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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 1589 O DESAFIO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA DO IMPLANTE COCLEAR E O BILINGUISMO PARA OS SURDOS Neide Mitiyo Shimazaki Tsukamoto 1 Adriana de Mello Guzzo 2 Grupo de Trabalho Comunicação e Tecnologias Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo apresenta os resultados de reflexões realizadas pelos pais surdos que optaram em utilizar a tecnologia do Implante Coclear (IC) para seus filhos surdos, como um recurso de apoio para potencializar a forma bilíngue de expressão comunicativa. Considera-se, na concepção bilíngue, que a primeira língua dos surdos é a Língua de Sinais e a segunda língua dos surdos é a Língua Portuguesa. A cultura, a identidade e a comunidade surda se formalizam na Língua de Sinais. Para tal, este estudo de caso utilizou-se da técnica da entrevista para a coleta de dados, mediada por Libras, com quatro pais de filhos surdos com IC. Os pais relatam os aditamentos observados nos seus filhos com IC e assinalam como um recurso que contribui para acessar aos saberes universais processados em diferentes contextos, em especial, na educação. Realçam a função de significar os sons percebidos eletronicamente, com a compreensão de sons ambientais. Também, os pais destacam que, com o uso IC consente aos surdos adquirirem a linguagem falada, processadas na construção de hipótese, nas elaborações de argumentos, nas reorganizações discursivas, enfim, favorecendo a autonomia na comunicação com ouvintes em Língua Portuguesa e com surdos em Libras. Tais constatações, confirmam a necessidade de compor novos referenciais para os esclarecimentos dos conflitos existentes entre as visões clínica-terapêutica e sócio- pedagógica, com bases no direito e na liberdade de escolhas pessoais. Assim, esta pesquisa evidencia a necessidade de esclarecimento e conhecimentos sobre o IC, como um dos meios para a emancipação dos sujeitos surdos enquanto sujeitos sociais e negar os benefícios seriam um retrocesso para a formação cidadã dos surdos, por assim considerar e concluir que o IC representa um aparato da sociedade do conhecimento. Palavras-chave: Surdez. Bilinguismo. Implante Coclear. 1 Doutoranda em Educação: Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores pela PUCPR. Professora pela Secretaria de Estado da Educação (SEED-PR). Pesquisadora pela PUCPR. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Libras. Graduada pela Universidade Federal do Paraná em Letras Libras. Professora de Libras. E-mail: [email protected].

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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

1589

O DESAFIO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA DO IMPLANTE

COCLEAR E O BILINGUISMO PARA OS SURDOS

Neide Mitiyo Shimazaki Tsukamoto1

Adriana de Mello Guzzo2

Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologias

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo Este artigo apresenta os resultados de reflexões realizadas pelos pais surdos que optaram

em utilizar a tecnologia do Implante Coclear (IC) para seus filhos surdos, como um

recurso de apoio para potencializar a forma bilíngue de expressão comunicativa.

Considera-se, na concepção bilíngue, que a primeira língua dos surdos é a Língua de

Sinais e a segunda língua dos surdos é a Língua Portuguesa. A cultura, a identidade e a

comunidade surda se formalizam na Língua de Sinais. Para tal, este estudo de caso

utilizou-se da técnica da entrevista para a coleta de dados, mediada por Libras, com

quatro pais de filhos surdos com IC. Os pais relatam os aditamentos observados nos

seus filhos com IC e assinalam como um recurso que contribui para acessar aos saberes

universais processados em diferentes contextos, em especial, na educação. Realçam a

função de significar os sons percebidos eletronicamente, com a compreensão de sons

ambientais. Também, os pais destacam que, com o uso IC consente aos surdos

adquirirem a linguagem falada, processadas na construção de hipótese, nas elaborações

de argumentos, nas reorganizações discursivas, enfim, favorecendo a autonomia na

comunicação com ouvintes em Língua Portuguesa e com surdos em Libras. Tais

constatações, confirmam a necessidade de compor novos referenciais para os

esclarecimentos dos conflitos existentes entre as visões clínica-terapêutica e sócio-

pedagógica, com bases no direito e na liberdade de escolhas pessoais. Assim, esta

pesquisa evidencia a necessidade de esclarecimento e conhecimentos sobre o IC, como

um dos meios para a emancipação dos sujeitos surdos enquanto sujeitos sociais e negar

os benefícios seriam um retrocesso para a formação cidadã dos surdos, por assim

considerar e concluir que o IC representa um aparato da sociedade do conhecimento.

Palavras-chave: Surdez. Bilinguismo. Implante Coclear.

1 Doutoranda em Educação: Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores pela PUCPR.

Professora pela Secretaria de Estado da Educação (SEED-PR). Pesquisadora pela PUCPR. E-mail:

[email protected]

2Especialista em Libras. Graduada pela Universidade Federal do Paraná em Letras Libras. Professora de

Libras. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

Abordar o tema da inclusão escolar implica em reconhecer as esferas das políticas

públicas que norteiam a educação inclusiva, que se identificam entre os que são

favoráveis a inclusão escolar dos alunos com deficiências sensoriais, sobretudo de

alunos com surdez, e os que advogam pelo direito a uma educação específica, na luta de

reconhecer os surdos como um grupo social distinto, devido à especificidade linguística.

Fernandes (2003) recorre a análise sócio-histórica, na qual constata que na Antiguidade

já se referia a comunicação diferenciada entre os surdos, em contraposição ao

etnocentrismo oralista fundadas nos paradigmas culturais dos ouvintes. Também,

destaca que a língua de sinais utilizada pelas pessoas surdas oferece os elementos

simbólicos essenciais ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores, como o

pensamento, a memória, a formação e a generalização de conceitos.

Para Felipe (2007) o sujeito surdo deve ser considerado pela sua diferença que se

manifesta pela sua língua natural que é a Língua de Sinais, no Brasil, a Língua

Brasileira de Sinais – Libras, a sua cultura e identidade na comunidade surda,

compreendida como o espaço de partilhar os valores e comportamentos.

Tais afirmações encontram amparo nas legislações, que reconhecem a Libras em

território nacional pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, sancionada em 22 de

dezembro de 2005, o Decreto Federal n° 5.626/2005, como a língua oficial dos surdos

(BRASIL, 2005).

Em temos educacionais, Santos (2010), aponta para a educação bilíngue, isto é, a língua

de sinais como primeira língua e a segunda língua, a Língua Portuguesa, como meio e

direito dos sujeitos surdos em acessar os conhecimentos acadêmicos, na consecução das

crianças surdas, ao nascer, terem o primeiro contato com pais fluentes em Libras, para

que não tenham prejuízos no desenvolvimento da linguagem e nas expressões dos seus

pensamentos e sentimentos.

Do ponto de vista da cultura ouvinte e dos gestores em saude, a utilização do IC

representa possibilidade de utilização da capacidade auditiva e da aquisição da língua

oral, com independência na comunicação, entre outros benefícios. Todavia, na

comunidade surda, que busca o reconhecimento às diferenças linguísticas e o uso do

recurso do Implante Coclear (IC) têm sido criticadas. Até o momento, as posições tem

sido unilateral, isto é, a comunidade surda é contra o IC, de maneira que, as discussões

sobre o uso do IC como um recurso de apoio para a disseminação da abordagem

bilíngue não são expressivas.

Esclarecem Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que as críticas direcionadas aos surdos

implantados decorrem em razão dos processos de aquisição, de interação e de

aperfeiçoamento da audição e da linguagem que acompanham a estrutura de

desenvolvimento da Língua Portuguesa, na qual, os objetivos propostos são elaborados

para equiparar os resultados de linguagem às crianças ouvintes monolíngues.

O movimento mundial de priorizar a inclusão social e escolar de pessoas com

necessidades educacionais especiais, sobretudo com surdez, traz a necessidade de

revisar as concepções ambivalentes e confusas construídas na trajetória da humanidade.

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A forma de pensar e relatar a surdez ainda são múltiplas e variadas. Autores como

Quadros (1997), Perlin (2005), Ströbel (2007), entre outros, sistematizam em dois

grandes modelos de concepções que definem a pessoa com surdez: a surdez na

concepção clínica-terapêutica e a surdez na perspectiva pedagógica e social.

Na concepção clínica-terapêutica, utiliza-se o termo “deficiente auditivo” para

conceituar as pessoas com surdez e com as devidas orientações interagem com os

ouvintes por meio de comunicação oral apoiados na audição residual e dos recursos das

tecnologias digitais. Enquanto que a surdez na concepção pedagógica cultural utiliza-se

o termo “surdo” e o concebe como um sujeito sócio-antropológico cultural capaz de

decidir seu futuro e de ter autonomia de decisão assegurada pelo uso da Língua de

Sinais (PERLIN, 2009).

No seu Parágrafo Único do Decreto 5626/2005 diz que “considera-se deficiência

auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,

aferida por audiograma nas frequências de 500 Hertz (Hz), 1.000Hz, 2.000Hz e

3.000Hz” (BRASIL, 2005). Nesse enfoque, o nível de perda é baseado na unidade de

medida denominada decibel (dB), que indica a intensidade e o volume dos sons obtida

por meio de realização de audiometria para identificar os diferentes graus de perda

auditiva e tipo de surdez. O referido parágrafo precede à concepção clínica-terapêutica.

No entanto, nas demais prerrogativas, estabelecem-se as normas para a concepção

sociocultural da surdez.

Distingui Sander (2012, p. 75) que na concepção do bilinguismo, a surdez não gera

limitações uma vez compreendidas como “uma diferença marcada pelo uso de língua de

sinais” e, também, que “não exclui o aprendizado da modalidade oral da língua,

simplesmente a oralidade deixa de ser o único objetivo a ser perseguido”.

Diante o exposto, evidencia-se que neste estudo não se tem a intenção de privilegiar

uma ou outra concepção, mas como conhecimento integrante das questões associadas à

surdez, conjecturados em todas as dimensões do conhecimento, como instrumentos para

que a sociedade e os seus setores compreendam a diferença e a necessidade de construir

referenciais de pesquisas baseados na parceria colaborativa entre as abordagens, ou seja,

ver os sujeitos surdos nas reais necessidades e nas potencialidades funcionais.

Vale destacar a importância de conhecer os recursos tecnológicos, sobretudo o IC como

um meio que permita aos surdos de pais surdos valer-se da filosofia bilíngue articulada

nas interações sociais.

Os surdos e o Implante Coclear

Como já expostos, a luta pela diferença linguística identificam concepções de surdez a

partir de pontos distintos, como do ponto de vista clínico, do educacional e do cultural.

A utilização de recursos tecnológicos, como os Aparelhos de Amplificação Sonora

Individual (AASI), Implante Coclear e Sistema FM elucidam o foco na concepção

considerada clínica-terapêutica, pois representam meios tecnológicos que possibilitam

às pessoas com surdez se apropriam da linguagem oral.

A Organização Mundial da Saude (OMS), em 2003, passou a utilizar o CIF em

valorização aos aspectos funcionais da audição e para que certos termos, como

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“deficiência” e “limitação”, não constituíssem impedimento para a promoção da saúde.

Assim, Daher (2008), representante do Ministério da Saude no Brasil, elenca um rol de

portarias regularizando os procedimentos clínicos para as ações da Política Nacional de

Atenção à Saude Auditiva e o IC consiste um destes procedimentos.

O IC, definidos por Bevilacqua, Moret e Costa (2011) como um dispositivo eletrônico

de alta tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente

as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o

nervo auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral. O implante coclear

consiste em dois tipos de componentes interno e externo, conforme apresenta a Figura

1. O componente interno é inserido no ouvido interno por meio de ato cirúrgico e é

composto por uma antena interna com um imã, um receptor estimulador e um cabo com

filamento de múltiplos eletrodos envolvido por um tubo de silicone fino e flexível.

Figura 1 – Implante Coclear

Fonte: Maria Cecília Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013

Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) apresentam a avaliação da natureza e da

qualidade de estímulos sonoros feitas com pessoas com surdez neurossensorial bilateral

pré-lingual, isto é, surdez ocasionada por desordem do ouvido interno bilateral, no

período que antecede à aquisição de linguagem, que passaram a utilizar o IC.

As autoras revelam que, mesmo para pré-linguais, os benefícios do recurso do IC têm

sido imediatos e permitido a detecção de sons ambientais captados por meio de

microfone, demonstrado na Figura 2, que os transformam eletricamente em algoritmos

eletrônicos, que são enviados a uma antena, transmitindo a informação ao implante e ao

feixe de eletrodos que estimulam e as informações chegam às células do nervo auditivo

proporcionando a sensação auditiva.

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Figura 2 – Dispositivos internos e externos

Fonte: Maria Cecília Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013

Moret, Bevilacqua e Costa (2007) atentam que o maior desafio do IC não se relaciona

ao dispositivo que permite ao surdo escutar, mas, se os sons que irão escutar vão ter

significado. Afirmam que os benefícios do recurso dependerão das condições de

aprendizagem de cada sujeito e

os aspectos que influenciaram o ganho nas categorias de audição e de

linguagem das crianças implantadas foram a idade da criança, o tempo de

privação sensorial auditiva, o tempo de uso do implante coclear, o grau de

permeabilidade da família no processo terapêutico, o tipo de implante coclear e a estratégia de codificação da fala utilizada (p. 10).

Na consideração de que o IC consiste em recursos de tecnologia que auxilia o cérebro a

interpretar os estímulos sonoros, devolvendo o sentido ao paciente, o Ministério da

Saude tem se responsabilizado pela intervenção cirúrgica, considerada de alta

complexidade hospitalar (DAHER, 2008).

Apesar dos riscos, os dados do Ministério da Saúde mostram, em 2009, foi de R$ 538,4

milhões – 315% superior ao total investido em 2002. Pela Portaria Coletiva, o POC-35,

de 1999, o Implante Coclear e Deficiências Auditivas passa a ser de responsabilidade do

Ministério da Saude, por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)

constados na Portaria MS/SAS Nº. 503, de 03/09/99, o que significa que, como parte da

assistência às pessoas com deficiência auditiva, a tecnologia de IC tem sido financiada

pelo Sistema Único de Saude (SUS) (BRASIL, 2001).

Padovani (2008, p. 355) destaca que o IC permite “o desenvolvimento de diversas

funções do sistema auditivo que permitem ao indivíduo não apenas perceber os sons de

sua língua, como também propiciar o desenvolvimento da linguagem”. O apoio ao

desenvolvimento do processamento auditivo, isto é, aprendendo a escutar irá organizar

o sistema linguístico e

não se pode generalizar os resultados de aquisição e desenvolvimento de

linguagem por crianças surdas implantadas ou mesmo usuárias de outros

dispositivos de amplificação sonora[...]. No entanto, parece não haver

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dúvidas de que, para grande parte das crianças, o implante coclear possibilita

acréscimo no ritmo de desenvolvimento da linguagem e a possibilidade de

eventualmente alcançarem níveis aproximadamente normais de competência

(p.358)

De forma que, os surdos implantados requerem atenção intensa, principalmente na fase

pós-operatória e depois no sentido de significar e processar os sons captados no cérebro.

Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) indicam terapias específicas, com fins de

aprender a escutar os sons do mundo, que podem ser individual e terapia conjunta.

Ressaltam, também, que o acompanhamento deve ser realizado por equipe

multiprofissional, que inclui o mapeamento e balanceamento de eletrodos e telemetria

de respostas neurais.

Assim sendo, pressupõe-se que os resultados condizem com a afirmação de Quadros,

Cruz e Pizzio (2012) que constatam que as pesquisas no segmento dos usuários de IC se

focam no desenvolvimento da língua oral e em contextos orais. Não negam os

benefícios do IC, mas advogam pela apropriação de Libras pelos implantados.

Afirmam as referidas autoras que “nenhuma investigação científica examinou ainda o

desenvolvimento de uma língua de sinais e de uma língua oral enquanto dois sistemas

de uma criança bilíngue, comparando-as com a situação bilíngue natural vivenciada por

filhos ouvintes, de pais surdos” (p.187).

Tais constatações exige a compreensão de que a Libras é um direito linguístico

adquirido pelos surdos, que se mescla aos outros desafios que surgem quando se quer

transpor ao conceito do senso comum.

Caminhos investigativos sobre as aproximações entre o bilinguismo do implante

coclear

A investigação foi realizada a partir da necessidade de buscar informações sobre os

benefícios do IC, na proposição inicial de constituir apoio para a concepção bilíngue

abarcando filho surdo de pais surdos. De maneira que, esta pesquisa se caracteriza como

sendo qualitativa e de caráter de estudo de caso simples que aborda situações inéditas e

contemporâneas, na principal preocupação de estabelecer a interação entre fatores e

eventos, com finalidade de se analisar o objeto apreendido na dinâmica social (YIN,

2005).

Como instrumento de coleta de dados utilizou-se da técnica da “entrevista”, que

segundo Lankshear e Knobel (2008), constitui uma forma de coleta de dados na

pesquisa qualitativa. Entre as interações indicadas pelos autores para conduzir a

entrevista, escolheu-se a realização presencial, na qual, o entrevistador e o entrevistado

utilizaram-se de Libras, ao invés de dados verbais, reuniu-se dados sinalizados, em

virtude do público-alvo constituir-se de surdos.

Na verdade, às características do público-alvo, formado por quatro pais surdo de filhos

surdos com IC, definiram-se os encaminhamentos das entrevistas, que exigiu interações

planejadas e combinadas entre o entrevistador e o entrevistado, para que se concretizem

em dados científicos.

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Na fase de organização que precedeu a realização da entrevista, exigiu contato prévio

feito via e-mail e envio de torpedos nos celulares. Confirmada a disponibilidade,

conforme a disponibilidade ocorreu a elaboração de um texto de instrução, que dentro

dos gêneros textuais da Língua Portuguesa, no caso, a segunda língua para os surdos,

explicita visualmente o passo a passo da realização da entrevista, e destacam os

objetivos dela e a intenção de formalizá-la. Foram enviadas para quinze (15) sujeitos

surdos, mas, quatro (4) retornaram.

Após as confirmações dos quatro (4) participantes elaborou-se o roteiro de perguntas

que foram disponibilizados antes da data marcada para a entrevista. Tudo foi registrado

pela câmera fotográfica digital, em formas de fotos e filmagens, para as transcrições das

entrevistas. Os textos transcritos foram retextualizados e apresentados para a apreciação

e aprovação dos entrevistados.

As primeiras questões do roteiro se referiam aos aspectos biológicos da surdez, como a

causas, histórico na família e período em que ocorreu a surdez. O óbvio se confirmou,

os pais e filhos têm a genética como a principal causa biológica da surdez, em que os

casos se enquadram em surdez pré-lingual, isto é, nenhum dos quatro filhos surdos teve

contato com a Língua Portuguesa oral, o que significa que eles, segundo Bevilacqua,

Moret e Costa (2011) não têm a memória auditiva como apoio na aquisição da

linguagem.

Codifica-se, neste estudo, os pais com a letra “P” e mais o número, em respeito à

preservação dos autores e a ética da pesquisa, que no questionamento: por que vocês

optaram em fazer o IC? Não seria uma decisão que foi contra a comunidade surda? as

respostas foram:

P1: Porque eu acho que é um recurso tecnológico maravilhoso que melhora

a vida de surdos. Ele tem opção de conviver com os ouvintes e conosco, na

comunidade surda e ele ensina os vocabulários em Libras para nós. Sei que

a comunidade surda é contra. Muitos surdos me disseram que o meu filho ia

morrer louco, por causa do barulho que ele ia ouvir, mas acho que falta

informação.

P2: Meu sonho era que ela fizesse o IC, para ela não sofrer tanto com a falta

de comunicação e compreensão do que é falado. Eu sempre sou criticada por

isso. Muitos surdos já me acusaram de traição e de dizer que é falta de

identidade surda, mas o que eu quero é a felicidade da minha filha.

P3: Eu pesquisei muito na internet a respeito do IC e vi que realiza muito

nos Estados Unidos e acreditei nos médicos do Brasil.

As respostas revelam o sentido de proteção natural dos os pais que querem evitar o

constrangimento dos filhos, que sofrem com as ambiguidades entre as questões relativas

às lutas pela identidade surda e as questões que diz respeito a possibilidade de conseguir

a apropriação da Língua Portuguesa, que acima de tudo, denuncia a resistência social

reincidente.

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P4: Nós só queremos a felicidade dos filhos, e não queria que eles sofressem

como sofri com a falta e comunicação. Acho que o mundo não está

preparado para aprender a língua de sinais e nós ficamos muitos sozinhos.

Na pergunta, como você vê o seu filho com IC? As afirmações revelaram a gratidão dos

filhos. P1: Ele me agradeço toda vez que pose. Ele diz “obrigada mamãe, você é

inteligente”. Eu o vejo feliz, pois, aumentou as possibilidades de

acompanhar o mundo dos ouvintes. Ele até sabe outra língua e toca um

instrumento musical! Sem IV seria impossível este aprendizado.

P2: Eu vejo que ela é feliz. Já me disseram que surdo com IC morre de

depressão e cometem suicídio, mas isso deve ser de cada pessoa. A minha

filha é feliz e ele se desenvolve cada vez mais com ajuda do IC.

O segundo depoimento acima revela a falta de conhecimento que tem como base a

verdade do senso comum, sem fundamento científico, contrário à afirmação de

Bevilacqua, Moret e Costa (2011), o IC recurso fantástico para a autonomia do sujeito

surdo. Em relação a opinião da família também corrobora com a autora.

P3: O pai e a minha família estão felizes, pois, agora ele ensina a família

inteira, tenta me ensinar inglês, também, me ensina sinais novos. Ele é inteligente demais.

P4: Ela brinca com as meninas que escutam como se fosse ouvinte. Fico

surpresa. Ela sabe escrever cartas e redações e gosta de ler. Imagine isto

para os surdos antigos....

Na questão sobre a vontade de divulgar os resultados positivos do uso do IC na

comunidade surda, as respostas foram:

P1: Não. Porque falta conhecimento e as vezes a comunidade surda é muito

radical, não dá para mostrar e dialogar com eles. Na verdade eles não

tiveram filho com IC para ver os resultados. Eu não gostaria de relatar como

IC é bom, só ser for em outro estado ou outra cidade, aqui não.

P2: Não. Eles já me criticam em público, foi bem chato [...] seria mais um

motivo para discutir e de me acusarem de traidora e de sem identidade.

P3: Não sinto preparado para enfrentar os que são contra, que são muitos e

acreditam que o IC não é bom, que é coisa de ouvintes.

P4: Não quero divulgar, porque já tentei, mas eles não querem enxergam os avanços da minha filha. Parece que eles tem ciúmes de ver meu filho

escutando e sabendo o que escuta.

As respostas se complementam nos relatos livres quando perguntado se tem algo a

dizer:

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P1: Sim. O IC só vem a ajudar os filhos surdos de pais surdos, pois eles

trazem conhecimentos adquirido no mundo ouvinte e ele sabe que é surdo,

mas o recurso permite desenvolver e avançar no conhecimento. Sei que ele

vai chegar na universidade, dentro de uma escolaridade de verdade, pois ele

fala outra línguas, também toca música e adora dançar. .

P2: Sim. Gostaria que os surdos que criticam olhassem o IC como um recurso tecnológico que auxiliam os surdos a aprender o que todos outros

alunos ouvintes aprendem. Com isso, acho que diminui a dificuldade na

comunicação, na compreensão dos problemas, e dá chance dos surdos ser

mais independentes.

P3: Não critiquem o que não conhece. Procurem ver os surdos implantados e

como ele tem nos ajudado. Eu me emociono todas as vezes que o meu filho

me ensina em Libras o que ele escutou.

P4: Não precisa ter medo de fazer IC. Ninguém morre por isso. Ruim é ficar

sem apoio e ficar preso a um conceito e morrer na ignorância. Não vejo mal

nenhum em ser implantados e ser bilíngue. .

As respostas revelam uma intransigência e falta de conhecimento sobre o IC e os

benefícios que trazem para os surdos, quando na verdade poderia associar o IC com o

desenvolvimento e disseminação das Libras.

A defesa da apropriação e utilização das Libras, mesmo para os implantados, corrobora

com os estudos Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que apresentam os resultados de forma

qualitativa e quantitativa indicando um contraste entre os dois grupos, mas com uma

diferença na performance da criança surda com IC, filha de pais surdos e

complementam que

a análise dos resultados revela que a criança surda com implante coclear com

acesso irrestrito à Libras apresenta desempenho muito próximo das crianças

bilíngues bimodais ouvintes na Libras e no Português, resultado diferente das

crianças surdas com implante coclear com acesso restrito à Libras, que apresentam desempenho inferior no Português e nos padrões fonológicos da

Libras, sendo que mesmo com acesso restrito à Libras estas crianças

conseguem atingir desempenho melhor na Libras. (p.1)

De tal maneira que revelam que estamos no início de uma grande batalha: da aceitação

de diálogo a respeito do IC com a comunidade surda como sendo benéfico à concepção

bilíngue e a aceitação da inovação tecnológica em prol à autonomia dos sujeitos surdos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados das entrevistas revelam que os surdos implantados fazem uso da audição,

da linguagem oral e da Libras e com qualidade interativa igual e em alguns casos,

superior as dos ouvintes.

Todavia, ainda a comunidade surda encontra-se em tempo de consolidar as últimas

conquistas sobre o direito de ser diferente na expressão de uma língua própria, na qual,

torna-se compreensível que não coloquem em pauta as discussões sobre as possíveis

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aproximações entre os recursos tecnológicos, o IC, e o bilinguismo, sem desvincular do

conceito clássico de ser uma tendência clínica-terapêutica.

De maneira que intensificam-se a necessidade de se ultrapassar as discussões de campos

distintos de conflitos entre a visão clínica da sócio-pedagógica, que constituíam estudos

que articulem o direito de às escolhas e não eliminem umas às outras, por considerar o

IC como um aparato da sociedade do conhecimento amparadas por tecnologias e negá-

las seria um retrocesso para a formação cidadã dos surdos.

A pesquisa teve os propósitos alcançados, na certeza de que irá confrontar com desafios

e discordâncias, mas, na veemência de que o conhecimento e o esclarecimento das

possibilidades e dos benefícios do IC precisam tornarem-se público, por fim, derrubar

os mitos em torno do IC.

Assim, espera-se que consolidem espaços para discussões entre os surdos implantados,

a comunidade surda e a sociedade, que utilizem o IC como bases para uma educação

bilíngue de qualidade, o que já é oficial.

REFERÊNCIAS

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contemporânea: pressupostos filosóficos. In: MORI, N.N.R; JACOBSEN, C. C.

(Orgs). Atendimento educacional especializado. Maringá: Eduem, 2012

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