógeno é fundamental para a subtração das imposições do mercado de commodities,
pois fortificamos alternativas para que a tradição cultural permaneça e com isso a
qualidade de vida necessária para toda a comunidade seja imposta. Neste ponto,
apresentamos o direito à tradição, o direito a memória e o direito a qualidade de vida
das populações das comunidades tradicionais por meio da implantação do Ecomuseu.
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O direito a memória é tema fundamental para a constituição patrimonial e cultural do
Ecomuseu, pois permite aos membros da comunidade não se desvencilharem das suas
tradições e nem abandonarem seus modos de vida. Assim, um dos pontos fundamentais
para o Ecomuseu é a garantia da memória, da história e da continuidade desta para as
futuras gerações.
A anulação dos sujeitos das comunidades rurais e a inserção destes no circuito
produtivo das commodities direcionam os mesmos a construírem seu próprio
esquecimento, já que sua identidade é subtraída para dar lugar a um comprometimento
com os valores exógenos a sua condição e modo de vida.
As relações sociais nas comunidades rurais são indissociáveis do trabalho, mas também
da religiosidade, artes, danças, enfim, da cultura. São elementos dispensados pelo modo
de produção capitalista, já que o mesmo não depende destes para e se sustentar ao
contrário das comunidades rurais que por meio do Ecomuseu dependem destas relações
para se afirmarem e se auto sustentarem. O Ecomuseu pode funcionar como um
elemento potencializador destas caraterísticas ajudando à sustentabilidade das mesmas e
da comunidade.
O Ecomuseu, portanto, como projeto de desenvolvimento territorial endógeno depende
da fundamentação cultural vivida por essas comunidades. No caso das comunidades
rurais é importante que os sujeitos que as compõem entendam que seu modo de vida
vincula-se a tradições que estão além do tempo presente; assim, compreende-las
historicamente é o primeiro passo para firma-los como pertencentes a uma cultura, não
que os mesmos não tenham consciência de si e de suas condições, todavia a
confirmação de seu modo de vida pela fundamentação histórica legitima seus espaços.
A partir da legitimação dos espaços a compreensão da identidade territorial é
consequência; assim, os sujeitos compreendem seus espaços pela correspondência dos
seus modos de viver. A produção da cotidianidade por esses sujeitos revelam aos
demais como os mesmos vivem e se diferenciam das outras comunidades. Essa
multidimensionalidade cotidiana quando comparada pela articulação de vivências
remontam possibilidades que efetuam dinamismos centrados no desenvolvimento de
suas condições de vidas. Esse desenvolvimento somente será efetuado pelo consórcio da
tradição destas comunidades com a consciência crítica quanto as suas dificuldades
econômicas.
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Pensar o desenvolvimento destas comunidades significa defender sua própria tradição,
pois não se trata de “se venderem ao mercado”, mas buscarem alternativas a partir de
seus modos de viver e não abdicarem de sua história, da cultura e de suas
relações.Assim entendemos a tradição permite narrar outras histórias e demonstrar que
existem pensamentos e costumes diferentes da homogeneização ocorrida nestes tempos
de globalização, nestes tempos de expansão do agronegócio. O tradicional neste sentido nada tem a ver com o passado, nem tão pouco com um tempo linear. O tradicional está relacionado com a maneira de uso dos recursos e com sua persistência. Ele tem a ver com o futuro. Os povos e comunidades tradicionais estão construindo situações de autosustentabilidade. É um momento de construção de sonhos e de possibilidades e isto não significa outra coisa que limites para os agronegócios, que objetivam uma expansão desmedida. (ALMEIDA, 2009, p. 10).
Neste sentido, o Ecomuseu auxiliaria não apenas na melhoria das condições de vida das
comunidades rurais tradicionais, sobretudo, incentivaria a construção de uma identidade
que subtraísse a ideologia do agronegócio para as comunidades rurais tradicionais. Não
temos dúvidas: é uma forma de resistência aos ditames do agronegócio globalizado,
pois não vivem em função dos vínculos de mercado promovido pelas grandes empresas
agrícolas e nem pela flutuação das commodities.
O Ecomuseu como desenvolvimento endógeno promove a identidade regional e cultural
e com isso reforça as formas de resistência a globalização impositva, pois o
desenvolvimento da comunidade terá que ocorrer pelo ritmo e tradição da comunidade,
sendo, todavia, fundamental a organização das atividades para a promoção do
desenvolvimento.
Deste modo, o Ecomuseu precisa de um projeto que supra as necessidades locais e ao
mesmo tempo enriqueça a diversidade cultural, já que a organização de um Ecomuseu
permite que a latência cultural se manifeste, deste modo, haverá a promoção da
diversidade cultural como aponta Teixeira (2005).
O desenvolvimento endógeno, local ou regional, que pode ser gerado pelo elo
Ecomuseu parte das identificadas e direciona-as para a produção de uma espacialidade
organizada simultaneamente como modos de vida e negócios. A sobrevivência e
desenvolvimento da comunidade dependem, sobretudo, da diferenciação de seus modos
de vida quando comparados aos demais, principalmente com cultura urbana globalizada.
O desenvolvimento endógeno não está vinculado apenas ao turismo rural, pois o
Ecomuseu patrocina vivências ímpares pela tradição, todavia, não entendemos tradição
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pela pois é fundamental manter a tradição e essa é composta pelo patrimônio artístico,
cultural e material, arquitetônico, imaterial. O Ecomuseu não é apenas uma promoção
turística mas não a coloca a parte, pois são imbricados cotidianamente as situações
turísticas e a tradição da comunidade; assim, segundo Babo e Guerra (2005, p. 8): É preciso ter em linha de conta que as zonas rurais se afirmam hoje muito mais do que meros espaços agrícolas, como temos vindo a referir; aliás, a agricultura não poderá ser somente a alavanca de enraizamento das populações a estes locais, ter-se-ão de prefigurar uma multiplicidade de opções credíveis de utilização das zonas rurais, como já vimos anteriormente. Em síntese, torna-se urgente dar conteúdo à expressão: “o interior, um território visitável, mas também habitável”
Sabemos dos desafios de grande monta para a implantação de um projeto de Ecomuseu,
pois como apontou Babo e Guerra (2005) o habitável é fundamental, pois somente
existirá Ecomuseu com as pessoas das comunidades habitando-as e vivendo
normalmente, para isso é fundamental o desenvolvimento social e econômico por meio
de opções credíveis como apontou Babo e Guerra (2005).
Diante disso, é fundamental pensarmos os agentes diversificadores para o
desenvolvimento endógeno destas comunidades.
O Ecomuseu como agente de diversificação de atividades no seu espaço e como estratégia de sustentabilidade do território O Ecomuseu em si precisa apresentar diversificação de atividades para a promoção do
desenvolvimento endógeno dessas comunidades. No Brasil são muitos os desafios que
se terão de vencer para que isso se concretize, pois as comunidades rurais tradicionais
são, geralmente, paupérrimas e seus recursos econômicos e administrativos são
praticamente nulos. Existem diferenças substanciais entre as agroindústrias familiares
cujas compõem circuitos turísticos rurais e as comunidades rurais tradicionais, uma vez
que as primeiras são, muitas vezes, favorecidas por financiamentos públicos e privados,
pois as mesmas possuem garantias para tomarem tais empréstimos, pelo contrário as
comunidades rurais tradicionais são desfavorecidas por terem linhas de créditos
extremamente limitadas, mesmo tendo como garantia a Lei nº 11.326 de 24/07/2006 e a
Lei nº 12.512 14/10/2011, ainda são limitadíssimas as condições para o
desenvolvimento destas comunidades tradicionais.
As comunidades rurais tradicionais tem seus rendimentos limitados, pelas próprias
condições materiais e pela pouca diversidade de suas ações creditáveis; assim, a
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implantação de um projeto de Ecomuseu passa, antes de tudo, pela motivação das
pessoas por meio da conscientização de suas próprias condições históricas.
O Ecomuseu terá de abranger as dimensões culturais, históricas, geográficas,
econômicas, políticas, sociais e ambientais. Assim, para que se verifique o
desenvolvimento e a diversificação de atividades é fundamental ter como ponto de
partida a valorização do patrimônio e da identidade cultural, pelo que se torna
necessário para isso é necessária a identificação dos valores identitários que compõem
as singularidades de uma comunidade.
Esses valores, pesquisas, elaboração de planos e atividades terão de ser realizados
conjuntamente entre os moradores das comunidades rurais, associações locais, as
universidades envolvidas, os conselhos de bairros, as comunidades religiosas, o poder
público municipal e estadual. Conjuntamente grupos de trabalhos serão formados,
responsáveis pela centralização das informações (para posteriormente ser repassada para
todos os interessados), da busca por recursos econômicos e pela organização do
treinamento dos moradores destas comunidades rurais tradicionais. Entendemos que
esse processo de pesquisas e levantamentos das potencialidades culturais e patrimoniais
não é imediato e leva um tempo considerável para formar e entender todos os cenários
possíveis. Durante as pesquisas os objetivos também precisam estar claros, pois por
meio destes também são alcançadas as necessidades dos levantamentos culturais.
Diante disso, a identificação destes valores passará pela investigação dos elementos
naturais e patrimoniais da paisagem cultural, patrimônio histórico-cultural material e
imaterial e outros aspectos culturais. Essas investigações são levantamentos que são
realizados por meio de entrevistas, análises de documentos, levantamentos
bibliográficos, trabalhos de campo e observações do cotidiano.
Inicialmente, o Ecomuseu tem que ser organizado localmente, envolvendo toda a região,
porém precisa trazer a comunidade rural tradicional para o encantamento desta nova
forma de se organizar, ao mesmo tempo em que precisa promover a integração da
comunidade local com a região. E esse caminho não é tão simples, pois precisam ser
avaliados os aspectos positivos e negativos desta integração para a formação de um
Ecomuseu territorial, já que no Brasil muitas comunidades rurais tradicionais não tem
relações tão próximas com os espaços urbanos e acesso a logística para atração dos
turistas e outros interessados na visitação. É preciso, de fato, um amplo trabalho de
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formação para que ocorra a aproximação necessária entre a população da cidade e das
comunidades rurais para que possa ser desenvolvido o projeto do Ecomuseu.
A aproximação somente ocorrerá pela formação e essa depende do projeto de
desenvolvimento endógeno a partir dos objetivos elencados pelas singularidades da
valorização dos patrimônios identitários e culturais. Neste sentido, o Ecomuseu somente
será efetivado pela compreensão das potencialidades para a promoção não apenas das
comunidades rurais tradicionais, também, se todos se envolverem, a promoção e o
melhoramento de toda uma região.
Para isso o ponto central é a mobilização da população local com o envolvimento desta
nas decisões e nas repercussões que essas poderão modificar os espaços da mesma.
Assim, a promoção de eventos, a divulgação da história regional, a cultura local, os
recursos naturais e culturais, os artesanatos, os vestuários e a gastronomia são decisivos
para a constituição da promoção da região. As divulgações das especificidades e
singularidades é que garantem a promoção dos valores destas comunidades rurais e de
suas regiões, mas para isso é fundamental a organização administrativa voltada para a
busca por recursos, a centralidade dos objetivos da população e o marketing territorial.
O turismo, portanto, é atividade promotora do Ecomuseu, porém o Ecomuseu não é
somente o turismo, já que as atividades desenvolvidas no mesmo não subtraem o
cotidiano dos moradores das comunidades tradicionais e não buscam uma adaptação as
exigências do turismo vinculado a regiões já reconhecidas, pois as regiões do Ecomuseu
tem como centralidade a valorização das condições culturais e naturais e são esses
elementos ímpares que os turistas procuram.
Para que isso se efetive é fundamental o inventário e diagnósticos dos recursos naturais
e culturais, os detalhamentos das potencialidades e suas vinculações com os objetivos
cotidianos dos moradores destas comunidades. A seleção destes elementos leva a uma
organização que precisa ser medida e verificada a importância destes elementos para a
promoção da singularidade da comunidade. Essa seleção passa, obrigatoriamente, pela
concepção de especificidades que diferenciem essa comunidade; assim, as propriedades
naturais e culturais devem ser trabalhadas na elaboração de produtos vinculados a uma
agenda cultural. Esses elementos são primordiais para a criação de um Ecomuseu e para
a promoção do desenvolvimento local, regional ou territorial.
Em suma, apresentamos esquema importante (figura 01) para a compreensão dos
elementos para a construção do Ecomuseu:
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Fig. 01 – Esquema geral dos elementos constitutivos do Ecomuseu
Conclusões Ainda essa temática no Brasil é pouco trabalhada e menos ainda colocada em prática,
mas pensamos sobre a mesma voltada como possibilidades para que as comunidades
rurais tradicionais avancem e não fiquem dependentes das estruturas arcaicas de
organizações regionais, nem dependentes da produção agrícola voltada para as
exigências do mercado globalizado; assim, entendemos que os elementos aqui
apresentados contribuem para pensarmos as comunidades rurais não como locais de
dependência, pois as mesmas podem desenvolver potencialidades por meio de seus
próprios valores, potencialidades que levam à relativa independência, sobretudo,
constrói e reforçam identidades como fundamentos de resistências e constituição de
memórias.
Referências ALMEIDA, A. W. B. et al (org). Terras de Faxinais. Manaus: Edições da Universidade do Estado do Amazonas - UEA, 2009.
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