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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1109 O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DO CAPITALISMO EM GOIÁS E SEU PAPEL NA (RE)PRODUÇÃO DA DIVERSIDADE DO CAMPESINATO GOIANO EDSON BATISTA DA SILVA 1 MANOEL CALAÇA 2 Resumo: Há diferentes atores e contradições na ação do capital no território goiano. As regiões se inserem desigualmente na internacionalização do capital, as reações do campesinato também são diferentes. Dessa maneira, o objetivo desta pesquisa foi entender o campesinato goiano como resultado das contradições produzidas pela expansão desigual do capital em Goiás. Para validar está hipótese foi realizada pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo. Os resultados reafirmam a diferenciação dos atores no Estado. Em Orizona o campesinato foi recriado pela ação da igreja e do Estado, pela ação da Teologia da Libertação e da Empresa de Assistência Técnica do Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). Em Itapuranga sua recriação se consubstanciou na ação do Partido Comunista (PC), da igreja católica e da organização sindical. Isso gerou por um lado um campesinato mais tecnificado, em detrimento a outro mais combativo. Palavras-chave: Campesinato. Capitalismo desigual. Território. Recriação. Resumen: Hay diferentes actores y contradicciones en la acción del capital del territorio de Goiás. Las regiones se dividen de manera desigual en la internacionalización del capital, las reacciones del campesinado también son diferentes. De este modo, el objetivo de esta investigación fue comprender el campesinado goiano como resultado de las contradicciones producidas por la expansión desigual del capital de Goiás. Para validar la hipótesis se llevó a cabo la encuesta bibliográfica, colección de datos secundarios y la investigación de campo. Los resultados reafirman la diferenciación de los actores en el estado. En Orizona el campesinado ha sido recreado por la acción de la Iglesia y el Estado, por la acción de la teología de la liberación y la Compañía de Asistencia Técnica del Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). En Itapuranga su recreación se consolidó en la acción del Partido Comunista (PC ), la organización de la iglesia católica y organización sindical . Esto llevó, por un lado un campesinado más tecnificado, en detrimento de otros más combativo. Palabras-clave: Campesinado. Capitalismo desigual. Territorio. Recreación. 1-Introdução Este artigo compõe parte da tese de doutorado. Parte do pressuposto teórico metodológico de que há um espaço/tempo desigual em Goiás, com a presença de temporalidades não resolvidas (MARTINS, 2010). Esse a priori sustenta a hipótese de que o ritmo desigual de avanço do capital sobre o espaço cria e recria uma diversidade de camponeses em Goiás. Portanto, os modos desiguais de inserção destes sujeitos no processo de produção ocasionam diferentes formas de reação e, 1 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, docente da Universidade Estadual de Goiás. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

1109

O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DO CAPITALISMO EM GOIÁS E SEU PAPEL NA (RE)PRODUÇÃO DA DIVERSIDADE DO

CAMPESINATO GOIANO

EDSON BATISTA DA SILVA1 MANOEL CALAÇA2

Resumo: Há diferentes atores e contradições na ação do capital no território goiano. As regiões se inserem desigualmente na internacionalização do capital, as reações do campesinato também são diferentes. Dessa maneira, o objetivo desta pesquisa foi entender o campesinato goiano como resultado das contradições produzidas pela expansão desigual do capital em Goiás. Para validar está hipótese foi realizada pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo. Os resultados reafirmam a diferenciação dos atores no Estado. Em Orizona o campesinato foi recriado pela ação da igreja e do Estado, pela ação da Teologia da Libertação e da Empresa de Assistência Técnica do Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). Em Itapuranga sua recriação se consubstanciou na ação do Partido Comunista (PC), da igreja católica e da organização sindical. Isso gerou por um lado um campesinato mais tecnificado, em detrimento a outro mais combativo.

Palavras-chave: Campesinato. Capitalismo desigual. Território. Recriação. Resumen: Hay diferentes actores y contradicciones en la acción del capital del territorio de Goiás. Las regiones se dividen de manera desigual en la internacionalización del capital, las reacciones del campesinado también son diferentes. De este modo, el objetivo de esta investigación fue comprender el campesinado goiano como resultado de las contradicciones producidas por la expansión desigual del capital de Goiás. Para validar la hipótesis se llevó a cabo la encuesta bibliográfica, colección de datos secundarios y la investigación de campo. Los resultados reafirman la diferenciación de los actores en el estado. En Orizona el campesinado ha sido recreado por la acción de la Iglesia y el Estado, por la acción de la teología de la liberación y la Compañía de Asistencia Técnica del Estado de Goiás (EMATER,GOIÁS). En Itapuranga su recreación se consolidó en la acción del Partido Comunista (PC ), la organización de la iglesia católica y organización sindical . Esto llevó, por un lado un campesinado más tecnificado, en detrimento de otros más combativo.

Palabras-clave: Campesinado. Capitalismo desigual. Territorio. Recreación.

1-Introdução

Este artigo compõe parte da tese de doutorado. Parte do pressuposto teórico

metodológico de que há um espaço/tempo desigual em Goiás, com a presença de

temporalidades não resolvidas (MARTINS, 2010). Esse a priori sustenta a hipótese

de que o ritmo desigual de avanço do capital sobre o espaço cria e recria uma

diversidade de camponeses em Goiás. Portanto, os modos desiguais de inserção

destes sujeitos no processo de produção ocasionam diferentes formas de reação e,

1 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás,

docente da Universidade Estadual de Goiás. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail de

contato: [email protected]

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por conseguinte, produção dos camponeses neste território. Neste contexto, na

relação dialética com o capital, o camponês goiano altera a sua condição como

sujeito social.

Desta maneira, o objetivo foi entender o campesinato goiano como resultado

das contradições produzidas pela expansão desigual do capital. Para isso se

procedeu à pesquisa bibliográfica, com localização, copilação, leitura e fichamento

de referências. Além do levantamento de dados secundários e pesquisa de campo,

com a aplicação de entrevista semi-estruturada e observação sistemática.

Na apresentação das entrevistas, realizadas em 2014 e no primeiro semestre

de 2015 se adotou nomes fictícios para os entrevistados, tendo em vista a

preservação da integridade destes. Já os depoimentos foram expostos, graças à

autorização obtida. Os resultados foram apresentados em gráficos e no próprio

corpo do texto.

O artigo está dividido em três partes; na primeira o debate se verte a

compreensão do desenvolvimento desigual, contraditório e combinado, na segunda

a discussão se estabelece em torno do conceito de campesinato, enquanto na

terceira a análise se volta para a recriação do campesinato goiano. Nesse ínterim,

nas próximas páginas o diálogo se estabelece no termo de desenvolvimento

desigual e combinado.

2- O desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do capital

Massey (2012) diz que os defensores da história desenvolvida por estágios

não descrevem o mundo como ele é, mas criam uma imagem do mundo articulada a

um projeto de domínio, instituem o fim das alternativas. Eles eliminam as

heterogeneidades do espaço, a produção e reprodução a partir da diversidade, para

reafirmar o império da homogeneidade. Nesse ínterim, Oliveira (2013) critica a visão

dualista, que conduziu uma visão unidirecional do desenvolvimento histórico do

capitalismo no Brasil. De acordo com ele a acumulação capitalista não se inviabiliza

por essa suposta dualidade, pelo contrário, há uma integração dialética entre aquilo

que em tese é oposto. Desse modo, relata que o desenvolvimento desigual e

combinado é um mecanismo de acumulação do capital. Nestes termos expressa:

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A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação [...]. (OLIVEIRA, 2013, p. 60).

Portanto, o campesinato é compatível com a acumulação capitalista. Martins

(2010) declara que a concepção formalista, classificatória e evolucionista da história

de desenvolvimento do capital criou o que se pode denominar de força das formas,

em que predomina a compreensão do tempo unilinear. Ademais, com está

perspectiva negligenciaram-se os conteúdos das relações, que permitem a

acumulação. Com isso, adotam-se denominações como a de pré-capitalista, ou

resíduo histórico. Martins (2010) diz que é necessário também a adoção do princípio

da contradição. Com isso, não é uma anomalia histórica ao tempo do capital a

presença de relações não capitalistas, o capital cria ou recria como possibilidade e

necessidade aquilo que seu desenvolvimento implicaria destruir. Portanto, o

desenvolvimento desigual, contraditório e combinado implica na recriação do

campesinato, esse sujeito social contribui para a reprodução ampliada do capital.

Luxemburgo (1985, p. 251) afirmava: “De uma ou de outra forma, enquanto

processo histórico, a acumulação de capital depende, sob todos os seus aspectos,

das camadas e sociedades não capitalistas.” Com isso, parte-se do pressuposto de

que a recriação do campesinato não é contrária aos interesses do capital. E como as

materializações dos eventos capitalistas nos territórios se diferenciam na forma e no

conteúdo, as reações camponesas também são diversas, produzindo

campesinato(s) de diferentes faces. Mas antes de discutir este processo, no próximo

item serão desenvolvidos “dois dedos de prosa” sobre o conceito de campesinato.

3- Por que ainda falar de camponeses?

Costa (2013) na critica a Alves & Buainain et. al (2013), ironiza a ideia do

novo rural. Segundo ele, este termo seria a reedição de uma leitura do agrário com

origens no século XIX, com a leitura de Kautsky (1998), além da análise leninista de

diferenciação do campesinato. O dito “novo rural” representaria a prevalência de um

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viés teórico-metodológico unilinear e evolucionista da história. Guzmán & Molina

(2005) acreditam que esse viés se estrutura em compreensões equivocadas de

Kautsky (1998) e Lênin (1870-1924). Segundo eles o primeiro defendia a existência

de um setor camponês no capitalismo, como fonte de acumulação contínua. Além

disso, tais análises reportam ao próprio Marx (1818-1883), para defender o

campesinato como resíduo histórico.

Todavia, negligenciam outras leituras, como a da carta a Vera Sassulitch de

1881 (2005), em que Marx discorre sobre as possibilidades socialistas da comuna

rural, inclusive de regeneração da sociedade russa. Costa (2013) menciona que isso

nega a diversidade estrutural do agrário, tanto na sua natureza, quanto na sua

essência, portanto, nega os campesinatos. No mesmo sentido, Mattei (2014),

destaca que há a intencionalidade de refutar a questão agrária e de afirmar a

supremacia da agricultura moderna. O campesinato neste cenário é o sujeito do

atraso, sequer merece menção. No entanto, como declara Mattei (2014), com isso

perde-se a capacidade de analisar o agrário pelo espectro multidimensional e

multifacetário. Sendo assim, a categoria campesinato permite o entendimento do

agrário complexo, composto por territórios e sujeitos diversos.

Como afirma Costa (2013), há campesinatos espalhados pelo Brasil. Essa

escolha implica no esforço de considerar os elementos a priori que caracterizam

este sujeito social. Segundo Wanderley (2014), o campesinato representa um modo

de vida e uma identidade própria. Woortmann (1990) destaca que esse modo de

vida se estrutura em três categorias culturais, sendo elas: terra-família-trabalho,

sendo que nesta tríade há relações de reciprocidade. Almeida (2006) acrescenta

que isso institui um habitus de classe, um modus operandi sobre o mundo.

Entretanto, Vergés (2011) argumenta que o campesinato é uma classe explorada

pelo capital, sendo produto das suas necessidades de reprodução ampliada. Desse

modo é explorado por diversos caminhos.

Não obstante, Vergés (2011) adiciona que o campesinato pode se constituir

em classe para si, diante das ameaças de proletarização. Como afirma Shanin

(2005), as contradições do capital levam-no a existir a partir da consciência e da

ação política direta de seus membros. Já Guzmán & Molina (2005) defendem que o

campesinato é mais do que uma categoria histórica, se constitui numa forma própria

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de manejar os recursos naturais. Calaça (2010) destaca que no Cerrado a produção

camponesa envolve conhecimentos e práticas agrícolas produzidas ao longo do

tempo. Nesse ínterim, Brandão (2009) denomina esse processo de “contra-

racionalidades” camponesas. Como descreve Wanderlei (2014), os esforços para a

invisibilidade do campesinato se vinculam ao intento de diluição do seu conteúdo

histórico-político. No próximo tópico a discussão se verte para a recriação do

campesinato goiano, como resultado da ação desigual do capital nesse espaço.

4- A recriação do campesinato nas microrregiões do Sudeste goiano e Ceres

Na pesquisa de campo realizada na Cooperativa da Agricultura Familiar de

Orizona (COAPRO) e na Cooperativa da Agricultura Familiar de Itapuranga

(COOPERAFI), com realização de entrevista semi-estrutura com os dirigentes das

respectivas cooperativas, assim como com os cooperados destas, a ação desigual

do capital e, por conseguinte, a recriação diferenciada do campesinato em Goiás

ficou evidente. Segundo os membros da COAPRO, sua existência resulta da

trajetória histórica de organização da agricultura camponesa no município. Segundo

a sua direção, isso se iniciou na década de 1970, em que a criação da diocese de

Orizona propiciou a vinda de padres italianos, estes incentivaram a organização

coletiva das famílias por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Não obstante, como destaca Mendonça (2004), já na década de 1940 o

Partido Comunista (PC) articulou no município a luta camponesa do arrendo. O certo

é que nas CEBs as famílias partilhavam as dificuldades e as necessidades, além do

que, auxiliavam umas as outras por meio de relações de ajuda mútua. Ademais, a

elevada mortalidade de rebanho bovino leiteiro durante a estação seca levou o

técnico agropecuário da EMATER, o Sr. José Geraldo a elaborar projetos de

produção de silagem e manejo do rebanho, o que proporcionou avanços na

produção leiteira. Como resultado deste processo de “gestação” política foram

fundadas vinte e sete associações no município, delas surgiu em 1995 a COAPRO.

A cooperativa conta atualmente com quinhentos e vinte sete cooperados com

diversidade produtiva, agregando desde produtores “altamente produtivos”, os que

possuem uma produção média e aqueles que obtêm produção “pouco” significativa.

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Sendo que desse total apenas cento e oitenta e um são participantes efetivos da

cooperativa. Essa organização possui um patrimônio de R$ 9.000.000, um

faturamento anual de aproximadamente R$ 450.000.000 e tem também uma loja de

produtos agropecuários, um posto de gasolina, uma fábrica de ração e estrutura de

armazenamento de matéria-prima para a produção de rações.

A mercadoria fundamental da cooperativa é o leite, no entanto, também

comercializam mel. As dívidas se vinculam aos financiamentos dos caminhões. Não

obstante, mesmo sendo um ator capitalista, a cooperativa enfrenta dificuldades no

mercado competitivo do setor lácteo. Nesse sentido, a direção menciona que as

indústrias do setor conseguem “burlar” impostos e comercializar a ração a um preço

módico. Além do que, oferecem vantagens a cooperados estruturados que

abandonam a cooperativa.

O cercamento da cooperativa e, consequentemente de seus cooperados, não

parte somente das indústrias de laticínios. Há no município uma valorização intensa

do preço da terra pelo agronegócio, um alqueire com solo de boa qualidade e bem

localizado é vendido por cerca de R$ 120.000. Ademais, sofrem com o cercamento e

“asfixia” produzida pela economia do agronegócio, territorializada na cultura da soja.

Segundo os dirigentes da COAPRO, a produção de mel está seriamente

comprometida devido à intensa aplicação de agrotóxicos na soja.

De acordo com eles, se destacam entre os princípios ativos utilizados, os

conhecidos popularmente como “pó do capeta” e “regente.” Seus efeitos na

apicultura são devastadores, o primeiro provoca o abandono das abelhas da

colmeia, devido à asfixia que provoca nestas, o segundo, com a contaminação de

uma única abelha, promove a mortandade de todas as outras. As dificuldades de

reprodução do campesinato, também se devem a migração campo-cidade, processo

arrefecido pela ação da Escola Família Agrícola de Orizona (EFAORI). Essa

instituição, mantida por entidades internacionais, proporciona a formação dos filhos

dos camponeses como técnicos agrícolas. Com isso, mesmo que alguns migrem,

muitos permanecem na terra, devido a esse projeto de educação.

Na entrevista com o agricultor cooperado, ficou evidente que ele é o

denominado capitalista médio do campo, pois tem uma alta produtividade, cerca de

1.000 litros ao dia, uma estrutura de produção mecanizada. Ademais, conta para a

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gestão da propriedade com o auxilio de um técnico veterinário. Contudo, a direção

da COAPRO destacou que há uma diversidade significativa entre os membros

cooperados no que tange a produção, com produtores altamente mecanizados e

tecnificados, até aqueles que utilizam preponderantemente do trabalho vivo no

manejo do rebanho bovino.

Nesse sentido, há um processo competitivo, seletivo e excludente na

produção leiteira em Orizona, em que os produtores menos capitalizados tendem a

abandonar a atividade. Embora, a permanência deles se deve a existência da

COAPRO. Portanto, percebe-se que ela se constitui em elemento central para a

permanência da agricultura camponesa no município. Já em Itapuranga, o

presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Itapuranga (STRI), o senhor

Geraldo relatou que o início da luta ocorreu no final de 1950, com a formação da

Associação dos Camponeses, dirigida por Claudio Mendes, apoiada pelo Partido

Comunista (PC), por meio de Gregório Bezerra.

Com a extinção dessa associação, a diocese de Goiás, dirigida por Dom

Tomaz Balduíno decide retomar os sindicatos da diocese sob o controle dos

latifundiários. Com isso, com o apoio da igreja, o Sr. Geraldo consegue ocupar a

direção e passa a defender os trabalhadores rurais em suas demandas. Na

entrevista com o presidente da COOPERAFI, o Sr. Gilmar destacou que o SRTI foi

fundamental para tomar a direção do Hospital do Funrural em 1978, atual

Associação Popular de Saúde.

Além disso, possibilitou a formação de outras organizações, como a

Sociedade da Vaca, que visava realizar a compra coletiva de carne bovina. Além da

Associação da Semente e do Adubo, formada com vistas à aquisição coletiva de

insumos. O senhor Geraldo destacou além dessas, a luta do STRI, apoiado pela

igreja e por jornalistas do Jornal Diário da Manhã pelas terras ocupadas pelos

camponeses da Fazenda Córrego da Onça, requerida por Aureliano José Caiado. A

desapropriação dessa fazenda permitiu a permanência de trinta e duas famílias

territorializadas. Também, como resultado da luta sindical no município foi formada

Cooperativa mista COMIL, que visava à compra coletiva de bens de consumo

duráveis e não duráveis, com sua extinção foi formada a COOPERAFI em 1997.

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De acordo com Gilmar, a Cooperativa conta com cento e trinta e cinco sócios,

possui uma agroindústria de processamento de frutas, está inserida no Programa

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e no Programa Nacional de Aquisição de

Alimentos (PAA). Além do que, desenvolve projetos de horticultura com produção

agroecológica, com parcerias com Associação da Agricultura Orgânica (ADAO).

Assim como de produção de leite, em que possui cinquenta e quatro tanques, com

capacidade para vinte e dois mil litros de leite em média, comercializado com a

Central das Cooperativas de Leite (Central/Leite). A coleta atinge os municípios de

Guaraita, Cidade de Goiás e Itapuranga. Em dezoito de Outubro de 2014 a

cooperativa pagava pelo litro do leite R$ 1,03, enquanto as empresas do setor

ofereciam 0,85 centavos.

De acordo com Claudio: “se não fosse a cooperativa muitos de nóis não taria

mais na roça.” (Entrevista realizada em dezoito de Outubro de 2014). Além da

COOPERAFI, existem no município treze associações camponesas, com duzentos e

quarenta associados. Outra estratégia camponesa de resistência com origem no

STRI é a Feira do Produtor Rural, realizada toda quinta-feira, a partir das 17hs, além

da Feira de domingo, que se inicia a partir da 7hs. Na visita a campo aos dois

espaços, no dia vinte e três de Abril de 2015 e cinco de Abril de 2015

respectivamente, foi constatado por meio de observação sistemática, que nelas

eram ofertadas mercadorias típicas da produção camponesa, além de produtos da

indústria artesanal camponesa, como: rapadura, doce de leite e requeijão.

Isto comprova a importância dessa produção para o abastecimento local. No

entanto, sofre com o cercamento do setor agroenérgetico. O Plano Nacional de

Agroenergia (PNA) forneceu entre 2007 e 2010 a Vale Verde Empreendimentos

Agrícolas, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC,2010), 143, 2

milhões de reais. No Gráfico 1 constata-se os efeitos desse financiamento na

produção camponesa. Por exemplo, o efetivo do rebanho bovino contava com

130.000 cabeças em 2000, caiu para 118.720 cabeças em 2009 e passou para

134.000 cabeças em 2013. No que tange a produção de leite, o comportamento é

parecido, com aumento na produção até 2003, queda até 2009, e recuperação da

produção a partir de 2010.

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Gráfico 1 – Estado de Goiás – município de Itapuranga – efetivo de

animais por cabeça em diferentes criações, de 2000 a 2013. Fonte: IMB-2015. Elaboração: SILVA, Edson B. da.

No Gráfico 2 reafirma-se esta questão. Neste sentido, em 2000 eram 25.000

vacas ordenhadas. Já em 2003 este valor subiu para 28.000, mas a partir de 2004

sofreu quedas subsequentes atingindo em 2009, 21.300 matrizes ordenhadas.

Sendo que após 2010 apresentou relativa recuperação, alcançando o número de

27.000 vacas ordenhadas em 2013.

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Período analisado

Efetivo de

suínos

Efetivo de

Bovinos

Efetivo de

Aves

Gráfico 2–Estado de Goiás– município de Itapuranga–efetivo de rebanho

de vacas ordenhadas, do período de 2000 a 2013. Fonte: IMB-2015. Elaboração: SILVA, Edson B. da.

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período analisado

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Na análise constata-se que a queda e a ampliação da produção camponesa

tem relação com fortalecimento e diminuição da produção de commodities no

município, principalmente do setor sucronergético. O território é monopolizado pela

monocultura da cana. Evidentemente que se deve considerar a monocultura das

pastagens, no entanto, seu uso é representativo tanto na atividade patronal, quanto

na produção camponesa.

Sendo assim, o comportamento geral, salvo em algumas exceções, apresenta

uma queda da produção camponesa de 2000 até o final desta década. A diminuição

da área de produção de cana no município a partir de 2010, devido o fim de

contratos de arrendamento e, principalmente a retomada de terras com débitos com

a usina, articulado com os programas vinculados a COOPERAFI e a existência das

treze associações representou relativa recuperação da produção camponesa.

5-Considerações finais

O capitalismo se apropria de forma diferente das microrregiões de Goiás,

devido aos aspectos fisiográficos, de infraestrutura, de localização e o peso das

formas e conteúdos herdados. No Sudeste goiano, especificamente em Orizona

houve a territorialização da monocultura da soja, em que se aliaram os empresários

rurais, as corporações multinacionais, com o amparo do Estado. Nesse cenário, o

campesinato sofre com o cercamento da sua reprodução social, devido à

valorização do preço da terra e uso do pacote mecânico, químico e genético da

segunda “Revolução Verde”, que afetam suas atividades.

A recriação do campesinato de Orizona, historicamente esteve atrelado à

ação do PC, da igreja católica e do Estado, sendo que principalmente o último

instituí nestes camponeses um modus operandi tecnicista/modernizante, por meio

da EMATER. Com isso, houve a produção de um sujeito que contém permanências

e mudanças, mas que com o tempo moldou uma visão técnica como sendo a tábua

de salvação. Com isso, muitos se tornaram capitalistas médios, enquanto outros

garantiram somente a reprodução simples, ou seja, houve um processo seletista e

excludente, com subordinação intensa aos ditames do capital agroindustrial lácteo.

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Na microrregião de Ceres, especificamente em Itapuranga, o setor

sucroenergético subordinou os territórios camponeses pelo avanço dos

arrendamentos. Portanto, houve a diminuição das áreas disponíveis para as culturas

agrícolas camponesas. Não obstante, o pacto do Estado com os atores do setor

arrefeceu na segunda década do século XXI, o que proporcionou a retomada da

produção familiar.

Ademais, o campesinato itapuranguense não recebeu a ação de assistência

técnica como aquele de Orizona, seu modus operandi foi sendo tecido nas

associações e sindicatos, portanto, menos atrelado ao Estado. O fato é que em

ambos os espaços a recriação camponesa se faz no interior do capital, que

subordina, “cerca” e ameaça de expropriação os sujeitos sociais. São as

contradições que retroalimentam a luta cotidiana contra o capital hegemônico.

Referências

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DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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