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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6
O DIREITO À CIDADE E O ESTATUTO DA CIDADE:A PRODUÇÃO POLÍTICA DA SOCIEDADE E AS
RESISTÊNCIAS URBANAS
Ananda de Melo Martins
PPGEA/UnB
INTRODUÇÃO
A temática relacionada ao direito á Cidade a partir das contribuições de Henri
Lefebvre, que propõe pensar a cidade enquanto lugar do encontro proporcionando a
formação de relações justas social, econômico, político e espacialmente, é “contraposta”
atualmente à crescente segregação sócio-espacial e às lutas reais pela reforma urbana, que
tem na aprovação do Estatuto da Cidade (EC) a efetivação de uma conquista importante.
Esse instrumental, no entanto, parece não ser suficiente para que possamos caminhar rumo
a concretização do direito à Cidade, ao mesmo tempo, questionamo-nos: seria de fato essa
a questão? Podemos reduzir o problema ao instrumental?
Sabemos que a complexidade da problemática urbana envolve, para além do
instrumental e sobrepondo-se a ele, conflitos e tensões entre interesses e direitos no
contexto de um modelo de sociedade e de cidade onde o ato da troca passa a constituir
novas relações, sendo ele mesmo “uma atividade produtiva, ou seja, uma atividade capaz de
produzir novas relações” (SPOSITO, 1996: 42).
Ainda segundo esta autora (Ibidem: 40)
Não se trata assim de mera reprodução das relações produzidas pela base
econômica, mas de emergência de novas relações, pois quando essa produção
se liga ao Estado e nele e por ele é conduzida, ocorre a produção política da
sociedade. Assim, se passa da produção de relações sociais a partir das forças
produtivas à produção política pela ação do Estado, que nasce com as
instituições e se estende à sociedade inteira por ela – produção política –
modificada1.
1 A base dessa referência é a obra de Henri Lefebvre: De l’État, tome III, Le mode de productionétatique, Paris: Union
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Assim, a produção política da sociedade, segundo Lefebvre em meados do
século passado, está relacionada à estratégia da ação do Estado na produção de novas
relações com base na associação com o capital para ampliação da ideologia de consumo,
uma conformação de relações sociais, indicando, ainda, que esse arranjo político-econômico
não é recente, e tem incorporado formas distintas ao longo do tempo. Partimos do
pressuposto de que esse arranjo é estreitado a partir da industrialização, mas o seu
aprofundamento substancial tem se dado ao longo do processo de urbanização que supera
o processo que lhe deu origem, conforme a tese de Lefebvre:
[...] a problemática urbana desloca e modifica profundamente a problemática
originada no processo de industrialização. Enquanto a maioria dos teóricos e
também os “práticos” que procedem de maneira empírica consideram ainda a
urbanização como uma consequência exterior e menor, quase acidental, do
processo essencial, a industrialização, nós afirmamos o inverso (LEFEBVRE, 2008:
80).
A repercussão do desenvolvimento e consolidação da realidade urbana, ainda
em curso, coloca no centro do debate o papel do espaço enquanto dimensão social, diante
de um entendimento de que este não é neutro como defendem os tecnocratas, mas político
como afirma Lefebvre (2008: 61/62): “O espaço não é um objeto científico descartado pela
ideologia ou pela política; ele sempre foi político e estratégico. [...] O espaço foi formado,
modelado a partir de elementos históricos ou naturais, mas politicamente”.
Assim, a dimensão política da produção do espaço urbano nesse momento nos
desperta maior interesse, considerando a discussão posta por Pogrebinschi (2009) que
assume em sua reflexão acerca do resgate da essência do político na obra de Marx a
relevância em se distinguir este da política:
[...] assumo que ‘o político’ deve significar algo distinto da política. Com efeito “a
política’ encontraria um fim com a revolução que pusesse abaixo o Estado
moderno e seu modo de reprodução correspondente. Mas o político irrompe
precisamente com a superação desse Estado separado da sociedade civil. Por
isso, a tarefa de resgate da essência do político apresenta-se, na verdade, como
uma demanda pela reconstrução do seu sentido (Ibidem: 18)
Essa contribuição nos parece oportuna considerando o início dessa reflexão
acerca do direito à Cidade e sua utopia, da produção política da sociedade a partir das ações
Générale d’Éditions, col. 10-18, p. 157.
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do Estado moderno e as resistências urbanas e suas lutas historicamente constituídas. Seria,
então, o resgate dessa essência do político de que trata Pogrebinschi o elo necessário para o
empoderamento dos sujeitos e suas lutas? Quando as urgências se colocam como os
movimentos de resistências urbanas viabilizam a afirmação do político a partir da crítica da
política? De que maneira a questão urbana coloca acento nessa discussão?
A realidade vivida nos impele a observar o processo de precarização da vida de
grande parte da população, cuja luta pelo direito à Cidade ainda está submetida à luta pelo
direito a ter direitos. E a cidade que temos não parece, segundo os indicativos das lutas
sociais, ser a cidade que queremos; ao mesmo tempo, o indicativo de que a apropriação do
instrumental regulamentado pelo Estatuto da Cidade (EC) por diferentes agentes
econômicos e atores sociais aponta, ainda, para o tensionamento, não a submissão, entre a
permanência da política institucional e o não esvaziamento do sentido do político e do
urbano por parte dos movimentos de resistência urbana e suas lutas cotidianas.
Nesse sentido, o objetivo da presente proposta é construir uma discussão em
torno da produção política da sociedade e o residual que escapa à homogeneização
instituída, considerando o EC como principal instrumento da “política” urbana nacional, e em
que medida seus principais instrumentos cumprem sua função social no que se refere
especificamente à habitação de interesse social.
Nosso interesse pelo debate acerca do Estatuto da Cidade e a habitação se dá
por algumas razões, as quais formaram as bases para definição de nossas escolhas. No caso
da habitação, trata-se de uma demanda histórica no Brasil, e ao longo do processo de
industrialização, da instituição da sociedade urbana e a centralidade das cidades esse tem
se mostrado como um problema crescente e que reúne sob sua bandeira os movimentos de
resistência urbana com um nível de organicidade que tem se mantido e se fortalecido ao
longo dos anos; ademais, na perspectiva da análise do Distrito Federal, nos demos conta de
que essa problemática antecede a inauguração da capital da república apontando não
somente para a reprodução de uma questão comum às grandes cidades, apesar do seu
plano e toda a ideologia ali contida, mas também para a retomada da manifestação das
resistências, ainda que aparentemente pontuais.
No que se refere ao Estatuto da Cidade é preciso considerar inicialmente que
embora seja um conjunto de instrumentos atualmente institucionalizado por meio da ação
do Estado, representa antes disso uma conquista dos movimentos populares organizados
que por anos reivindicaram a regulamentação do capítulo da Política Urbana da Constituição
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Federal (artigos 182 e 183). Contudo, sob o discurso da formação de “cidades cidadãs” e o
cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana um dos seus principais
instrumentos – o Plano Diretor – tem sido utilizado de forma contraditória já que a prática
sob o discurso de qualificação urbana continua sendo a de segregar a população pobre num
processo de intensa e contínua gentrificação urbana.
No Distrito Federal a problemática da habitação (não sendo esta a única)
associada ao planejamento urbano desencadeia intervenções – públicas e privadas – na
cidade e tem como principal instrumento de planejamento o Plano Diretor de Ordenamento
Territorial (PDOT), cuja atualização foi aprovada em 2009. Segundo o PDOT (2009), a
habitação de interesse social pode ser viabilizada com apoio de instrumentos como a
Operação Urbana Consorciada e a Transferência do Direito de Construir, contudo, sendo o
acesso à moradia enquanto valor de uso viabilizado via lógica de mercado – valor de troca –
conforma-se uma tensão entre as necessidades sociais da população como um todo e os
interesses e as demandas dos agentes econômicos em torno da propriedade da terra
urbana e do capital imobiliário.
Inicialmente, consideramos importante explicitar o entendimento acerca da
relação entre a política e o Estado, bem como a concepção de urbano e a leitura da cidade,
uma vez que se trata de um balizamento essencial para o encadeamento das ideias que
serão trabalhadas aqui. Desde já é preciso esclarecer que não é a intenção desse
documento levantar exaustivamente diferentes definições, o que não quer dizer que não
reconheçamos que haja outras contribuições de relevância incontestável, assumindo, com
isso, todo ônus que possa haver por essa escolha.
ENTRE A PROPRIEDADE E OS DIREITOS SOCIAIS: A POLÍTICA COMO ELA É?
A relação entre a política e o Estado, indicada por Lefebvre que também fazia em
seus escritos um intenso diálogo com Marx, torna explícito que não se trata de uma redução
do primeiro termo ao segundo, como comumente acontece, mas, ao contrário, aponta para
a relação/identificação na qual, segundo Marx, a política representa “o modo de organização
das coisas políticas no âmbito do Estado moderno” (apud POGREBINSCHI, 2009: 30).
Esta relação indica para Marx “o poder organizado de uma classe para oprimir a
outra” (apud POGREBINSCHI, 2009: 32). Na crítica feita ao Estado moderno, segundo esta
autora, Marx apresenta como uma de suas linhas de argumentação a vinculação entre o
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Estado moderno e à evolução histórica da propriedade privada:
Ao passo que a institucionalização da propriedade corresponde a um
determinado modo de produção e a uma determinada divisão do trabalho, o
Estado moderno apresenta-se como um ente político erigido a fim de servi-lhes
de proteção e garantia (Ibidem: 38)
Tomamos esse argumento como importante orientação a esta discussão uma
vez que nos indica a base de constituição das cidades contemporâneas, onde a propriedade
privada representa não somente um ponto de tensão e conflito, mas se constituí enquanto
contradição central, sendo fundante no processo de construção social no contexto do
capitalismo por meio da dinâmica espacial.
Ao resgatar brevemente a história da propriedade privada tem-se um “primeiro”
momento onde a “propriedade” estava diretamente ligada ao uso da terra, relacionada no
Brasil ao período das sesmarias e ao mercantilismo privilegiando determinada classe social.
Em um segundo momento, a delimitação da propriedade privada faz com que a terra seja
transformada em mercadoria, segundo Marés (2003: 182) “a modernidade capitalista
transformou a terra em mercadoria quando a fez propriedade privada individual e
transferível a quem não usa”.
Esse fundamento liberal concede o direito absoluto sobre a propriedade, dando
ao proprietário o direito de uso ou não, deixando margem à especulação. Segundo Ferreira
(2005), a Lei de Terras instituída no Brasil em 1850, como intervenção do Estado no processo
de regulação da propriedade privada, coibiu a pequena produção de subsistência, tendo
sido a propriedade fundiária demarcada nas mãos dos grandes latifundiários que, ao
mesmo tempo, apropriaram-se de vastas terras do Estado.
Historicamente a intervenção do Estado na economia tem se dado em defesa da
manutenção do liberalismo e da economia capitalista, segundo Marés (Ibidem), sendo a
imposição do uso da terra aos seus proprietários posta como sinônimo de “produtividade”,
o que não significou um retorno aos moldes anteriores. Ao contrário, havendo a
promulgação do fim da escravidão a Lei de Terras representou a solução para transferência
de poder e riqueza das elites da época: “sua hegemonia não era mais medida pelo número
de escravos, mas pela terra que possuía, agora convertida em mercadoria, e o trabalho
assalariado podia então se expandir no Brasil, respondendo às pressões inglesas”
(FERREIRA, 2005: 03).
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Esse processo político-econômico impacta diretamente a dinâmica de
apropriação de terras urbanas, e a relação campo-cidade, que a nosso ver não deve ser
representada pela ideia de oposição ou sobreposição, aponta em um primeiro momento
para a centralidade da cidade no que tange seu caráter político-administrativo a serviço da
exportação da produção agrícola. O crescimento inicial das cidades no Brasil, portanto, está
relacionado à mudança dos grandes latifundiários para os centros urbanos, apropriando-se
também de terras urbanas: a cultura coronelista constituída nas áreas rurais migra para
cidade em função do poder econômico, mas se estabelece por meio da política, que tem o
Estado como principal agente.
Exemplo disso é o domínio coronelista no Distrito Federal (DF) que consolidou a
segregação sócio-espacial na capital federal com as ações do governador Joaquim Roriz, que
no fim dos anos 1980 deu início a um período (com intervalos) de 15 anos a frente do
governo do DF. Nesse período ocorreram as principais mudanças sócio-espaciais no DF
diante não somente do intenso fluxo de migração que teve aumento de 50% nos anos 1980,
mas principalmente à política habitacional baseada na distribuição de lotes que
proporcionou “domínio político e econômico sobre o DF”2.
Vê-se que a mais-valia, inicialmente formada no campo cuja produção do espaço
está relacionada à produção agropecuária (e à especulação) em grandes extensões de terra,
desloca-se para a produção na cidade como resultado do trabalho social, transformando-se,
aos poucos, no centro da produção do artesanato, e em seguida da indústria (LEFEBVRE,
1999). A valorização do solo urbano, diferente das áreas rurais, está relacionada à sua
localização (fixa) e a infraestrutura nela existente, e a especulação ao longo do tempo se
intensifica associada ao capital financeiro-imobiliário.
No entanto, segundo Harvey (1977), o solo urbano enquanto propriedade não é
uma mercadoria qualquer, e para além da sua localização se diferencia, ainda, por se tratar
de um elemento imprescindível a todas as pessoas e cuja frequência de troca entre
proprietários também se distingue, entre algumas outras peculiaridades3. Ainda assim, as
relações de produção e as relações de propriedade são fortalecidas na cidade industrial e o
valor de troca não só “ganha” cada vez mais centralidade como passa a ser constituído
2 Essa leitura é feita em interessante análise de Francisco Carneiro de Filippo e Érika Lula de Medeiros no artigo Ensaiosobre a política habitacional no DF, na revista Territórios Transversais – resistência urbana em movimento, um espaço construído pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Frente de Resistência Urbana.
3 Harvey indica seis características de diferenciação do solo urbano enquanto mercadoria. Vide em HARVEY, D. (1977). Urbanismo y Desigualdad Social. Madrid: Siglo Veintiuno Editores.
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enquanto base, numa perspectiva macro, para o modelo de cidade excludente no qual a
problemática urbana vai sendo sistematicamente reduzida a questões urbanísticas, sendo a
habitação, tal como o solo urbano, reduzida a mercadoria.
A cidade industrial que promove maior concentração urbana em função do
êxodo rural, expandindo o tecido urbano, passa por um processo denominado por Lefebvre
(1999) de implosão-explosão do urbano, este concebido por Lefebvre enquanto “[...] lugar de
encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à
posição de supremo bem entre os bens [para que] encontre sua base morfológica, sua
realização prático-sensível” (LEFEBVRE, 2001, p.117).
A explosão das formas urbanas relacionado à implosão do sentido desse urbano
indica o ponto de inflexão entre a cidade industrial e a realidade urbana que a supera, na
qual a atividade industrial estava ligada antes de mais nada, a não-cidade, cuja explosão
estende desmesuradamente o espaço urbano, “levando à urbanização da sociedade, ao
tecido urbano recobrindo as remanescências da cidade anterior à indústria” (LEFEBVRE,
1999: 23).
E nesse movimento a periferia representa, de certa forma, fragmentos múltiplos
e disjuntos da explosão da cidade, ao mesmo tempo, guarda a insistência, a permanência, a
resistência que aponta para o residual. E de modo a neutralizar esse “residual”, dificultando
a possibilidade de reconhecimento daqueles que vivem a periferia enquanto parte da
totalidade da cidade, engendra-se o que Lefebvre (1999) denominou, com reservas, de uma
“lógica de classe”, onde “o poder político dispõe de instrumentos (ideológicos e científicos)”
(Ibidem: 76). Ainda segundo esse autor, “Ele [o poder político] tem capacidades de ação,
podendo modificar a distribuição dos recursos, dos rendimentos, do ‘valor’ criado pelo
trabalho produtivo (ou seja, da mais-valia)” (Ibidem).
O Estado moderno (capitalista) cumpre esse papel por meio da legislação e dos
planos urbanísticos, tendo sido o urbanismo uma ferramenta estratégica para acumulação
do capital. E nesse contexto, a tensão no que tange o direito à Cidade torna explícita a
realidade em que a cidade – o solo urbano, mas também a sua imagem e representação –
passa a ser concebida enquanto um grande negócio no qual a questão fundiária – usos e
ocupação do solo, a especulação imobiliária e a não democratização dos direitos –
compromete a essência da política urbana e inviabiliza, ainda que momentaneamente, a
reforma urbana com vistas a toda população.
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Nesse contexto, ao mesmo tempo em que temos um avanço na construção da
regulamentação da política urbana – são 13 anos desde a aprovação do EC (Lei nº 10.257 de
10 de julho de 2001) – a prática quanto ao uso dessa ferramenta para o cumprimento da
função social da cidade e da propriedade – demanda permanente dos movimentos de
resistência urbana – esbarra continuamente nos interesses do mercado imobiliário e as
empreiteiras que o compõem.
Dá-se, assim, a disputa do Estado entre os que têm um projeto de sociedade
fragmentada e individualista e àqueles com um ideário coletivo para os quais os espaços
públicos e o sentido do “público” está relacionado a disputa por outro modelo de cidade e de
sociedade. A luta pelo direito à Cidade, nesse contexto, nos proporciona enxergar o espaço
da cidade enquanto possibilidade de ruptura com esta racionalidade do capital que nega a
cidade em sua dimensão humanizadora.
O DIREITO À CIDADE E O ESTATUTO DA CIDADE: ENTRE O POLÍTICO (AS RESISTÊNCIAS) E A POLÍTICA (O PLANO)
O “senso comum” atesta, ao se referir aos problemas cotidianos, sobre a “falta
planejamento nas cidades”, que o poder público figurado pelo Estado e seus governantes
estão alheios às suas reais condições e necessidades. Contudo, o Distrito Federal é um rico
exemplo de que sempre houve planos e planejamentos4, e que eles serviram, antes de tudo,
a efetivação de uma estrutura hierárquica e segregadora.
A composição da malha urbana da capital federal está diretamente relacionada à
questão da habitação, e os planos empreendidos até os anos 1990 tinham como meta
principal ordenar o território por meio de diretrizes de expansão urbana e implantação de
novos assentamentos. A estrutura polinucleada que forma o Distrito Federal favorece a
pulverização da população no espaço, de modo a estabelecer o controle da cidadania pelo
Estado com o intuito de preservar a cidade política: a área planejada do Plano Piloto de
Brasília.
O sentido do político para além do controle e da dominação é gestado nas áreas
periféricas por parte da população que aos poucos está construindo o protagonismo em
torno da demanda histórica por moradia, mas que a partir dessa pauta reivindica o direito à
Cidade em sua totalidade, sendo a recente atuação do Movimento dos Trabalhadores sem
4 Não é nossa intenção retomar cada um dos planos elaborados para o DF ao longo do tempo – PLANIDRO (1970), PERCEB (1975), PEOT (1977), PDOT (1992), PDOT (1997) –, mas considerando o impacto histórico, social e espacial dessas intervenções observar a política habitacional e a produção do espaço urbano.
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Teto no DF (MTST/DF) um indicativo de que um novo momento de tensão entre a política
institucional e o sentido político da luta por transformações sociais.
Para tanto é importante compreender que embora o Estatuto da Cidade (EC) e o
seu conjunto de instrumentos tenha como referência a Reforma Urbana e o direito à Cidade,
a materialização da regulação dos artigos referentes à política urbana não representa de
forma automática a obtenção desses direitos.
Ao contrário, conformam-se novas tensões diante da apropriação desses
instrumentos por agentes econômicos em favor de interesses privados, principalmente no
que concerne aos Planos Diretores, instrumento base “da política de desenvolvimento e
expansão urbana” (EC: 38) contido na Constituição Federal de 1988 e reforçado no Estatuto
da Cidade; ou mesmo em relação a não aplicação da legislação urbana disponível em favor
do interesse público, este entendido como interesse social coletivo.
Assim, ao escrever sobre o direito à Cidade, na obra Espaço e Política, Lefebvre
(2008: 32) nos dá elementos para aproximar o entendimento conceitual que envolve esse
direito e a sua dimensão prática, vivida cotidianamente pelos movimentos de resistência
urbana, sendo esse:
[...] [a] recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma organização
discriminatória, segregadora. [...] anuncia a inevitável crise dos centros
estabelecidos sobre a segregação e que a estabelecem: centros de decisão, de
riqueza, de poder, de informação, de conhecimento, que lançam para os espaços
periféricos todos os que não podem participar dos privilégios políticos. Do
mesmo modo, o direito à cidade estipula o direito de encontro e de reunião [...]
significa, portanto, a constituição ou reconstituição de uma unidade
espaço-temporal, de uma reunião, no lugar de uma fragmentação.
No DF, assim como em outras cidades brasileiras, o processo de fragmentação
sócio-espacial tem sido continuamente implementado ao longo dos anos e o Plano Diretor
(PD), inicialmente instrumento de enfrentamento dessa condição, tem sido utilizado com
dificuldade e/ou de forma inviável à auto aplicação, segundo aponta a pesquisa do
Observatório das Metrópoles5 referente à análise dos planos diretores em diversas cidades
do país. Na prática seria, então, o PD um instrumento de participação e construção coletiva
das cidades ou estes estão sendo utilizados como instrumento moderno de loteamento da
5 Pesquisa pela Rede Nacional de Avaliação e Mobilização para Análise dos Planos Diretores Participativos. Relatório Estadual “Distrito Federal + RIDE”. Parceria entre o Ministério das Cidades e o UPPUR/UFRJ, sob a coordenação do Observatório das Metrópoles.
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terra urbana em benefício de interesses específicos?
Anterior ao estatuto da Cidade, o DF contou com a política de distribuição de
lotes implementada por Joaquim Roriz que reverteu (intencionalmente) essa ação numa
importante moeda eleitoral, resultando na expansão urbana com a constituição, ao longo de
suas gestões, de 13 das 31 RAs que compõem o DF atualmente – 1/3 do território6.
Posteriormente, já com a vigência do EC e o reforço dado ao sentido da função
social da cidade e da propriedade, a gestão Arruda/Paulo Octávio (2006) – este último um
dos maiores especuladores de terra de Brasília – inicia um “novo” momento da gestão de
terras no DF7 – direta e amplamente relacionado ao mercado imobiliário –, ainda que a
partir de práticas já conhecidas. Segundo Filippo e Medeiros (2014), nesse período o
domínio da especulação imobiliária se deu em consenso com a classe média e a burguesia
do DF; sob o jargão “combater os grileiros, os invasores da terra pública”, fortaleceu-se o
poder de repressão, ao mesmo tempo em que a TERRACAP se consolida “como o grande
balcão de negócio dos empreiteiros”8 e a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento
Territorial representa a supressão dos “entraves legais que ainda restavam para a
transformação do direito à moradia em mercadoria de alto valor”.
O controle e a dominação se estendem efetivamente para a gestão do território
constituindo as melhores condições para a expansão do capital imobiliário, que ao elevar a
precarização da vida a patamares cada vez maiores, já que a população pobre continua
sendo removida e empurrada para áreas cada vez mais periféricas cria, a sua revelia, as
condições de organização coletiva que se dá inicialmente sob a identificação da realidade
sócio-espacial vivida.
A luta pela moradia no DF, com as iniciativas recentes do MTST/DF, tem
assumido, de certa forma, o enfrentamento pela efetivação dos direitos sociais da
população da periferia da cidade. Ao mesmo tempo, busca na legislação urbana vigente a
viabilidade do atendimento das necessidades, muitas vezes urgentes, no que tange à
6 Correio Braziliense. Questão Habitacional é trampolim para eleições no Distrito Federal. Por Ana Maria Campos e Lilian Tahan. Brasília, 07 de março de 2013. Disponível em <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2012/12/14/interna_cidadesdf,339145/questao-habitacional-e-trampolim-para-eleicoes-no-distrito-federal.shtml>.
7 Vale salientar que o DF ainda tem mais de 50% das terras de seus territórios de propriedade pública que são administradas pela TERRACAP – Companhia Imobiliária de Brasília – existente desde 1972.
8 A nosso ver, trata-se de um discurso discriminatório que acaba sendo atribuído a população de baixa renda que solucionam de forma paliativa as suas necessidades por meio da autoconstrução em terras ociosas ou lotes já demarcados pelos verdadeiros grileiros.
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moradia, ao trabalho, e o acesso à infraestrutura urbana.
Muitas Regiões Administrativas do DF foram oficialmente constituídas a partir da
resistência da moradia, algumas removidas diante da proximidade do Plano Piloto de
Brasília (área planejada desde o momento que antecede a inauguração da cidade e ao longo
dos primeiros 20 anos de sua existência, a exemplo de Taguatinga, Paranoá, e em função da
Campanha de Erradicação de Invasões, iniciativa do Poder Público, o surgimento da
Ceilândia na década de 1970 com a remoção forçada de diversas ocupações – IAPI, Vilas
Tenório, Esperança, Bernardo Sayão e Colombo; dos morros do Querosene e do Urubu; e
Curral das Éguas e Placa das Mercedes – soma 80 mil pessoas e indica a contínua
segregação sócio-espacial. Assim, segundo Filippo (Comitê Popular da Copa DF) “O
argumento de que Brasília seria uma cidade para todos fica para trás em menos de 20 anos
de cidade”9.
A ocupação nesse momento histórico, no entanto, se dá de forma diferente e
sofre também uma reação por parte dos governantes distinta do que foi na década de
1960/70/80. Agora a constituição de uma regulamentação de ordenamento territorial por
meio de diferentes instrumentos previstos no Estatuto da Cidade é usado, muitas vezes,
contra os grupos de resistência organizados em nome da legalidade, onde a defesa da
propriedade – principal elo entre o Estado e o Capital – continua sendo mais efetiva do que
o cumprimento de sua função social.
O planejamento urbano empreendido na cidade planejada ainda indica a
vivência de uma cidade vista como “ponto de controle da reprodução da sociedade
capitalista em termos de força de trabalho, da troca e dos padrões de consumo” (SOJA apud
PENNA, 2012: 110). Em meio à busca de uma cidade competitiva a nível nacional “a cidade se
define como um novo produto, resultante da capacidade singular de produzir espaços
urbanos por intermédio da relação entre as políticas governamentais e sua articulação aos
capitais financeiros e imobiliários” (PENNA, 2012: 110).
Nesse contexto, a política urbana prevê a especificação da Habitação de
Interesse Social (HIS) para atender a população de baixa renda, e no que se refere à
localização de áreas adequadas e sob menos pressão da especulação imobiliária a definição
de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), no DF denominada Áreas de Regularização de
Interesse Social (ARIS), e os movimentos de resistência urbana, em especial o MTST/DF,
9 Francisco Cameiro Filippo. Ensaio sobre a política habitacional do DF. Blog “O Miraculoso”. Brasília, 01/01/2013. Disponível em <http://www.miraculoso.com.br/noticias-do-distrito-federal/358-francisco-carneiro-filippo>.
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passam a incorporar esses instrumentos como objeto de luta pelo acesso à moradia, mas
também por transformações no modelo de cidade que está posto.
A ação desses sujeitos de transformação, bem como a fiscalização da população,
é essencial, tendo em vista que no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF
aprovado em 2009, no capítulo referente à Habitação (VII) é feita a distinção entre a política
habitacional de interesse social e de mercado, no entanto, para ambas há como diretriz no
Art. 49 “o estímulo à iniciativa privada na produção de moradias de todas as faixas de renda
(VIII)” sem qualquer regulamentação de como será feito esse estímulo e em quais condições.
No que tange as áreas delimitadas para as ZEIS/ARIS, o PDOT/DF 2009 apontam
para as áreas adensadas em pontos da perifieria listadas na tabela 1 e na figura 1. Tendo
sido delimitada também (Figura 1) as Áreas de Regularização de Interesse Específico, as
ARINES.
Tabela 1. Áreas de Regularização e Interesse Social, correspondente ás ZEIS indicadas no EC.
Quantidade Área Região Administrativa01 Etapa 2 do Riacho Fundo II Riacho Fundo II02 Etapas 3 e 4 do Riacho Fundo II03 Quadras 100 (QR 103 a 115 e 121 a 127) Samambaia04 ADE Oeste
05Áreas livres nas extremidades e entre os conjuntos dasQuadras QNJ
Taguatinga
06 ADE Estrutural (Cana do Reino)07 Setor Residencial Leste, quadras 21A e 22A Planaltina08 Setor Residencial Oeste, Quadras I, J, K09 Expansão do Paranoá Paranoá10 Expansão do Itapoã Itapoã11 Vargem da Bênção Recanto das Emas12 Quadras 117 e 11813 Área do DER Sobradinho14 Quadras 9, 11, 13 e 15 Riacho Fundo I15 QNR 06 Ceilândia
16Áreas intersticiais localizadas entre conjuntos residenciais das Regiões Administrativas de Ceilândia, Gama e Brazlândia
17 Áreas livres no interior do Setor Habitacional Nova Colina18 Áreas livres no interior do Setor Habitacional Água Quente19 Áreas livres no interior do Setor Habitacional Mestre d’Armas
Fonte: PDOT/2009 – Atualizado em 2011.
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Figura 1. Estratégias de regularização fundiária e de oferta de áreas habitacionais no DF –PDOT/2009.
Fonte: PDOT/2009 – Atualizado em 2011. ARIS – representadas pela coloração amarela.
As áreas de “interesse específico”, no entanto (marcadas no mapa/figura1 em
laranja) representam áreas maiores e em maior quantidade, e correspondem em sua
maioria ás áreas de condomínio fechados de alto padrão, indicando que no DF está
explicitado, diferente de outras cidades, que a ilegalidade não é uma peculiaridade das
ocupações da população de baixa renda.
Não há, no entanto, relação entre a utilização de novas ARIS com o Plano de
Habitação de Interesse Social – nacional e distrital – ou o principal programa habitacional –
Minha Casa Minha Vida. Ainda que no DF este último tenha como versão local o programa
Morar Bem, este também, segundo Filippo e Medeiros (2014), “atua como complementar a
política especulativa, buscando os terrenos a preço de mercado, onde possam ser alocadas
as famílias”, beneficiando com isso os donos de terra que muitas vezes são também os
próprios empreiteiros, ou, ainda aqueles que legislam na cidade10.
As áreas delimitadas e a oferta habitacional definida devem servir
prioritariamente à população pobre que vive em condições de difícil sobrevivência, seja em
habitação precária, coabitação familiar, ônus excessivo de aluguel ou adensamentos
10 O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília e a Lei de Uso e Ocupação do Solo.
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excessivo11, que no DF em 2012 foram representados pelos seguintes dados,
respectivamente: 3.680, 55.511, 72.676, 7.970 (Fundação Joao Pinheiro, 2014).
O MTST/DF – existente desde 2008 na capital federal – “vem promovendo
ocupações, de forma a denunciar a política habitacional pró-especulação, [re]criando uma
nova cultura nas famílias: ao invés de esperar a burocracia do governo ou das cooperativas,
ocupar a terra e lutar por direitos (Ibidem). E conquistou com as ocupações Novo Pinheirinho
em Ceilândia 2012 e em Taguatinga em 2013 o auxílio emergencial, a criação do auxilio
aluguel e o cadastro da família associadas inserido através da entidade.
Tendo como princípios a independência de classe frente aos governos e grupos
políticos, o respeito às famílias que são protagonistas e sem dependência econômica ou
assédio moral por parte da coordenação, e a luta popular como método como conquista e
avanços dos direitos com base na solidariedade de classe aos diferentes setores e
segmentos que lutam (FILIPPO & MEDEIROS, 2014), o MTST levanta a bandeira do direito à
Cidade, mas tem ciência que diante do processo de criminalização direcionado
historicamente aos movimentos sociais e a força da especulação imobiliária é preciso minar
o processo de exclusão que compõem os 54 anos de Brasília, que está para além dela,
representando a história fundiária, econômica, social e política do país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo sido inscrita a terra e o habitat na troca e no mercado, a estratégia de se
normalizar o mercado imobiliário como secundário não só se concretiza como indicou
Lefebvre (2008), como se tornou deixa de ser secundário para assumir um mercado
crescente que incorpora não somente os bens materiais, mas as representações e paisagens
como elementos de valoração econômica.
Cabe, portanto, ter em mente o pressuposto assumido por Ferreira (2012) de
que o espaço enquanto objeto científico não pode ser visto desvinculado da ideologia, das
relações de poder, ou da política, pois “É no espaço que se materializam as tensões, as
interações e as lutas entre dominação e resistências” (FERREIRA, 2012: 01). Estas interações
e lutas compõem o processo de produção da vida e, por conseguinte, a produção do espaço,
em meio às intencionalidades que o caracterizam como produto/produtor (Ibidem) .
Os movimentos de resistência urbana – movimentos sociais urbanos, populares
11 Indicadores para composição do déficit habitacional segundo metodologia da Fundação Pinheiro. Disponível em http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/cei/deficit-habitacional/363-deficit-nota-tecnica-dh-2012/file.
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–, nesse contexto, de alguma forma, desvelam a possibilidade de ruptura com os preceitos
econômicos capitalistas impostos à sociedade. Desse modo abrem perspectivas de
ampliação das mobilizações históricas em torno de lutas que resultem no direcionamento à
materialização do direito à Cidade, não apenas como uma utopia, mas como uma condição
concreta de apropriação do espaço urbano e das condições dignas de vida nas cidades
(MARTINS, 2009).
Trata-se de um espaço dinâmico (SANTOS, 2004) em constante movimento, e a
relação entre este e o processo de formação e organização dos movimentos de resistência
urbana nos aponta para o movimento do espaço. Ou seja, reforça que o espaço não é inerte,
nem neutro (SANTOS, 2001), e não é ingênuo aos processos sociais que nele e por meio dele
se desenvolvem.
O reconhecimento da força política se dá, portanto, em meio ao movimento de
disputa entre os interesses privados e os direitos coletivos, sendo, segundo Lefebvre (2008),
a reforma urbana uma ação de resgate do solo das servidões devido à propriedade privada
(e, por conseguinte, da especulação) com alcance revolucionário, sendo importante, então,
retomar a força dessa pauta por meio da relação, e não a desconexão, dos instrumentos de
planejamento do território e as ações nele empreendidos. Trata-se não somente da unidade
entre o homem e o social, mas a totalidade entre o homem e o social por meio e a partir da
apropriação do espaço que expressará o político, e não a política.
Assim, a Reforma Urbana é posta por àqueles que, excluídos no processo de
fragmentação sócio-espacial se transformam, muitas vezes, nos protagonistas da luta pelos
direitos sociais de interesse coletivo, e contra os interesses individuais de instituições,
empresas e grandes corporações, indicando o residual que escapa à política de planos e
planejamentos que ao fim criam perspectivas dicotômicas para delimitar a lógica
segregadora a que servem na prática – cidade formal e informal, legal e ilegal, etc.
Ainda que a produção política da sociedade pela ação do Estado reforce tais
condições, a luta pelo direito à Cidade se refere à força que se contrapõe a estas condições,
ainda que, em termos conceituais, seja considerado como uma utopia, ou como o próprio
Lefebvre cita (2008: 34) “utopiano”, cuja luta se desenvolve contra uma realidade urbana
organizada de forma discriminatória.
Por meio das ações do Estado observamos a captura da questão urbana, assim
como da gestão das cidades, como meio de controle e dominação, onde a reprodução das
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relações não é resultado somente de uma base econômica, mas da emergência de novas
relações, o que está relacionado às relações de troca, mas não se encerram nela, o que
possibilita a insurgência das resistências urbanas que luta pela efetivação do direito á
Cidade.
REFERÊNCIAS
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O DIREITO À CIDADE E O ESTATUTO DA CIDADE: A PRODUÇÃO POLÍTICA DA SOCIEDADE E AS RESISTÊNCIAS URBANAS
EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas
RESUMO
A temática relacionada ao direito á Cidade a partir da referência de Henri Lefebvre, que pensava a
cidade enquanto lugar do encontro proporcionando a formação de relações justas social,
econômico, politico e espacialmente, é contraposta atualmente, às lutas reais pela reforma urbana
(1960) que tem na aprovação do Estatuto da Cidade (EC) uma conquista importante. Esse
instrumental, no entanto, parece não ser suficiente para que possamos caminhar efetivamente
para a concretização do direito à Cidade, indicando a luta por uma cidade de direitos.
Questionamo-nos sobre a cidade que temos e a cidade que queremos e como o instrumental
regulamentado pelo EC tem sido apropriado por diferentes agentes e atores sociais. Nesse
sentido, o objetivo da presente proposta é construir uma discussão em torno da produção política
da sociedade (LEFEBVRE) e o residual que escapa à homogeneização instituída, tendo o EC como
principal instrumento da política urbana nacional – conquista dos Movimentos Sociais –
observando em que medida cumpre sua função social no que se refere à habitação de interesse
social.
Palavras-chave: direito à Cidade; resistência; urbano.
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