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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
GERALDO DE LUCENA MILITÃO NETO
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO RESPOSTA À CRISE AMBIENTAL GLOBAL: REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
ILHÉUS – BAHIA 2009
GERALDO DE LUCENA MILITÃO NETO
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO RESPOSTA À CRISE AMBIENTAL GLOBAL: REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
Monografia apresentada, para obtenção de título de bacharel em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, à Universidade Estadual de Santa Cruz.
Área de concentração: Economia dos Recursos Naturais
Orientadora: Profª. Drª. Lessí Inês Farias Pinheiro
ILHÉUS – BAHIA 2009
GERALDO DE LUCENA MILITÃO NETO
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO RESPOSTA À CRISE AMBIENTAL GLOBAL: REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
Ilhéus-BA, 15/06/2009
______________________________________________ Profª. Drª. Lessí Inês Farias Pinheiro
(Orientadora)
______________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Jorge Costa Mielke
(Parecerista)
______________________________________________ Prof. Ms. João Carlos de Pádua Andrade
(Parecerista)
DEDICATÓRIA
A dedicatória deste trabalho vai em especial à memória de minha querida mãe, Geny Cansanção de Lucena, meu grande amor, que vive hoje apenas dentro do meu coração e memória, ela quem me guiou por toda a minha trajetória, e continua me guiando, mesmo não estando mais presente entre nós. Mãe, não me restam dúvidas, que sem os seus ensinamentos maternais e todo o seu amor eu não teria conseguido chegar aqui, por isso este trabalho não poderia ser dedicado a outra pessoa. Mãe, muito obrigado por me ajudar a superar todas as dificuldades, você continua sendo a razão do meu viver! Dedico este trabalho também aos meus irmãos e familiares, amigos e colegas, professores e todos aqueles que me ajudaram de alguma forma ao longo desta trajetória, muito obrigado!
SUMÁRIO
Resumo..................................................................................................................... v Abstract.................................................................................................................... vi 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 07 2. A CRISE AMBIENTAL GLOBAL E SUAS IMPLICAÇÕES................................. 08 3. PANORAMA DO DEBATE INTERNACIONAL SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL 3.1 A Rio 92 e o Protocolo de Quioto: algumas considerações................................ 15 4. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 16 5. UM NOVO PARADIGMA: A VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO............................ 20 6. A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL....................................................................... 23 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 25 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 29
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO RESPOSTA À CRISE
AMBIENTAL GLOBAL: REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
RESUMO
O presente trabalho faz uma análise da discussão sobre o desenvolvimento sustentável, enquanto resposta à crise ambiental global da contemporaneidade, abordando questões chaves que interligam os dois temas. A presente problemática já existe há algumas décadas, entretanto com o agravamento da crise ambiental global, além de novas questões político, econômicas, sociais e culturais surgindo, o debate internacional foi intensificado, assim como nas esferas municipais, regionais e nacionais. Este trabalho não constitui um fim em si mesmo, apenas contribui com diferentes reflexões para as discussões já em curso.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; crise ambiental global; questões
político-econômicas-sociais-culturais internacionais.
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO RESPOSTA À CRISE
AMBIENTAL GLOBAL: REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
ABSTRACT
The present paper analyses the discussion of the sustainable development as an alternative for the contemporary global environmental crisis, approaching key points of both themes. Since last decades the present discussion exists, however, the aggravation of the environmental crisis, plus new international political-economic-social and cultural matters, turned this debate more intensified in municipal, regional, national and international scale. This paper does not intend to finish up the discussions, it aims to contribute with different reflections to them.
Key-words: sustainable development; environmental global crisis; international
political-economic-social and cultural matters.
1. INTRODUÇÃO
Com a intensificação das conseqüências da crise ambiental global, os
debates acerca da sustentabilidade nos diversos meios tornaram-se mais
frequentes. A partir destes debates, novos paradigmas surgiram, a exemplo da
necessidade de mais conhecimentos interdisciplinares e planejamentos intersetoriais
do desenvolvimento, traçando paralelos entre questões ambientais, sociais,
econômicas, políticas e científicas. Eixo que permeia a sustentabilidade.
A expressão “desenvolvimento sustentável” remete a uma corrente de
reflexões que perdura há mais de vinte anos. Segundo Godard (1997), entretanto,
estes longos anos de reflexões não conseguiram produzir um consenso ainda sobre
o conceito do que viria a ser o desenvolvimento sustentável. São variadas as suas
definições, e dentre estas, algumas se contradizem.
Neste sentido, a sustentabilidade fundamenta-se nas premissas de que as
fontes de energia em utilização são finitas, as formas de vida são interdependentes
e somente será possível implementar novo modelo de desenvolvimento por meio da
cooperação, da parceria e da proteção ao meio ambiente, buscando padrões de
produção e consumo mais racionais (SARTÓRIO, 2004).
De acordo com Capra (1997), o êxito da sustentabilidade depende de
cooperação, parcerias e formação de redes. Este autor propõe ainda a necessidade
da quebra do paradigma vigente, já que segundo ele quase todas as crises
contemporâneas derivam de um mesmo fator – a crise de percepção. Esta nova
visão da realidade se contrapõe à tradicional visão mecanicista cartesiana, que para
Capra (ibidem), é uma visão restrita e obsoleta.
A problemática acerca do desenvolvimento sustentável enquanto resposta à
crise ambiental global, tanto na esfera macro, quanto na esfera micro, caracteriza-se
por ser um conhecimento ainda em formação. Assim sendo o objetivo desta
pesquisa, insere-se na categoria de estudos denominados formuladores ou
exploratórios.
A adoção desta opção teórico-metodológica se justifica por não haver um
modelo conceitual ou prático, que possa ser utilizado como referência para a
modelagem desta pesquisa, o que, inclusive, constitui um dos principais critérios
para a escolha deste tema. Para fundamentar o referencial teórico será realizada
uma pesquisa bibliográfica que permitirá a sistematização dos principais conceitos
relacionados ao problema de investigação, a saber, a literatura que verse sobre o
tema proposto, tanto na abordagem global, quanto em abordagem regional e local.
Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo analisar a relação
“desenvolvimento sustentável como resposta à crise ambiental global”, já que o
desenvolvimento sustentável parte do princípio de que existe uma crise ambiental
global, elevando alguns aspectos onde os temas se cruzam e se complementam, e
respeitando os limites do que se foi discutido até os dias atuais.
2. A CRISE AMBIENTAL GLOBAL E SUAS IMPLICAÇÕES
O relatório de Brundtland trouxe em 1987, entre outras coisas, uma exaustiva
lista de ameaças ao equilíbrio do meio ambiente planetário, dentre elas: o
desflorestamento, a erosão do solo, o efeito-estufa, o buraco na camada de ozônio,
a questão da demografia, a cadeia alimentar, os recursos hídricos, a energia,
aspectos ligados ao processo de urbanização, a extinção de espécies animais, o
armazenamento de armas, a proteção dos oceanos e do espaço (GUERRA et al.,
2007).
Este relatório, fruto dos estudos da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, englobou de forma pioneira o meio ambiente e o
desenvolvimento, e mostrou que a humanidade e o mundo natural encontravam-se
em rota de colisão.
Segundo Giddens (2000), o relatório de Brundtland evidenciou uma situação
em que os recursos da Terra estavam sendo consumidos numa taxa assustadora,
enquanto a poluição estava destruindo o equilíbrio ecológico de que a continuidade
da natureza depende.
A partir de então, no âmbito internacional, forma-se a idéia de que esta crise,
até então sem precedentes, constitui um problema público que transcende os limites
nacionais e que deve ser debatido no seio da comunidade internacional (JESUS,
2004).
Como conseqüência disto, a busca por alternativas viáveis e soluções
apaziguadoras para a crise ambiental global transformou-se em um assunto
relevante nas agendas dos governos nacionais e nos fóruns de debate em âmbito
internacional. Neste ponto vale ressaltar que a construção da idéia de uma situação
limite do ecossistema mundial somente foi possível graças ao fornecimento de uma
base de caráter científico (GUERRA et al., 2007).
Diante do cenário de crise, já em 1989, a Holanda adotou critérios ecológicos
na rotina de todos os departamentos de governo, o que o tornou em um dos países
com os melhores indicadores ambientais do mundo (GIDDENS, 2000).
A Alemanha, seguindo o mesmo caminho, hoje é um dos mais destacados
países do mundo em termos de medidas ambientais como: eficiência energética1 ou
emissões per capita de poluentes como o dióxido de carbono ou dióxido de enxofre
(GIDDENS, ibidem).
Estes são resultados pontuais diante da complexa situação global, contudo
relevantes, pois são ações que resultaram de fóruns de debates realizados a partir
das três últimas décadas do Século XX. Período este, em que o capital humano
passou a ser um recurso abundante, enquanto o natural passou a ser escasso, em
uma situação de meio ambiente degradado, o inverso da situação que tínhamos no
começo da revolução industrial. Nesta perspectiva, Giddens (2000), afirma que
enfrentar o risco ecológico será uma questão problemática para um futuro previsível.
Desde então, percebe-se a necessidade da incorporação da variável
ambiental nas políticas setoriais para o avanço de um desenvolvimento sustentável
e conseqüente apaziguamento da crise ambiental global.
Em consórcio com isto, é ávida a necessidade de um rompimento com a
concepção desenvolvimentista ou economicista mais tradicional, tendo em vista que
a maioria dos projetos que causam graves danos ambientais prioriza questões de
caráter estritamente econômico.
Além de problemas ambientais já conhecidos como: o desflorestamento, a
extinção de espécies animais e vegetais, a poluição, as alterações climáticas, a
desertificação e a escassez de água potável, o crescimento populacional
desregulado, a nível global, e, sobretudo nos países periféricos, vem causando
1 Quantidade de energia gasta para produzir uma unidade do produto nacional.
sérios impactos no meio ambiente, como ocupação de áreas mananciais, aumento
do desflorestamento e a conseqüente degradação do meio ambiente (JESUS, 2004).
Problemas estes que possuem estreita ligação entre si, e fazem parte da
complexa crise ambiental global, em que as ações, ou simplesmente a inércia no
plano nacional, impactam diretamente no todo, ou seja, no âmbito global.
De acordo com Moreira & Giometti (2008), os países desenvolvidos, na sua
maioria localizados no hemisfério norte, maiores responsáveis históricos pelas
emissões de GEEs2 na atmosfera, devem ser alvos das ações mais radicais e
imediatas, para amenizar alguns problemas, como no caso do aquecimento global.
Entretanto, é necessária a compreensão das formas pelas quais as pessoas e
as sociedades se relacionam com o meio ambiente, de forma a estabelecer, de
maneira mais razoável, a responsabilidade diferenciada pela produção da totalidade
da crise ambiental global e as tarefas correspondentes necessárias para a solução
ou apaziguamento.
Neste caso, de forma mais radical, Guerra et al. (2007), afirma que se faz
necessária a adoção de uma visão desafiadora dos modelos simplistas de análises
das relações entre o meio ambiente e a esfera econômica. Inclusive, considerando a
localização histórico cultural do conceito de desenvolvimento, o que segundo ele,
conduz ao reconhecimento do seu caráter ocidental, além dos mecanismos de
enriquecimento e de exclusão que o mesmo historicamente envolveu.
Um grande passo alcançado no âmbito global foi a elaboração da Carta da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, em que o princípio 15
explicita:
Principle 153: the Precautionary Approach: “In order to protect the environment, the precautionary approach shall be widely applied by states according of their capabilities where there are threats of serious or irreversible, lack of full scientifically certainty shall not be used as a reason for postponing cost-effective measures to prevent environmental degradation (MACHADO; DIAS; apud JESUS, 2004).
2 Gases de efeito estufa. 3 Princípio 15: Princípio da Precaução: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades, quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (tradução própria).
Entretanto, de acordo com Chaves & Rodrigues (2006), para a efetivação
deste princípio, é necessário o estabelecimento de regras que possam garantir uma
aplicação sensata e previsível, o que ainda constitui um desafio a ser superado.
As questões pertinentes ao futuro do meio ambiente e à solução da crise
ambiental dependem da evolução do conteúdo global dos modos de
desenvolvimento no norte como no sul (modos de consumo, escolha de tecnologias,
organização do espaço, gestão dos recursos e dos resíduos). Além de atentar para
o fato de que reintegrar as políticas de meio ambiente numa perspectiva de
desenvolvimento econômico vem a confirmar um consenso político internacional de
manter o desenvolvimento econômico no centro das decisões e da sociedade, indo
de encontro a toda decisão pautada na conservação da natureza (GODARD, 1997).
Conforme Hawken et al. (2000), os fatores limitadores do desenvolvimento
econômico futuro são a redução da disponibilidade e da funcionalidade do capital
natural, em particular dos serviços de sustentação da vida que não têm substitutos e
atualmente carecem de valor de mercado, já que nem mesmo o avanço tecnológico
tem como repor esses serviços, e as máquinas se mostram igualmente incapazes de
substituir a inteligência humana, o conhecimento, o saber, a capacidade
organizacional e a cultura. Ressaltando ainda que problemas como o aquecimento
global podem ter conseqüências sérias para o planeta e para a sua população,
como, por exemplo, mudança nos padrões climáticos mundiais.
Por conseguinte, as implicações sobre a regulação do meio ambiente e a
solução da crise ambiental global são transversais e devem ser consideradas na sua
interdisciplinaridade, incluindo aspectos históricos, geográficos, sociológicos, éticos,
econômicos, de ciência e tecnologia além de interesses de políticas públicas, ciência
política e relações internacionais.
3. PANORAMA DO DEBATE INTERNACIONAL SOBRE POLÍTICA AMBIENTAL
Os problemas ambientais começaram de fato a fazer parte da agenda
internacional com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972, da qual resultou a
Declaração de Estocolmo, essa que introduziu na agenda política internacional a
dimensão ambiental como condicionadora e limitadora do modelo tradicional de
crescimento econômico e uso dos recursos naturais.
Num contexto de reconhecida interdependência crescente, o tema do meio
ambiente tornou-se paradigmático por naturalmente ter sido tratado, desde o
princípio, em sua particularidade transnacional.
Particularidade esta que, para Tostes (2006), implicou diretamente nos rumos
dos debates a seu respeito, os quais veem levando à reflexão sobre a convergência
de questões econômicas, sociais, culturais e políticas, estas que não mais se
dissecam e nem se resolvem em espaços territoriais delimitados por uma nação ou
por uma burocracia política, e sim no âmbito internacional.
Nesta perspectiva, ficou implícita a necessidade de construir uma agenda
comum entre as diversas esferas de poder, o que constituiu e ainda constitui um
grande desafio a ser superado.
Atualmente uma nova concepção de política de meio ambiente começa a
forjar-se em plena aceleração da globalização, bem como o debate sobre a
emergência de uma sociedade civil global.
Entretanto, segundo Kransner apud Tostes (2006), o principal fator de um
regime internacional, o qual proponha uma política ambiental global, é a
convergência dos atores participantes em relação às normas, regras, princípios e
procedimentos de tomada de decisão.
Levando em consideração que no começo da década de 1990, se consolidam
o princípio e o valor de que a conservação do planeta é um interesse social e não
apenas estatal e tem caráter universal (TOSTES, 2006).
Diante desse cenário, contudo, vale ressaltar que em respeito a temas
particulares da crise ambiental, como a mudança climática, se faz necessária uma
política internacional, afastando assim a decisão do cidadão comum, prerrogativa
essa que, segundo Jordan apud Azevedo et al. (2007), tornaria a regulação mais
eficiente, a saber, decisão tomada em outras instâncias e com critérios mais
técnicos.
No tocante às esferas de aplicação e legislação ambiental, de acordo com
Azevedo et al. (2007), é interessante considerar que os governos locais e estaduais,
em todo mundo, são freqüentemente os níveis mais corruptos da administração,
porque as redes pessoais mantêm-se com mais força do que no nível federal.
Situação esta que de alguma forma implica na descentralização da política
ambiental.
Além disso, este autor ainda externaliza que, constata-se, em escala mundial,
que os governos locais, em sua maioria, não têm exercido adequadamente o seu
dever de zelar pelo meio ambiente sadio e equilibrado, e por vezes, são autores da
própria contravenção.
Nesta perspectiva, pode-se analisar o caso do Brasil, onde existe a
necessidade da descentralização da gestão ambiental do país. Entretanto, é de
suma importância atentar para a capacidade de governança dos subníveis estadual
e local, já que isto está ligado diretamente à necessidade de um aparato institucional
para os municípios e estados praticarem uma política ambiental efetiva.
Outro aspecto relevante do debate contemporâneo é o papel da informação
científica na formação dos acordos e políticas internacionais, ou do conhecimento
derivado da pesquisa científica na condução da ação coletiva em matéria de meio
ambiente, em que os estudos ressaltam a necessidade do debate sobre a relação
entre conhecimento, interesse e poder na política internacional (ANDRESEN &
OSTRENG; JASANOFF; HAAS; LITFIN; ANDRESEN ET AL.; PARSON; apud
TOSTES, 2006).
Tendo em vista que, até então, os estudos que exploram essa relação, entre
ciência e política na arena internacional, ainda não chegaram a conclusões
completamente coerentes. Porém, em muitos casos analisados tem-se verificado
que a informação e o conhecimento científico são levados em conta nos debates e
acordos internacionais, mas que ao final do processo de tomada de decisão, estes
não são os principais determinantes dos “outcomes” (DIMITROV apud TOSTES,
2006).
Por outro lado, segundo a autora, as instâncias onde ocorrem os debates
contemporâneos permitem, através de amplos veículos de comunicação, que
conhecimento e valores científicos sejam divulgados através de informação.
Nesta perspectiva, vislumbra-se que o tema do meio ambiente facilita uma
reflexão preliminar sobre a relação entre o aumento de poder de influência de atores
não-estatais no aumento da busca de regulação internacional, mas, por outro lado
também é capaz de revelar as dificuldades da substituição da luta por poder pelo
diálogo racional ou científico entre grandes potências. Nestes debates, é de
fundamental importância, destacar o papel chave assumido pelas ONGs em suas
participações em eventos internacionais e conferencias: o papel dos especialistas.
Conforme Tostes (ibidem), a mudança de perspectiva sobre o “pertencimento”
do meio ambiente e sobre a idéia de patrimônio comum da humanidade, logo, sobre
a responsabilidade de sua defesa, traz uma quebra de legitimidade sobre qualquer
argumento de poder e tem levado grandes potências ao diálogo ou respeito a
direitos mínimos. Nesta área, a autora afirma que o debate e a pressão de grupos de
interesses e setores da sociedade civil levaram a uma revisão sobre o âmbito de
atuação e a esfera de pertencimento do poder sobre o destino de bens considerados
da humanidade.
Segundo Keck & Sikkink, apud Tostes (2006), o que há no mundo
interdependente contemporâneo é a emergência de uma sociedade civil que
interage em uma fragmentada arena de disputas no campo das relações
internacionais, uma sociedade civil transnacional, além de outros atores importantes,
como ONGs, o meio acadêmico-científico, organismos internacionais e outros.
No caso Brasil, no tocante à legislação ambiental, Azevedo et al. (2007),
propõe que poderíamos imaginar o Estado federal brasileiro participando como
coordenador das políticas e ações ambientais e não como comandante, diante do
complexo panorama geográfico, social, econômico e cultural do país. Ainda de
acordo com este autor, um grande avanço, neste caso foi a formulação da Política
Nacional de Meio Ambiente - PNMA, de 1981, que abriu caminho para a
descentralização da gestão e a participação social institucionalizada e a implantação
do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, o qual integra as três esferas
do governo.
Desta forma, ele afirma que o processo de descentralização política envolve a
transferência de autoridade e as respectivas competências legais e administrativas
para outra instância de governo, sem o Estado federal se eximir do papel de
coordenador/supervisor dessas políticas, além de transferir poder e recursos aos
níveis mais próximos dos cidadãos e de seus problemas. Salientando, que
descentralizar, neste caso, possui o sentido de estabelecer novas relações entre os
diversos níveis de poder, limitando as zonas de responsabilidade exclusiva e
ampliando-se as de responsabilidade conjunta, tanto em níveis supranacional como
subnacional.
Entretanto, este mesmo autor ainda afirma que é preponderante ressaltar que
o processo de descentralização implica na necessidade de uma sustentabilidade
institucional, para a formulação de um planejamento integrado aliado a políticas
ambientais transversais.
3.1 A Rio 92 e o Protocolo de Quioto: algumas considerações
No âmbito das relações internacionais, deve-se destacar a importância, talvez
mais simbólica que efetiva, da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento - UNCED, conhecida também como Rio 92, onde apesar dos
conflitos de interesse entre o norte e o sul, se estabeleceram compromissos, e onde
também foi proposto e acordado que fossem realizadas conferências freqüentes
sobre o clima.
Segundo Rodrigues, apud Moreira & Giometti (2008), a Rio 92 se caracterizou
por oferecer um objetivo bem sedimentado que tem que ser cumprido, mas não
determina o modo de implementação, ou seja, ela possibilita que ao longo do tempo
vários caminhos possam ser tomados para se alcançar o objetivo final, a saber, a
busca da sustentabilidade através do apaziguamento do aquecimento global e da
diminuição na emissão de poluentes por parte dos países participantes da
convenção.
De acordo com Tostes (2006), a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio ambiente e Desenvolvimento – UNCED, no Rio em 92, é o marco para a
aceleração da feitura de acordos internacionais sobre meio ambiente e
aparecimento de fóruns paralelos às conferencias internacionais em que só os
Estados têm representação.
Desde a Rio 92, o Brasil vem exercendo papel de destaque nas negociações
internacionais relacionadas ao meio ambiente, o que ficou ainda mais evidente
durante as negociações para a adoção do Protocolo de Quioto4. Além disso, o Brasil
possui ainda uma relevante característica, a de possuir uma matriz energética
majoritariamente limpa.
Para Moreira & Giometti (2008), o Protocolo de Quioto, foi também um marco
de suma importância no âmbito internacional, pois este estabeleceu o “Princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, concluindo ainda que somente por
meio da cooperação internacional poderia ser resolvido um problema da magnitude
do aquecimento global.
Entretanto, o Protocolo de Quioto precisa formar-se como um acordo
internacional de cumprimento legal no longo prazo, o que provavelmente só será
possível com a adesão de todos os países, e necessariamente dos Estados Unidos
da América.
É válido salientar ainda que e um aspecto fundamental no processo de
cooperação internacional, costurado por fóruns de debate internacional, seria a
canalização de recursos financeiros e a transferência tecnológica do norte para o sul
no sentido de que os países desenvolvidos ajudassem os países em via de
desenvolvimento a saltarem algumas etapas neste processo, o que até então ainda
não foi alcançado.
4. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM DIFERENTES PERSPECTIVAS
No início da década de 1970, sob a direção do PNUMA5, encontra-se a
primeira corrente de pensamento para promover o que ficou conhecido como
“estratégias de ecodesenvolvimento” (SACHS, 2002).
Estas estratégias seriam concebidas como uma nova abordagem do
desenvolvimento, em que as cada uma delas teria sua base fundada no
“atendimento das necessidades fundamentais” (aspas do autor) – habitação,
alimentação, meios energéticos de preparação de alimentos, água, condições
4 O Protocolo de Quioto é um acordo internacional para reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos países industrializados e para garantir um modelo de desenvolvimento limpo aos países em desenvolvimento. 5 Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
sanitárias, saúde e decisões nas participações – das populações menos favorecidas,
prioritariamente nos países em desenvolvimento, na adaptação das tecnologias e
dos modos de vida às potencialidades e dificuldades específicas de cada ecozona,
na valorização dos resíduos e na organização da exploração dos recursos
renováveis pela concepção de sistemas cíclicos de produção, sistematizando os
ciclos ecológicos.
Nesta mesma linha, seguem Chaves & Rodrigues (2006) quando afirmam que
para discutir o ecodesenvolvimento fazem-se necessárias algumas mudanças
políticas nacionais, além de uma reestruturação das relações norte-sul. Isto
significaria uma mudança de postura, nos modos de vida e desenvolvimento dos
países industriais, considerada condição fundamental para a harmonização dos
direitos ao desenvolvimento, não só de alguns países, mas de todos, bem como a
preservação do meio ambiente do Planeta. Desde o princípio, esta proposta foi
rotulada como radical porquanto não agradou a muitos, motivo pelo qual foi logo
marginalizada.
Para Sachs (2002), o desenvolvimento sustentável é um enfoque de
desenvolvimento sócio-econômico orientado: para atender a satisfação de
necessidades básicas; para reconher o papel fundamental que a autonomia cultural
desempenha nesse processo de mudança e; para elencar um conjunto de critérios a
fim de se poder avaliar a pertinência de ações mais específicas. O referido autor
afirma ainda que existem três pilares básicos para este novo modelo de
desenvolvimento, a saber: a relevância social; a prudência ecológica e; a viabilidade
econômica.
Esta proposta de desenvolvimento funda-se na crescente exigência, em
escala global, de um modelo equilibrado como forma alternativa do aproveitamento
racional e sustentável da natureza em benefício das populações, entendido como
“prudência ecológica”, no sentido de que elas possam incorporar a importância da
conservação como componente estratégico de desenvolvimento (SACHS, ibidem).
Neste ponto o autor entende o desenvolvimento sustentável como vantagem
competitiva para os países que participam do comércio internacional.
Segundo Godard apud Chaves & Rodrigues (2006), foi após a década de
1970 que se começou a estabelecer a consciência de que a raiz dos problemas
ambientais, vivenciados até então, estariam nas formas de desenvolvimento
tecnológico e econômicos empregados.
A partir de então, o complexo e controverso tema do “desenvolvimento
sustentável” começou gradativamente a ocupar os debates políticos, científicos e
sociais, ao passo que as evidencias científicas apontavam uma estreita ligação entre
o crescimento global da produção e do consumo, com a degradação dos recursos
naturais e desequilíbrios ecológicos que ameaçam o desenvolvimento sustentável e
equitativo da humanidade.
Conforme Godard apud Chaves & Rodrigues (2006), ainda nesta mesma
década, discutiu-se também o grau de compatibilidade entre o desenvolvimento
econômico e a conservação do meio ambiente, colocando em descrédito esta nova
proposta de desenvolvimento, além de sugerir que não se poderiam tomar decisões
políticas baseadas em um cenário de incertezas e onde os saberes ainda não
estavam estabilizados. Esta retórica perdurou até os primórdios do Século XXI, e foi
utilizada por alguns líderes políticos, a exemplo do então Presidente dos Estados
Unidos da América, George W. Bush, no seu primeiro mandato.
Para Godard (1997), uma das primeiras possibilidades a fim de chegar a um
desenvolvimento sustentável e a uma melhor qualidade de vida para os povos, seria
a de que os Estados reduzissem e eliminassem os modos de produção e consumo
não viáveis alem de promover políticas demográficas apropriadas, este que constitui
o Princípio 8 da Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento6.
A Declaração do Rio, no Princípio 4, ainda rege que “para chegar a um
desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve fazer parte
integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada
isoladamente”.
Segundo Leff apud Sartório (2004), se faz necessário também, desenvolver
as potencialidades da autogestão em práticas produtivas ecologicamente
adequadas, promovendo a ecoeficiência7, melhorando as condições de existência e
aumentando a qualidade de vida.
6Documento formulado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972. Disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576 [Capturado em: 12.08.08] 7 Aperfeiçoamento do uso do material e redução do impacto ambiental (HAWKEN; LOVINS, A.; LOVINS, L. H., 2000).
Segundo o relatório Brundtland8 apud GODARD (1997, p. 113), o
desenvolvimento sustentável “é o que responde às necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas próprias
necessidades”. Esta definição apesar de ser a mais difundida midiaticamente, é
bastante controversa, logo criticada, já que permite várias interpretações.
Nesta perspectiva, Dencker e Kursch apud Sartório (2004) afirmam que o
meio ambiente deve integrar-se ao desenvolvimento para alcançar a
sustentabilidade que preencha as necessidades do presente, sem comprometer as
gerações futuras quanto à satisfação de suas próprias necessidades.
Numa outra perspectiva, esta mais desenvolvimentista, o desenvolvimento
sustentável significa que o desenvolvimento deve alcançar um ritmo o mais
sustentável possível até que ele se torne irreversível, onde a sustentabilidade é
entendida como durabilidade (GUERRA et al., 2007).
Em contrapartida os ecologistas entendem o desenvolvimento sustentável
como uma proposta de limitação do desenvolvimento ao ritmo que o ecossistema
pode suportar, o que pode, por conseguinte, garantir sua manutenção a longo prazo
(GUERRA et al., 2007).
Segundo Chaves & Rodrigues (2006), parte destas perspectivas apontam
para a exigência da sustentabilidade como valor normativo e que permita formulação
de objetivos coletivos, aspecto que tem sido até certo ponto alcançado timidamente
em nível global.
Para alguns autores a noção de desenvolvimento sustentável ainda é incerta,
uma vez que se encontra no cruzamento de várias tradições intelectuais, mas que,
atualmente, na sua maioria, serve para expressar um desejo de conciliação entre
desenvolvimento econômico e a conservação do meio ambiente a longo prazo.
A análise destas distintas abordagens do desenvolvimento sustentável
permite vislumbrar, em grande parte, que existem limites e possibilidades nas
diferentes interpretações do que constitui este modelo paradigmático de
desenvolvimento.
8 Também conhecido como “Nosso futuro comum” é o relatório final dos estudos da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, chefiado pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland.
5. UM NOVO PARADIGMA: A VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO
A relação meio ambiente x Global Environment Politics9 (GEP) defende a
idéia de que não há mais a possibilidade de uma abordagem efetiva sobre meio
ambiente sem a consideração das conexões globais e do processo de
interdependência. Sendo assim, os novos enfoques de pesquisa sobre o meio
ambiente relacionam mais fortemente o local-global, quando reconhecem que as
implicações sobre o meio ambiente são transversais e que percorrem múltiplas
esferas (TOSTES, 2006).
Para a referida autora, as mudanças do meio ambiente e as relações entre
forças políticas globais devem incluir o papel dos Estados, dos atores multilaterais,
do direito internacional, das corporações, dos movimentos sociais de caráter
transnacional, das organizações não governamentais de alcance internacional, do
desenvolvimento tecnológico e da ciência.
Nesta perspectiva, surge um novo paradigma, o paradigma ecológico, que
conforme Capra (1997) constitui uma nova visão da realidade, a visão sistêmica, e
esta se baseia na consciência do estado de inter-relação e interdependência
essencial de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais.
Este autor, ainda afirma que esta nova visão transcende as fronteiras disciplinares e
conceituais da contemporaneidade, pois, a concepção sistêmica vê o mundo em
termos de relações e de integração, se contrapondo à visão mecanicista-
reducionista cartesiana.
O pensamento sistêmico é um pensamento de processo, onde a forma torna-
se associada ao processo, à inter-relação e à interação, sendo que os opostos são
unificados através da oscilação. Nesta perspectiva, Capra (ibidem), afirma que a
totalidade da biosfera - nosso ecossistema planetário - é uma teia dinâmica e
altamente integrada de formas vivas e não-vivas, e que embora essa teia possua
múltiplos níveis, as transações e interdependências existem em todos os seus
níveis.
Para Leff apud Sartório (2004), a superação do padrão de conhecimento
fragmentado dominante, vai depender da nossa capacidade de perceber e discutir a
9 Política Global de Meio Ambiente.
problemática em toda a sua complexidade e totalidade, não centrando as análises
na separação, mas buscando a construção de enfoques mais integrados e
democráticos de percepção de questões ambientais.
Nesta mesma linha, Capra (1997, p. 260) afirma que “embora possamos
discernir partes individuais em qualquer sistema, a natureza do todo é sempre
diferente da mera soma das suas partes”. Para o referido autor, em virtude da
natureza não-linear dos percursos e interligações dentro de um ecossistema,
qualquer perturbação séria não estará limitada a um único efeito, mas poderá
propagar-se a todo o sistema e até ser ampliada por seus mecanismos internos de
realimentação, daí a necessidade de uma abordagem sistêmica e global da crise
ambiental contemporânea.
O estudo detalhado dos ecossistemas nestas últimas décadas mostrou com
muita clareza que a maioria das relações entre organismos vivos são
essencialmente cooperativas, caracterizadas pela coexistência e a
interdependência, e em caráter de simbiose10 em vários graus. Onde, embora haja
competição, esta ocorre usualmente num contexto mais amplo de cooperação, de
modo que o sistema maior é mantido em equilíbrio (CAPRA, ibidem).
Esta perspectiva contrasta com a dos darwinistas sociais que veem a vida
exclusivamente em termos de competição, luta e destruição. Pois a concepção que
eles tinham da natureza ajudou a criar uma filosofia que legitima a exploração e o
impacto desastroso de nossa tecnologia sobre o meio ambiente natural.
Conforme Capra (ibidem), a agressão excessiva, a competição e o
comportamento destrutivo são aspectos predominantes apenas dentro da espécie
humana, e eles têm que ser tratados em termos de valores culturais, em vez de se
procurar explicá-los pseudo-cientificamente como fenômenos intrisicamente
naturais.
Ainda de acordo com este mesmo autor, em nossas interações com o meio
ambiente há uma continua permuta e influência mútua entre o mundo exterior e o
nosso mundo interior. Esta idéia fundamenta-se na Hipótese Gaia: em que o planeta
é visto como um único organismo vivo, um ser próprio e independente, um
organismo Gaia, um ser planetário vivo.
10 Associação benéfica de dois organismos que vivem em comum.
Sendo assim, a teoria dos sistemas considera que o meio ambiente é, em si
mesmo, um sistema vivo capaz de adaptação, dentro do seu equilíbrio, e evolução.
Ou seja, esta teoria afirma que existe aí um processo de co-evolução de organismos
mais meio ambiente (CAPRA, 1997), em que o meio ambiente e o ser humano
evoluem juntos, sendo o Planeta, o ser total contido, de algum modo, em cada uma
das suas partes.
Conforme Guerra et al. (2007), este paradigma sistêmico é a matriz principal
da formulação do debate sobre a crise ambiental global, e desdobra-se na iminência
da necessidade de uma maior interdisciplinaridade e diálogo entre as ciências. Num
panorama que exige a necessidade de conhecimentos interdisciplinares e
planejamento intersetorial do desenvolvimento que trace paralelo entre as questões
ambientais, sociais, econômicas, políticas e cientificas.
O sistemismo também roga a necessidade de uma responsabilidade de
coletiva, porém diferenciada, perspectiva esta já vislumbrada na Carta da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 1992, pelo enfrentamento dos problemas atuais do
ecossistema planetário e dos previstos para um futuro próximo.
A concretização dessa visão sistêmica da realidade, na relação sociedade
meio-ambiente, permitiria a reconciliação entre seres humanos e os sistemas vivos.
Num ambiente em que a ação conjunta, mesmo descentralizada nas suas
competências, poderia promover um processo sinergético dos poderes e esferas
envolvidas.
Esta necessidade de se favorecer a eliminação das barreiras entre as
diferentes disciplinas e tradições de pensamento, busca a construção da
interdisciplinaridade, que ainda se articula com certa dificuldade, tendo em vista os
rumos construídos pelo próprio conhecimento científico.
Entretanto, segundo Godard (1997), esta interdisciplinaridade permitiria
estabelecer ligações entre as ciências da natureza no interior das análises
econômicas, promovendo uma interlocução fecunda entre as diferentes tradições de
pensamento.
6. A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL
A construção da interdisciplinaridade, com bases fundadas na visão sistêmica
da realidade, permitiria trazer para o debate ambiental questões cruciais tais como; a
pobreza em que vivem amplos setores da população mundial, o
subdesenvolvimento, o acesso a níveis dignos de qualidade de vida entre outros
problemas sociais que dizem respeito à coletividade do planeta, mas que por si só
não conseguiram promover uma mobilização internacional para solucioná-los.
Para Chaves & Rodrigues (2006), a proposta de desenvolvimento sustentável
abrange, ao mesmo tempo, aspectos econômicos, sociais, culturais, políticos,
tecnológicos e ecológicos, buscando uma integração entre estes vários fatores.
Nesta perspectiva, Sartório (2004), propõe que o desenvolvimento sustentável
possa servir de via para a redistribuição de poder e riqueza, do acesso e da
apropriação dos recursos naturais, já que os bens ambientais são públicos e todos
deveriam ter direitos iguais sobre eles.
Sendo assim, Guerra et al. (2007), conclui que se faz necessária uma
intervenção, nas áreas com potencial e pobreza, de um desenvolvimento capaz de
harmonizar a eficiência econômica, a preservação ecológica e a equidade social,
sendo respeitados os interesses das comunidades locais e alcançadas as metas do
desenvolvimento regional, partindo do princípio que a exigência de sustentabilidade
não torna homogênea as diferentes realidades socioeconômicas e culturais que
constituem o planeta.
Nesta perspectiva, para Sartório (2004), a idéia de um desenvolvimento
sustentável estaria relacionada à de um “capitalismo sócio-natural”, já que se
evidencia que algumas questões sociais precárias possuem séria implicação na
questão ambiental global, além de correlacionar à concentração de danos
ambientais aos locais onde vivem populações pobres.
Neste contexto, Castells apud Sartório (2004), propõe que poderiam se
promover as potencialidades de autogestão em práticas produtivas ecologicamente
adequadas, melhorando as condições de existência e aumentando a qualidade de
vida, através da transformação dos meios de produção e de consumo, gerando uma
nova organização social.
Para Hawken et al. (2000), a sustentabilidade econômica e ambiental
depende diretamente da superação das desigualdades globais de renda e bem-estar
material, pois o modelo de desenvolvimento econômico calcado no crescimento a
qualquer custo conduziu a maioria das sociedades ao estabelecimento de padrões
insustentáveis de consumo, além de provocar em escala mundial, distorções, tais
como a concentração de renda, o aumento do nível de pobreza e o crescimento
populacional, o que constituem sérios obstáculos à implementação de uma política
ambiental global.
Sendo assim, Chaves & Rodrigues (2006), concluem que existe uma ávida
necessidade de se constituir uma estrutura capaz de unir o talento empresarial para
solucionar os profundos problemas ambientais e sociais do mundo. Entretanto, se
evidencia que as políticas de meio ambiente não podem ser tratadas às margens
dos processos de ação coletiva sinérgica e de organização econômica.
Além disso, para Jesus (2004), é importante ressaltar também o papel da
educação ambiental como instrumento de promoção da sustentabilidade, a qual
permite formar um ambiente mais favorável para que a sociedade seja mais
equânime e informada sobre os seus direitos e deveres relativos ao meio ambiente.
Situação esta que favorece a eclosão de uma maior pressão social por políticas
ambientais efetivas.
Por fim, segundo Guerra et al. (2007), deve-se levar em consideração ainda
que para as populações pobres, as noções de conservação e proteção ambiental
são contestáveis, pois para eles é menos uma questão de qualidade de vida e sim
de sobrevivência, o que até então nas linhas gerais de discussão a respeito da
problemática ambiental global tem sido secundarizado.
Neste panorama, as linhas de debates externam que as estratégias e políticas
derivadas destes fóruns vem manifestando um alto poder de concretização sobre
realidades sociais, sem que alcacem modificações efetivas nos níveis de
desenvolvimento econômico, social ou humano (GUERRA et al., ibidem).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou analisar questões contemporâneas no que
tange ao desenvolvimento sustentável enquanto resposta à crise ambiental global,
temas esses diretamente ligados, já que o desenvolvimento sustentável parte do
princípio que existe uma crise ambiental global. Este novo paradigma econômico
poderia ser a alternativa de substituição ou complementação do atual modelo
capitalista, o qual nos conduziu à uma situação de exaustão dos recursos naturais,
dentre outras distorções, causando danos, muitos deles, talvez, irreversíveis ao meio
ambiente como um todo.
Numa breve análise panorâmica do debate internacional acerca da crise
ambiental global, é importante destacar o papel fundamental de alguns atores deste
cenário, como a contribuição cientifica para a fundamentação do debate entre
Estados, além do papel de novos atores do cenário internacional, como as ONGs e
a sociedade civil organizada que estão atuando de forma contundente neste âmbito.
Em adição a isso, foram analisados alguns aspectos da política ambiental
brasileira que segue uma tendência à descentralização, devido às muitas
deficiências na sua aplicabilidade. Mas, entendendo descentralização das políticas,
no sentido de atribuir competências e coordenar ações, além de proporcionar um
ambiente favorável para a sua aplicabilidade.
Nesta ótica, foram analisadas diferentes perspectivas acerca do
desenvolvimento sustentável, algumas complexas e outras até contraditórias, onde
ao menos forma-se um consenso quase unânime de que não podemos recorrer ao
mercado para resolver questões pertinentes ao meio ambiente.
Neste novo modelo desenvolvimentista, prevaleceria o princípio de gerar o
bem estar humano sem a paradoxal destruição do meio ambiente, considerando a
interdependência fundamental entre a produção e o uso do capital produzido pelo
homem, por um lado, e a conservação e o fornecimento do capital natural por outro.
Entretanto, é sabido, também, que a sustentabilidade deveria ter diferentes
estruturas a partir das diferentes escalas de organização na qual se encontre
inserida.
Dentro desta linha, analisou-se uma nova proposta de visão da realidade, a
visão sistêmica, esta que é a matriz fundamental do debate acerca da crise
ambiental global e que fornece as bases para a proposta de uma política ambiental
global, onde os contextos sociais, econômicos e culturais seriam levados em
consideração de acordo com a sua aplicabilidade.
Em uma análise mais superficial foram abordados aspectos relevantes da Rio
92 e do Protocolo de Quioto, estes que constituem eventos de suma importância no
contexto global da crise ambiental e que abrem caminho para novos acordos
internacionais e um maior diálogo internacional.
Aliado a isso, a questão socioambiental também foi analisada, já que baseado
na perspectiva sistêmica é sabido que existe uma intima relação entre questões
sociais e ambientais, a exemplo do crescimento populacional desregulado e a
conseqüente ocupação de áreas mananciais, e que a proposta de desenvolvimento
sustentável poderia servir de via para um debate mais amplo a respeito dos muitos
problemas sociais contemporâneos.
É pertinente destacar que apesar de tratarmos aqui a crise ambiental na sua
amplitude, as conseqüências de algumas de suas vertentes não estão longe do
nosso cotidiano, como por exemplo, no que tange as mudanças climáticas, onde já
se percebem alterações climáticas na nossa região, com um período de chuvas mais
curto, porém mais intenso e noites mais quentes, como foi revelado por pesquisas
feitas pelo Instituto de Gestão de Águas e Clima-INGÁ.
Além disso, outras possíveis conseqüências podem nos afetar, como com o
aquecimento global e o conseqüente aumento nos níveis dos oceanos, este que
afeta diretamente as cidades costeiras, como Ilhéus, que correm o risco de sofrerem
inúmeros problemas com isso.
Sendo assim, percebemos que a crise ambiental global afeta o mundo como
um todo, onde as conseqüências mais graves infelizmente serão sofridas pelos
países periféricos e suas populações logo, nós, como sociedade civil organizada
junto com outras instâncias públicas, privadas e do terceiro setor devemos começar
a agir.
É válido ainda destacar outros aspectos relevantes do debate internacional:
Para Guerra et al. (2007), é necessária cautela ao abordar os eventuais
efeitos do discurso que defende o globalismo ecológico, ou da constituição da crise
ambiental enquanto fenômeno planetário, em termos da construção da licença
política para a intervenção de países capitalistas desenvolvidos em áreas internas
de países subdesenvolvidos e em via de desenvolvimento, desde que classificadas
como patrimônio mundial, devido à atribuição que lhes é feita de um papel
significativo na salvação do planeta. Pois, esta retórica já foi utilizada por algumas
lideranças políticas de países ricos e que sem dúvida constitui um discurso hipócrita,
egoísta e perigoso para os interesses gerais e dos países periféricos.
Este autor, destaca ainda o perigo da rápida aceitação e disseminação do
conceito e das propostas de intervenções concretas na Amazônia brasileira e em
outras áreas do país, delas resultantes tanto por parte da tecnocracia
governamental, quanto por parte de intelectuais, ONGs e outras entidades da
sociedade civil, sugerindo que esta proposta deva ser analisada minuciosamente,
pois outros interesses, dentro das relações de poder deste cenário, podem estar
sendo veiculados sob o rótulo de desenvolvimento sustentável ou conservação
ambiental.
É importante ainda refletir sobre as proposições de países capitalistas
desenvolvidos, em relação aos países pobres e em desenvolvimento, que implicam,
em grande medida, a revisão dos modelos de produção e de consumo de recursos
naturais nas áreas definidas como nichos ecológicos, enquanto eles continuam a
desfrutar de altos padrões de vida, inclusive somente possibilitados pelas
austeridades das nações pobres ou indivíduos pobres.
Guerra et al. (2007) destaca que a crise ambiental global e a proposta do
desenvolvimento sustentável poderiam estar se transformando em estratégias
funcionalizadas no sentido de criar condições para uma gestão internacionalizada
dos recursos naturais, pensada de forma a favorecer os interesses das forças
político-econômicas dominantes, o que sem dúvida vai de encontro aos anseios dos
países periféricos e suas populações.
Desta forma, todas as propostas apresentadas devem ser analisadas, pois é
sabido que no cenário do debate internacional estão presentes muitos interesses e
alguns que não são visam um beneficio geral e sim particular de um determinado
grupo de interesse.
Por fim é válido salientar que a promoção de um desenvolvimento sustentável
global tem um preço, e esse é muito elevado, agora resta saber quem vai pagar esta
conta ou como vamos dividir o valor: se entre os países já desenvolvidos, ricos e
maiores poluidores históricos, ou se entre os países em desenvolvimento, os quais
precisariam poluir bastante para chegar ao patamar de desenvolvimento dos países
ricos.
É em torno desta questão que os grandes debates hoje devem ser
formulados, a fim de chegar a mais avanços na aplicabilidade do que já foi discutido
até então, já que o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como caminho
e não como um fim em si mesmo.
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